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    Anais do XXVI Simpsio Nacional de HistriaANPUH So Paulo, julho 2011 1

    Henri Lefebvre e a Internacional Situacionista: o debate sobre a Comuna de Paris

    no contexto do Maio de 1968

    MARCUS VINICIUS COSTA DA CONCEIO

    O presente texto tem como objetivo analisar a polmica discusso causada pela

    publicao dos textos escritos originalmente em 1962 e republicados em 1969 na

    revista Internationale SituationnisteA importncia e o significado da Comuna de

    Henri Lefebvre e Teses sobre a Comuna da Internacional Situacionista durante os

    acontecimentos do Maio de 1968 em Paris.Antes de examinar especificamente os textos referentes Comuna de Paris cabe

    estabelecer os pontos de contato existentes entre Henri Lefebvre e a Internacional

    Situacionista como meio para se compreender quais foram os fatos, discusses e

    posies consideradas e defendidas no debate sobre a Comuna.

    Henri Lefebvre comea sua carreira acadmica na dcada de 1920, se formando

    em filosofia na Universidade de Paris-Sorbonne. Durante esta dcada tem contato com

    os surrealistas parisienses e tambm ocorre o seu ingresso no PCF. Participa da

    resistncia francesa e um dos principais articuladores da revista Arguments, se torna

    professor universitrio em 1961 em Estrasburgo e posteriormente em Nanterre, quando

    vivncia as primeiras manifestaes que desembocam no maio francs.

    Na poca em que comea a ter contato com a Internacional Situacionista, no

    final da dcada de 1950, Henri Lefebvre j um intelectual de renome da esquerda na

    Frana. Apesar de encontrar-se nesta poca afastado do Partido Comunista Francs, por

    divergncias em relao invaso da Hungria em 1956, Lefebvre foi seu membro por

    30 anos e durante este perodo comeou a desenvolver uma srie de anlises que se

    pautavam pela anlise e crtica do cotidiano1. O autor compreende estes novos estudos

    como uma maneira de desenvolver um meio de renovao do marxismo, dando

    Mestrando pelo Programa de Ps-Graduao em Histria, Poder e Prticas Sociais pela Universidade doOeste do Paran. Bolsista CAPES. Este texto parte integrante do segundo captulo da dissertao.

    1 interessante notar como este tema s incorporado pela Histria, mas especificamente pela NovaHistria Francesa, a partir do final da dcada de 1960 e com um propsito totalmente diferente dos

    estudos feitos por Henri Lefebvre a partir do final dos anos 1940.

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    destaque ao conceito de alienao, que entendia ter sido negligenciado por Lnin,

    principal desenvolvedor do marxismo aps seus fundadores.

    A Internacional Situacionista (IS) surge em 1957, como resultado da fuso de

    trs vanguardas artsticas2dos anos de 1950. Com uma proposta voltada para uma nova

    viso de produo artstica e tambm com um projeto de construo de uma nova

    sociabilidade, baseado na crtica da vida cotidiana a partir da criao de situaes (e

    deste ponto que se origina o nome do movimento) e tambm de uma nova viso sobre o

    espao urbano e a sua utilizao.

    Henri Lefebvre ao desenvolver seus estudos sobre a vida cotidiana pretende

    colocar em debate uma parte da vida que at ento desprezada pelos marxistas. Em

    geral, neste perodo, os marxistas compreendiam que a vida cotidiana no atendia aos

    principais traos de sustentculo da sociedade capitalista, como as relaes de produo

    eram entendidas, mas antes ela estava em um campo que, em grande parte, era vista

    somente como um espao de reproduo da fora de trabalho, sem nenhuma perspectiva

    de mudana e sem nenhum teor de crtica ou contestao ao sistema. Lefebvre, porm

    defende uma posio contrria, para ele qualquer teoria radical que sirva como um meio

    de ataque ao capital tem que passar pela crtica da vida cotidiana, porque justamente

    neste ponto que a alienao tem um papel destacado, mas ao mesmo tempo a vida

    cotidiana pode ser o prprio antdoto contra essa alienao.

    preciso ter em mente que essa caracterizao da crtica da vida cotidiana

    realizada por Lefebvre levando em considerao o desenvolvimento do mundo moderno

    no ps-guerra. Para uma melhor caracterizao do perodo, desenvolve o conceito de

    sociedade burocrtica de consumo dirigido (apesar do conceito somente ter sido criado

    em 1968, entendemos que ele j estava em processo de formulao nos dois primeiros

    livros do autor sobre o cotidiano), definida como sendo a sociedade que o consumo se

    tornou o ponto alto do capitalismo, em muitos casos ultrapassando at a produo.

