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“O PT sob uma perspectiva sartoriana: de partido anti-sistema a legitimador do sistema” 1 Pedro José Floriano Ribeiro Introdução A vitória do PT nas últimas eleições presidenciais suscitou inú- meras indagações a respeito das causas e condições que levaram o partido a ascender ao Governo Federal depois de três tentativas anteriormente frustradas. Estas indagações dizem res- peito principalmente ao deslocamento da agremiação rumo ao centro do espectro político-partidário nacional, à adoção de um discurso amplo e agregador por parte de seu candidato e à rea- lização de uma campanha altamente moderna e dispendiosa, entre outros pontos que certamente concorreram para o êxito do partido – somados, logicamente, ao desgaste do governo Fernando Henrique e à incapacidade do candidato situacionista em impedir a fragmentação da base partidária que sustentara os dois últimos mandatos 2 . Este artigo aborda aquilo que denominamos de variável de deslocamento: a migração do PT de uma posição clara e ideologica- mente de esquerda – mantida nas três primeiras campanhas presi- denciais – em direção ao centro do espectro político-partidário nacional, dando início à redefinição posicional da agremiação 3 . 1 Este artigo é parte da pesquisa de mestrado que desenvolvo sob orientação do Prof. Fernando Antônio Azevedo no Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da Universidade Federal de São Carlos, a qual se insere no âmbito do Grupo de Pesquisa em Comunicação Política da mesma instituição. 2 Destacando-se aí a defecção do PFL. 3 Conquanto seus líderes não o admitam publicamente, conforme demonstra arti- go de Genoino (2003). Artigo

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  • O PT sob uma perspectiva sartoriana:de partido anti-sistema a legitimador

    do sistema1

    Pedro Jos Floriano Ribeiro

    Introduo

    A vitria do PT nas ltimas eleies presidenciais suscitou in-meras indagaes a respeito das causas e condies quelevaram o partido a ascender ao Governo Federal depois de trstentativas anteriormente frustradas. Estas indagaes dizem res-peito principalmente ao deslocamento da agremiao rumo aocentro do espectro poltico-partidrio nacional, adoo de umdiscurso amplo e agregador por parte de seu candidato e rea-lizao de uma campanha altamente moderna e dispendiosa,entre outros pontos que certamente concorreram para o xitodo partido somados, logicamente, ao desgaste do governoFernando Henrique e incapacidade do candidato situacionistaem impedir a fragmentao da base partidria que sustentaraos dois ltimos mandatos2.

    Este artigo aborda aquilo que denominamos de varivel dedeslocamento: a migrao do PT de uma posio clara e ideologica-mente de esquerda mantida nas trs primeiras campanhas presi-denciais em direo ao centro do espectro poltico-partidrionacional, dando incio redefinio posicional da agremiao3 .

    1 Este artigo parte da pesquisa de mestrado que desenvolvo sob orientao doProf. Fernando Antnio Azevedo no Programa de Ps-Graduao em CinciasSociais da Universidade Federal de So Carlos, a qual se insere no mbito doGrupo de Pesquisa em Comunicao Poltica da mesma instituio.

    2 Destacando-se a a defeco do PFL.3 Conquanto seus lderes no o admitam publicamente, conforme demonstra arti-

    go de Genoino (2003).

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    O deslocamento do partido consubstanciou-se na e tornoupossvel a costura de alianas com um partido centrista j na cam-panha para a primeira rodada eleitoral, o Partido Liberal, o queacabou por atrair rbita de apoios do candidato petista umaparcela significativa do empresariado e das classes mdias querelutavam em aderir a Lula. Esta atrao de novas foras sociais epolticas configurou-se importante no s para seduzir uma par-cela decisiva do eleitorado de centro que maior parte no Bra-sil fazendo a maioria eleitoral adornar de uma coalizo de cen-tro-direita para outra de centro-esquerda, mas tambm para pro-ver campanha uma soma de recursos financeiros nunca dantesdisponvel a Lula e a seu partido principalmente pela adeso daparte do empresariado nacional que mais perdeu durante os oitoanos de Fernando Henrique, qual seja principalmente o setor in-dustrial paulista, conforme afirma Fiori (2001).

    O deslocamento ao centro tornar-se-ia ainda mais patentena campanha do segundo turno, quando o candidato petista re-ceberia o apoio de parcelas significativas do PFL e do PMDB emque pese o fato de que este ltimo apoiasse oficialmente o candi-dato situacionista. J iniciado o mandato, o PMDB se uniria ofici-almente base governista, sendo acompanhado por outra siglacentrista, o PTB, e por expressivas parcelas daquilo que se podechamar da direita partidria brasileira: o PP4 e parte do PFL. As-sim, difana a migrao do PT rumo ao centro do espectro par-tidrio nacional: primeiro, para conquistar apoios necessrios vitria eleitoral; ulteriormente, para adquirir maioria slida nasduas casas do Congresso.

    Entretanto, o PT passou por mudanas internas profundasmuito antes do pleito de 2002, as quais possibilitaram talrealinhamento. Para compreend-las, empreendemos uma anli-se amparados por arcabouo terico que gira em torno de doiseixos: a acepo sartoriana de partido anti-sistema Sartori (1982) e a teoria da mudana institucional de Panebianco (1990).

    Sob a perspectiva sartoriana, procuramos caracterizar o PTcomo sendo um partido anti-sistema e irresponsvel desde sua fun-

    4 Partido Progressista, antigo PPB.

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    dao at meados dos anos 90. Aps presses externas e mudan-as internas, que eclodiram na metade dos anos 90, o PT passariaa ter uma atitude diferente em relao ao sistema poltico nacio-nal, legitimando-o; somente a partir da foi possvel agremiaorumar em direo ao centro poltico nacional, atraindo novos ali-ados e adotando um discurso sobremaneira mais amplo eagregador do que o das campanhas anteriores.

    Assim, fundamental para o entendimento de como foi pos-svel agremiao conquistar a Presidncia em 2002 a compreen-so de como o PT passou da condio de partido anti-sistema delegitimador do sistema. A apreenso da alterao da atitude petistaem relao ao sistema poltico no qual sempre operou fornecemuitas respostas a perguntas concernentes a vrias redefinies derumos do partido, fornecendo bases explicativas mais slidas snovas feies assumidas pela legenda.

    O que impulsionou a transformao do PT? Para compreen-der esta mutao, recorremos ao modelo de mudana institucionalproposto por Panebianco (1990), identificando as pressesambientais que fizeram eclodir alteraes internas e as pr-con-dies que, uma vez catalisadas, levaram a estas mudanas.

    Longe de fornecer todas as respostas s indagaesconcernentes chegada do PT ao Executivo nacional, este arti-go procura contribuir para o entendimento do deslocamentodo partido ao centro do espectro partidrio nacional trazendo alume uma transformao anterior e mais profunda, qual seja oabandono da atitude anti-sistmica levada a cabo pela agremiaoat meados dos anos 90.

