12. MNN _ Afasta de Mim Esse Cálice [18!11!2014]
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Afasta de mim essecálice
Autor Conselho editorialData 18112014
“Como beber dessa bebida amargaTragar a dor, engolir a labutaMesmo calada a boca, resta o peitoSilêncio na cidade não se escuta
Pai, afasta de mim esse cáliceDe vinho tinto de sangue”.
“Cálice”, Chico Buarque
Não se escuta mais o silêncio em diversas cidades do México.Manifestações se espalham por todo o país há três semanas,desde o desaparecimento de 43 jovens que viajavam à cidadede Iguala (na província de Guerrero, próxima à Cidade doMéxico). Os jovens viajavam para protestar contra umaatividade da mulher do prefeito de Iguala, responsável, juntocom seu marido, pela morte de ativistas camponeses há cercade um ano. O prefeito e a sua mulher – José Luis Albarca eMaría de los Ángeles Pineda, membros do partido de“esquerda” do México, o PRD (Partido da RevoluçãoDemocrática, uma falsa opção de esquerda), eles próprioschefes do narcotráfico local – ordenaram a prisão do ônibusdos estudantes que iriam protestar. No momento da prisãohouve conflito entre estudantes e forças policiais locais (cujosmembros são muitas vezes indicados pelo narcotráfico).Alguns jovens foram mortos no conflito e outros, os 43, forampresos e enviados a outros locais, onde foram brutalmenteexecutados por narcotraficantes vinculados ao casal quecomanda a cidade. O acontecimento ocasionou um levantenacional, uma comoção em todo o país.
Afinal, “como beber dessa bebida amarga?” Como “tragar a dor”diante de tamanho massacre compartilhado e executado peloEstado? Não há como permitir que se “escute o silêncio”. Comtoda a razão, os mexicanos não param de se manifestar:queimaram o parlamento da província, atacaram o Congresso,bloquearam o acesso ao aeroporto nacional e continuamheroicamente protestando diariamente.
Esse “calese” que resulta em sangue de manifestantes não é,evidentemente, uma particularidade mexicana. Na França ummanifestante ambientalista foi morto num confronto com apolícia há duas semanas. Desde então jovens realizamprotestos contra a violência policial em várias regiões do país.No Chile um membro do Partido Comunista foi espancadoquando chegava em sua casa.
O Brasil não fica atrás no mapa da violência. Segundo
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“A produção capitalista produz, coma inexorabilidade de um processonatural, sua própria negação. É anegação da negação.” –Marx, Ocapital. Livro I Cap. XXIV, 1867. Receba o boletim
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pesquisa feita pelo professor da Faculdade LatinoAmericanade Ciências Sociais, Julio Jacobo Waiselfisz, somente em2010 foram assassinados 52.260 pessoas no país. Essenúmero representa o dobro das mortes ocorridas no períodomais sangrento da Guerra do Iraque, considerado o conflitomais violento dos últimos anos. Em 2006, no auge do conflito,morreram 26.910 pessoas no país de Sadam Hussein.
Outra informação que demonstra o profundo nível de violênciano Brasil é a taxa de homicídios por 100 mil habitantes. Oíndice do Brasil (27,4) é maior que o do México (22,1), quenesse momento chama a atenção do mundo devido à chacinados estudantes. Os homicídios no Brasil representam 5 vezesos dos Estados Unidos (5,3) e são 27 vezes mais que os daChina (1). O Brasil é responsável por 11% da violênciamundial.
Como se vê, a violência contra os trabalhadores égeneralizada. Haveria algo que pudesse indicar uma tendênciade diminuição da violência em escala mundial? Dificilmente,sobretudo diante da permanência da crise econômica mundial,que provoca o acirramento objetivo das contradições declasse.
De que maneira os trabalhadores podem enfrentar tamanhaviolência? Seria por meio da reivindicações gerais da esquerda– “desmilitarização da polícia” ou “fim da polícia militar” (quesão, em essência, quase a mesma coisa)? Essas propostas,sem dúvida, são muito limitadas, por serem reformistas oucarecerem de uma dialética real para superação do problema.Para piorar, para boa parte da população aparecem comoinocentes, pueris, diante da crescente força do narcotráfico,que controla (também de forma violenta sobre a população)grande parte das periferias das grandes cidades brasileiras. Seé inegável que tráfico e Estado estão a cada dia maisvinculados em todo o mundo (também no Brasil), é inegávelque para a maioria da população a mera proposta dedesmilitarização ou fim da polícia parece ser dar maior espaçopara o fortalecimento e crescimento das forças paramilitaresprivadas.
