2 Turismo Patrimonio e Identidades
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XI ENCONTRO NACIONAL DE TURISMO COM BASE LOCAL
Turismo e Transdisciplinaridade: novos desafios
Niteri - RJ
12 a 14 de abril de 2010
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2 - TURISMO, PATRIMNIO E IDENTIDADES
Este grupo de artigos prope discutir a questo do patrimnio cultural como
suporte de identidades sob a perspectiva da imaterialidade e materialidade
da cultura, assim como, a valorizao turstica do patrimnio sob a
perspectiva de gerenciamento do universo simblico da sociedade. Prope
tambm, a reflexo sobre a problemtica do agenciamento do patrimnio
cultural como suporte de processos identitrios de base local, associado a
uma sociedade de consumo, na qual, este se realiza como mercadoria e,
por conseguinte fonte de divisas para as localidades.
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A CONSTRUO DA BRASILIDADE: AS FASES DE PATRIMONIALIZAO E OS MODELOS DE TURISMO CULTURAL NO BRASIL
Humberto Fois-Braga
Turismlogo e Mestre em Comunicao / Faculdade Machado Sobrinho [email protected]
RESUMO O artigo discute como a patrimonializao contribui construo de uma
identidade nacional, e de que maneira o turismo incentivado em direo a estas reas de tombamento serve como divulgador de uma ideologia, uma vez que transforma em experincia (subjetiva) aquilo que foi construdo pelos artfices da nao. A partir desta compreenso, definiremos duas fases que contextualizam os processos de tombamento com suas pocas e as vises de cultura que a permeavam. Para tal, serviremo-nos do livro Limaginaire du tourisme culturel, onde o pesquisador Rachid Amirou (2000) props dois modelos temporais de patrimonializao pelos quais a Frana passou. Nossa metodologia ser baseada em reflexes e dilogos tericos que tornem possveis a transposio de tais modelos franceses realidade brasileira, onde cada uma destas fases de patrimonializao faz emergir um modelo turstico. Por fim, concluiremos que, atualmente, embora com suas especificidades, estas duas fases coexistem, pois
independentemente da viso de cultura (objetivada ou processual) norteadora das polticas de tombamento e de turismo, o que se v a supremacia do Estado, capaz de aceitar diferenas e a diversidade cultural, desde que estas se mantenham sob sua tutela. Palavras Chave: Estado. Nacionalidade. Cultura. Patrimonializao. Turismo.
ABSTRACT This article discusses how heritage-awarding contributes to the construction of a national identity, and how tourism directed to these selected areas serves as a broadcaster of an ideology, since it transforms into an experience (a subjective one) whatever was built by the Forefathers of the Nation. Spanning from this comprehension, we shall define two phases that will contextualize the process of Heritage Site-Selecting with its time and visions of culture that prevailed then. In pursuit of such objective, we will utilize the book Limaginaire du tourisme culturel, in which the researcher Rachid Amirou (2000) proposes two time models of heritage-awarding which France has gone through. Our methodology will be based on reflexions and theoretical dialogues that make possible the transposition of
such French models into the Brazilian reality, where each one of these phases of Heritage-Awarding led to a new touristic model. Lastly, we conclude that, currently, though with its own specificities, both phases coexist, for regardless the view of culture (objectified or processual) guided by the policies of heritage-selecting and tourism, what is seen is the supremacy of the State, which is capable of accepting differences and cultural diversity, so long as it is done under its discretion.
Key words: State. Nationality. Culture. Heritage-Awarding. Tourism.
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1. ESTADO-NAO: A TERRA COMO INVENO
Enquanto construo social, a nao precisa legitimar um discurso que a
narre: somente contando uma histria ficcional (BAUMAN, 2005), ideolgica
(ORTIZ, 2003), imaginada (ANDERSON, 1989), sentimental (WEBER, 1982)
sobre si, que ela ser capaz de ser compartilhada pela comunidade que se
encontra sob sua tutela. E neste sentido que Ortiz (2003) nos diz ser a memria
nacional uma construo ideolgica, pois transcende os indivduos e busca unir
os diferentes grupos em torno de uma universalidade.
Tal identidade ideolgica precisou estipular medidas severas e coercitivas
para diferenciar o eu do outro, fazendo com que os indivduos desenvolvessem
interesses e patriotismo para participar do movimento nacional. Para tanto, o
Estado lanou mo das Instituies Disciplinares (FOUCAULT, 2007) que
controlavam os cidados a partir de uma poltica de enquadramento dos sujeitos
s ordens sociais desejadas.
O tombamento de bens materiais e, mais tarde, imateriais, obedeceu
tambm a esta vontade de disciplinarizao dos cidados, hierarquizando valores,
selecionando o que deveria ser narrado e legitimado, enquanto varria para as
margens outros fatos e regies que seriam ignorados pela memria nacional
oficializada.
Neste interesse de significar pela patrimonializao, o Estado atua atravs
do mecenato (financia leis de incentivo cultura), conservao (tombando,
construindo museus, restaurando...) e divulgao (promovendo o acesso fsico
ou simblico dos cidados a estes espaos sacralizados).
No quesito divulgao desta memria nacional, o turismo e as
telecomunicaes atuam estrategicamente, pois maximizam o alcance dos
discursos e os insere na vida dos cidados. Na verdade, tanto as
telecomunicaes como as viagens so elementos que trabalham com fluxos, o
que gera uma rede que atinge todos os recncavos do territrio nacional: atuando
como vasos capilares, ambos se infiltram, irradiando e divulgando o ideal de
brasilidade proposto pelo governo.
Ao mesmo tempo em que criam o aqui e o l na construo da identidade
nacional, as telecomunicaes e o turismo buscam romper com estas barreiras:
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agindo de forma complementar, o turismo pretende levar os indivduos at os
elementos eleitos como smbolos nacionais1, enquanto as telecomunicaes
trabalham distncia e trazem tais estruturas imaginrias aos seus lares. Com
isto, ambos atualizam nas experincias individuais aquilo que foi construdo
ideologicamente afinal, se a nao uma construo, ela s faz sentido e
provoca o engajamento dos seus indivduos-cidados quando se torna uma
comunidade imaginada e vivida sentimentalmente.
Assim, de ficcional, j que ideolgica, a nacionalidade filtrada pelas
experincias individuais e, consequentemente, passa a ser vista como essencial,
como se fosse biolgica, de nascena, o que permite que, diferentemente das
outras identidades, se imponha soberana, no admitindo competidores: todas as
outras identidades, sempre secundrias nacionalidade, so permitidas,
toleradas e oficializadas desde que no colidam com seus interesses (BAUMAN,
2005). E isto se deve primordialmente ao aparato simblico que cria lealdade
entre os membros que compartilham do mesmo discurso (HALL, 2006): de um
lado, o Estado, figura paterna e coercitiva, capaz de punies; do outro, a Nao,
a figura materna que desperta o sentimento e a vontade de participar.
2. ROTEIROS TURISTICOS: LEITURAS IDEOLGICAS DO TERRITRIO
Podemos considerar que qualquer modelo de planejamento turstico de
uma territorialidade visa, em ltima instncia, construir atrativos e propor roteiros
que os interliguem em uma narrativa prxima do imaginrio turstico que permeia
o destino. E se os roteiros tursticos so formas de se olhar, percorrer e interagir
com o espao e as comunidades anfitris, ento, as redes aparecem como sendo
qualquer percurso traado pelo turista de forma induzida ou improvisada na
malha territorial. Esses ns (atrativos tursticos) so interligados pelas linhas
(roteiros), compondo uma teia de locomoo.
Esses roteiros podem ser traados a partir das possibilidades geogrficas e
urbansticas da malha territorial, permitindo certas combinaes, com um
1 Alguns slogans da Embratur so expressivos desta viso do turismo enquanto intermediador das
relaes que constri a cidadania. Basta relembrarmos de frases como: Viaja, Brasil, Brasil, turismo e voc Brasileiro: descubra o Brasil.
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percurso comeando, por exemplo, em um atrativo A para terminar num F, ou
partindo de um H para chegar no A, e assim sucessivamente.
Entretanto, um roteiro no somente uma seqncia de pontos
percorridos; ele tambm uma importante matriz de leitura do local, negociando
diferentes interesses que esto em confronto no territrio e que se expressam,
deixando suas marcas, nos atrativos e em seus entorno. Portanto, um roteiro
uma construo idealizada, que atua na recuperao de uma suposta alma do
lugar; e por isto mesmo seleciona, categoriza e hierarquiza os atrativos (como as
estrelas do Guia 4 Rodas) ao mesmo tempo em que outros sero
estrategicamente esquecidos estamos prximos daquilo que Siqueira (2007)
definiu como turiscentrismo; mas tambm encontramos um dilogo com a
semitica, em que um roteiro-palimpsesto, como matriz de leitura espacial, pode
ser interrompido, retroceder, avanar, saltar atrativos, recuperar memrias do
leitor-turista, articular imaginrios e comparar destinos.
