2 Turismo Patrimonio e Identidades

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 XI ENCONTRO NACION AL DE TURISMO COM BASE LOCAL Turismo e T r ansdiscip linaridade: n ovos desafios Niterói - RJ 12 a 14 de abril de 2010 181 2 - TURISMO, P ATRIMÔNI O E IDENTIDADES Este grupo de artigos propõe discutir a questão do patrimônio cultural como suporte de identidades sob a perspectiva da imaterialidade e materialidade da cultura, assim como, a valorização turística do patrimônio sob a perspectiva de gerenciamento do universo simbólico da sociedade. Propõe também, a reflexão sobre a problemática do agenciamento do patrimônio cultural como suporte de processos identitários de base local, associado a uma sociedade de consumo, na qual, este se realiza como mercadoria e, por conseguinte fonte de di v isas para as localidades.

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    2 - TURISMO, PATRIMNIO E IDENTIDADES

    Este grupo de artigos prope discutir a questo do patrimnio cultural como

    suporte de identidades sob a perspectiva da imaterialidade e materialidade

    da cultura, assim como, a valorizao turstica do patrimnio sob a

    perspectiva de gerenciamento do universo simblico da sociedade. Prope

    tambm, a reflexo sobre a problemtica do agenciamento do patrimnio

    cultural como suporte de processos identitrios de base local, associado a

    uma sociedade de consumo, na qual, este se realiza como mercadoria e,

    por conseguinte fonte de divisas para as localidades.

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    A CONSTRUO DA BRASILIDADE: AS FASES DE PATRIMONIALIZAO E OS MODELOS DE TURISMO CULTURAL NO BRASIL

    Humberto Fois-Braga

    Turismlogo e Mestre em Comunicao / Faculdade Machado Sobrinho [email protected]

    RESUMO O artigo discute como a patrimonializao contribui construo de uma

    identidade nacional, e de que maneira o turismo incentivado em direo a estas reas de tombamento serve como divulgador de uma ideologia, uma vez que transforma em experincia (subjetiva) aquilo que foi construdo pelos artfices da nao. A partir desta compreenso, definiremos duas fases que contextualizam os processos de tombamento com suas pocas e as vises de cultura que a permeavam. Para tal, serviremo-nos do livro Limaginaire du tourisme culturel, onde o pesquisador Rachid Amirou (2000) props dois modelos temporais de patrimonializao pelos quais a Frana passou. Nossa metodologia ser baseada em reflexes e dilogos tericos que tornem possveis a transposio de tais modelos franceses realidade brasileira, onde cada uma destas fases de patrimonializao faz emergir um modelo turstico. Por fim, concluiremos que, atualmente, embora com suas especificidades, estas duas fases coexistem, pois

    independentemente da viso de cultura (objetivada ou processual) norteadora das polticas de tombamento e de turismo, o que se v a supremacia do Estado, capaz de aceitar diferenas e a diversidade cultural, desde que estas se mantenham sob sua tutela. Palavras Chave: Estado. Nacionalidade. Cultura. Patrimonializao. Turismo.

    ABSTRACT This article discusses how heritage-awarding contributes to the construction of a national identity, and how tourism directed to these selected areas serves as a broadcaster of an ideology, since it transforms into an experience (a subjective one) whatever was built by the Forefathers of the Nation. Spanning from this comprehension, we shall define two phases that will contextualize the process of Heritage Site-Selecting with its time and visions of culture that prevailed then. In pursuit of such objective, we will utilize the book Limaginaire du tourisme culturel, in which the researcher Rachid Amirou (2000) proposes two time models of heritage-awarding which France has gone through. Our methodology will be based on reflexions and theoretical dialogues that make possible the transposition of

    such French models into the Brazilian reality, where each one of these phases of Heritage-Awarding led to a new touristic model. Lastly, we conclude that, currently, though with its own specificities, both phases coexist, for regardless the view of culture (objectified or processual) guided by the policies of heritage-selecting and tourism, what is seen is the supremacy of the State, which is capable of accepting differences and cultural diversity, so long as it is done under its discretion.

    Key words: State. Nationality. Culture. Heritage-Awarding. Tourism.

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    1. ESTADO-NAO: A TERRA COMO INVENO

    Enquanto construo social, a nao precisa legitimar um discurso que a

    narre: somente contando uma histria ficcional (BAUMAN, 2005), ideolgica

    (ORTIZ, 2003), imaginada (ANDERSON, 1989), sentimental (WEBER, 1982)

    sobre si, que ela ser capaz de ser compartilhada pela comunidade que se

    encontra sob sua tutela. E neste sentido que Ortiz (2003) nos diz ser a memria

    nacional uma construo ideolgica, pois transcende os indivduos e busca unir

    os diferentes grupos em torno de uma universalidade.

    Tal identidade ideolgica precisou estipular medidas severas e coercitivas

    para diferenciar o eu do outro, fazendo com que os indivduos desenvolvessem

    interesses e patriotismo para participar do movimento nacional. Para tanto, o

    Estado lanou mo das Instituies Disciplinares (FOUCAULT, 2007) que

    controlavam os cidados a partir de uma poltica de enquadramento dos sujeitos

    s ordens sociais desejadas.

    O tombamento de bens materiais e, mais tarde, imateriais, obedeceu

    tambm a esta vontade de disciplinarizao dos cidados, hierarquizando valores,

    selecionando o que deveria ser narrado e legitimado, enquanto varria para as

    margens outros fatos e regies que seriam ignorados pela memria nacional

    oficializada.

    Neste interesse de significar pela patrimonializao, o Estado atua atravs

    do mecenato (financia leis de incentivo cultura), conservao (tombando,

    construindo museus, restaurando...) e divulgao (promovendo o acesso fsico

    ou simblico dos cidados a estes espaos sacralizados).

    No quesito divulgao desta memria nacional, o turismo e as

    telecomunicaes atuam estrategicamente, pois maximizam o alcance dos

    discursos e os insere na vida dos cidados. Na verdade, tanto as

    telecomunicaes como as viagens so elementos que trabalham com fluxos, o

    que gera uma rede que atinge todos os recncavos do territrio nacional: atuando

    como vasos capilares, ambos se infiltram, irradiando e divulgando o ideal de

    brasilidade proposto pelo governo.

    Ao mesmo tempo em que criam o aqui e o l na construo da identidade

    nacional, as telecomunicaes e o turismo buscam romper com estas barreiras:

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    agindo de forma complementar, o turismo pretende levar os indivduos at os

    elementos eleitos como smbolos nacionais1, enquanto as telecomunicaes

    trabalham distncia e trazem tais estruturas imaginrias aos seus lares. Com

    isto, ambos atualizam nas experincias individuais aquilo que foi construdo

    ideologicamente afinal, se a nao uma construo, ela s faz sentido e

    provoca o engajamento dos seus indivduos-cidados quando se torna uma

    comunidade imaginada e vivida sentimentalmente.

    Assim, de ficcional, j que ideolgica, a nacionalidade filtrada pelas

    experincias individuais e, consequentemente, passa a ser vista como essencial,

    como se fosse biolgica, de nascena, o que permite que, diferentemente das

    outras identidades, se imponha soberana, no admitindo competidores: todas as

    outras identidades, sempre secundrias nacionalidade, so permitidas,

    toleradas e oficializadas desde que no colidam com seus interesses (BAUMAN,

    2005). E isto se deve primordialmente ao aparato simblico que cria lealdade

    entre os membros que compartilham do mesmo discurso (HALL, 2006): de um

    lado, o Estado, figura paterna e coercitiva, capaz de punies; do outro, a Nao,

    a figura materna que desperta o sentimento e a vontade de participar.

    2. ROTEIROS TURISTICOS: LEITURAS IDEOLGICAS DO TERRITRIO

    Podemos considerar que qualquer modelo de planejamento turstico de

    uma territorialidade visa, em ltima instncia, construir atrativos e propor roteiros

    que os interliguem em uma narrativa prxima do imaginrio turstico que permeia

    o destino. E se os roteiros tursticos so formas de se olhar, percorrer e interagir

    com o espao e as comunidades anfitris, ento, as redes aparecem como sendo

    qualquer percurso traado pelo turista de forma induzida ou improvisada na

    malha territorial. Esses ns (atrativos tursticos) so interligados pelas linhas

    (roteiros), compondo uma teia de locomoo.

    Esses roteiros podem ser traados a partir das possibilidades geogrficas e

    urbansticas da malha territorial, permitindo certas combinaes, com um

    1 Alguns slogans da Embratur so expressivos desta viso do turismo enquanto intermediador das

    relaes que constri a cidadania. Basta relembrarmos de frases como: Viaja, Brasil, Brasil, turismo e voc Brasileiro: descubra o Brasil.

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    percurso comeando, por exemplo, em um atrativo A para terminar num F, ou

    partindo de um H para chegar no A, e assim sucessivamente.

    Entretanto, um roteiro no somente uma seqncia de pontos

    percorridos; ele tambm uma importante matriz de leitura do local, negociando

    diferentes interesses que esto em confronto no territrio e que se expressam,

    deixando suas marcas, nos atrativos e em seus entorno. Portanto, um roteiro

    uma construo idealizada, que atua na recuperao de uma suposta alma do

    lugar; e por isto mesmo seleciona, categoriza e hierarquiza os atrativos (como as

    estrelas do Guia 4 Rodas) ao mesmo tempo em que outros sero

    estrategicamente esquecidos estamos prximos daquilo que Siqueira (2007)

    definiu como turiscentrismo; mas tambm encontramos um dilogo com a

    semitica, em que um roteiro-palimpsesto, como matriz de leitura espacial, pode

    ser interrompido, retroceder, avanar, saltar atrativos, recuperar memrias do

    leitor-turista, articular imaginrios e comparar destinos.