    2Os trs grupos que do origem a Internacional Situacionista so: Internacional Letrista, Movimento poruma Bauhaus imaginista e Comit Psicogeogrfico de Londres (apesar deste ltimo no ter seconstitudo enquanto um grupo formal, tendo sido fundado no dia da criao da IS somente para dar

    uma ambio mais internacionalista ao movimento).

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    Sociedade burocrtica de consumo dirigido, tal a definio

    proposta aqui para a nossa sociedade.Marcam-se assim tanto o

    carter racional dessa sociedade, como tambm os limites dessa

    racionalidade (burocrtica), o objeto que ela organiza (o consumo no

    lugar da produo) e o plano para o qual dirige seu esforo a fim de

    se sentar sobre: o cotidiano. (LEFEBVRE, 1991: 68)

    O efeito desta sociedade a iluso do ser humano sentir-se livre, como se fosse

    o nico responsvel pelas suas escolhas, como se tivesse o controle total sobre a sua

    vida. Sendo que sua liberdade mxima para esta sociedade ocorre no consumo, pois

    quando ele no detm esse poder, ele permanece margem dessa sociedade.

    Para a superao do cotidiano alienado e a sua transformao para uma prxisrevolucionria capaz de subverter a ordem e estabelecer novos meio de contato com o

    mundo natural e real, Lefebvre prope a teoria dos momentos. Esta pode ser definida

    como uma pluralidade de momentos relativamente privilegiados, ou seja, a

    capacidade de constituir novas experincias visando intensificar o rendimento vital da

    cotidianidade, sua capacidade de comunicao, de informao, bem como e, sobretudo

    de fruio da vida natural e social (IS in JACQUES, 2003: 121).

    Quando a Internacional Situacionista comea a desenvolver seus estudos sobre ocotidiano, Lefebvre j tem um debate consistente sobre o assunto, no entanto a forma

    como a IS a compreende, ligando-a diretamente a questo urbana vai ser um ponto de

    contato interessante, uma vez que a cidade um tema de interesse dos dois.

    O cotidiano para a IS foi reduzido somente a sobrevivncia, uma vez que a

    sociedade espetacular baseada no consumo comea a criar novas necessidades e a cada

    nova necessidade criada mais um elemento que deve ser utilizado pela crtica da vida

    cotidiana com o intuito de fazer com que as pessoas tomem conscincia da teia derelaes alienantes que esto envoltas. Para Guy Debord3 (2003) a vida cotidiana a

    nica real. Mas o que a vida cotidiana para a IS? Ela definida como a medida de

    tudo: da realizao ou melhor, da no-realizao - das relaes humanas; da

    3Apesar do texto utilizado ser de autoria exclusiva de Guy Debord, o consideramos como um documentooficial do grupo, pois foi publicado na revista Internationale Situationniste que o porta voz central

    da IS.

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    utilizao do tempo vivido; da pesquisa na arte; da poltica revolucionria.(DEBORD

    in JACQUES, 2003: 145).

    No texto de 1961, Perspectivas de modificaes conscientes na vida cotidiana4

    Guy Debord formula de maneira mais sistemtica as ideias sobre o cotidiano. A

    principal tese do artigo consiste na defesa de que o estudo da vida cotidiana s tem valor

    a partir do momento em que se reconhece que o objetivo do seu estudo a sua

    transformao, que a vida cotidiana a portadora do germe histrico da revoluo.

    Contudo, Debord observa que at aquele momento existia um movimento contrrio, ou

    seja, conservador que enxergava essa parte da vida reduzida a uma pobreza sem

    precedentes, ligada em grande parte ao consumo, colocando at mesmo o tempo livre do

    trabalhador, que poderia ser usado como um tempo criativo, como um perodo em que

    na verdade o que se observa o reforo da alienao.

