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Radiação de Hawking 45 2 Radiação de Hawking 2.1 Emissão de radiação por buracos negros Como já foi referido (Secção 1.2.8) existe uma forte analogia entre as Leis da Termodinâmica e a mecânica dos buracos negros. Nessa analogia é possível atribuir ao buraco negro uma temperatura proporcional à gravidade superficial do mesmo. Na Relatividade Geral Clássica a temperatura de um buraco negro corresponde ao zero absoluto não havendo qualquer relação física entre esta e a gravidade superficial. Por essa razão a analogia entre as referidas leis era inicialmente vista como uma mera curiosidade matemática despida de qualquer significado físico (e.g. Wald 1997). Esta visão mudou dramaticamente quando Hawking (1974, 1975) provou que os buracos negros não são realmente negros. Eles radiam energia continuamente em todos os comprimentos de onda. Esta revelação é baseada na hipótese de que o campo gravítico do buraco negro cria partículas emitindo-as para o infinito à mesma razão que um corpo negro emitiria se tivesse uma temperatura igual à determinada pela gravidade superficial do primeiro. O espaço "vazio" não pode ser completamente vazio. Se uma dada região do espaço fosse efectivamente vazia isso significaria que nessa região os campos, como por exemplo o gravítico e o electromagnético, teriam de ser exactamente zero. Nesse caso tanto o valor do campo, como a respectiva variação seriam conhecidos de forma exacta. Esta situação contraria claramente o Princípio da Incerteza de Heisenberg (PIH; e.g. Cohen-Tanoudji et al. 1977). Tem assim de existir uma quantidade mínima de incerteza associada ao campo em qualquer ponto do espaço (e.g. Hawking 1994). Podemos pensar nessa incerteza como flutuações de pares de partículas de luz ou gravitação que, aparecendo juntas num dado momento, afastam-se e depois voltam a juntar-se num momento posterior aniquilando-se mutuamente. Estas partículas não podem ser observadas directamente através de qualquer detector e, por isso, dizem-se virtuais. O PIH também prevê a formação de pares virtuais de partículas com massa como, por exemplo, electrões. Neste caso o par será do tipo partícula-antipartícula. As antipartículas de luz e de gravitação correspondem às respectivas partículas (e.g. Hawking 1994).

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Radiação de Hawking 45

2 Radiação de Hawking 2.1 Emissão de radiação por buracos negros Como já foi referido (Secção 1.2.8) existe uma forte analogia entre as Leis da

Termodinâmica e a mecânica dos buracos negros. Nessa analogia é possível atribuir ao

buraco negro uma temperatura proporcional à gravidade superficial do mesmo. Na

Relatividade Geral Clássica a temperatura de um buraco negro corresponde ao zero

absoluto não havendo qualquer relação física entre esta e a gravidade superficial. Por

essa razão a analogia entre as referidas leis era inicialmente vista como uma mera

curiosidade matemática despida de qualquer significado físico (e.g. Wald 1997).

Esta visão mudou dramaticamente quando Hawking (1974, 1975) provou que os

buracos negros não são realmente negros. Eles radiam energia continuamente em todos

os comprimentos de onda. Esta revelação é baseada na hipótese de que o campo

gravítico do buraco negro cria partículas emitindo-as para o infinito à mesma razão que

um corpo negro emitiria se tivesse uma temperatura igual à determinada pela gravidade

superficial do primeiro.

O espaço "vazio" não pode ser completamente vazio. Se uma dada região do

espaço fosse efectivamente vazia isso significaria que nessa região os campos, como por

exemplo o gravítico e o electromagnético, teriam de ser exactamente zero. Nesse caso

tanto o valor do campo, como a respectiva variação seriam conhecidos de forma exacta.

Esta situação contraria claramente o Princípio da Incerteza de Heisenberg (PIH; e.g.

Cohen-Tanoudji et al. 1977). Tem assim de existir uma quantidade mínima de incerteza

associada ao campo em qualquer ponto do espaço (e.g. Hawking 1994).

Podemos pensar nessa incerteza como flutuações de pares de partículas de luz ou

gravitação que, aparecendo juntas num dado momento, afastam-se e depois voltam a

juntar-se num momento posterior aniquilando-se mutuamente. Estas partículas não

podem ser observadas directamente através de qualquer detector e, por isso, dizem-se

virtuais. O PIH também prevê a formação de pares virtuais de partículas com massa

como, por exemplo, electrões. Neste caso o par será do tipo partícula-antipartícula. As

antipartículas de luz e de gravitação correspondem às respectivas partículas (e.g.

Hawking 1994).

