1979-2009: Ascensão e Queda do Capital Financeiro
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Scherer, A. L. F.; Souza, E. C. de. Período 1979-2009: ascensão e queda do capital financeiro.
1979-2009: ascensão e queda do capital financeiro
André Luís Forti Scherer∗
Enéas Costa de Souza**
A economia mundial atravessou um período de grande renovação
nos últimos 30 anos, transformando profundamente a sua base de
crescimento e desenvolvimento. Construiu um período novo, inquietante e
fantástico, armando a montagem de uma economia distinta da anterior.
Deixou de ser uma hegemonia produtiva, de cunho fordista, do período
pós Segunda Guerra Mundial, para tornar- -se uma economia centrada
progressivamente na esfera financeira do capital. O “finance-led growth”
integrou finança e produção, sob hegemonia da primeira. No vazio
deixado pela queda da atividade econômica baseada monetariamente no
padrão dólar, ocorreu a metamorfose global das estruturas da economia,
da política e da sociedade. Tivemos, por consequência, a origem do atual
padrão econômico, unido circulatoriamente por uma nova moeda, a
moeda financeira, chamada também de moeda fiduciária, ou dólar livre.
Essa moeda permitiu a expansão exacerbada do capital além do seu
limite, entrando, porém, em crise, no ano de 2007.
Os acontecimentos posteriores indicam uma desestruturação
acentuada do padrão econômico iniciado no final dos anos 70, que foi
marcado, sublinhemos definitivamente, por uma liderança, uma
dominação e uma hegemonia das finanças sobre o Estado e toda a
sociedade, período trepidante de alterações na distribuição da riqueza,
concentrando-a fortemente no topo das esferas capitalistas. Ao mesmo
tempo, financeirizou-se toda a realidade econômica, as remunerações dos
trabalhadores e, assim, as relações sociais. Como resultado desse
processo, ocorreram a mundialização e a globalização da economia, com
grandes alterações geopolíticas e geoeconômicas, apoiadas em novas
Economista da FEE.** Economista da FEE.
O ambiente regional. (Três décadas de economia gaúcha, v.1). 2010 227
Scherer, A. L. F.; Souza, E. C. de. Período 1979-2009: ascensão e queda do capital financeiro.
tecnologias de comunicação e informação. A expansão, que implicou uma
forte desregulação do sistema financeiro, sustentada pelo poder público
em favor das finanças, terminou por gerar uma crise de vasta amplitude.
Crise tanto mais perturbadora, pois culmina numa crise da civilização,
envolvendo desde uma crise econômica até uma crise ecológica. É nesse
barco que a sociedade contemporânea está navegando. E, como diz o
poeta: navegar é preciso. Então, estamos num momento de transição,
cuja incerteza é o seu traço mais decisivo.
Para efeito do presente trabalho da FEE, cabe fazermos um
enquadramento desse período da economia financeira mundializada
(1979-2009). Com isso, há uma tentativa de definirmos a sua estrutura e
seus elementos por primeiro e os aspectos da dinâmica econômica em
seguida. A pergunta é imediata: qual a vantagem desse procedimento e
dessa abordagem? Visivelmente, a possibilidade de distinguirmos com
ênfase, e nitidamente, o pano de fundo de uma compreensão dos
acontecimentos da globalização — subterrâneo necessário para a leitura
da economia brasileira e da economia gaúcha. Cabe desenvolvermos,
neste texto, proposições, enunciados e efeitos que qualifiquem e
distingam a dupla situação onde se delineiam os movimentos significativos
dessa economia mundializada. De um lado, designamos as estruturas de
longo prazo; pois elas organizam as relações básicas e repetitivas, que,
num certo modo e por um determinado período, compõem a coesão de
uma totalidade histórica aberta e em movimento. São elas, essas
estruturas, que dão sentido ao econômico e à sociedade. No
desenvolvimento deste texto, elas estarão apresentadas como
proposições estruturais. E, de outro lado, como as estruturas se
transformam, o texto busca igualmente salientar o modo como os
elementos da estrutura se articulam à dinâmica do período. Surgem então
os enunciados dinâmicos. Ou seja, podemos entender a relação desses
marcos estruturais com os processos econômicos concretos. Nela, estão
incluídas, inclusive, aquelas evoluções que rompem com os aspectos
reiterativos e que provocam “revoluções” no interior do padrão
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contemporâneo, tecidas nas operações dos sistemas políticos,
econômicos, sociais, culturais, ambientais, etc. E, igualmente, os
processos que conduzem a uma forma de economia e sociedade, que,
depois de muitos anos de solavancos, mas, sobretudo, de êxitos (do ponto
de vista do capital), desembocam numa vasta crise. Aparecem incluídos aí
os efeitos mais profundos do movimento dessa sociedade capitalista com
hegemonia financeira. Todas as formas econômicas e sociais são assim,
desabrocham numa ascensão e culminam numa queda. Para termos um
panorama sintético desse período, discutiremos proposições estruturais,
avançaremos interpretações sob formas de enunciados dinâmicos, onde a
relação estrutura dinâmica/fatos empíricos será relevante, processos que
proporcionarão efeitos complexos, dos quais salientaremos os efeitos
geopolíticos e os efeitos civilizacionais. Dessa forma, configuraremos o
cenário, o panorama de onde decorrem as realidades de todos os países e
todos os lugares.
1 PROPOSIÇÕES ESTRUTURAIS DO CAPITALISMO SOB HEGEMONIA FINANCEIRA
Nesta parte do texto, importa desenvolvermos algumas proposições
gerais, que tratam de aspectos estruturais que foram extremamente
significativos no desenvolvimento do capitalismo após os anos 70. Em
função das necessidades explicativas e das limitações de espaço, mas,
teoricamente, por serem as peças fundamentais, daremos mais ênfase às
duas primeiras que às outras seis, que se encontram na segunda parte e
que serão desenvolvidas a partir dos enunciados explicativos. No entanto,
todas elas funcionam como um sistema e nos levam a compreender a
extensão da longevidade e a permanência do processo. Queira-se ver,
então, que essas proposições servem como moldura para o quadro
contemporâneo, cujos meandros, labirintos e diversificações serão
apresentados em um segundo momento deste artigo.
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1.1 Proposições estruturais que fundam a economia financeira
Proposição 1: a hegemonia financeira do capital transforma todos os
ativos em ativos financeiros. Instaura, assim, a partir dessa metamorfose,
uma tendência à especulação como a lei maior do atual sistema
econômico.
Foi, sem dúvida, Rudolf Hilferding quem primeiro tratou de uma
nova forma de capital, a qual chamou de capital financeiro. Este nada
mais é do que a possibilidade que um determinado montante de dinheiro
de uma empresa ou de um investidor tem de se valorizar por intermédio
de qualquer órbita econômica, seja ela produtiva, seja financeira, o que
nos faz pensar que o sistema econômico possa ter agora uma hegemonia
das finanças. Pois os produtos e serviços do sistema capitalista são, na
verdade, como diria Hyman Minsky posteriormente, ativos financeiros. Ou
seja, além desses ativos propriamente financeiros, os ativos reais e os
ativos monetários fazem parte do conjunto de valores econômicos que
tem a virtualidade de se valorizarem como se fossem títulos das finanças.
É uma mudança na economia do tipo da água para o vinho. Dessa forma,
um banco, uma fábrica, um shopping center, em face da nova situação,
podem funcionar como uma entidade financeira. Dito de outra forma: a
valorização dos seus ativos tende a ser regulada pela taxa de juros.
Percebemos, então, que a categoria hegemônica do “excedente
econômico” — como dizia Celso Furtado — é a da renda, mais do que a
dos lucros. Tudo porque — podemos afirmar, de uma terceira maneira —
esses ativos, aqui falados, são geridos na dinâmica cíclica pela função
monetária da especulação. Com essa característica, vislumbramos que a
economia contemporânea tende permanentemente para a explosão de
preços dos ativos financeiros. Nela, os preços não funcionam como nos
mercados normais de compra e venda, quando o aumento de preço retém
a oferta. Nos mercados de inspiração financeira, as elevações dos preços
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são, em verdade, estímulos convidativos para aumentar a demanda. Uma
ação, ou um título, quanto mais aumenta de valor, é tanto mais
procurada. E, de maneira fortemente devorante, já que, por uma razão ou
outra — desconfiança, descoberta de títulos fraudulentos, etc. —, há uma
ruptura dessa convenção altista, e o mercado desses ativos perde
subitamente sua dinâmica, entrando em colapso.
Dessa forma, constatamos que o regulador keynesiano, a relação da
taxa de juros com a eficiência marginal do capital, lentamente, ao longo
desses anos todos, sofreu um reparo, um acréscimo, um desvio, embora
essa relação continue a funcionar no limite. No curto prazo, no entanto,
em função da garantia, em última instância, da “mão visível do Estado”,
as aplicações financeiras — sejam ações, títulos securitizados ou
derivativos, petróleo ou commodities agrominerais — passam a ser o lado
fundamental da economia. E a especulação assume a figura que desperta
a elasticidade de valorização dos ativos e, claro, também o seu limite
incandescente. Logo, a tendência à especulação contém, no interior do
seu movimento, uma instabilidade que promove uma trajetória inclinada à
elevação dos resultados, mas também à sua iminente destruição.
Proposição 2: o capitalismo sob hegemonia financeira constrói a
montagem de um Estado financeiro e dá nascimento a uma moeda
igualmente financeira.
O processo de expansão do capital financeiro culmina certamente na
conquista do Estado. Porque o Estado tem dois pontos fundamentais: a
universalidade, que absorve e soluciona temporariamente os conflitos, e a
força oriunda dessa universalidade, que se chama de coerção, que é a
capacidade de fazer com que os grupos sociais cumpram as suas decisões.
E, obviamente, essa coerção termina, quando temos o lado externo de um
país, na sua atividade diplomática e militar, de produzir como efeito a
aceitação de sua liderança. Mas o Estado tem esse caráter de assumir a
unidade do poder e imperar sobre as forças, conduzindo os conflitos em
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favor do setor dominante. De tal maneira que o fato decisivo, na situação
atual, tem a ver com a extrema dificuldade, senão a impossibilidade, de
que qualquer partido político que assuma o poder possa interferir na
substância da economia política do capital financeiro. E o centro dessa
política, sabe-se, é a valorização de seus ativos, sustentada por uma
política econômica que privilegie uma política monetária, financeira e
fiscal. As demais políticas não importam. As políticas industrial, agrícola,
trabalhista, tecnológica, etc. serão sempre inexistentes ou subsidiárias das
primeiras. A política econômica carrega, no seu nervo ativo, o apoio quase
irrestrito às aplicações financeiras e à sua lógica.
