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    Apropriao de Recursos e Estratgias na Produo de Filme Animado

    DIAS, Luhan.

    RESUMO: Este trabalho busca relatar e analisar minhas experincias sobre o processo de

    produo do filme animado A moa que existe em meus sonhos que desenvolvi durante o

    Curso de Bacharelado em Artes Visuais: Cinema de Animao da Escola de Belas Artes da

    Universidade Federal de Minas Gerais. Neste filme me apropriei de diversos recursos e

    estratgias para a sua realizao tais como as estratgias de construo dos cenrios, as

    tcnicas de animao (como a rotoscopia) e outros meios para animao (como filmagens

    live-action, referncias fotogrficas e anlise de movimentos similares de outros filmes) a

    partir de um processo de intensa pesquisa. To logo, este estudo colabora para a

    desmistificao do processo de criao, como tambm, contribuir com futuras produes e

    estudos nesse campo.

    PALAVRAS-CHAVE: Cinema de Animao, Produo de filme, Filme animado, Estratgias

    de produo.

    Appropriation of Resources and Strategies in the Production of Animated Film

    ABSTRACT: This paper seeks to report and analyze my experiences on the production

    process of the animated film "A moa que existe em meus sonhos" that developed during my

    course of Bachelor of Visual Arts: Cinema de Animao da Escola de Belas Artes da

    Universidade Federal de Minas Gerais. In this film took hold of several resources and

    strategies for its production such as scenario-building strategies, techniques (such as

    rotoscoping) and other media for entertainment (like live-action footage, photo references andanalysis of similar movements other films) from a process of intense research. As soon,

    this study contributes to the demystification of the creative process, but also contributes to

    future productions and studies in this field.

    KEYWORDS: Animation, Film Production, Animated film, Production strategies.

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    1. Introduo:

    Este trabalho uma pesquisa auto-reflexiva cujo principal objetivo buscar

    sistematizar o processo de apropriao de recursos e estratgias para a realizao do curta em

    animao 2D de minha prpria autoria intitulado: A moa que existe em meus sonhos1,

    produzido durante minha graduao ao qual acumulei diversas funes, tais como diretor,

    animador, desenvolvedor de layoute cenrio, alm de designer sonoro.

    Para iniciar o processo de produo do filme, algumas problematizaes me

    perpassaram mente: de onde vem a obra de arte? Ela surge do nada? Quais os possveis

    caminhos para se criar uma obra de arte? E para se criar um filme animado? Foi a partir

    dessas indagaes que comecei a pesquisa de como poderia produzir o meu filme de

    concluso de curso2que, nos perodos preliminares, ainda era um argumento de uma estria

    com fortes traos de autobiografia.

    Sobre a produo de filmes em animao, mas especialmente feitos em animao

    tradicional, tcnica mais utilizada na confeco de A moa, importante salientar que sua

    produo um processo laborioso, no qual o movimento desenhado quadro-a-quadro, e por

    isso cada segundo do filme precisa ser pensado, em um constante exerccio de sntese e

    lapidao de roteiro, para que nenhum material produzido seja descartado. Com isso, o filme

    animado j possui desde seus primeiros momentos uma edio planejada sem grandes

    possibilidades de alterao.

    Ao longo deste estudo, abordarei minhas experincias, enquanto estudante de cinema

    de animao, procurando enfatizar o processo de pesquisa, ou seja, a constante busca de

    referncias em cada etapa da produo deste curta-metragem feito em animao tradicional

    2D. No entanto, estabeleo um corte na abordagem destacando, preferencialmente, a partevisual da obra, bem como, cito alguns aspectos do design sonoro e de ps-produo.

    Durante o percurso de produo desse filme surgiram diversas questes sobre os

    possveis caminhos de criao da obra cinematogrfica animada, uma vez que ela no

    aparentava surgir do nada. Em funo disso busquei por fontes externas, ou seja, pesquisei

    1 Que chamarei nesse artigo de: A moa. Filme pode ser assistido em:https://www.youtube.com/watch?v=RWkahPCP3XY

    2 Exigido como requisito parcial obteno do ttulo de Bacharel em Artes VisuaisHabilitao em Cinema

    de Animao, pela Escola de Belas Artes da Universidade Federal de Minas Gerais.

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    sobre o processo de produo de filmes animados e mais afundo sobre o trabalho de outros

    produtores. Essa pesquisa expandiu meus conhecimentos que, na poca, restringiam-se apenas

    aos Princpios da Animao3e princpios de construo de roteiros.