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Para obtenção dos seus resultados Hawking recorreu às técnicas da Teoria

Quântica do Campo. Podemos no entanto atingir o essencial dos mesmos a partir de

uma série de considerações mais elementares. Vamos então, nesta ordem de ideias,

seguir uma abordagem proposta por Schutz (1985). Essa abordagem visa apenas

apresentar os argumentos e ideias que estão por detrás dos resultados de Hawking, não

consistindo, de forma alguma, numa discussão rigorosa dos mesmos.

O PIH pode ser escrito na forma:

h=∆∆ tE (2.1)

onde ∆E é a incerteza associada à energia de uma partícula que fica num dado estado

quântico durante um intervalo de tempo ∆t.

Note-se que a criação de um par partícula-antipartícula viola a conservação da

energia. No entanto, se o tempo de vida do par for inferior ao intervalo ∆t dado por (2.1)

então não ocorre a violação de qualquer Lei Física. Podemos dizer que, ao passo que em

larga escala o Princípio da Conservação da Energia é sempre verificado, em pequena

escala o mesmo pode ser violado.

O espaço existente junto ao exterior do horizonte de acontecimentos de um buraco

negro é espaço ordinário e localmente plano. Assim, a formação de pares partícula-

antipartícula deve ocorrer também nessa região.

Considere-se então a formação de um par de fotões de energias +E e -E. No

espaço-tempo plano o fotão de energia negativa não se pode propagar livremente pelo

que terá de se reencontrar forçosamente com o seu companheiro de energia positiva por

forma a aniquilarem-se mutuamente. No entanto, se o par for produzido suficientemente

perto do horizonte de acontecimentos então o fotão de energia negativa tem uma

segunda alternativa a qual consiste na possibilidade de atravessar para a região interior

ao horizonte de acontecimentos antes que ocorra o aniquilamento (Figura 2.1).

Na métrica de Schwarzschild as órbitas exteriores ao horizonte e com energias

negativas correspondem a partículas deslocando-se no sentido do passado e por isso são

excluídas. O mesmo não acontece no interior do horizonte onde são também permitidas

órbitas com energias negativas. Quer isto dizer que, uma vez ultrapassado o horizonte

de acontecimentos o fotão de energia negativa pode propagar-se livremente como

qualquer outro fotão real.

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Radiação de Hawking 47

Figura 2.1 - Formação de pares partícula-antipartícula junto ao horizonte de acontecimentos. A- o par

forma-se e desaparece sem atravessar o horizonte. B- o par forma-se do lado de fora e ambas as partículas

atravessam o horizonte. C- o par forma-se do lado de fora mas apenas a partícula de energia negativa

atravessa o horizonte.

Para entendermos o comportamento de um fotão no interior do horizonte de

acontecimentos é necessário considerar um observador local. Qualquer partícula livre,

no interior do horizonte de acontecimentos, está necessariamente em movimento no

sentido de r decrescente. Consideremos então que a 4-velocidade do nosso observador é,

por simplicidade, da forma:

( )0,0,U,0U r=r

Aplicando a condição de normalização:

1gUUU.U rrrr ==

rr

com grr=g11 dado por (1.4), resulta:

2m)(r 1r

m2U r <−−=

onde o sinal negativo indica que o movimento decorre no sentido de r decrescente.

Podemos agora então considerar o movimento de um fotão no interior do buraco negro.

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A energia do fotão, para o observador local, que designaremos por E*, é dada por:

2/1r

rrrr* 1

r

m2PgUPU.PE

−−===rr

onde o momento radial Pr é dado por dr/dτ (expressão 1.10 escrita na forma

contravariante). Deve ser E*>0 pois só nessas condições é que a geodésica é permitida.

Desde que o fotão se desloque no sentido de r decrescente (Pr<0), como de resto

estamos a considerar, o resultado anterior conduz de facto a um valor positivo. Além

disso não são impostas quaisquer restrições ao sinal de E. Concluímos assim que os

fotões podem viajar no interior do horizonte de acontecimentos, quer tenham E>0 ou

E<0, desde que se desloquem para dentro (Pr<0). Este fenómeno surge como uma

consequência directa da inversão de papeis entre espaço e tempo quando é cruzado o

horizonte de acontecimentos.

No caso de o fotão de energia negativa escapar para o buraco negro então o seu

companheiro, de energia positiva, fica livre. Este fotão pode seguir o mesmo destino do

seu companheiro mas também tem a possibilidade de escapar para o infinito como uma

partícula de luz real. Esta segunda hipótese é particularmente interessante.