    No mais, um territrio sempre um interstcio, pois apresenta diversos

    grupos sociais residentes ou provisrios (caso dos turistas), que se confrontam no

    direito de legitimar um discurso turstico a partir do planejamento e, em ltima

    instncia, dos roteiros propostos. Por isto, de se esperar que comunidades

    plurais, que compartilham de um mesmo territrio, possuam em comum certos

    referenciais totmicos (ainda que com significados diversos), enquanto outros

    patrimnios so exclusivos de um grupo e servem distino. Neste sentido que

    os patrimnios transformados em atrativos tursticos e propostos dentro de uma

    lgica de roteiro trazem impresso estas disputas e concordncias simblicas que

    permeiam a estrutura social do local.

    Enquanto discurso, estes roteiros esto em constante processo, sempre

    negociando diferentes interesses dos agentes envolvidos, rearticulando, fazendo

    emergir um novo atrativo, esquecendo-se de outros, aumentando e reforando a

    intensidade de atrao de alguns pontos e afastando ou colocando em stand-by

    outros. Acreditamos que fazer uma pesquisa sobre a arqueologia e a genealogia

    dos roteiros tursticos (com seus atrativos, percursos e intensidades) , em certo

    sentido, propor uma compreenso das estruturas sociais que construram e ainda

    moldam um destino, desvendando as relaes comunitrias e dos visitantes. So

    estes elementos, em constante rearticulao, que dinamizam os atrativos, que

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    compem a cor local e diferenciam a localidade de outros destinos

    tursticos(CARDOZO,2006, p.147).

    Por isso mesmo, importante repensarmos uma viso que permeia a

    relao entre patrimnios e turismo: o mito do territrio vocacionado atividade

    turstica. Falar que algo tem vocao remete a uma viso essencializada, como

    se o espao nascesse turstico e o planejamento seria a forma de despert-lo;

    na verdade, todo atrativo e por consequncia todo o destino turstico

    construdo a partir de um imaginrio coletivo e de grupos sociais em disputa. A

    fora de atrao, como o prprio nome atrativo turstico sugere, no est no

    elemento em si, no interna a ele, mas se encontra nas mediaes, ou seja, no

    discurso que desenvolvemos para nos ligarmos a ele.

    Enfim, compreendemos o papel que o planejamento e roteiros tursticos

    desenvolvem na articulao dos interesses de diversos grupos de um territrio

    que querem se ver representados legitimados pela atividade turstica,

    principalmente a partir de seus patrimnios culturais.

    O planejamento turstico expressa as disputas de poder que ocorrem em

    um territrio. Neste mbito, os roteiros e os patrimnios culturais que eles

    englobam so ferramentas de oficializao e divulgao de um discurso, uma

    seleo e categorizao em que os diversos grupos sociais buscam o direito de

    narrar e de se apresentar aos visitantes, lanando suas ideologias e manifestos

    ao mundo via aqueles turistas que l chegam.

    Assim, o turismo via planejamento, elaborao de roteiros e seleo de

    atrativos e estabelecimento de seus pesos na rede se transforma em um

    palanque onde os diversos sujeitos e grupos sociais de um territrio exigem suas

    presenas e proclamam seus pontos de vista.

    Devemos, pois, compreender que toda e cada sociedade, dispersa em

    tempos e espaos distintos, estrutura e categoriza de uma maneira peculiar suas

    experincias. Sendo hierarquizados socialmente, os valores das coisas tangveis

    e intangveis que permeiam o cotidiano s fazem sentido quando sancionados

    pela coletividade. Por isto, um processo de roteirizao turstica e

    patrimonializao s se explica dentro do sistema scio-cultural que o significa.

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    A partir destas reflexes, em que a nao, patrimnios e roteiros tursticos

    so construes sociais, e, portanto ideolgicas, podemos definir duas fases que

    contextualizam os processos de tombamento com suas pocas e vises de

    cultura que a permeavam. E para cada uma desta fase vemos emergir um modelo

    turstico: primeiramente, o turismo cultural-histrico, posteriormente, o turismo

    cultural tnico-etnogrfico.

    3. PRIMEIRA FASE DE PATRIMONIALIZAO: O TURISMO CULTURAL-HISTRICO

    De acordo com Amirou (2000), em um primeiro momento, quando comeou

    a fase de tombamentos, o Estado valorizou os patrimnios que legitimavam as

    grandes obras pblicas que construam o discurso da nao. o patrimnio obra

    de arte na construo da Memria Nacional, relegando ao segundo plano (do

    esquecimento) as relaes simblicas desenvolvidas pelas populaes em seu

    cotidiano.

    Nesta construo dos patrimnios, encontramos a diferenciao entre bens

    naturais e aqueles culturais. Estes articulam de maneira divergente e

    complementar um tempo-espao: enquanto a natureza, vista como eterna, remete

    Criao e uma atemporalidade, a cultura se coloca enquanto patrimnio

    histrico, logo, datado (resgatando uma suposta tradio humana). , pois, a

    combinao entre patrimnios naturais e culturais-histricos que criar aqueles

    elementos constituintes de uma nacionalidade2.

    Para Ortiz (2003), que tambm nos fala da Memria Nacional, a ideologia

    desta fase unificou os diferentes mitos coletivos em torno de um discurso

    orgnico. Tal narrativa discursiva, que selecionou diferentes elementos das

    memrias locais, gerou uma bricolagem de tombamentos capaz de abarcar uma

    identificao universal (comum a todos) sobre a nacionalidade.

    Para tanto, o Estado buscou, nos bens que circulam pelo territrio, nas

    comunidades da vida (BAUMAN, 2005), elementos que criassem e

    materializassem o discurso nacional, de uma comunidade de destino (BAUMAN,

    2005). No deixa de ser, todavia, um processo aleatrio e de disputas

    2 O Parque Nacional do Itatiaia (RJ) foi a primeira rea natural protegida brasileira, tendo sido

    criado em 1937. J o primeiro Patrimnio Histrico-Artstico Nacional foi a cidade de Ouro Preto (MG), proclamada como tal em 1933 (antes mesmo do surgimento do SPHAN) (SILVA, 2004).

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    ideolgicas, capaz de construir uma bricolagem de diferentes elementos

    resgatados de suas territorialidades e elevados ao patamar de nao o que

    gerou uma distribuio desigual dos smbolos nacionais, com algumas regies

    representando com maior intensidade o significado da identidade nacional do que

    outras.

    Esta anlise pode ser, inclusive, sustentada a partir das pesquisas

    realizadas por Rubino (1996). Tal autora nos demonstra que as ideologias que

    permeavam o SPHAN3 (Servio de Patrimnio Histrico Nacional, atual IPHAN)

    desde a sua fundao, em 1937, at a aposentadoria de seu primeiro presidente,

    Rodrigo Melo Franco de Andrade, em 1967, gerou uma nao imaginria a partir

    do tombamento de 689 bens culturais.

    Tais aes criaram um espao nacional imaginrio que se concentrava em

    Minas Gerais (165 tombamentos, correspondendo a 23,90% do total),

    acompanhado pelo Rio de Janeiro (140 20,30%), Bahia (131 19,90%) e

    Pernambuco (56 8,10%), sendo os demais 197 tombamentos (27,80%)

    dispersos pelos outros dezenove estados. E, ainda de acordo com a

    pesquisadora, o tempo imaginrio da nao ficou concentrado no sculo XVIII, j

    que 377 (54,70%) destes monumentos tombados so representantes desta

    poca; seguido do XIX, com 124 bens (18%); do XVII com 101 patrimnios

    (14,70%); XVI com 45 (6,5%); sem data precisa com 36 (5,2%); sculo XX com 6

    monumentos (0,9%). Como analisa Rubino (1996), existe uma distribuio

    desigual dos tombamentos realizados pelo SPHAN, e a geografia e a

    temporalidade imaginrias brasileiras ficaram concentradas em regies de ciclo

    econmico, com prevalncia das referncias ao imaginrio urbano das cidades

    coloniais mineiras e sua religiosidade setecentista. Neste momento mgico de

    classificao,

    o conjunto eleito revela o desejo por um pas passado, com quatro sculos de histria, extremamente catlico, guardado por canhes,

    3 No podemos nos esquecer que foram os artistas e intelectuais do movimento modernista

    (dcada de 1920) que estruturam o SPHAN, projetando na instituio suas ideologias que se preocupavam com a construo de uma memria nacional brasileira independente e descolada da portuguesa. Alis, nesta busca por uma brasilidade, vrios intelectuais e artistas modernos viram no turismo associado literatura uma estratgia capaz de criar uma nao temos, assim, livros como o Turista Aprendiz (Mrio de Andrade, 1927) e o Guia de Ouro Preto (Manuel Bandeira, 1938).

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    patriarcal, latifundirio, ordenado por intendncias e casas de cmera e cadeia, e habitado por personagens ilustres, que caminham entre pontes e chafarizes. (RUBINO, 1996, p. 98)

    Nesta fase, prevaleceu o patrimnio material. E o turismo cultural se

    aproximou de um turismo histrico, com o Estado incentivando e patrocinando

    principalmente a partir de financiamentos sociais e visitas de estudantes o

    deslocamento de seus cidados at estes locais tombados a favor de uma

    memria nacional nica.

    Como vimos, a construo e preservao de uma memria e identidade

    nacional necessitam de vir acompanhadas por um aparato de divulgao.

    Primeiramente, temos aes como aquelas do IPHAN Instituto do Patrimnio

    Histrico e Artstico Nacional , que selecionam, legitimam e conservam

    elementos dispersos pelo territrio. Posteriormente, tanto o turismo quanto as

    mdias gravitam em torno destes elementos, buscando atualiz-los nas

    experincias pessoais, transformando ideologias em experincias e, com isto,

    construindo uma memria individual para estes bens coletivos e nacionais.