Nessa fase da hegemonia do capitalismo financeiro, o mundo
presenciou, ainda nos anos 70, a desvinculação do papel-moeda da
mercadoria-dinheiro, o ouro. Com essa decisão dos Estados Unidos, ele, a
velha relíquia, deixou de ser a base da moeda. E, por esse fato político e
econômico, suspendeu-se a circulação do chamado dólar- -ouro;
começou, então, o período do nascimento da moeda financeira, que só
ocorreu, em sua plenitude, em 1979. Para que isso acontecesse, era
preciso que ela fosse, economicamente, construída e garantida pelo
Estado. O seu objetivo é o mais claro possível: proporcionar às finanças a
valorização básica das suas aplicações. Para resolver essa questão, tem-
se que atentar para os seguintes passos. Em primeiro lugar, só um Estado
líder do sistema mundial das potências poderia garantir uma moeda sem
base mercantil, ou seja, sem que uma mercadoria desse um suporte de
valor ao dinheiro. Primeiro, porque o fundamental de uma moeda, além
de atuar como meio de circulação e funcionar como medida de valores, é
exatamente cumprir a função “reserva de valor”. Para escapar do ouro, o
que vai permitir a existência da moeda financeira é a garantia de um
Estado hegemônico — política, econômica e militarmente —, para que,
amparado nessa amplitude de poderes, possa fixar a taxa de juros básica
da economia mundial. E quem fixa essa taxa é justamente o Banco
Central desse Estado.
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Essa é apenas a primeira parte da função reserva de valor, a
possibilidade de valorização. Mas há que se ter a garantia mínima da
valorização. E quem fornece é esse mesmo Estado, que, emitindo títulos
públicos por intermédio do seu Tesouro, determina a taxa básica do
sistema e assegura que a sua moeda possa ser, de fato, “reserva de
valor”. Isso significa que a moeda financeira não é apenas definida pela
taxa de juros, mas também pelos títulos públicos de um determinado
Estado. E, se essa é uma compreensão teórica da assunção do dólar como
moeda mundial, a evolução histórica da hegemonia do dinheiro dos
Estados Unidos seguiu uma cronologia específica, com fatos e lutas
monetárias marcadas pela hegemonia dos bancos norte-americanos, pela
constituição de um sistema financeiro cada vez mais complexo e
internacional, incluindo a constituição do shadow banking system,
expoente da crise financeira contemporânea.
Com essas apreciações, passamos a ter a consciência clara e
definitiva de que a hegemonia da órbita financeira do capital precisa, para
a sua dinâmica, de uma moeda abstrata, despregada de uma mercadoria-
dinheiro. Para que, assim se desmaterializando, a valorização do capital
possa ter uma elasticidade de valor de acordo com a potência especulativa
da capitalização requerida pelas finanças. Porém também fica nítido que
uma moeda com tais características não pode existir como pensava
Friedrich Hayek, garantida por capitais privados. Só o Estado, por estar
numa instância distinta dos capitais, sendo público, com dimensões
universais, pode, dado o seu poder, a sua riqueza e a sua política,
sustentar, pelo menos enquanto é a potência líder, uma moeda tão leve,
tão frágil, tão diáfana, tão sem valor mercantil, um simples papel, para
que todos os participantes da economia mundial possam aceitá-la. Assim,
a passagem do dólar-ouro para o dólar forte (ou dólar flexível, como
querem alguns) foi um elemento fundamental para que as finanças
pudessem organizar a dinâmica da economia capitalista de 1979 até
agora.
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Finalmente, pelo fato de o Estado ser financeiro e ter construído
uma moeda financeira, ele é o verdadeiro garantidor, em última instância,
das crises econômicas, principalmente financeiras, seja por seus recursos
orçamentários, seja por leis votadas pelo Congresso, seja pela própria
política monetária. Devemos salientar igualmente uma especificidade
marcante: o Estado usa o endividamento como a possibilidade, ocorrida
na atual crise, de utilizar a credibilidade pública em benefício do capital
financeiro, tanto através da sua dívida interna quanto da dívida externa. O
tão famoso discurso sobre a retirada do Estado da economia é apenas um
véu que cobre a posse do Estado pelas finanças e a garantia que ele
fornece, nos limites do seu endividamento, o caminho para o
desenvolvimento, a expansão e a sustentação de possíveis recuperações
das corporações financeiras em bancarrota.
1.2 Proposições estruturais que fazem funcionar o sistema
Pretendemos, nesta seção, delinear os traços estruturais quanto à
forma de funcionamento do capitalismo sob hegemonia financeira, bem
como desenvolvê-los explicativamente em enunciados dinâmicos, que
possibilitarão melhor divisarmos as articulações entre os diversos
elementos que compõem esse sistema.
Proposições
Proposição 1: o capitalismo atual produz uma estrutura financeira a
partir da desregulação da economia. Essa desregulação possibilita a
armação de uma “rede estrutural” que favorece uma dinâmica, cujo
funcionamento, em forma continuada, pode ser global, parcial ou pontual.
Proposição 2: a instabilidade característica do capitalismo sob
dominância financeira originou uma série de instituições e instrumentos,
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para permitir sua operação com grau de risco aceitável para os
operadores do mercado.
Proposição 3: há uma combinação circular entre as finanças e as
tecnologias de comunicação e informação para a crescente expansão e
hegemonia do capital financeiro. Processo que envolveu, direta e
indiretamente, também o capital bélico, para dar origem ao capitalismo
financeiro neoliberal de guerra.
Proposição 4: uma economia financeira estabelece uma nova inter-
-relação dos componentes da estrutura de demanda. Ao contrário da
demanda keynesiana, investimento-consumo, houve uma inversão, de
maneira que é o consumo quem puxa o investimento, a partir de um
processo constante de endividamento das famílias e das empresas.
Todavia, a partir dos anos 2000, esse sistema se enlaça profundamente
com a China, cuja dinâmica é desenvolvimentista, ou seja, o investimento,
sobretudo de origem estatal, está à frente do consumo.
Proposição 5: o capitalismo de hegemonia financeira leva à
financeirização tanto da estrutura produtiva como da remuneração dos
assalariados. O instrumento que opera decisivamente essa passagem
chama-se governança corporativa e é o elo que une capital financeiro e
capital produtivo em torno do objetivo comum de máxima extração de
renda.
Proposição 6: a crise do capitalismo financeiro foi uma crise de origem
financeira, onde a superacumulação de ativos se desdobrou numa crise de
superacumulação produtiva, evidenciando uma crise nas estruturas da
velha indústria, sobretudo automobilística.
Enunciados dinâmicos
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Scherer, A. L. F.; Souza, E. C. de. Período 1979-2009: ascensão e queda do capital financeiro.
Os enunciados dinâmicos dispõem sobre os elementos que, ao
mudarem, dão forma concreta às transformações estruturais ocorridas,
sem terem, no entanto, capacidade de alterá-las por si próprios. Nem por
isso, devem ser considerados menos importantes, pois dão materialidade
às etapas de auge e de declínio da hegemonia financeira.
Enunciado 1: a desregulamentação do sistema financeiro norte-
-americano possibilitou a ascensão ao primeiro plano dos investidores
institucionais como atores dominantes do capitalismo financeiro
contemporâneo, promovendo gigantesca concentração de riqueza e de
poder.
Os chamados investidores institucionais — fundos de pensão, de
investimentos, hedge funds, private equity funds, fundos soberanos —
movimentaram imensas massas de capital financeiro em busca de
valorização ao redor do mundo, tendo papel fundamental na passagem da
predominância das finanças bancárias tradicionais às finanças de
mercado.1 Esse movimento foi tão avassalador que forçou a
reestruturação das atividades dos bancos tradicionais, que se
reconstituíram em holdings administradores de uma miríade de fundos,
próprios ou não, além de terem abarcado as atividades de bancos de
investimento, com a criação dos bancos múltiplos na década de 90. Em
um circuito poupança-investimento bancário tradicional, os recursos
depositados em bancos eram repassados aos investidores mediante
garantias reais. O circuito poupança-investimento contemporâneo implica
a captação de poupança conforme o objetivo dos aplicadores em fundos
de características específicas, os quais, seguindo estratégias predefinidas,
ou não, e sujeitos a formas diferenciadas de regulação e de controle,
buscam no mercado aplicações convenientes a partir de avaliações de
risco/retorno, que se encontram sintetizadas na nota atribuída pelas
1 Cabe destacarmos que os investidores institucionais, tratados genericamente neste momento, possuem estratégias bastante diferenciadas não apenas entre os diversos tipos de fundos, mas também dentro da mesma classe de fundos. Assim, os fundos de pensão não são apenas totalmente diferentes dos fundos hedge, como também apresentam diferenças marcantes entre si.
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Scherer, A. L. F.; Souza, E. C. de. Período 1979-2009: ascensão e queda do capital financeiro.
agências de rating à aplicação. A presença, a notoriedade e a importância
que tomaram as agências de notação ou rating, enquanto instituições
privadas de regulação das relações entre o capital financeiro e as demais
frações do capital ou os Estados, foram fundamentais para a consolidação
de um sistema de incentivos e de punições pelo “mercado” do
comportamento e da adequação estratégica dos Estados e das empresas
não financeiras aos objetivos do capital financeiro, o qual aparece
explicitado sob a forma de notas. Mais uma vez, transparece que o
“mercado” e as instituições que governam seu funcionamento nada têm
de espontâneo e impessoal, como apregoado pela ideologia dominante.
Enunciado 2: a importância dos modernos mercados de capitais coloca
em concorrência os interessados na captação dos recursos, estabelecendo
uma verdadeira matriz de aplicações potenciais como opção aos
investidores institucionais.
Essa matriz de aplicações financeiras contempla as mais diversas
classes de ativos das diversas regiões geográficas mundiais, o que torna
imperativa e inescapável a aceitação das orientações estratégicas
financeiras, para fazer parte do portfólio desses investidores. É
interessante observarmos que o advento das finanças de mercado
possibilitou a obtenção de crédito em volume expressivo para algumas
empresas não financeiras que não possuíam um histórico ou garantias
suficientes que lhes permitissem um acesso facilitado ao crédito bancário,
o que foi importante, sobretudo, para a expansão das empresas dos
setores ligados às novas tecnologias de informação e de comunicação a
partir dos anos 80, passando pela bolha de ativos tecnológicos dos anos
90. Ao mesmo tempo, essa forma de acesso ao crédito traz em si a
necessidade de adaptação estratégica aos objetivos do capital financeiro,
contribuindo decisivamente para a financeirização das decisões
estratégicas, envolvendo toda e qualquer classe de ativos desejosa de
aceder aos recursos do mercado de capitais, o que inclui esferas de
atividades antes poupadas dos imperativos de valorização capitalista,
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Scherer, A. L. F.; Souza, E. C. de. Período 1979-2009: ascensão e queda do capital financeiro.
como a saúde, a educação e a cultura, apenas para citarmos alguns
exemplos. Esse movimento foi estimulado pela extensão da ideologia
liberalizante às atividades antes de prestação prioritária do Estado,
abrindo novas fronteiras para a acumulação capitalista, o que auxiliou na
saída da crise do capitalismo dos anos 70.