Com vista a determinar uma expressão para a energia deste fotão (E>0) vamos

analisar as flutuações quânticas a partir de um referencial em queda livre no exterior do

buraco negro. Neste tipo de referencial, onde o espaço-tempo é localmente plano, as

flutuações comportam-se como se não existisse curvatura. Consideremos então que o

nosso referencial, que pode ser encarado como uma partícula de matéria, é abandonado

a partir do repouso num ponto exterior ao horizonte de acontecimentos caracterizado

por r=2m+∆m (com ∆m<<2m). O referencial irá seguir uma geodésica radial que pode

ser descrita pela equação (1.12) com L=0 e δ=1. O integral da energia que aparece nesta

equação, que aqui será designado por E' (por forma a evitar qualquer confusão entre este

valor e a energia E do fotão), sendo uma constante, pode ser determinado em qualquer

ponto, particularmente em r=2m+∆m. Temos então:

m2

m∆

m∆m2

m21'E ≈

+−= (2.2)

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O referencial (partícula) atinge o horizonte de acontecimentos num tempo próprio

finito dado, a partir da equação (1.12), por:

∫+

+−

−=m2

m∆m2

m∆m2m2

rm2

drτ∆

Integrando e considerando a aproximação até a primeira ordem em ∆m vem:

m∆m22τ∆ = (2.3)

Se interpretarmos este intervalo de tempo como correspondendo a uma flutuação

quântica do campo, podemos, substituindo (2.3) em (2.1), estimar o valor da energia do

fotão segundo o observador no referencial local. Essa energia é então dada por:

m∆m22τ∆ξ

hh == (2.4)

Esta energia pode ainda ser escrita em termos do 4-momento, Pr

, e da 4-

velocidade do observador local, ( )0,0,0,UU t=r

, como se mostra a seguir:

tttt gUPU.Pξ ==

rr (2.5)

Nesta expressão o momento Pt corresponde ao integral do movimento (do fotão)

dado pela expressão (1.8). O seu valor E, constante ao longo de toda a trajectória,

corresponde à energia atribuída ao fotão por um observador no infinito. Os valores de Ut

e de gtt podem ser avaliados no ponto de partida do fotão, ou seja, em r=2m+∆m. No

caso de gtt vem:

m∆

m2

rm2

1

1

g

1g

m∆m2r

tt

tt ≈

−==

+=

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Para Ut que é, por definição, igual a dt/dτ, temos com a ajuda de (1.8) e de (2.2):

2/1

m∆m2r

t

m2

m∆

rm2

1

'EU

+=

−=

Fica então:

m2

m∆gUU tt

tt ≈=

Face às considerações anteriores podemos escrever, a partir de (2.5), a expressão

que relaciona a energia do fotão no referencial local, ξ, com a energia do fotão no

infinito, E, na forma:

m2

m∆ξE =

Este último resultado pode ser combinado com (2.4) obtendo-se a seguinte

expressão para a energia do fotão ao atingir o infinito:

m8

h

m4E

π== h

(2.6)

É importante notar que a energia do fotão no infinito depende apenas da massa do

buraco negro e que quanto menor for essa massa mais energético será o fotão. O

resultado não apresenta qualquer dependência do ponto onde é originado o par de

fotões.

A temperatura de um gás de partículas clássicas pode relacionar-se com a energia

cinética de cada uma das partículas através da expressão:

kTπ2Ec = (2.7)

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onde k é a constante de Boltzmann e a constante de proporcionalidade 2π foi

introduzida por conveniência. Considerando que os fotões são emitidos termicamente

vamos igualar a respectiva energia, dada por (2.6), à expressão (2.7). Fica então:

kmπ8T

h= (2.8)

Esta expressão, para a temperatura de um buraco negro de massa m, corresponde

ao resultado exacto encontrado por Hawking ao considerar o buraco negro como um

corpo negro. Na abordagem seguida anteriormente (Schutz 1985) não é possível mostrar

que assim é, de facto. No entanto, é facilmente aceitável que um buraco negro é, na sua

essência, um corpo negro, visto absorver toda a radiação incidente e emitir radiação

própria com origem em flutuações aleatórias.

A expressão (2.8) pode escrever-se em unidades não geometrizadas, substituindo

m por (1.2) e multiplicando tudo pela velocidade da luz. Obtemos então:

kGMπ8

cT

3h= (2.9)

onde a temperatura T é dada em graus Kelvin. Esta expressão pode ainda escrever-se de

uma forma mais sugestiva se substituirmos as constantes físicas pelos respectivos

valores e introduzirmos a massa solar M� . Temos assim (e.g. Demianski 1985):

( )K M

M102.6T 8 r−×≈ (2.10)

Verifica-se que a temperatura de um buraco negro será tanto menor quanto maior

for a sua massa. Um buraco negro de 1M� apresenta uma temperatura de apenas 6.2×10-

8 K.

Se um buraco negro emite radiação como um corpo negro então deve apresentar

um espectro de emissão contínuo com uma curva semelhante à que se representa na

Figura 2.2. A emissão ocorre para todos os comprimentos de onda, mas não com a

mesma intensidade. Para uma dada temperatura T existe um comprimento de onda λmax

para o qual a intensidade de emissão é máxima.