    Eixos tericos

    Em seu clssico Partidos e Sistemas Partidrios, Sartori (1982)define os partidos anti-sistema como aqueles que trazem impac-tos simblicos deslegitimadores sobre o sistema, ou a propriedadede questionarem um regime e de enfraquecerem sua base de apoio.Assim sendo, um partido pode ser definido como sendo anti-sis-tema sempre que enfraquece a legitimidade do regime a que se ope(Sartori, 1982: 158; grifos no original).

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    Com este questionamento feito pelo partido anti-sistema, osistema poltico5 enfrenta uma constante crise de legitimidade,em uma ausncia de apoio que fortalece a oposio ideolgica.

    Sartori (1982) continua explicando que a oposio anti-sis-tema no feita somente contra o governo de turno, ou contraquestes, medidas e polticas especficas deste: , antes, umaoposio totalmente apriorstica, feita em princpio contra o pr-prio sistema de governo atravs de um sistema de convicesque no partilha dos valores da ordem dentro da qual opera(Sartori, 1982:158). o que ele chama de uma ideologia estra-nha ao sistema poltico.

    A negao dos partidos anti-sistema pode ser efetivada devrias distintas maneiras, indo da alienao e rejeio total aosimples protesto inconseqente. Sua atuao pode se dar tanto apartir de fora do sistema quanto de dentro dele, pela infiltraodiscreta ou pela obstruo conspcua (Sartori, 1982:159), o quefaz com que anti-sistema no se confunda com fora do sistema.

    Conquanto haja diferentes formas de atuao, os proble-mas que um partido anti-sistema trazem para o governo so ba-sicamente os mesmos, relacionando-se principalmente com aobstruo aprovao de projetos e matrias de interesse doExecutivo, o que leva Sartori (1982) a afirmar que sua definiopossui pontes tericas com a definio de partido de chantagem.Porm, o autor italiano esclarece que, se todo partido revolucion-rio um partido anti-sistema, o inverso no verdadeiro, poden-do um partido anti-sistema no se constituir em revolucionrio.

    Ainda segundo Sartori (1982), os partidos anti-sistema exer-cem tipicamente uma oposio irresponsvel, ou seja: uma oposi-o permanente, rejeitando a identificao com o sistema polti-co e sem ter preocupao alguma com as promessas e projetos

    5 Sartori (1982) afirma que os partidos anti-sistema so tipicamente encontradosnos sistemas partidrios pluralistas polarizados ou extremos. Nestes, a competi-o centrfuga e com grande distncia ideolgica entre os partidos, que so aomenos cinco, sendo que as funes governativas cabem tipicamente s agremiaescentristas, que ora se aliam aos partidos de centro-direita, ora aos de centro-esquerda. Os outros tipos principais de sistemas multipartidrios so o pluralismosimples, ou bipartidarismo, e o pluralismo moderado.

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    apresentados, j que as chances de compor o governo e ter quehonrar tais compromissos se mostram extremamente reduzidas6.

    Lentamente, a intensidade da atitude anti-sistema tende aarrefecer, o que faz com que o sistema poltico acabe por absor-ver o partido anti-sistema, que abandona seus projetos de derru-bada do sistema e regime vigentes. Quando isto acontece, ocorrea passagem da tendncia de deslegitimao para a tendncia derelegitimao do sistema, com os processos intrinsecamente en-volvidos em cada uma delas (Sartori, 1982).

    Para compreender como o PT passou condio de legiti-mador do sistema, nos valemos da teoria da mudana institucionalproposta por Panebianco (1990), segundo a qual qualquer mu-dana importante se processa na forma de reaes partidrias afatores ambientais que incidem sobre a instituio e seus agentes;tais reaes a fatores ambientais desencadeadores s ocorremdevido existncia de predisposies j encontradas anterior-mente no partido.

    A estrutura-ambiente fornece elementos que atuam sobrepr-condies intrapartidrias que, catalisadas por aqueles desa-fios ambientais, produzem respostas que conformam uma novaestrutura interna de poder; esta nova estrutura levar mudanainstitucional (Panebianco, 1990).

    Ao longo deste processo de transformao, o partido passapor trs fases analticas distintas, ainda segundo Panebianco (1990):

    I. deflagra-se uma crise interna devido quelas pressesambientais;

    II. ocorre uma mudana na composio de foras do gru-po dirigente do partido;

    III. o novo grupo hegemnico procede a uma reestruturaoorganizacional, em dois aspectos principais: a) mudam-se regras institucionais intrapartidrias e b) redefinem-se as metas oficiais da agremiao.

    6 De maneira inversa, a oposio comporta-se de modo responsvel quando esperacumprir as promessas feitas ao finalmente assumir funes governativas.

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    Tendo como referenciais tericos os dois autores, este arti-go procura, a partir de agora, caracterizar PT como partido anti-sistema a partir da anlise de casos tpicos nos quais as atitudesda agremiao tiveram amplo impacto deslegitimador sobre oregime poltico nacional; ao vislumbrarmos estes casos, fica pa-tente a atitude anti-sistmica levada a cabo pelo partido7.

    A posteriori, procuramos compreender as alteraes queabriram possibilidade ao abandono da atitude anti-sistmica pelopartido, sob a perspectiva terica do modelo de mudanainstitucional de Panebianco (1990); para utilizao correta destemodelo, levamos em conta tanto as presses ambientais quantoa evoluo de aspectos intrapartidrios, especialmente no tocan-te s diversas correntes e tendncias petistas. Esta conjugao depresses externas com alteraes internas levaria o PT a abando-nar sua caracterstica anti-sistmica.

    Concepo antiestatista

    Para Keck (1991), a rejeio inicial do PT tanto ao dogma-tismo leninista-marxista quanto social-democracia reflete a con-cepo antiestatista presente com muita fora num partido que seauto-afirmava de massas, socialista e democrtico. Esta concep-o indicava que a mudana s se processaria efetivamente coma organizao e fortalecimento da sociedade civil, o que possibi-litaria levar a cabo transformaes radicais da sociedade brasilei-ra a partir das bases.

    Segundo esta lgica, o poder no seria conquistado toman-do de assalto o Estado como no modelo marxista-leninista mas sim seria construdo na e pela sociedade, rejeitando o Estado

    7 Realizamos uma anlise apenas qualitativa, portanto, o que no cerra as portaspara outras modalidades de estudo que possam contribuir significativamentepara a compreenso desta caracterizao. Anlises quanto atuao da bancadapetista nas duas casas do Congresso seriam de enorme valia para a identificaode uma permanente atitude anti-sistmica que tivesse obstrudo os trabalhos doExecutivo e de sua base de sustentao legislativa durante seguidos mandatos.Ciente das limitaes deste estudo, uma anlise deste tipo fica como sugestopara trabalhos posteriores.

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    tanto como panacia para a soluo dos problemas sociais quan-to como lcus para reformas de cunho social-democrata. Esta con-cepo leva a olhar com ressalvas as negociaes com o Estado,visando conservar a autonomia e evitar a cooptao das foraspopulares pelas foras conservadoras (Keck, 1991).

