2015 Foi Ano Em Que o Transatlântico Brasil Bateu No Iceberg Diz Giambiagi

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2015 foi ano em que o "transatlântico Brasil" bateu no iceberg, diz Giambiagi Economista, que lançou recentemente o livro "Capitalismo: Modo de Usar", destacou em entrevista ao InfoMoney que o Brasil começou a "virar o leme", mas que sofre as consequências por anos de políticas erradas Por Lara Rizério |9h56 | 25-08-2015 SÃO PAULO - Em tempos de crise, a economia e os seus dados ruins acabam dominando o noticiário. Contudo, muito ainda deve ser feito para ensinar os brasileiros os fundamentos da economia. Tendo em vista este cenário, o economista e especialista na área de finanças públicas Fabio Giambiagi lançou o livro "Capitalismo: Modo de Usar", com linguagem não direcionada a economistas. Na publicação, Giambiagi destaca que o progresso futuro está rigorosamente atrelado às leis do capitalismo, como a valorização da competitividade e do empreendedorismo, e que o fato do Brasil ainda lutar ideologicamente contra o capitalismo alimenta o subdesenvolvimento do Brasil. Em entrevista ao portal InfoMoney, o economista destaca que o ciclo de esgotamento econômico atual, baseado em estímulos ao consumo e gastos mais altos, pode ser sim uma oportunidade para o Brasil ter uma virada, mas que depende de uma condução política adequada. Giambiagi ainda critica a morosidade do Brasil em realizar mudanças e remonta à metáfora de que o Brasil é um transatlântico, que demora a mudar de rumo. Porém, em 2015, este foi o ano "em que o transatlântico bateu no iceberg" e uma mudança de rota pode estar à vista. "Tenho a esperança de que o desfecho dessa crise ainda poderá se revelar positivo", avalia. Confira a entrevista completa abaixo: InfoMoney - O esgotamento do ciclo econômico que vivemos nos últimos anos e que tinha como base uma visão mais paternalista do Estado, pode ser um passo para trás para depois conseguirmos, como sociedade, fazermos uma autocrítica e darmos dois passos para frente? Fabio Giambiagi - Pode, mas desde que haja uma condução política adequada. O papel da liderança política é importante para isso, para organizar a revisão de conceitos por parte da sociedade. Esses processos não brotam por geração espontânea e tendem a ser desorganizados. Cabe à liderança conduzir as reformas de que o país precisa. InfoMoney :: 2015 foi ano em que o "transatlântic... http://www.infomoney.com.br/Pages/News/News... 1 of 4 08/29/2015 11:59 AM

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2015 foi ano em que o"transatlântico Brasil" bateu noiceberg, diz GiambiagiEconomista, que lançou recentemente o livro "Capitalismo: Modo de Usar",destacou em entrevista ao InfoMoney que o Brasil começou a "virar o leme",mas que sofre as consequências por anos de políticas erradas

Por Lara Rizério |9h56 | 25-08-2015

SÃO PAULO - Em tempos de crise, a economia e os seus dados ruins acabamdominando o noticiário. Contudo, muito ainda deve ser feito para ensinar os brasileirosos fundamentos da economia.

Tendo em vista este cenário, o economista e especialista na área de finanças públicasFabio Giambiagi lançou o livro "Capitalismo: Modo de Usar", com linguagem nãodirecionada a economistas. Na publicação, Giambiagi destaca que o progresso futuroestá rigorosamente atrelado às leis do capitalismo, como a valorização dacompetitividade e do empreendedorismo, e que o fato do Brasil ainda lutarideologicamente contra o capitalismo alimenta o subdesenvolvimento do Brasil.

Em entrevista ao portal InfoMoney, o economista destaca que o ciclo de esgotamentoeconômico atual, baseado em estímulos ao consumo e gastos mais altos, pode ser simuma oportunidade para o Brasil ter uma virada, mas que depende de uma conduçãopolítica adequada. Giambiagi ainda critica a morosidade do Brasil em realizarmudanças e remonta à metáfora de que o Brasil é um transatlântico, que demora amudar de rumo. Porém, em 2015, este foi o ano "em que o transatlântico bateu noiceberg" e uma mudança de rota pode estar à vista. "Tenho a esperança de que odesfecho dessa crise ainda poderá se revelar positivo", avalia.

Confira a entrevista completa abaixo:

InfoMoney - O esgotamento do ciclo econômico que vivemos nos últimos anos eque tinha como base uma visão mais paternalista do Estado, pode ser um passopara trás para depois conseguirmos, como sociedade, fazermos uma autocríticae darmos dois passos para frente?

Fabio Giambiagi - Pode, mas desde que haja uma condução política adequada.O papel da liderança política é importante para isso, para organizar a revisão deconceitos por parte da sociedade. Esses processos não brotam por geraçãoespontânea e tendem a ser desorganizados. Cabe à liderança conduzir asreformas de que o país precisa.

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IM - Em seu livro, o senhor usa uma metáfora de Fernando HenriqueCardoso, que compara o Brasil a um transatlântico pela falta dedestreza e demora em mudar de rumo. Em que medida o ano de 2015está sendo significativo para mudar o rumo da economia?

FG - Eu diria que 2015 é o ano em que o transatlântico bateu no iceberg. E issoocorreu porque estávamos há muito tempo no rumo errado e, mesmo quando onovo ministro [da Fazenda], Joaquim Levy, começou a tentar virar o leme, nãohouve como o país não sofrer as consequência pela rota errada que vinha sendoseguida há anos.