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Figura 2.2 - Espectro da radiação do corpo negro em função do comprimento de onda, para várias

temperaturas. Note-se que, para cada temperatura existe um comprimento de onda máximo (λmax) para o

qual a curva tem um máximo. O valor de λmax, decresce com o aumento da temperatura e quanto maior o

valor desta mais alto é o pico da curva (Eisberg & Resnick 1985)

A temperatura T e o comprimento de onda λmax relacionam-se entre si, segundo a Lei de

Wien (e.g. Eisberg & Resnick 1985), pela expressão:

(Km) 10898.2λT 3max

−×= (2.11)

É assim possível associar a cada buraco negro um comprimento de onda

(máximo). A um buraco negro de Schwarzschild com 1.5M� , por exemplo, corresponde

uma temperatura de 4.1×10-8K e um comprimento de onda λmax≈70.6km. Trata-se

portanto de um buraco negro rádio-VLF (Figura 4.7).

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Radiação de Hawking 53

2.2 Emissão de radiação de Hawking por buracos negros com carga eléctrica ou com rotação

A radiação de Hawking foi introduzida (na secção anterior), por simplicidade,

tendo por base o buraco negro de Schwarzschild. Assim, as expressões (2.8), (2.9) e

(2.10) são válidas apenas para buracos negros de Schwarzschild. Uma expressão mais

geral para a temperatura de buracos negros pode escrever-se, em unidades

geometrizadas, como (e.g. Wald 1984):

kπ2

κT

h= (2.12)

onde κ∼(∂m/∂A) é a gravidade superficial do buraco negro (Secção 1.2.8). No caso de

um buraco negro de Kerr-Newmann a gravidade superficial é dada por (e.g. Wald

1984):

2222

222

ε]εamm[m2

εamκ

−−−+−−= (2.13)

Substituindo (2.13) em (2.12) obtemos a expressão para a temperatura dos buracos

negros de Kerr-Newmann:

2/1

2

222

mεa

1mε

21

11

2

kmπ8kπ2

κT −

+−

−+

== hh

(2.14)

A partir daqui podemos tirar imediatamente as expressões para a temperatura de

buracos negros de Kerr e buracos negros de Reissner-Nordström. Por exemplo, para um

buraco negro de Kerr (a≠0, ε=0) temos:

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Radiação de Hawking 54

2/12

ma

11

2

kmπ8T −

−+

= h

(2.15)

e para um buraco negro de Reissner-Nordström (a=0, ε≠0):

2/122

1mε

21

11

2

kmπ8T −

−+

= h

(2.16)

No caso de um buraco negro de Schwarzschild a fracção mais à direita em cada

uma das expressões anteriores é igual à unidade pelo que recuperamos naturalmente a

expressão (2.8).

2.3 Emissão de radiação de Hawking por buracos negros uniformemente acelerados

O efeito de Unruh, consiste na "experiência pensada" da detecção de partículas por

um detector uniformemente acelerado no espaço-tempo de Minkowski (Unruh 1976).

Um observador uniformemente acelerado, também designado por observador de

Rindler, regista um banho térmico de partículas provenientes de um determinado

horizonte à sua volta. A temperatura associada a esse banho de partículas é dada pela

expressão (e.g. Wald 1984):

(K) A104T r25−×≈ (2.17)

onde Ar é a aceleração. Essas partículas são reais para observadores em aceleração não

existindo, contudo, para os restantes observadores. Um sistema uniformemente

acelerado pode ser visto como uma versão simplificada de um sistema em repouso no

exterior de um buraco negro. Estas considerações ilustram a ambiguidade existente na

definição de partícula no espaço-tempo curvo (e.g. Wald 1984, Ohnishi & Takagi

1992).

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Radiação de Hawking 55

Figura 2.3 - Observador uniformemente acelerado no espaço-tempo de Minkowski. O ramo de hipérbole

χ=const. representa a linha do universo desse observador. Tanto no passado como no futuro do

observador existe um horizonte que não pode ser transposto. Esse horizonte, designado por horizonte de

aceleração, não encerra qualquer singularidade (adaptado de Kiefer 2002).

Considere-se um observador uniformemente acelerado ao longo do eixo XX' do

espaço-tempo de Minkowski. A linha do universo deste observador é uma hipérbole

como se mostra na Figura 2.3. Verifica-se que o observador encontra, no seu futuro, um

horizonte que não pode transpor. Esse horizonte que, ao contrário do horizonte de

acontecimentos de um buraco negro, não encerra qualquer singularidade, é designado

por horizonte de aceleração.