    Nessa busca, pude observar uma ntima relao que reforava e sustentava a ligao

    entre os acasos criativos e a prpria pesquisa de produo do curta. Seguindo o pensamento

    de Fayga Ostrower (1999), se por um lado parece evidente que no existe obra de arte sem

    momentos intuitivos de inspirao, por outro lado tambm est claro que no existem tais

    momentos criativos sem que haja uma demanda.

    Aquilo que, no comeo, parecia uma procura desesperada para sanar minhas

    deficincias na produo em cinema de animao, tornou-se a principal fonte de inspirao e

    criao artstica. Nesse contexto, o processo de pesquisa torna-se uma fonte de alimentao da

    criatividade, o que ser constatado, neste caso, durante o desenvolvimento deste trabalho.

    Esclareo tambm que a expresso artstica do filme A moa, no est em seu ritmo,

    design de personagem, animaes, nem em suas cores, ou seja, no est em nenhum aspecto

    isolado. A obra de arte o filme. Como conceitua MCKEE (2006, p.112) Cinema uma arte

    temporal, h uma histria (com sentimentos, ideias, sensaes) sendo contada de forma

    audiovisual durante um espao de tempo, e para contar essa histria que meus esforos e

    pesquisas se concentram. Ela que tem a capacidade de tocar e emocionar o pblico.

    Sendo assim, este trabalho divide-se em trs partes distintas:

    Na primeira parte, abordo as pesquisas utilizadas na pr-produo4 do curta e seu

    processo de apropriao.

    Na segunda parte, procuro mostrar como foram aplicados alguns recursos na produo

    de A moa. Tais como as estratgias de construo dos layoutse tcnicas de animao.

    Na terceira parte, teo as concluses e consideraes finais sobre o tema abordado ao

    longo deste trabalho propondo estimular a reflexo sobre a produo em animao.

    3 Estes princpios foram desenvolvidos nos estdiosDisney.Vide: Thomas, Frank; Ollie Johnston (1981,reimpresso em 1997).The Illusion of Life: Disney Animation. Hyperion. p. 15.

    4 Termo comumente usado na rea de cinema de animao no qual me refiro ao perodo de concepo do

    argumento do filme, roteiro, designde personagens e pr-visualizao da obra.

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    2. Pesquisa de pr-produo

    2.1 Pesquisa de ritmo e enquadramento

    Minha primeira pesquisa se resume a busca de curtas de animao em sites de

    compartilhamento de vdeos como Youtube5 e Vimeo

    6. Nessa pesquisa encontrei o filme de

    animao 2DA Quoi a Sert L'Amour?7de Louis Clichy, clipe animado da cano de mesmo

    nome interpretada por Edith Piaf e Theo Sarapo.

    Ao analis-lo, pude perceber que o filme apresenta um ritmo veloz, transies

    dinmicas, design interessante, e um enredo relativamente grande para um curta metragem de

    pouco mais de trs minutos, com a seguinte sucesso de acontecimentos: encontro de um

    casal e comeo de relacionamento, briga no relacionamento e reentendimento, separao,

    perodo de depresso aps fim da relao e reunio do casal.

    Uma estria com tantos acontecimentos e reviravoltas em to curto espao de tempo,

    impressionou-me de forma envolvente. A partir disso, pude perceber ser possvel que o meu

    projeto de roteiro (de sinopse j anunciada) poderia ser transformado em um curta animado.

    Para tanto, fiz uma anlise do filme de Louis Clichy, tentado compreender como se deu a

    organizao dos elementos cinematogrficos, a fim de poder me apropriar e adaptar

    estratgias semelhantes no filme.

    Das estratgias analisadas, destaco as quais considerei responsveis pelo roteiro do

    filme ter sido possvel com to curta durao: o timing veloz da animao cmica, a

    expressividade do design simplificado e caricatural dos personagens, a sucesso de planos

    curtos de aproximadamente cinco segundos com aes fragmentadas que agilizam todo o

    ritmo, e o movimento de cmera que trabalha para facilitar e dinamizar as transies das

    sequncias. Estas que atuam, ora rotacionando o personagem e fornecendo uma transio de

    planos sem cortes, ora movimentando-se rapidamente e alando os personagens em diferenteslocais e situaes.

