182851721 BRAVERMAN Harry Trabalho e Capital Monopolista Resenha Parcial

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BRAVERMAN, Harry. Trabalho e capital monopolista: a degradação do trabalho no século XX. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1980. Introdução Braverman parte do fato imediato de que a classe diretamente ligada à produção, os operários industriais, aparentemente estavam diminuindo. Seu interesse, portanto, recaia sobre “a estrutura da classe trabalhadora e a maneira pela qual ela havia mudado.” (p.15) Contra os apologistas tradicionais das transformações no sistema capitalista; contra a alegação de que o trabalho se tornava cada vez mais especializado e exigia mais qualificação, Braverman iniciou seu estudo, auxiliado pela experiência de décadas em trabalhos de todos os tipos que havia exercido. Ele parte da teoria marxiana clássica, buscando pouco apoio na teoria econômica marxista contemporânea, senão talvez de Baran e Sweezy, e Lênin. O lugar central no primeiro volume de O Capital é ocupado pelo estudo do processo do trabalho, na medida em que ele ocorre sob o controle do capital. [...] Marx mostra como os processos de produção na sociedade capitalista são incessantemente transformados sob o ímpeto da principal força norteadora daquela sociedade: a acumulação de capital. Para os trabalhadores em geral, esta mudança se manifesta, em primeiro lugar, como uma transformação contínua nos processos de trabalho de cada ramo da indústria e, em segundo, como uma redistribuição do trabalho entre ocupações e atividades. (p.19) Deixando claro seu objeto, o autor afirma que “Neste livro nos ocuparemos inteiramente do desenvolvimento dos processos de produção e dos processos do trabalho em geral na sociedade capitalista.” (p.24). Quanto aos países do bloco comunista, Braverman defende que pouca diferente existe entre estes e aquela sociedade. “A esta altura devo dedicar algumas páginas à discussão do parecer de Marx quanto à relação entre a tecnologia e a sociedade [...].” (p.26). Citando um trecho da crítica de Marx a Proudhon na Miséria da filosofia, trecho no qual ele afirma a relação necessária entre o desenvolvimento das forças produtivas e as transformações nas relações sociais, Braverman pretende refutar as críticas dirigidas a Marx, acusando-o de um determinismo econômico. Não existe semelhante coisa na teoria sociológica e econômica marxista. Forças produtivas e relações sociais estão em perpétua inter- relação, influenciando-se mutuamente, transformando-se mutuamente. Nem uma, nem outra pode ser considera causa ou efeito exclusivos. Assim, em O capital, Marx trata

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Trabalhao e capital

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  • BRAVERMAN, Harry. Trabalho e capital monopolista: a degradao do trabalho no

    sculo XX. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1980.

    Introduo

    Braverman parte do fato imediato de que a classe diretamente ligada produo,

    os operrios industriais, aparentemente estavam diminuindo. Seu interesse, portanto,

    recaia sobre a estrutura da classe trabalhadora e a maneira pela qual ela havia

    mudado. (p.15) Contra os apologistas tradicionais das transformaes no sistema

    capitalista; contra a alegao de que o trabalho se tornava cada vez mais especializado e

    exigia mais qualificao, Braverman iniciou seu estudo, auxiliado pela experincia de

    dcadas em trabalhos de todos os tipos que havia exercido.

    Ele parte da teoria marxiana clssica, buscando pouco apoio na teoria econmica

    marxista contempornea, seno talvez de Baran e Sweezy, e Lnin.

    O lugar central no primeiro volume de O Capital ocupado pelo estudo do

    processo do trabalho, na medida em que ele ocorre sob o controle do capital.

    [...] Marx mostra como os processos de produo na sociedade capitalista so

    incessantemente transformados sob o mpeto da principal fora norteadora

    daquela sociedade: a acumulao de capital. Para os trabalhadores em geral,

    esta mudana se manifesta, em primeiro lugar, como uma transformao

    contnua nos processos de trabalho de cada ramo da indstria e, em segundo,

    como uma redistribuio do trabalho entre ocupaes e atividades. (p.19)

    Deixando claro seu objeto, o autor afirma que Neste livro nos ocuparemos

    inteiramente do desenvolvimento dos processos de produo e dos processos do

    trabalho em geral na sociedade capitalista. (p.24). Quanto aos pases do bloco

    comunista, Braverman defende que pouca diferente existe entre estes e aquela

    sociedade.

    A esta altura devo dedicar algumas pginas discusso do parecer de Marx

    quanto relao entre a tecnologia e a sociedade [...]. (p.26). Citando um trecho da

    crtica de Marx a Proudhon na Misria da filosofia, trecho no qual ele afirma a relao

    necessria entre o desenvolvimento das foras produtivas e as transformaes nas

    relaes sociais, Braverman pretende refutar as crticas dirigidas a Marx, acusando-o de

    um determinismo econmico. No existe semelhante coisa na teoria sociolgica e

    econmica marxista. Foras produtivas e relaes sociais esto em perptua inter-

    relao, influenciando-se mutuamente, transformando-se mutuamente. Nem uma, nem

    outra pode ser considera causa ou efeito exclusivos. Assim, em O capital, Marx trata

  • [...] a relao entre o capital como uma forma social e o modo capitalista de

    produo como uma organizao tcnica. Dentro dos limites histricos e

    analticos do capitalismo, de acordo com a anlise de Marx, a tecnologia em

    vez de simplesmente produzir relaes sociais produzida pelas relaes

    sociais representadas pelo capital. [...] o primeiro volume de O Capital pode

    ser considerado um ensaio macuco sobre como a mercadoria se constitui, em

    um apropriado quadro social e tecnolgico, como amadurece na forma de

    capital e como a forma social de capital, levado a incessante acumulao

    como condio de sua prpria existncia, transforma completamente a

    tecnologia. (p.28-9)

    A partir dessa argumentao, Braverman assinala suas relaes com seu estudo:

    ser discutido aqui o modo de produo que vemos em torno de ns, a maneira pela

    qual os processos de trabalho so organizados e executados, como o produto das

    relaes sociais que conhecemos como capitalistas. (p.29). E tambm: o propsito

    deste livro o estudo dos processos de trabalho da sociedade capitalista, e do modo

    especfico pelo qual eles so constitudos pelas relaes de propriedade capitalistas.

    (p.31)

    Agora Braverman deixa de lado a questo da relao entre tecnologia e

    sociedade e passa a alguns esclarecimentos sobre a chamada nova classe trabalhadora.