A região I, representada na Figura 2.3, é também designada por espaço-tempo de

Rindler. A métrica correspondente a este espaço-tempo, também designada por métrica

de Rindler, pode escrever-se, com duas das coordenadas espaciais suprimidas, como

(e.g. Kiefer 2002):

2222r

222 χdζdχAdxdtds −=−= (2.18)

onde as coordenadas (ζ,χ) relacionam-se com (t,x) pela transformação:

=

)ζAcosh(

)ζAsinh(χ

x

t

r

r

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Radiação de Hawking 56

Um buraco negro em rotação e a deslocar-se com movimento uniformemente

acelerado pode ser descrito pela denominada métrica C, a qual se pode escrever na

forma (e.g. Yu 1995):

( ) ( )( ) ( ) }]dzaradt[Σ

xG

]dzx1adt[Σ

∆dx

xG

Σdr

Σ{

f

1ds

222

22222

+−−

−−+−−= (2.19)

onde:

( )2rrxA1f += , 222 xarΣ +=

41

2r1

222 rγAγamr2rγ∆ −+−= (2.20)

( ) 41

2r

23r

221 xγAaxmA2xγγxG −−−=

2r

21 Aa1

+= ,

2r

2

2r

2

2 Aa1

Aa1γ

+−=

Aqui m, a e Ar são parâmetros que correspondem respectivamente à massa,

rotação e aceleração do buraco negro. Quando Ar=0 a métrica C reduz-se à métrica de

Kerr na forma de Boyer-Lindquist (1.24). Por outro lado considerando m=a=0 a métrica

C reduz-se ao elemento de linha de Rindler (2.18).

Os horizontes para um buraco negro com rotação uniformemente acelerado

obtêm-se igualando (2.20) a zero. Esta equação tem, no caso geral, quatro raízes. Uma

dessas raízes é sempre negativa e, por isso, não tem significado físico. As restantes

podem escrever-se na forma (Yu 1995):

REDr 1h ++−= ; REDr 2h +−= ; REDr 3h −+= (2.21)

onde:

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Radiação de Hawking 57

−−= π3

3

1Cosα1

A6

1D

r

+−= π3

3

1Cosα1

A6

1E

r

+= ψ3

1Cosα1

A6

1R

r

e:

4r

42r

2 AaAa141α +−=

πψ0 com α

βArcCosψ

3<<

−=

( )22r

22r

26r

64r

42r

2 Aa1Am54AaAa33Aa331β +−−−+=

Quando a aceleração Ar tende para zero temos um buraco negro de Kerr. Nesse

caso rh1 diverge enquanto que rh2 e rh3 coincidem, respectivamente, com (1.28) e (1.29).

Quando a tende para zero estamos perante um buraco negro de Schwarzschild

uniformemente acelerado. Nesse limite os horizontes podem escrever-se na forma (Yu

1995):

→ Θ3

1Cos

A3

2r

r

1h (2.22)

+→ π3

3

1Cos

A3

2r

r

2h (2.23)

0r 3h →

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Radiação de Hawking 58

onde:

( )rmA33ArcCosΘ −= (2.24)

Se considerarmos ainda m a tender para zero obtemos, nesse limite, o seguinte:

r1h A

1r → , 0r 2h → e 0r 3h →

A análise dos resultados anteriores permite constatar que rh1 corresponde ao

horizonte de Rindler, rh2 ao horizonte exterior do buraco negro e rh3 ao respectivo

horizonte interior.

Podemos avaliar a temperatura sobre qualquer um dos três horizontes, dados por

(2.21), através da expressão (Yu 1995):

( )22hi

rrii ar

dr∆d

kπ4kπ2

κT hi

+== =hh

(2.25)

onde k é a contante de Boltzmann, κ é a gravidade superficial, a é a velocidade de

rotação do buraco negro e ∆ é dado pela expressão (2.20).

A aceleração de um buraco negro de Schwarzschild não pode assumir qualquer

valor. De facto a partir de (2.24) tiramos que deve ser:

m33

1A r ≤ (2.26)

No caso de um buraco negro de Kerr uniformemente acelerado o valor de Ar deve

respeitar a condição (Yu 1995):

( )( ) 0maAama33ma54ma27A

a2m27ma33Aam266

r62442444

r

44222r

22

>−+++−

−−+− (2.27)

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Radiação de Hawking 59

2.4 Emissão de partículas com massa

Na radiação de Hawking também podem ser emitidas partículas com massa. Estas

resultam, como no caso dos fotões, da separação de pares partícula-antipartícula

originados pelas flutuações do campo. Neste caso, para que a separação se concretize, é

necessário que as forças de maré originadas pelo campo gravítico do buraco negro

provoquem um afastamento entre ambas as partículas da ordem do respectivo

comprimento de onda de Compton, λc (e.g. Shapiro & Teukolsky 1983). Este

comprimento de onda, característico para cada partícula com massa, é dado pela

expressão (e.g. Eisberg & Resnick 1985):

cm

0c = (2.28)

onde m0 é a massa da partícula.