No mais, um territrio sempre um interstcio, pois apresenta diversos
grupos sociais residentes ou provisrios (caso dos turistas), que se confrontam no
direito de legitimar um discurso turstico a partir do planejamento e, em ltima
instncia, dos roteiros propostos. Por isto, de se esperar que comunidades
plurais, que compartilham de um mesmo territrio, possuam em comum certos
referenciais totmicos (ainda que com significados diversos), enquanto outros
patrimnios so exclusivos de um grupo e servem distino. Neste sentido que
os patrimnios transformados em atrativos tursticos e propostos dentro de uma
lgica de roteiro trazem impresso estas disputas e concordncias simblicas que
permeiam a estrutura social do local.
Enquanto discurso, estes roteiros esto em constante processo, sempre
negociando diferentes interesses dos agentes envolvidos, rearticulando, fazendo
emergir um novo atrativo, esquecendo-se de outros, aumentando e reforando a
intensidade de atrao de alguns pontos e afastando ou colocando em stand-by
outros. Acreditamos que fazer uma pesquisa sobre a arqueologia e a genealogia
dos roteiros tursticos (com seus atrativos, percursos e intensidades) , em certo
sentido, propor uma compreenso das estruturas sociais que construram e ainda
moldam um destino, desvendando as relaes comunitrias e dos visitantes. So
estes elementos, em constante rearticulao, que dinamizam os atrativos, que
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compem a cor local e diferenciam a localidade de outros destinos
tursticos(CARDOZO,2006, p.147).
Por isso mesmo, importante repensarmos uma viso que permeia a
relao entre patrimnios e turismo: o mito do territrio vocacionado atividade
turstica. Falar que algo tem vocao remete a uma viso essencializada, como
se o espao nascesse turstico e o planejamento seria a forma de despert-lo;
na verdade, todo atrativo e por consequncia todo o destino turstico
construdo a partir de um imaginrio coletivo e de grupos sociais em disputa. A
fora de atrao, como o prprio nome atrativo turstico sugere, no est no
elemento em si, no interna a ele, mas se encontra nas mediaes, ou seja, no
discurso que desenvolvemos para nos ligarmos a ele.
Enfim, compreendemos o papel que o planejamento e roteiros tursticos
desenvolvem na articulao dos interesses de diversos grupos de um territrio
que querem se ver representados legitimados pela atividade turstica,
principalmente a partir de seus patrimnios culturais.
O planejamento turstico expressa as disputas de poder que ocorrem em
um territrio. Neste mbito, os roteiros e os patrimnios culturais que eles
englobam so ferramentas de oficializao e divulgao de um discurso, uma
seleo e categorizao em que os diversos grupos sociais buscam o direito de
narrar e de se apresentar aos visitantes, lanando suas ideologias e manifestos
ao mundo via aqueles turistas que l chegam.
Assim, o turismo via planejamento, elaborao de roteiros e seleo de
atrativos e estabelecimento de seus pesos na rede se transforma em um
palanque onde os diversos sujeitos e grupos sociais de um territrio exigem suas
presenas e proclamam seus pontos de vista.
Devemos, pois, compreender que toda e cada sociedade, dispersa em
tempos e espaos distintos, estrutura e categoriza de uma maneira peculiar suas
experincias. Sendo hierarquizados socialmente, os valores das coisas tangveis
e intangveis que permeiam o cotidiano s fazem sentido quando sancionados
pela coletividade. Por isto, um processo de roteirizao turstica e
patrimonializao s se explica dentro do sistema scio-cultural que o significa.
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A partir destas reflexes, em que a nao, patrimnios e roteiros tursticos
so construes sociais, e, portanto ideolgicas, podemos definir duas fases que
contextualizam os processos de tombamento com suas pocas e vises de
cultura que a permeavam. E para cada uma desta fase vemos emergir um modelo
turstico: primeiramente, o turismo cultural-histrico, posteriormente, o turismo
cultural tnico-etnogrfico.
3. PRIMEIRA FASE DE PATRIMONIALIZAO: O TURISMO CULTURAL-HISTRICO
De acordo com Amirou (2000), em um primeiro momento, quando comeou
a fase de tombamentos, o Estado valorizou os patrimnios que legitimavam as
grandes obras pblicas que construam o discurso da nao. o patrimnio obra
de arte na construo da Memria Nacional, relegando ao segundo plano (do
esquecimento) as relaes simblicas desenvolvidas pelas populaes em seu
cotidiano.
Nesta construo dos patrimnios, encontramos a diferenciao entre bens
naturais e aqueles culturais. Estes articulam de maneira divergente e
complementar um tempo-espao: enquanto a natureza, vista como eterna, remete
Criao e uma atemporalidade, a cultura se coloca enquanto patrimnio
histrico, logo, datado (resgatando uma suposta tradio humana). , pois, a
combinao entre patrimnios naturais e culturais-histricos que criar aqueles
elementos constituintes de uma nacionalidade2.
Para Ortiz (2003), que tambm nos fala da Memria Nacional, a ideologia
desta fase unificou os diferentes mitos coletivos em torno de um discurso
orgnico. Tal narrativa discursiva, que selecionou diferentes elementos das
memrias locais, gerou uma bricolagem de tombamentos capaz de abarcar uma
identificao universal (comum a todos) sobre a nacionalidade.
Para tanto, o Estado buscou, nos bens que circulam pelo territrio, nas
comunidades da vida (BAUMAN, 2005), elementos que criassem e
materializassem o discurso nacional, de uma comunidade de destino (BAUMAN,
2005). No deixa de ser, todavia, um processo aleatrio e de disputas
2 O Parque Nacional do Itatiaia (RJ) foi a primeira rea natural protegida brasileira, tendo sido
criado em 1937. J o primeiro Patrimnio Histrico-Artstico Nacional foi a cidade de Ouro Preto (MG), proclamada como tal em 1933 (antes mesmo do surgimento do SPHAN) (SILVA, 2004).
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ideolgicas, capaz de construir uma bricolagem de diferentes elementos
resgatados de suas territorialidades e elevados ao patamar de nao o que
gerou uma distribuio desigual dos smbolos nacionais, com algumas regies
representando com maior intensidade o significado da identidade nacional do que
outras.
Esta anlise pode ser, inclusive, sustentada a partir das pesquisas
realizadas por Rubino (1996). Tal autora nos demonstra que as ideologias que
permeavam o SPHAN3 (Servio de Patrimnio Histrico Nacional, atual IPHAN)
desde a sua fundao, em 1937, at a aposentadoria de seu primeiro presidente,
Rodrigo Melo Franco de Andrade, em 1967, gerou uma nao imaginria a partir
do tombamento de 689 bens culturais.
Tais aes criaram um espao nacional imaginrio que se concentrava em
Minas Gerais (165 tombamentos, correspondendo a 23,90% do total),
acompanhado pelo Rio de Janeiro (140 20,30%), Bahia (131 19,90%) e
Pernambuco (56 8,10%), sendo os demais 197 tombamentos (27,80%)
dispersos pelos outros dezenove estados. E, ainda de acordo com a
pesquisadora, o tempo imaginrio da nao ficou concentrado no sculo XVIII, j
que 377 (54,70%) destes monumentos tombados so representantes desta
poca; seguido do XIX, com 124 bens (18%); do XVII com 101 patrimnios
(14,70%); XVI com 45 (6,5%); sem data precisa com 36 (5,2%); sculo XX com 6
monumentos (0,9%). Como analisa Rubino (1996), existe uma distribuio
desigual dos tombamentos realizados pelo SPHAN, e a geografia e a
temporalidade imaginrias brasileiras ficaram concentradas em regies de ciclo
econmico, com prevalncia das referncias ao imaginrio urbano das cidades
coloniais mineiras e sua religiosidade setecentista. Neste momento mgico de
classificao,
o conjunto eleito revela o desejo por um pas passado, com quatro sculos de histria, extremamente catlico, guardado por canhes,
3 No podemos nos esquecer que foram os artistas e intelectuais do movimento modernista
(dcada de 1920) que estruturam o SPHAN, projetando na instituio suas ideologias que se preocupavam com a construo de uma memria nacional brasileira independente e descolada da portuguesa. Alis, nesta busca por uma brasilidade, vrios intelectuais e artistas modernos viram no turismo associado literatura uma estratgia capaz de criar uma nao temos, assim, livros como o Turista Aprendiz (Mrio de Andrade, 1927) e o Guia de Ouro Preto (Manuel Bandeira, 1938).
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patriarcal, latifundirio, ordenado por intendncias e casas de cmera e cadeia, e habitado por personagens ilustres, que caminham entre pontes e chafarizes. (RUBINO, 1996, p. 98)
Nesta fase, prevaleceu o patrimnio material. E o turismo cultural se
aproximou de um turismo histrico, com o Estado incentivando e patrocinando
principalmente a partir de financiamentos sociais e visitas de estudantes o
deslocamento de seus cidados at estes locais tombados a favor de uma
memria nacional nica.
Como vimos, a construo e preservao de uma memria e identidade
nacional necessitam de vir acompanhadas por um aparato de divulgao.
Primeiramente, temos aes como aquelas do IPHAN Instituto do Patrimnio
Histrico e Artstico Nacional , que selecionam, legitimam e conservam
elementos dispersos pelo territrio. Posteriormente, tanto o turismo quanto as
mdias gravitam em torno destes elementos, buscando atualiz-los nas
experincias pessoais, transformando ideologias em experincias e, com isto,
construindo uma memria individual para estes bens coletivos e nacionais.