    A definio clssica de classe trabalhadora como aquele segmento da populao

    destitudo de meios de produo e obrigado a vender sua fora de trabalho no mercado,

    segundo Braverman, no tem valor analtico ou explicativo. De fato, uma vez que a

    classe no um elemento fechado e esttico na estrutura social, mas dinmico e se

    transforma historicamente sob a presso das foras sociais que atuam na sociedade

    capitalista, de tal sorte que aquela definio torna-se estril ou vaga para explicar esses

    processos concretos. Por outro lado, Braverman adverte o leitor para sua

    impossibilidade de aceitar os discursos que advogam o nascimento de uma nova classe

    trabalhadora.

    bastante interessante a crtica que o autor faz da sociologia contempornea e

    das concepes metodolgicas e dos temas em moda.

    Parte I Trabalho e gerncia

    Cap. 3 A diviso do trabalho

    Este captulo de grande importncia para os fins que a obra do autor tm em

    mira. Basicamente, nele Braverman expe a distino, presente em Marx, da diviso

    social do trabalho, isto , da diviso do trabalho entre ocupaes e ramos de produo,

  • com relao diviso do trabalho nas manufaturas, isto , da diviso no interior de uma

    fbrica ou qualquer outro tipo de indstria. No primeiro caso, a diviso social do

    trabalho um fenmeno geral, que acompanha todo o desenvolvimento scio-histrico

    da humanidade, enquanto que, no segundo, a parcelizao no interior de uma

    manufatura um fenmeno particular, estritamente capitalista. Ainda que sob a lgica

    da acumulao de capital a diviso social do trabalho tambm venha a ser produto das

    suas necessidades, a parcelizao mais caracterstica e exprime essencialmente a

    lgica da produo capitalista. Na diviso social do trabalho, a sociedade que se divide

    em vrios ramos distintos da produo social; na diviso da manufatura o homem que

    desmembrado em um sem-nmero de atividades simples.

    Assim, a diviso social do trabalho aparentemente inerente caracterstica do

    trabalho humano to logo ele se converte em trabalho social, isto , trabalho

    executado na sociedade e atravs dela.

    Muito contrariamente a esta diviso geral ou social do trabalho a diviso do

    trabalho em pormenor, a diviso manufatureira do trabalho. Esta o

    parcelamento dos processos implicados na feitura do produto em numerosas

    operaes executadas por diferentes trabalhadores.

    O hbito de considerar como um nico continuum o trabalho social e as

    divises parceladas dele, como um nico princpio tcnico abstrato, a maior

    fonte de confuso nos estudos desse assunto. A diviso do trabalho na

    sociedade caracterstica de todas as sociedades conhecidas; a diviso do

    trabalho na oficina produto peculiar da sociedade capitalista. A diviso

    social do trabalho divide a sociedade em ocupaes, cada qual apropriada a

    certo ramo de produo; a diviso pormenorizada do trabalho destri as

    ocupaes consideradas neste sentido, e torna o trabalhador inapto a

    acompanhar qualquer processo completo de produo. No capitalismo, a

    diviso social do trabalho forada catica e anarquicamente pelo mercado,

    enquanto a diviso do trabalho na oficina imposta pelo planejamento e

    controle. Ainda no capitalismo, os produtos da diviso social do trabalho so

    trocados como mercadorias, enquanto os resultados da operao do

    trabalhador parcelado no so trocados dentro da fbrica como no mercado,

    mas so possudos pelo mesmo capital. Enquanto a diviso social do trabalho

    subdivide a sociedade, a diviso parcelada do trabalho subdivide o homem, e

    enquanto a subdiviso da sociedade pode fortalecer o indivduo e a espcie, a

    subdiviso do indivduo, quando efetuada com menosprezo das capacidades e

    necessidades humanas, um crime contra a pessoa e contra a humanidade.

    (p.71-2)

    Nada mais precisa ser dito, exceto talvez insistir para o fato de que, embora a

    diviso social do trabalho seja um fenmeno geral espcie humana, sob o controle do

    capital ela se transforma. Como bem observado pelo autor, a diviso social do trabalho

    no capitalismo torna-se anrquica porque regida pelos movimentos anrquicos do

    mercado. Deve-se notar tambm para os efeitos positivos da diviso do trabalho no

    interior da indstria efeitos positivos para o capital: na medida em que o processo de

    trabalho desmembrado em seus elementos constitutivos mais simples, o trabalhador,

    preso a um s elemento, torna-se limitado e perde a capacidade de controle do processo

  • como um todo; a consequncia mais importante desse efeito o barateamento da fora

    de trabalho, porquanto cada tarefa torna-se simples e repetitiva, facilmente assimilvel

    pelo trabalhador.

    Parte II Cincia e mecanizao

    Cap. 7 A revoluo tcnico-cientfica

    Como esse e o captulo seguinte so de suma importncia para a compreenso do

    problema levantado pelo estudo de Braverman, vamos rapidamente fazer dele um breve

    resumo. Com efeito, a aplicao sistemtica da tcnica e da cincia no processo

    produtivo no sentido de renovar perpetuamente a estgio tecnolgico da sociedade,

    condio principal para a ordem capitalista. A premissa mais bsica do capitalismo no

    seno est: aumentar ao mximo possvel a relao da produtividade por trabalhador.

    Essa a condio bsica da acumulao. Nesse sentido, a cincia exerce um papel

    fundamental.

    Braverman distingue a revoluo tcnico-cientfica da chama da Revoluo

    Industrial. Se esta caracterizou-se pelo desenvolvimento da tecnologia no interior do

    processo produtivo, sendo que a cincia apenas, no limite, acompanhava e extraia

    concluses tericas do desenvolvimento concreto da indstria, ou era aplicada nela de

    maneira ocasional, aquele revoluo de que nos fala Braverman se caracteriza pela

    incorporao da cincia ao capital. A cincia submetia-se, assim, ao controle do capital,

    e fazia dos fins dele seus prprios fins. O perodo monopolista do capital passou a

    empregar sistematicamente a cincia no desenvolvimento tecnolgico destinado

    produo social.