    Outro destaque dado em forma de crtica ao processo que se desenvolve no

    urbanismo, sobretudo no ps-Segunda Guerra Mundial, em especial o urbanismo

    funcionalista que tem na Carta de Atenas (1933) as diretrizes que vo pautar a

    reconstruo europeia a partir de 1955. Essa vertente do urbanismo preconizava uma

    diviso racional imposta ao espao urbano, que eles chamam de zoneamento. A funo

    desta organizao

    a operao feita sobre um plano de cidade com o objetivo de atribuir a cadafuno e a cada indivduo seu justo lugar. Ele tem por base adiscriminao necessria entre as diversas atividades humanas, cada umadas quais reclama seu espao particular: locais de habitao, centrosindustriais ou comerciais, salas ou terrenos destinados ao lazer. Mas se afora das coisas diferencia a habitao rica da habitao modesta, no setem o direito de transgredir regras que deveriam ser sagradas, reservandos para alguns favorecidos da sorte o benefcio das condies necessriaspara uma vida sadia e ordenada. urgente e necessrio modificar certos

    usos. preciso tornar acessvel para todos, por meio de uma legislaoimplacvel, uma certa qualidade de bem-estar, independente de qualquerquesto de dinheiro. preciso impedir, para sempre, por uma rigorosaregulamentao urbana, que famlias inteiras sejam privadas de luz, de ar ede espao. (CIAM, 2011: 8).

    4Este texto uma palestra proferida por Guy Debord para o Groupe de Recherches sur la vie quotidienneque tinha como diretor Henri Lefebvre. A palestra foi proferida atravs de um gravador, algo quedesde o incio do texto Debord deixa claro que uma crtica ao prprio grupo reunido, uma vez quepara ele muitos dos pesquisadores ali reunidos no acreditavam na vida cotidiana e tambm relegaremo seu estudo com desculpa as extremas especializaes da sociologia, acreditando que a vida cotidiana

    estava alm destas.

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    Quando se observa este discurso realmente parece que o importante o bem

    estar e o desenvolvimento de uma vida cotidiana que permita s pessoas ter uma boa

    qualidade de vida. Mas, na verdade os princpios bsicos implcitos neste documento

    denunciados pela IS so: o privilgio dos valores burgueses da vida (o conforto de uma

    casa em substituio a um passeio pela cidade) , a desagregao do cotidiano e a

    reduo dos espaos pblicos de sociabilidade (menos praas e locais de reunies. Para

    a IS o prprio fato de o modernismo privilegiar os conjuntos habitacionais como

    modelo de habitao diz o que ele representa).

    Desde os primeiros escritos situacionistas evidente a crtica ao rumo que a

    reconstruo europeia tomou no ps-1945. Das cidades desorganizadas herdadas da era

    medieval a cidades totalmente planejadas baseadas em imensos conjuntos habitacionais

    que o situacionista Raoul Vaneigem chegou a comparar com os campos de

    concentrao nazistas que no propiciavam a menor sociabilidade entre as pessoas,

    uma vez que seus espaos comuns, como s praas, foram reduzidos para dar espao as

    grandes avenidas, pois o carro se tornou naquele momento o maior smbolo da

    prosperidade e do individualismo burgus.

    Estas novas cidades tambm eram um entrave aos processos situacionistas de

    crtica da vida cotidiana, uma vez que este processo se construa em cima do ldico, de

    experincias realizadas em cidades que oferecessem um meio de integrao entre o

    homem e o espao geogrfico, algo totalmente invivel nas cidades planejadas e

    customizadas pelos funcionalistas. Os situacionistas criaram trs tcnicas (a deriva, a

    psicogeografia e o urbanismo unitrio) que so os responsveis por fazer essa mediao

    entre o urbano e o psquico na construo de novas situaes.

    As situaes momento da vida, concreta e deliberadamente construdo pela

    organizao coletiva de uma ambincia unitria e de um jogo de acontecimentos

    (INTERNACIONAL SITUACIONISTA in JACQUES, 2003: 65)se tornam o grande

    objetivo da IS, pois neste momento que ocorre a ruptura com a alienao da vida

    cotidiana e que se comea uma transio em direo a uma perspectiva revolucionrio.