Enunciado 3: os bancos de investimento foram os principais beneficiários
da ascensão das finanças de mercado, seja criando e vendendo títulos
públicos ou privados, seja intermediando a relação entre os diversos
agentes financeiros, ou mesmo criando e lançando novos produtos
financeiros (a chamada inovação ou engenharia financeira).
O papel dos bancos de investimento na proporção tomada pela
dominância financeira é central, na medida em que esses foram os
grandes provedores de recursos aos demais atores do sistema financeiro,
em especial os fundos hedge. Também têm atuação decisiva nos
processos de fusão e aquisição de empresas produtivas, atuando em
alavancagens de empresas dos fundos de private equity, características
dos anos 2000. Sua participação como elemento decisivo em episódios
marcantes das três últimas décadas, que resultaram em exacerbação
financeira e crise — tais como a criação do mercado de junk bonds nos
anos 80, a abertura de capitais para empresas nascentes no episódio da
bolha da internet e a securitização de títulos subprime no episódio da crise
financeira norte-americana de 2007 —, atesta sua importância como
elemento dinamizador do sistema financeiro. Seu papel enquanto
financiador das atividades dos fundos especulativos (hedge funds)
garantia liquidez e mercado para a consecução de suas estratégias de
estimular a alta na atividade de alguns segmentos do mercado. Sua
relação com os demais investidores institucionais, com as agências de
notação e com os mercados de capitais possibilitou a potencialização de
seus ganhos e a transferência de riscos aos demais segmentos do
mercado financeiro, transformando-os em um segmento de alta
lucratividade estrutural. Essa situação perdurou ao menos até a
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emergência da crise financeira de 2007, a qual levou a um
questionamento de seu papel de financiador do sistema bancário paralelo,
alavancado, materializado em instituições não bancárias que operam
como bancos sem o constrangimento regulatório dos mesmos (shadow
banking system), e de principal agente difusor das inovações financeiras.
Enunciado 4: a instabilidade intrínseca ao sistema financeiro tornou
imperativo que as inovações financeiras se direcionassem a reduzi-la, e,
paradoxalmente, esse se tornou o principal negócio em tamanho e
lucratividade do capitalismo sob dominância financeira.
Para tanto, foram criados dois grupos de produtos: a securitização
— transformação de dívidas em títulos negociáveis, inclusive em mercados
secundários — e os derivativos — a possibilidade de operação do futuro no
presente, a partir de operações cujo valor deriva do preço de outro ativo.
Essas duas classes de instrumentos financeiros possuem a mesma
finalidade: a redução dos riscos inerentes à necessidade de operação em
um ambiente caracterizado pela forte volatilidade e instabilidade. A
securitização permite a pulverização dos riscos de uma aplicação entre
uma grande quantidade de aplicadores, notadamente de investidores
institucionais. Ao mesmo tempo, força os captadores de poupança a
aceitarem as orientações estratégicas do capital financeiro. Por sua vez,
os derivativos constituem-se em instrumentos de dupla face por
excelência: ao mesmo tempo em que permitem uma redução do risco
para aqueles que necessitam comprar proteção contra a volatilidade
excessiva dos preços em um mercado liberalizado, permitem uma aposta
especulativa de parte dos vendedores de proteção em relação aos preços
dos ativos financeiros. A securitização e os derivativos corresponderam a
tal necessidade criada pela instabilidade intrínseca à finança e se
tornaram os principais instrumentos negociados globalmente. Entretanto,
ao mesmo tempo em que conferem proteção microeconômica aos atores,
interligam mercados, atores e maturidades, aumentando o risco do
sistema financeiro como um todo. Essa situação de maior risco sistêmico
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Scherer, A. L. F.; Souza, E. C. de. Período 1979-2009: ascensão e queda do capital financeiro.
se ampliou ao longo do período analisado com a crescente sofisticação dos
instrumentos criados e vendidos pelos bancos de investimento e avaliados
pelas agências de notação.2 A título de exemplo, a criação do mercado de
Credit Default Swaps (CDS) ao final dos anos 90 e sua crescente
importância nos anos 2000 levou ao paroxismo a ideia de “proteção”
proporcionada pelos derivativos, bem como a cadeia de risco expandida
correlata. Nesse mercado, é vendida proteção contra a possibilidade de
default de dívidas de empresas, países e outros títulos, para os quais são
criados índices específicos. O interessante é que mesmo quem não possui
interesse direto nessa proteção pode comprá-la em uma aposta
especulativa quanto à saúde financeira de uma empresa ou de um setor
da economia. De outro lado, agentes que assumem a posição credora em
uma transação podem comprar proteção contra o não pagamento da
contraparte no negócio, até mesmo em valor maior do que o emprestado,
diminuindo (e, por vezes, eliminando) seu incentivo em negociar uma
solução que impeça a inadimplência e, até mesmo, incentivando-os a
acelerar cobranças, ao saberem da situação difícil da parte devedora.
Trata-se de um mercado imenso e de uma cadeia bastante complexa de
proteção, onde, ao invés do que ocorre em outros mercados de
derivativos, o valor nocional é normalmente uma fração do valor
realmente em jogo. Em 2010, trata-se de uma das maiores fontes
observadas de risco para o sistema financeiro como um todo, dada a
complexidade da cadeia de transações em posições compradas e vendidas
em contratos customizados de balcão. Até o momento, seu modo de
funcionamento — sem qualquer supervisão ou regulação — permanece
2 Satyajit Das, um dos principais conhecedores do mercado de derivativos e de seu desenvolvimento, afirmou recentemente, em uma crítica devastadora, que “[...] produtos cada vez mais complexos e opacos são usados para aumentarem o risco e a alavancagem bem como para ultrapassar restrições aos investimentos, às regras quanto ao capital bancário e a legislação quanto aos títulos e aos tributos. […] muito do que passa por inovação financeira é especificamente desenhado para esconder o risco ou a alavancagem, confundir os investidores e reduzir a transparência. Esse processo é inteiramente deliberado. Eficiência e transparência não são consistentes com as altas margens de lucro de Wall Street e da City“. Publicado em: <http://acemaxx-analytics-dispinar.blogspot.com/2009/12/interview-satyajit-das-risk-consultant.html>, em 22.12.2009.
O ambiente regional. (Três décadas de economia gaúcha, v.1). 2010 240
Scherer, A. L. F.; Souza, E. C. de. Período 1979-2009: ascensão e queda do capital financeiro.
intocado, apesar dos sucessivos alertas quanto aos perigos que esse
mercado coloca ao sistema.
Enunciado 5: a emergência do regime de acumulação sob dominância
financeira aportou mudanças significativas nas características dos fluxos
internacionais de capital correspondentes à globalização produtiva —
comércio e investimento direto estrangeiro (IDE).
A expansão do comércio internacional foi intensa e estrategicamente
comandada pela expansão pelos investimentos diretos, ainda que
quantitativamente inferior àquela apresentada por estes. O comércio
internacional aprofundou tendências originadas com a disseminação das
empresas multinacionais industriais ainda nos anos 50: os fluxos de IDE
passaram a direcionar o comércio internacional (de forma estável,
aproximadamente dois terços do comércio mundial têm participação de
empresas multinacionais), comprovando o fracasso das teorias
neoclássicas, que opunham como excludentes fluxos de investimentos e
de comércio; os caráteres intrafirma e intraindústria do comércio
fortaleceram-se com a criação de redes mundiais de comércio, sob
liderança de multinacionais do setor industrial ou de serviços. Mudanças
correlatas, mas significativas, também ocorreram a partir dos anos 80: os
produtos de maior conteúdo tecnológico passaram a liderar a dinâmica
comercial; o aumento do comércio intrafirma refletiu em seu conteúdo a
maior participação do comércio de partes e de componentes no total
mundial, com a onda de investimentos em busca de racionalização
produtiva e de redução de custos das empresas multinacionais sendo
complementar à criação de áreas de livre comércio, o que originou a
formação de cadeias produtivas internacionais de montagem de produtos;
as novas tecnologias de informação e de comunicação possibilitaram a
expansão do comércio de serviços, praticamente nulo até então. Do ponto
de vista geográfico, houve um deslocamento progressivo dos fluxos
comerciais em direção aos países asiáticos, embora existam diferenças
significativas na composição dos fluxos comerciais asiáticos ao longo do
O ambiente regional. (Três décadas de economia gaúcha, v.1). 2010 241
Scherer, A. L. F.; Souza, E. C. de. Período 1979-2009: ascensão e queda do capital financeiro.
período. Entre os países desenvolvidos, Alemanha e Estados Unidos
mantiveram posição de destaque nos fluxos de exportação, tendo os
Estados Unidos se destacado enquanto principal polo dinâmico mundial no
que tange às importações.
Enunciado 6: o investimento direto estrangeiro subordinou-se ao
imperativo estratégico financeiro, o que levou a mudanças importantes
nas características dos fluxos de IDE, quando comparadas àquelas do
período pós Segunda Guerra Mundial.
Essas modificações levaram a um predomínio das fusões e das
aquisições nas estratégias de expansão das empresas multinacionais.
Essas foram promovidas pelos bancos de investimento e pela expansão do
mercado de capitais a partir da década de 80 e tiveram ao menos três
fases distintas: a criação do chamado market for corporate control nos
anos 80, com o predomínio das aquisições hostis financiadas por títulos
securitizados de dívida das empresas compradoras; as fusões “amigáveis”
dos anos 90, financiadas por emissões de ações das empresas
compradoras; e as compras para “fechamento do mercado” nos anos
2000, promovidas pelos fundos de private equity, a partir da emissão de
títulos pelos bancos de investimento, os quais eram repassados a outros
investidores, principalmente os hedge funds. Outra mudança importante
deu-se com a internacionalização do setor serviços, essencialmente a
partir da onda de privatizações nos anos 80 e 90. Essas duas
características fazem com que, embora a presença de funcionários das
empresas multinacionais tenha-se ampliado constantemente no mundo,
elas pouco tenham contribuído para a geração global de empregos, uma
vez que houve pouca expansão da capacidade instalada nesse período. O
investimento das multinacionais direcionou-se essencialmente para os
países desenvolvidos nos anos 80 e 90. O investimento direto destinado à
China foi exceção durante todo o período, ao receber prioritariamente
investimentos novos (ditos greenfield) no setor industrial. Esses
investimentos consolidaram, nos anos 2000, o País como principal centro
O ambiente regional. (Três décadas de economia gaúcha, v.1). 2010 242
Scherer, A. L. F.; Souza, E. C. de. Período 1979-2009: ascensão e queda do capital financeiro.
manufatureiro mundial, com a integração das empresas do Japão, da
Coreia e de demais países asiáticos em desenvolvimento como
fornecedoras de partes e de equipamentos para a produção final das
empresas localizadas em território chinês. Este último período também
marcou a expansão sem precedentes das alianças estratégicas entre
empresas para o desenvolvimento de projetos específicos, sem que isso
representasse necessariamente mudanças societárias ou fluxos
internacionais de capital.