    Nos ltimos vinte e cinco anos do sculo XIX, comeou o que Landes

    chamou de a exausto das possibilidades tecnolgicas da Revoluo

    Industrial. A nova revoluo tcnico-cientfica que reabasteceu o acervo de

    possibilidades tecnolgicas tinha um carter consciente e proposital

    amplamente ausente na antiga. Em vez da inovao espontnea,

    indiretamente suscitada pelos processos sociais de produo, vieram o

    progresso planejado da tecnologia e projeto de produo. Isto foi realizado

    por meio da transformao da cincia mesma numa mercadoria comprada e

    vendida como outros implementos e trabalhos de produo. [...] Como todas

    as mercadorias, seu fornecimento impulsionado pela demanda, resultando

    que o desenvolvimento de materiais, fontes de energia e processos tornou-se

    menos fortuito e mais atento s necessidades imediatas do capital. A

    revoluo tcnico-cientfica, por essa razo, [...] deve ser compreendida mais

    em sua totalidade como um modo de produo no qual a cincia e

    investigaes exaustivas da engenharia foram integradas como parte de um

  • funcionamento normal. A inovao chave no deve ser encontrada na

    Qumica, na Eletrnica, na maquinaria automtica, na aeronutica, na Fsica

    Nuclear, ou em qualquer dos produtos dessas tecnologias cientficas, mas

    antes na transformao da prpria cincia em capital. (p.146)

    Cap. 8 A revoluo tcnico-cientfica e o trabalhador

    Para sermos bastante breves, os efeitos dessa revoluo para o processo de

    trabalho podem ser apreciados em dois aspectos. Em primeiro lugar, o desenvolvimento

    tecnolgico proporcionou aquilo que Marx chama de subsuno real do processo de

    trabalho ao capital. A reorganizao do processo de trabalho, embora j presente nas

    manufaturas, ganhou uma nova dimenso com o desenvolvimento da maquinofatura. Os

    instrumentos de trabalho foram retirados das mos do trabalhador e passados mquina.

    Com isso, o trabalhador perde o controle de seu prprio trabalho, sendo obrigado agora

    a sujeitar-se mquina e ao seu ritmo. Em segundo lugar, o desenvolvimento

    tecnolgico na indstria assim como na agricultura levou e leva eliminao

    constante da fora de trabalho necessria consecuo do processo. O trabalho vivo

    cada vez mais substitudo pelo trabalho morto; a produtividade aumenta. Entretanto, o

    trabalho no simplesmente eliminado, como desejam alguns, mas realocado no

    interior do processo produtivo social como um todo. Assim, subdivises do trabalho e

    setores mais refratrios absoro de tecnologia e da substituio do trabalho vivo pelo

    morto so os que acabam por absorver essa fora de trabalho excedente.

    Parte III Capital monopolista

    Captulo 11 Mais-valia e trabalho excedente

    Seguindo a tradio leniniana de definio do capitalismo monopolista como

    sendo a quintaessncia do imperialismo, assim como da teorizao de Baran e

    Sweezy a respeito do capital monopolista, Braverman parte da constatao de que o

    capitalismo contemporneo diverge em ampla medida do capitalismo concorrencial,

    cujo capital movia-se disperso em um grande nmero de empresas e era gerido pelo

    proprietrio individual ou familiar. Sobre a natureza do capital monopolista, ele escreve:

    Concorda-se geralmente que o capital monopolista teve incio nas ltimas

    duas ou trs dcadas do sculo XIX. Foi ento que a concentrao e

    centralizao do capital, sob a forma dos primeiros trustes, cartis e outras

    formas de combinao, comearam a firmar-se; foi ento, consequentemente,

    que a estrutura moderna da indstria e das finanas capitalistas comeou a

    tomar forma. Ao mesmo tempo, a rpida consumao da colonizao do

    mundo, as rivalidades internacionais e os conflitos armados pela diviso do

  • globo em esferas de influncia econmica ou hegemonia inauguraram a

    moderna era imperialista. Desse modo, o capitalismo monopolista abrange o

    aumento de organizaes monopolistas no seio de cada pas capitalista, o

    imperialismo, o mercado mundial e o movimento mundo do capital, bem

    como as mudanas na estrutura do poder estatal. (p.215-6)

    Como condio e resultado da transformao produtiva na estrutura do capital,

    Braverman destaca dois aspectos essenciais: a racionalizao da organizao do

    trabalho, e a aplicao incessante da cincia e da tecnologia na atividade produtiva e

    econmica. Ele cita a gerncia cientfica e a incessante revoluo tcnico-cientfica

    como dois aspectos fundamentais que tornaram a transformao do capitalismo

    concorrencial no capitalismo monopolista.

    Braverman situa seu prprio pensamento ante a contribuio de Baran e Sweezy:

    enquanto estes ocuparam-se exclusivamente das transformaes no processo produtivo,

    no sob o ponto de vista do processo de trabalho do da produo e absoro do

    excedente econmico, isto , do produto, Braverman se preocupa mais com o reflexo

    que essas transformaes implicaram nos processos de trabalho e, consequentemente, na

    estrutura da classe trabalhadora.

    [...] Baran e Sweezy tratam menos dos movimentos da produo que dos

    movimentos deste resultado: o produto. Mas, como observam eles, no

    apenas a mudana tecnolgica, como tambm um produto mutvel enseja

    novos e diferentes processos de trabalho, uma nova distribuio ocupacional

    da populao empregada e, pois, uma classe trabalhadora transformada.

    (p.217)

    A lgica que transforma ininterruptamente o processo produtivo no capitalismo

    pode ser expressa pela lei geral da acumulao capitalista. Com efeito, a necessidade e o

    impulso acumulao do capital constituem a lei mais fundamental do modo de

    produo capitalista, ela a causa da dinmica desse sistema. A acumulao garantida

    pelo desenvolvimento contnuo das foras produtivas mediante a inverso de

    quantidades cada vez maior de capitais na produo. A mais-valia extrada na produo

    de mercadorias volta produo como capital, e esse capital tende sempre a cristalizar-

    se como capital constante. O desenvolvimento tecnolgico permite esse

    desenvolvimento cada vez maior do capital constante, o que tem como resultado

    aumentar a produtividade e liberar cada vez mais fora de trabalho das necessidades

    diretamente produtivas. A acumulao de capital tem, assim, por efeito bsico a

    liberao cada vez maior de fora de trabalho da esfera produtiva ou de certos ramos

    dela. esse processo de liberar fora de trabalho e, consequentemente, as

    transformaes que dele resultam na estrutura das classes sobretudo da classe

    trabalhadora que interessa ao autor.

  • [...] milhes de empregos para aqueles que liberados da agricultura e

    liberados das indstrias fabris esto, todavia, ocupados de algum modo na

    diviso social do trabalho. Ao estudar essa massa de trabalho, seremos

    levados no apenas aos ramos da produo recentemente formados, no

    sentido de Marx, mas tambm, como foram Baran e Sweezy, a ramos de no

    produo, indstrias inteiras e amplos setores das indstrias existentes cuja

    nica funo a luta pela distribuio do excedente social entre os vrios

    setores da classe capitalista e seus dependentes. Nesse processo, o capital que

    se lana freneticamente a toda nova rea possvel de investimento

    reorganizou totalmente a sociedade, e ao criar a nova distribuio do trabalho

    criou a nova vida social amplamente diferente daquela de apenas setenta ou

    oitenta anos passados. (p.218)

    Assim, se Baran e Sweezy preocuparam-se com o excedente econmico que o

    processo de acumulao engendra, Braverman preocupa-se com o excedente de fora de

    trabalho que ele gera. Esse excedente, obviamente, reflete na reestruturao interna das

    classes trabalhadoras, uma vez que elas so realocadas dentro do sistema; ou seja, a

    acumulao cria uma diviso do trabalho funcional s suas necessidades, sempre em

    expanso.

