162619786 Construcao Da Identidade e Subjetividade Na Escola

download 162619786 Construcao Da Identidade e Subjetividade Na Escola

of 5

description

artigo.

Transcript of 162619786 Construcao Da Identidade e Subjetividade Na Escola

  • Urdimento

    A VOz SOCIAL NO CONTEXTO ESCOLAR: IDENTIDADE, SUBJETIVIDADE E DIFERENA 93

    N 18 | Maro de 2012

    Resumo

    Este artigo apresenta uma reviso bibliogrfica dos conceitos de identidade, subjetividade e diferena a partir

    da perspectiva educacional ps-crtica, com o intuito de refletir sobre os paradigmas com os quais o professor

    se depara no contexto escolar e cogitar de que maneira a prtica teatral pode se relacionar com estas

    questes e dar voz social ao estudante.

    PALAVRAS-CHAVE: Identidade; subjetividade; teatro na escola.

    Resumo

    This article presents a review of the concepts of identity, subjectivity and difference from the post-critical

    educational perspective, in order to reflect on the paradigms that the teacher faces in the school context and

    to consider how the theatrical practice can relate to these social issues and give voice to the student.

    KEywoRdS: Identity; Subjectivity; Theatre in the school.

    A VOz SOCIAL NO CONTEXTO ESCOLAR: IDENTIDADE,

    SUBJETIVIDADE E DIFERENA1Raquel Guerra2

    1 Texto revisado da dissertao O espao sonoro em processos de drama: a voz e os rudos na construo de narrativas teatrais no contexto escolar, defendida no PPGT/UDESC em 2010.2 Doutoranda do Programa de Ps Graduao em Teatro da UDESC. Atriz e Arte educadora, atua em escolas e projetos de educao sociocultural.

  • Urdimento

    Raquel Guerra94

    N 18 | Maro de 2012 Urdimento

    A VOz SOCIAL NO CONTEXTO ESCOLAR: IDENTIDADE, SUBJETIVIDADE E DIFERENA 95

    N 18 | Maro de 2012

    I Introduo: a ruptura de paradigmas

    A pesquisa bibliogrfica est de-senvolvida a partir de duas questes amplas: como o proces-so educacional se relaciona com a constituio da subjetividade e

    identidade do educando? Quais as conver-gncias destes aspectos para a experincia artstica/teatral desenvolvida no contexto escolar?

    Segundo conceituaes contempor-neas em torno da primeira questo, j no possvel pensar os conceitos de identi-dade e subjetividade como uma parte es-tvel e centrada do sujeito. Tomaz Tadeu (2000; 1994) e Stuart Hall (2000; 2001), em abordagens acerca do ps-estruturalismo e ps-modernismo3 revelam que o descen-tramento da conscincia e do sujeito indi-ca a instabilidade das prprias estruturas nas quais os sujeitos contemporneos esto constitudos, noutras palavras, o mundo globalizado imprimiu s sociedades mu-danas constantes e rpidas, ao mesmo tempo em que as diversidades existentes entre as sociedades e dentro delas foram expostas. A respeito da segunda questo, pertinente considerar que o ensino do te-atro, na escola e na comunidade, reflete as formas teatrais contemporneas ao mesmo tempo em que responde aos avanos das te-orias da educao. (CABRAL, 2009, p.39). Neste sentido, o texto apresenta o pensa-mento da teoria educacional ps-crtica na inteno de confront-lo com o ensino do teatro na escola.

    Ao discorrer sobre a diversidade cul-tural no contexto da escola obrigatria e da educao em tempo de globalizao, Gime-no Sacristn (2001) destaca um dos desafios educacionais contemporneos: como abor-dar a diversidade quando o processo de escolarizao se apresenta rgido quanto s normas igualadoras, ou seja, uma escola co-mum que satisfaa o ideal de uma educao igual para todos [...] na paisagem social das sociedades modernas, acolhendo sujeitos

    3 Sobre os termos e sua relao com campo educacional, ver TADEU (1994; 2000) e GIROUX (1999).

    muito diferentes, parece uma contradio ou uma impossibilidade. (SACRISTN, 2001, p. 71-72).