De fato, tanto a Era Vargas (1930 a 1945, posteriormente 1951 a 1954)
quanto o Regime Militar (1964 a 1985) tinham, em comum, um interesse na
criao de uma identidade nacional que passava, num primeiro momento, pelo
tombamento de smbolos nacionais e, posteriormente, pela sua divulgao (pelas
mdias) e incentivo visitao (turismo). Tambm faz parte desta estratgia de
gerao do imaginrio nacional o desenvolvimento de manifestaes culturais e
de um calendrio ptrio, a ser festejado e transmitido pelos meios de
comunicao; ao mesmo tempo em que os feriados derivados destas datas
passaram a incentivar o deslocamento turstico determinadas regies tidas
como epicentros comemorativo.
Sendo assim, o perodo Vargas criou o SPHAN. E na falta da televiso, o
presidente se serviu da rdio e do cinema para a construo e divulgao de uma
memria nacional; afinal, como Vargas (1935, p. 188) mencionou em seu discurso
de 1934, durante as manifestaes promovidas pelos cinematografistas do Rio de
Janeiro, o cinema (...) o livro de imagens luminosas, no qual as nossas
populaes praieiras e rurais aprendero a amar o Brasil, acrescendo a confiana
nos destinos da Ptria. E tambm em sua poca, em 1938, que o decreto-lei
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406 (artigo 5) dispe, pela primeira vez, sobre o funcionamento das agncias de
turismo e de venda de passagens, alm de vistos consulares (EMBRATUR,
2006, p. 20), o que demonstra um interesse em organizar e estruturar o sistema
turstico nacional.
Por sua vez, o Governo Militar brasileiro, aps 1964, visando uma
unificao econmica e cultural do territrio, implementou uma busca incessante
pela concretizao de um Sistema Nacional de Cultura (o que no conseguido)
e a efetiva consolidao de um Sistema Nacional de Turismo em 1967, ou de um
Sistema Nacional de Telecomunicaes (ORTIZ, 2003, p. 83). A Embratel
(Empresa Brasileira de Telecomunicaes) foi criada em 1965, j a Embratur
(Empresa Brasileira de Turismo) de 1966. Por sua vez, se o Ministrio de
Telecomunicaes aparece em 1967, o Ministrio do Turismo s ter vez a partir
de 2003 (EMBRATUR, 2006). Tais instituies sero, ento, responsveis por
criar e implementar polticas que, entre outros objetivos, buscaro reforar um
imaginrio nacional que passa pelas experincias individuais.
Neste primeiro momento de patrimonializao, o turismo absorveu esta
cartografia imaginria gerada pelo IPHAN. E, de acordo com Silva (2004), tais
destinos de turismo urbano pautados na Histria Nacional passariam a se
apresentar em duas situaes: (1) as cidades histricas propriamente ditas, ou
seja, as pequenas e mais pitorescas cidades remanescentes do perodo colonial
e imperial brasileiro (SILVA, 2004, p. 70). O destaque ficou para as cidades
mineiras, como Ouro Preto, Mariana e Tiradentes, que serviram de modelo para
a constituio do imaginrio turstico em relao cidade histrica brasileira
(SILVA, 2004, p. 70). (2) Os centros histricos das grandes cidades,
principalmente nas capitais do Nordeste, tais como Recife (PE), So Luiz (MA),
Joo Pessoa (PB). So espaos revitalizados e que obedeceram uma esttica
influenciada pela reforma do Pelourinho (Salvador, BA), ou seja, fachadas
coloridas que reproduzem casas e at mesmo conjuntos coloniais, verdadeiras
estruturas cenogrficas (SILVA, 2004, p. 73).
Assim, esta primeira fase de patrimonializao remete ao surgimento, no
Brasil, da ideia de Nao (incio do sculo XX). E o turismo despontar na
estrutura estatal capaz de incentivar a visitao, por seus cidados, daqueles
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grandes monumentos e discursos nacionais construdos enquanto memria
nacional nica e sem concorrncia.
4. SEGUNDA FASE DE PATRIMONIALIZAO: O TURISMO CULTURAL-
TNICO-ETNOGRFICO
A partir do multiculturalismo e contracultura da dcada de 1960 e,
posteriormente, nos anos de 1980, com a UNESCO discutindo os bens imateriais
enquanto os movimentos sociais minavam a Ditadura Militar no Brasil, o conceito
de tombamento se ampliou: agora, mais do que a arquitetura ou bens fsicos, o
que se deveria preservar era a sociabilidade e a vida que se desenvolve ao redor
dos artefatos. Mais do que todo e qualquer material fsico, era o prprio esprito e
mente humanos que se transformavam em patrimnio. E, assim, a cultura
objetivada que tombava patrimnios com significado linear, cedeu espao viso
de uma cultura processual, em que os patrimnios esto constantemente
reinventando seus significados, com seus valores simblicos alterando-se e se re-
articulando de acordo com os grupos que se posicionam perante a eles.
Amirou (2000) menciona, inclusive, a alterao das relaes de
patrimonializao dos bens naturais e daqueles artstico-histricos. De acordo
com ele,
Assistimos a uma espcie de translao de valores: os imperativos de conservao habitualmente reservados ao patrimnio construdo so cada vez mais exigidos e aplicados para proteger a natureza e as paisagens: classificamos, protegemos, legislamos, nomeamos conservadores dos ecossistemas. A natureza percebida, assim, como um imenso museu. Inversamente, o monumento artstico e histrico percebido como um organismo vivo que deve morrer de sua morte natural, no devendo sofrer nenhum interveno humana (restaurao ou desrestaurao, reutilizao, reparaes). (AMIROU, 2000, p. 06) [traduo nossa, do francs].
A partir da preocupao com as causas ambientais, o patrimnio natural se
enrijece, com a demarcao de reas de preservao e a construo de um
imaginrio de natureza intocvel. Nada muito diferente do que j ocorria na
primeira fase de patrimonializao de bens naturais4. Porm, em relao aos
4 Como menciona Silva (2004, p. 52), a partir da dcada de 1960, com a divulgao e a
popularizao da ecologia e, mais uma vez, seguindo os modelos de pases mais desenvolvidos, houve um significativo aumento de reas protegidas e, a partir de 1980, novas categorias foram
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culturais, nesta segunda etapa, comea a ocorrer uma transformao na forma
como eles so encarados: se antes eram intocveis e possuam um significado
nico e homogneo (datado), agora, os patrimnios artstico-histricos so
espaos de poder (diacrnicos) onde os grupos sociais buscam o direito de
significar; consequentemente, tais monumentos eleitos como representantes de
uma coletividade s podem ser compreendidos enquanto organismo vivo, j que
estaro em constante processo de transformao de seus significados tudo nele
provisrio e temporal, estando sempre na eminncia da morte e ressurreio
simblicas.
Nesta nova viso sobre o patrimnio, o conceito de autenticidade se altera:
esta no se encontra mais nas manifestaes e nem nas estruturas fsicas, mas
nos imaginrios que se impe entre ns e estes artefatos/acontecimentos eleitos
como referncia social uma migrao, utilizando-se de uma metfora de
Martn-Barbero (2006), do meio s mediaes. A autenticidade de uma cultura
no est mais (ou somente) naquilo que considerado bem tangvel, mas nas
articulaes que as comunidades desenvolvem para incorporar aos discursos da
tradio e memria coletiva os elementos externos, para assim produzir uma
terceira via. Ou seja, pensando o patrimnio enquanto signo, a autenticidade no
se encontra no significante, mas no significado.
neste nvel que a segunda fase de patrimonializao se distancia da
precedente, que valorizava um discurso da identidade essencializada, quando
qualquer interferncia externa aniquilaria a autenticidade do local. Aqui, nesta
nova viso, defende-se que no existe ideia fora do lugar, mas, sim, escolhas de
ideais que se adaptam ao lugar. Em outras palavras, os smbolos identitrios no
precisam mais ser fixos em sua cultura de origem, eles podem ser trocados,
emprestados e roubados, transitando e se adaptando s diversas estruturas
sociais por onde circularam. uma identidade construda pela diferena, mas
uma identidade que tambm se hibridiza com a diferena, ainda que o poder do
mercado no seja esquecido, embora relativizado a partir das negociaes que
deve entravar com as estruturas sociais do local onde agem. uma autenticidade
incorporadas, como reserva biolgica, rea de proteo ambiental, estao ecolgica, floresta nacional e outras.
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que no est vinculada e nem emana dos objetos, mas que circula pelos
processos de traduo.
Com isto, o multiculturalismo e os movimentos sociais vo se preocupar
em saber se as comunidades tiveram reais opes de escolhas nos seus
processos de manifestaes culturais. O que se deve discutir no mais a
autenticidade de uma identidade (pois j descobrimos que ela processual), mas
as opes oferecidas uma comunidade para que tal tradio seja construda
socialmente. O problema no est no que ser autntico, mas se a comunidade
teve opes e direito de voz no processo de refazimento de suas memrias e
naquele outro que seleciona, articula e legitima traos culturais para fazer
emergir a tradio da traduo local.