Enunciado 7: o domínio financeiro das empresas não financeiras
consolidou-se com a criação de um conjunto de regras informais sob o
nome amplo de governança corporativa, na tentativa de adequar as
práticas dos executivos às exigências dos acionistas proprietários.
Essas regras, que, pouco a pouco, foram institucionalizando-se a
partir da atuação das agências de controle de valores mobiliário em todo o
mundo, assimilam o interesse das empresas aos objetivos de lucratividade
de curto prazo dos acionistas. Em nome de princípios de validade
universal, como a transparência, a utilização eficiente do capital e, até
mesmo, a democracia (ao defenderem o interesse dos acionistas
minoritários frente à “ditadura” dos majoritários), alinham a estratégia
das empresas não financeiras aos objetivos de curto prazo de seus
principais acionistas, sobretudo os investidores institucionais, os quais,
atuando em conjunto, possuem grande força na definição da estratégia da
empresa. As regras orientadoras da governança corporativa passam pela
participação de representantes dos acionistas nos Conselhos de
Administração, pela exigência de prestação de contas trimestral aos
investidores e pela instituição da remuneração variável dos executivos e
principais gerentes da empresa (principalmente, a partir da distribuição de
participação nos resultados e de opções de ações da firma para a qual
trabalham em condições vantajosas), o que direciona a ação executiva
para a linha de lucratividade máxima no curto prazo desejada pelos
proprietários do capital. Uma “má governança corporativa”, do ponto de
O ambiente regional. (Três décadas de economia gaúcha, v.1). 2010 243
Scherer, A. L. F.; Souza, E. C. de. Período 1979-2009: ascensão e queda do capital financeiro.
vista do capital financeiro, pode levar à destituição da diretoria executiva
da empresa ou, em caso de persistência dos maus resultados, à
debandada dos investidores institucionais do capital da firma, tornando-a
presa fácil para outras empresas concorrentes com acesso facilitado ao
crédito e aos aportes de novos capitais. Os principais problemas
decorrentes dessa forma de gestão transparecem na dificuldade das
firmas em convencer os investidores a financiarem projetos de longo
prazo com alto grau de incerteza, típico das atividades inovadoras3,
afetando o dinamismo de longo prazo da economia capitalista, e no fato
de que o perseguido alinhamento de objetivos entre executivos é, por
definição, uma miragem fadada ao fracasso. Assim, as fraudes contábeis
no sentido de mascarar o resultado efetivo das empresas sucederam-se
quando da crise das ações de empresas de alta tecnologia nos EUA, no
início dos anos 2000, e, apesar do reforço da legislação quanto à
responsabilidade dos executivos ocasionada por esse fracasso (Sarbanes-
Oxley Act, 2002), tornaram a repetir-se na crise imobiliária do final da
década. Neste último caso, foi posta em xeque a forma de remuneração
dos executivos das empresas financeiras, a qual estimulava a obtenção de
ganhos de curto prazo em empreendimentos que, em longo prazo, se
mostrariam desastrosos.
Enunciado 8: a captura dos principais países em desenvolvimento às
malhas do jogo financeiro internacional, a partir do final dos anos 80,
tornou a economia mundial ainda mais instável, resultando em seguidas
crises, que colocaram em dúvida a eficácia e a universalidade da
dominância financeira.
Para pertencerem ao círculo hierárquico-financeiro dos “mercados
emergentes” — transmutação semântica que os despiu de sua antiga 3 As atividades de inovação nos Estados Unidos têm-se concentrado em setores que possuem apoio estatal para projetos de longo prazo, caso da indústria farmacêutica e da rede de empresas fornecedoras do complexo militar norte-americano, como o eletrônico. Atualmente, a pesquisa intensifica-se no setor de energias alternativas ao petróleo, também com apoio estatal. Apesar de todo o esforço empreendido e de vários bilhões gastos, a biotecnologia, a nanotecnologia e os novos materiais ainda não respondem significativamente enquanto difusores de novos produtos comercialmente viáveis.
O ambiente regional. (Três décadas de economia gaúcha, v.1). 2010 244
Scherer, A. L. F.; Souza, E. C. de. Período 1979-2009: ascensão e queda do capital financeiro.
condição de “país em busca de desenvolvimento” para confiná-los à
condição de plataforma de valorização do capital financeiro sob o
julgamento constante do “mercado” e das agências que os representam
—, países como México, Argentina, Brasil, Rússia, Malásia, Tailândia e
tantos outros foram obrigados, em maior ou menor grau, a aceitarem a
imposição da abertura aos fluxos de capital internacionais de curto prazo.
Com a expertise especulativa nos mercados cambiais dos fundos hedge,
testada com sucesso nos países desenvolvidos, nos anos 80 e início dos
90 (ver as crises europeias do início da década de 90, em especial na
Inglaterra), confrontando-se com a inexperiência e a cegueira ideológica
dos gestores de política monetária treinados nas universidades norte-
-americanas desses países, o resultado apenas poderia ser o de uma
lucrativa sucessão de crises cambiais nos “mercados emergentes” a partir
de 1995, como a crise mexicana. A esta se seguiram as crises asiática
(1997), russa (1998), brasileira (1999) e argentina (2001), causando
fortes quedas nas taxas de crescimento dos países e das regiões
envolvidas. Mais uma vez, ao mesmo tempo em que essas crises eram
erroneamente interpretadas como ocasionadas por “falta de adequação ao
quadro institucional liberalizante, tendo por modelo os EUA e a
Inglaterra”, a China seguia na contramão da tendência, adotando e
gerenciando rígidos controles de capital, que lhe permitiam controlar a
taxa de câmbio e impedir o contágio das crises internacionais.
Enunciado 9: a crise asiática ocupa um lugar de extrema importância na
compreensão das mutações do capitalismo financeiro nos anos 2000, bem
como na crise idológico-financeira que marcou o final da primeira década
do século XXI.
A crise asiática marcou o final o discurso unilateral triunfante do
capitalismo sob dominância financeira (o qual teve seu auge com a queda
do Muro de Berlim e a posterior dissolução da União Soviética) e marcou o
início de uma contestação ideológica que levou a uma compreensão
superior dos mecanismos e das instituições do sistema de dominação
O ambiente regional. (Três décadas de economia gaúcha, v.1). 2010 245
Scherer, A. L. F.; Souza, E. C. de. Período 1979-2009: ascensão e queda do capital financeiro.
operante. Ocorrida em uma região que representava um símbolo do
crescimento da economia mundial (embora muito pouco das instituições
preconizadas pelo capitalismo financeiro tenha estado na origem desse
êxito), a crise asiática teve como principal característica econômica a
capacidade de contágio e transmissão de país para país da região. Iniciada
na Tailândia, logo atingiu a Malásia, a Indonésia e a Coreia do Sul, um
movimento “contagioso” que demonstrou a interligação financeira
existente entre os diversos mercados, ocasionada pelas cadeias de
aplicações/dívidas transfronteiras e pela “repartição do risco”, ocasionada
pelas características do mercado de derivativos cambiais. Paralelamente,
o colapso do fundo hedge alavancado Long-Term Capital Mangement
(LTCM) e a intervenção do Federal Reserve na coordenação de um resgate
internacional, em última instância, de suas dívidas para uma instituição
que não se encontrava sob sua supervisão apontaram os riscos que essas
instituições não bancárias colocavam ao sistema financeiro internacional,
sem que nenhuma providência ulterior tivesse sido tomada. Politicamente,
a crise asiática abriu espaço para diversas manifestações contra o
neoliberalismo ao redor do mundo, no final da década de 90 — a derrota
do Acordo Multilateral de Investimentos na OCDE e os protestos contra a
OMC em Seattle, seguidos de manifestações massivas em reuniões de
organismos multilaterais, na Europa, foram a linha de frente para a
organização do Fórum Social Mundial em Porto Alegre, em oposição ao
Fórum Econômico Mundial de Davos —, e teve consequências econômicas
que ultrapassaram muito a sua superação. O fato de a China ter mantido
o valor de sua moeda, não alimentando a continuidade das
desvalorizações competitivas autoalimentadas, que ameaçavam dar
continuidade ao processo de desvalorização dos ativos financeiros
regionais, colocou-a em posição confiável politicamente, frente à potência
norte-americana e às demais economias regionais. Ao mesmo tempo, a
superação da crise trouxe uma desconfiança fundamental dessas
economias em relação ao mercado de capitais internacional, reduzindo o
consumo interno e aumentando a poupança, a partir da implementação de
O ambiente regional. (Três décadas de economia gaúcha, v.1). 2010 246
Scherer, A. L. F.; Souza, E. C. de. Período 1979-2009: ascensão e queda do capital financeiro.
uma política econômica e cambial voltada ao progressivo acúmulo de
reservas, de modo a reduzir o risco de novo colapso externo. Assim, já ao
final dos anos 90, ficou evidente a existência de sobras na produção de
bens duráveis oriundos da região, os quais apenas poderiam ser escoados
para os países desenvolvidos (no caso, os Estados Unidos). O estouro da
bolha tecnológica da NASDAQ e o atentado às Torres Gêmeas
desaceleraram o crescimento da economia norte-americana nos primeiros
anos do século XXI, forçando os países asiáticos a se atrelarem ao
dinamismo da economia chinesa enquanto fornecedores de insumos,
máquinas e equipamentos, ao mesmo tempo em que transferiam suas
plantas de bens finais para aquele país. A crise financeira asiática
transformou-se em uma crise produtiva, que modificou a geografia da
produção regional, com efeitos deflacionistas para o comércio mundial de
bens manufaturados, que caracterizaram a primeira década do século XXI.
Enunciado 10: as respostas asiática e norte-americana aos
acontecimentos do final da década de 90 exacerbaram os desequilíbrios
econômicos mundiais preexistentes, em nível tanto macroeconômico
quanto microeconômico, tornando crescente o risco de um colapso
financeiro sistêmico.
O sistema financeiro internacional, consolidado após 1980,
repousava sobre a capacidade de os Estados Unidos, ao deterem a moeda
mundial, poderem produzir recorrentes déficits em transações correntes.
Esses déficits proviam a necessária demanda que alimentava o aumento
dos investimentos produtivos e o deslocamento da produção industrial em
direção à Ásia. Os superávits daí resultantes eram reciclados no mercado
financeiro norte- -americano e tinham como contrapartida
microeconômica sua transformação em crédito para as famílias daquele
país, o que alimentava o consumo e a demanda por produtos externos.