    Interessa-nos o excedente do trabalho distribudo em novas formas de

    produo ou no produo, visto que foi deste modo que a estrutura

    ocupacional e portanto a classe trabalhadora foi transformada.

    J examinamos a maneira pela qual as ocupaes no seio das indstrias fabris

    so redispostas e o saldo canalizado ao trabalho indireto de modo que o

    trabalho na massa, como aplicado diretamente na produo, possa ser

    diminudo em nmeros e controlado em suas atividades. Esta alternncia cria

    uma pequena proporo de funes tcnicas, a maioria delas ligadas

    gerncia, e uma proporo maior de funes de grau inferior rotinizadas,

    tcnicas ou burocrticas no especializadas. Impe-se atentar agora no para

    as alternncias ocupacionais no seio das indstrias tradicionais, mas de

    preferncia para as alternncias industriais, os movimentos que alteram toda

    a diviso social do trabalho. Ao faz-lo estamos acompanhando o curso do

    capital, e os atalhos pelos quais ele arrastou o trabalho. Para esse fim, cabe-

    nos esboar algumas das amplas foras sociais em ao, e as alteraes

    sociais que nada mais so do que resultados da rpida acumulao do

    capital na era monopolista, assim como as condies de mais

    acumulao. (p.218-9)

    Cap. 12 A empresa moderna

    A primeira das amplas foras sociais em ao encontra-se na estrutura modifica

    da empresa capitalista. (p.220). Essa modificao resulta de duas tendncias bsicas no

    movimento do capital: de concentrar-se, isto , quanto mais o capital acumula, mais

    cresce exponencialmente a escala e o volume da produo que ele realiza; de

    centralizar-se cada vez em um menor nmero de proprietrios, resultado da

    concorrncia entre os capitais particulares. Na empresa capitalista contempornea, isto

    , do perodo monopolista, as transformaes que tiveram lugar em seu seio quebram

  • algumas limitaes de expanso e reestruturao as funes em sei interior. A empresa

    deixou de ser uma propriedade pessoal ou circunscrita a um pequeno grupo. O

    agrupamento dos capitais permitiu uma expanso sem precedentes da empresa, o que

    levou a uma reestruturao quanto diviso do trabalho em seu interior.

    A escala da empresa capitalista, antes do desenvolvimento da empresa

    moderna, limitava-se pela disponibilidade de capital e pela capacidade de

    gerenciamento do capitalista ou grupo de scios. [...] S no perodo

    monopolista esses limites so ultrapassados [...]. A empresa como uma forma

    desfaz o vnculo direto entre o capital e seu proprietrio individual, e o

    capitalismo monopolista ergue-se sobre sua forma. Imensos agregados de

    capital podem ser reunidos, que ultrapassam de longe a soma de riqueza

    daqueles diretamente associados com a empresa. O controle operacional recai

    cada vez mais sobre um funcionalismo gerencial para cada empresa. [...]

    pode-se dizer que os dois lados do capitalista, proprietrio e administrador,

    antigamente reunidos numa mesma pessoa, agora tornam-se aspectos de

    classe. [...] em cada empresa, a unidade imediata e pessoal entre os dois

    rompida. O capital agora ultrapassou sua forma pessoal e limitada e

    limitadora e passou a uma forma institucional. (p.220-1)

    Esse processo implicou na redefinio da estrutura administrativa das empresas.

    A institucionalizao do capital e a atribuio do controle a uma camada

    especializada da classe capitalista corresponde, cronologicamente, a um

    imenso crescimento na escala de operaes gerenciais. No apenas est

    aumentando o tamanho das empresas em andamento acelerado [...] mas ao

    mesmo tempo as funes empreendidas pela gerncia so ampliadas muito

    rapidamente. (p.223)

    No apenas a nova organizao tcnica da produo foi importante para a

    transformao das empresas no capitalismo monopolista, mas, em segundo lugar, uma

    nova organizao frente s demandas postas pela ampliao dos mercados; uma nova

    dimenso foi dada ao aparelho de mercadejamento.

    Assim foi que o mercadejamento veio a ser a segunda subdiviso principal da

    empresa, subdividida por sua vez em sees de vendas, publicidade,

    promoo, correspondncia, pedidos, comisses, anlise de vendas e outras.

    Ao mesmo tempo, outras funes de gerncia foram destacadas de divises

    inteiras. A financeira, por exemplo, embora, via de regra, no grande em

    tamanho converteu-se no centro cerebral de todo o organismo, porque nela

    centralizava-se a funo de vigiar o capital, de conferir e controlar o

    progresso de seu avolumamento; [...[

    Cada uma dessas subdivises da empresa exige tambm, para seu prprio

    funcionamento normal, departamentos internos que refletem e imitam as

    subdivises de toda a empresa. (p.225)

    Desse breve esboo do desenvolvimento da empresa moderna, podemos

    destacar trs importantes aspectos como tendo grandes conseqncias para a estrutura

    ocupacional. O primeiro tem a ver com o mercadejamento, o segundo com a estrutura

    de gerncia, e o terceiro com a funo de coordenao social agora exercida pela

    empresa. (p.226). Com as necessidades de realizao da mercadoria cada vez maiores,

    o setor da empresa voltado para a venda, publicidade, promoo etc., ou seja, voltada

  • para a criao de consumidores, aumenta muito e descola parte da fora de trabalho para

    esse setor. Assim, atravs da estrutura imediata da organizao mercadejadora, e

    atravs da predominncia do mercadejamento em todas as reas de funcionamento da

    empresa, grande quantidade de trabalho canalizada para o mercadejamento. (p.227-

    8).

    A estrutura de gerncia e administrao tambm se alterou. As funes de

    gerncia separaram-se da administrao como um todo, trazendo a marca da separao

    entre trabalho intelectual e trabalho manual, concepo e execuo, tpica do processo

    de produo, para o setor de administrao da empresa. A gerncia veio a ser

    administrao, que um processo de trabalho efetuado para fins de controle no seio da

    empresa, e efetuado, alm do mais, como um processo de trabalho rigorosamente

    anlogo ao processo de produo, embora ele no produza artigo algum que no seja a

    operao e coordenao da empresa. (p.228).