    De onde veio a concepo antiestatista que impregnou for-temente o modelo originrio petista? Esta concepo foi levadaao PT por praticamente todos seus grupos constituintes.

    O novo sindicalismo, ao buscar autonomia em relao aogoverno, se contrapondo ao modelo corporativista-estatal mol-dado por Vargas, possua uma forte lgica antiestatista, o queacarretava, outrossim, a manuteno de certa distncia em rela-o aos polticos. De maneira anloga, lgica semelhante impe-rava entre os lderes de movimentos sociais, zelosos por manter distncia de suas organizaes as relaes clientelistas opera-das pelas tradicionais sociedades amigos de bairro.

    Tambm entre as CEBs Comunidades Eclesiais de Base nota-se forte rejeio ao Estado e aos polticos, privilegiando umapostura absolutamente autnoma. Os grupos de esquerda, gran-de parte dos quais atuando na clandestinidade, no poderiam teruma atitude distinta em relao a um Estado militarizado quereprimia, perseguia, prendia e torturava seus membros.

    Por fim, at mesmo os parlamentares emedebistas que fun-daram o PT contriburam com a concepo antiestatista, na medi-da em que exerciam oposio ao governo militar em um Parla-mento restrito poltica negativa8, o que diminua os espaosestatais de atuao institucional.

    Esta concepo antiestatista presente desde a fundao doPT o alicerce ideolgico de sua atuao como partido anti-siste-ma sartoriano, na medida em que colocava a legenda contra osistema poltico dentro do qual sempre operou.

    8 No sentido weberiano do termo: um Parlamento que apenas e to-somenteaprecia e critica propostas apresentadas pelo Executivo, refutando-as ou ratifi-cando-as, em uma postura absolutamente passiva e reativa.

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    Impactos deslegitimadores9

    Conquanto tenha dado incio consolidao de sua posi-o como ator institucional-eleitoral j na segunda metade dosanos 8010, o PT permaneceu ainda por muito tempo na condi-o de maior partido anti-sistema da arena poltica nacional.Vale aqui frisar que a insero e institucionalizao poltico-eleito-rais de uma agremiao partidria no determinam sua caracteriza-o como partido anti-sistema ou no, sendo esta condioidentificada atravs da anlise de atitudes do partido em relaoao sistema poltico no qual opera.

    Desta forma, preciso esclarecer de modo difano a sepa-rao que se d entre, de um lado, a concepo partidria quepassa a ser dominante internamente a partir da segunda metadeda dcada de 80 concebendo o PT segundo a lgica de partido-ator eleitoral e, do outro, a atitude partidria percebida externa-mente em sua relao com o sistema poltico brasileiro que nodeixou de ser anti-sistmica, mesmo com a confirmao do papelpoltico-eleitoral do partido.

    Se a hegemonia interna exercida pela Articulao a partir de1983 foi exitosa em impor uma identidade partidria que ratifi-casse a situao do PT como ator poltico-eleitoral, as atitudes dopartido em nvel nacional continuaram a ser tpicas das de umator anti-sistema11. Com o fito de corroborar esta afirmao, pro-

    9 Este tpico foi elaborado com base principalmente em Meneguello (1989), Keck(1991), Couto (1995), Gadotti e Pereira (1989), Singer (2001), Almeida (2002) eLacerda (2002), alm do arquivo do jornal Folha de S. Paulo e do stio oficial do PTpara a reconstituio de fatos e a verificao de datas, nomes e resultados deeleies intrapartidrias.

    10 Rejeitando a concepo do PT como um partido-frente ou um partido-movimento.11 Mantivemos o foco da anlise sobre a atuao partidria em nvel nacional, ou

    seja, em relao ao Executivo e Legislativos federais. Optamos por esta aborda-gem por ter sido em nvel federal que o partido mais se expressou contrrio aoregime vigente; isto tanto mais evidente quanto mais se constata que o PTsempre acreditou que somente com a conquista do poder central se efetivariammudanas radicais no pas. Porm, seria certamente possvel encontrar atitudese traos anti-sistmicos na atuao petista em todos os nveis. A formao, porexemplo, de governos municipais de oposio reflete bem este carter anti-sistmico contra o poder central: sendo situao em determinada cidade, o par-tido insistia em fazer da administrao local ferramenta e frente de batalha na luta

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    cede-se a uma breve reconstruo histrica de trs aes polticasdo partido que tiveram claras intenes simblicas de deslegiti-mao do sistema poltico nacional.

    Uma delas a deciso de boicotar o Colgio Eleitoral queem 15 de janeiro de 1985 escolheu Tancredo Neves o novo Pre-sidente da Repblica. Naquela ocasio, Jos Eudes, Bete Men-des e Arton Soares, trs dos oito deputados federais petistas,insistiram em participar da escolha entre Tancredo, do PMDB, eMaluf, do PDS, opondo-se deciso tomada pela direo dopartido de boicotar a votao.

    Perante as alegaes dos deputados de que a nica oporeal disponvel se dava entre Tancredo e Maluf e que, mesmoparticipando e votando no primeiro, eles continuariam denun-ciando a essncia conservadora da transio democrtica12, acpula partidria sinalizou com uma ampla consulta s bases.Foram feitas pr-convenes nos nveis municipal, estadual enacional, alm de consultas tambm aos ncleos de base; asrespostas ratificaram a posio inicial da liderana de boicote escolha entre os dois candidatos.

    Com o acirramento do conflito que se dava tambmatravs da imprensa, extrapolando as discusses partidrias e a intransigncia de ambos os lados, o Diretrio Nacional to-mou a deciso de expulsar os trs deputados, pedindo queeles se desligassem do PT.

    contra o governo federal, questionando todo o sistema poltico vigente. Poder-amos, outrossim, ter recorrido a uma pesquisa documental, coligindo excertosde documentos oficiais do partido que falam copiosamente em mudar o regi-me, acabar com o sistema poltico burgus, instaurar um novo regime, eafirmaes do gnero. Porm, se o discurso abundante e fcil, as atitudes quepossuem impactos deslegitimadores que verdadeiramente indicam a represen-tao que o partido fazia do sistema poltico vigente. Neste sentido, ficamos comas atitudes, simblicas e extremamente reveladoras.

    12 Jos Eudes, Bete Mendes e Arton Soares alegaram tambm que o PT e ostrabalhadores ficariam marginalizados no processo de transio democrtica como boicote; alm disso, afirmavam que inmeros membros do partido vinhamparticipando dos comcios de Tancredo e de sua Aliana Democrtica formadapelo PMDB e pela Frente Liberal, dissidncia do PDS de Paulo Maluf.