No caso de um buraco negro de massa M, a força de maré, ao longo da distância

λc, é da ordem de (e.g. Shapiro & Teukolsky 1983):

c30 λ

r

MGm

Para obter a ordem de grandeza do trabalho efectuado podemos multiplicar a

expressão anterior por λc. Por outro lado esse trabalho deve ser equivalente à energia

necessária para criar as duas partículas. Sendo assim podemos escrever:

20

2c3

0 cm2λr

MGm ≈

Considerando que a separação ocorre muito próximo do horizonte de

acontecimentos, onde o campo gravítico é mais forte, vamos substituir r pelo raio de

Schwarzschild (1.3). Substituindo também λc por (2.28) tiramos que:

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Radiação de Hawking 60

0

2p

0 m

mM

Gm

chM ≤⇔≤ (2.29)

onde mp é a massa de Planck. Esta expressão indica a ordem de grandeza da massa que

o buraco negro deverá ter para que possam ser emitidas, via radiação de Hawking,

partículas de massa m0.

2.5 Evaporação de um buraco negro A luminosidade da radiação emitida por um corpo negro esférico é, segundo a Lei

de Stefan-Boltzmann, dada pela seguinte expressão (e.g. Harwit 1998):

42 Tr4L σπ= (2.30)

onde σ é a constante de Stefan-Boltzmann, r é o raio da superfície emissora e T a

respectiva temperatura. No caso do corpo negro ser um buraco negro de Schwarzschild

a superfície emissora corresponde ao horizonte de acontecimentos. Assim, r é dado pelo

raio de Schwarzschild (1.3) e T corresponde à temperatura de Hawking dada pela

expressão (2.9). Substituindo (1.3) e (2.9) em (2.30) vem:

( )W M

106.3

k4

c

MGπ

σL

2

3242

223BN

×≈

= h

(2.31)

Esta é a expressão para a luminosidade de um buraco negro de Schwarzschild

segundo um observador no infinito. Verifica-se que a energia responsável pela

luminosidade do buraco negro tem origem única e exclusivamente na respectiva massa.

A emissão de radiação por um buraco negro é, portanto, acompanhada por um

decréscimo da massa do mesmo.

Este decréscimo em massa pode entender-se como uma consequência do fluxo de

energia negativa que entra no buraco negro. De facto um fotão com uma energia

negativa tem a si associada uma massa também ela negativa (E=mc2). Assim, quando

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Radiação de Hawking 61

um desses fotões penetra no buraco negro, a sua massa associada soma-se

algebricamente à massa (positiva) do buraco negro.

A expressão para a taxa da perda de massa pelo buraco negro pode ser escrita

como (e.g. Maki et al. 1996):

( ) ( )1-2

16

kgs M

Mf1034.5

dt

dM ×−= (2.32)

onde f é uma função que varia muito lentamente com a massa M do buraco negro. Para

M>>1014kg é f(M)≈1 (e.g. Maki et al. 1996) e para M<<108kg é f(M)≈15.4 (e.g.

Semikoz 1994).

O processo de perda de massa por um buraco negro é normalmente designado por

evaporação. O tempo de evaporação, para um buraco negro isolado, obtém-se a partir da

integração de (2.32). Tendo em conta que f varia muito lentamente com M (e.g. He &

Fang 2002) podemos considerar:

( ) ( )s Mf106.1

MMt

17

3f

3i

evap ×−≈ (2.33)

que corresponde ao intervalo de tempo necessário para que a massa do buraco negro

passe do valor inicial Mi para o valor final Mf.

Consideremos, como exemplo, o intervalo de tempo necessário para que um

buraco negro de 2M� , isolado, evapore reduzindo a sua massa para 1M� . Substituindo

estas massas em (2.33) e fazendo f(M)=1 obtemos tevap ≈ 3.4×1074s ≈ 1.1×1067 anos.

Acontece que este valor é muito superior à idade estimada para o Universo, a qual é da

ordem dos 1010 anos (e.g. Unsöld & Baschek 2002), o que significa que os buracos

negros de massa estelar e superior praticamente não são afectados pela evaporação.