    Finalmente, temos a funo empresarial de coordenao social. A

    complexidade da diviso social do trabalho que o capitalismo desenvolveu no

    sculo passado, e a sociedade urbana concentrada que pretende manter

    massas imensas em delicado equilbrio, exigem enorme quantidade de

    coordenao social como nunca antes. Uma vez que a sociedade capitalista

    resiste e de fato no tem meios para desenvolver um mecanismo geral de

    planejamento para proporcionar coordenao social, muito dessa funo

    pblica passa a ser assunto interno da empresa. Isto no tem base jurdica ou

    teoria administrativa de apoio; surge simplesmente em virtude do gigantesco

    tamanho e poder das empresas, cujo planejamento interno transforma-se, de

    fato, num rstico sucedneo para o necessrio planejamento social. (p.229).

    E ainda: na medida em que as decises sobre investimento so tomadas pelas

    empresas, o lugar do controle social e da coordenao deve ser procurado entre elas; o

    governo preenche os interstcios deixados por essas decises principais. (p.229-30).

    Cap. 13 O mercado universal

    Se no se compreende a lgica de expanso do mercado como base para a

    acumulao de capital, fica-se impossibilitado de compreender as transformaes na

    estrutura ocupacional da sociedade. Desde o incio do perodo monopolista at hoje, o

    capital no fez seno ampliar seus mercados e criar outros tantos. Com isso, a maioria

    da fora de trabalho social foi arrebanhada pelo trabalho assalariado, ou porque suas

    antigas ocupaes foram transformadas e trabalho assalariado sob o controle do capital,

    ou porque este tornou-se o nico modo de garantir o consumo necessrio sua

    existncia. A lgica da acumulao, portanto, reestruturou todas as formas de relao

  • inter-pessoais e inter-grupais entres os indivduos, substituindo as relaes tradicionais

    pela relao monetria, isto , de compra e venda.

    somente na era do monoplio que o modo capitalista de produo recebe a

    totalidade do indivduo, da famlia e das necessidades sociais e, ao subordin-

    los ao mercado, tambm os remodela para servirem s necessidades do

    capital. impossvel compreender a nova estrutura ocupacional e, em

    consequncia, a moderna classe trabalhadora sem compreender esse fato.

    [...] o capitalismo transformou toda a sociedade em um gigantesco mercado

    [...]. (p.231)

    De um nmero bastante limitado de bens transformados em mercadorias, com a

    ampliao dos mercados o capitalismo monopolista passou a produzir e consumir quase

    tudo na forma de mercadoria. Assim, a famlia perdeu a sua funo como uma empresa

    cooperativa empreendendo a produo conjunta de um modo de vida (p.236). A

    fazenda tambm deixou de ser uma atividade familiar e, em grande parte, produtora de

    meios de subsistncia. A comunidade, por sua vez, tambm perdeu sua funo de

    preservao dos seus membros. Todas essas antigas formas de relaes sociais inter-

    grupais perderam sua independncia ante ao mercado; forma, na verdade, apropriadas

    por ele, e as relaes que as sustentavam forma substitudas quase que exclusivamente

    pelas relaes de mercado, ou seja, a troca.

    O fim do trabalho domstico e familiar, ou seja, o fim da funo da famlia como

    uma clula social de produo e consumo,

    [...] deu nova energia ao capital pelo crescente escopo de suas operaes e

    tamanho da fora de trabalho sujeita a sua explorao. Os trabalhadores

    para o novo processamento e indstrias fabris eram retirados dos locais

    anteriores desses processos de trabalho: das fazendas e dos lares, em nmero

    cada vez maior, de donas-de-casa em operrias. E com a industrializao da

    fazenda e das tarefas domsticas, veio a sujeio desses novos trabalhadores

    a todas as condies do modo capitalista de produo, a principal das quais

    que eles agora pagam tributo ao capital e servem assim para ampli-lo.

    (p.234)

    interessante notar como ao fazer o capital recoloca continuadamente as

    condies desse processo. Ao assumir, por exemplo, a produo de alimentos prontos

    ou semi-prontos, transformando-os em mercadoria, o capital barateia esses bens bsicos,

    o que faz com que sejam bastante atrativos ao consumidor. Somado ao assalariamento

    daquela fora de trabalho liberada do trabalho familiar (sobretudo, das mulheres), o

    capital permite o acesso a esses bens mercadorizados.

    A maneira pela qual essa transio foi efetuada inclui uma multido de

    fatores inter-relacionados, nenhum dos quais pode ser destacado dos demais.

    Em primeiro lugar, o condicionamento urbano mais apertado destri as

    condies sob as quais possvel a vida antiga. O anel urbano fecha-se em

    torno do trabalhador, e em torno do agricultor expulso da terra, e os confina

    nas circunstncias que impedem as antigas prticas de auto-abastecimento

    dos lares. Ao mesmo tempo, a renda proporcionada pelo trabalho torna

  • disponvel o dinheiro necessrio para adquirir os meios de subsistncia

    fabricados pela indstria, e assim, exceto em perodos de desemprego, a

    coao da necessidade que compelia a trabalhos domsticos muito

    enfraquecida. Frequentemente, o trabalho domiciliar torna-se antieconmico

    em comparao com o trabalho assalariado pelo barateamento dos artigos

    manufaturados, e isto, juntamente com todas as demais presses sobre a

    famlia da classe trabalhadora, contribui para impelir a mulher do lar para a

    indstria. [...].

    Mas a industrializao do alimento e outros utenslios domsticos

    elementares apenas o primeiro passo num processo que de fato leva

    dependncia de toda a vida social, e de fato a todas as inter-relaes da

    humanidade para com o mercado. A populao das cidades, mais ou menos

    excluda do meio natural pela diviso entre cidade e campo, torna-se

    inteiramente dependente do artifcio social para cada uma de suas

    necessidades. Mas o artifcio social foi destrudo em tudo menos suas formas

    comerciveis. Assim, a populao no conta mais com a organizao social

    sob a forma de famlia, amigos, vizinhos, comunidade, velhos, crianas, mas

    com poucas excees devem ir ao mercado e apenas ao mercado, no apenas

    para adquirir alimento, vesturio e habitao, mas tambm para recreao,

    divertimento, segurana, assistncia aos jovens, velhos, doentes e

    excepcionais. Com o tempo, no apenas necessidades materiais e de servio,

    mas tambm os padres emocionais de vida, so canalizados atravs do

    mercado.

    Por conseguinte, vem a acontecer que enquanto a populao comprimida

    cada vez mais apertadamente junto com o ambiente urbano, a atomizao da

    vida social continua aceleradamente. Em seu aspecto mais fundamental, este

    fenmeno to frequentemente observado s tem explicao pelo

    desenvolvimento das relaes de mercado como sucedneo das relaes

    individuais e comunitrias. A estrutura social, erguida sobre o mercado, tal

    qual as relaes entre indivduos e grupos sociais no ocorre diretamente,

    como combates cooperativos humanos, mas atravs do mercado como

    relaes de compra e venda. (p.234-5)

    Um resumo do que foi dito pode ser apreciado no que se segue:

    O movimento da sociedade capitalista nesse sentido liga-se, no aspecto

    econmico, ao impulso capitalista de inovar produtos diversos, novos

    servios, novas indstrias. O excedente produzido primeiro de tudo nas

    indstrias fabris sob a forma de concentraes da riqueza igualado no

    aspecto do trabalho pelo relativo declnio na demanda de trabalhadores

    naquelas mesmas indstrias medida que elas so mecanizadas.