    Somos nicos porque somos va-riados internamente, porque somos uma combinao irrepetvel de con-dies e qualidades diversas, no de todo estticas, o que nos torna tam-bm diferentes em relao a ns mes-mos ao longo do tempo e segundo as circunstncias em mudanas que nos afetam. Nas condies sociais e culturais da ps-modernidade, essa complexidade e instabilidade de cada pessoa so acentuadas consideravel-mente, diante da variedade de rela-es que estabelecemos em contex-tos mutantes. (SACRISTN, 2001, p. 73-74).

    O termo diversidade comumente apare-ce associado noo de identidade ps-mo-derna, sobretudo nos escritos do movimento multiculturalista, que considera a diversida-de como uma coexistncia de diferentes e variadas formas (tnicas, raciais, de gnero, sexuais) de manifestao da existncia huma-na, as quais no podem ser hierarquizadas por nenhum critrio absoluto ou essencial (TADEU, 2000, p.44). Nesse caso, a diversi-dade est entendida como uma caracters-tica da sociedade contempornea. O autor ressalta, porm, que o termo pode perder relevncia terica em funo da ideia que a diversidade est dada, que ela preexiste aos meios sociais pelos quais numa outra perspectiva ela foi, antes de qualquer coisa, criada (TADEU, 2000, p. 44). Desse modo, sugere a utilizao do conceito de diferena, por enfatizar o processo social de produo da diferena e da identidade em suas cone-xes, sobretudo, com relaes de poder e au-toridade. (TADEU, 2000, p. 45). Portanto, a diversidade cultural no deve ser compreen-dida como um fenmeno social dado, estti-co, mas sim, deve estar associada ao processo social de formao da identidade, posto que este seja atrelado s questes de diferena.

    Para Henry Giroux (1997), a diver-sidade cultural nos processos educacionais deve ser valorizada como uma forma de

    luta contra a hegemonia cultural, esta com-preendida como a estruturao de um aparato cultural que promove o consenso atravs da reproduo e distribuio dos sistemas dominantes de crenas e atitu-des. (GIROUX, 1997, p.113). O autor aten-ta para a ocorrncia desta relao de do-minao/subordinao no meio escolar e refora a necessidade de o educador situar-se diante dela ciente de sua existncia nas experincias pedaggicas.

    As Escolas so lugares sociais cons-titudos por um complexo de cultu-ras dominantes e subordinadas, cada uma delas caracterizada por seu po-der em definir e legitimar uma viso especfica da realidade. Os professo-res e aqueles interessados em edu-cao devem passar a compreender como a cultura dominante funciona em todos os nveis de ensino esco-lar para invalidar as experincias culturais das maiorias excludas.(...) para os professores isso significa examinar seu prprio capital cultu-ral e examinar o modo no qual este beneficia ou prejudica os estudantes. (GIROUX, 1997, p. 38).

    Consoante o pensamento destes auto-res, o texto expe algumas definies para os conceitos de identidade e subjetividade que expressam conexes com as experin-cias pedaggicas na escola e que implicam uma atitude auto reflexiva do professor sobre sua prpria prtica e as relaes que nela se estabelecem, muitas vezes, de forma silenciosa. Nesse sentido, as colocaes te-ricas so referentes ao papel do professor em geral, mas o contexto deve ser lido tam-bm, e principalmente, considerando-se o professor de teatro.