O conceito de evaporação torna-se, contudo, particularmente útil e interessante

quando aplicado a buracos negros de massa subestelar. Esses buracos negros podem ter-

se formado nos primórdios do Universo (Secção 1.3.2). Uma vez formados podem ter

evoluído evaporando e/ou aumentando as respectivas massas através da acreção de

matéria (Secção1.4.1). Muitos deles podem já ter evaporado completamente enquanto

que outros podem estar em fases mais ou menos avançadas do processo de evaporação.

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Radiação de Hawking 62

Um buraco negro primordial com uma massa inicial de 1012kg estaria agora (admitindo

a idade do Universo igual a 1010 anos) na fase final da evaporação.

Acabamos de ver que durante o processo de evaporação o buraco negro perde

massa o que implica que a sua área, e portanto a sua entropia, diminua. Estamos perante

uma violação do Teorema da Área (Secção 1.2.8) ou, se quisermos, da Segunda Lei da

Termodinâmica para buracos negros. O Teorema da Área deve então ser substituído

pela (Bekenstein 1974):

Segunda Lei da Termodinâmica generalizada - Em qualquer

interacção, a soma das entropias de todos os buracos negros com a

entropia da matéria existente fora do buraco negro nunca decresce.

Um buraco negro estelar capta muito mais matéria, por acreção esférica (Secção

1.4.1), do que aquela que perde por evaporação. Por exemplo, um buraco negro de 1M�

tem, de acordo com (2.32), uma taxa de evaporação da ordem de 10-43kgs-1. O mesmo

buraco negro, mergulhado numa região HII, apresenta uma taxa de acreção de matéria

(em regime adiabático) da ordem de 107kgs-1 (e.g. Shapiro & Teukolsky 1983). Nestes

casos continua a ser perfeitamente aplicável o Teorema da Área (Secção 1.2.8). Apenas

para buracos negros mais pequenos (Secção 4.2), para os quais a evaporação é mais

rápida, podemos ter a situação contrária.

2.6 Explosões de buracos negros Na emissão de fotões, neutrinos, gravitões e leptões, por um buraco negro,

podemos assumir que essas partículas se comportam como se fossem pontuais. O

mesmo não se pode dizer dos hadrões (Page & Hawking 1976) pois quando estes

começam a ser emitidos a ordem de grandeza da dimensão do buraco negro é igual ou

inferior à do alcance da força nuclear forte (10-15m). Os mesões π0 (Anexo D), por

exemplo, passam a ser emitidos, de acordo com (2.29), quando a massa do buraco negro

é de ≈4.2×1011kg, ou seja, quando o respectivo raio, dado por (1.3), é de ≈6.2×10-16m.

Para explicar a emissão de hadrões é então necessário recorrer a modelos baseados

na Teoria da Cromodinâmica Quântica (quantum chromodynamics - QCD) (e.g. Cline

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Radiação de Hawking 63

& Hong 1992; Semikoz 1994; Belyanin et. al. 1996). Esta teoria, desenvolvida com o

objectivo de quantificar as interacções fortes entre quarks e gluões, permite explicar a

produção de jactos de matéria hadrónica emitidos na fase final da evaporação de um

buraco negro.

A escala energética associada à teoria QCD, habitualmente designada por ΛQCD, é

da ordem de 0.3GeV (e.g. Semikoz 1994) ao que corresponde uma temperatura da

ordem de 1012K.

Quando a temperatura do buraco negro excede este valor passam a ser emitidos

quarks e gluões em vez de partículas compostas. Nos jactos, compostos por quarks e

gluões, acabam por formar-se hadrões com especial predominância para os mesões π.

Alguns bariões (exceptuando protões e neutrões) e mesões K desintegram-se pouco

depois fornecendo mais mesões π (Anexo D). A ordem de grandeza do fluxo de mesões

π, formados a partir dos jactos de quarks e gluões, pode estimar-se através da expressão

(Belyanin et al. 1996):

)(s T107.2dt

dN 1-5.16π ×≈ (2.34)

Todos os três tipos de mesões π surgem no jacto com igual probabilidade. Os

mesões π+ e π- acabam desintegrando-se em partículas como electrões, positrões e

neutrinos. Porventura mais interessante, do ponto de vista observacional, é a

desintegração dos mesões πo. Estes decaem em dois fotões gama cada qual

transportando metade da energia da partícula inicial (Semikoz 1994). Assim, podemos

escrever o fluxo de fotões gama, resultantes da decomposição de mesões π0, na forma:

dt

dN

3

2

dt

dNπγ = (2.35)

Mesmo depois de ultrapassado o limite a partir do qual as interacções fortes se

tornam importantes, o buraco negro continua a emitir directamente fotões gama

(Semikoz 1994). Designaremos por primários os raios gama emitidos directamente pelo

buraco negro e, por secundários os raios gama resultantes da desintegração dos mesões

πo.