IM - No Brasil, os políticos refletem o que pensa e o que quer o povobrasileiro? Como eles podem equilibrar sua popularidade ao mesmotempo em que mudam o papel do Estado na sociedade?

FG - Vale um pouco o paralelo com a época de alta inflação. Naquela época,havia uma resistência muito grande a que, por ocasião da estabilização, aspessoas renunciassem à ideia do que se chamava na época de "correção pelopico", com todos querendo ter durante o ano o poder aquisitivo que só se podiater logo depois do reajuste.

A estabilização foi possível quando essa ideia passou a ser aceita, dado que osprejuízos daquela inflação elevadíssima estavam se tornando insuportáveis.

A sociedade pode estar mais disposta a mudar de posição sobre certas posturasdela, se o custo de manter o rumo tradicional se tornar proibitivo. O papel dobom político é tentar mostrar isso antes de que o país chegue a uma situaçãoextrema.

IM - A queda de mitos, a falta de um líder forte com o discurso de "paidos pobres" como Getúlio Vargas e, mais recentemente, Lula, poderepresentar um progresso sobre o que a população espera do Estado?Ou seria necessária uma mudança inversa: mudar primeiro a cabeça doeleitor para que ele não buscasse mais este determinado tipo deliderança política?

FG - Ambos fenômenos podem convergir. Por um lado, é razoável imaginar quehaja uma fadiga com as políticas que Lula defendia, até porque os ônus delaestão aparecendo de forma mais clara.

Ao mesmo tempo, fenômenos como uma maior escolarização da população, aurbanização, o maior alcance da televisão e a intensificação do debate políticopodem ir modificando com o passar dos anos o pensamento médio do brasileiro.

IM - Um dos temas em voga atualmente é a bomba da Previdência.

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Houve a votação pelo fim do fator previdenciário [depois vetada porDilma], o que traz perspectivas ainda mais alarmistas para o País comrelação a essa questão, e ainda com aval da oposição que, quando esteveno governo, criou o fator. O populismo econômico está em todos ospartidos?

FG - A rigor, não houve propriamente a extinção do fator previdenciário e simuma limitação do número de situações em que ele se aplica. Esse ato doCongresso foi um momento ruim da democracia brasileira. Foi um atoirrefletido, no qual a oposição, especificamente, se deixou guiar pelo fígado. Àsvezes, os países cometem erros. Esse episódio correspondeu a uma dessassituações.

IM - Estamos condenados, por conta do nosso espírito "anticapitalista",a sermos sempre o país do futuro?

FG - Espero que não e o livro pretende ser uma modesta contribuição a que nãoseja assim. A opinião pública é influenciada pela opinião publicada e as ideiascumprem seu papel no debate político. Nos anos 80, a economia estava muitomal, mas houve uma evolução das ideias econômicas que esteve por trás damudança operada no Brasil nos anos 90. Já na década passada, houve umaregressão. Eu acredito que cedo ou tarde o pêndulo da História vai semovimentar de novo.

IM - Em 2013, muito se falou que a pauta das manifestações era vaga,ao exigir mais do governo, mas sem mostrar uma direção exata do que apopulação queria. Até mais do que isso, aquelas manifestaçõesmostraram uma uma certa contradição da população sobre o que elaquer?

FG - Sem dúvida. Eu sou um crítico daquele processo. Primeiro, porque ele seoriginou de uma reivindicação economicamente absurda, como é a ideia de queos ônibus não devem ter reajuste, o que é uma aberração no contexto de umainflação anual não desprezível.

Segundo, porque traduzia uma pretensão impossível (a ideia de "padrão FIFA"para tudo), pelo fato de que aquilo que é objeto de um esforço específico nãopoder ser reproduzido em escala massiva. É possível construir 10 estádios deprimeiríssimo nível, mas é impossível ter atendimento de saúde deprimeiríssimo nível para 200 milhões de pessoas num país de renda média. Eterceiro, pela tolerância com os "black blocs", o que pessoalmente julgoinadmissível.

IM - Muito se fala que os períodos de crise podem representar tambémuma oportunidade, também de reflexão para a sociedade. O senhor vê

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que neste momento está havendo um maior engajamento da populaçãoem buscar se informar mais sobre os assuntos políticos e econômicosque mexem com o País? O livro busca contribuir para essa reflexão?

FG - O livro tem a pretensão de ser uma contribuição nesse sentido. Amanifestação da população procurando se expressar de forma pacífica, comonas manifestações de 2015, é muito mais saudável que o "surto" caótico de2013. O fato de estarmos a mais de 3 anos das próximas eleições presidenciais,obviamente, torna mais difícil que haja mudanças mais profundas de formaimediata.

Ao mesmo tempo, em que pese estarmos vivendo um cenário de horror naeconomia, aquilo que está acontecendo no âmbito da Justiça expressa ummovimento tectônico do país como há muito tempo não se via. [Antonio]Gramsci dizia que a crise consiste do fato de que o velho morreu sem que onovo tenha ainda nascido. Penso que há elementos de um Brasil novo que estánascendo, com maior consciência política, reconhecimento dos males doestatismo excessivo e uma Justiça mais atuante.

Tenho a esperança de que o desfecho dessa crise ainda poderá se revelarpositivo, embora obviamente passar por três anos de crise muito séria,incluindo aí a perspectiva de 2016, implique atravessar uma fase terrível.

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