    II- Identidade, subjetividade e diferena

    A subjetividade, para Edgar e Sedgwi-ck (2003, p. 326), pode ser entendida como a propriedade de ser sujeito, todavia, tal propriedade no dada e sim constituda por formas e relaes sociais, ou seja, as

    concepes de subjetividade so depen-dentes de fatores polticos, sociais e cultu-rais, de modo que a subjetividade no pode ser tomada como algo independente das formas de linguagem; pelo contrrio, a subjetividade constituda tanto dentro quanto por meio do ato da fala. (EDGAR E SEDGWICK , 2003, p. 326). Segundo To-maz Tadeu (2000), o entendimento con-temporneo para subjetividade e identi-dade indica mobilidade e fragmentao, diferenciando-se da concepo humanista do sujeito, que via o indivduo constitu-do de um ncleo autnomo, racional, cons-ciente e unificado. (TADEU, 2000, p. 102).

    As velhas identidades, que por tanto tempo estabilizaram o mun-do social, esto em declnio, fa-zendo surgir novas identidades e fragmentando o indivduo mo-derno, at aqui visto como um su-jeito unificado. A assim chamada crise da identidade vista como parte de um processo mais amplo de mudana, que est deslocando as estruturas e processos centrais das sociedades modernas e aba-lando os quadros de referncia que davam aos indivduos uma anco-ragem estvel no mundo social. (HALL, 2001, p. 7)

    Consoante Tadeu (2000, p. 100), as cr-ticas ps-moderna e ps-estruturalista efe-tuam um duplo descentramento do sujeito cartesiano: primeiro, o homem no ocupa mais a posio de centro do universo, j que este lugar foi cedido sociedade, lingua-gem e histria; segundo, a subjetividade perde seu sentido enquanto uma proprie-dade que pertence ao sujeito e passa a ser vista como resultante de processos incons-cientes que o interpelam. A racionalidade e a conscincia de si mesmo j no tem lu-gar na teoria educacional ps-crtica, posto que o si mesmo, o self, no propriedade ou domnio do sujeito, mas resultante de

    suas relaes socioculturais. O Self so-cialmente construdo, no sentido de ser moldado atravs de interao com outras pessoas e por utilizar materiais sociais sob

  • Urdimento

    Raquel Guerra96

    N 18 | Maro de 2012 Urdimento

    A VOz SOCIAL NO CONTEXTO ESCOLAR: IDENTIDADE, SUBJETIVIDADE E DIFERENA 97

    N 18 | Maro de 2012

    a forma de imagens e ideias culturais. [...] o indivduo no um participante passivo desse processo, e pode exercer uma influ-ncia muito forte sobre a maneira como o processo e suas consequncias se desen-volvem. (EDGAR e SEDGWICK, 2003, p. 204). Sacristn (2001), ao discutir sobre es-tas relaes que marcam o indivduo e que se formam no processo de escolarizao, reflete acerca do conceito de identidade e acrescenta que:

    A partir de um ponto de vista ps-moderno, a identidade no algo unificado, definitivo e fixado de uma vez por todas, mas sim algo em cons-tante transformao, de sorte que o sujeito assume diferentes identidades em momentos e lugares distintos. Se o sujeito se cr dotado de uma iden-tidade determinada no porque a possua. Mas sim consequncia da narrao de sua vida que se repre-senta diante de si. Essa forma de en-tender a identidade coerente com o tipo de sociedade em mudana na ps-modernidade. (SACRISTN, 2001, p.44)

    Diante das definies que cercam es-tes conceitos, como pensar a identidade e a subjetividade que se deixa evidenciar na sala de aula? Seria possvel identificar estas questes na prtica teatral? Sacristn (2001) reflete sobre as relaes que, no interior es-colar do suporte a essa representao de si e de uma suposta identidade fixa do sujeito: o menino lento passa a crer que pouco in-teligente, que no capaz. A escola (colegas e professores) refora esta caracterstica que lhe atribuda. Mas ser que essa realmen-te a sua identidade? Ser que ela no tem voz ou no tem uma escuta que reconhea essa voz com suas particularidades, diferen-as e peculiaridades culturais? Nesse caso, compreende-se a identidade atravs das inter-relaes com os locais histricos e ins-titucionais que as produzem e so, assim, mais o produto da marcao da diferena e da excluso do que o signo de uma unidade idntica, naturalmente constituda, de uma identidade em seu significado tradicional