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    Em que pese o fato de que a deciso do PT tenha sido influ-enciada pelos ento recentes conflitos do partido com o PMDB deTancredo13, evidente o simbolismo desta atitude partidria, queenfatizou a posio do partido como contrria aos dois candida-tos, contrria ao prprio regime. Esta mesma foi a inteno dos lde-res petistas, que fizeram ouvidos moucos s acusaes de purismo,sectarismo, facciosismo e autoritarismo que sofreram, insistindonuma atitude deslegitimadora que colocava o PT contra a NovaRepblica, o regime poltico que se instalaria com a posse do pri-meiro Presidente civil depois de 21 anos de governos militares.

    Outra atitude que teve um enorme impacto deslegitimadorsobre o sistema poltico adveio da atuao do PT na AssembliaConstituinte que elaborou a Constituio de 1988. A participaodo partido nas discusses foi bastante proveitosa, tanto para aconquista de direitos sociais e polticos s camadas excludas dapopulao quanto para seu crescimento institucional.

    No primeiro ponto, vale destacar que o PT foi o nico parti-do a apresentar um Projeto de Constituio, elaborado pelo juris-ta Fbio Konder Comparato. Por outro lado, as discusses, ne-gociaes e construes de alianas tticas com outros partidospara a conquista de vitrias na Constituinte foram de suma im-portncia para a consolidao do PT como ator institucional leg-timo do sistema poltico brasileiro, contribuindo para o fortaleci-mento intrapartidrio da lgica de partido ator-eleitoral que co-meara a se estabelecer no final de 1985.

    Terminada a elaborao da Carta, o PT procedeu interna-mente a um intenso debate sobre sua aprovao ou no pelosparlamentares do partido e sobre a assinatura ou no do novoarcabouo legal brasileiro. Tendo participado das discusses cons-tituintes, o PT procurava uma forma de expressar sua no-con-

    13 Conflitos que se deram basicamente pela acusao petista de que o PMDBusara as mobilizaes populares como forma de presso para seu proveitoprprio, aceitando de bom grado a derrota da emenda Dante de Oliveira. Se-gundo as lideranas petistas, o PMDB, ciente de que provavelmente venceriano Colgio Eleitoral, deixou de apoiar as manifestaes pelas Diretas-J quandomelhor convinha a ele, traindo o PT e as bases que lutavam pela convocaodas eleies diretas.

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    cordncia com o que julgava ser o carter conservador da novaConstituio; ao mesmo tempo, desejava admitir sua participa-o, como forma de reconhecer os esforos de seus parlamenta-res para conferir um tom mais progressista a ela.

    A soluo encontrada foi indicar aos parlamentares petistasque votassem no aprovao do texto final; mas que, uma vezaprovada, assinassem a Carta.

    Desta forma, ao mesmo tempo em que o PT reconhecia evalorizava os esforos de seus parlamentares para a obteno deconquistas aos trabalhadores, atravs de uma atuao dentro dainstitucionalidade, expressava sua rejeio totalidade conser-vadora da Carta promulgada em 5 de outubro de 88.

    Esta deciso partidria procurou criar, claramente, um im-pacto simblico deslegitimador do novo arcabouo constitucionalque se instaurava; um impacto anti-sistema advindo, porm, de umator legtimo que atuava dentro deste mesmo sistema. O trecho aseguir, tirado de um documento oficial do partido14, revela nitida-mente que o PT estava absolutamente consciente do carter da suadeciso (Gadotti e Pereira, 1989:311-312; grifos no original):

    O PT, como partido que almeja o socialismo, por natureza um parti-do contrrio ordem burguesa, sustentculo do capitalismo. Dissodecorre que o PT rejeita a Constituio burguesa que vier a ser pro-mulgada, da mesma forma que a Constituio vigente, a qual, aindapor cima, fruto de uma ditadura militar; por extenso, o PT rejeita aimensa maioria das leis que constituem a institucionalidade que ema-na da ordem burguesa capitalista, ordem que o partido justamenteprocura destruir e, no seu lugar, construir uma sociedade socialista.

    No obstante, o PT tem que travar a sua luta expresso poltica daluta de classes, mais geral onde ela se d, e no em fruns imagi-nrios ou artificiais. Assim, o PT luta contra a institucionalidadeburguesa. Essa luta institucional contra a institucionalidade podeassumir mltiplas formas. No caso especfico do Congresso Consti-tuinte, todas as atuaes do PT exprimiram essa luta antiinstituiodentro da instituio (...) Tudo isso significou reconhecer o Con-

    14 Partido dos Trabalhadores (Diretrio Nacional). (1988), A Posio do PT sobre anova Constituio. Circular Interna de 7 de agosto de 1988, anexo 2, p. 12-14.

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    gresso Constituinte como um campo de luta e, nele, lutar de acordocom os princpios programticos.

    (...) Por isso o Diretrio Nacional decide, indicativamente, que o PTconcretize sua posio contrria ao carter geral da Constituiovotando no Carta Magna com declarao de voto vencido, explican-do as razes de sua posio e fazendo a ressalva da defesa dos direi-tos e conquistas obtidos.

    O terceiro exemplo remete a um conflito que ocorreriamenos de cinco anos depois, no incio de 93. O PT tivera, aolongo do binio 91-92, uma destacada atuao nas denncias ena apurao dos fatos que resultariam no processo deimpeachment contra Fernando Collor, que acabou destitudo docargo em 29 de dezembro de 1992. Ao assumir a Presidncia,Itamar convidou a participar do governo membros de pratica-mente todos os grandes partidos nacionais, desejoso de confe-rir maior legitimidade a seu mandato, firmando um autodeno-minado pacto nacional pela democracia em um momento cr-tico para a institucionalidade democrtica brasileira; afinal, oprimeiro Presidente eleito pelo voto direto desde 1960 acabarade ser afastado do cargo sob a acusao e posterior condena-o de ter praticado crimes de responsabilidade.

    Erundina, que governara a cidade de So Paulo de 1989 a1992, recebeu nessa ocasio o convite de Itamar para assumir umcargo no governo federal, o de Ministra-Chefe da Secretaria de Ad-ministrao Federal. A ex-prefeita aceitou o cargo revelia do PTque, aps proceder a debates internos, refutara conceder a ela li-cena para fazer parte do novo governo. Em meio crise partidriae recusando-se a abdicar tanto do cargo quanto do partido, Erundinateria seus direitos partidrios suspensos temporariamente pelaDireo Nacional do PT que desde o incio de 93 estivera sob ocontrole das tendncias mais esquerda do partido.

    Nessa ocasio, o PT apostou visivelmente no caos do go-verno Itamar como trampolim para a vitria de Lula nas eleiesdo ano seguinte, incentivando a formao de um vcuo de poderque deixaria o candidato petista em situao privilegiada para opleito. Porm, ao atuar desta maneira, o PT enfraqueceu a pr-pria base de apoio que deveria conceder maior legitimidade ao

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    regime que agora tinha no comando o ex-vice-Presidente da Re-pblica conquanto Itamar tenha feito inmeros apelos no sen-tido de obter maior legitimidade desde sua posse.

