2014 03 17 Ac RG Conduc s Efeito Alcool DtSilenc Arguid vs Testem Indirecto Valora 9p

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30/5/2014 Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães http://www.gde.mj.pt/jtrg.nsf/86c25a698e4e7cb7802579ec004d3832/32a3f9437fb164c080257cae005472dc?OpenDocument 1/9 Acórdãos TRG Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães Processo: 119/13.8GAVVD.G1 Relator: MARIA LUÍSA ARANTES Descritores: DEPOIMENTO INDIRECTO DIREITO DE DEFESA Nº do Documento: RG Data do Acordão: 17-03-2014 Votação: UNANIMIDADE Texto Integral: S Privacidade: 1 Meio Processual: RECURSO PENAL Decisão: JULGADO IMPROCEDENTE Sumário: Pode ser valorado o depoimento de testemunha que no julgamento relata uma conversa mantida com o arguido sobre os factos que são objeto da acusação, ainda que o arguido tenha optado por não se pronunciar sobre tais factos no exercício do seu direito ao silêncio. Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, os juízes na secção criminal do Tribunal da Relação de Guimarães: I – RELATÓRIO No processo sumário n.º119/13.8GAVVD do 1ºJuízo do Tribunal Judicial de Vila Verde, por sentença proferida oralmente, em 10/4/2013, a arguida Maria F... foi condenada pela prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez p. e p. pelo art.292.º n.º1 do C.Penal, na pena 75 dias de multa, à taxa diária de €6,00, a pagar em 6 prestações mensais, iguais e sucessivas e nos termos do art.69.º n.º1 al.a) do C.Penal, na pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados pelo período de 5 meses. Inconformada com a decisão, a arguida interpôs recurso, extraindo da motivação, as seguintes conclusões [transcrição]: 1. O douto tribunal a quo baseou a sua decisão de julgar provado que a ora Recorrente conduziu o veículo de matrícula 02-...-56, no tempo, lugar e circunstâncias melhor descritas na acusação, exclusivamente no depoimento das testemunhas CAMILO S... e JOÃO G.... 2. As referidas testemunhas depuseram, no que àquele concreto facto diz respeito, transmitindo aquilo que lhes teria sido comunicado pela ora Recorrente em momento posterior à eventual prática do crime, ou seja, prestaram um depoimento indirecto, de ouvir dizer, tal como é confirmado no douto aresto recorrido. 3. A Arguida, em obediência ao direito ao silêncio, que lhe assiste, não prestou declarações. 4. Ora, nos termos das disposições conjuntas dos arts. 125º e 129º, nº 1 CPP, não vale como prova o depoimento indirecto de uma testemunha sobre o que ouviu dizer ao Arguido que se remete ao silêncio, pelo que, por conseguinte, esses depoimentos não poderão ser valorados, nem por via de presunções decorrentes desse conhecimento indirecto. 5. Solução contrária à ora defendida poria em causa o direito ao silêncio e o princípio

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30/5/2014 Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães

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Acórdãos TRG Acórdão do Tribunal da Relação de GuimarãesProcesso: 119/13.8GAVVD.G1Relator: MARIA LUÍSA ARANTESDescritores: DEPOIMENTO INDIRECTO

DIREITO DE DEFESA

Nº do Documento: RGData do Acordão: 17-03-2014Votação: UNANIMIDADETexto Integral: SPrivacidade: 1

Meio Processual: RECURSO PENALDecisão: JULGADO IMPROCEDENTE

Sumário: Pode ser valorado o depoimento de testemunha que no julgamento relata uma conversa mantidacom o arguido sobre os factos que são objeto da acusação, ainda que o arguido tenha optadopor não se pronunciar sobre tais factos no exercício do seu direito ao silêncio.

Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, os juízes na secção criminal do Tribunal daRelação de Guimarães:I – RELATÓRIONo processo sumário n.º119/13.8GAVVD do 1ºJuízo do TribunalJudicial de Vila Verde, por sentença proferida oralmente, em10/4/2013, a arguida Maria F... foi condenada pela prática de um crimede condução de veículo em estado de embriaguez p. e p. pelo art.292.ºn.º1 do C.Penal, na pena 75 dias de multa, à taxa diária de €6,00, apagar em 6 prestações mensais, iguais e sucessivas e nos termos doart.69.º n.º1 al.a) do C.Penal, na pena acessória de proibição deconduzir veículos motorizados pelo período de 5 meses.Inconformada com a decisão, a arguida interpôs recurso, extraindo damotivação, as seguintes conclusões [transcrição]:1. O douto tribunal a quo baseou a sua decisão de julgar provado que a oraRecorrente conduziu o veículo de matrícula 02-...-56, no tempo, lugar ecircunstâncias melhor descritas na acusação, exclusivamente no depoimento das

testemunhas CAMILO S... e JOÃO G....