    Considero importante destacar tambm que o filme tem suas cenas sincronizadas com

    a cano de Edith Piaf e Theo Sarapo, o que provavelmente ditou o timing da animao e a

    5 http://youtube.com.br

    6 Http//vimeo.com

    7 http://www.cube-creative.fr/projet/286/a-quoi-ca-sert-l-amour-clip

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    velocidade das transies. No entanto, para o entendimento do filme no necessria a

    compreenso da lngua francesa na qual a cano interpretada.

    Ao analisar o filme de Louis Clichy, pude perceber que muitos dos recursos poderiam

    ser includos na minha animao. Dentre estes recursos: a sucesso de planos curtos, a

    expressividade do design, e as transies sem cortes. E em alguns momentos especficos que

    requeriam mudanas expressivas de tempo e espao poderia usar a movimentao da cmera

    rotacionando o personagem.

    Aps esse trabalho de pesquisa, em um lampejo criativo reformulei meu projeto de

    roteiro e redigi sua primeira verso (incluindo o enquadramento dos planos, os dilogos do

    filme e movimentos de cmera), alm de ter imaginado o final do filme.

    Nessa parte final, a msica O meu sangue ferve por voc8, interpretada por Sidney

    Magal e que estava ecoando em minha mente por dois insistentes meses, uniu-se ao lampejo

    criativo se mostrando a melhor opo para ilustrar e fornecer sentido ao final do filme.

    Adaptei e ajustei o filme para o meio audiovisual explorando, alm dos prprios

    recursos visuais usados na referncia do clipe francs, aquilo que o udio poderia fornecer

    para o desenvolvimento da histria. Desse modo os sons passaram a ser um fator fundamental

    na maneira de contar a histria. Eles atuariam tanto na antecipao da animao, quanto

    criando sentido por si, deixando de ser apenas um acompanhante da imagem e, em alguns

    momentos, assumindo a posio inversa: a imagem acompanharia o som.

    Neste ponto o esqueleto do filme estava pronto, a seguir a sinopse: Tio, um

    depressivo violonista em crise criativa, sempre acorda com uma melodia na cabea, a qual

    no consegue desenvolver. Possui uma rotina maante de trabalho em uma loja de

    instrumentos musicais cercada por um ambiente urbano barulhento e hostil, porm o despertar

    prematuro de um sonho muda a vida de Tio, quando o mesmo toma conscincia de que nesse

    sonho tem uma vida feliz ao lado de uma linda moa. Aps algumas noites tentando retornarao sonho, Tio percebe que no conseguir e recorre ajuda de seu colega de trabalho, o qual

    lhe fornece mtodos pseudomsticos para o devido fim, que sempre fracassam, assim como as

    tentativas de Tio de compor a melodia (que agora est ligada a esse sonho) que sempre lhe

    vem mente. Esses fracassos culminam em uma tentativa de suicdio por Tio, que apenas

    no suicida-se pois no momento crucial percebe a que melodia que tinha em mente pertence a

    uma msica simples e despretensiosa, que o leva a uma reviravolta na vida, mudana de

    vizinhana e assumir a carreira de msico popular.

    8 Msica composta por F. Mayer, Jack Arel, C. Carrre, K. Pancol.

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    Todavia considero necessrio relatar que o processo de criao do roteiro no se ateve

    a essa pesquisa e esse lampejo criativo, muito pelo contrrio. Houve um expansivo estudo

    sobre estrutura de roteiro cinematogrfico, assim como um olhar atento sobre diversos filmes,

    onde procurei entender o que motivou as decises de seus respectivos diretores. Alis,

    diversas mudanas surgiram durante todo o processo de produo, quando percebia, ao

    mostrar o projeto do filme a algum, que a mensagem pensada para um determinado plano ou

    cena estava fraca ou simplesmente era ineficaz. O roteiro de A Moachegou em sua verso

    final na semana de entrega do filme pronto. Nas palavras de Robert McKee (2006):

    Mesmo que nenhum bom filme tenha sido feito sem algum lampejo de inspiraofortuita, um roteiro no um acidente. Material que vem do nada no pode continuar

    desligado da estria. O roteirista re-desenha a inspirao, fazendo parecer que umaespontaneidade instintiva tenha criado o filme, mas ainda assim sabendo quanto

    esforo e artificialidade foram gastos ao fazer o trabalho parecer natural e semesforo.