    As amplas correntes de capital encontram o trabalho liberado no mercado

    no terreno dos novos produtos e indstrias. Isto resulta, acima de tudo, na

    converso de todo o produto do trabalho humano em mercadoria, de modo

    que o trabalho produtor de bens efetuado apenas em sua forma capitalista,

    com excluso de todas as demais. As novas mercadorias surgem igualando as

    condies de vida do morador urbano, e so postas em circulao nas formas

    ditadas pela organizao capitalista da sociedade. (p.236)

    Assim, a condio primeira para a acumulao do capital a crescente e

    constante transformao de todos os tipos de bens e de relaes sociais em mercadorias.

    Na fase do capitalismo monopolista, o primeiro passo na criao do mercado

    universal a conquista de toda a produo de bens sob a forma de

    mercadoria; o segundo passo a conquista de uma gama crescente de

    servios e sua converso em mercadorias; e o terceiro um ciclo de

    produto, que inventa novos produtos e servios, alguns dos quais tornam-se

    indispensveis medida que as condies da vida moderna mudam para

    destruir alternativas. [...] No fim, a populao acha-se, quer queira quer no,

  • na situao de incapacidade de fazer qualquer coisa que facilmente no possa

    ser feito mediante salrio no mercado, por um dos mltiplos ramos novos do

    trabalho social. E enquanto do ponto de vista do consumo isso signifique

    total dependncia quanto ao mercado, do ponto de vista do trabalho significa

    que todo o trabalho efetuado sob a gide do capital e suscetvel de seu

    tributo de lucro para expandir o capital ainda mais. (p.239)

    Cap. 14 O papel do estado

    No h muita necessidade de se delongar nesse assunto. O estado foi e ser

    sempre o comit que gere os negcios da burguesia na sociedade capitalista. Entretanto,

    segundo Braverman, essa funo tem aumentado grandemente com o capitalismo

    monopolista, e o estado, de um pequeno percentual do PIB, elevou-se taxas bastante

    altas da produo e do consumo nacionais. Ele elenca quatro fatores para isso: 1)

    diminuio da capacidade para realizar o excedente que gera, o que leva o estado a atuar

    elemento essencial de uma demanda efetiva; 2) conflito de interesses entre os diversos a

    capitais nacionais, fato que decorre na manuteno permanente de exrcito; 3)

    desestruturao social marcada pela misria e insegurana, o que leva o estado a se

    tornar responsvel pela seguridade social; 4) e aumento dos encargos e servios estatais

    em substituio queles que no podem mais ser desempenhados pela sociedade, como

    a educao, por exemplo.

    Parte IV A crescente diversificao da classe trabalhadora

    Cap. 15 Trabalhadores em escritrio

    Neste captulo, Braverman recorre a um fenmeno empiricamente verificvel

    para comprovar a tese de que a acumulao do capital teve como efeito a diversificao

    da classe trabalhadora, embora essa diversificao se d nos termos de uma

    proletarizao geral. Portanto, embora as ocupaes administrativas, isto , os

    trabalhadores em escritrio, por exemplo, tenham sido matria de uma especializao

    cada vez maior, de uma parcelarizao e simplificao do trabalho, isto , que ao

    mesmo tempo parcelarizao as funes mas uniformiza e simplifica o trabalho a elas

    ligados, Braverman afirma que elas se tornaram atividades cada vez mais proletrias e,

    portanto, submetidas ao controle racional da lgica produtiva, assim como no processo

    fabril. Se antes o trabalho de gerncia e administrao era efetuado por uns poucos,

  • ligados diretamente ao proprietrio do capital e, portanto, muito mais prximos dele do

    que dos operrios, hoje o setor da empresa ligado administrao e coordenao est

    subdividido em uma infindvel gama de funes, que so desenvolvidas segundo a

    mesmo lgica taylorista presente no setor produtivo da empresa. Assim, o conhecimento

    administrativo foi em grande medida expropriado pela parcelarizao do trabalho e, em

    menor medida, pela introduo da mquina. As tarefas de concepo e de execuo so,

    igualmente, cindidas e o trabalho intelectual fica ao encargo de poucos gerentes e

    executivos, enquanto o trabalho manual recai sobre uma parcela grande trabalhadores

    burocratas.

    Essas funes gerenciais de controle e apropriao tornaram-se por si

    mesmas processos de trabalho. So controladas pelo capital do mesmo modo

    como ele executa os processos de trabalho da produo: com trabalho

    assalariado comprado em larga escala no mercado de trabalho e organizado

    em imensas mquinas de produo de acordo com os mesmos princpios

    que governam a organizao do trabalho na fbrica. (p.256)

    Com a ampliao da forma-mercadoria, a sociedade inundada pelo crescimento

    cada vez maior do valor, o que exige dos capitalistas o desvio de uma grande parte da

    fora de trabalho disponvel para ser exercido na contabilizao do valor. Assim como,

    por exemplo, o setor de mercado (compra e venda, publicidade etc.) tende a se expandir,

    apropriando-se de parte da fora de trabalho, o setor de administrao, coordenao e

    contabilidade tambm se expande.

    A introduo da gerncia cientfica, isto , da doutrina tayloriana para a

    racionalizao do processo produtivo, com o conseqente aumento da produtividade,

    responde a essas necessidades de desenvolvimento dos setores administrativos e de

    contabilizao. As tcnicas da gerncia cientfica, assim, foram ampliadas da fbrica

    para o escritrio. Portanto, a tendncia parcelizao e simplificao do trabalho, bem

    como a substituio do trabalho vivo por trabalho morto, vlida tambm para os

    trabalhadores de escritrios e de servios em geral. Contudo, deve-se notar, com

    Braverman, que o desenvolvimento desse processo se d, primeiro, atravs da

    reestruturao da diviso do trabalho para s ento introduzir a mecanizao.

    O aumento da funo controladora, juntamente com a conseqente

    transformao dessas funes de gerncia em processos de trabalho

    independentes, traz a necessidade de controlar os novos processos de

    trabalho, de acordo com os mesmos princpios aplicados fbrica. (p.260)

    Em termos gerais, o processo pode ser resumido como uma tendncias

    racionalizao da maior parte do servio de escritrio e a substituio do funcionrio

  • que faz todo o servio pelo trabalhador especializado (p.267) e pela mquina,

    medida que o aperfeioamento tecnolgico o permitir.

