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REVISTA DO PROFESSOR, jul./set. 2007 11 (91): Porto Alegre, 23 11-13, CONTOS DE FADAS Recurso pedagógico para uma aprendizagem significativa e prazerosa • DALVA DAS GRAÇAS MENDES Supervisora de Ensino. Pós-Graduada em Psicopedagogia e em Supervisão Escolar. Itapetininga/SP. E-mail: [email protected] Numa época em que viven- ciamos a inclusão digital, presen- ciamos a tecnologia e convivemos com a globalização, muitos educa- dores poderão perguntar: por que trabalharmos ainda com os contos de fadas em sala de aula? Porque, mesmo com os atrativos eletrônicos a que nossas crianças e jovens estão expostos na mídia, este questionamento nos remete à afir- mação de Held de que contos de fadas são paradoxo da pedagogia: para um ensino criador de mitos, uma literatura que não se limita ao saber, mas que desenvolve a ima- ginação poética e a criatividade da criança. Diante de tal proposição, enten- demos, enquanto educadores, que a transformação e o crescimento, as ampliações de novos horizontes e de novas idéias se dão quando o professor se arrisca e ousa em sua práxis, buscando novas alternati- vas, trilhando novos caminhos que facilitem a construção do conheci- mento de seus alunos. Ao fazer uso dos contos de fadas em sala de aula, o professor contará com um precioso recur- so da Literatura Infantil e estará viabilizando a articulação entre todos os eixos dos Referenciais Curriculares da Educação Infantil e, de acordo com os Parâmetros Curriculares Nacionais, as áreas do conhecimento, de maneira significativa e prazerosa para as crianças, porque o Conto de Fadas procede de uma maneira consoante ao caminho pelo qual uma criança pensa e experimenta o mundo e por esta razão os con- tos são convincentes para ela... Ela pode obter um consolo muito maior de um conto de fadas do que de um esforço para consolá- la baseado em raciocínio e pontos de vista adultos, nos esclarece Bettelheim. Em um cenário de muita desi- gualdade social em que milhares de Joaõzinhos e Mariazinhas, de muitos Patinhos Feios, de cente- nas de Vendedoras de Fósforos em situação de miséria perambulam sozinhos em cidades grandes, médias e pequenas ou, por questão de sobrevivência, estão fora da escola, temas como o combate à fome, à miséria, à injustiça social, ao trabalho infantil, à violência familiar, ao preconceito, e o in-

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  • REVISTA DO PROFESSOR, jul./set. 200711

    (91):Porto Alegre, 23 11-13,

    CONTOS DE FADASRecurso pedaggico para uma aprendizagem significativa e prazerosa

    DALVA DAS GRAAS MENDESSupervisora de Ensino.Ps-Graduada em Psicopedagogia e em Superviso Escolar. Itapetininga/SP.E-mail: [email protected]

    Numa poca em que vivenciamos a incluso digital, presenciamos a tecnologia e convivemos com a globalizao, muitos educadores podero perguntar: por que trabalharmos ainda com os contos de fadas em sala de aula?

    Porque, mesmo com os atrativos eletrnicos a que nossas crian as e jovens esto expostos na mdia, este questionamento nos remete afirmao de Held de que contos de fadas so paradoxo da pedagogia: para um ensino cria dor de mitos, uma literatura que no se limita ao saber, mas que desenvolve a ima-ginao potica e a criatividade da crian a.

    Diante de tal proposio, entendemos, enquanto educadores, que a transformao e o crescimento, as ampliaes de novos horizontes e de novas idias se do quando o professor se arrisca e ousa em sua prxis, buscando novas alternativas, trilhando novos caminhos que facilitem a construo do conhecimento de seus alunos.

    Ao fazer uso dos contos de fadas em sala de aula, o professor contar com um precioso recurso da Literatura Infantil e estar viabilizando a articulao entre todos os eixos dos Referenciais Curriculares da Educao Infantil e, de acordo com os Parmetros Curriculares Nacionais, as reas do conhecimento, de maneira significativa e prazerosa para as crian as, porque o Conto de Fadas procede de uma maneira consoante ao caminho pelo qual uma criana pensa e experimenta

    o mundo e por esta razo os con-tos so convincentes para ela... Ela pode obter um consolo muito maior de um conto de fadas do que de um esforo para con so l-la baseado em raciocnio e pontos de vista adultos, nos esclarece Bettelheim.