    Este trecho de um artigo de Eduardo Jorge, ento deputa-do federal pelo partido, ilustra bem o carter da deciso petista:

    O PT teve uma atuao importante e construtiva na substi-tuio de Collor por Itamar Franco. No entanto, naquela hora di-fcil que a nao esperava a montagem generosa de um governode transio com a unio de todas as foras pr-impeachmentpara a consolidao da democracia e preparo para as eleies de1994, o PT optou por ficar comodamente na oposio. Apostavana inrcia e no fracasso de Itamar para colher os frutos de umavitria consagradora em 1994 (Jorge, 1994:A-3).

    Desta forma, conquanto o PT tivesse iniciado sua consolida-o como ator institucional-eleitoral no incio da segunda metadeda dcada de 80, ainda em 93 a acepo sartoriana de partido anti-sistema se adequava bem caracterizao da atuao petista emnvel nacional, como demonstra a reflexo sobre o caso Erundina.

    Quando o PT deixou de ser um partido anti-sistema? O quetrouxe esta mudana? o que este artigo procura elucidar a seguir.

    Mudana institucional:de partido anti-sistema a legitimador do sistema

    Para apreender a transformao pela qual passou o PT,utilizamos o modelo de mudana institucional desenvolvidopor Panebianco (1990), considerando aquelas trs fases anal-ticas j explicitadas.

    Antes de analisar a crise interna deflagrada no partido porfora de presses externas, urge fazer um breve retrospecto so-bre a evoluo da correlao de foras entre as diversas corren-tes15 do PT ao longo do tempo, com o fito de apreender melhor

    15 No cabe neste artigo proceder anlise das razes do surgimento das tendn-cias do PT nem a uma exaustiva listagem das que existiram ao longo dos anos.Vale somente lembrar que elas sofreram um grande impulso para a consolidaoa partir de 1983, quando a composio dos rgos executivos partidrios passou

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    como se processaria a crise e como dela emergiria um rearranjode foras que resultaria na conformao de um novo grupohegemnico dentro do partido16.

    Com a decepo eleitoral de 82, as tendncias mais es-querda do PT, oriundas principalmente dos grupos marxista-leninistas que se abrigaram na nova sigla, ganharam fora comseu discurso antiinstitucional, na medida em que a primeira ten-tativa eleitoral do partido fracassara. Estas foras propunham umaguinada revolucionria sigla, colocando a recente experinciaeleitoral como um desvio eleitoreiro de uma agremiao quese mostrava no destinada a utilizar tais meios de atuao.

    Lderes moderados encabeados por Lula responde-ram a este avano com a formao da Articulao dos 113 em1983, tendo como fito fortalecer o seu domnio sobre a legendae expressar um consenso compartilhado pela maioria dosfiliados. Em que pese o fato de que a Articulao tenha sidoformada por membros oriundos de praticamente todos os gru-

    a refletir de modo proporcional os resultados das eleies internas, distribuin-do as cadeiras proporcionalmente entre as chapas concorrentes, e no maismajoritariamente, como antes na qual a chapa vencedora ficava com todos oscargos. Sartori (1982) afirma que o sistema eleitoral intrapartidrio a principalvarivel explicativa do fracionismo, sendo o sistema proporcional o que dmaiores incentivos institucionalizao das tendncias; o estabelecimento deuma clusula de excluso no caso do PT foi de 10% dos votos impelesomente as tendncias de tamanho mdio estabilizao, desincentivando apermanncia de minifraes. Com o sistema majoritrio, o incentivo maior nosentido das fuses dos grupos em duas ou trs grandes tendncias, comoforma de diminuir os custos da marginalizao interna quanto estrutura deoportunidades do partido: cargos, recompensas, sanes etc.

    16 Com respeito importncia do estudo das tendncias e faces, Sartori (1982)diz que os movimentos externos de um partido a competio interpartidria tambm so uma funo de seus movimentos internos, isto , da competiointrapartidria (Sartori, 1982:378; grifos no original); competio esta que eledenomina de poltica invisvel, em contraposio poltica visvel que se desenrolaem nvel interpartidrio. A poltica invisvel , para ele, mais simples e autntica,constituindo-se em uma poltica pura, no sentido em que Maquiavel descreveua poltica: a poltica apenas poltica (Sartori, 1982:119). J Duverger (1980)alcunha a liberdade s tendncias de descentralizao ideolgica, e coloca comosua maior vantagem manter uma atmosfera de discusso, de rivalidade intelec-tual, de liberdade (Duverger, 1980:90), ao passo em que a maior desvantagem o risco de ciso, j que as tendncias consolidam profundas divises internas.

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    pos constitutivos do partido, ela contou desde o incio com for-te predomnio dos lderes sindicais17 e com nfima presena deintegrantes de grupos marxista-leninistas.

    No 3 e no 4 Encontro Nacional do partido, ocorridos em 84e 86, a Articulao enfrentou o bloco esquerdista unido, emboraisto no tenha sido suficiente para colocar maiores dificuldades manuteno do controle do Diretrio Nacional em suas mos18.

    Em 87 a esquerda dividiu-se em trs chapas, por ocasiodo 5 Encontro Nacional19; mesmo dividida, conseguiu um not-vel avano, obtendo o maior nmero de delegados at ento20.

    Aps o 5 EN o PT passou por um processo de aumento decomplexidade no que diz respeito correlao de foras entresuas diversas correntes. Se at ento se podia dividir o partido,grosso modo, entre moderados e radicais, ou entre direita repre-sentada pela Articulao e esquerda englobando todos os gru-pos esquerda da corrente hegemnica , agora surgia uma for-a direita da Articulao, colocando-a pela primeira vez em umaposio verdadeiramente centrista: a Democracia Radical, origina-

    17 Sobre o domnio sindical dentro da Articulao, Lacerda (2002) lembra que nessemesmo ano de 1983 foi fundada a CUT, contando com uma corrente majoritriadenominada Articulao Sindical, que possua praticamente a mesma composioda sua correspondente petista.

    18 3 EN: Articulao 65,8%, Esquerda 34,2%; 4 EN: Articulao 72,2%, Esquer-da 27,8%.

    19 Aps anos de debate, neste 5 EN foi aprovada a resoluo que regulamentou ofuncionamento das tendncias petistas. Esta resoluo girava em torno da dife-renciao entre faces internas, ou tendncias do PT, e organizaes partidrias,ou tendncias no PT; estas deveriam, em pouco tempo, transformar-se naquelas,sob pena de excluso do partido. Refutava-se de uma vez por todas a concepodo PT como frente partidria, ou como partido-ttico, bem como a dupla fidelida-de e a dupla militncia. Procurava-se garantir a liberdade de expresso e atuaoa todas as tendncias, exigindo em contrapartida uma absoluta unicidade de aoto logo as decises fossem tomadas pela maioria. A partir deste 5 EN, astendncias se institucionalizaram, e os partidos que atuavam dentro do PT foramaos poucos se diluindo por vrias tendncias, sendo que s dois agrupamentos,trotskistas, seriam expulsos: a Causa Operria, em 1990 que viria a formar oPCO, Partido da Causa Operria e a Convergncia Socialista, em 1992 que veioa formar o PST-U, Partido Socialista dos Trabalhadores Unificado. Para a resolu-o sobre as tendncias, ver Gadotti e Pereira (1989).