    2.2 A pesquisa para o designde personagem

    Ao passar a etapa de roteirizao e pr-visualizao inicial do filme (storyboard e

    animtico) na qual tentei trabalhar sem muitas referncias externas, principalmente, para

    no ficar muito influenciado pela visualidade de outros curtas comecei a trabalhar com o

    designdos personagens. Esta etapa foi o que, consequentemente, ditou grande parte do que

    considero ser a identidade visual do filme.

    A caracterizao do personagem j estava formulada: seria um jovem de 20 a 25 anos,

    branco, com o corpo encurvado, cabisbaixo, olheiras escuras e olhar aptico. No entanto, no

    conseguia criar nenhum design que satisfizesse a essas caractersticas. Os que foram

    produzidos precisavam de mais atratividade e funcionalidade para animao, ou seja, mais

    appeal. Segundo Siqueira (2008, p. 16) Appeal a personalidade do personagem sintetizada

    visualmente. O que o torna nico e atrativo para o pblico e que, necessariamente, passa por

    sua proposta dentro da histria e como isto representado na elaborao do desenho do

    personagem.

    Devido dificuldade preliminar com o design de personagem, resolvi observar e

    analisar os designsdo ilustrador e animador Bruce Timm9, tentando entender o que tornava

    9 A adaptao que consagrou o estilo de Timm foi a srie Batman: The Animated Series, lanada em 1992

    pela Warner Brothers.

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    seus personagens to interessantes. Isso me forneceu algumas solues grficas que poderiam

    ser usadas na produo do designdos personagens de meu filme.

    Dessas solues destaco a simplificao anatmica atravs do uso de combinaes de

    linhas curvas e retas. No caso de Timm, esses recursos foram usados para garantir a

    imponncia de seus personagens super-heris (caractersticas tpicas de suas representaes

    nos quadrinhos), e o dinamismo de suas movimentaes animadas.

    Ao estudar esses elementos, procurei apropri-los em meu estilo de desenho. Trabalhei

    a combinao das linhas curvas e retas para pontuar visivelmente o estado depressivo do

    personagem principal alm de garantir um impacto visual quando o personagem sai desse seu

    estado cabisbaixo e alcana a felicidade no final do filme. Abaixo uma imagem

    exemplificando esse trabalho no rosto e postura do personagem principal do curta.

    3. Estratgias e apropriao de recursos na produo do filme A moa

    3.1 Estratgias para criao dolayout

    Uma vez terminada a etapa dostoryboardcomo conceitua por Siqueira (2008, p.

    26) storyboard a traduo do roteiro atravs de painis desenhados e com animtico

    sonorizado10

    , convenci-me de que o filme estava funcionando, ou seja, conseguindo

    transmitir as ideias presentes no roteiro de forma audiovisual, passei a etapa seguinte: a

    produo dos layouts dos planos da animao. Para tal resolvi produzir referncias

    10 Animtico sonorizado a juno entrestoryboarde som guia (sons provisrios) expostos em ordem de cenas

    no tempo em formato de vdeo, a partir dessa etapa se tem noo do tamanho do filme.

    Figura 1: Tio no comeo do filme esquerda e ao fim do filme direita.

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    fotogrficas e filmagens live-action, cenograficamente ajustadas aos ngulos e

    enquadramentos previsualizados no storyboard. Esta uma prtica usual no processo de

    layout e animao dos filmes produzidos nos estdios Disney, como citam Johnston &

    Thomas (1997, p. 169).

    Outra estratgia usada na elaborao dolayoute consequentemente da produo dos

    cenrios foi o uso de modelagem 3D de uma planta baixa da quitinete de Tio, lugar onde se

    passa boa parte da histria.

    O uso dessa modelagem seguiu o mesmo princpio das referncias fotogrficas citadas

    anteriormente, ou seja, seguiu os ngulos e enquadramentos previamente visualizados no

    storyboard. A diferena que enquanto nos layouts produzidos seguindo a referncia

    fotogrfica os personagens eram desenhados como os atores posicionados na foto, no modelo

    3D, os personagens eram desenhados nos ngulos propostos pelo cenrio, o que trouxe

    dinamismo s cenas que se passam na quitinete.

    Durante a produo e finalizao dos cenrios esses modelos 3D foram redesenhados,

    adaptando-se ao estilo visual da histria e adquiriram alguns detalhes que no eram relevantes

    para o layout.