    De fato, tanto a Era Vargas (1930 a 1945, posteriormente 1951 a 1954)

    quanto o Regime Militar (1964 a 1985) tinham, em comum, um interesse na

    criao de uma identidade nacional que passava, num primeiro momento, pelo

    tombamento de smbolos nacionais e, posteriormente, pela sua divulgao (pelas

    mdias) e incentivo visitao (turismo). Tambm faz parte desta estratgia de

    gerao do imaginrio nacional o desenvolvimento de manifestaes culturais e

    de um calendrio ptrio, a ser festejado e transmitido pelos meios de

    comunicao; ao mesmo tempo em que os feriados derivados destas datas

    passaram a incentivar o deslocamento turstico determinadas regies tidas

    como epicentros comemorativo.

    Sendo assim, o perodo Vargas criou o SPHAN. E na falta da televiso, o

    presidente se serviu da rdio e do cinema para a construo e divulgao de uma

    memria nacional; afinal, como Vargas (1935, p. 188) mencionou em seu discurso

    de 1934, durante as manifestaes promovidas pelos cinematografistas do Rio de

    Janeiro, o cinema (...) o livro de imagens luminosas, no qual as nossas

    populaes praieiras e rurais aprendero a amar o Brasil, acrescendo a confiana

    nos destinos da Ptria. E tambm em sua poca, em 1938, que o decreto-lei

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    406 (artigo 5) dispe, pela primeira vez, sobre o funcionamento das agncias de

    turismo e de venda de passagens, alm de vistos consulares (EMBRATUR,

    2006, p. 20), o que demonstra um interesse em organizar e estruturar o sistema

    turstico nacional.

    Por sua vez, o Governo Militar brasileiro, aps 1964, visando uma

    unificao econmica e cultural do territrio, implementou uma busca incessante

    pela concretizao de um Sistema Nacional de Cultura (o que no conseguido)

    e a efetiva consolidao de um Sistema Nacional de Turismo em 1967, ou de um

    Sistema Nacional de Telecomunicaes (ORTIZ, 2003, p. 83). A Embratel

    (Empresa Brasileira de Telecomunicaes) foi criada em 1965, j a Embratur

    (Empresa Brasileira de Turismo) de 1966. Por sua vez, se o Ministrio de

    Telecomunicaes aparece em 1967, o Ministrio do Turismo s ter vez a partir

    de 2003 (EMBRATUR, 2006). Tais instituies sero, ento, responsveis por

    criar e implementar polticas que, entre outros objetivos, buscaro reforar um

    imaginrio nacional que passa pelas experincias individuais.

    Neste primeiro momento de patrimonializao, o turismo absorveu esta

    cartografia imaginria gerada pelo IPHAN. E, de acordo com Silva (2004), tais

    destinos de turismo urbano pautados na Histria Nacional passariam a se

    apresentar em duas situaes: (1) as cidades histricas propriamente ditas, ou

    seja, as pequenas e mais pitorescas cidades remanescentes do perodo colonial

    e imperial brasileiro (SILVA, 2004, p. 70). O destaque ficou para as cidades

    mineiras, como Ouro Preto, Mariana e Tiradentes, que serviram de modelo para

    a constituio do imaginrio turstico em relao cidade histrica brasileira

    (SILVA, 2004, p. 70). (2) Os centros histricos das grandes cidades,

    principalmente nas capitais do Nordeste, tais como Recife (PE), So Luiz (MA),

    Joo Pessoa (PB). So espaos revitalizados e que obedeceram uma esttica

    influenciada pela reforma do Pelourinho (Salvador, BA), ou seja, fachadas

    coloridas que reproduzem casas e at mesmo conjuntos coloniais, verdadeiras

    estruturas cenogrficas (SILVA, 2004, p. 73).

    Assim, esta primeira fase de patrimonializao remete ao surgimento, no

    Brasil, da ideia de Nao (incio do sculo XX). E o turismo despontar na

    estrutura estatal capaz de incentivar a visitao, por seus cidados, daqueles

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    grandes monumentos e discursos nacionais construdos enquanto memria

    nacional nica e sem concorrncia.

    4. SEGUNDA FASE DE PATRIMONIALIZAO: O TURISMO CULTURAL-

    TNICO-ETNOGRFICO

    A partir do multiculturalismo e contracultura da dcada de 1960 e,

    posteriormente, nos anos de 1980, com a UNESCO discutindo os bens imateriais

    enquanto os movimentos sociais minavam a Ditadura Militar no Brasil, o conceito

    de tombamento se ampliou: agora, mais do que a arquitetura ou bens fsicos, o

    que se deveria preservar era a sociabilidade e a vida que se desenvolve ao redor

    dos artefatos. Mais do que todo e qualquer material fsico, era o prprio esprito e

    mente humanos que se transformavam em patrimnio. E, assim, a cultura

    objetivada que tombava patrimnios com significado linear, cedeu espao viso

    de uma cultura processual, em que os patrimnios esto constantemente

    reinventando seus significados, com seus valores simblicos alterando-se e se re-

    articulando de acordo com os grupos que se posicionam perante a eles.

    Amirou (2000) menciona, inclusive, a alterao das relaes de

    patrimonializao dos bens naturais e daqueles artstico-histricos. De acordo

    com ele,

    Assistimos a uma espcie de translao de valores: os imperativos de conservao habitualmente reservados ao patrimnio construdo so cada vez mais exigidos e aplicados para proteger a natureza e as paisagens: classificamos, protegemos, legislamos, nomeamos conservadores dos ecossistemas. A natureza percebida, assim, como um imenso museu. Inversamente, o monumento artstico e histrico percebido como um organismo vivo que deve morrer de sua morte natural, no devendo sofrer nenhum interveno humana (restaurao ou desrestaurao, reutilizao, reparaes). (AMIROU, 2000, p. 06) [traduo nossa, do francs].

    A partir da preocupao com as causas ambientais, o patrimnio natural se

    enrijece, com a demarcao de reas de preservao e a construo de um

    imaginrio de natureza intocvel. Nada muito diferente do que j ocorria na

    primeira fase de patrimonializao de bens naturais4. Porm, em relao aos

    4 Como menciona Silva (2004, p. 52), a partir da dcada de 1960, com a divulgao e a

    popularizao da ecologia e, mais uma vez, seguindo os modelos de pases mais desenvolvidos, houve um significativo aumento de reas protegidas e, a partir de 1980, novas categorias foram

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    culturais, nesta segunda etapa, comea a ocorrer uma transformao na forma

    como eles so encarados: se antes eram intocveis e possuam um significado

    nico e homogneo (datado), agora, os patrimnios artstico-histricos so

    espaos de poder (diacrnicos) onde os grupos sociais buscam o direito de

    significar; consequentemente, tais monumentos eleitos como representantes de

    uma coletividade s podem ser compreendidos enquanto organismo vivo, j que

    estaro em constante processo de transformao de seus significados tudo nele

    provisrio e temporal, estando sempre na eminncia da morte e ressurreio

    simblicas.

    Nesta nova viso sobre o patrimnio, o conceito de autenticidade se altera:

    esta no se encontra mais nas manifestaes e nem nas estruturas fsicas, mas

    nos imaginrios que se impe entre ns e estes artefatos/acontecimentos eleitos

    como referncia social uma migrao, utilizando-se de uma metfora de

    Martn-Barbero (2006), do meio s mediaes. A autenticidade de uma cultura

    no est mais (ou somente) naquilo que considerado bem tangvel, mas nas

    articulaes que as comunidades desenvolvem para incorporar aos discursos da

    tradio e memria coletiva os elementos externos, para assim produzir uma

    terceira via. Ou seja, pensando o patrimnio enquanto signo, a autenticidade no

    se encontra no significante, mas no significado.

    neste nvel que a segunda fase de patrimonializao se distancia da

    precedente, que valorizava um discurso da identidade essencializada, quando

    qualquer interferncia externa aniquilaria a autenticidade do local. Aqui, nesta

    nova viso, defende-se que no existe ideia fora do lugar, mas, sim, escolhas de

    ideais que se adaptam ao lugar. Em outras palavras, os smbolos identitrios no

    precisam mais ser fixos em sua cultura de origem, eles podem ser trocados,

    emprestados e roubados, transitando e se adaptando s diversas estruturas

    sociais por onde circularam. uma identidade construda pela diferena, mas

    uma identidade que tambm se hibridiza com a diferena, ainda que o poder do

    mercado no seja esquecido, embora relativizado a partir das negociaes que

    deve entravar com as estruturas sociais do local onde agem. uma autenticidade

    incorporadas, como reserva biolgica, rea de proteo ambiental, estao ecolgica, floresta nacional e outras.

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    que no est vinculada e nem emana dos objetos, mas que circula pelos

    processos de traduo.

    Com isto, o multiculturalismo e os movimentos sociais vo se preocupar

    em saber se as comunidades tiveram reais opes de escolhas nos seus

    processos de manifestaes culturais. O que se deve discutir no mais a

    autenticidade de uma identidade (pois j descobrimos que ela processual), mas

    as opes oferecidas uma comunidade para que tal tradio seja construda

    socialmente. O problema no est no que ser autntico, mas se a comunidade

    teve opes e direito de voz no processo de refazimento de suas memrias e

    naquele outro que seleciona, articula e legitima traos culturais para fazer

    emergir a tradio da traduo local.