    (HALL, 2000, p.109). A educao no pode ser uma ten-

    tativa de homogeneizar, pois as diferen-as podem interagir umas com as outras e o conflito oriundo delas no pode ser ignorado. A problemtica do processo de escolarizao, presente em Giroux (1997) e em Sacristn (2002), o contras-te oriundo de uma cultura dominante e a diversidade de manifestaes que fazem obstculos a ela tal oposio defini-da como resistncia4 por Henry Giroux. Noutras palavras, a escola um espao de convvio sociocultural que produz uma infinidade de narrativas, estas au-torizam/aprovam uma srie de atitudes e valores culturais ao mesmo tempo de-saprovam e recriminam outros. Conso-ante Henry Giroux (1999), a noo de diferena pode ser explorada atravs de uma pedagogia que d voz ao aluno e no reduza o comportamento humano a padres determinantes nem legitime apenas um modo de ser. A noo da diferena tem desempenhado um papel importante em tornar visvel como o poder inscrito de maneiras diferentes em e entre as zonas de cultura, como as fronteiras culturais suscitam questes importantes com respeito s relaes de desigualdade, luta e histria, e como as diferenas so expressas de maneiras mltiplas e contraditrias dentro dos in-divduos e entre grupos diferentes. (GI-ROUX, 1999, p.197).

    Diante deste contexto terico, lano algumas perguntas: poderia o teatro na escola, com sua potica subversiva, ser pensado como resistncia? A variedade de prticas teatrais e suas poticas po-dem contribuir como resistncia a uma possvel hegemonia cultural? A constan-te reproduo, durante as improvisaes teatrais com alunos de ensino funda-mental, dos modelos televisivos e cine-

    4 O conceito de resistncia desenvolveu-se na teoria educacional crtica em contraste s teorias da reproduo e ideia da passividade da ao humana diante das foras sociais opressoras. Mais recentemente, algumas anlises tm-se voltado para a concepo de resistncia oferecida por Michel Foucault, para quem o poder implica, sempre, resistncia(Tadeu, 2000, p. 98). Esta , particularmente, a anlise de Giroux, que se apoia nas noes foucaultianas do contradiscurso e do poder como fora positiva para pensar o conceito de resistncia na escola.

    matogrficos, de personagens e modos de interpretao, poderia ser vista como uma forma de hegemonia cultural? Qual o papel do professor de teatro diante desta situao? Longe de esgotar as pos-sibilidades de respostas a estas questes amplas, a citao abaixo aponta para possveis pontos a partir dos quais tais questes possam ser [re]pensadas.

    Quer se fale de jogo dramti-co, jogo teatral ou drama, no h como deixar de reconhecer o papel central das interaes do fazer teatral com outras reas de conhecimento. Processos de montagem, criao coletiva, in-vestigaes cnicas, interagem com temticas, ideias, imagens. Seu diretor/professor media as interaes entre os participantes, e destes com o espao, o tempo, a cena, o contexto da fico. a partir desta constatao que se deve pensar no papel do profes-sor. O cruzamento de reas e su-breas do conhecimento no fazer teatral, aponta para a interdisci-plinaridade. A heterogeneidade do grupo indica uma abordagem intercultural. Entretanto, o pro-fessor de teatro, por um lado, pressionado a decorar e animar as datas comemorativas, por ou-tro lado, v seu espao de atuao ser considerado descartvel (...). A complexidade deste quadro, que persiste nos dias atuais, re-quer uma reflexo sobre a postu-ra, atitudes e aes do professor no campo da escola. (CABRAL, 2008, p.43).