Abre-se assim a possibilidade de grupos sociais legitimarem suas
representaes atravs dos tombamentos; e com a valorizao das mais diversas
manifestaes culturais, surge as disputas pelo direito de significar: os lugares
de memria passam a ser tambm lugares de poder comunitrio. Nesta nova
forma de tombamento, o Estado, mais do que a busca por um denominador
comum, deveria garantir o equilbrio entre as aparentes contradies das diversas
memrias de grupos sociais e comunitrios. Consequentemente, h (ou deveria
haver) uma migrao do processo de deciso, deslocando-o dos nveis
governamentais base comunitria e de seus grupos sociais.
Tal expanso dos conceitos de cultura (abrangendo o multiculturalismo e
os processos) e de patrimnio (que abarcou os bens imateriais5), abriram duas
possibilidades para o turismo: (1) a criao de novos atrativos dentro de destinos
j consolidados; (2) a estruturao de novos destinos, ampliando a cartografia
imaginria na nao.
Em ambos os casos, o turismo que emerge desta nova viso de cultura e
patrimnio desloca a sensibilidade em direo s culturas vernaculares, aos
modos de vida de diferentes grupos sociais e s tradies locais, e le touriste se
rve ethnologue en ses moments perdus6 (AMIROU, 2000, p. 03). Com isto, o
5 Vide o tombamento dos patrimnios imateriais, como as mais diversas manifestaes artsticas,
culturais e gastronmicas, onde se valoriza o processo, o savoir faire (as danas, as msicas, as receitas...). 6 E o turista sonha ser etnlogo em seus momentos perdidos [traduo nossa].
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comportamento do turista se altera, indo do expectador (favor no tocar) ao
participante (favor experimentar).
Neste mesmo sentido de pluralizao cultural, os grandes museus
tradicionais da Memria Nacional, que expunham os objetos de forma diacrnica
e intocveis, passaram a disputar espao com a proliferao dos pequenos
ecomuseus os museus de vida , que valorizam territrios especficos e
grupos sociais particulares, expondo acontecimentos e experincias vividas que,
at ento, estavam margem da Histria Nacional; o que oferece exposies
processuais, anacrnicas e interativas.
Por sua vez, os roteiros lineares de visitao se tornam roteiros-
palimpsestos, onde os patrimnios transformados em atrativos representam e
tentam abarcar as diversas camadas de memrias coletivas que perpassam o
territrio visitado e que disputam o direito de se narrar.
J no mbito das polticas pblicas de turismo, correspondentes a esta
nova viso de patrimonializao e multiculturalismo, temos o Plano Nacional de
Turismo 2007/2010 Uma viagem de incluso. Neste documento, observamos
uma preocupao em estruturar um turismo social e domstico, o que
demonstra aquela eterna preocupao do Estado em utilizar a viagem como vetor
na construo da cidadania e de um senso de pertencimento nacional. Por sua
vez, na concepo atual de patrimnio mltiplo que passou a abarcar a
diversidade dos grupos sociais, o programa Regionalizao do Turismo
demonstra a pluralizao dos destinos tursticos apoiados em patrimnios
especficos de determinadas regies.
Nesta poltica de turismo que perpassa a valorizao das comunidades da
vida, a Regionalizao do turismo de suma importncia, j que visa
fragmentar e estruturar outras territorialidades nacionais, possibilitando a [...]
desconcentrao da oferta turstica brasileira, localizada predominantemente no
litoral, propiciando a interiorizao da atividade e a incluso de novos destinos
nos roteiros comercializados no mercado interno e externo (MTUR, 2007, p. 25).
A regionalizao pode ser compreendida com a unio de diversos municpios
fronteirios que apresentam afinidades culturais, sociais, econmicas e naturais,
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permitindo-lhes assim desenvolver um perfil turstico que, conseqentemente,
consolida a identidade regional7.
Ao apoiar a interiorizao da atividade, contribuindo para a diminuio da
desigualdade, a regionalizao promove a sua desconcentrao em certas reas,
o que auxilia no aumento e diversificao de produtos tursticos, fragmentando e
transformando em plural a brasilidade. Com isto, a proposta de regionalizao do
turismo se estrutura na segmentao tendo em vista a concepo de produtos,
roteiros e destinos que reflitam as caractersticas de peculiaridade e
especificidade de cada regio (MTUR, 2007a, p. 67).
E, assim como o Governo Brasileiro prope programas tursticos como a
Regionalizao, que fragmenta a brasilidade a partir de uma pluralizao de
culturas e patrimnios, os Estados tambm seguem esta tendncia. Por exemplo,
Minas Gerais, que na primeira fase de patrimonializao-turstica se destacava a
partir da regio do ouro e de suas cidades histrias, v, agora, uma
movimentao interna, que tenta colocar em destaque as demais regies que
viviam s margens da considerada epicentro da mineiridade. Assim, em Minas
Gerais, existem os projetos Circuitos Tursticos (que fazem parte do Programa
Nacional de Regionalizao do Turismo) e Minas para os Mineiros, realizados
atravs da Secretaria de Turismo de Minas Gerais.
O Minas para os Mineiros apresenta uma vertente prioritria de
desenvolvimento econmico, com foco no aumento das vendas de produtos
tursticos do Estado pelos agentes de viagens cadastrados na ABAV Minas
(Associao Brasileira das Agncias de Viagens de Minas Gerais)8. Todavia, no
se pode excluir a capacidade que o projeto possui em promover novos olhares
sobre a mineiridade, o que est expresso no prprio slogan do projeto: Minas so
muitas. Quantas voc conhece?.
7 Sendo o referencial territorial para o desenvolvimento do turismo nacional, atualmente, o mapa
da regionalizao no Pas apresenta 200 regies tursticas que contemplam 3.819 municpios em todas as Unidades da Federao. Desse universo, destacam-se 149 regies que produziram 396 roteiros perpassando 1.027 municpios (MTUR, 2007a, p. 67). 8 SECRETARIA DE TURISMO DO ESTADO DE MINAS GERAIS. Setur e ABAV lanam projeto
Minas para os Mineiros. Disponvel em: http://www.turismo.mg.gov.br/index.php?option=com_content&task=view&id=485&Itemid=59 . Acesso em: 08 de dezembro de 2008.
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O projeto Minas para os Mineiros vai atuar no sentido de diversificar e qualificar a oferta de produtos tursticos, incentivando o fluxo de visitao dentro de Minas Gerais. Quando falamos em diversificao, preciso atentar para a integrao de roteiros tursticos com outros destinos brasileiros, especialmente na prpria regio Sudeste, devido localizao estratgica e o fcil acesso. Nossos produtos so complementares, no concorrentes, porque oferecemos vivncias nicas, diferentes de sol e mar. a vez de Minas Gerais, ressaltou a secretria rica Drumond (Secretrio de Estado do Turismo)
9.
Podemos observar que as caractersticas do destino direcionam a
segmentao da oferta turstica, o que nos permite falar de uma pluralidade de
segmentos a partir de uma diversidade regional.
Vemos, porm, que a compreenso da diversidade aprimorada pelo
multiculturalismo que trouxe no bojo uma exploso do conceito de cultura e
possibilitou que (quase) tudo fosse designado como patrimnio tambm suscita
problemas, pois se o mercado buscou a cultura para transform-la em
mercadoria, agora a prpria cultura inchada, ampliada e super-valorizada
que se oferece ao mercado, com o intuito de se destacar nas prateleiras das
agncias de viagens. E isto tudo sem mencionar as empresas e fundaes
privadas, que veem no financiamento de projetos patrimonializao das
memrias de grupos sociais diversos uma estratgia de marketing societal.
Enfim, as novas formas de patrimonializao, geradas a partir da ideia do
multiculturalismo, possibilitam o surgimento de outros roteiros e destinos
tursticos, expandindo a cartografia nacional a partir da insero de novos grupos
e seus territrios. No entanto, e normalmente, a economia se impe como
intermedirio nesta transposio do local ao mbito nacional, ficando agora a
cargo do mercado e no mais somente do Estado de definir e eleger aquilo
que ser parte desta brasilidade fragmentada.
H, com isto, uma nova disputa pelo direito de significar: uma interna ao
territrio, atravs dos diversos grupos que o habitam; e outra entre territrios, a
partir das regies e seus municpios que se querem vender turisticamente.
9 Ibidem, SECRETARIA DE TURISMO DO ESTADO DE MINAS GERAIS.
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CONSIDERAES FINAIS
Importante a conscincia de que toda memria (oficial ou s margens,
coletiva ou individual), sempre uma construo feita no presente em direo a
um passado mistificado. Neste sentido, a memria alterada, renovada,
expandida e reduzida para atender aos interesses atuais. E todo monumento,
como resultado de uma memria, vai alterando seu significado, bem como suas
hierarquias e valores, com o decorrer do tempo uns so abandonados, outros
mantidos, aparecem novidades, etc. Assim, por exemplo, a memria coletiva
defendida pelo IPHAN coloca-nos talvez mais prximos de um sculo XVIII do
que do XIX; os discursos dos museus nacionais colocam-nos muito mais em
sintonia com a Histria Europeia e com os vestgios de civilizaes extintas do
que com os grupos sociais vivos e marginalizados brasileiros (ndios,
quilombolas, etc.). Esta fora de aproximao e distanciamento varivel atravs
das geraes, e esta maleabilidade do gosto que promove o afastamento ou a
presena do turista em determinados espaos em detrimento de outros que so
postos de lado.