Esse ciclo financeiro-produtivo, com suas crises passageiras — em
especial, na periferia do sistema, nos anos 90 —, se exacerba com o papel
central e disruptivo da ascensão da China a centro dinâmico da
O ambiente regional. (Três décadas de economia gaúcha, v.1). 2010 247
Scherer, A. L. F.; Souza, E. C. de. Período 1979-2009: ascensão e queda do capital financeiro.
acumulação capitalista mundial. Ao contrário do Japão, a China não aceita
o jogo da livre flutuação de sua moeda, nem tem o grau de abertura
financeira dos demais países asiáticos. Do ponto de vista político, trata-se
de um país com maior capacidade de resistir às ameaças protecionistas
frequentemente lançadas pelos EUA, e esse poder avança com a
constituição de reservas em níveis espetaculares. Isso confere à China
uma capacidade de manter sua taxa de câmbio relativamente
desvalorizada, sem que as pressões norte-americanas tenham sucesso no
sentido de modificarem essa situação. De outro lado, a resposta norte-
americana à crise das ações das empresas de alta tecnologia passou por
uma redução continuada das taxas de juros, na tentativa de sustentar a
demanda abalada pela deterioração no nível de riqueza financeira das
famílias. Essa resposta criou as condições para que se formasse uma nova
bolha especulativa, dessa vez no setor imobiliário, com a elevação nos
preços dos imóveis alimentando a expansão do crédito e do consumo a
partir de 2003. Assim, os desequilíbrios que já existiam, tanto em nível
das relações entre os déficits norte-americanos e os superávits asiáticos
quanto em relação ao nível de endividamento das famílias nos Estados
Unidos, se tornaram explosivamente crescentes ao longo da década, até a
derrocada parcial do sistema a partir de 2007.
Enunciado 11: a expansão econômica, acelerada entre 2003 e 2007,
integrou o sistema produtivo mundial de forma global a partir da relação
China/EUA, trazendo um papel relevante para os países produtores de
commodities de regiões que, até então, eram perdedoras no processo de
globalização da economia.
Apesar de as promessas de uma economia mundial integrada e de a
metáfora do “mundo sem fronteiras” datarem ainda da década de 80, a
realidade da globalização foi rigidamente hierárquica. O centro esteve nos
Estados Unidos, com Wall Street (e, subsidiariamente, na City londrina),
com os demais países desenvolvidos em segundo plano. A esses se
seguiam os “mercados emergentes” e, em último plano, países como a
O ambiente regional. (Três décadas de economia gaúcha, v.1). 2010 248
Scherer, A. L. F.; Souza, E. C. de. Período 1979-2009: ascensão e queda do capital financeiro.
Bolívia, o Paraguai, a Angola e tantos outros, os quais não apresentavam
potencial para serem nem mesmo plataforma de valorização financeira
para o capital. Do ponto de vista da inserção produtiva, as características
do IDE e do comércio mundial dificultavam sobremaneira uma inserção
virtuosa dos países produtores de commodities, dados o dinamismo
relativo do comércio de bens tecnologicamente mais sofisticados e sua
falta de inserção nas cadeias produtivas mundiais formadas pelas
empresas multinacionais. Ainda, a ideologia do livre comércio e a disputa
continuada (e estimulada pelas empresas) pela atração de investimentos
produtivos tornavam uma inserção virtuosa na economia mundial uma
batalha quase perdida, sobretudo para os países latino-americanos e
africanos. Os desdobramentos da crise asiática, com a emergência da
China enquanto centro organizador da produção mundial, bem como o
rápido crescimento da economia da Índia, alteraram de forma importante
esse quadro no período 2002-07. A continuidade de elevadas taxas de
crescimento na China e na Índia, países imensamente populosos, levou a
uma pressão crescente sobre os preços dos alimentos, das matérias-
primas agrícolas e, principalmente, das matérias-primas minerais,
pressionando rapidamente os preços desses mercados. O espectro da
escassez energética, com o esgotamento progressivo de fontes de energia
não renováveis, foi reavivado (o chamado peak-oil), o que fez com que o
preço do petróleo tivesse alta constante. Esse movimento chamou a
atenção dos bancos de investimento e dos fundos especulativos4, os quais
passaram, a partir de 2004, a alimentar especulativamente a tendência
altista dos preços das commodities. Confrontado esse aumento dos preços
das matérias-primas com as pressões deflacionistas pelas quais passavam
os preços dos produtos industrializados a partir da crise asiática, o
resultado foi a evolução dos termos de intercâmbio em favor dos países
produtores de commodities. Isso permitiu o fortalecimento das reservas
de países da América do Sul e da África e o crescimento dos fundos
4 Nos EUA, uma grande quantidade de recursos migrou para os fundos Exchange Traded Forward (ETFs), especializados em apostas alavancadas no mercado de commodities. Esses fundos tiveram muito sucesso na captação de recursos após 2004.
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Scherer, A. L. F.; Souza, E. C. de. Período 1979-2009: ascensão e queda do capital financeiro.
soberanos dos países produtores de petróleo, uma situação cambial mais
estável (principalmente nos países com mecanismos eficientes de
intervenção cambial) e a atração de investimento diretos para os setores
agromineral e de infraestrutura. Essa maior estabilidade econômica,
proporcionada pelo aumento do valor das exportações, contribuiu para a
obtenção de taxas inéditas, nos últimos 30 anos, de crescimento dos
países dessas regiões, integrados à economia mundial como efeito
colateral do crescimento acelerado das economias da Índia e,
principalmente, da China, exacerbando ainda mais os desequilíbrios
econômicos mundiais.
Enunciado 12: a crise financeira iniciada em 2007 difere radicalmente
das demais crises da globalização financeira em sua amplitude e
abrangência, significando a impossibilidade de uma renovação virtuosa da
economia sob dominância financeira.
A crise econômica atingiu o centro do sistema financeiro e sua forma
de funcionamento e de encadeamento com a área produtiva da economia.
O ciclo econômico virtuoso comandado pela finança (finance-led growth)
funcionava a partir de uma expansão creditícia baseada no aumento do
preço dos ativos financeiros (no caso, do imobiliário), o qual possibilitava
a expansão do consumo e, posteriormente, do investimento, alavancando
o crescimento da economia e a geração de empregos, notadamente no
setor serviços. Dada a possibilidade de financiamento automático do seu
déficit corrente a partir da detenção da moeda de reserva mundial, esse
sistema apenas podia funcionar em sua plenitude nos Estados Unidos,
que, consequentemente, foi o País desenvolvido que atingiu maior
crescimento após 1980. Esse encadeamento foi atingido, em todos os
seus elos, pela crise que se iniciou em 2007. Os bancos de investimento, o
sistema bancário paralelo, as inovações financeiras, a desregulamentação
e a liberalização do sistema financeiro, a governança corporativa e as
agências de notação foram colocados sob severa suspeição após a
transmutação da crise imobiliária em crise financeira, em agosto de 2007,
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Scherer, A. L. F.; Souza, E. C. de. Período 1979-2009: ascensão e queda do capital financeiro.
e, posteriormente, após a passagem desta a uma crise econômica mundial
em 2008. O crescente endividamento das instituições financeiras e dos
consumidores, que caracterizou o avanço do processo de dominância
financeira a partir da formação de sucessivas bolhas de ativos, que
aumentavam ficticiamente a riqueza financeira das empresas e das
famílias, deu lugar a um movimento de desalavancagem sistêmica, que se
expressa na exigência de uma maior taxa de poupança das famílias e das
empresas nos Estados Unidos. A quebra do banco Lehman Brothers, em
setembro de 2008, paralisou completamente o sistema financeiro e
desnudou o processo de interligação de mercados e de maturidades
promovido pela securitização e pelos derivativos, cada vez mais
complexos, em um movimento em cadeia que, até hoje, causa espanto
aos mais desavisados quanto às especificidades do sistema financeiro
montado nas últimas três décadas5. Subitamente, ficou evidenciada a
irresponsabilidade de operações em mercados e instituições, que, apesar
de proporcionarem elevado risco sistêmico, operavam sem qualquer
supervisão (quiçá regulamentação...) das autoridades monetárias e de
valores mobiliários. As perdas com a crise, inicialmente avaliadas em
centenas de milhões de dólares, atingiram, por esse processo sistêmico,
um montante que se estima superior aos US$ 4 trilhões, até o momento,
especialmente nos EUA e na Europa. O relaxamento da política monetária,
que tão bem havia dado conta dos efeitos recessivos ocasionados pelo
estouro de bolhas anteriores, dessa vez se mostrou insuficiente. O antes
execrado setor público foi chamado, com urgência urgentíssima, como
único ente capaz de paralisar, em última instância, a cadeia de quebras
que ameaçava o setor financeiro norte-americano (e, por extensão, o
mundial), transformando os maus negócios privados em dívida pública,
dado o risco de uma depressão econômica mundial. Com o espectro da
Grande Depressão rondando os espíritos mais avisados, pacotes de
5 A pergunta “Como pôde um mercado relativamente pequeno como o do imobiliário subprime causar um montante em perdas estimadas em mais de 50 vezes superior ao seu valor total?” é feita, até hoje, com frequência e mostra um desconhecimento quanto às características e à complexidade do sistema financeiro mundial.
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Scherer, A. L. F.; Souza, E. C. de. Período 1979-2009: ascensão e queda do capital financeiro.
estímulo econômico foram lançados pelos Estados, na tentativa de
sustentar a atividade econômica e de impedir um avanço avassalador do
desemprego em todo o mundo. Assim, dada a ameaça concreta da
desintegração do sistema financeiro e da queda econômica, políticas que
vinham na contramão da não intervenção, pregada durante os primeiros
anos da década de 80, e que deram base à hegemonia financeira foram
saudadas corretamente como a única possibilidade de se evitar um
colapso econômico-financeiro mundial de proporções impossíveis de
serem previstas, caso não tivessem sido adotadas. Durante o ano de
2009, essa intervenção surtiu relativo efeito, especialmente após o mês
de março. O relaxamento de regras contábeis e a injeção de recursos
públicos a custo zero nas instituições bancárias dos EUA permitiram um
retorno à lucratividade contábil do sistema financeiro norte-americano,
possibilitando um novo avanço das atividades especulativas, nos
mercados tanto de commodities quanto de capitais dos países
desenvolvidos e, principalmente, dos países emergentes. Esse
desenvolvimento proporcionou uma aparência de normalidade às finanças
mundiais e à repetição insaciável do mantra “a crise acabou” pelos meios
de comunicação. Entretanto a intervenção estatal apenas proporcionou
que o sistema financeiro norte-americano ganhasse tempo, sem resolver
nenhuma das questões de fundo conjunturais ou estruturais que levaram
à eclosão da crise. A impossibilidade de recuperação dos níveis de crédito
às famílias continua tanto nos EUA quanto na Europa, mostrando a
fragilidade da incipiente recuperação — mais propriamente, uma
estabilização no fundo do poço — da atividade econômica e do emprego.