    20 5 EN: Articulao 59,4%, Esquerda (3 chapas) 40,6%.

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    da de defeces na esquerda partidria e tendo como maioreslderes Marina Silva, Jos Genoino, Eduardo Jorge e Tarso Genro.

    Mesmo sofrendo presses tanto da direita quanto da es-querda, a Articulao obteria maioria dos delegados no 7 EN,em 90; foi, porm, a menor porcentagem de votos obtida pelogrupo at ento21.

    Conquanto diminusse seu domnio sobre a legenda, a Arti-culao entrou nos anos 90 ainda como a corrente hegemnicado partido. Todavia, a aplicao da resoluo sobre as tendnciasdesde 87 impeliu os grupos intrapartidrios a atuarem no senti-do de atrair cada vez maior nmero de membros para suas filei-ras, de modo a ampliar seus espaos dentro do PT; por outrolado, o uso universal da representao proporcional, especialmen-te no tocante constituio da Executiva Nacional, forneceu in-centivos s defeces latentes na heterognea Articulao, dimi-nuindo os custos de migrao em direo a faces esquerda ou direita da corrente dominante.

    A insatisfao com a gesto 90-93 somou-se aos fatoressupracitados, fazendo com que j no incio de 93 se prenunciassea indita derrota que a Articulao viria efetivamente a sofrer emjunho daquele ano, quando da realizao do 8 EN. Nessa oca-sio, a defeco de importantes figuras da Articulao, como RuiFalco, Arlindo Chinaglia, Ado Pretto e Luciano Zica, acabou porresultar na criao de um novo grupo, a Articulao de Esquerda.Esta corrente foi a principal responsvel pela guinada do PT esquerda em 93, ao compor com outros grupos a chapa Uma Op-o de Esquerda, que sozinha obteria 36,48% dos delegados na-quele encontro. Somando esta outra chapa esquerdista NaLuta PT, que obteve 19,11% dos delegados , pela primeira vez oPT seria comandado pelas foras mais esquerda no espectroespacial intrapartidrio: juntas, as duas chapas totalizaram 55,59%dos delegados22, conquistando a direo nacional e, posterior-

    21 7 EN: Articulao 56%, Esquerda (2 chapas) 27%, Direita 17%.22 Enquanto que a Articulao Unidade na Luta antiga Articulao , em conjunto

    com a Democracia Radical, obteve 40,92% dos delegados. Houve ainda uma chapacentrista no-alinhada nem esquerda nem Articulao: Sem Medo de Ser Socia-lista pela Base com Independncia, que alcanou 3,47% dos votos.

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    mente, a presidncia da sigla com Rui Falco j que Lula pedirialicena do cargo para a disputa eleitoral de 94.

    Pela primeira vez desde 1983 a Articulao perdia o con-trole do Diretrio Nacional do PT; a guinada esquerda teriaamplas conseqncias sobre a campanha presidencial realizadano ano seguinte.

    As novas orientaes partidrias impediram o avano denegociaes no sentido da formao de uma coalizo de centro-esquerda para concorrer Presidncia, que poderia envolver prin-cipalmente o PT e o PSDB. As novas determinaes, de que opartido se unisse somente a foras polticas tradicionais aliadasdo PT, como PC do B, PPS e PSB, chegando no mximo s bases doPDT, restringiram sobremaneira o campo de atuao de Lula paraa formao das alianas que ele julgava necessrias vitria.

    Essa restrio do arco aliancista no se limitou ao planonacional, acarretando problemas costura das alianas estadu-ais que angariaria apoios candidatura Lula. Rejeitando vriasalianas estaduais propostas por Lula, a Executiva Nacional criouobstculos construo do jogo de apoios vital em eleiescasadas como a de 94.

    O isolacionismo voluntrio levado a cabo pela nova dire-o do PT foi potencializado pelo favoritismo de Lula naquelaseleies. Depois de experimentar a proximidade da vitria em89, o cenrio se mostrava at meados de 94 muito propcio conquista da Presidncia por Lula, principalmente depois do tur-bulento perodo Collor-Itamar que o Brasil experimentara; pes-quisa de fins de maio colocava o candidato petista com 40% dasintenes de voto, contra 17% de Fernando Henrique23. Destaforma, o PT entrou naquela campanha confiante nas amplas pos-sibilidades eleitorais de seu candidato, concorrendo solitrio ouem companhia de outras agremiaes.

    As novas correntes dominantes do partido no consegui-ram construir um programa de governo unificado para Lula, querefletisse os anseios de uma classe trabalhadora bem mais am-

    23 Datafolha de 29/5/94.

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    pla do que aquela que muitas vezes tinham em mente quandoda elaborao de propostas. A falta da busca de consensos in-ternos transformou a plataforma petista em uma soma desco-nexa de remendos e termos mdios, que visavam agradar v-rias faces internas, sem no entanto constiturem pontos vi-veis de uma agenda que deveria conquistar todo o eleitorado, eno s o pblico interno do partido.

    Assim, o programa partidrio apresentou matizes difusosde um certo ethos revolucionrio, dando pouca ou nenhuma im-portncia formao de alianas para eleger e para governar e aopapel do Congresso como arena institucional vlida e locus dedebate e de conformao de reformas para a sociedade brasileira.

    Quando Fernando Henrique apareceu como adversrioprincipal do PT, ao lanar o Plano Real24, a direo petista atra-palhou a remodelao do discurso eleitoral de Lula, que oscilouentre a condenao do plano, atendendo a determinaes parti-drias, e a defesa de sua continuao, atendendo a pesquisas deopinio que mostravam o apoio da populao s medidas decontrole inflacionrio.

    Os erros na conduo da campanha e a fragorosa derrotano 1 turno constituram-se, neste contexto, em formidveis pres-ses ambientais que levaram ecloso de uma aguda crise parti-dria interna, conforme a primeira fase analtica proposta porPanebianco (1990) em seu modelo de mudana institucional.Somou-se a esta presso externa advinda do fracasso eleitoral aincapacidade da nova maioria petista de estabilizar um ncleoduro dirigente do partido a partir da reconfigurao de forasque se deu no 8 EN; esta incapacidade foi fruto principalmentedas inmeras divergncias que eclodiram na maioria esquerdis-ta do partido divergncias que se acirraram aps a fracassadacampanha eleitoral de 94.

    Com o partido em crise, surge a chance de retomada dopoder pela Articulao e demais foras centristas e direitistas no

    24 Os efeitos do Plano Real foram devastadores: j em 30/7/94, pesquisa VoxPopuli colocava Lula e FHC em empate tcnico, com 30% e 29% das intenes devoto, respectivamente.