2. As referidas testemunhas depuseram, no que àquele concreto facto diz respeito,transmitindo aquilo que lhes teria sido comunicado pela ora Recorrente em momentoposterior à eventual prática do crime, ou seja, prestaram um depoimento indirecto, deouvir dizer, tal como é confirmado no douto aresto recorrido.

3. A Arguida, em obediência ao direito ao silêncio, que lhe assiste, não prestoudeclarações.

4. Ora, nos termos das disposições conjuntas dos arts. 125º e 129º, nº 1 CPP, nãovale como prova o depoimento indirecto de uma testemunha sobre o que ouviu dizerao Arguido que se remete ao silêncio, pelo que, por conseguinte, esses depoimentosnão poderão ser valorados, nem por via de presunções decorrentes desseconhecimento indirecto.

5. Solução contrária à ora defendida poria em causa o direito ao silêncio e o princípio

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da não auto-incriminação do Arguido, constitucionalmente consagrados.

5. Nesta conformidade, o art. 129º, nº 1 CPP é inconstitucional, por violação, entreoutros, do art. 32º, nº 1 CRP, quando interpretado no sentido de permitir odepoimento indirecto de uma testemunha sobre o que ouviu dizer ao Arguido depoisda ocorrência do crime, quando este, presente no julgamento, tenha feito uso dodireito ao silêncio.

6. Valorando, como valorou, os mencionados depoimentos, o douto tribunal a quolaborou, para além do mais, num erro notório de apreciação da prova, uma vez quelançou mão de elementos probatórios que não poderiam ter sido ponderados.

7. Expurgando a prova ilegalmente obtida, supra referida, nenhum outro elementoprobatório existe que comprove que a Recorrente era a condutora do veículo emcausa, pelo que não restaria alternativa ao tribunal recorrido a julgar esse facto comonão provado, e, em consequência, a absolver integralmente a Arguida.Sem prescindir,

8. Ainda que se venha a considerar que o depoimento indirecto das testemunhasCAMILO S... e JOÃO G... poderia ter sido valorado, o que não se consente eapenas aduz por mera cautela e dever de patrocínio, impunha-se que tivesse sidojulgado como não provado que a Arguida conduziu o veículo em mérito.

9. Decorre dos depoimentos das mencionadas testemunhas que estes, uma vezchegados ao local, se depararam com a Arguida já fora do veículo acidentado, maistendo afirmado que não houve necessidade de desencarceramento de vítimas - cfr.depoimento das testemunhas CAMILO S..., gravado através do sistema integrado degravação digital, na sessão de audiência e julgamento de 10 de Abril de 2013, entreas 10h43m52s e as 10h48m57s, nomeadamente entre os 00m47s a 01m03s e04m49s a 05m00s do segmento de gravação a ele referente e JOÃO G...,gravado através do sistema integrado de gravação digital, na sessão de audiência ejulgamento de 10 de Abril de 2013, entre as 10h49m38s e as 10h53m53s,nomeadamente entre os 00m31s a 00m41s do segmento de gravação a elereferente.

10. A testemunha JOÃO G... não negou, inclusivamente, a possibilidade de havermais passageiros no veículo acidentado, que tenham saído do veículo - cfr.depoimento da referida testemunha, nomeadamente entre os 03m13s a 03m44s dosegmento de gravação a ele referente.

11. Ainda que comunicando factos transmitidos pela ora Recorrente, as citadastestemunhas não garantiram, com a certeza exigida em processo penal, que a Arguidaera a condutora do veículo acidentado, antes tendo utilizado termos como“supostamente” e “possivelmente” - cfr. depoimento da testemunha CAMILO S...,entre os 02m13s a 02m24s do segmento de gravação a ele referente, e datestemunha JOÃO G..., entre os 03m45s a 04m10s do segmento de gravação aele referente.

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12. Acresce que, a Arguida estava comprovadamente etilizada, e, segundo oafirmado na douta decisão recorrida, teria provavelmente um trauma, um stresspós-traumático.