Assim, a recuperação financeira atual possui uma característica
fundamentalmente diferente daquela que marcou a saída de outras crises,
pois vem acoplada a um quadro de estagnação produtiva, com o setor
financeiro representando mais um peso do que um estímulo à sociedade.
Aqueles que ainda sonham com a volta ao sistema de dominância
financeira tal qual vigorou até 2007 terão de se confrontar com a
realidade, que mostra que é impossível beber água em um copo
O ambiente regional. (Três décadas de economia gaúcha, v.1). 2010 252
Scherer, A. L. F.; Souza, E. C. de. Período 1979-2009: ascensão e queda do capital financeiro.
despedaçado, mesmo que a imensidão de pedaços tenha sido colada às
pressas. A cola da confiança, que soldava a expansão constante do crédito
a partir de um endividamento progressivo, derreteu com a crise
financeira. A História mostra que é impossível voltar atrás.
Enunciado 13: politicamente, o fortalecimento relativo do setor
financeiro em 2009, embora frágil, reforçou a posição dos setores sociais
que não desejam nenhuma mudança substantiva na regulação dos
mercados e das instituições financeiras, em que pese ao imenso prejuízo
assumido pela sociedade, podendo representar uma ameaça à
estabilidade financeira mundial.
Resolver o nó ocasionado pelo progressivo endividamento do setor
público dos países desenvolvidos, para manter intocado até o momento
um sistema financeiro não funcional do ponto de vista da acumulação
capitalista, traduz o imenso desafio que estes enfrentam, para possibilitar
uma retomada consistente da atividade econômica e afastar a ameaça,
cada vez mais presente, de estarem fadados à estagnação de longo prazo,
tal qual acometeu a economia japonesa após o fim da bolha imobiliária,
ainda em 1990. Não reformar radicalmente o modus operandi do sistema
financeiro mundial é correr o risco de ter de se confrontar, em momento
relativamente breve, com uma nova crise, necessariamente de proporções
mundiais (dado o avanço do capital especulativo nos mercados
emergentes), a qual rebateria sobre Estados ainda mais fragilizados
financeiramente do que na crise anterior e com um setor financeiro ainda
mais concentrado do que antes. A concentração de capital em um número
reduzido de instituições financeiras too big to fail não deixa dúvidas
quanto à necessidade de intervenção estatal para socorrê-las em caso de
perdas que ameacem a continuidade de suas atividades. Isso coloca seus
executivos na posição confortável de poderem arriscar o máximo em
apostas especulativas ao redor do mundo — e, em caso de acerto,
embolsarem grossas somas em generosos bônus por desempenho —,
tendo a certeza de que o Estado se obrigará a socorrê-los em caso
O ambiente regional. (Três décadas de economia gaúcha, v.1). 2010 253
Scherer, A. L. F.; Souza, E. C. de. Período 1979-2009: ascensão e queda do capital financeiro.
contrário, restando apenas a dúvida quanto a capacidade financeira dos
Estados para tanto.
2 EFEITOS IDEOLÓGICOS, GEOPOLÍTICOS E CIVILIZACIONAIS DO CAPITALISMO FINANCEIRO
Após estabelecermos algumas proposições que definem em geral as
estruturas do capitalismo financeiro e desenvolvermos diversos
enunciados que trabalham a relação entre elementos da estrutura e a
dinâmica dos processos econômicos, chegando inclusive a tratar de fatos
dinâmicos empíricos, nesta seção, propomos a constatação de dois efeitos
profundos deste capitalismo financeiro. De um lado, fixamos as
transformações geopolíticas que ocorreram no período e, de outro, as
consequências que culminam numa sucessão de crises, que ultrapassam
as dimensões de uma vasta crise econômica.
Efeito 1: o capitalismo financeiro transforma a ideologia em indústria
midiática.
Para que seja dada a devida importância a tal mudança, devemos
levar em conta que a indústria midiática incorpora à antiga mídia
(imprensa, rádio, publicidade) as indústrias do divertimento (cinema e
televisão) e as novas mídias, como a internet, por exemplo. Observa-se a
ampliação exponencial daquilo que Guy Debord chamou de uma
“sociedade do espetáculo”, sociedade baseada tanto no poder da imagem
quanto na desqualificação da cultura. Trata-se da passagem de uma mídia
liberal, concorrencial e crítica, do tempo do comando do capital produtivo,
para uma mídia exclusiva do momento do pensamento único. Essa
passagem assegurou, durante 30 anos, o absoluto domínio ideológico do
capitalismo financeiro, através de uma mentalidade, de valores e de ideias
que promovem os vencedores e “o estilo norte-americano de habitar e
viver”. Vejamos a expansão das cidades asiáticas, como Xangai, Dubai,
Macao, Hong Kong, etc. Não se exclui a financeirização do esporte,
O ambiente regional. (Três décadas de economia gaúcha, v.1). 2010 254
Scherer, A. L. F.; Souza, E. C. de. Período 1979-2009: ascensão e queda do capital financeiro.
canalizando para a cotidianidade diária e imediata o tema da veneração
aos vencedores, bem como a normalização da transformação dos
desportistas em portadores de marcas em ativos financeiros, para o caso
dos mais bem-sucedidos.
No final do período, transformações na tecnologia desvincularam
parte da sociedade dessa hegemonia ideológica, através do escape dos
cidadãos via internet, através de sites, celulares, blogs e twitter, na busca
de notícias mais consistentes e de opiniões, artigos mais substanciais,
com reflexos até mesmo em disputas políticas, como foi a vitória de
Zapatero — impulsionada, no último momento, por mensagens SMS sobre
o atentado de Atocha, que ultrapassaram a censura oficial — nas eleições
espanholas, já no século XXI.
Efeito 2: o processo político do capitalismo financeiro passou da Guerra
Fria para um neoliberalismo de guerra, culminando com uma articulação
econômica com a China.
Como consequência da Segunda Guerra, o mundo polarizou-se entre
os Estados Unidos e a União Soviética, num fenômeno conhecido como
Guerra Fria. O capitalismo industrial norte-americano, com expansão
bancária pelo mundo, transformou-se, após a queda da União Soviética,
definitivamente, num capitalismo de liderança, dominância e hegemonia
financeira, cada vez mais, desregulado. O resultado político-ideológico foi
a passagem do liberalismo político, econômico e existencial para um
neoliberalismo, onde predominou inicialmente o caráter econômico. Esse
neoliberalismo ultrapassou todos os limites, chegando ao nível político na
defesa do unilateralismo dos Estados Unidos. Esse processo culminou na
“guerra contra o terrorismo”, resultado do ataque sofrido pelos norte-
americanos em 11 de setembro de 2001, cujo desdobramento foi a Guerra
do Afeganistão e do Iraque.
O interessante é que o processo político-econômico foi duplo. De um
lado, no campo político, o neoliberalismo desdobrou-se num
neoliberalismo de guerra. “Os Estados Unidos são um povo guerreiro”,
O ambiente regional. (Três décadas de economia gaúcha, v.1). 2010 255
Scherer, A. L. F.; Souza, E. C. de. Período 1979-2009: ascensão e queda do capital financeiro.
disse George Bush. De outro, no nível econômico, as necessidades
objetivas do capitalismo financeiro, centrado num vasto mercado de
títulos, centralizado nos Estados Unidos, obrigaram o deslocamento de
muitas de suas corporações para a Ásia, culminando na ascensão
fantástica da China, onde surgiu uma contradição consistente, através de
um capitalismo financeiro de Estado. A crise norte-americana exige fortes
reformulações no campo internacional. Estamos, neste momento, 2010,
atravessando a margem rumo a uma outra forma de capitalismo, ainda
em construção, a uma outra mundialização, onde, certamente, o
unilateralismo deixa o campo para a entrada de um novo multilateralismo,
de configuração ainda ignorada. O que sabemos é que a polaridade
principal será entre os Estados Unidos e a China. Mas, aqui, o futuro mal
começa a ser presente, e tudo são estratégias, conjeturas e perspectivas,
que vão sendo desenvolvidas no interior de um mundo cuja matemática
histórica é uma multiplicação de crises.
Efeito 3: o processo global do capitalismo financeiro e do neoliberalismo
culminou numa multiplicidade de crises, colocando em pauta o tema da
crise da civilização.
O processo social mundial que se viveu nos últimos 30 anos,
caracterizado pela dominância e pela hegemonia do capitalismo financeiro,
trouxe à cena uma multiplicidade de crises. Não bastasse a crise
econômica (com suas violentas quebras financeiras; com a crise das
velhas indústrias, do tipo automobilística; com a crise de crescimento das
tecnologias de comunicação e informação), outras crises emergiram no
panorama da mundialização: a crise política, a crise energética, a crise
ambiental, a crise cultural, a crise de valores e outras mais. Vejamos a
crise política. Vários são os temas que estão surgindo. As perguntas
eclodem com luminosidade. Como será a liderança norte-americana?
Como se dará a relação entre Estados Unidos e China? Qual será o papel
dos emergentes? Qual será o papel da emigração na constituição das
nações? Como será tratado o terrorismo? Como serão enfrentadas as
O ambiente regional. (Três décadas de economia gaúcha, v.1). 2010 256
Scherer, A. L. F.; Souza, E. C. de. Período 1979-2009: ascensão e queda do capital financeiro.
máfias, cada vez mais presentes nos cenários econômicos? Haverá
governança internacional? Como serão tratados os países pobres? Etc.,
etc., etc...
Pois, a situação torna-se complexa, porque certamente temos o
surgimento, nas cenas econômica e, mesmo, ambiental, do tema da
energia. O que está em jogo, em primeiro lugar, é a base energética da
infraestrutura produtiva. Só que não se trata apenas da infraestrutura da
economia, está presente também o tema ambiental, que, obviamente, se
complica com tantos outros aspectos: o conteúdo agressivo diversificado
da pluralidade energética; a escassez desigual da água; a erosão e a
desertificação de várias regiões e vários países; a dificuldade de produção
de alimentos em inúmeras partes do mundo; dentre outras questões de
suma importância.
Todavia, não podemos reduzir as crises que o capitalismo financeiro
e o neoliberalismo aportaram apenas a elementos econômicos, políticos
ou ambientais. A crise espraiou-se por outros setores, como a cultura.
Nenhuma sociedade se renova, encontra fertilidade em ideias, em
perspectivas, se a cultura fica entravada. A transformação da cultura de
pensamento, da arte, das ideias e dos valores em mercadorias, que,
ademais, obedecem a uma lógica financeira de valorização, pode
alimentar o comércio dos consumidores, mas não provoca a metamorfose
criativa das sociedades.