    Abre-se assim a possibilidade de grupos sociais legitimarem suas

    representaes atravs dos tombamentos; e com a valorizao das mais diversas

    manifestaes culturais, surge as disputas pelo direito de significar: os lugares

    de memria passam a ser tambm lugares de poder comunitrio. Nesta nova

    forma de tombamento, o Estado, mais do que a busca por um denominador

    comum, deveria garantir o equilbrio entre as aparentes contradies das diversas

    memrias de grupos sociais e comunitrios. Consequentemente, h (ou deveria

    haver) uma migrao do processo de deciso, deslocando-o dos nveis

    governamentais base comunitria e de seus grupos sociais.

    Tal expanso dos conceitos de cultura (abrangendo o multiculturalismo e

    os processos) e de patrimnio (que abarcou os bens imateriais5), abriram duas

    possibilidades para o turismo: (1) a criao de novos atrativos dentro de destinos

    j consolidados; (2) a estruturao de novos destinos, ampliando a cartografia

    imaginria na nao.

    Em ambos os casos, o turismo que emerge desta nova viso de cultura e

    patrimnio desloca a sensibilidade em direo s culturas vernaculares, aos

    modos de vida de diferentes grupos sociais e s tradies locais, e le touriste se

    rve ethnologue en ses moments perdus6 (AMIROU, 2000, p. 03). Com isto, o

    5 Vide o tombamento dos patrimnios imateriais, como as mais diversas manifestaes artsticas,

    culturais e gastronmicas, onde se valoriza o processo, o savoir faire (as danas, as msicas, as receitas...). 6 E o turista sonha ser etnlogo em seus momentos perdidos [traduo nossa].

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    comportamento do turista se altera, indo do expectador (favor no tocar) ao

    participante (favor experimentar).

    Neste mesmo sentido de pluralizao cultural, os grandes museus

    tradicionais da Memria Nacional, que expunham os objetos de forma diacrnica

    e intocveis, passaram a disputar espao com a proliferao dos pequenos

    ecomuseus os museus de vida , que valorizam territrios especficos e

    grupos sociais particulares, expondo acontecimentos e experincias vividas que,

    at ento, estavam margem da Histria Nacional; o que oferece exposies

    processuais, anacrnicas e interativas.

    Por sua vez, os roteiros lineares de visitao se tornam roteiros-

    palimpsestos, onde os patrimnios transformados em atrativos representam e

    tentam abarcar as diversas camadas de memrias coletivas que perpassam o

    territrio visitado e que disputam o direito de se narrar.

    J no mbito das polticas pblicas de turismo, correspondentes a esta

    nova viso de patrimonializao e multiculturalismo, temos o Plano Nacional de

    Turismo 2007/2010 Uma viagem de incluso. Neste documento, observamos

    uma preocupao em estruturar um turismo social e domstico, o que

    demonstra aquela eterna preocupao do Estado em utilizar a viagem como vetor

    na construo da cidadania e de um senso de pertencimento nacional. Por sua

    vez, na concepo atual de patrimnio mltiplo que passou a abarcar a

    diversidade dos grupos sociais, o programa Regionalizao do Turismo

    demonstra a pluralizao dos destinos tursticos apoiados em patrimnios

    especficos de determinadas regies.

    Nesta poltica de turismo que perpassa a valorizao das comunidades da

    vida, a Regionalizao do turismo de suma importncia, j que visa

    fragmentar e estruturar outras territorialidades nacionais, possibilitando a [...]

    desconcentrao da oferta turstica brasileira, localizada predominantemente no

    litoral, propiciando a interiorizao da atividade e a incluso de novos destinos

    nos roteiros comercializados no mercado interno e externo (MTUR, 2007, p. 25).

    A regionalizao pode ser compreendida com a unio de diversos municpios

    fronteirios que apresentam afinidades culturais, sociais, econmicas e naturais,

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    permitindo-lhes assim desenvolver um perfil turstico que, conseqentemente,

    consolida a identidade regional7.

    Ao apoiar a interiorizao da atividade, contribuindo para a diminuio da

    desigualdade, a regionalizao promove a sua desconcentrao em certas reas,

    o que auxilia no aumento e diversificao de produtos tursticos, fragmentando e

    transformando em plural a brasilidade. Com isto, a proposta de regionalizao do

    turismo se estrutura na segmentao tendo em vista a concepo de produtos,

    roteiros e destinos que reflitam as caractersticas de peculiaridade e

    especificidade de cada regio (MTUR, 2007a, p. 67).

    E, assim como o Governo Brasileiro prope programas tursticos como a

    Regionalizao, que fragmenta a brasilidade a partir de uma pluralizao de

    culturas e patrimnios, os Estados tambm seguem esta tendncia. Por exemplo,

    Minas Gerais, que na primeira fase de patrimonializao-turstica se destacava a

    partir da regio do ouro e de suas cidades histrias, v, agora, uma

    movimentao interna, que tenta colocar em destaque as demais regies que

    viviam s margens da considerada epicentro da mineiridade. Assim, em Minas

    Gerais, existem os projetos Circuitos Tursticos (que fazem parte do Programa

    Nacional de Regionalizao do Turismo) e Minas para os Mineiros, realizados

    atravs da Secretaria de Turismo de Minas Gerais.

    O Minas para os Mineiros apresenta uma vertente prioritria de

    desenvolvimento econmico, com foco no aumento das vendas de produtos

    tursticos do Estado pelos agentes de viagens cadastrados na ABAV Minas

    (Associao Brasileira das Agncias de Viagens de Minas Gerais)8. Todavia, no

    se pode excluir a capacidade que o projeto possui em promover novos olhares

    sobre a mineiridade, o que est expresso no prprio slogan do projeto: Minas so

    muitas. Quantas voc conhece?.

    7 Sendo o referencial territorial para o desenvolvimento do turismo nacional, atualmente, o mapa

    da regionalizao no Pas apresenta 200 regies tursticas que contemplam 3.819 municpios em todas as Unidades da Federao. Desse universo, destacam-se 149 regies que produziram 396 roteiros perpassando 1.027 municpios (MTUR, 2007a, p. 67). 8 SECRETARIA DE TURISMO DO ESTADO DE MINAS GERAIS. Setur e ABAV lanam projeto

    Minas para os Mineiros. Disponvel em: http://www.turismo.mg.gov.br/index.php?option=com_content&task=view&id=485&Itemid=59 . Acesso em: 08 de dezembro de 2008.

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    O projeto Minas para os Mineiros vai atuar no sentido de diversificar e qualificar a oferta de produtos tursticos, incentivando o fluxo de visitao dentro de Minas Gerais. Quando falamos em diversificao, preciso atentar para a integrao de roteiros tursticos com outros destinos brasileiros, especialmente na prpria regio Sudeste, devido localizao estratgica e o fcil acesso. Nossos produtos so complementares, no concorrentes, porque oferecemos vivncias nicas, diferentes de sol e mar. a vez de Minas Gerais, ressaltou a secretria rica Drumond (Secretrio de Estado do Turismo)

    9.

    Podemos observar que as caractersticas do destino direcionam a

    segmentao da oferta turstica, o que nos permite falar de uma pluralidade de

    segmentos a partir de uma diversidade regional.

    Vemos, porm, que a compreenso da diversidade aprimorada pelo

    multiculturalismo que trouxe no bojo uma exploso do conceito de cultura e

    possibilitou que (quase) tudo fosse designado como patrimnio tambm suscita

    problemas, pois se o mercado buscou a cultura para transform-la em

    mercadoria, agora a prpria cultura inchada, ampliada e super-valorizada

    que se oferece ao mercado, com o intuito de se destacar nas prateleiras das

    agncias de viagens. E isto tudo sem mencionar as empresas e fundaes

    privadas, que veem no financiamento de projetos patrimonializao das

    memrias de grupos sociais diversos uma estratgia de marketing societal.

    Enfim, as novas formas de patrimonializao, geradas a partir da ideia do

    multiculturalismo, possibilitam o surgimento de outros roteiros e destinos

    tursticos, expandindo a cartografia nacional a partir da insero de novos grupos

    e seus territrios. No entanto, e normalmente, a economia se impe como

    intermedirio nesta transposio do local ao mbito nacional, ficando agora a

    cargo do mercado e no mais somente do Estado de definir e eleger aquilo

    que ser parte desta brasilidade fragmentada.

    H, com isto, uma nova disputa pelo direito de significar: uma interna ao

    territrio, atravs dos diversos grupos que o habitam; e outra entre territrios, a

    partir das regies e seus municpios que se querem vender turisticamente.

    9 Ibidem, SECRETARIA DE TURISMO DO ESTADO DE MINAS GERAIS.

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    CONSIDERAES FINAIS

    Importante a conscincia de que toda memria (oficial ou s margens,

    coletiva ou individual), sempre uma construo feita no presente em direo a

    um passado mistificado. Neste sentido, a memria alterada, renovada,

    expandida e reduzida para atender aos interesses atuais. E todo monumento,

    como resultado de uma memria, vai alterando seu significado, bem como suas

    hierarquias e valores, com o decorrer do tempo uns so abandonados, outros

    mantidos, aparecem novidades, etc. Assim, por exemplo, a memria coletiva

    defendida pelo IPHAN coloca-nos talvez mais prximos de um sculo XVIII do

    que do XIX; os discursos dos museus nacionais colocam-nos muito mais em

    sintonia com a Histria Europeia e com os vestgios de civilizaes extintas do

    que com os grupos sociais vivos e marginalizados brasileiros (ndios,

    quilombolas, etc.). Esta fora de aproximao e distanciamento varivel atravs

    das geraes, e esta maleabilidade do gosto que promove o afastamento ou a

    presena do turista em determinados espaos em detrimento de outros que so

    postos de lado.

    Consequentemente, a re-significao dos patrimnios realizada em trs

    tempos: eles so construdos para atender s finalidades de um determinado

    grupo social, posteriormente so tombados pelo Estado a partir de uma ideologia

    que lhes impe um significado que ultrapassa sua materialidade (construo de

    um imaginrio nacional) e, quando apropriados pelo turismo, podem ser

    traduzidos em outro valor de uso (econmico) ou de sensibilidade (ldico e

    reflexes).