    Em um cenrio de muita desigualdade social em que milhares de Joazinhos e Mariazinhas, de

    muitos Patinhos Feios, de centenas de Vendedoras de Fsforos em situao de misria perambulam sozinhos em cidades grandes, mdias e pequenas ou, por questo de sobrevivncia, esto fora da escola, temas como o combate fome, misria, injustia social, ao trabalho infantil, vio lncia familiar, ao preconceito, e o in

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    centivo a valores morais, polticos, culturais, religiosos, entre tantos outros, podero ser explorados com muita pro prie dade e ousadia pelo educador nos Temas Transversais, permean do todas as reas do conhecimento. Na verdade, os contos de fadas falam dos medos, de amor, de auto descobertas, de perdas e buscas, de carncias, de abandonos, de esquecimentos; de que, s vezes, os irmos, os familiares prximos so maus, perversos, injustos, vingativos e que a ajuda pode chegar atravs de desconhecidos, de desafios ter-rveis que tm que ser enfrentados. Falam de tristezas, de desconfor-tos, de revelaes, de sexualidade [...] Nos falam das dificuldades de ser criana ou jovem, conforme nos ensina Abramovich.

    SUGESTES DE TRABALHO Inicialmente, para trabalhar

    com os contos de fadas e alcanar resultados positivos, o professor deve estar atento ao estgio psicolgico e s faixas etrias dos alunos na escolha dos textos. Segundo Nelly Novaes, a Psicologia Experimental estabeleceu que a Primeira Infncia a fase do Movimento e Emotividade, ocorrendo dos 15/18 meses aos 3 anos; a Segunda Infncia, a fase da Fantasia e da Imaginao; a Terceira Infncia a fase onde esto presentes o Pensamento Racional e Socializao; a Pr--Adolescncia, dos 11 aos 16 anos, que segundo Piaget a idade metafsica por excelncia: o Eu forte bastante para reconstruir o Universo e suficientemente grande para incorpor-lo e a Adolescn-cia marcada pela nsia de viver, pela Aventura, Busca e Revolta ( a partir dos 17/18 anos).

    Destacamos, a seguir, autores deste gnero literrio que encanta crianas e mesmo adultos do mundo inteiro. Em Char les Perrault

    encontramos textos com humor, fantasia e magia; o fantstico e o maravilhoso aparecem com riqueza de detalhes nos contos dos irmos Jacob e Wilhelm Grimm; j o romantismo, a dura realidade, valores, ternura e sonhos fazem parte das obras de Hans Christian Ander sen. Temos ainda outros autores, como Wilhelm Hauff, que produziu contos moda rabe; Lewis Carroll, cuja principal obra Alice no Pas das Maravilhas, e Walt Disney que, mesmo adaptando os contos originais, nos encanta e d asas a nossa imaginao. No Brasil, Monteiro Loba to e as inesquecveis aventuras da Boneca Emlia deram incio a nossa literatura infantojuvenil.

    Como subsdio para um trabalho com contos de fadas, apresentamos procedimentos que podem ser adotados tanto na Educao Infantil como nas sries iniciais ou nos primeiros anos do Ensino Fundamental, tendo em vista uma prtica pedaggica prazerosa e significativa.

    O professor poder, ento, desencadear as seguintes atividades: 10 dia contar a histria sem ler. Para isso, dever criar um clima, a expectativa do Era uma vez,

    suscitando a ateno, o interesse e a concentrao. A prpria histria mgica, da a criana senta e espera quieta; 20 dia contar a histria e solicitar o auxlio das crianas, pois a narrativa pode e deve ser a porta de entrada de toda criana para os mundos criados pela literatura, como nos orienta o Refe rencial Curricular para Educao Infantil. Depois, pedir que faam desenhos relativos ao conto, guardandoos para, posteriormente, analisar a seqncia dos mesmos e, assim, poder ir observando o desenvolvimento de cada aluno; 30 dia proceder da mesma forma. Pedir novamente o desenho da histria, pois, quando a criana desenha, ela fixa, desenvolve a criati vidade, o imaginrio, etc. O professor no deve questionar ou criticar o desenho. O desenho do conto de fadas deve pr em evidncia o comeo, o meio e o fim da histria; 40 dia proceder como nas vezes anteriores, sempre pedindo auxlio s crianas e enriquecendo a histria. As crianas desenham e j podem trabalhar com outros elementos como sucata, etc.; 50 dia pedir que o conto seja

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    apresentado pelas crianas por meio da dramatizao, do trabalho com argila, colagem, dobraduras, fantoches, etc. Nesta fase, o professor pode, por exemplo, levar a turma a um piquenique ou outro passeio: Joo e Maria vo ao Shop ping ou Branca de Neve e os Sete Anes vo a um pique-nique ou Chapeu zinho Vermelho vai passear no Zoolgico, etc. dependendo da histria e do tema que esteja abordando no momento.