    A teoria da deriva, talvez seja a melhor demonstrao da forma como ocorre a

    construo de novas situaes uma vez que ao sarem para explorar a cidade sem a

    ajuda de um mapa, sem uma direo certa, procurando ter contato com pessoas

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    desconhecidas, explorando novas sensaes e locais e tentando apreender essas

    informaes atravs da psicogeografiaestudodos efeitos exatos do meio geogrfico,

    conscientemente planejado ou no, que agem diretamente sobre o comportamento

    afetivo dos indivduos (INTERNACIONAL SITUACIONISTA in JACQUES, 2003:

    65) a IS rompe com o paradigma de que atravs do ldico no possvel criar uma

    crtica contundente ao capital.

    Tanto a teoria dos momentos de Lefebvre como a teoria da construo de

    situaes da IS desenvolvem-se de forma muito prximas e complementares. A IS

    (INTERNACIONAL SITUACIONISTA in JACQUES, 2003: 121)compreende que a

    situao construda e o meio caminho entre o instante e o momento lefebvriano, isto em

    grande parte ocorre porque eles compreendem que a diferena entre os dois diz respeito

    a forma e a temporalidade de ao entre ambos, uma vez que o momento estaria mais

    restrito a uma questo temporal (pois consideravam o momento como algo j ocorrido)

    enquanto a situao se desenvolve em um lugar espaciotemporal (algo ainda a ocorrer,

    que poderiam se transformar em novos momentos).

    A IS concebe a criao de situaes atravs das perspectivas do espao urbano

    at por volta de 1962, perodo considerado de transio no grupo em que o elemento

    considerado artstico (aqui includo as questes ligadas a arquitetura) comea a perder

    espao para uma discusso poltica mais consistente, quando passa a defender outra

    postura em relao a arquitetura e ao urbanismo como sendo uma ideologia do

    capitalismo. Esta viso desenvolvida principalmente pelos escritos de Raoul

    Vaneigem na revistaInternationale Situationniste, onde ele defende que o urbanismo

    um modo de apaziguamento da luta de classes, pois oferece ao proletariado um bom

    nvel de vida (como um apartamento prprio em um conjunto habitacional, mesmo que

    este seja financiado durante toda a sua vida, uma televiso, um carro para a locomoo)

    que antes era restrito a poucas pessoas e cria mecanismo de dominao para seduo,

    para que este operrio se sinta mais a vontade possvel dentro da sua casa, e no tenha

    nenhum interesse em compartilhar uma vida coletiva.

    Porm essa reviravolta que ocorre na IS no sentida em Henri Lefebvre,

    ocorrendo na verdade um efeito inverso, uma vez que ele passa a desenvolver de modo

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    mais consistente seus estudos sobre o espao urbano na dcada de 1960, em grande

    parte influenciado pelos primeiros contatos com os situacionistas.

    A troca de experincia e contatos entre ambos muito intensa no final da dcada

    de 1950 e incio da dcada de 1960, momento em que os dois grupos desenvolvem

    estudos sobre o cotidiano o texto de Guy Debord analisado acima e o volume II do

    livro Critique de la vie quotidienne ambos publicados em 1961 so frutos dessa

    colaborao, como coloca Anselm Jappe (1999). neste momento tambm, mas

    precisamente entre o final de 1962 e incio de 1963, que so publicados os dois textos

    relativos Comuna de Paris que so a partir de ento o foco mais especfico da nossa

    anlise.

    O texto La significacin de la Comuna de Henri Lefebvre publicado no final

    do ano de 1962 no nmero 27/28 da revista Arguments (que so os ltimos nmeros da

    revista). Ele uma parte prvia de um livro sobre a Comuna que o autor est escrevendo

    e resolve lana-lo como meio de fomentar o debate a respeito das ideias ali contidas.

    Partindo de uma viso geral, o texto se prope a uma anlise da Comuna de Paris

    partindo do cotidiano, do governo autnomo constitudo durante o perodo e acima de

    tudo pretende realizar um balano das diversas perspectivas que at ento os vrios

    pesquisadores sobre o evento lanaram e demonstrar as suas falhas e incoerncias no

    intuito de partir para uma tentativa de construo de uma teoria do acontecimento.

    J o texto Sur la Commune da Internacional Situacionista escrito em 18 de

    maro de 1962, porm s publicado na forma de panfleto em 21 de fevereiro de 1963.

    O texto composto por 14 teses curtas que no pretendem dar uma viso geral da

    Comuna, mas sim expressar a viso da IS sobre o acontecimento levando em

    considerao os pontos que achavam importantes e que at aquele momento tinham sido

    negligenciados na histria da Comuna.