    Assim, a memria que permeia o monumento turistificado apresenta

    desvios em relao aos significados que remeteram ao seu tombamento e sua

    construo. O mercado do lazer e do turismo acaba por cooptar os espaos e os

    bens (materiais e imateriais) tombados, principalmente atravs da requalificao

    de monumentos, influindo-lhes valor de uso e transformando-lhes em produtos de

    consumo fetichizados e cnicos (BARBOSA, 2001).

    Enfim, vemos a patrimonializao promovendo o consumo turstico da

    Histria e do multiculturalismo. Na primeira fase, prevalece-se o patrimnio

    material, e o turismo cultural se aproxima de um turismo histrico nacional, em

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    que o valor est no bem visitado e na preocupao com a construo de uma

    Memria da Nao.

    J na fase seguinte, quando o conceito de patrimnio expande-se para

    abarcar os elementos imateriais de diversos grupos sociais, as polticas de

    patrimonializao desenvolvidas pelo Estado participam de uma concepo de

    incluso social e de cidadania, dando voz aos locais e s comunidades que

    estavam excludos do processo. Neste momento, o turismo cultural se aproxima

    de um turismo antropolgico, em que a experincia provida pela interao com

    os elementos totmicos representantes das memrias coletivas.

    Vemos, ento, que a ideia de patrimnio migra de uma concepo

    territrio-nacional comunidade de destino (BAUMAN, 2005) e memria

    nacional (ORTIZ, 2003) para uma pluralidade de territrios-onde-se-vive

    comunidades da vida (BAUMABN, 2005), memrias coletivas (ORTIZ, 2003).

    Todavia, esta ampliao de patrimnios no entra em confronto com o imaginrio

    nacional na verdade, a fragmentao uma forma de reafirmar a nacionalidade,

    j que como aponta Bauman (2005), esta no aceita competio: todas estas

    novas identidades, e patrimnios que as representam, so ainda secundrias

    nacional, sendo permitidas, toleradas e oficializadas desde que no colidam com

    a Memria Nacional.

    Em ambos os casos, a experincia turstica uma maneira de transformar

    o que est longe em perto, subjetivando a virtualidade da memria nacional e/ou

    a alteridade das manifestaes de grupos distintos: a comunidade imaginada

    reforada pelo sentimento de vivenci-la individualmente atravs da atividade

    turstica.

    No primeiro momento, da Memria Nacional dos bens materiais e pblicos,

    os turistas giram ao redor destes monumentos, colocando suas histrias pessoais

    em relao Histria Nacional e Mundial - assim, os turistas (cidados de uma

    nao) contextualizam suas existncias dentro de uma ideologia maior sobre a

    nacionalidade. No segundo caso, das memrias de grupos e patrimnios

    imateriais, o iderio do nacional persiste, mas agora o turista tambm deve sentir

    o estranhamento provocado pelo encontro com a alteridade (a memria nacional

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    explode em territorialidades e memrias sociais de grupos) o ser brasileiro

    passa pelo discurso valorativo da diversidade encontrada na brasilidade.

    Assim, mais do que em disputa, as fases de patrimonializao e de

    turistificao se complementam e coexistem, atendendo aos interesses do

    Estado.

    REFERNCIAS

    AMIROU, R. Imaginaire du tourisme culturel. Paris, Frana : Presses Universitaires de France, 2000. ANDERSON, B. Nao e conscincia nacional. Ed. tica, SP: 1989. ANDRADE, M. O Turista Aprendiz. Belo Horizonte, MG: Ed. Itatiaia, 2002. BANDEIRA, M. Guia de Ouro Preto. Rio de Janeiro, RJ: Ed. Ediouro, 1983.

    BARBOSA, Y. M. O despertar do turismo: um olhar crtico sobre os no-lugares. So Paulo, SP: Ed. Aleph, 2001. BAUMAN, Z. Identidade: entrevista a Benedetto Vecchi. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editora, 2005. CARDOZO, P. Consideraes preliminares sobre produto turstico tnico. In: Pasos Revista de Turismo y Patrimnio Cultural. Espanha: 2006, n.2, v. 4, p. 143-

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    MARTIN-BARBERO, J. Dos meios s mediaes: comunicao, cultura e hegemonia. Rio de Janeiro, RJ: Ed. UFRJ, 2006. MTUR MINISTRIO DO TURISMO. Plano Nacional de Turismo 2007 2010: uma viagem de incluso. Braslia, DF: MTUR, 2007. ORTIZ, R. Cultura Brasileira e Identidade Nacional. So Paulo, SP: Ed. Brasiliense, 2003.

    RUBINO, S. O mapa do Brasil passado. In: Revista do Patrimnio Histrico e Artstico Nacional. Braslia, DF: IPHAN, 1996, n 24, p.97-105. SECRETARIA DE TURISMO DO ESTADO DE MINAS GERAIS. Setur e ABAV lanam projeto Minas para os Mineiros. Disponvel em: http://www.turismo.mg.gov.br/index.php?option=com_content&task=view&id=485&Itemid=59. Acesso em: 08 de dezembro de 2008.

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    QUADRO 01: RESUMO COMPARATIVO DAS FASES DE PATRIMONIALIZAO E DE SUAS RELAES COM O TURISMO

    1 FASE DAS POLTICAS DE PATRIMONIALIZAO

    2 FASE DAS POLTICAS DE PATRIMONIALIZAO

    A preocupao com o Estado-Nao inicia-se com a Proclamao da Repblica no Brasil (1889). A primeira fase de patrimonializao foi incentivada pelos modernistas da dcada de 1920, tomando impulso com a fundao do SPHAN (1937) e prevalecendo at o trmino da Ditadura Militar (1985).

    Embora os movimentos internacionais dos anos 1960 incitassem ao multiculturalismo, os movimentos brasileiros tomaram vigor a partir dos anos 80. Aps o fim da Ditadura Militar (1985) e a aprovao da Constituio Brasileira (1988), novas ideologias e aparatos estatais levaram segunda patrimonializao

    Mais do que em disputa, as fases do patrimnio e turismo se complementam e coexistem.

    Tombamentos decididos pelo Estado Tombamentos deveriam ser decididos pelas comunidades, tendo o Estado como mediador

    Cultura e natureza objetivadas Cultura como processo e natureza objetivada

    Patrimnios materiais Patrimnios materiais + imateriais Construo da Memria Nacional A memria nacional explode em territorialidades e

    memrias de grupos.

    Discurso nico e linear Discurso plural e diacrnico

    Territrio-nacional: Comunidade de destino / memria nacional

    Territrios-onde-se-vive: Comunidades da vida / memrias coletivas

    Todavia, esta ampliao da viso patrimonial no entra em confronto com o imaginrio nacional a fragmentao uma forma de reafirmar a nacionalidade, j que esta no aceita competio: todas estas novas identidades, e patrimnios que as representam, so ainda secundrias nacional, sendo permitidas, toleradas e oficializadas desde que no colidam com a Memria Nacional.

    Turismo social e domstico / Turismo e educao: Comunidade imaginada / Comunidade sentimental

    Turista (cidado de uma nao) atualiza a ideologia da memria nacional em suas experincias (memria individual).

    Turista (cidado de uma nao) tambm deve sentir o estranhamento provocado pelo encontro com a alteridade (cidado de um pas multicultural): o ser brasileiro passa pelo discurso valorativo da diversidade encontrada na brasilidade.

    Turista participa vendo Turista participa interagindo

    Turismo Cultural = Turismo Histrico Nacional

    Turismo Cultural = Turismo Etnogrfico

    Visitam-se o territrio nacional (terras mticas nacionais).

    Visitam-se as as territorialidades nacionais (Regionalizao do Turismo).

    Fonte: prprio autor.

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    ARQUITETURA E TURISMO: UM ESTUDO DAS RELAES DO PATRIMNIO

    COM O LUGAR

    Pedro de Alcntara Bittencourt Csar Doutor Geografia (USP) / UCS

    [email protected]

    Beatriz Veroneze Stigliano

    Doutora Cincia Ambiental (USP) / UFSCar [email protected]

    RESUMO Estudam-se parmetros para a insero do turismo cultural por bases locais. Objetiva-se contextualizar elementos para a formao de valores patrimoniais arquitetnicos. Nesta pesquisa, abordam-se conceitos relacionados ao movimento de preservao do patrimnio arquitetnico, suas relaes com o mercado e a perspectiva do envolvimento local. Ao estudar atrativos do Centro Histrico da

    cidade de So Paulo, fazendo uso da observao indireta, prope-se abordagem em que os valores de identidades, intrnsecos s categorias geogrficas e antropolgicas de lugar, so levantados e confrontados, em uma compreenso total, embora especfica. Apoiando-se na sociologia dos sistemas simblicos, este trabalho baseia-se na anlise crtica. Assim, apresenta-se, em linhas gerais, a formao urbana do lugar estudado, a fim de analisar o Mosteiro de So Bento, o

    Pteo do Colgio e a Torre do Banespa, como reas de visitao, com seus valores simblicos e possibilidades para a compreenso espacial. Prope-se que sua leitura seja comprometida com os agentes locais atravs, de uma lgica que explique tais formas, como resultado de uma totalidade espacial. Palavras Chave: Patrimnio arquitetnico; Turismo cultural; Lugar; Estilos

    arquitetnicos. ABSTRACT This study analyses the parameters for the development of a local based cultural tourism. It aims to contextualize elements for the formation of architectural

    heritage values. This study presents ideas related to the architectural heritage preservation movement, and its connections with the market. While studying tourist attractions of the Historic Center of Sao Paulo city, based on indirect observations, this article discusses an approach in which the values of identity, intrinsic to geographical and antropological categories of place are raised and confronted in a total, yet specific, understanding. Drawing on the sociology of symbolic systems, this research is rooted in critical analysis. Therefore, the urban

    formation of the area is presented, in order to analyse the So Bento Monastery, the Jesuitic Church and the Banespa Tower, as visiting sites, with symbolic values and possibilities for the spatial comprehension, recommending an approach that

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    its compromised with local agents, by means of a certain logic that explains such forms, as a result of a spatial totality.