Consequentemente, a re-significao dos patrimnios realizada em trs
tempos: eles so construdos para atender s finalidades de um determinado
grupo social, posteriormente so tombados pelo Estado a partir de uma ideologia
que lhes impe um significado que ultrapassa sua materialidade (construo de
um imaginrio nacional) e, quando apropriados pelo turismo, podem ser
traduzidos em outro valor de uso (econmico) ou de sensibilidade (ldico e
reflexes).
Assim, a memria que permeia o monumento turistificado apresenta
desvios em relao aos significados que remeteram ao seu tombamento e sua
construo. O mercado do lazer e do turismo acaba por cooptar os espaos e os
bens (materiais e imateriais) tombados, principalmente atravs da requalificao
de monumentos, influindo-lhes valor de uso e transformando-lhes em produtos de
consumo fetichizados e cnicos (BARBOSA, 2001).
Enfim, vemos a patrimonializao promovendo o consumo turstico da
Histria e do multiculturalismo. Na primeira fase, prevalece-se o patrimnio
material, e o turismo cultural se aproxima de um turismo histrico nacional, em
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que o valor est no bem visitado e na preocupao com a construo de uma
Memria da Nao.
J na fase seguinte, quando o conceito de patrimnio expande-se para
abarcar os elementos imateriais de diversos grupos sociais, as polticas de
patrimonializao desenvolvidas pelo Estado participam de uma concepo de
incluso social e de cidadania, dando voz aos locais e s comunidades que
estavam excludos do processo. Neste momento, o turismo cultural se aproxima
de um turismo antropolgico, em que a experincia provida pela interao com
os elementos totmicos representantes das memrias coletivas.
Vemos, ento, que a ideia de patrimnio migra de uma concepo
territrio-nacional comunidade de destino (BAUMAN, 2005) e memria
nacional (ORTIZ, 2003) para uma pluralidade de territrios-onde-se-vive
comunidades da vida (BAUMABN, 2005), memrias coletivas (ORTIZ, 2003).
Todavia, esta ampliao de patrimnios no entra em confronto com o imaginrio
nacional na verdade, a fragmentao uma forma de reafirmar a nacionalidade,
j que como aponta Bauman (2005), esta no aceita competio: todas estas
novas identidades, e patrimnios que as representam, so ainda secundrias
nacional, sendo permitidas, toleradas e oficializadas desde que no colidam com
a Memria Nacional.
Em ambos os casos, a experincia turstica uma maneira de transformar
o que est longe em perto, subjetivando a virtualidade da memria nacional e/ou
a alteridade das manifestaes de grupos distintos: a comunidade imaginada
reforada pelo sentimento de vivenci-la individualmente atravs da atividade
turstica.
No primeiro momento, da Memria Nacional dos bens materiais e pblicos,
os turistas giram ao redor destes monumentos, colocando suas histrias pessoais
em relao Histria Nacional e Mundial - assim, os turistas (cidados de uma
nao) contextualizam suas existncias dentro de uma ideologia maior sobre a
nacionalidade. No segundo caso, das memrias de grupos e patrimnios
imateriais, o iderio do nacional persiste, mas agora o turista tambm deve sentir
o estranhamento provocado pelo encontro com a alteridade (a memria nacional
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explode em territorialidades e memrias sociais de grupos) o ser brasileiro
passa pelo discurso valorativo da diversidade encontrada na brasilidade.
Assim, mais do que em disputa, as fases de patrimonializao e de
turistificao se complementam e coexistem, atendendo aos interesses do
Estado.
REFERNCIAS
AMIROU, R. Imaginaire du tourisme culturel. Paris, Frana : Presses Universitaires de France, 2000. ANDERSON, B. Nao e conscincia nacional. Ed. tica, SP: 1989. ANDRADE, M. O Turista Aprendiz. Belo Horizonte, MG: Ed. Itatiaia, 2002. BANDEIRA, M. Guia de Ouro Preto. Rio de Janeiro, RJ: Ed. Ediouro, 1983.
BARBOSA, Y. M. O despertar do turismo: um olhar crtico sobre os no-lugares. So Paulo, SP: Ed. Aleph, 2001. BAUMAN, Z. Identidade: entrevista a Benedetto Vecchi. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editora, 2005. CARDOZO, P. Consideraes preliminares sobre produto turstico tnico. In: Pasos Revista de Turismo y Patrimnio Cultural. Espanha: 2006, n.2, v. 4, p. 143-
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QUADRO 01: RESUMO COMPARATIVO DAS FASES DE PATRIMONIALIZAO E DE SUAS RELAES COM O TURISMO
1 FASE DAS POLTICAS DE PATRIMONIALIZAO
2 FASE DAS POLTICAS DE PATRIMONIALIZAO
A preocupao com o Estado-Nao inicia-se com a Proclamao da Repblica no Brasil (1889). A primeira fase de patrimonializao foi incentivada pelos modernistas da dcada de 1920, tomando impulso com a fundao do SPHAN (1937) e prevalecendo at o trmino da Ditadura Militar (1985).
Embora os movimentos internacionais dos anos 1960 incitassem ao multiculturalismo, os movimentos brasileiros tomaram vigor a partir dos anos 80. Aps o fim da Ditadura Militar (1985) e a aprovao da Constituio Brasileira (1988), novas ideologias e aparatos estatais levaram segunda patrimonializao
Mais do que em disputa, as fases do patrimnio e turismo se complementam e coexistem.
Tombamentos decididos pelo Estado Tombamentos deveriam ser decididos pelas comunidades, tendo o Estado como mediador
Cultura e natureza objetivadas Cultura como processo e natureza objetivada
Patrimnios materiais Patrimnios materiais + imateriais Construo da Memria Nacional A memria nacional explode em territorialidades e
memrias de grupos.
Discurso nico e linear Discurso plural e diacrnico
Territrio-nacional: Comunidade de destino / memria nacional
Territrios-onde-se-vive: Comunidades da vida / memrias coletivas
Todavia, esta ampliao da viso patrimonial no entra em confronto com o imaginrio nacional a fragmentao uma forma de reafirmar a nacionalidade, j que esta no aceita competio: todas estas novas identidades, e patrimnios que as representam, so ainda secundrias nacional, sendo permitidas, toleradas e oficializadas desde que no colidam com a Memria Nacional.
Turismo social e domstico / Turismo e educao: Comunidade imaginada / Comunidade sentimental
Turista (cidado de uma nao) atualiza a ideologia da memria nacional em suas experincias (memria individual).
Turista (cidado de uma nao) tambm deve sentir o estranhamento provocado pelo encontro com a alteridade (cidado de um pas multicultural): o ser brasileiro passa pelo discurso valorativo da diversidade encontrada na brasilidade.
Turista participa vendo Turista participa interagindo
Turismo Cultural = Turismo Histrico Nacional
Turismo Cultural = Turismo Etnogrfico
Visitam-se o territrio nacional (terras mticas nacionais).
Visitam-se as as territorialidades nacionais (Regionalizao do Turismo).
Fonte: prprio autor.
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ARQUITETURA E TURISMO: UM ESTUDO DAS RELAES DO PATRIMNIO
COM O LUGAR
Pedro de Alcntara Bittencourt Csar Doutor Geografia (USP) / UCS
Beatriz Veroneze Stigliano
Doutora Cincia Ambiental (USP) / UFSCar [email protected]
RESUMO Estudam-se parmetros para a insero do turismo cultural por bases locais. Objetiva-se contextualizar elementos para a formao de valores patrimoniais arquitetnicos. Nesta pesquisa, abordam-se conceitos relacionados ao movimento de preservao do patrimnio arquitetnico, suas relaes com o mercado e a perspectiva do envolvimento local. Ao estudar atrativos do Centro Histrico da
cidade de So Paulo, fazendo uso da observao indireta, prope-se abordagem em que os valores de identidades, intrnsecos s categorias geogrficas e antropolgicas de lugar, so levantados e confrontados, em uma compreenso total, embora especfica. Apoiando-se na sociologia dos sistemas simblicos, este trabalho baseia-se na anlise crtica. Assim, apresenta-se, em linhas gerais, a formao urbana do lugar estudado, a fim de analisar o Mosteiro de So Bento, o
Pteo do Colgio e a Torre do Banespa, como reas de visitao, com seus valores simblicos e possibilidades para a compreenso espacial. Prope-se que sua leitura seja comprometida com os agentes locais atravs, de uma lgica que explique tais formas, como resultado de uma totalidade espacial. Palavras Chave: Patrimnio arquitetnico; Turismo cultural; Lugar; Estilos
arquitetnicos. ABSTRACT This study analyses the parameters for the development of a local based cultural tourism. It aims to contextualize elements for the formation of architectural
heritage values. This study presents ideas related to the architectural heritage preservation movement, and its connections with the market. While studying tourist attractions of the Historic Center of Sao Paulo city, based on indirect observations, this article discusses an approach in which the values of identity, intrinsic to geographical and antropological categories of place are raised and confronted in a total, yet specific, understanding. Drawing on the sociology of symbolic systems, this research is rooted in critical analysis. Therefore, the urban
formation of the area is presented, in order to analyse the So Bento Monastery, the Jesuitic Church and the Banespa Tower, as visiting sites, with symbolic values and possibilities for the spatial comprehension, recommending an approach that
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its compromised with local agents, by means of a certain logic that explains such forms, as a result of a spatial totality.