    Figura 2: Mtodo usado na construo de vrioslayouts do filme; esquerda imagem do

    storyboard, ao centro a referncia fotogrfica, direta umframedo plano finalizado.

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    3.2 Estratgias para criao dos movimentos

    Depois de todo o layoutser criado e tendo os sons guia do animtico como a maior

    referncia do timing da animao, parti para o processo de animao. A pesquisa nesse

    processo consistiu na busca de estratgias e materiais que possibilitassem a criao de

    atuaes expressivas aos personagens, para que contassem a histria da melhor forma

    possvel.

    Como material de referncia inicial para a criao dos movimentos foram produzidas

    diversas filmagens em live-actionnos ngulos e enquadramentos dolayout, que tinham como

    objetivo serem referncias do modo como ocorriam realmente determinadas movimentaes

    para melhor adapt-las ao desenho.

    Essas referncias reverberam no filme de forma instigante e surpreendente, por

    exemplo: o estudo de como o cabelo se movimenta durante a corrida da personagem Moa em

    um plano no qual ela aparece em um enquadramento frontal (Fig. 4), garantiu-me experincia

    suficiente para reproduz-la em outro plano, quando a personagem est de costas, sem quenecessitasse de filmar um movimento semelhante nesse outro ngulo.

    Figura 3: Dois exemplos do uso da modelagem 3D nolayout de"A moa".

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    Alguns planos tiveram seu sentido e expresso potencializados pelo uso de referncias

    live-action, dentre eles cito a caminhada lateral na qual se v Tio de corpo inteiro

    caminhando at a loja de instrumentos musicais que o local de seu trabalho: um cenrio do

    cotidiano urbano, barulhento e sujo. O que, a princpio, fora planejado como uma caminhada

    depressiva no meio da multido insensvel, transformou-se em algo mais com o apoio da

    referncia. Apenas a maneira de andar trouxe bastante personalidade a Tio, graas a sua

    caminhada podemos inquirir sobre o que se passa dentro de sua cabea. Logo percebi que no

    precisaria de uma multido na rua com o personagem, pois seus passos bastariam para mostrar

    sua solido, como se pudessem sozinhos contar uma histria inteira, como comenta RichardWilliams (2001, p. 104):

    Por que ser que conseguimos reconhecer nosso tio Charlie que no tnhamos

    encontrado durante dez anos ao v-lo andando, de costas, longe, fora de foco? Pois oandar de cada pessoa to individual e to distinto quanto seu rosto. E um pequenodetalhe muda tudo. Existe uma quantidade enorme de informao em uma

    caminhada e ns a interpretamos instantaneamente.11

    11 Traduo do autor.

    Figura 4: Exemplo de como o estudo das filmagens live-actioncontribuiu no processo de

    animao.

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    A partir dessas experincias pude perceber o quanto a anlise de filmagens live-action

    contribuam no apenas para aumentar a naturalidade da movimentao do filme, mas

    tambm para a formao do animador.

    Para produzir o filme tive em mente duas escolas distintas de animao segundo a

    diferenciao de Filho (2008, p. 22): a Full animation, representada pelos estdios Disney,

    que se caracteriza pela utilizao de um grande nmero de desenhos para cada movimento,

    sendo uma animao mais fluida; e a animao limitada, que possui reduzido nmero de

    desenhos para cada movimento, tornando-se uma animao muito truncada. Embora

    contrastantes, esses dois estilos poderiam estar presentes em A moa.

    A ideia por trs dessas duas escolas aplicadas ao filme acentuar a atuao e

    caracterizao dos personagens. Se por um lado o depressivo personagem principal, Tio, tem

    uma movimentao reduzida e truncada, reaes apticas e quase no fala, por outro o

    personagem Amigo teria uma movimentao frentica, fluida e gesticulada, alm de falar

    por quase todo o tempo de sua atuao.

    Dentro desse conceito, trabalho as reaes de Tio, que passa a se movimentar de

    forma fluida quando corre para escrever o recado nas mos aps o sonho ou quando toca o

    violo, demonstrando ser justamente nesses momentos em que ele tem maior vivacidade.

    Para compreender como trabalhar a movimentao truncada do personagem de

    forma interessante estudei o seriado animado japons Yuyu Hakusho (1990)12, do Estdio

    Pierrot. Desse estudo percebi alguns princpios que apliquei s minhas animaes do

    personagem, como o uso de imagens estticas e uma movimentao setorizada, por exemplo:

    um plano em que h uma sesso de hipnose na qual apenas os olhos do personagem se

    movimentam.