    Key words: Architectural heritage; Cultural tourism; Place; Architectural styles. 1 INTRODUO

    A anlise da atividade turstica tem, por intermdio das cincias sociais,

    formas diferenciadas para a criao de uma ontologia prpria e inovadora, a partir

    de dois, ou trs, observadores privilegiados. O visitante, as comunidades e a

    administrao da atividade constituem a fundamentao para o entendimento de

    um turismo comprometido com as bases locais. Suas relaes e contextualizao

    norteiam esta pesquisa do entendimento da visitao cultural ao patrimnio

    arquitetnico. Trata-se de campo vasto para a elaborao de epistemologia

    prpria. Espera-se defini-la, por exemplo, na sociologia do lazer. A construo de

    sua interpretao deve se distanciar da relao que define as cincias clssicas e

    inovar atravs de novos exerccios metodolgicos, em suas novas interfaces.

    Esta pesquisa teve como abordagem inicial categorias da Geografia,

    buscando uma compreenso do espao arquitetnico, como objeto do sujeito-

    visitante definido atravs de conceitos da contemporaneidade. Contextualiza-se o

    momento atual. Vive-se, hoje, um depois do moderno, usando as palavras da

    Professora Otlia Arantes (1993). Nas cincias sociais, tem-se, como referncia,

    pesquisadores muito dspares, como Sartre, com a hermenutica da centralidade

    e Althusser e sua base estruturalista (SOJA, 1993, p.53). Este amplo leque de

    abordagens formula-se como base para o estudo crtico espacial. Assim, estuda-

    se Harvey (1992) e sua relao urbana capitalista; Castells (2001), com a

    sociedade em redes; Lefebvre (1974), e a produo social do espao e Frmont

    (1980), entre outros intelectuais. Atualmente, aproxima-se dos temas da

    modernidade de Foucault e Berman, por exemplo.

    Inicia-se com uma primeira reflexo para a compreenso da idia de

    preservao do patrimnio no Brasil, que se institucionaliza com a criao do

    SPHAN (Servio de Preservao do Patrimnio Artstico Nacional), que,

    paradoxalmente, tem, em suas diretrizes e nos quadros funcionais:

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    [...] forte influncia do pensamento moderno (...) [que] iria desenhar a fisionomia conceitual de uma expresso embrionria de cultura nacional e culmina em uma concepo arquitetnica [e] contra a profuso de estilos justapostos do ecletismo, estilo que na poca representava justamente a idia de modernizao para o republicanismo, os modernistas voltam-se para o interior do Brasil, mais precisamente para as cidades coloniais de Minas Gerais, cuja arquitetura barroca poderia expressar o retorno a um passado legtimo e representativo de uma originalidade cultural brasileira (LEITE, 2005, p.49).

    Nele, primeiramente, torna-se o barroco a referncia deste processo, como

    o encontrado em Ouro Preto, em que, muitas vezes, elaboram-se polticas de

    gentrificao (MENESES, 2004). Assim, a transformao do patrimnio

    arquitetnico em objetos para o mercado envolve a re-elaborao do espao em

    nome da insero de localidades definidas em cidades globais (SASSEN, 1998).

    Nesta estrutura de posicionamento econmico, contudo, os valores culturais no

    foram compreendidos em sua totalidade social.

    Se tal situao colabora para a elaborao de valores de atratividade

    turstica nas cidades histricas mineiras, por outro lado, deixa uma lacuna com

    relao ao patrimnio arquitetnico do perodo imperial. Mais ainda, do perodo da

    estruturao industrial brasileira, quando, ao preo destas circunstncias, os

    meios de produo se voltam ao romantismo europeu, inicialmente, ao ecletismo,

    e, posteriormente, a uma identidade romntica prpria, com o neocolonial.

    Espera-se, neste ensaio, levantar algumas questes para a interpretao

    sistemtica, subsidiando sua contextualizao, que no consiste somente no

    intuito mercadolgico, mas, principalmente, em suas relaes como categorias de

    identidade, agregadas de relaes scio-espaciais. O compromisso local est

    associado, pois, com a formulao de categorias que possam contextualizar os

    valores memoriais dos seus moradores.

    2 MTODOS E PROCEDIMENTOS METODOLGICOS

    Objetiva-se contextualizar elementos para a formao de valores

    patrimoniais arquitetnicos. Estes, embora sejam objetos de apreciao,

    encontram valores no senso comum, dos quais se apropria o mercado. Necessita-

    se, ento, de uma ontologia que os qualifique.

    Parte-se do pressuposto de que um dado espao define-se por foras que

    se revelam em suas condies de produo (REIS FILHO, 1992, p.12),

    reproduzindo e sendo parte do processo scio-cultural que engendra suas

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    transformaes espacialmente distribudas. Apoiando-se na sociologia dos

    sistemas simblicos de Bourdieu (2003), na qual se reconhece a importncia do

    estruturalismo e a distncia da semiologia, aborda-se o materialismo, embora

    baseado, assumidamente, em seu carter alegrico. Destarte, posiciona-se na

    anlise marxista e suas relaes econmicas e polticas. O levantamento, assim:

    [...] acaba privilegiando as funes sociais cumpridas pelos sistemas simblicos, as quais tendem, no limite, a se transformarem em funo poltica na medida em que a funo lgica de ordenao do mundo subordina-se s funes socialmente diferenciadas de diferenciao social e de legitimao das diferenas (MICELI, 2003, p.x).

    Na comparao entre cultura e sociedades diferentes, questiona Bourdieu

    que as comparaes s podem ser feitas efetivamente entre estruturas diferentes

    ou entre partes efetivamente equivalentes das mesmas (BOURDIEU, 2002, p.6),

    o que cria parmetros metodolgicos rgidos.

    3 DEFININDO O OBJETO E SUA BASE TERICO-METODOLGICA

    Define-se como lugar, em uma viso geogrfica, o Centro Histrico da

    cidade de So Paulo. Espao concreto definido, elaborado pelas suas prprias

    condies, em conflito permanente, acolhendo as especificidades de um

    concreto-pensado operacional, pesquisado, associado a determinadas variveis

    mundiais, que o particularizam pela seletividade do acontecer global (SANTOS,

    1997, p.57). Nele, podem ser elencados pares dialticos para a compreenso do

    lugar, em seu movimento de contradies, como: o externo e o interno; o novo e o

    velho; o mercado e o Estado. O interno est intrnseco ao lugar, delineando-o e

    exteriorizando-o, em um sistema de objetos e aes; o velho o presente

    estabelecido; o novo, as novas relaes que agem em curto-circuito, alterando

    relaes, formas, estruturas. Ao mercado e ao Estado cabe a lgica das foras

    econmicas e a sua regulamentao.

    Ao estudar atrativos do Centro Histrico da cidade de So Paulo, apoiando-

    se na observao indireta, prope-se abordagem em que os valores de

    identidades, intrnsecos s categorias geogrficas e antropolgicas de lugar, so

    levantados e confrontados, em uma compreenso total, embora especfica. Na

    antropologia, busca-se categoria para a re-elaborao do lugar como sujeito

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    agregado de valores simblicos, para incorporar as relaes scio-espaciais em

    sua totalidade. Dessa forma, Magnani (1984) o define como pedao, elaborado

    por relaes cotidianas. Este tem, de um lado, seus marcos urbanos, como, por

    exemplo, pontos de nibus, bares e, por outro, os laos de relacionamento e de

    pertencimento, seja na periferia metropolitana, ou nas reas centrais, densamente

    povoadas (MAGNANI, 1996).

    O lugar relaciona-se, normalmente, a reas pblicas, como as praas

    (FRGOLI JUNIOR, 1995) e as ruas (LEVI-STRAUSS, 1995; DA MATA, 1985 e

    MAGNANI, 1984, 1986, 2003), sendo que:

    a rua que resgata a experincia da diversidade, possibilitando ao forasteiro o encontro com o desconhecido, a troca entre os diferentes, o reconhecimento dos semelhantes, a multiplicidade de usos e olhares tudo num espao pblico e regulado por normas tambm pblicas (MAGNANI, 2003).

    A sua prxis se descortina no cotidiano, desfraldando hbitos existentes,

    contrastes, diversificaes sociais, atravs de tipologias constatadas nas prticas

    sociais, apresentando uma relao empiricamente definida na observao, como

    tcnica metodolgica.

    Contudo, como lembra Sartre, encontra-se na teoria de Marx, elaborada no

    Capital, a base para o modo de produo de uma vida social, poltica e

    intelectual. Este no pode ser concebido de outra forma que no a de um

    movimento dialtico (contradio, superao, totalizao) (SARTRE, 1972, p.32),

    que se define por sua relao de construo, distribuio e consumo de objetos,

    elementos de produo, circulao e consumo. Tal relao rompe a ordem

    clssica econmica, apresentando o espao, como categoria engendrada na

    produo, que, por si, o produz e que, por sua vez, se consome, espacialmente,

    assim como a circulao. Esta se especifica em seus curto-circuitos entre aes

    e interesses, o que permite a definio do lugar.