    No pensamento de Giroux (1999; 1997), a experincia pedaggica na escola est asso-ciada prtica do professor como um Intelec-tual Transformador5 que, para o autor, refere-se construo de uma pedagogia em sala de

    5 A noo de Intelectual Transformador (educadores e pesquisadores educacionais) de Henry Giroux (1997) est associada a uma srie de consideraes em torno de uma Poltica Educacional que reavalie a participao do professor em diversas esferas, desde a elaborao de currculo e normativas s prticas em sala de aula. Em minha pesquisa, detive-me s consideraes do autor sobre o Intelectual Transformador e sua relao com a experincia pedaggica.

    aula que seja uma experincia que d voz ao estudante, por isso, o educador deve atentar para as formas pelas quais as subjetividades so construdas e legitimadas, como a experi-ncia dentro da escola moldada, como cer-tos aparatos de poder legitimam uma verso particular do conhecimento como verdade (GIROUX, 1997, p.31).

    O ensino de Teatro na Escola, quan-do reproduzido segundo as inmeras vises preconcebidas que reduzem a ati-vidade artstica na escola a um verniz de superfcie, que visa as comemoraes de datas cvicas (PCN/ARTES, 1997, p.31) no seria uma forma de inibir a voz social do aluno? Nesse sentido, a reflexo sobre o como ensinar o teatro na escola to indispensvel de ser revisto e repensado como o que ensinar ou que tcnica usar. Nessa reflexo, os Parmetros Curricula-res Nacionais indicam que o professor de artes deve ser visto como um observa-dor das questes de interesse dos alunos, como um criador das situaes de apren-dizagem do conhecimento arte. Segundo Fusari e Ferraz (1993, p. 53) o professor que ministra uma disciplina de artes no deve apenas saber o que ou como fazer arte, ele tambm precisa saber ser pro-fessor de arte e compreender as particu-laridades que o processo de aprendiza-gem criativa em um grupo demanda: O professor de arte precisa saber o alcance de sua ao profissional, ou seja, saber que pode concorrer para que seus alunos tambm elaborem uma cultura esttica e artstica que expresse com clareza a sua vida na sociedade. (FUSARI E FERRAZ, 1993, p. 53). A prtica na sala de aula, a forma como a experincia pedaggica moldada e as posies e papis que o professor assume so poderosos vetores na legitimao das experincias subjeti-vas dos alunos no cotidiano escolar, seja ela uma forma de emancipao ou repro-duo de um capital dominante. Por isso, o teatro como disciplina do conhecimen-to escolar tambm necessita refletir tais questes em sua prtica pedaggica.

    Segundo Gadotti (1998, p.192), a teo-

  • Urdimento

    Raquel Guerra98

    N 18 | Maro de 2012 Urdimento

    A VOz SOCIAL NO CONTEXTO ESCOLAR: IDENTIDADE, SUBJETIVIDADE E DIFERENA 99

    N 18 | Maro de 2012

    ria de Giroux no se limita constatao de que a escola um rgo institucional que apenas reproduz a sociedade domi-nante, pois ele toma os conceitos de con-flito e resistncia como ponto de partida para suas anlises para compreender as relaes entre escolarizao e sociedade dominante e evidenciar que, mesmo no fazendo parte de uma cultura domi-nante e, portanto institucionalizada, as expresses culturais diferentes, ou seja, aquelas que no fazem parte do rol de manifestaes da cultura dominante, elas tambm tm voz. No mbito destas colocaes, visualizo o processo artstico na escola como uma prtica pedaggica que gera um espao para estas diversas vozes. Gimeno Sacristn (2001) acentua que as prticas educativas sejam as da famlia, as das escolas ou as de qualquer outro agente enfrentam a diversidade como um dado da realidade. (SACRIS-TN, 2001, p.75). Esta diversidade cul-tural, no processo da escolarizao, no pode ser homogeneizada por uma norma padro.

    Na vida social, governada por procedimentos democrticos, a diversidade social, de opinies quanto a modelos de vida, etc. abordada com a prtica da to-lerncia, da aceitao de normas compartilhadas que obrigam os indivduos a algumas renncias, respeitando espaos para a ex-presso e cultivo das individua-lidades singulares. A escola, cuja estruturao anterior aceitao do modelo democrtico, elegeu o caminho da submisso do dife-rente norma homogeneizadora. (SACRISTN, 2001, p. 76).