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    10 EN, em agosto de 95. E foi o que realmente aconteceu: aschapas Articulao Unidade na Luta e Democracia Radical, repre-sentando as correntes mais direita, uniram-se centrista Ve-lhos Sonhos, Novos Desafios25, totalizando 53,79% dos delega-dos, contra 46,21% obtidos pela esquerda reunida sob a chapanica Socialismo e Democracia.

    Os resultados do 10 EN tiveram peso ainda maior porquepela primeira vez escolheu-se o presidente nacional do PT, com arecusa de Lula em continuar no cargo que ocupara desde a funda-o da sigla. Jos Dirceu, representando as chapas de centro-di-reita, foi eleito com 54,02% dos votos, sobrepujando o candidatoda esquerda, Hamilton Pereira, que teve 45,98%.

    Desta forma, o grupo que formara a Articulao em 83voltava a assumir, com os apoios da pequena corrente centristado partido e da Democracia Radical, o comando do PT por umamargem muito estreita, porm. Esta unio de centro-direita cons-tituiu-se na nova fora hegemnica do partido, passando a serconhecida a partir de ento como campo majoritrio, em oposi-o ao campo minoritrio esquerdista. Pode-se afirmar segura-mente que a formao do campo majoritrio correspondeu segunda fase analtica colocada por Panebianco (1990) comotpica de um partido em transformao: a alterao na composi-o de foras do seu grupo dirigente.

    O campo majoritrio tomou, ento, uma srie de medidasque alteraram substancialmente o carter do partido. Em primei-ro lugar, trataram de consolidar um forte ncleo dirigente algoque a esquerda no fez quando constituiu a maioria em 93 mantendo a esquerda isolada atravs inclusive da recusa em dar-lhe o cargo de Secretrio Geral da sigla reivindicado pela chapaSocialismo e Democracia pela grande quantidade de delegadosconquistados no 10 EN. Recusando dar o cargo esquerda, ocampo majoritrio a excluiu da Executiva Nacional por cerca deum ano. Por outro lado, procedeu tambm a uma severa reestru-turao financeira do partido e a um rgido controle do processodas eleies municipais de 96.

    25 Constituda pela migrao de dissidentes da Articulao de Esquerda rumo aocentro, como Rui Falco e Cndido Vacarezza.

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    O controle da sigla pelo campo majoritrio manteve-se no11 EN, em 97, quando s chapas Articulao Unidade na Luta eDemocracia Radical somou-se a Nova Democracia, composta basi-camente por egressos da Articulao de Esquerda, perfazendo jun-tas 51,1% dos delegados26. O centro, representado pela chapaSocialismo e Liberdade, conquistou 11,09% dos delegados, se ali-nhando mais esquerda27 do que direita, o que fez com que areeleio de Dirceu se desse com ainda menor margem do queem 1995: 52,59% dos votos contra 47,41% de Milton Temer.

    Aps o 11 EN, as foras do campo majoritrio procura-ram deliberadamente fortalecer as correntes de centro, atraindosuas lideranas para postos de comando partidrio, com o fitode realizar uma descompresso no sistema intrapartidrio quese mostrava cada vez mais centrfugo, acarretando grandes ris-cos de cises28. Alm disso, a cpula petista objetivava tam-bm diminuir a bipolaridade que se configurava na sigla quan-do procurou impelir importantes figuras da esquerda a rumaremem direo ao centro partidrio.

    Com esses incentivos, um novo centro surgiria em 1999entre os campos majoritrio e minoritrio, lanando pela primei-ra vez um candidato presidncia da sigla no 2 Congresso Naci-onal, em novembro daquele ano, mostrando que a ttica do cam-po majoritrio de enfraquecimento e isolamento da esquerda emprol de um centro ampliado havia surtido efeito. Neste Congres-so, a soma das trs chapas direitistas do campo majoritriototalizou 54,4% dos delegados29, contra 12,71% da centrista

    26 Articulao Unidade na Luta 34,73%, Democracia Radical 11,82%, Nova Demo-cracia 4,55%.

    27 A chapa de esquerda, Luta Socialista, obteve 37,82% dos delegados.28 Sartori (1982) lembra que um sistema partidrio centrfugo aquele no qual as

    foras se dirigem rumo aos extremos do espectro poltico, deixando o centrocada vez mais esvaziado. A acentuao deste movimento traz inmeros riscos sobrevivncia do sistema, como demonstram seus exemplos do Chile, de 1970 a1973, e da Repblica de Weimar, de 1919 a 1933. O que Sartori (1982) afirma parao sistema partidrio pode-se transplantar sem sustos para o sistema intrapartidrio,na medida em que o estudo deste, como ele afirma, deve considerar o partidocomo um sistema, e suas faces como subsistemas mesma concepo, portan-to, de um sistema partidrio nacional.

    29 Revoluo Democrtica herdeira da Articulao 43,64%, Democracia Radical 8%, PT de Luta e de Massas 2,85%.

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    Movimento PT e 32,77% das trs chapas esquerda30. Na lutapela presidncia, Jos Dirceu foi eleito pela terceira vez com 54,8%dos votos contra 32,7% de Milton Temer, candidato do campominoritrio esquerdista, e 12,48% de Arlindo Chinaglia, represen-tante das foras de centro.

    Aps 99, o campo majoritrio procede a mais alteraesinstitucionais como forma de isolar a esquerda partidria. A prin-cipal delas foi a mudana estatutria que instituiu eleies dire-tas para a escolha de direes e presidentes em todos os nveisda sigla. Aprovada pela maioria com forte oposio das esquer-das, a medida visou fortalecer ainda mais o campo majoritrio aoapelar participao, nos processos decisrios mais fulcrais, dosfiliados que estivessem em dia com as obrigaes partidrias,confiando tanto na moderao do petista mdio, ou partidriono-alinhado a nenhuma tendncia especfica conforme a defini-o que Sartori (1982) empresta ao termo quanto na fora elei-toral das lideranas de centro-direita.

    Estas mudanas nas regras institucionais, somadas quelasefetuadas pelo campo majoritrio logo aps sua vitria em 95,constituram-se claramente em uma parte da terceira fase analti-ca da mudana institucional de Panebianco (1990), que remete areestruturaes organizacionais que do nova conformaoinstitucional legenda31.

    Em setembro de 2001, pela primeira vez os filiados esco-lheram atravs de eleies diretas as novas direes partidriasestaduais, municipais e nacional; este pleito direto, porm, nosurtiu o efeito esperado pela cpula do PT, j que pouco alterou acorrelao de foras da sigla. Assim, o campo majoritrio obtevecerca de 51,5% do Diretrio Nacional, contra 16% das duas chapas

    30 Socialismo ou Barbrie 20,83%, Nosso Tempo 9,86%, Fiel ao PT das Ori-gens 2,08%.

    31 Provando que a proposio de Panebianco (1990) de que esta terceira faseanaltica realmente tpica das mudanas partidrias, h o caso do PartidoSocialista Operrio Espanhol, no qual o grupo dirigente liderado por FelipeGonzlez conseguiu, atravs de alteraes nas regras intrapartidrias, isolar osector crtico que rejeitava os rumos moderados que o partido passava a tomarno fim dos anos 70 (Share, 1986).