Key words: Architectural heritage; Cultural tourism; Place; Architectural styles. 1 INTRODUO
A anlise da atividade turstica tem, por intermdio das cincias sociais,
formas diferenciadas para a criao de uma ontologia prpria e inovadora, a partir
de dois, ou trs, observadores privilegiados. O visitante, as comunidades e a
administrao da atividade constituem a fundamentao para o entendimento de
um turismo comprometido com as bases locais. Suas relaes e contextualizao
norteiam esta pesquisa do entendimento da visitao cultural ao patrimnio
arquitetnico. Trata-se de campo vasto para a elaborao de epistemologia
prpria. Espera-se defini-la, por exemplo, na sociologia do lazer. A construo de
sua interpretao deve se distanciar da relao que define as cincias clssicas e
inovar atravs de novos exerccios metodolgicos, em suas novas interfaces.
Esta pesquisa teve como abordagem inicial categorias da Geografia,
buscando uma compreenso do espao arquitetnico, como objeto do sujeito-
visitante definido atravs de conceitos da contemporaneidade. Contextualiza-se o
momento atual. Vive-se, hoje, um depois do moderno, usando as palavras da
Professora Otlia Arantes (1993). Nas cincias sociais, tem-se, como referncia,
pesquisadores muito dspares, como Sartre, com a hermenutica da centralidade
e Althusser e sua base estruturalista (SOJA, 1993, p.53). Este amplo leque de
abordagens formula-se como base para o estudo crtico espacial. Assim, estuda-
se Harvey (1992) e sua relao urbana capitalista; Castells (2001), com a
sociedade em redes; Lefebvre (1974), e a produo social do espao e Frmont
(1980), entre outros intelectuais. Atualmente, aproxima-se dos temas da
modernidade de Foucault e Berman, por exemplo.
Inicia-se com uma primeira reflexo para a compreenso da idia de
preservao do patrimnio no Brasil, que se institucionaliza com a criao do
SPHAN (Servio de Preservao do Patrimnio Artstico Nacional), que,
paradoxalmente, tem, em suas diretrizes e nos quadros funcionais:
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[...] forte influncia do pensamento moderno (...) [que] iria desenhar a fisionomia conceitual de uma expresso embrionria de cultura nacional e culmina em uma concepo arquitetnica [e] contra a profuso de estilos justapostos do ecletismo, estilo que na poca representava justamente a idia de modernizao para o republicanismo, os modernistas voltam-se para o interior do Brasil, mais precisamente para as cidades coloniais de Minas Gerais, cuja arquitetura barroca poderia expressar o retorno a um passado legtimo e representativo de uma originalidade cultural brasileira (LEITE, 2005, p.49).
Nele, primeiramente, torna-se o barroco a referncia deste processo, como
o encontrado em Ouro Preto, em que, muitas vezes, elaboram-se polticas de
gentrificao (MENESES, 2004). Assim, a transformao do patrimnio
arquitetnico em objetos para o mercado envolve a re-elaborao do espao em
nome da insero de localidades definidas em cidades globais (SASSEN, 1998).
Nesta estrutura de posicionamento econmico, contudo, os valores culturais no
foram compreendidos em sua totalidade social.
Se tal situao colabora para a elaborao de valores de atratividade
turstica nas cidades histricas mineiras, por outro lado, deixa uma lacuna com
relao ao patrimnio arquitetnico do perodo imperial. Mais ainda, do perodo da
estruturao industrial brasileira, quando, ao preo destas circunstncias, os
meios de produo se voltam ao romantismo europeu, inicialmente, ao ecletismo,
e, posteriormente, a uma identidade romntica prpria, com o neocolonial.
Espera-se, neste ensaio, levantar algumas questes para a interpretao
sistemtica, subsidiando sua contextualizao, que no consiste somente no
intuito mercadolgico, mas, principalmente, em suas relaes como categorias de
identidade, agregadas de relaes scio-espaciais. O compromisso local est
associado, pois, com a formulao de categorias que possam contextualizar os
valores memoriais dos seus moradores.
2 MTODOS E PROCEDIMENTOS METODOLGICOS
Objetiva-se contextualizar elementos para a formao de valores
patrimoniais arquitetnicos. Estes, embora sejam objetos de apreciao,
encontram valores no senso comum, dos quais se apropria o mercado. Necessita-
se, ento, de uma ontologia que os qualifique.
Parte-se do pressuposto de que um dado espao define-se por foras que
se revelam em suas condies de produo (REIS FILHO, 1992, p.12),
reproduzindo e sendo parte do processo scio-cultural que engendra suas
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transformaes espacialmente distribudas. Apoiando-se na sociologia dos
sistemas simblicos de Bourdieu (2003), na qual se reconhece a importncia do
estruturalismo e a distncia da semiologia, aborda-se o materialismo, embora
baseado, assumidamente, em seu carter alegrico. Destarte, posiciona-se na
anlise marxista e suas relaes econmicas e polticas. O levantamento, assim:
[...] acaba privilegiando as funes sociais cumpridas pelos sistemas simblicos, as quais tendem, no limite, a se transformarem em funo poltica na medida em que a funo lgica de ordenao do mundo subordina-se s funes socialmente diferenciadas de diferenciao social e de legitimao das diferenas (MICELI, 2003, p.x).
Na comparao entre cultura e sociedades diferentes, questiona Bourdieu
que as comparaes s podem ser feitas efetivamente entre estruturas diferentes
ou entre partes efetivamente equivalentes das mesmas (BOURDIEU, 2002, p.6),
o que cria parmetros metodolgicos rgidos.
3 DEFININDO O OBJETO E SUA BASE TERICO-METODOLGICA
Define-se como lugar, em uma viso geogrfica, o Centro Histrico da
cidade de So Paulo. Espao concreto definido, elaborado pelas suas prprias
condies, em conflito permanente, acolhendo as especificidades de um
concreto-pensado operacional, pesquisado, associado a determinadas variveis
mundiais, que o particularizam pela seletividade do acontecer global (SANTOS,
1997, p.57). Nele, podem ser elencados pares dialticos para a compreenso do
lugar, em seu movimento de contradies, como: o externo e o interno; o novo e o
velho; o mercado e o Estado. O interno est intrnseco ao lugar, delineando-o e
exteriorizando-o, em um sistema de objetos e aes; o velho o presente
estabelecido; o novo, as novas relaes que agem em curto-circuito, alterando
relaes, formas, estruturas. Ao mercado e ao Estado cabe a lgica das foras
econmicas e a sua regulamentao.
Ao estudar atrativos do Centro Histrico da cidade de So Paulo, apoiando-
se na observao indireta, prope-se abordagem em que os valores de
identidades, intrnsecos s categorias geogrficas e antropolgicas de lugar, so
levantados e confrontados, em uma compreenso total, embora especfica. Na
antropologia, busca-se categoria para a re-elaborao do lugar como sujeito
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agregado de valores simblicos, para incorporar as relaes scio-espaciais em
sua totalidade. Dessa forma, Magnani (1984) o define como pedao, elaborado
por relaes cotidianas. Este tem, de um lado, seus marcos urbanos, como, por
exemplo, pontos de nibus, bares e, por outro, os laos de relacionamento e de
pertencimento, seja na periferia metropolitana, ou nas reas centrais, densamente
povoadas (MAGNANI, 1996).
O lugar relaciona-se, normalmente, a reas pblicas, como as praas
(FRGOLI JUNIOR, 1995) e as ruas (LEVI-STRAUSS, 1995; DA MATA, 1985 e
MAGNANI, 1984, 1986, 2003), sendo que:
a rua que resgata a experincia da diversidade, possibilitando ao forasteiro o encontro com o desconhecido, a troca entre os diferentes, o reconhecimento dos semelhantes, a multiplicidade de usos e olhares tudo num espao pblico e regulado por normas tambm pblicas (MAGNANI, 2003).
A sua prxis se descortina no cotidiano, desfraldando hbitos existentes,
contrastes, diversificaes sociais, atravs de tipologias constatadas nas prticas
sociais, apresentando uma relao empiricamente definida na observao, como
tcnica metodolgica.
Contudo, como lembra Sartre, encontra-se na teoria de Marx, elaborada no
Capital, a base para o modo de produo de uma vida social, poltica e
intelectual. Este no pode ser concebido de outra forma que no a de um
movimento dialtico (contradio, superao, totalizao) (SARTRE, 1972, p.32),
que se define por sua relao de construo, distribuio e consumo de objetos,
elementos de produo, circulao e consumo. Tal relao rompe a ordem
clssica econmica, apresentando o espao, como categoria engendrada na
produo, que, por si, o produz e que, por sua vez, se consome, espacialmente,
assim como a circulao. Esta se especifica em seus curto-circuitos entre aes
e interesses, o que permite a definio do lugar.
Atribuem-se ao espao os valores de uma sociedade vista como
expresso material visual. A sociedade a essncia, de que o espao geogrfico
a aparncia, segundo Moreira (1982, p.36). Porm, mais ainda, o espao
formado por um indissocivel sistema de aes e objetos que, neste conjunto,
definem as formas e funes dos elementos fixos distribudos geograficamente,
sendo adjetivados de objetos urbanos e arquitetnicos.