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Radiação de Hawking 64

Os raios gama secundários têm energias próximas dos 70MeV (metade da massa

do mesão π0) sendo este valor pouco dependente da temperatura do buraco negro

(Belyanin et al. 1996). Por seu turno os raios gama primários têm energias que serão

tanto maiores quanto mais avançada for a fase de evaporação do buraco negro (Secção

2.1).

O tempo de vida de um buraco negro na fase terminal da evaporação pode

determinar-se a partir da equação (2.33). Verifica-se que, por exemplo, um buraco negro

com uma massa de 107kg, evapora em cerca de 7 minutos. Quando a massa for 106kg o

tempo de evaporação será de apenas 0.4 segundos. Como são libertadas grandes

quantidades de fotões gama (cerca de 1030 no último caso) num curto intervalo de

tempo, ocorre uma espécie de explosão de raios gama (e.g. Semikoz 1994).

Desde os anos 70 que se observam na natureza explosões de raios gama (e.g.

Fishman & Meegan 1995) habitualmente designadas por GRBs (Gamma Ray Bursts).

Os GRBs observados têm durações que vão desde os 10-3s aos 103s sendo o

grosso da energia emitido entre 0.1MeV e 1.0MeV (e.g. Galama & Sari 2002). A

hipótese de que alguns dos GRBs observados estejam relacionados com a explosão de

buracos negros primordiais foi por diversas vezes equacionada (e.g. Page & Hawking

1976, Semikoz 1994, Belyanin et al. 1996).

Com o lançamento do satélite BeppoSAX (em 1996) tornou-se possível identificar

a posição dos GRBs de maior duração (>2s) com um erro de ≈3' (e.g. Vreeswijk et al.

2000). Foi então possível observar a emissão associada a esses GRBs noutras bandas do

espectro (rádio, óptico e raios X). A análise dos resultados veio revelar que estas

explosões ocorrem a distâncias da ordem dos Gpc (e.g. Galama & Sari 2002) não

podendo por isso ser atribuidas a explosões de buracos negros que seriam detectáveis

apenas a distâncias inferiores a 100AL (Secção 4.4.8).

Os GRBs de curta duração (<2s) nunca foram localizados com precisão suficiente

para que se possam efectuar observações dos mesmos noutras bandas do espectro pelo

que não são conhecidas as distâncias a que ocorrem (e.g. Galama & Sari 2002). Alguns

destes GRBs são consistentes com a explosão de buracos negros primordiais (e.g. Cline

et al. 1999).

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Radiação de Hawking 65

2.7 Destino final de um buraco negro A descoberta da emissão de radiação por buracos negros veio mostrar que estes

não podem ser, como se poderia pensar, o produto final estável do colapso gravitacional

de um corpo celeste. Hawking (1974) considerou o espaço-tempo de Schwarzschild

como um cenário fixo onde se propagavam os campos quânticos. Neste modelo

semiclássico um buraco negro de Schwarzschild isolado evapora continuamente

acabando por explodir (Secção 2.6). O produto final seria, neste caso, uma singularidade

nua, ou seja, um singularidade sem um horizonte de acontecimentos à sua volta.

A existência de uma singularidade nua levanta o problema da entrada de

informação não previsível no nosso Universo uma vez que nesse ponto deixariam de ser

aplicáveis as Leis da Física tal como as conhecemos (e.g. Page 1986). A ocorrência de

uma singularidade nua é de tal forma problemática que foi introduzida, por Roger

Penrose, a ideia da existência de um Censor Cósmico que as proíbe (e.g. d'Inverno

1992).

A emissão da radiação de Hawking é, como vimos (Secção 2.5), acompanhada por

um decréscimo da massa do buraco negro. Isto significa que o espaço-tempo de um

buraco negro em evaporação não é estático. A radiação de Hawking, emitida pelo

buraco negro, deve ter algum efeito sobre a geometria do espaço-tempo (e.g. Balbinot

1984). Esse efeito, habitualmente designado por contra-reacção (backreaction), não foi

considerado de inicio por Hawking (1974).

A inclusão da contra-reacção poderá revelar qual o destino final de um buraco

negro em evaporação (e.g. evapora completamente, deixa uma singularidade nua, deixa

um resto de massa macroscópica, deixa um resto de massa Planckiana...). Embora

tenham sido efectuados nos últimos anos vários estudos sobre esta matéria (e.g.

Balbinot & Barletta 1989, Brout et al. 1995, Diba & Lowe 2002, Chen 2003) não

existem resultados concludentes.