    O texto do Lefebvre foi fruto de uma polmica, mas especificamente uma

    acusao de plgio feita pelos situacionistas, fato que os obriga a lanarem seu panfleto

    com o texto que eles afirmam ter sido plagiado, uma vez o texto sem publicao tinha

    sido repassado para Lefebvre o interessante que ao lado de cada tese do texto

    situacionista h a respectiva frase do texto de Lefebvre (somente a primeira tese que

    no acompanha de nenhum texto), e em alguns casos os textos so basicamente os

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    mesmos assim como um texto como uma espcie de introduo (Aux poubelles de

    lhistoire!)atacando Henri Lefebvre e a revistaArguments.

    A histria do plgio tem duas verses, uma contada pela IS e outra por Henri

    Lefebvre. As duas remetem para histrias totalmente distintas para tratar o mesmo

    assunto, sendo de certa forma impossvel neste trabalho (esta tambm no a nossa

    inteno) dizer qual dos dois textos serviu de referncia para a escrita do outro, apesar

    de ser importante demonstrar a viso desses dois sobre esta situao.

    A Internacional Situacionista no seu texto de acusao de plgio, denuncia

    Lefebvre por ter se utilizado de ideias do grupo, que eles mandaram para a publicao

    no livro que estava sendo organizado sobre a Comuna de Paris por Henri Lefebvre,

    quando na verdade ele se aproveita das ideias do grupo e as incorporou como se fosse

    dele e em vez da publicao do livro a realiza na Arguments, revista que vinha sendo

    atacada a tempos pela a IS por entenderem que ela representaba...el pensamiento que

    cuestiona loexistente, que busca nuevas perspectivas, contesta las ideas dominantes y

    agrupa las ideas dominantes de la pseudocontestacin encarnada por el estalinismo.

    (INTERNACIONAL SITUACIONISTA, 2001: 642).

    Na verso de Henri Lefebvre (2008) a histria do plgio toma outra verso eassume uma posio de cooperao. Ele diz que o texto foi escrito de uma maneira

    conjunta durante uma estdia dos situacionistas em sua casa e que estes ficaram

    responsveis por datilografarem o texto. Por esse motivo no viu problema em utilizar

    algumas ideias do texto antes que este viesse a ser publicado no livro (que foi o destino

    escolhido para o texto).

    O certo que mesmo com a confuso causada pelo plgio, muito das ideias

    defendidas pelos dois textos remetem a posies que ambos j vinham discutindoanteriormente em outros escritos, como a percepo da Comuna como uma revoluo

    que atinge a vida cotidiana e o papel daquela na questo da reorganizao do espao.

    Mas, at mesmo nos pontos em que o texto coincide s vezes h mudana de um jogo

    de palavras ou a sua ausncia da uma diferena total de sentido e de defesa dos pontos

    expostos.

    O ponto mais marcante est na discusso sobre a anedota dos incendirios que

    foram destruir Notre-Dame e dos batalhes de artistas comuneiros que ali estavam para

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    defend-la. A IS coloca neste ponto a importncia da democracia direta. Para a IS, a

    possibilidade desses dois grupos que esto lutando juntos e naquele momento discordam

    de um aspecto desta luta deve ser levado em considerao e ser encarado no somente

    como uma trivialidade, mas sim um debate poltico de ideias, que para a IS deveria ser

    resolvido atravs da perspectiva do poder dos conselhos. Desde a sua virada para uma

    atuao mais poltica de fato, a IS reconhece os conselhos operrios como o nico modo

    de superao da sociedade capitalista, pois neles esto os embries de uma sociedade

    autogerida, capaz de travar uma luta revolucionria que expressasse a vontade dos

    trabalhadores, pois so eles que esto na sua base e so a sua direo. Richard Gombin

    (1972) enxerga neste ponto ainda uma ortodoxia da IS pelo fato dela apostar todas as

    suas fichas no proletariado, mesmo quando avana na discusso de outros pontos, comoa questo cotidiana. A crtica de Gombin se refere ao fato do grupo no conseguir

    perceber o protagonismo que os jovens, em especial os estudantes, estavam tendo

    naquele perodo na Frana ainda que a IS tivesse contato com esses grupos, como o

    grupo de estudantes da Universidade de Strasbourg, eles os consideravam subjulgados

    ao operariado. A posio de Lefebvre na discusso da anedota totalmente diversa da

    situacionista. Ele no a eleva a nenhuma questo poltica mais prtica, v nela o embate

    sobre duas concepes de mundo, onde quem acaba perdendo sempre a posio maisfraca, uma vez que esse ato resulta na sua prpria desarticulao.