13. Ora, estas circunstâncias impediram necessariamente a transmissão precisa e fieldos factos ocorridos, ou, quando menos, limitaram a percepção correcta da realidadecomunicada, pelo que as declarações assim tomadas não poderão servir de prova noâmbito dos presentes autos,

14. ainda para mais quando desacompanhadas de elementos probatórios adicionais,como é comprovadamente o caso dos autos.

15. Pelas razões expostas, resulta evidente que a decisão em mérito deveria, quandomenos, e em obediência ao princípio in dubio pro reo, ter julgado como nãoprovado que a Arguida conduziu o veículo motorizado, e, em conformidade, tê-laabsolvido, decisão que ora se pugna, em substituição da recorrida.

O Ministério Público junto da 1º instância respondeu ao recurso,pugnando pela confirmação da decisão recorrida [fls.93 a 95].

Remetidos os autos ao tribunal da Relação e aberta vista nos termos doart.416.º n.º1 do C.P.Penal, a Exma.Procuradora-Geral Adjunta emitiuparecer em que se pronunciou pela improcedência do recurso [fls.114 e114 v.].

Cumprido o disposto no art.417.º n.º2 do C.P.Penal, não foiapresentada resposta.Colhidos os vistos legais, foram os autos elevados à conferência.

II – FUNDAMENTAÇÃODecisão recorridaAntes de enunciarmos a factualidade provada e não provada, afigura-se-nos necessário realçar o seguinte: este tribunal da relação, porque norecurso foi suscitado o erro notório na apreciação da prova e a sentençahavia sido proferida oralmente ao abrigo do art.389-A do C.P.Penal,ordenou a transcrição da sentença, a efectuar pelo tribunal recorrido, aoabrigo do disposto no art.101.º n.º5 do C.P.Penal.Sucede que a transcrição enviada pelo tribunal recorrido,concretamente na parte relativa à motivação, se encontrava redigida emtermos que, por vezes, denotava manifestas incorrecções, tornado otexto pouco inteligível, o que obrigou a relatora deste processo a ouvir oCD e fazer ela a transcrição fiel das palavras do Sr.Juiz que procedeuao julgamento.Faz-se um alerta para que as transcrições devem corresponder ipsisverbis às palavras proferidas, devendo o magistrado antes de ordenar aremessa dos autos à relação certificar-se da conformidade da

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transcrição, o que, no caso, não ocorreu.*

A sentença recorrida deu como provados e não provados os seguintesfactos e respectiva motivação:Factos provados« - No dia 29 de Março de 2013, cerca das 9h34m, a arguida Maria F...conduziu o veículo automóvel ligeiro de passageiros de matrícula 02-...-56, naRua P..., em Vila Verde. -A arguida conduzia, em tais circunstâncias de tempo e lugar, com uma taxa dealcoolemia de 1,77 g/l em virtude de, momentos antes, ter ingerido bebidasalcoólicas. -Sabia a arguida que ingeriu bebidas alcoólicas em momento anterior ao inícioda condução do veículo automóvel em quantidade que provocou a taxa dealcoolemia acima mencionada, superior ao mínimo legal que a faria incorrer emresponsabilidade criminal, e não obstante, decidiu conduzir o referido veículo. -Agiu livre, deliberada e conscientemente, bem sabendo que tal conduta éproibida por lei e punida, além do mais, com proibição de conduzir veículos commotor. - É viúva, tem um filho de oito anos, está desempregada, vive em casa de umaamiga e tendo vivido em casa dos pais quando o marido era vivo. - Completou ou tem a frequência do 11 ° ano e completou o 9° ano. - Não tem antecedentes criminais.

*Não provado que não fosse a arguida que conduzisse o veículo, mas umterceiro.

*MotivaçãoA arguida remeteu-se ao silêncio, e tem esse direito, e, portanto, não éprejudicada por isso. Mas desse silêncio não resulta, ou não pode resultar,nenhuma convicção sobre os factos. Foi produzida prova testemunhal. Ouvimos um militar da GNR na primeirasessão de julgamento, o agente autuante, e, efectivamente, esse senhor não sedeslocou ao local no momento do acidente. Foi ao Hospital Escala Braga, e depois fez, lavrou o expediente, o auto denotícia, e toda a documentação, bem como exame que foi feito, ou seja, nãotendo assistido ao despiste, não se tendo deslocado ao local, não podeobviamente, directamente, dizer quem é que conduzia o veículo. O Tribunal,depois, por requerimento do MP e oficiosamente, no uso dos poderes de queestá investido, decidiu ouvir mais prova testemunhal e ordenou também ajunção de documentação. A documentação do Hospital Escala Braga constaaqui do processo e comprova o atendimento hospitalar (fls. 51 e seguintes). Foi ouvida a Sra. Deolinda C..., a senhora que terá sido a primeira pessoa quese apercebeu do despiste, mas a senhora, com clareza, disse que não viu quem iaa conduzir o veículo. Apenas confirmou o despiste e que, mais tarde foichamado o INEM, ou ambulância, como se costuma dizer. Mas, para a formação da convicção do Tribunal foi decisivo o depoimento dosdois bombeiros ouvidos: quer o senhor Silva, quer o senhor Gonçalves, foram