    A voz do aluno diante deste contex-to representa, ou pode representar a di-versidade, a peculiaridade e particula-ridade de opinies, crenas, modelos de vida, etc. jamais uma norma padro. Ser o processo artstico capaz de dar vazo a essa variedade? Que voz do estudante essa? Uma voz institucionalizada? A voz

    de cada aluno na sala de aula? Henry Gi-roux (1997) analisa, a partir da teoria da reproduo, as formas pelas quais as esco-las transmitem, reproduzem e legitimam a cultura dominante. O Capital Cultural6, segundo a teoria da reproduo de Pierre Bourdieu, refere-se aos bens culturais que so fornecidos como o capital material, mas que se referem a valores, estilos, pr-ticas de linguagens, etc. Conforme Gadot-ti (1998, p. 195), o ponto de partida para a anlise de Bourdieu est na relao entre os sistemas social e escolar. No entanto, no a mera diferenciao de classe que ir definir o sucesso ou o fracasso escolar dos indivduos, mas sim sua relao com a herana cultural: a cultura das classes superiores estaria to prxima da cultura da escola que a criana originria de um meio social inferior no poderia adquirir seno a formao cultural que dada aos filhos da classe culta. Portanto, para uns, a aprendizagem da cultura escolar uma conquista duramente obtida; para outros uma herana normal, que inclui a repro-duo das normas. O caminho a percorrer diferente, conforme a classe de origem. (GADOTTI, 1998, p.195).

    Diante da hegemonia cultural que ten-de a igualar os sujeitos, uma alternativa elencada por Giroux (1997) est na cons-tante reflexo que o educador deve ter sobre si e suas experincias pedaggicas. Tomaz Tadeu (1994, p. 251), ao analisar o papel do professor, refora que sua pr-pria relao com os estudantes que deve ser mantida constantemente em xeque, tendo em vista seu possvel envolvimen-to em processos de regulao e controle. Nesse caso, o professor enquanto um inte-lectual, no se reconhece tanto pelo grau de sua crtica em relao s posies de po-der e dos outros quanto pelo grau de sua

    6 Na teoria de Bourdieu, associados ao conceito de capital cultural, esto o capital simblico e o capital social. Segundo definies de Tomaz Tadeu (2000, p. 24-25): O capital cultural pode se apresentar de forma objetivada (objetos culturais como obras de arte, livros, discos); institucionalizada (ttulos, certificados e diplomas); ou incorporada (disposies e capacidade culturais internalizadas); o capital simblico a autoridade, a legitimidade e o prestgio sociais conferidos ao agente possuidor de capital econmico, social ou cultural. E o capital social refere-se s conexes sociais redes de amizade, parentesco, influncia e troca de favores atravs dos quais as classes sociais dominantes garantem suas posies de dominao.

    auto reflexividade. (TADEU, 1994, p. 252). Nesse contexto, quais as condies que o professor de teatro encontra na escola para a reflexo de sua prpria ao pedaggica? Infelizmente,

    o ensino do teatro (e a escola em geral) padece com a falta de inves-timento em formao continuada e atualizao do professor. Com sobre-carga de turmas e uma disciplina que envolve movimento, som, reformu-lao do espao disponvel e trabalho em grupos, o professor de teatro aca-ba reproduzindo uma relao ensino-aprendizagem que vai gradualmente estabelecendo uma rotina e se afas-tando da reflexo terica e prtica. (CABRAL, 2008, p.43).