    A interpretao da Comuna como a grande festa, tanto por parte da IS como por

    parte de Henri Lefebvre, nos remete posio desenvolvida por ambos: compreendem

    que a revoluoneste caso a Comunadeve ocorrer a partir da vida cotidiana, a partir

    de uma nova sociabilidade capaz de refazer as relaes sociais em outras perspectivas

    que no as burguesas, uma vez que eles agora quem ditavam as regras, eram os

    responsveis pelo seu prprio futuro. Isso nos leva a pensar sobre a forma que aComuna se pautou e quais dos seus legados foram incorporados ou deixados de lado

    pelas revolues posteriores. Apesar de ainda no existir nesta poca, o conceito de

    autogesto (ele criado na dcada de 1960) um conceito que permite no somente

    compreender a forma como ocorreu construo do poder na Comuna, mas tambm nos

    permite perceber qual a verdadeira herana deixada por esta, o autogoverno dos

    trabalhadores.

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    Sobre a herana deixada pela Comuna, mais especificamente ao que se refere

    Revoluo Russa h concordncias e desavenas em cima da mesma base. Os dois

    reconhecem que a Revoluo de Outubro herdeira da Comuna e aqueles

    revolucionrios se servem de muitas lies deixadas pela derrota desta. Mas as

    semelhanas param por a. A posio da IS refletida na sua tese La frase de Engels:

    Mira la Comuna de Pars. Era la dictadura del proletariado deve tomarse em serio,

    com base para distinguir l que no es la dictadura del proletariado em tanto rgimen

    poltico (las diversas modalidades de dictadura sobre el proletariado em su nombre).

    (DEBORD; KOTNYI; VANEIGEM, 2001: 644), demonstra a sua viso a respeito do

    que ela enxergava enquanto sendo um dito Estado operrio, pois para a IS a Unio

    Sovitica no representava um Estado em que o proletariado tivesse o controle dasdecises nas suas mos, muito pelo contrrio, o que se desencadeou ali, j a partir de

    1917, com Lnin foi uma contrarrevoluo burocrtica que acabou transformando a

    Rssia em um regime de Capitalismo de Estado.

    A teoria da revoluo permanente de Trotsky e Parvus, qual Lenin sealinhou em abril de 1917, era a nica a se tornar verdadeira para os pasesonde o desenvolvimento social da burguesia se atrasara, mas somente aps aintroduo desse fator desconhecido que era o poder de classe da burguesia.(DEBORD, 2006: 70)

    Para a IS, no basta a conceitualizao de ditadura do proletariado, preciso ir

    alm. Compreendem que este conceito, como exposto acima, sofreu um brutal processo

    de corrupo, passando no mais a representar um Estado operrio. Para evitar esta

    degenerao burocrtica, a IS prope a utilizao do conceito de ditadura anti-estatal do

    proletariado por entender que uma ditadura desta forma s pode existir se for pautada

    em uma ditadura dos conselhos operrios, partindo da democracia direta.

    J Lefebvre mais comedido ao tratar do carter da Unio Sovitica e seu

    processo de burocratizao

    La frmula de Marx y de Engels : Observen la Comuna de Pars. Era ladictadura del proletariado, esa frmula debe tomarse como punto departida para mostrar lo que es la dictadura del proletariado, pero tambin loque no es. En particular, esa experiencia de la Comuna y esas frmulas deMarx y de Engels aportan piezas esenciales al proceso del stalinismo, entanto que desviacin de la dictadura del proletariado cuya teoria fueconstruida por Marx, Engels y Lenin a partir precisamente de la Comuna.Los historiadores stalinistas llegan a deformar la historia de la Comunaporque continan pasando por debajo de la mesa la verdadera teora de la

    dictadura del proletariado, idntica a la de la desaparicin del Estado .(LEFEBVRE, 2011: 2-3)

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    Para ele o processo de burocratizao s comea com a subida de Stlin ao

    poder, uma vez que para ele Lnin considerado um desenvolvedor vlido para o

    processo revolucionrio que se desenvolveu na Rssia em 1917. Apesar de reconhecer

    alguns pontos negativos no que se referem ao desenvolvimento da Unio Sovitica, sua

    viso ainda mais positiva do que negativa. Temos que levar em considerao que este

    um perodo de mudana relativa para Lefebvre, pois o seu desligamento do Partido

    Comunista Francs ocorre de maneira turbulenta, alm do que no fcil se livrar de

    uma prtica militante de 30 anos. Tanto assim, que na dcada de 1970, com o processo

    de refundao do PC francs ele retorna ao partido.