    Como o capital bem sabe, a separao entre concepo e execuo pode e deve

    ser separada no processo produtivo. A nica condio que se pede que o volume da

    produo e a escala de trabalho seja suficientemente grande para ser economicamente

    compensatria. medida que a matria-prima do trabalho burocrtico-administrativo se

    agigantou, a aplicao da lgica fabril ao escritrio tornou-se vantajosa

    economicamente. Quanto mecanizao do escritrio, s foi possvel graas criao

    de mquinas capazes de processar dados. Deve-se notar, entretanto, que tais mquinas

    eram ainda primitivas na poca em que Braverman escrevia; eram mquinas que

    funcionam mediante o armazenamento de dados em cartes perfurados e que, portanto,

    exigem grande quantidade de fora de trabalho. Sabe-se que hoje a situao e diferente,

    sendo que os computadores atuais so capazes de reunir grande parte daquelas funes

    desmembradas entre vrios trabalhadores parcelares antigamente.

    A lgica , portanto, a mesma na fbrica como no escritrio. A racionalizao do

    processo de trabalho nesses dois casos assenta-se, principalmente, em tornar tal

    processo impessoal, extraindo da experincia e da conscincia individuais o

    conhecimento e o controle do processo. Assim, cada indivduo, isto , cada pea no

    processo de trabalho facilmente trocada por outra, j que o conhecimento do ofcio

    no encontra-se mais em posse do trabalhador, mas sim no processo como um todo e na

    mquina. Com a simplificao e uniformizao do trabalho vem o barateamento da

    fora humana que o desempenha. O conhecimento de todo o processo torna-se restrito

    aos trabalhadores manuais, e os nicos que o conhecem so os chefes e gerentes.

    O problema do chamado funcionrio ou trabalhador engravatado que tanto

    incomodava as primeiras geraes de marxistas, e que foi saudado pelos

    antimarxistas como prova da falsidade da tese da proletarizao foi assim

    inequivocamente esclarecido pela polarizao do emprego em escritrio e o

    aumento em um plo de uma enorme massa de funcionrios. A tendncia

    verificada de uma ampla classe mdia no proletria voltou-se criao de

    um vasto proletariado sob forma nova. Em suas condies de emprego, esta

    populao trabalhadora perdeu todas as antigas superioridades sobre os

    trabalhadores fabris, e em suas escalas de salrio desceu quase que ao nvel

    mais baixo [bem abaixo do salrio dos trabalhadores fabris]. (p.299-300).

    Cap. 16 Prestao de servios e comrcio exterior

  • Os trabalhadores do setor de servio e de comrcio esto, segundo Braverman,

    numa situao ainda pior do que os trabalhadores de escritrio. O autor inicia sua

    reflexo definindo o conceito de servio.

    Um servio, observou Marx, nada mais que o efeito til de um valor de

    uso, seja ele mercadoria ou trabalho. O trabalhador empregado na produo

    de bens presta um servio ao capitalista, e como resultado desse servio que

    toma forma um objeto tangvel e vendvel como mercadoria. Mas que

    acontece se os efeitos teis do trabalho so de modo a que no tomem a

    forma de um objeto? Trabalho desse tipo deve ser oferecido diretamente ao

    consumidor, uma vez que produo e consumo so simultneos. Os efeitos

    teis do trabalho, em tais casos, no servem para constituir um objeto

    vendvel que encerre seus efeitos teis como parte de sua existncia na forma

    de mercadoria. Ao invs, os prprios efeitos do trabalho transformam-se em

    mercadoria. Quando o trabalhador no oferece esse trabalho diretamente ao

    usurio de seus efeitos, mas, ao invs, vende-o ao capitalista, que o revende

    no mercado de bens, temos ento o modo de produo capitalista no setor dos

    servios. (p.303-4)

    Portanto, o que caracteriza os servios sob o modo de produo capitalista no

    que eles produzam bens intangveis mas teis; o que os caracteriza que foram

    apropriados pelo capital, que adquire essa fora de trabalho no mercado para depois

    revend-la com o fim de lucro. Servios sempre foram prestados. Dentro do capitalismo

    monopolista, entretanto, essa forma de trabalho se alterou porque, em sua grande

    maioria, foi transformada em mercadoria, e, como tal, fonte de extrao de mais-valia.

    Em suma, um servio s se torna fonte de mais-valia e, portanto, uma atividade

    produtiva quando apropriada e posta sob o controle do capital, isto , quando a fora de

    trabalho que o presta alienada, vendida a um capitalista que a dispe com vista a

    obteno de um lucro. Apenas na fase monopolista do capital, quando todas esferas da

    vida social foram preenchidas por ele, os servios podem se transformar numa atividade

    produtiva, isto , lucrativa. Isto pelas razes que Braverman j havia desenvolvido

    quando tratou do mercado universal. O irnico disso tudo que, enquanto o capitalismo

    ainda estava em sua fase concorrencial, os economistas clssicos condenavam os

    servios como uma atividade improdutiva e que s servia ao luxo e ao conforto, ao

    passo que atualmente os servios uma atividade glorificada, tida como tpica do

    capitalismo avanado e superior atividade industrial. De resto, esse tipo de percepo

    est relacionado com o tipo de trabalho que mais se desenvolve durante um determinado

    perodo: a agricultura para os fisiocratas, o trabalho fabril para os economistas clssicos

    etc.

    medida que essas formas variadas caem sob os auspcios do capital e se

    tornam parte do domnio de investimento lucrativo [como os servios, por

    exemplo], entram para o capitalista no reino do trabalho geral ou abstrato,

    trabalho que amplia o capital. [...] no resultado final como aparece nos

  • balanos gerais das empresas as formas de trabalho desaparecem sob a forma

    de valor. (p.308)

    O processo de acumulao transforma a diviso do trabalho e realoca

    constantemente a fora de trabalho da sociedade. No caso de quase toda ocupao nos

    servios e nos varejos a massa de trabalho introduzida nesses crescentes setores de

    emprego proveniente de um vasto reservatrio de trabalho comum que se torna

    disponvel pela relativa liberao de emprego em outros campos. (p.309)

    Parte V A classe trabalhadora

    Cap. 17 A estrutura da classe trabalhadora e seus exrcitos de reserva

    Nesse captulo, Braverman analisa os efeitos das transformaes do capital sobre

    a estrutura da classe trabalhadora:

    Essas consideraes, embora toscas [isto , com fins apenas de estimar a

    situao real], tendem concluso de que a parcela da classe trabalhadora

    no agrcola da fora de trabalho civil comprovada aumentou desde o

    incio do sculo de metade para mais de dois teros, talvez a trs quartos do

    total do momento atual.