    III - Experincia pedaggica e processo artstico

    No tocante ao dar a voz ao aluno, a sua expresso e presena no processo arts-tico podem indicar que o aluno assume um lugar, um espao. Talvez possa dizer que seu envolvimento no fazer artstico revele inclusive uma forma de estar se posicio-nando diante do mundo, na proporo que tal fazer revela suas concepes de mundo, suas referncias, seu capital cultural. No en-tanto, a participao do aluno no processo artstico ser garantia que ele tenha voz no processo educacional? No! O processo artstico como qualquer outra experincia pedaggica pode revelar-se normatizante e longe de valorizar as diferenas existentes no interior de uma classe de alunos. Quer dizer, a participao e expresso artstica do aluno/ator no indicam ou garantem ao educador dar voz social ao aluno. nes-se sentido que a citao anterior de Tomaz Tadeu (1994) est inserida: a necessidade de o educador, no caso o professor de teatro na escola, produzir uma autorreflexo de seu trabalho o que lhe confere a condio de intelectual transformador. Questionado quanto aprendizagem que cala as vozes dos alunos, que no d voz, Giroux (1999, p. 25) posiciona-se da seguinte forma: Ser

    que pode ocorrer aprendizagem se na ver-dade ela silencia as vozes das pessoas que pretende ensinar? E a resposta : sim. As pessoas aprendem que elas no importam.

    Trago um caso discutido junto ao gru-po de estudos7 que pode exemplificar esta exposio. Em um processo de Drama de-senvolvido por Beatriz Cabral, com alunos de um colgio municipal de Florianpolis, h alguns anos, havia um menino maior que os demais da classe. No apenas seu tamanho, mas tambm seu comportamen-to agitado e o fato de ter reprovado algu-mas vezes, faziam com que tal aluno fosse constantemente tido como problema, o aluno reprovado. No trabalho prtico ele apresentou seu comportamento habitual em sala de aula: agitao, desordem, con-versas para chamar a ateno, entre outras aes. Ento lhe foi proposto outro papel: ele ganhou uma funo importante, que nenhum outro aluno possua, adquirindo uma funo de status e responsabilidade frente aos demais. Ao fim do processo, o aluno surpreende: participa com envolvi-mento e escreve um texto sobre a atividade com muito empenho o que veio a sur-preender os profissionais da escola. Cer-tamente, com esta descrio no pretendo concluir que o processo artstico modificou o comportamento do aluno, seria reducio-nista demais, porm, possvel dizer que o processo artstico permitiu uma variao no comportamento habitual do aluno.

    Este relato no descreve a mudana de comportamento do aluno em si, mas o sentido de dar voz ao aluno. O exemplo pode analisar duas coisas: a primeira o fato de que muitas vezes se atribui uma caracterstica fixa a um aluno e toma-se isso como parte de sua identidade, ou seja, ele assim mesmo. Outra questo a inverso deste contexto no processo ar-tstico e, talvez a resida o poder do teatro na constituio subjetiva e de formao do aluno. Ou seja, o professor quando capaz de refletir e identificar as relaes de poder, subordinao e excluso que se

    7 Grupo de Estudos Pedagogia do Teatro e Teatro como Pedagogia DAC/UFSC e UDESC, 2007/2008.

  • Urdimento

    Raquel Guerra100

    N 18 | Maro de 2012 Urdimento

    A VOz SOCIAL NO CONTEXTO ESCOLAR: IDENTIDADE, SUBJETIVIDADE E DIFERENA 101

    N 18 | Maro de 2012

    estabelecem na sala de aula pode propor atitudes/papis/enquadramentos que possam romper ou gerar um conflito nes-tas identificaes marcadas, posto que o prprio conceito de identidade j no mais visto como algo unificado.