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claríssimos, depuseram com rigor e com isenção, e, no exercício das suasfunções, disseram, reproduziram o que ouviram, o que foi transmitido pelaarguida, que estava ferida, que estava em ansiedade. O senhor Gonçalves atéreparou, até referiu que estava com trauma, com stress pós-traumáticomomentâneo, obviamente, e, portanto, essas informações são absolutamenteessenciais. A senhora mostrava preocupação com o destino do veículo, poisninguém poderia ficar com ele a não ser a senhora que estava a conduzir, aarguida, e referiu também que era ela a condutora do veículo, era ela queestava a conduzir o veículo, que estava a acabar de levar um amigo a casa eestava de regresso à suas própria residência, tendo tido o acidente. Estes depoimentos são absolutamente esclarecedores. Mal andaria eu se, como magistrado, não julgasse esta acusação procedente,porque, senão, teríamos que ter alguém a assistir aos acidentes de viação. As coisas não se passam assim. A prova é uma prova pode ser uma provadirecta ou pode ser uma prova indirecta com base em presunções. E portanto,como estes senhores bombeiros mostraram isenção e independência, depuseramcom rigor, não têm qualquer interesse na causa, não conhecem a senhora e sãoprofissionais do socorro digamos assim, eu penso que, com base nestesdepoimentos, não resulta qualquer tipo de dúvida de que era a senhora queconduzia o veículo. De outro modo, o Tribunal tem que dizer que um terceiro éque era o condutor do veículo. Face à prova produzida, parece ir longe de mais,muito longe até. Temos também o talão que foi realizado pela senhora no próprio Posto, queacusou 1,77 gramas por litro de sangue. E temos o Auto de Notícia, que estáelaborado também, e portanto, face a esta prova toda, e o Certificado deRegisto Criminal, que está limpo, face a esta prova toda, reitero, portanto, éminha convicção profunda de que os factos foram praticados pela arguida, semmargem para qualquer dúvida.»

ApreciaçãoAtento o disposto no art.412.º n.º1 do C.P.Penal, o âmbito do recursoestá delimitado pelo teor das conclusões extraídas pelo recorrente damotivação, sem prejuízo da apreciação das questões de conhecimentooficioso, como são os vícios da sentença previstos no art.410.º n.º2 doC.P.Penal.Face às conclusões apresentadas, as questões trazidas à apreciaçãodeste tribunal ad quem são as seguintes:-erro notório na apreciação da prova por valoração de prova proibida,-erro de julgamento

1ªquestão: Na tese recursiva, uma vez que a convicção do tribunal nosentido de que era a arguida que conduzia o veículo automóvel nascircunstâncias de tempo e lugar mencionadas nos autos, se baseou tão-só nos depoimentos das testemunhas CAMILO S... e JOÃO G...,sendo que estas prestaram depoimentos indirectos, as suas declaraçõesnão podem ser valoradas dado que a arguida se remeteu ao silêncio em