E os desafios do momento são imensos, embora a indústria
midiática continue martelando que a crise iniciada em 2007 terminou, que
o mundo está brilhando como nunca. O que percebemos é exatamente o
contrário. E podemos até aventurar que, se olhamos de Nova Iorque a
Xangai, de Londres a Tóquio, de Paris a Teerã, de Roma a Cabul, de
Brasília a Bombaim, de Buenos Aires a Bagdá, de Porto Príncipe a
Joanesburgo, enfim, para todos os lugares do mundo — essa crise
financeira, com as suas desigualdades profundas; essa crise política,
incrustrada por uma crise demográfica; essa crise energética, com
incertezas demoradas; essa crise ambiental, da qual o documentário de Al
O ambiente regional. (Três décadas de economia gaúcha, v.1). 2010 257
Scherer, A. L. F.; Souza, E. C. de. Período 1979-2009: ascensão e queda do capital financeiro.
Gore visualizou toda a dramaticidade; essa crise de valores, que explode
numa crise cultural —, o que percebemos é que estamos numa crise da
civilização.
Mas não ousemos dizer como certo cientista social que fala em
guerra de civilizações, isso seria esconder que, por trás dessa figura, está
presente a decomposição do capitalismo financeiro. Por isso, constatamos
que todas essas crises são atravessadas pela exacerbação do financeiro,
que introduziu o pensamento único, a sociedade de falsos vencedores, o
mundo da valorização pelo dinheiro, o momento histórico da
desqualificação da cultura, etc.
Ou seja, o saudável desta crise é que tudo pode encontrar novas
soluções e que essas serão encontradas a partir dos múltiplos conflitos em
concorrência. O problema fundamental será a capacidade do mundo de
definir regras para os confrontos. Porque, não há dúvida, os confrontos
estão apenas começando. Que se tenha bem claro: não foi a crise que
terminou, foi apenas o mundo dominado exclusivamente pelas finanças
que ruiu.
Começa, então, um outro mundo. Qual?
3 ECONOMIA BRASILEIRA: QUAL TRAJETÓRIA SOB A HEGEMONIA FINANCEIRA?
Neste artigo, buscamos traçar um quadro descritivo e explicativo de
um fenômeno complexo: a emergência de uma hegemonia do capital
financeiro, seu auge e sua crise e de como esse capitalismo,
hegemonizado pela finança, criou suas instituições e suas regras de
funcionamento, formando um sistema tão autoritário (pois não permitia
qualquer espaço para uma atuação dissidente) quanto flexível (baseado
em regras informais, convenções e na autorregulação).
Foi nesse ambiente que se desenvolveram as economias brasileira e
gaúcha, sob condições extremamente desiguais. A relação entre a
economia brasileira e o período da hegemonia financeira possui algumas
O ambiente regional. (Três décadas de economia gaúcha, v.1). 2010 258
Scherer, A. L. F.; Souza, E. C. de. Período 1979-2009: ascensão e queda do capital financeiro.
especificidades bastante curiosas. Entre 1980 e 1993, o Brasil esteve sob
o peso de uma dívida externa que não mais podia ser refinanciada nas
condições anteriores. A primeira delas, que, em certo sentido, condicionou
as demais, trata-se do avanço da financeirização da economia brasileira
frente à sua inserção mais efetiva no processo da globalização
contemporânea. O avanço da inflação, nos anos 80, transformou o setor
financeiro nacional no setor líder da economia brasileira, em plena crise
inflacionária e estagnação econômica.
No Brasil, ao contrário do que ocorreu na Europa, não foi a
integração concorrencial ao sistema financeiro internacional que levou a
um relaxamento das regulações locais e a um avanço do setor financeiro
na luta intercapitalista. Aqui, o isolamento forçado do País, ocasionado
pela crise da dívida externa em 1982, e o decorrente surto inflacionário,
que se sucederam ao longo da década, tiveram como subproduto que um
setor não integrado à economia mundial se modernizasse
tecnologicamente — os ganhos com o floating intensificavam-se com a
inflação, ao mesmo tempo em que justificavam investimentos pesados em
tecnologia que permitissem ao setor financeiro maior agilidade e rapidez
no tratamento dos dados, ao contrário do que ocorria com os demais
setores da economia nacional — e se fortalecesse localmente, tornando-
se, pouco a pouco, o centro da acumulação capitalista no País.
Ao final dos anos 80, ganhou espaço o discurso neoliberal, sob
influência tanto dos fracassos na resolução do problema inflacionário
quanto de uma articulação conservadora, montada para a elaboração da
Constituição de 1988. Essa via, nas causas dos fracassos do combate à
inflação, um erro de diagnóstico. A abertura comercial e financeira, bem
como as privatizações e o ajuste fiscal pelo lado da despesa, foi
incorporada à agenda política nacional. A eleição de Fernando Collor, no
início dos anos 90, foi resultado desse novo ânimo conservador.
Entretanto o total improviso na elaboração do Plano Collor de combate à
inflação e sua abrupta condução, bem como a falha em seu diagnóstico,
que colocava o déficit público como causa primeira do desequilíbrio
O ambiente regional. (Três décadas de economia gaúcha, v.1). 2010 259
Scherer, A. L. F.; Souza, E. C. de. Período 1979-2009: ascensão e queda do capital financeiro.
interno, levaram-no rapidamente ao fracasso e, com ele, o próprio
mandato presidencial. O grande passo para o controle inflacionário foi
dado, com êxito, na repactuação da dívida externa brasileira, nos moldes
do Plano Brady, entre 1992 e 1993. Essa renegociação recolocou, em
1993, o Brasil na órbita de interesse dos aplicadores internacionais e abriu
as portas para a transformação do País em “mercado emergente”. O
problema inflacionário que preexistia no Brasil tornou-se descontrolado
com a crise da dívida externa, que isolou o País dos fluxos de capitais
externos e o obrigou a um ajuste externo inflacionista, sendo equacionado
com a repactuação dessa dívida e a possibilidade de nova entrada de
divisas (retomada do endividamento externo). Esse foi o pré-requisito
fundamental para o sucesso do Plano Real, embora seja justo
reconhecermos a competência técnica de sua execução inicial, baseada
fundamentalmente nas mesmas premissas que deram origem ao
malfadado Plano Cruzado (derrotado essencialmente pela incapacidade do
Governo em promover uma importação massiva de bens de consumo,
dada a falta de divisas). O controle do processo inflacionário sob a égide
hegemônica neoliberal e a transformação do país em “mercado
emergente”, com a liberalização comercial e financeira, marcaram o fim
de uma etapa, em que o Brasil e o mundo desenvolvido estiveram
dissociados, dada a impossibilidade do País de receber capitais de curto
prazo, característicos do processo de integração financeira.
Uma segunda etapa iniciou com a estabilização da inflação e a
implementação do Plano Real, alicerçada por massiva entrada de recursos
do exterior, em 1994. Entretanto a condução do Plano Real, após seu
êxito inicial, não fez jus à engenhosidade de sua implantação. A crise
mexicana, ocorrida em dezembro de 1994, acrescentou um risco adicional
aos aportes de capitais aos “mercados emergentes”, fazendo com que os
aplicadores de recursos ao redor do mundo exigissem prêmios maiores
desses países. Foi nesse momento que a armadilha externa se fechou
novamente sobre o Brasil, com os juros elevados, originalmente com a
função de combater a ampliação descontrolada do crédito, sendo causa
O ambiente regional. (Três décadas de economia gaúcha, v.1). 2010 260
Scherer, A. L. F.; Souza, E. C. de. Período 1979-2009: ascensão e queda do capital financeiro.
principal de novo descontrole externo, a partir da pressão para apreciação
cambial por eles exercida. Ou seja, houve uma exigência de manutenção
dos juros elevados, devido à deterioração da situação externa da
economia brasileira por eles provocada! A crise asiática e a crise russa
reforçaram a dificuldade de manutenção da política econômica baseada no
câmbio valorizado. A forte queda nas reservas e a fuga de capitais
levaram o Governo a recorrer ao Fundo Monetário Internacional em 1998
e a se comprometer com um programa de austeridade fiscal baseado na
privatização dos serviços públicos remanescentes (telecomunicações e
energia).
O período do primeiro Governo Fernando Henrique Cardoso (1994-
98) encerrou-se melancolicamente: a dívida interna havia aumentado
muito, tal qual a dívida externa, sem que isso tivesse contribuído para
uma expansão significativa da taxa de investimento. A elevação da dívida
interna e a remuneração obtida a partir das elevadas taxas reais de juros
consolidaram o sistema financeiro nacional em sua posição dominante,
tanto na economia como na máquina pública (em particular, no Ministério
da Fazenda e no Banco Central).
Em 1999, impôs-se uma mudança nos rumos da política econômica.
Sem conseguir estancar a fuga de capitais, o Governo implantou
novamente o regime de câmbio flutuante, dessa vez acompanhado do
comprometimento com a execução de um superávit primário nas contas
públicas e de um regime de metas preanunciadas para a taxa de inflação
do período. Tratava-se de uma combinação engenhosa, embora
insuficiente, para garantir a estabilidade inflacionária, mas que,
inevitavelmente, mantinha as taxas de juros elevadas6. O resultado foi um
período de estagnação econômica ainda mais contundente que o anterior,
com tímida e lenta melhora no equilíbrio fiscal e externo.7
6 A taxa de juros possui um papel crucial nessa política econômica: ela controla tanto o excesso de consumo e de crédito quanto a excessiva desvalorização cambial e seus efeitos sobre os preços. Esse duplo papel faz com que, em situação de restrição externa, sua queda seja praticamente impossível.7 É interessante relembrarmos que as questões afetas ao crescimento da economia e à geração de empregos eram tratadas, à época, como temas relacionados às reformas de cunho microeconômico, que dariam resultado em longo prazo. As privatizações
O ambiente regional. (Três décadas de economia gaúcha, v.1). 2010 261
Scherer, A. L. F.; Souza, E. C. de. Período 1979-2009: ascensão e queda do capital financeiro.
Nesse contexto difícil, o Governo Lula começou timidamente seu
trabalho em 2003, dando continuidade ao tripé de política econômica
herdado do Governo anterior, a partir da nomeação de um ex-banqueiro,
Henrique Meirelles, para a Presidência do Banco Central. Os superávits
fiscais foram apertados, e a política monetária tornou-se ainda mais
ortodoxa, o que garantiu substancial continuidade no fluxo de renda
auferido pelos setores sociais rentistas. O ano de 2003 ainda foi marcado
pela estagnação e pela aceleração do ajuste externo, o qual se consolidou
a partir de 2004. A rápida melhoria da situação externa deu-se,
principalmente, pela reversão dos termos de intercâmbio em favor da
economia brasileira, a partir de 2003. Isso permitiu elevados saldos
comerciais e, a partir de 2005, saldos positivos em transações correntes.