    Escolher uma animao limitada para acentuar a expressividade da atuao do

    personagem pode parecer paradoxal para muitos animadores, mas objetivei trabalhar aexpresso do esttico, do mudo, do corpo que se movimenta estranhamente, do que no

    parece estar em seu estado normal. E, justamente por isso que em contraponto o personagem

    Amigo atua com fluidez, para contrastar e evidenciar ainda mais a estranheza do Tio.

    A animao do personagem Amigo se deu pelo estudo da gesticulao corporal das

    filmagens live-action de referncia e uma anlise quadro a quadro de alguns movimentos do

    filme animado O Caminho para El Dorado(2000), da produtora DreamWorks. Essa anlise

    12 Dados coletados nosite oficial daPlayarte, distribudora dos dvds da srie: http://www.playarte.com.br.

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    se deu para entender como era trabalhado o timing da animao em cenas de dilogos e

    gesticulaes simultneas, que caracteriza as cenas de atuao do Amigo.

    Nas cenas em que Tio toca violo usei a tcnica rotoscopia13

    ou, pelo menos, a sua

    ideia. O trabalho se deu atravs da filmagem do msico Rodrigo Salvador enquanto o mesmo

    compunha e gravava simultaneamente as msicas tocadas no filme, posteriormente trabalhei

    utilizando a tcnica de rotoscopia para a realizao das mos tocando o violo. A

    movimentao dos braos e do prprio violo no foi feita na mesma tcnica porque seria

    muito trabalhoso e retiraria o foco das mos do personagem neste plano. Essas animaes

    foram feitas, portanto, em animao direta14, acompanhando o movimento das mos.

    A rotoscopia foi utilizada, nesse caso, para que a movimentao das mos fosse

    correspondente msica, e que fosse tambm, ao mesmo tempo, complexa e frentica. Dentro

    da tcnica utilizada vrias escolhas foram tomadas para a sntese de movimentos,

    expressividade da linha e adequao ao designdo personagem.

    3.3 Finalizao

    O filme A moa foi inicialmente pensado para ser em preto e branco, contudo,

    durante o processo de produo pude perceber que colori-lo poderia ampliar o sentido de

    diversas cenas, alm de poder deixar clara a diferenciao entre o dia e a noite, o que seria

    difcil na verso preto e branco.

    Como referncia de cores escolhi o desenho animado japons Yuyu Hakusho(1990). A

    colorizao utilizada nesse seriado caracteriza-se por cores chapadas, mesmo quando se trata

    das sombras. Esse tratamento se mostrou interessante para A moa no apenas por sua

    maior viabilidade tcnica e esttica, mas principalmente por sua fora dramtica.As cores tambm foram usadas como um recurso narrativo, atravs da variao da

    paleta de cores possvel perceber claramente o estado de esprito do personagem e sua

    integrao (ou afastamento) do meio em que est inserido, como pode ser visto na montagem

    deframesa seguir.

    13 Tcnica de animao em que desenhos so traados sobre a filmagem de atores reais.

    14

    Na Animao Direta os desenhos so feitos na sequncia que sero capturados. Ao contrrio da AnimaoPose-a-pose, em que so desenhados primeiramente os extremos dos movimentos, depois as poses que

    melhor o caracterizam e finalmente os desenhos restantes para compor o movimento.

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    Esse processo de apropriao de recursos e estratgias durante a produo do filme

    no aconteceu instantaneamente, pois, a cada etapa da produo meu filme me apresentava

    algum problema que requeria reflexo para encontrar a soluo. No entanto, durante reflexese pesquisas para resolver esses problemas, ou em momentos de entretenimento em que ora

    assistia a quaisquer filmes e ouvia msicas, ora pesquisava algo aleatrio na internet,

    conseguia formular novas estratgias e/ou me apropriar de algum recurso. Nestes momentos

    era como se a criatividade fosse liberada justamente para superar os problemas. Citando

    Fayga Ostrower (1999, p. 20) que diz que o prprio processo de trabalho se converte em

    processo criador.

    Como j foi dito anteriormente, os processos tcnico-criativos envolvidos na produo

    do filme no objetivam demonstrar minhas capacidades tcnicas, eles foram utilizados para

    que a estria fosse contada de forma que pudesse tocar o pblico, transmitir-lhe sentimentos e

    faz-lo pensar.