    No desenvolvimento das atividades, o professor poder utilizar vrios recursos, tais como o teatro de fantoches, o cineminha, a caixa mgica ou caixasurpresa, projetos e jogos, promovendo a ludicidade e desencadeando um trabalho integrado com todas as reas do conhecimento, especialmente com a Matemtica, que apresenta, quase sempre, um maior grau de dificuldade para as crian as.

    Como nos ensina Katia Smole, acreditamos que seja importante, desde a escola infantil, que as crianas percebam que as idias matemticas encontram-se inter--relacionadas e que a matemtica no est isolada das demais reas do conhecimento. [...] Dessa for-ma, cremos que as crianas no apenas devam estar em contato permanente com as idias mate-mticas, como pensamos que as atividades, sempre que possvel, devem estar interligando diferen-tes reas do conhecimento, como acontece, por exemplo, com a literatura infantil.

    Ressaltamos que tambm nas ltimas sries ou nos primeiros anos do Ensino Fundamental, os contos de fadas podero ser temas de trabalho com projetos, cujo produto final seja, por exemplo, a produo de textos para crianas da Educao Infantil e das sries ou dos anos iniciais do Fundamental, tendo como objetivo o incentivo formao de competentes

    leitores, alm da promoo de debates, palestras, seminrios, mesasredondas sobre temas atuais, visitas a exposies e a feiras de livros, etc.

    Portanto, fazse necessrio que o professor repense o seu fazer, seja inovador, recrie o espao da sala de aula, tornando a aprendizagem significativa, a fim de resgatar o prazer de ensinar e aprender, pois somos eternos aprendizes.

    Tudo isso possvel, se promovermos a interao professoraluno, tanto na Educao Infantil como no Ensino Fundamental, na riqueza criativa da vida, valorizando a capacidade dos nossos alunos de brincar, recriar, imaginar situaes as mais diversas, pois, segundo Amarilha, os contos de fada, com seu rico referencial simblico, ressaltam o papel que a literatura deve ter para a crian a: o de tornar possvel ao leitor ex-perincias imaginrias que sejam catalisadoras dos problemas do desenvolvimento humano e assim proporcionar autoconfiana sobre o seu prprio crescimento. Quan-do os professores entenderem a importncia de dar oportunidade s crianas para assistirem e participarem de conflitos de he-ris to inexperientes quanto elas

    prprias, talvez os contos de fadas sejam mais presentes nas salas de aula.

    Acreditamos que os contos de fadas podem e devem servir como recurso pedaggico, uma vez que os mesmos transportam a criana para o mundo do faz-de-conta, do era uma vez, do real para o imaginrio, por meio do ldico, aspecto essencial para o desenvolvimento humano, permeando todas as reas do conhecimento.

    Portanto, Era uma vez...

    REFER NCIAS

    ABRAMOVICH, Fanny. Literatura Infantil: Gostosuras e Bobices. So Paulo: Scipione, 1995.

    ALMEIDA, Fernanda L. de. A Fada que Tinha Idias. 24. ed. So Paulo: tica, 1997.

    AMARILHA, Marly. Esto Mortas as Fadas?: Li te ratura Infantil e Prtica Pedaggica. Petrpo lis: Vozes, 1997.

    BETTELHEIM, Bruno. A Psicanlise dos Contos de Fadas. 9. ed. So Paulo: Paz e Terra, 1992.

    BRASIL. Ministrio da Educao e do Desporto. De-partamento de Educao Fundamental. Par me tros Curriculares Nacionais. 1a a 4a Sries. Braslia, 1997.

    ______. Referencial Curricular Nacional pa ra a Edu-cao Infantil. Braslia, 1998. 3 v.

    COELHO, Nelly N. O Conto de Fadas. So Paulo: tica, 1987.

    ______. A Literatura Infantil. 3. ed. So Paulo: Qui-rn. 1984.

    ______. Panorama Histrico da Literatura Infanto/Juvenil. 3. ed. So Paulo: Quirn, 1985.

    HELD, Jacqueline. O Imaginrio no Poder. So Paulo: Summus, 1980.

    JESUALDO. A Literatura Infantil. 9. ed. So Paulo: Cultrix; EDUSP, 1993.

    SMOLE, Ktia C. S. a Matemtica na Educao Infantil: A Teoria das Inteligncias Mltiplas na Prtica Esco-lar. Porto Alegre: Artes Mdicas, 1996.