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4 ESTUDANDO O LUGAR
O imaginrio patrimonial, do lugar, elabora-se, contraditoriamente, por uma
lgica abstrada do patrimnio nacional, em sua histria oficial. D, portanto,
suporte a um Estado Nao, com suas identidades nacionais, atravs de uma
relao em detrimento de peculiaridades diversas, como se observa na cidade de
So Paulo.
Tal relao, que se desenvolve desde a institucionalizao do movimento
de preservao, apresenta alguma mudana, por ironia, no perodo ditatorial.
Nessa poca, as idias comeam a se descentralizar, nos encontros de
governantes realizados em Braslia, em 1970, e Salvador, em 1971, nos quais se
elabora o Plano Permanente de Preservao (PPPV), atendendo aos objetivos da
Carta de Atenas (1964) e do Encontro de Quito (1967). Porm, apesar do avano
no contexto de romper com idias centralizadoras, tais documentos tm como
base o movimento moderno. Alm disso, suas idias so de uma manuteno
fragmentada, de smbolos isolados, que representam os movimentos estilsticos
baseados em ideais europeus.
Esta situao se d, entre outras razes, porque a teoria dos estilos
arquitetnicos, raramente, por si, contextualiza, qualificando e inventariando o
estilo do lugar. Tal teoria foi elaborada ao longo dos anos como um suporte
estilstico da histria, em sua cronologia, e formulada pela interposio de formas
hegemnicas do Oriente e da Antigidade, at as naes detentoras dos
processos industriais do capitalismo moderno e tecnolgico.
Tal abordagem absorvida pelos setores imobilirios, em todo sculo XX.
Engendram-se aes, ao observar, nesta relao, uma oportunidade de
reproduo do capital, destruindo o patrimnio local, o que no se justifica na
lgica apresentada pelas ordens preservacionistas. Ocorre uma alterao no
momento que o mercado apresenta, como novo modelo, uma associao
indstria cultural, do lazer e do turismo, realizando um processo de re-apropriao
do patrimnio cultural (HARVEY,1992 e ZUKIN 1995). A partir de ento,
reabilitam-se as reas histricas, conferindo-lhes novas centralidades, usos,
funes e valores, re-elaborando formas, com um discurso de manuteno de
suas caractersticas histricas, arquitetnicas, patrimoniais.
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Novos valores so atribudos ao lugar, um espao de representao, cuja
singularidade construda pela territorialidade subjetiva (GUATARI, 1985),
atravs de prticas sociais e usos semelhantes (LEITE, 2005, p.284). Tem-se,
na territorialidade, instrumento para a compreenso da apropriao de suas
atividades, como as tursticas e de visitao, o que se torna objetivo de ao
proposta que deve ser compreendida pelo mercado.
Principalmente como produto cultural, a cidade sempre o resultado convergente de distintas influncias formais e cotidianas. A anlise de Simmel (1998) sobre a objetividade do contedo espiritual da cultura refora o que estou tentando afirmar. Ele falava de um tipo de objeto cultural que no dependia direta e exclusivamente de nenhum produto, alheio s determinaes de um nico sujeito anmico (LEITE, 2005, p.212).
Entre lugar e territrio, encontra-se o valor arquitetnico, em sua relao
interna e externa, em que ambos so valores sociais construdos historicamente
como patrimnio.
Neste ensaio, parte-se de uma pesquisa mais ampla, em que os objetos de
anlise aqui so escolhidos estrategicamente por seus valores patrimoniais, e
locados na rea definida como polgono histrico da cidade de So Paulo,
embora, desde o primeiro momento, tem-se a viso da totalidade, pela relao
que se estabelece com outros conjuntos de foras e atores. Cada objeto
arquitetnico estudado apresenta sua lgica de abrangncia definida pela
superao urbana. Assim, estuda-se como Patrimnio Ambiental Urbano a busca
de uma totalidade que no se constri simplesmente pela somatria dos
elementos presentes.
Ao reconhecer o valor e a importncia de alguns conjuntos arquitetnicos
e urbansticos, sem recorrer ao valor de cada uma das suas partes, tomadas
isoladamente (REIS FILHO, 1992, p.10), espera-se uma compreenso mais
abrangente. Mesmo quando se estuda cada parte, seus elementos constitutivos,
como maneira de compreender os seus valores simblicos, arquitetnicos,
estilsticos.
O centro de So Paulo tem, em todo o seu processo histrico, relaes de
conflito, contradies, como uma relao dialtica marcada por elementos
diversificados. Assim, inicialmente, configura-se como rea de reduo, de
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catequese, ponto de domnio avanado do litoral em contraste com uma rea
selvagem, desconhecida, de povos hostis, por sua incompreenso. O que no
incio apenas ponto de partida torna-se, em virtude da mera continuidade do
processo, da reproduo simples, o resultado peculiar (BRUNO, 1984, p.79). A
simbologia histrica notabiliza a rea como lugar das lutas sociais; das diretas,
dos sem-tetos, dos ambulantes, dos perueiros, etc: e como local de encontro de
grupos definidos (MAGNANI, 1986, p.129). Surge como ncleo para a cr iao de
redes de introduo do conquistador na colnia ultramar e sua extenso alarga-se
para os limites do planalto, plat que se viu, no sculo seguinte, com igrejas de
diversas ordens, dando o carter civilizatrio-cristo. Definem-se e irradiam-se
usos, costumes e, tambm, estabelece-se o poder civil, inicialmente local,
posteriormente de toda a capitania, que se transfere do litoral.
O novo contraste que se estabelece no sc. XIX entre o rural e o urbano,
enquanto que, no incio do sculo XX, a regio central de So Paulo concentrava
todas as atividades que caracterizam o local como urbano (comrcio, moradia,
administrao, servios em geral, produo, etc (COHN, 1986, p.128). So Paulo
passa por grandes transformaes urbanas, polticas, sociais, ao longo de sua
histria. Seus projetos tm, como eixo balizador, a consolidao da economia
agro-exportadora. Para tal, transformam-se, com a classicizao, por exemplo,
os modos, os costumes e as formas arquitetnicas. A cidade restringe-se, neste
perodo, basicamente ao centro, embora se inicie a expanso, com a criao de
bairros proletrios industriais e aristocrticos.
Tais modos e formas so reconstrudos dialeticamente sobre as bases
coloniais, reelaborando-as em solues e conceitos peculiares, como realizado
anteriormente com a primeira natureza transformada, pelo colonizador (por vezes
catequista). Eles se re-elaboram at os dias atuais, em contraste ao encontro com
meios de produo europeus, que se transportam e encontram natureza prpria,
que se transforma, carregada de peculiaridade local.
Com relao aos aspectos de hoje, Cohn pontua trs categorias sociais no
Centro histrico: a burguesia comercial e financeira, a classe mdia assalariada e
o povo, sejam transeuntes, moradores locais e de rua e pequenos autnomos
margem do sistema econmico (COHN, 1986, p.128).
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5 O PATRIMNIO E A VISITAO
Apresenta-se, nesta pesquisa, anlises baseadas na observao realizada
na rea central da cidade de So Paulo, tendo como foco o mosteiro So Bento, o
edifcio Altino Arantes e o Colgio Jesuta, escolhidos como exemplos
qualificados no processo de visitao do local (Fig.1). Eles apresentam, em
comum, o fato de se localizarem no polgono histrico (Centro Antigo) e
apresentarem uma imagem associada utilizao para visitao, o que agrega
valores simblicos e relaes com a histria do lugar.
FIG. 1- MOSTEIRO SO BENTO, EDIFCIO ALTINO ARANTES E COLGIO JESUTA
Fonte: Prprio autor
No Mosteiro de So Bento, a atratividade se elabora, fundamentalmente,
no rito, na missa com cantos gregorianos, realizados somente em um perodo, de
pouco mais de uma hora, em poucos dias, atraindo at mesmo turistas
estrangeiros. Durante esta missa, ritualizam-se as prticas dos padres e
seminaristas, principalmente, inspiradas nas antigas liturgias, embora o
desenvolvimento no cantado siga na lngua portuguesa. A cerimnia se faz pela
teatralizao, os cantos, a gestualizao, a abundncia de incensos, mitificando-
a.
Embora grande parte dos freqentadores da missa seja composta de
visitantes e no de usurios regulares, estes so, na grande maioria, catlicos,
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das classes mais altas, que seguem os momentos litrgicos. No decorrer de anos,
observou-se que a dramatizao acompanhou o reconhecimento do ato como
atrativo turstico. Isto pode ser observado pelo gradativo aumento das reas de
venda de lembranas e relquias e, mesmo, pela sua nova elaborao para o
mercado, atravs de uma comunicao mais agressiva e com o aumento de
opes de produtos religiosos e gastronmicos com meno ao local. Tal venda
realiza-se aps o culto e, depois de atendido o ltimo consumidor, as portas do
templo se cerram.
O edifcio Altino Arantes, conhecido como Prdio do Banespa, mantm
uma rea de exposio permanente no trreo, sem atratividade turstica, embora
complete a oferta de visitao, com a torre de observao da cidade, localizada
em seu ltimo andar. O acesso e a comunicao ao local apresentam certa
confuso. Mesmo assim, milhares de pessoas atingem o ponto mais alto do
edifcio todos os anos, durante seu funcionamento, no horrio comercial. Tal
construo tem seu perfil definido como um dos cones da cidade de So Paulo e
at mesmo do capitalismo tupiniquim.