    Atribuem-se ao espao os valores de uma sociedade vista como

    expresso material visual. A sociedade a essncia, de que o espao geogrfico

    a aparncia, segundo Moreira (1982, p.36). Porm, mais ainda, o espao

    formado por um indissocivel sistema de aes e objetos que, neste conjunto,

    definem as formas e funes dos elementos fixos distribudos geograficamente,

    sendo adjetivados de objetos urbanos e arquitetnicos.

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    4 ESTUDANDO O LUGAR

    O imaginrio patrimonial, do lugar, elabora-se, contraditoriamente, por uma

    lgica abstrada do patrimnio nacional, em sua histria oficial. D, portanto,

    suporte a um Estado Nao, com suas identidades nacionais, atravs de uma

    relao em detrimento de peculiaridades diversas, como se observa na cidade de

    So Paulo.

    Tal relao, que se desenvolve desde a institucionalizao do movimento

    de preservao, apresenta alguma mudana, por ironia, no perodo ditatorial.

    Nessa poca, as idias comeam a se descentralizar, nos encontros de

    governantes realizados em Braslia, em 1970, e Salvador, em 1971, nos quais se

    elabora o Plano Permanente de Preservao (PPPV), atendendo aos objetivos da

    Carta de Atenas (1964) e do Encontro de Quito (1967). Porm, apesar do avano

    no contexto de romper com idias centralizadoras, tais documentos tm como

    base o movimento moderno. Alm disso, suas idias so de uma manuteno

    fragmentada, de smbolos isolados, que representam os movimentos estilsticos

    baseados em ideais europeus.

    Esta situao se d, entre outras razes, porque a teoria dos estilos

    arquitetnicos, raramente, por si, contextualiza, qualificando e inventariando o

    estilo do lugar. Tal teoria foi elaborada ao longo dos anos como um suporte

    estilstico da histria, em sua cronologia, e formulada pela interposio de formas

    hegemnicas do Oriente e da Antigidade, at as naes detentoras dos

    processos industriais do capitalismo moderno e tecnolgico.

    Tal abordagem absorvida pelos setores imobilirios, em todo sculo XX.

    Engendram-se aes, ao observar, nesta relao, uma oportunidade de

    reproduo do capital, destruindo o patrimnio local, o que no se justifica na

    lgica apresentada pelas ordens preservacionistas. Ocorre uma alterao no

    momento que o mercado apresenta, como novo modelo, uma associao

    indstria cultural, do lazer e do turismo, realizando um processo de re-apropriao

    do patrimnio cultural (HARVEY,1992 e ZUKIN 1995). A partir de ento,

    reabilitam-se as reas histricas, conferindo-lhes novas centralidades, usos,

    funes e valores, re-elaborando formas, com um discurso de manuteno de

    suas caractersticas histricas, arquitetnicas, patrimoniais.

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    Novos valores so atribudos ao lugar, um espao de representao, cuja

    singularidade construda pela territorialidade subjetiva (GUATARI, 1985),

    atravs de prticas sociais e usos semelhantes (LEITE, 2005, p.284). Tem-se,

    na territorialidade, instrumento para a compreenso da apropriao de suas

    atividades, como as tursticas e de visitao, o que se torna objetivo de ao

    proposta que deve ser compreendida pelo mercado.

    Principalmente como produto cultural, a cidade sempre o resultado convergente de distintas influncias formais e cotidianas. A anlise de Simmel (1998) sobre a objetividade do contedo espiritual da cultura refora o que estou tentando afirmar. Ele falava de um tipo de objeto cultural que no dependia direta e exclusivamente de nenhum produto, alheio s determinaes de um nico sujeito anmico (LEITE, 2005, p.212).

    Entre lugar e territrio, encontra-se o valor arquitetnico, em sua relao

    interna e externa, em que ambos so valores sociais construdos historicamente

    como patrimnio.

    Neste ensaio, parte-se de uma pesquisa mais ampla, em que os objetos de

    anlise aqui so escolhidos estrategicamente por seus valores patrimoniais, e

    locados na rea definida como polgono histrico da cidade de So Paulo,

    embora, desde o primeiro momento, tem-se a viso da totalidade, pela relao

    que se estabelece com outros conjuntos de foras e atores. Cada objeto

    arquitetnico estudado apresenta sua lgica de abrangncia definida pela

    superao urbana. Assim, estuda-se como Patrimnio Ambiental Urbano a busca

    de uma totalidade que no se constri simplesmente pela somatria dos

    elementos presentes.

    Ao reconhecer o valor e a importncia de alguns conjuntos arquitetnicos

    e urbansticos, sem recorrer ao valor de cada uma das suas partes, tomadas

    isoladamente (REIS FILHO, 1992, p.10), espera-se uma compreenso mais

    abrangente. Mesmo quando se estuda cada parte, seus elementos constitutivos,

    como maneira de compreender os seus valores simblicos, arquitetnicos,

    estilsticos.

    O centro de So Paulo tem, em todo o seu processo histrico, relaes de

    conflito, contradies, como uma relao dialtica marcada por elementos

    diversificados. Assim, inicialmente, configura-se como rea de reduo, de

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    catequese, ponto de domnio avanado do litoral em contraste com uma rea

    selvagem, desconhecida, de povos hostis, por sua incompreenso. O que no

    incio apenas ponto de partida torna-se, em virtude da mera continuidade do

    processo, da reproduo simples, o resultado peculiar (BRUNO, 1984, p.79). A

    simbologia histrica notabiliza a rea como lugar das lutas sociais; das diretas,

    dos sem-tetos, dos ambulantes, dos perueiros, etc: e como local de encontro de

    grupos definidos (MAGNANI, 1986, p.129). Surge como ncleo para a cr iao de

    redes de introduo do conquistador na colnia ultramar e sua extenso alarga-se

    para os limites do planalto, plat que se viu, no sculo seguinte, com igrejas de

    diversas ordens, dando o carter civilizatrio-cristo. Definem-se e irradiam-se

    usos, costumes e, tambm, estabelece-se o poder civil, inicialmente local,

    posteriormente de toda a capitania, que se transfere do litoral.

    O novo contraste que se estabelece no sc. XIX entre o rural e o urbano,

    enquanto que, no incio do sculo XX, a regio central de So Paulo concentrava

    todas as atividades que caracterizam o local como urbano (comrcio, moradia,

    administrao, servios em geral, produo, etc (COHN, 1986, p.128). So Paulo

    passa por grandes transformaes urbanas, polticas, sociais, ao longo de sua

    histria. Seus projetos tm, como eixo balizador, a consolidao da economia

    agro-exportadora. Para tal, transformam-se, com a classicizao, por exemplo,

    os modos, os costumes e as formas arquitetnicas. A cidade restringe-se, neste

    perodo, basicamente ao centro, embora se inicie a expanso, com a criao de

    bairros proletrios industriais e aristocrticos.

    Tais modos e formas so reconstrudos dialeticamente sobre as bases

    coloniais, reelaborando-as em solues e conceitos peculiares, como realizado

    anteriormente com a primeira natureza transformada, pelo colonizador (por vezes

    catequista). Eles se re-elaboram at os dias atuais, em contraste ao encontro com

    meios de produo europeus, que se transportam e encontram natureza prpria,

    que se transforma, carregada de peculiaridade local.

    Com relao aos aspectos de hoje, Cohn pontua trs categorias sociais no

    Centro histrico: a burguesia comercial e financeira, a classe mdia assalariada e

    o povo, sejam transeuntes, moradores locais e de rua e pequenos autnomos

    margem do sistema econmico (COHN, 1986, p.128).

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    5 O PATRIMNIO E A VISITAO

    Apresenta-se, nesta pesquisa, anlises baseadas na observao realizada

    na rea central da cidade de So Paulo, tendo como foco o mosteiro So Bento, o

    edifcio Altino Arantes e o Colgio Jesuta, escolhidos como exemplos

    qualificados no processo de visitao do local (Fig.1). Eles apresentam, em

    comum, o fato de se localizarem no polgono histrico (Centro Antigo) e

    apresentarem uma imagem associada utilizao para visitao, o que agrega

    valores simblicos e relaes com a histria do lugar.

    FIG. 1- MOSTEIRO SO BENTO, EDIFCIO ALTINO ARANTES E COLGIO JESUTA

    Fonte: Prprio autor

    No Mosteiro de So Bento, a atratividade se elabora, fundamentalmente,

    no rito, na missa com cantos gregorianos, realizados somente em um perodo, de

    pouco mais de uma hora, em poucos dias, atraindo at mesmo turistas

    estrangeiros. Durante esta missa, ritualizam-se as prticas dos padres e

    seminaristas, principalmente, inspiradas nas antigas liturgias, embora o

    desenvolvimento no cantado siga na lngua portuguesa. A cerimnia se faz pela

    teatralizao, os cantos, a gestualizao, a abundncia de incensos, mitificando-

    a.

    Embora grande parte dos freqentadores da missa seja composta de

    visitantes e no de usurios regulares, estes so, na grande maioria, catlicos,

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    das classes mais altas, que seguem os momentos litrgicos. No decorrer de anos,

    observou-se que a dramatizao acompanhou o reconhecimento do ato como

    atrativo turstico. Isto pode ser observado pelo gradativo aumento das reas de

    venda de lembranas e relquias e, mesmo, pela sua nova elaborao para o

    mercado, atravs de uma comunicao mais agressiva e com o aumento de

    opes de produtos religiosos e gastronmicos com meno ao local. Tal venda

    realiza-se aps o culto e, depois de atendido o ltimo consumidor, as portas do

    templo se cerram.

    O edifcio Altino Arantes, conhecido como Prdio do Banespa, mantm

    uma rea de exposio permanente no trreo, sem atratividade turstica, embora

    complete a oferta de visitao, com a torre de observao da cidade, localizada

    em seu ltimo andar. O acesso e a comunicao ao local apresentam certa

    confuso. Mesmo assim, milhares de pessoas atingem o ponto mais alto do

    edifcio todos os anos, durante seu funcionamento, no horrio comercial. Tal

    construo tem seu perfil definido como um dos cones da cidade de So Paulo e

    at mesmo do capitalismo tupiniquim.