Iniciava-se uma terceira etapa do relacionamento do Brasil com o
exterior, sob hegemonia financeira.
Essa mudança, ocorrida no cenário internacional, concedeu maior
liberdade de atuação ao Governo, o que possibilitou metamorfosear a
melhora da situação externa em aumento do consumo interno, a partir da
implantação de um simulacro de finance-led growth no País. As taxas de
juros nominais puderam ser relaxadas, pois a maior entrada de divisas
(sem endividamento dessa vez), combinada à estagnação dos preços
internacionais dos produtos manufaturados, deu conta das pressões
inflacionárias a partir da valorização da taxa de câmbio. Ora, no cenário
anterior, sem as mudanças externas, uma apreciação cambial teria
resultado em continuados déficits em transações correntes e aumento da
fragilidade externa e, posteriormente, fuga de capitais. Já no cenário
então presente, o efeito foi simétrico: dada a interpretação de uma
mudança estrutural na economia mundial pelos aplicadores internacionais,
modernizariam os serviços, rebaixando o mal alcunhado “Custo- -Brasil”; reformas no sistema previdenciário garantiriam as fontes de poupança privada; reformas trabalhistas introduziriam flexibilidade à economia; e, o mais importante, apenas uma melhoria substancial no sistema educacional traria o “crescimento sustentável”, expressão que foi repetida (e ainda é) ad nauseam, embora não faça nenhum sentido em uma economia capitalista e, portanto, intrinsecamente instável e desequilibrada.
O ambiente regional. (Três décadas de economia gaúcha, v.1). 2010 262
Scherer, A. L. F.; Souza, E. C. de. Período 1979-2009: ascensão e queda do capital financeiro.
estes procuraram, com maior voracidade, o País, ainda que as taxas
nominais de juros estivessem cadentes.
Isso permitiu ao Governo promover ações que potencializaram o
efeito do ajuste externo involuntário. A criação e o sucesso instantâneo do
crédito consignado, a consolidação dos programas sociais com o Bolsa
Família, de valor crescente, e os aumentos reais para o salário mínimo
foram políticas que, embora viabilizadas pelo ajuste externo, dialogaram
com a menor fragilidade externa, criando um ciclo interno virtuoso.
A partir do final de seu primeiro mandato, em 2006, o Governo Lula
procurou tomar para si a condução e o fortalecimento do nexo entre
consumo e investimento, com a criação do Plano de Aceleração do
Crescimento (PAC). Tratou-se de importantíssima iniciativa em ano
eleitoral, pois, pela primeira vez após os anos 80, a simbologia do
crescimento e do desenvolvimento suplantava, em apelo, o ideário da
estabilização. A reafirmação desse imaginário político, em especial no
segundo turno da eleição de 2006, comprometeu o Governo com o ideário
do crescimento e da geração de empregos. Tratava-se do embrião de uma
estratégia neodesenvolvimentista, que ganhou fôlego com a descoberta de
grandes jazidas de petróleo na camada marítima do pré-sal, colocando a
Petrobrás no centro da estratégia de investimento projetada para o futuro.
A crise financeira mundial, embora tenha atingido fortemente o
Brasil no último trimestre de 2008, foi contra-arrestada com maior
velocidade do que nos países desenvolvidos, exatamente devido à menor
integração do sistema financeiro nacional com o exterior. Essa decorre
não apenas da origem da dominância financeira no País, mas também de
seu domínio sobre o Estado e de sua capacidade de auferir altíssimas
taxas de lucro, sem a necessidade de exposição excessiva ao risco
cambial e financeiro prevalente nos mercados globais8. A posição pró-ativa
do Estado brasileiro no episódio merece elogios pela efetividade do ataque
fiscal e da política de rendas frente à conjuntura recessiva. A política
8 O Unibanco, que se havia integrado à grande seguradora mundial American International Group (AIG), não resistiu e teve de ser vendido in extremis ao banco Itaú.
O ambiente regional. (Três décadas de economia gaúcha, v.1). 2010 263
Scherer, A. L. F.; Souza, E. C. de. Período 1979-2009: ascensão e queda do capital financeiro.
monetária foi relaxada, em um contexto de pressões deflacionistas em
nível mundial, o que permitiu, conjuntamente com o aumento dos prazos
de pagamento, uma nova rodada de expansão creditícia e a manutenção
do consumo das famílias.
Entretanto desafios remanescem. O principal diz respeito ao retorno
dos déficits em transações correntes de grandes proporções, projetado
para 2010. Apesar do elevado nível das reservas em poder do País, a
História, pretérita e recente, mostra que a fragilidade externa e a
manutenção de uma taxa de câmbio irreal, dada a entrada de capitais de
curto prazo, sempre cobram altíssimo custo, quando, por qualquer
motivo, as expectativas de desvalorização cambial prevalecem e
precipitam a fuga de capitais. Em um contexto internacional
extremamente incerto e turbulento, onde existem inúmeros focos
potenciais de crise, com potencial de rápido alastramento, não atentarmos
para essa realidade chega às raias da irresponsabilidade.
Todavia, se olharmos para as perspectivas estruturais e
estratégicas, o Brasil está posicionado por causa do seu elenco de
oportunidades: petróleo, pré-sal, biocombustíveis, produtos alimentares e
até matérias-primas. A questão fundamental é como o futuro Governo e a
futura política econômica vão equacionar a presença ainda forte do capital
financeiro nos países emergentes — logo, no Brasil — e como o País vai
trabalhar a arquitetura de sua posição tanto na economia quanto na
política mundial. Cabe observarmos que não é tão fundamental o Brasil
ser a quinta ou a sexta economia do mundo (a Argentina foi, um dia, a
quarta), mas é decisivo internalizar os setores mais avançados da
atividade produtiva e procurar respostas adequadas na questão
tecnológica, para que se possa sustentar com alguma perspectiva nas
rupturas das etapas econômicas. O Brasil está na hora da razão e na de
pensar, estrategicamente, a sua inserção na nova divisão internacional do
trabalho, negociando habilmente com as finanças e as corporações
produtivas multinacionais.
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Scherer, A. L. F.; Souza, E. C. de. Período 1979-2009: ascensão e queda do capital financeiro.
4 CONCLUSÃO
O trabalho sobre o capital financeiro, sua liderança, sua dominância
e sua hegemonia conduziu-nos a uma viagem ampla. Em primeiro lugar,
atravessamos o campo teórico, para caracterizarmos os fundamentos da
sua existência, da sua estrutura e da sua história. Isso equivale a
dizermos que, a partir de 1979, houve uma mutação histórica
absolutamente significativa, que envolveu uma nova concepção do Estado
e uma nova concepção da moeda, que deram as condições fundamentais
para o funcionamento do sistema econômico. Em segundo lugar,
descrevemos as condições operacionais dessa hegemonia financeira, seja
porque montou uma rede, uma máquina extremamente competente, seja
porque a tornou fascinante e voluptuosa. Em terceiro lugar, o grande
desenvolvimento dessa forma de capital trouxe uma vertiginosa
acumulação financeira da riqueza, de tal modo que originou uma
complexa construção de entidades das finanças e uma infindável criação
de instrumentos e títulos portadores de valorizações abstratas, de um
modo geral favorecedoras da especulação. Em quarto lugar, o capital
financeiro carregou uma série de inovações sociais, todas, porém,
caracterizadas pela mercantilização dos bens e dos serviços, uma vez que
o capital se aprontou para ocupar os mais diversos setores da sociedade:
educação, arte, cultura, saúde, segurança, previdência, etc. Enfim, os 30
anos foram marcados por uma ambição de domínio completo e total, uma
biografia de uma forma econômica de corpo inteiro e exclusivo, com
pretensões de ser única e insubstituível.
O movimento do período, onde o arco de influência do capital
financeiro avançou sobre todos os cantos do Planeta, integrando tudo —
Américas, Europa, Ásia, África, Austrália, Oceania —, caracterizou-se
igualmente pela capitalização do máximo possível. Em verdade, os
resultados foram brilhantes e enfeitiçadores em determinados momentos.
Contudo, no fim do período, o capitalismo financeiro, em suas formas
O ambiente regional. (Três décadas de economia gaúcha, v.1). 2010 265
Scherer, A. L. F.; Souza, E. C. de. Período 1979-2009: ascensão e queda do capital financeiro.
política, militar e ideológica, atingiu modos desvirtuados e efeitos críticos
destruidores. No processo de análise, podemos constatar um decisivo
caminho de transformação da própria ideologia do capital financeiro em
indústria, de grande impacto e grande domínio das populações e que leva
o nome de indústria midiática, onde se situa a indústria cultural. Ela, além
de produzir imagens, ideias, mentalidades, afeições, valores, produtos,
etc., tem a função de veicular e canalizar desejos, aspirações,
sentimentos, no que, o principal, a crítica a qualquer aspecto do sistema,
está ausente. Mas, no fim do período, a vertiginosa subida das finanças
chegou ao seu reverso, ela se projetou numa pluralidade de crises,
vertendo problemas desde a área da economia até a crise energética e
ambiental. Muitos especialistas chegaram a falar em crise da civilização. E
tudo isso dentro de uma transformação imensa da geopolítica, que
certamente vai conduzir o mundo a novos problemas e a novas questões.
Claro, atravessou-se a polaridade entre Estados Unidos e União Soviética,
prosseguiu-se no unilateralismo norte-americano, para chegar a algo
novo, onde sobressai o G-2 — Estados Unidos e China — e põe-se no
palco dos protagonismos um conjunto de nações chamado G-20, onde
aparece igualmente o Brasil.
Num estudo sobre o Rio Grande do Sul, cabe vermos que existem
peculiaridades ao País e ao Estado, mas não podemos deixar de perceber
que existe uma moldura, um enquadramento, uma determinação de
leitura, que acompanha, pelo externo, as dimensões internas da sociedade
brasileira e da sociedade gaúcha. Esses dois lados da realidade desses 30
anos estão contemplados nestes vários volumes.
Porém o texto que aqui se encerra, um texto sobre o capital
financeiro, por mais limitado que seja, trabalha para dar conta do
movimento do capitalismo nos seus propósitos, nos seus enunciados e nos
seus efeitos. Ao mesmo tempo, tenta sublinhar as principais dimensões da
sua ascensão e as múltiplas facetas da sua queda. Por isso, este texto é
capaz de dialogar com os demais desta publicação, fazendo, nas suas
proporções e nos seus pensamentos, pontuações, referências e
O ambiente regional. (Três décadas de economia gaúcha, v.1). 2010 266
Scherer, A. L. F.; Souza, E. C. de. Período 1979-2009: ascensão e queda do capital financeiro.
indagações que só valorizam os demais trabalhos. Foi nesse sentido que
estas páginas foram escritas.
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