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audiência de julgamento.Estabelece o art.128.º n.º1 do C.P.Penal que a testemunha é inquiridasobre factos de que possua conhecimento directo e que constituamobjecto de prova. Apesar desta regra, não está completamente arredado o testemunho de“ouvir dizer”, dispondo o art.129.º do C.P.Penal, sob a epígrafeDepoimento indirecto : «1. Se o depoimento resultar do que se ouviudizer a pessoas determinadas, o juiz pode chamar estas a depor. Se onão fizer, o depoimento produzido não pode, naquela parte, servircomo meio de prova, salvo se a inquirição das pessoas indicadas nãofor possível por morte, anomalia psíquica superveniente ouimpossibilidade de serem encontradas.2.(…) 3. Não pode, em caso algum, servir como meio de prova o depoimentode quem recusar ou não estiver em condições de indicar a pessoa ou afonte através das quais tomou conhecimento dos factos».O depoimento indirecto é, pois, uma excepção, só podendo servalorado nos estritos termos previstos nesta norma.Muito se tem discutido acerca da distinção entre depoimento directo edepoimento indirecto. A este propósito é elucidativo o Ac.R.Porto de24/9/2008, proc. n.º0843468, relatado pelo Desembargador AntónioGama, disponível in www.dgsi.pt., «O critério operativo da distinçãoentre depoimento directo e indirecto é o da vivência da realidade que serelata: se o depoente viveu e assistiu a essa realidade o seu depoimentoé directo, se não, é indirecto.»Considerando que o depoimento indirecto é a comunicação de um factode que o sujeito teve conhecimento por um terceiro, afigura-se-nos quenão constitui depoimento indirecto o prestado por uma testemunha querelata o que ouviu o arguido dizer, pois versa sobre factos de quedirectamente teve conhecimento na conversa que estabeleceu com oarguido.No caso presente as testemunhas relataram a conversa que tiveramcom a arguida, pelo que estamos perante depoimentos directos;diferente seria se as testemunhas relatassem o que ouviram dizer a umdos interlocutores numa conversa a que não assistiram.Por não estamos perante depoimentos indirectos cuja validade dependado chamamento a depor da testemunha-fonte, não tem aplicação oregime do art.129.º n.º1 do C.P.Penal.Mas ainda que se considerasse, como defende alguma jurisprudência,que as declarações de uma testemunha relatando conversa mantida como arguido constituem depoimento indirecto, sempre in casu osdepoimentos das testemunhas podiam ser valorados, não obstante osilêncio da arguida.«É inquestionável que, nos termos do normativo do artigo 343º, doCPP, o arguido é inteiramente livre de se pronunciar sobre os factos da

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acusação ou sobre os que resultarem da discussão da causa, assistindo-lhe inclusivamente o direito de se remeter ao silêncio, sem que daí otribunal possa extrair ilações, em seu prejuízo ou benefício. Porém, acoberto desse silêncio não pode impedir que o tribunal aprecielivremente os depoimentos das testemunhas, ainda que a razão deciência das mesmas radique em informações ou declarações que oarguido lhe tenha prestado. Com efeito, nesses casos, não podeafirmar-se a afectação do contraditório, que é a razão subjacente àproibição de depoimentos indirectos estabelecida no artigo 129º, do C.P. Penal.» - Ac.R.Guimarães de 17/5/2004, proc. n.º2012/03.2,relatado pelo Desembargador Heitor Gonçalves. O direito ao silêncio não visa beneficiar o arguido, condicionando aprova testemunhal; decorre antes do princípio do acusatório, que impõeà acusação o dever de provar os factos que imputa ao arguido,facultando a este um comportamento que possa obstar à sua auto-incriminação.Ora, estando o arguido presente em audiência, pode sempre contraditara testemunha que relatou aquilo que lhe ouviu dizer, requerer asdiligências que entenda pertinentes, de forma a demonstrar a sua faltade idoneidade. Esta interpretação não viola o art. 32.º n.º e 5 da C.R.P, pois,conforme decidiu o Ac.T.C de 8/7/99, publicado no DR, II Série, de9/11/99, o art.129.º n.º1 do C.P.Penal, «interpretado no sentido de queo tribunal pode valorar livremente os depoimentos indirectos detestemunhas, que relatam conversas tidas com um co-arguido que,chamado a depor, se recusa a fazê-lo no exercício do seu direito aosilêncio, não atinge de forma intolerável, desproporcionada oumanifestamente opressiva, o direito de defesa do arguido». Estaposição foi reafirmada no Ac.T.C n.º440/99, disponível inwww.tribunalconstitucional.pt.Assim, a valoração dos depoimentos das testemunhas CAMILO S... eJOÃO G... não constitui prova proibida.A recorrente invocou o erro notório na apreciação da prova – art.410.ºn.º2 al.c) do C.P.Penal, com fundamento no facto do tribunal terrecorrido à valoração de prova proibida.Existe erro notório na apreciação da prova quando, analisada adecisão recorrida na sua globalidade e sem recurso a elementosextrínsecos, é manifesto que o tribunal fez uma apreciação ilógica daprova, em oposição às regras básicas da experiência comum, ou seja,sempre que para a generalidade das pessoas seja evidente umaconclusão diferente daquela a que chegou o tribunal. Trata-se de umerro ostensivo, que é detectado pelo homem médio. Porém, como afirmam Simas Santos e Leal Henriques, in Código deProcesso Penal Anotado, 2ºVolume, pág.515, «o erro notório naapreciação da prova não ocorre apenas quando da factualidade provada