A Igreja do Colgio Jesuta apresenta um conjunto de atrativos e
equipamentos: igreja do Beato Jos de Anchieta e respectiva capela, com seus
objetos e relquias, loja de souvenires, cafeteria com rea de degustao, museu
com salas de arte sacra, de objetos do perodo colonial, e de referncia
formao histrica da cidade, outra loja de souvenires, instalao sanitria e
espao para observao da zona leste, entre outros cones, que marcam
aspectos arquitetnicos da criao da cidade. Mistura, em seus valores
apresentados, a histria poltica e religiosa, ou seja, a formao social e catlica
da urbe paulistana.
Junto com o ptio de acesso, esto os prdios da rua lateral (Rua Roberto
Simonsen), com a Casa n.1, o Beco do Pinto e o Solar da Marquesa, que, juntos,
definem espao contnuo de visitao, com apropriao externa no perodo de
visitao.
Dos trs patrimnios em questo, este ltimo o nico que tem este grau
de comunicao com os elementos urbanos. Observa-se que diversas aes no
interior possuem valores prprios de atratividade, de realizao da atividade em
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seus interiores. Numa ambigidade, embora no desenvolvendo relao com os
equipamentos urbanos (exterior), apia-se em uma relao de centralidade. A
territorialidade que se elabora pela visitao tem sua produo social para a
visitao restrita aos momentos especficos de visitao em suas formas de
acesso.
Hoje, o Banco adquire funes de exposio do valor coorporativo; o
Mosteiro representa e reproduz seus valores tradicionais, posicionando-se de
forma mais moderna na relao com o mercado. O espao de formao urbana (o
Colgio Jesuta) esconde a sua verdadeira histria, que se associa expulso
jesutica, expropriando o bem para o uso poltico. Nos anos da efemride do
quarto centenrio da cidade, houve a proposta de sua reconstruo. O
posicionamento desses atrativos nega processos e constri valores simblicos,
baseados em questes mais prximas de um imaginrio subjetivo, do que em
contextualizao com as identidades prprias, sejam histricas, sociais,
arquitetnicas, por exemplo.
6 CONCLUSES
Esta pesquisa tem mais consideraes finais a apresentar que concluses.
As anlises apresentadas no se restringem unicamente ao recorte determinado,
pois as suas relaes se estendem muito alm do permetro estabelecido. Os
elementos do lugar definem manchas, marcos, trajetos, territorialidade, formas,
funes, conjunto de conceitos da antropologia e da geografia, ou seja, categorias
internas e externas. Manchas e territorialidade que, embora apresentem valores
que as aproximam, tm caractersticas distintas: as primeiras se estabelecem
pelos elementos urbanos e, a segunda, de poder.
Embora os trs atrativos tenham valores simblicos de monumentalidade
arquitetnica, sua contextualizao se faz dispersa por elementos que os
definem, sem uma base epistemolgica que os relacione a sua pertinncia.
Pensa-se, ento, uma teoria espacial que explique as especificidades das formas
arquitetnicas, tendo como pressuposto o reconhecimento do espao como
produto social, de uma geografia crtica que, segundo Santos (1982), assume
seus prprios caminhos, por seus diversos interlocutores. Porm, que relaciona o
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presente com as relaes passadas que o constroem; uma base terica emprica,
abstrao encontrada, que incorporando valores de outras reas do
conhecimento, e tendo como procedimento, mais do que trabalhar com categorias
marxistas de forma dogmtica, como se os fatos, ontem ou hoje, se pudessem
dar de uma vez por todas (SANTOS, 1982, p.153).
Todos os objetos analisados esto agregados de valores de atratividade
turstica, ou seja, como realizadores de ao do capital, como uma entre inmeras
atividades de produo econmica, criando, assim, para a sua compreenso, uma
anlise paralela e fragmentada, mas tendo em vista a sua totalidade no capital
(ismo). Assim, a atratividade turstica sujeito que tem, no capital, o domnio do
processo capitalista como um todo, como sujeito de um processo. O turista (ou o
visitante de modo geral) e os agentes tursticos so atores do turismo e, assim,
so suporte da atratividade (sujeito do objeto esttico a atrao), da visitao,
do processo turstico, objetos hbridos, como definido por Latour (1994).
A atividade apenas existe com a movimentao do visitante. Somente
assim se constroem atributos para a visitao: o atrativo, o patrimnio, que com o
movimento do turista responde ao movimento imerso da atratividade, difunde-se a
distantes lugares, para absorver demanda (MARX, 1970, p.168-169). Quanto aos
objetos arquitetnicos, estes abrigam habitaes e instituies, ideologia, tcnica
e informao, as paredes, os telhados, os prdios, o ambiente urbano, as ruas.
Enfim, os objetos geogrficos, as especificidades arquitetnicas do lugar, em que
seus estilos so objetos hbridos, constitudos por aes, relaes tcnicas e
possibilidades diversas de sua produo, que se apresentam como parte de uma
produo social, esta sua totalidade, que deve ser vista com o objetivo de
compreend-la. Cria-se, ento, instrumento para uma relao que atenda aos
anseios dos mais diversos segmentos sociais, principalmente aqueles atores
distantes das foras hegemnicas, que esto cercados de valores especficos do
lugar.
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CULTURA, FESTAS, IDENTIDADE E TERRITRIO: PERSPECTIVAS DAS
FOLIAS DE REIS EM GOINIA COMO ATRATIVO NO TURISMO CULTURAL.
Rosiane Dias Mota
Mestranda/UFG [email protected]
Maria Geralda de Almeida
Professora Doutora/UFG [email protected]
RESUMO As Festas Religiosas desvendam vivncias, sentimentos, emoes e crenas
demarcadas ao longo do tempo por uma identidade de f, tanto individual quanto coletiva. Em um olhar diferenciado, o presente artigo prope refletir sobre as Folias de Reis em Gois, sob a ptica da Cultura, da Identidade e do Territrio. Aqui realizamos uma anlise primria do material impresso da mdia jornalstica e turstica, relacionando-o com os grupos e com o Encontro de Folias existentes na cidade de Goinia. No que diz respeito ao Encontro de Folias, analisamos, ainda,
a atratividade do evento para o turismo cultural da capital goiana. Palavras Chave: Folias de Reis. Identidade. Territrio. Cultura. Turismo Cultural. Goinia.
ABSTRACT The Religious Parties unmask experiences, feelings, emotions and beliefs demarcated throughout the time for an identity of faith, individual how much in
such a way collective. In one to look at differentiated, the present article considers to reflect concerning the Folias de Reis in Gois, under the optics of the Culture, the Identity and the Territory. Here we carry through a primary analysis of the material printed matter of the journalistic and tourist media relating it with the groups and the existing Meeting of Folias in the city of Goinia. In what it says respect to the Meeting of we still analyze it to Folias, the attractiveness of the
event for the cultural tourism in the city of Goinia. Key words: Folias de Reis. Identity. Territory. Culture. Cultural Tourism. Goinia.
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1 INTRODUO
As Festas Religiosas so manifestaes populares que ocorrem no campo
cultural. Na atualidade, essas manifestaes so redescobertas e
revitalizadas10, proporcionando amplo interesse de diversas reas da pesquisa
cientfica por essa temtica. A cincia geogrfica, que se interessa pelas relaes
sociais e de produo do espao, encontra nessas festas um frtil campo para o
estudo das relaes do espao e suas territorialidades, da questo do patrimnio
e da construo das identidades locais.
A relao do homem com a produo da religiosidade, por meio das festas,
considerada nas manifestaes de f. As diversas expresses da cultura
manifestam-se em procisses, novenas no ambiente sagrado, e no lazer durante
as quermesses oferecidas na programao social das festas, em ambientes
externos ao templo religioso.
As festas conferem importante significao no imaginrio e no simbolismo
do ser humano. Na dimenso das festas religiosas pode-se observar por meio da
discusso de Katrib (2004) e Couto (2008), o papel delas e a relao tempo-
espao-festa para os seus frequentadores.
Couto (2008) considera as festas, como um momento de quebra do ritmo
cotidiano da vida, um momento apaziguador que o retira momentaneamente da
realidade competitiva e capitalista. Ao faz-lo, o remete a um instante suspenso e
quase inatingvel pelos problemas e desencontros provocados pelo dia-a-dia.
No contratempo das tarefas dirias, as festas so, na opinio de outros
autores, como uma vlvula de escape e harmonia. Nas festas, o homem
experimenta o tempo mtico da eternidade e da manifestao divina, que permite
a reconciliao de todos com todos, conforme Jurkevics (2005 p.74). Sob tal
compreenso, as celebraes proporcionam a revelao do respeito do ser
humano pela f, pela sua vivncia em grupo e contribuem para a formao de
uma identidade (op. cit).
A identidade apresentada consiste em uma fonte de significados e
experincias adquiridos por meio de ensinamentos e experincias vividas
(CASTELLS, 2002) e que, de acordo com Claval (1999), incide em um sentido de
10
JURKEVICS, 2005 p.74
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pertencimento do sujeito. Nas festas religiosas esse sentido de pertencimento do
devoto, se manifesta e se afirma nas procisses, nos giros de folias, no cultuar,
nas aes de devoo e no momento de socializao e lazer.
No caso da