    A nfase no engajamento do pro-fessor em questes de ordem cultural e social indispensvel para a escola, ou seja, o educador no pode ignorar como essas questes do condies a alguns e excluem outros no processo educacional. Moacyr Gadotti (1998) posiciona-se da se-guinte maneira:

    Dadas as diferenas em formao e informao que a criana recebe, conforme sua posio na hierar-quia social, ela traz um determina-do capital cultural para a escola. J que na escola a cultura burguesa constitui a norma, para as crianas das classes dominantes a escola pode significar continuidade, en-quanto que para os filhos da classe dominada a aprendizagem se torna uma verdadeira conquista. (GA-DOTTI, 1998, p. 189)

    Estas relaes, estabelecidas no interior da vida escolar, reforam a importncia de reavaliar a experincia pedaggica, local e particular ao grupo de indivduos que par-ticipam na construo de um saber, o sa-ber da experincia, conforme Jorge Larrosa Bonda (2001):

    A experincia, a possibilidade de que algo nos acontea ou nos toque, requer um gesto de interrupo, um gesto que quase impossvel nos tempos que correm: requer parar para pensar, parar para olhar, parar para escutar, pensar mais devagar, olhar mais devagar, e escutar mais devagar; parar para sentir, sentir mais devagar, demorar-se nos deta-lhes, suspender a opinio, suspen-der o juzo, suspender a vontade, suspender o automatismo da ao, cultivar a ateno e a delicadeza, abrir os olhos e os ouvidos, falar sobre o que nos acontece, aprender

    a lentido, escutar aos outros, culti-var a arte do encontro, calar muito, ter pacincia e dar-se tempo e espa-o. (BONDA, 2001, p.24).

    O sujeito desta experincia definido segundo sua passividade, disponibilidade e abertura ao acontecimento da experin-cia. Contudo, Jorge Larrosa Bonda (2002, p. 25) destaca que tal passividade no contrria ao sujeito ativo, mas anterior prpria oposio passividade-atividade. Trata-se, portanto, de uma passividade que concerne pacincia, ateno e disponibili-dade experincia. Na experincia teatral na escola, necessrio que o professor seja capaz de colocar-se tambm como sujeito desta experincia, para que possa construir um saber junto aos seus alunos, e isto po-der ser possvel, mediante sua capacidade de olhar para seu papel e funo dentro da escola e as possibilidades de o teatro existir dentro dela como uma experincia.

    REfEREnCIAL

    BRASIL, Ministrio da Educao. Parmetros Curriculares Nacionais/Artes. Braslia: MEC, 1997.BONDA, Jorge Larrosa. Notas sobre a experincia e o saber da experincia. Revista Brasileira de Educao. n. 19, p. 20-28, Jan/Fev/Mar/Abr, 2002.CABRAL, Biange. O professor-artista: perspectivas tericas e deslocamentos histricos. (39- 48). URDIMENTO, Revista do Programa de Ps-Graduao em Teatro/UDESC. 2009. EDGAR, Andrew; SEDGWICK, Peter. Teoria social de A a Z. So Paulo: [s. n.], 2003.FUSARI, Maria de Rezende; FERRAZ, Maria Helosa. A arte na educao escolar. So Paulo: Ed. Cortez, 1993. GADOTTI, Moacyr. Histria das Ideias Pedaggicas. So Paulo: tica, 1998. GIROUX, Henry A. Cruzando as fronteiras do discurso educacional: novas polticas em educa-o. Traduo de Magda Frana Lopes. Porto Alegre: Artes Mdicas, 1999._____________ Os professores como intelectuais: rumo a uma nova pedagogia crtica da aprendi-zagem. Traduo de Daniel Bueno. Porto Alegre: Artes Mdicas, 1997.HALL, Stuart. A identidade cultural na ps-modernidade. Rio de Janeiro: DP&A, 2001._____________ Quem precisa de Identidade? Artigo in Identidade e diferena, org. Tomaz Tadeu da Silva. Petrpolis: Vozes, 2000.SACRISTN, Gimeno. A Educao obrigatria. Porto Alegre: Artes Mdicas, 2001.___________ Educar e conviver na cultura global. Porto Alegre: Artes Mdicas, 2002.TADEU, Tomaz. Teoria cultural e educao: um vocabulrio crtico. Belo Horizonte: Autn-tica, 2000._______________ (org) O sujeito da educao: estudos foucaultianos. Petrpolis: Vozes, 1994.

    1 571 581 591 601 61