    A converso de uma proporo sempre maior da populao em fora de

    trabalho ao nvel de classe trabalhadora dedicada ao aumento de capital,

    ocorreu sobretudo custa da populao agrcola [...]. Os aumentos

    proporcionais mais considerveis ocorreram em trs categorias: operrios,

    funcionrios de escritrio e setores combinados de servios e vendas a varejo.

    medida que os efeitos do emprego da revoluo tecnolgica comearam a

    ser sentidos, contudo, o aumento proporcional constante de operrios cessou,

    e depois de 1950 este grupo recuou em relao ao total (embora

    numericamente continuasse a aumentar). Mas o aumento continuado e

    mesmo acelerado dos outros dois grupos escritrio e vendas absorveu os

    trabalhadores liberados dos empregos fabris [...]. (p.322-3)

    Isso pode se resumir no seguinte:

    A mecanizao da indstria produz um excedente relativo da populao

    disponvel para o emprego a taxas inferiores de salrio que caracterizam

    essas amplas ocupaes. Em outras palavras, medida que o capital transita

    para novos setores busca de investimento lucrativo, as leis da acumulao

    do capital nos setores antigos operam para produzir a fora de trabalho

    exigida pelo trabalho em suas novas encarnaes. (p.323)

    Outra passagem bastante esclarecedora. Vamos simplesmente transcrev-las j

    que um comentrio torna-se suprfluo quando muitas vezes repetitivo.

    Aquelas indstrias e processos de trabalho sujeitas a mecanizao liberam

    massas de trabalho para explorao em outras, em geral menos mecanizadas,

    reas de acumulao de capital. Com as repetidas manifestaes deste ciclo,

    o trabalho tende a acumular-se nas indstrias e ocupaes que so menos

    suscetveis de aperfeioamento na engenharia da produtividade do trabalho.

    As taxas de salrio nessas novas indstrias e ocupaes so mantidas

    baixas pela contnua disponibilidade de populao excedente relativa criada

  • pela produtividade incessantemente crescente do trabalho em ocupaes

    mecanizadas. Isto por sua vez estimula o investimento de capital em formas

    de trabalho que exigem massas de trabalho manual a baixo custo. Em

    consequncia, vemos na indstria capitalista uma tendncia secular ao

    acmulo de trabalho naqueles segmentos da indstria e do comrcio menos

    afetadas pela revoluo cientfica: o setor de servios, vendas e outras formas

    de comercializao e trabalho escritorial na medida em que no sejam

    mecanizados etc. (p.324-5)

    Em poucas palavras, o processo de acumulao de capital d a tnica nas

    transformaes das classes e dos processos de trabalho. Essa tnica vai no sentido de

    uma liberao cada vez maior do contingente da fora de trabalho social total da

    produo material direta. Nisso constitui o exrcito de reserva de trabalho (ou exrcito

    industrial de reserva): parte da populao desempregada ou parcialmente emprega,

    cuja fora de trabalho realocada para outros setores da produo social. Desse modo,

    a massa de emprego no pode ser separada de sua correlata massas de desemprego. Nas

    condies do capitalismo, o desemprego no uma aberrao, mas uma parte necessria

    do mecanismo de trabalho do modo capitalista de produo. continuamente produzido

    e absorvido pela energia do prprio processo de acumulao. (p.326)

    Marx distinguiu trs formas de exrcito de reserva ou populao excedente

    relativa: a flutuante, a latente e a estagnaria. A flutuante enquadra aquela parcela da

    populao so constantemente contratados e descartados pelos movimentos de

    acumulao do capital, indo de emprego a emprego. A latente contempla a parte antes

    no vinculada acumulao de capital, sobretudo os trabalhadores agrcolas. Estes so

    constantemente liberados do campo para a cidade para integrar economia urbana. A

    estagnria corresponde ao segmento mais pauperizado e irregular da populao. Esse

    segmento, vivendo em condies mais precrias do que aqueles enfrentadas pelo

    proletariado, fornecem uma fonte inexaurvel de fora de trabalho medida que o

    capital necessita delas. Alm disso, esse segmento de suma importncia para a fase

    monopolista do capita, j que a expanso do capital tem levado a tipos de emprego

    absolutamente mal pagos, que so ocupados por essa parcela da populao.

    Braverman constata como tendncia geral da acumulao aps a Segunda

    Guerra a substituio da fora de trabalho masculina pela feminina. Esta sai da categoria

    de exrcito de reserva estagnrio para latente, enquanto que aquele faz o inverso.

    Resulta dessa tendncia o aumento relativo do exrcito industrial de reserva, visto que a

    atrao da fora de trabalho feminina vem a compor o montante deste exrcito. Sabe-se

    que essa tendncia no toa, mas decorre da pior remunerao da fora de trabalho

  • feminina, de interesse ao capital. Nesse sentido, o trabalho da mulher atrado para os

    setores econmicos em rpido crescimento: os servios e o comrcio.

    Cap. 18 As camadas mdias do emprego

    Aqui, Braverman discorre um pouco sobre as dificuldades de conceitualizar e

    apreender uma definio de classe mdia. Braverman contrape a classe mdia do

    capitalismo pr-monopolista ao capitalismo monopolista e constata diferenas

    essenciais entre ambas. A comear pela diminuio da classe mdia tal como era

    entendida no capitalismo concorrencial. De fato, naquele perodo o termo classe mdia

    se aproximava mais do conceito de pequena-burguesia. Braverman expe a diferena

    fundamental entre ambas:

    A velha classe mdia ocupava aquela posio em virtude de sua posio fora

    da estrutura polar: capital ou trabalho; ela possua atributos de ser nem

    capitalista nem trabalhadora; ela no desempenhava papel direto no processo

    de acumulao de capital, seja de um lado seja de outro. Esta nova classe

    mdia, em contraste, ocupa sua posio intermediria no porque esteja fora

    do processo de aumento do capital, mas porque, como parte desse processo,

    ela assume as caractersticas de ambos os lados. (p.344).

    De qualquer forma, no que respeita classe mdia contempornea, a tendncia

    que acompanhava seu movimento vai muito mais no sentido da sua aproximao com o

    proletariado do que com a burguesia, sobretudo nos estratos mais inferiores da classe

    mdia.

    [...] diferentemente, das primeiras massas de classe mdia, que to

    grandemente desapareceram, ela corresponde cada vez mais definio de

    uma classe trabalhadora. Isto , como a classe trabalhadora, ela no possui

    qualquer independncia econmica ou ocupacional; empregada pelo capital

    e afiliados, no possui acesso algum ao processo de trabalho ou meios de

    produo fora do emprego, e deve renovar seus trabalhos para o capital

    incessantemente a fim de subsistir. (p.341)