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se extraiu uma conclusão ilógica, irracional e arbitrária ou notoriamenteviolando as regras da experiência comum, mas também quando seviolam as regras sobre o valor da prova vinculada ou as legis artis».Analisando a fundamentação da matéria de facto da sentença recorrida,concluímos não assistir razão à recorrente quanto ao invocado vício doart.410.º n.º2 al.c) do C.P.Penal; o que a recorrente faz é divergir domodo como o tribunal a quo apreciou a prova produzida em audiência,sustentando que o tribunal recorreu à valoração de prova proibida, oque, como assim se explicitou, não aconteceu.Improcede, assim, este fundamento do recurso.2ªquestão: sustenta a recorrente que, mesmo a considerar-se que osdepoimentos das testemunhas CAMILO S... e JOÃO G... podem servalorados, o tribunal não apreciou correctamente a prova produzida,não podendo dar-se como provado que era a arguida/recorrente quemconduzia o veículo, pois a testemunha JOÃO G... não afastou apossibilidade de haver mais vitimas que já tivessem saído do veículo.Dispõe o art.412.º n.º3 do C.P.Penal «quando impugne a decisãoproferida sobre matéria de facto, o recorrente deve especificar:a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamenteprovados;b) As concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida;c) As provas que devem ser renovadas.»E o n.º4 do mesmo dispositivo estabelece «Quando as provas tenhamsido gravadas, as especificações previstas nas alíneas b) e c) do númeroanterior fazem-se por referência ao consignado na acta, nos termos dodisposto no n.º2 do art.364.º, devendo o recorrente indicarconcretamente as passagens em que se funda a impugnação.»A impugnação ampla da matéria de facto não conduz a um novojulgamento em que relação aprecia toda a prova produzida em1ªinstância, como se o julgamento já realizado não existisse; ao invés,os recursos, em matéria de facto, são remédios jurídicos destinados acolmatar erros de julgamento, os quais devem ser indicados commenção das provas que os evidenciam. Note-se que o art.412.º n.º3 al.b) do C.P.Penal refere «As provas queimpõem decisão diversa da recorrida» e não as que permitiriam umadecisão diversa. A garantia do duplo grau de jurisdição da matéria defacto não subverte o princípio da livre apreciação da prova que estádeferido ao tribunal da primeira instância, o qual beneficia da imediaçãoe da oralidade, sendo que na formação da convicção do julgador nãointervêm apenas elementos racionalmente demonstráveis, mas tambémfactores não materializados e que são imperceptíveis na gravação de

um depoimento, como a linguagem gestual, o olhar.

Tendo presente o que acabou de se referir, a impugnação apresentadapela recorrente não colhe pois, a pretexto de pretender impugnar a

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decisão proferida sobre a matéria de facto, vem, na verdade, colocarem causa a formação da convicção do tribunal recorrido. Ouvidas as concretas passagens de prova gravada dos depoimentos dastestemunhas indicadas na motivação e nas conclusões do recurso, nãoimpõem aquelas uma decisão diversa da recorrida, face às regras daexperiência comum e respeitando a livre convicção do julgador.A recorrente não invoca erros de julgamento, questionando tão-só aconvicção do tribunal. «A censura quanto à forma de formação daconvicção do Tribunal não pode (…) assentar de forma simplista noataque da fase final da formação dessa convicção, isto é, na valoraçãoda prova; tal censura terá de assentar na violação de qualquer dospassos para a formação de tal convicção, designadamente porque nãoexistem os dados objectivos que se apontam na motivação ou porque seviolaram os princípios para a aquisição desses dados objectivos ouporque não houve liberdade na formação da convicção.Doutra forma, seria uma inversão da posição dos personagens doprocesso, como seja a de substituir a convicção de quem tem de julgar,pela convicção dos que esperam a decisão» – Ac. do TribunalConstitucional n.º 184/2004, de 24.11.2004, inwww.tribunalconstitucional.ptEm síntese, a recorrente não aponta erros de julgamento, antes seinsurgindo quanto à convicção do tribunal a quo, pelo que não colhe aimpugnação ampla da matéria de facto.Soçobra, pois, também este fundamento do recurso.

III – DECISÃOPelo exposto, acordam os juízes na secção criminal do Tribunal daRelação de Guimarães em julgar o recurso improcedente, confirmandoa decisão recorrida.Custas pela recorrente, fixando-se em 4 Ucs a taxa de justiça.