    A Igreja do Colgio Jesuta apresenta um conjunto de atrativos e

    equipamentos: igreja do Beato Jos de Anchieta e respectiva capela, com seus

    objetos e relquias, loja de souvenires, cafeteria com rea de degustao, museu

    com salas de arte sacra, de objetos do perodo colonial, e de referncia

    formao histrica da cidade, outra loja de souvenires, instalao sanitria e

    espao para observao da zona leste, entre outros cones, que marcam

    aspectos arquitetnicos da criao da cidade. Mistura, em seus valores

    apresentados, a histria poltica e religiosa, ou seja, a formao social e catlica

    da urbe paulistana.

    Junto com o ptio de acesso, esto os prdios da rua lateral (Rua Roberto

    Simonsen), com a Casa n.1, o Beco do Pinto e o Solar da Marquesa, que, juntos,

    definem espao contnuo de visitao, com apropriao externa no perodo de

    visitao.

    Dos trs patrimnios em questo, este ltimo o nico que tem este grau

    de comunicao com os elementos urbanos. Observa-se que diversas aes no

    interior possuem valores prprios de atratividade, de realizao da atividade em

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    seus interiores. Numa ambigidade, embora no desenvolvendo relao com os

    equipamentos urbanos (exterior), apia-se em uma relao de centralidade. A

    territorialidade que se elabora pela visitao tem sua produo social para a

    visitao restrita aos momentos especficos de visitao em suas formas de

    acesso.

    Hoje, o Banco adquire funes de exposio do valor coorporativo; o

    Mosteiro representa e reproduz seus valores tradicionais, posicionando-se de

    forma mais moderna na relao com o mercado. O espao de formao urbana (o

    Colgio Jesuta) esconde a sua verdadeira histria, que se associa expulso

    jesutica, expropriando o bem para o uso poltico. Nos anos da efemride do

    quarto centenrio da cidade, houve a proposta de sua reconstruo. O

    posicionamento desses atrativos nega processos e constri valores simblicos,

    baseados em questes mais prximas de um imaginrio subjetivo, do que em

    contextualizao com as identidades prprias, sejam histricas, sociais,

    arquitetnicas, por exemplo.

    6 CONCLUSES

    Esta pesquisa tem mais consideraes finais a apresentar que concluses.

    As anlises apresentadas no se restringem unicamente ao recorte determinado,

    pois as suas relaes se estendem muito alm do permetro estabelecido. Os

    elementos do lugar definem manchas, marcos, trajetos, territorialidade, formas,

    funes, conjunto de conceitos da antropologia e da geografia, ou seja, categorias

    internas e externas. Manchas e territorialidade que, embora apresentem valores

    que as aproximam, tm caractersticas distintas: as primeiras se estabelecem

    pelos elementos urbanos e, a segunda, de poder.

    Embora os trs atrativos tenham valores simblicos de monumentalidade

    arquitetnica, sua contextualizao se faz dispersa por elementos que os

    definem, sem uma base epistemolgica que os relacione a sua pertinncia.

    Pensa-se, ento, uma teoria espacial que explique as especificidades das formas

    arquitetnicas, tendo como pressuposto o reconhecimento do espao como

    produto social, de uma geografia crtica que, segundo Santos (1982), assume

    seus prprios caminhos, por seus diversos interlocutores. Porm, que relaciona o

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    presente com as relaes passadas que o constroem; uma base terica emprica,

    abstrao encontrada, que incorporando valores de outras reas do

    conhecimento, e tendo como procedimento, mais do que trabalhar com categorias

    marxistas de forma dogmtica, como se os fatos, ontem ou hoje, se pudessem

    dar de uma vez por todas (SANTOS, 1982, p.153).

    Todos os objetos analisados esto agregados de valores de atratividade

    turstica, ou seja, como realizadores de ao do capital, como uma entre inmeras

    atividades de produo econmica, criando, assim, para a sua compreenso, uma

    anlise paralela e fragmentada, mas tendo em vista a sua totalidade no capital

    (ismo). Assim, a atratividade turstica sujeito que tem, no capital, o domnio do

    processo capitalista como um todo, como sujeito de um processo. O turista (ou o

    visitante de modo geral) e os agentes tursticos so atores do turismo e, assim,

    so suporte da atratividade (sujeito do objeto esttico a atrao), da visitao,

    do processo turstico, objetos hbridos, como definido por Latour (1994).

    A atividade apenas existe com a movimentao do visitante. Somente

    assim se constroem atributos para a visitao: o atrativo, o patrimnio, que com o

    movimento do turista responde ao movimento imerso da atratividade, difunde-se a

    distantes lugares, para absorver demanda (MARX, 1970, p.168-169). Quanto aos

    objetos arquitetnicos, estes abrigam habitaes e instituies, ideologia, tcnica

    e informao, as paredes, os telhados, os prdios, o ambiente urbano, as ruas.

    Enfim, os objetos geogrficos, as especificidades arquitetnicas do lugar, em que

    seus estilos so objetos hbridos, constitudos por aes, relaes tcnicas e

    possibilidades diversas de sua produo, que se apresentam como parte de uma

    produo social, esta sua totalidade, que deve ser vista com o objetivo de

    compreend-la. Cria-se, ento, instrumento para uma relao que atenda aos

    anseios dos mais diversos segmentos sociais, principalmente aqueles atores

    distantes das foras hegemnicas, que esto cercados de valores especficos do

    lugar.

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    CULTURA, FESTAS, IDENTIDADE E TERRITRIO: PERSPECTIVAS DAS

    FOLIAS DE REIS EM GOINIA COMO ATRATIVO NO TURISMO CULTURAL.

    Rosiane Dias Mota

    Mestranda/UFG [email protected]

    Maria Geralda de Almeida

    Professora Doutora/UFG [email protected]

    RESUMO As Festas Religiosas desvendam vivncias, sentimentos, emoes e crenas

    demarcadas ao longo do tempo por uma identidade de f, tanto individual quanto coletiva. Em um olhar diferenciado, o presente artigo prope refletir sobre as Folias de Reis em Gois, sob a ptica da Cultura, da Identidade e do Territrio. Aqui realizamos uma anlise primria do material impresso da mdia jornalstica e turstica, relacionando-o com os grupos e com o Encontro de Folias existentes na cidade de Goinia. No que diz respeito ao Encontro de Folias, analisamos, ainda,

    a atratividade do evento para o turismo cultural da capital goiana. Palavras Chave: Folias de Reis. Identidade. Territrio. Cultura. Turismo Cultural. Goinia.

    ABSTRACT The Religious Parties unmask experiences, feelings, emotions and beliefs demarcated throughout the time for an identity of faith, individual how much in

    such a way collective. In one to look at differentiated, the present article considers to reflect concerning the Folias de Reis in Gois, under the optics of the Culture, the Identity and the Territory. Here we carry through a primary analysis of the material printed matter of the journalistic and tourist media relating it with the groups and the existing Meeting of Folias in the city of Goinia. In what it says respect to the Meeting of we still analyze it to Folias, the attractiveness of the

    event for the cultural tourism in the city of Goinia. Key words: Folias de Reis. Identity. Territory. Culture. Cultural Tourism. Goinia.

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    1 INTRODUO

    As Festas Religiosas so manifestaes populares que ocorrem no campo

    cultural. Na atualidade, essas manifestaes so redescobertas e

    revitalizadas10, proporcionando amplo interesse de diversas reas da pesquisa

    cientfica por essa temtica. A cincia geogrfica, que se interessa pelas relaes

    sociais e de produo do espao, encontra nessas festas um frtil campo para o

    estudo das relaes do espao e suas territorialidades, da questo do patrimnio

    e da construo das identidades locais.

    A relao do homem com a produo da religiosidade, por meio das festas,

    considerada nas manifestaes de f. As diversas expresses da cultura

    manifestam-se em procisses, novenas no ambiente sagrado, e no lazer durante

    as quermesses oferecidas na programao social das festas, em ambientes

    externos ao templo religioso.

    As festas conferem importante significao no imaginrio e no simbolismo

    do ser humano. Na dimenso das festas religiosas pode-se observar por meio da

    discusso de Katrib (2004) e Couto (2008), o papel delas e a relao tempo-

    espao-festa para os seus frequentadores.

    Couto (2008) considera as festas, como um momento de quebra do ritmo

    cotidiano da vida, um momento apaziguador que o retira momentaneamente da

    realidade competitiva e capitalista. Ao faz-lo, o remete a um instante suspenso e

    quase inatingvel pelos problemas e desencontros provocados pelo dia-a-dia.

    No contratempo das tarefas dirias, as festas so, na opinio de outros

    autores, como uma vlvula de escape e harmonia. Nas festas, o homem

    experimenta o tempo mtico da eternidade e da manifestao divina, que permite

    a reconciliao de todos com todos, conforme Jurkevics (2005 p.74). Sob tal

    compreenso, as celebraes proporcionam a revelao do respeito do ser

    humano pela f, pela sua vivncia em grupo e contribuem para a formao de

    uma identidade (op. cit).

    A identidade apresentada consiste em uma fonte de significados e

    experincias adquiridos por meio de ensinamentos e experincias vividas

    (CASTELLS, 2002) e que, de acordo com Claval (1999), incide em um sentido de

    10

    JURKEVICS, 2005 p.74

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    pertencimento do sujeito. Nas festas religiosas esse sentido de pertencimento do

    devoto, se manifesta e se afirma nas procisses, nos giros de folias, no cultuar,

    nas aes de devoo e no momento de socializao e lazer.

    No caso da