    O ltimo ponto comum a destacar nos dois textos se refere viso da Comuna

    de Paris como a responsvel por implementar um urbanismo revolucionrio. Isso ocorre

    pelo fato dela ter tomado para si os lugares do cotidiano e os incorporado a sua revolta,

    fazendo com que estes lugares tivessem uma nova ressignificao. A rua do bairro se

    tornou um lugar da barricada, a igreja um lugar de reunio e os monumentos oficiais

    mereceram a destruio. No de se estranhar que poca da Comuna, Paris vivia a

    reforma urbana de Haussmann que pretendia justamente reconfigurar a cidade para

    evitar novas ondas revolucionrias.

    Apesar de o panfleto ter sido distribudo em 1963, a IS s ir public-lo na sua

    revista em 1969, aps os acontecimentos do Maio de 1968 em Paris. Mas a que deve

    est atitude dos situacionistas? Qual o seu objetivo com est republicao?

    O escndalo ocorrido na Universidade de Strasbourg em 1966, em que

    estudantes levam a falncia o diretrio acadmico ao publicar uma brochura da

    Internacional Situacionista, faz com que o grupo se torne conhecido a nvel nacional e

    internacional, despertando deste modo a admirao de mais alguns grupos de estudantes

    que se viam envolto de descrena com os grupos polticos tradicionais. Os enrags na

    Universidade de Nanterre so um desses grupos participando inclusive ativamente da

    movimentao dos primeiros eventos de maro de 1968, que acabaro desaguando no

    Maio Francs.

    Quando o Maio de 1968 explode ele o grande movimento de massas da

    Frana do sculo XX e o nico que efetivamente se desenvolve na perspectiva da

    tomada do poder pelos conselhos operrios e ocorre a ocupao da Sorbonne e

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    posteriormente a ocupao de vrias fbricas, como a Renault e a Sud Aviation, os

    situacionistas enxergam ali a possibilidade real de uma revoluo como eles tinham

    preconizado. No ano anterior, os dois principais livros tericos da IS tinham sido

    publicados - A sociedade do Espetculo de Guy Debord e A arte de Viver para as novas

    geraes de Raoul Vaneigeme traziam a viso mais acabada e concisa das propostas

    do movimento. Porm, a IS no se satisfaz somente com a militncia terica, ela

    tambm participa das movimentaes, em especial do Conselho de Manuteno da

    Sorbonne, criado quando o movimento j comeava a entrar em refluxo.

    Com a passagem dos eventos e o retorno a normalidade, os jornais e revistas

    ao analisarem o movimento colocam a figura de Henri Lefebvre como o nome que se

    destacou e deu o estopim, at mesmo porque ele era professor na Universidade de

    Nanterre quando a revolta ocorreu. Mais especificamente, colocam o seu livro sobre a

    Comuna de Paris como o inspirador, pois ele desenvolvia as tendncias adotadas por

    muitos estudantes.

    A republicao do panfleto uma forma de demonstrar no somente a farsa pela

    qual Lefebvre, que segundo a IS nunca desmentiu o plgio chegando inclusive a

    confirm-lo em sala de aula, vivia e desenvolvia, segundo a IS como um metafilosofo

    estalinista, que no participou ativamente dos eventos e sim tratou de fazer eventos no

    meio das paralisaes para tentar compreender porque os estudantes se revoltaram. Mas,

    a posio da IS vai alm com a republicao, a defesa dos conselhos operrios como

    os verdadeiros portadores da revoluo, como os responsveis por conseguir quebrar a

    lgica alienada da vida cotidiana, os conselhos que foram uma das principais

    reivindicaes do Conselho pela Manuteno das Ocupaes e sem dvida, este o

    maior legado da Internacional Situacionista.

    Referncias Bibliogrficas

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