    Figura 5: Montagem de frames da do filme "A moa", no qual possvel perceber (atravs da

    paleta de cores) a integrao, ou no, dos personagens com os ambientes ao qual esto inseridos.

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    4. Concluses e consideraes finais

    Ao analisar o processo de apropriao de recursos e estratgias para a produo do

    filme A moa que existe em meus sonhos15de minha autoria, procuro elucidar as razes

    pelas quais acredito ter conseguido fazer o filme ser concludo: a busca por fontes externas

    trabalhando a favor da histria.

    Esse trabalho props as seguintes perguntas na introduo: De onde vem a obra de

    arte? Ela surge do nada? A nica resposta que consegui encontrar foi: depende. Depende do

    artista, do que o move, de quais so seus objetivos, de quais so suas experincias, sua viso

    de trabalho e, consequentemente, do mundo.

    Em relao s minhas experincias durante a produo desse filme animado, pude

    perceber que para alcanar os meus objetivos de contar a histria da melhor forma possvel,

    eu precisaria criar estratgias de trabalho.

    Minhas pesquisas por fontes externas me levaram no apenas a novos modos de

    fazer, mas tambm a mergulhos em novas fontes deinspirao, a novas formas de pensar a

    produo de arte, e, por conseguinte, novas formas de interpretar os momentos intuitivos e

    fortuitos de inspirao, no como algo que vem do nada, mas sim como algo que

    estimulado por aquilo do que o artista se cerca.

    Busco, atravs deste estudo, contribuir com a discusso sobre o processo de criao na

    rea de cinema, em especial de cinema de animao, procurando desmistificar esse processo,

    como tambm, contribuir com futuras produes e estudos nesse campo.

    15 Filme ganhador dos prmios: Melhor Filme segundo juri popular do 4 Festival Sergipe do Audiovisual

    (Sercine); e Melhor Animao no V Festival Nacional de Curta-metragem de Taquaritinga do Norte (CurtaTaquary). Recebeu meno honrosa no 3 Festival de Cinema Universitrio de Alagoas. Alm de participar

    de festivais nacionais e internacionais.

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    7. Referncias

    A MOA que existe em meus sonhos. Direo: Luhan Dias Souza. Belo Horizonte: EBA-

    UFMG, Brasil, 2011. DVD, 14 min. Cores, som.

    A QUOI a sert l'amour? Direo: Louis Clichy. Frana: Cube, 2003. 03 min. Cores, som.

    Legendado. Disponvel em http://www.cube-creative.fr/projet/286/a-quoi-ca-sert-l-amour-

    clip. Acessado em: 05/12/2011.

    FILHO, Antnio Linhares da Cunha. Desenhos animados e atuao. So Paulo:

    Universidade de So Paulo, 2008. (Trabalho de Concluso de Curso).

    JOHNSTON, Ollie & THOMAS, Frank. The Illusion of life: disney animation. New York:

    Hyperion, 1981, reimpresso em 1997.

    MCKEE, Robert. Story: substncia, estrutura, estilo e os princpios da escrita de roteiro.

    Curitiba: Arte & Letras, 2006.

    O CAMINHO para el dorado. Direao: Eric Finn Bergeron, Paul Don Will, e David

    Silverman. EUA, 2000. DVD, 83 min. Cores, som. Legendado.

    OSTROWER, Fayga. Acasos e criao artstica.Rio de Janeiro: Elsevier, 1999.

    SIQUEIRA, Arlen. Em busca do movimento: Materiais de referncia como apoio ao

    processo de animao. Belo Horizonte: Universidade Federal de Minas Gerais, 2008.

    (Trabalho de Concluso de Curso).

    WILLIAMS,Richard. The animators survival kit: a manual of methods, principles and

    formulas for classical animation, computer, games, stop motion and internet animators.

    London: Faber Limited, 2001.

    YUYU, Hakusho. Direo: Noriyuki Abe. Japo: Playarte Pictures, 1990, Box 6 volume 19

    a 21. DVD, aprox. 213 min. Cores, som. Legendado.

    8. Currculo do autor

    Luhan Dias diretor de Cinema de Animao e animador. Graduado em Artes Visuais/

    habilitao Cinema de Animao pela UFMG. Mestrando, PPG-Artes EBA UFMG, bolsista

    FAPEMIG.