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    centristas e 32,5% das trs chapas de esquerda. Contumazes alia-dos, centro e campo majoritrio perfizeram cerca de 67,5%, man-tendo a condio de confinamento esquerdista em cerca de umtero do partido algo que j se configurara em 99. Na eleiopara a presidncia, Dirceu foi reeleito pela terceira vez, com pou-co mais do que alcanara em 99: cerca de 55,5% dos votos.

    No momento em que este artigo escrito, parece estabili-zada a correlao de foras na sigla: um campo majoritrio comestreita maioria absoluta que si se alinhar ao centro, que porsua vez se expande lentamente, atingindo cerca de 15% da sigla;juntos, mantm as foras de esquerda isoladas em um campominoritrio que controla cerca de um tero da legenda.

    A formao do campo majoritrio em 95, seu fortalecimen-to nos anos seguintes com trs reeleies de Jos Dirceu, e oconseqente isolamento da esquerda, deram uma nova configu-rao ao PT; e no s em relao a alteraes nas regrasinstitucionais intrapartidrias, j citadas, mas tambm no quetange redefinio das metas oficiais da agremiao comple-tando assim as fases tpicas elencadas por Panebianco (1990).

    A eleio de Dirceu em 95, com a retomada do comando dasigla pelo grupo originalmente fundador da Articulao agoraunindo foras no campo majoritrio , representou um ponto deinflexo para o PT, que a partir da abandonou sua postura departido anti-sistema ao deixar de ter atitudes que visavam causarimpactos simblicos deslegitimadores do regime. Ao invs deintencionar derrubar e substituir o regime, a partir dessa ocasioo PT passou a postular, pragmaticamente, comand-lo, aceitandopara isso a unio com outras foras polticas no-limitadas aosaliados tradicionais do partido, em uma clara redefinio e poste-rior consolidao das metas partidrias oficiais.

    preciso aqui esclarecer um ponto do modelo de mudanainstitucional de Panebianco (1990). Segundo ele, a mudanainstitucional s se realiza quando o estmulo externo encontrapredisposies intrapartidrias que, catalisadas por ele, levaro alterao da estrutura de poder; esta nova estrutura que esti-mular a inovao organizativa. No caso da transformao do PTem um partido pr-sistema, temos como estmulo externo a

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    fragorosa derrota de Lula em 94, e como nova estrutura de poder,a formao de um campo majoritrio que promoveria sensveisalteraes das regras intrapartidrias e redefinies das metasoficiais da agremiao. Mas quais eram as condies preexistentes?

    Havia dentro do PT, desde a vitria da esquerda em 93,uma situao de polarizao que facilmente derivaria parahostilizao do grupo dirigente quando presses ambientais pu-sessem prova sua capacidade de unir o partido e constituir umamaioria segura e duradoura para os anos seguintes. Os erros naconduo da campanha de 94, a falta de um programa de gover-no unificado, o isolacionismo poltico a que Lula e o PT foramsubmetidos: todos estes fatores foram impulsos iniciais guetizao da esquerda intrapartidria, que no obstante sermaioria, ficou cada vez mais acuada. O estmulo externo decisivofoi a derrota de Lula no 1 turno, que precipitou a mudana daestrutura de poder do partido, com as esquerdas sendo alijadasem prol de uma aliana interna de centro-direita.

    Assim, o processo de converso do PT para um partido pr-sistema, que se iniciou em 95, consolidar-se-ia gradativamentecom o fortalecimento do centro partidrio que, alinhando-se demodo contumaz ao campo majoritrio, propiciou o isolamentoda esquerda petista, cuja fora eleitoral interna parece ter se esta-bilizado em torno dos 30%.

    Concluso

    Como resultado das alteraes enunciadas acima, o grupodirigente petista passou a ser integrado majoritariamente porrepresentantes de tendncias de centro-direita no espectrointrapartidrio que defendem o avano simultneo da lutasocietria e da ocupao de espaos na arena institucional brasi-leira, conferindo maior importncia democracia representativae, por isso mesmo, defendendo alianas voltadas ao centro docontinuum poltico-partidrio brasileiro como forma de atuaoestratgica na luta pelo comando do Executivo.

    Esta conformao partidria se defrontaria em 2002 comum cenrio propcio ao deslocamento do partido rumo ao centro

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    da arena poltica nacional, j que a corroso do bloco das forasde centro-direita que sustentara os dois mandatos de FernandoHenrique impediu que se repetisse a formao de uma amplacoalizo eleitoral como a de 1998, fragmentando as forassituacionistas e impelindo partidos de centro-direita na direono candidato petista. Aproveitando esta oportunidade, o PT seapresentaria em 2002 com um discurso mais ampliado e modera-do, atraindo as parcelas centristas do eleitorado que historica-mente impediram a vitria de Lula nas trs tentativas anteriores.

    Assim, condies estrutural-ambientais encontram, em2002, um partido que consolidava sua postura pr-sistema a par-tir do fim da dcada de 90, contribuindo elas mesmas para oreforo desta nova postura, como instrumento para consecuoda to almejada meta presidencial de Lula e do PT.

    Alm disso, a prpria composio social da base petista alte-rou-se substancialmente nos ltimos anos: o crescimento eleitoraldo partido em todos os nveis do Executivo e do Legislativo aca-bou por incrementar a participao interna de servidores pblicosnomeados por senadores, deputados federais, governadores, de-putados estaduais, prefeitos e edis da sigla, o que ao fim e ao cabocontribuiu sobremaneira para consolidar uma posio pr-sistemaem substituio antiga viso anti-sistema. No 2 Congresso dopartido, em 1999, os servidores somavam 49% dos 941 delegadospresentes, contra 23% de assalariados do setor privado.

    Hoje, conquanto se configure altamente improvvel o re-trocesso do partido condio de anti-sistema, restam indaga-es concernentes consolidao deste deslocamento centristado PT, principalmente se as dificuldades que se afiguram na rela-o governo versus partido levarem a um realinhamento da dis-posio das foras intrapartidrias, alijando do comando da siglaos grupos que comandaram a transformao institucional do par-tido e que, no-coincidentemente, so os mesmos que compemo ncleo do governo Lula.

    Vale lembrar tambm que, se os conflitos governo versuspartido podem reverberar na correlao de foras intrapartidrias,no menos provvel que, por um lado, eventuais problemas edificuldades do governo reverberem sobre o partido, e por outro,

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    O PT sob uma perspectiva sartoriana: de partido anti-sistema a legitimador do sistema

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    que atribulaes intrapartidrias tragam dificuldades governativas uma relao de circularidade que pode ser viciosa ou virtuosa,conforme a maior ou menor capacidade dos lderes petistas emevitar tanto a estatizao do partido quanto a contaminao dagovernabilidade pelos conflitos intrapartidrios.

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