O que se trata, sem dúvida, muito mais do que demandar(ainda mais da limitada forma reformista), é fazer. Fazer comoa população da província de Guerrero, que se autoorganizoupara realizar sua própria segurança. A população local,formada sobretudo de camponeses, assaltou as delegaciaslocais e se armou para se defender, ao mesmo tempo, doEstado e do narcotráfico.
No Brasil nos parece, a forma mais consistente de realizar aautodefesa é, como ensinava Trotsky no Programa deTransição, por meio da criação de destacamentos deautodefesa nos locais de trabalho, nas grandes categoriassindicais. Esses destacamentos tem nos piquetes de greve eem todas as lutas importantes das categorias sua célula base.É para defender sua luta, sua greve, da polícia, dos furagreves sabotadores, dos bandos fascistas ou paramilitares quesão criados os destacamentos de autodefesa, eles próprios ogérmen de uma milícia popular. É só a necessidade deautodefesa que cria as milícias populares, e não um programa“ofensivo”, de ação direta, de ataque ao Estado ou aonarcotráfico (tais ações ofensivas em momento inoportunocorrem o enorme risco de se descolarem das massas, quelutam inicialmente de forma apenas defensiva).
A classe trabalhadora não se mobilizará, neste momento daluta de classes, para atacar o capitalismo, não se mobilizará,imediatamente, para atacar as instituições burguesas. Aclasse trabalhadora é conservadora, no exato sentido de quequer, legitimamente, conservar seu nível de vida. É precisosaber partir exatamente daí. A classe trabalhadora tende a semobilizar para se defender da superexploração imposta pelocapital. A forma clássica de mobilizar a classe trabalhadoranão é por meio da luta ofensiva, mas pela defesa de seuemprego e de seu salário. É essa ação defensiva que a levaráa construir organizações de luta consistentes, realmentepreparadas para o confronto final e que, por isso mesmo, serãonecessariamente atacadas pela burguesia. Ao longo do períodode transição, a classe trabalhadora vai avançando, avançando,avançando, ao se defender dos ataques da burguesia, e nessemesmo processo defensivo cria seus destacamentos dedefesa, sua milícia e, enfim, como coroamento, seu exército.
Sua ofensiva ocorre em momentos isolados, mas decisivos:ocupação das fábricas, expropriação das fábricas e,finalmente, expropriação de todos os expropriadores.Entretanto, mesmo nesses momentos ofensivos a classe é
conduzida por objetivos defensivos: no primeiro, a defesa dasescalas móveis; no segundo a defesa das escalas móveis; eno terceiro, a defesa das escalas móveis. Em suma, se aclasse trabalhadora conseguir construir um caminho aosocialismo o fará para defender seu emprego e seu salário,duas condições que o capitalismo é incapaz de lhe garantir:atacará o capitalismo para dele se defender. Trotsky mostra,na História da Revolução Russa, que mesmo a tomada dopoder na maior e mais importante revolução que o ocidente jáviu foi realizada pela luta defensiva. O ato da tomada do poder,no dia 25 de novembro de 1917, foi marcado por caráterdefensivo, e não ofensivo. Tal é a dialética da lutarevolucionária, que não deixa espaço para aventurasguerrilheiras pequenoburguesas.
Quando os trabalhadores, por meio da luta de classes, tiveremconstruído os organismos de seu futuro Estado (controleoperário da indústria, controle dos bancos e formação de umexército), terá chegado o momento decisivo do retorno daviolência contra os expropriadores, o momento do ataquefrontal e definitivo às instituições burguesas, o momento daviolência em toda a sua magnitude, em toda a sua expressão,em toda a sua potencialidade. Não se trata, portanto, de negara necessidade da violência revolucionária, mas de preparálacom bases realmente sólidas, num processo transitório.
Se a genialidade criativa de Chico o fez compor “Cálice” contraa ditadura militar, é preciso reconhecer, passados quase 30anos de democracia burguesa, que não basta enfrentar aditadura na instância barulhenta da política, é preciso enecessário combinar esse enfrentamento político, nas ruas,com o enfrentamento da ditadura no local para o qual ela setransferiu desde a década de 1980, um local onde é o ruídoensurdecedor das máquinas o que impede que “se escute osilêncio”. Há 30 anos, o “calese” da ditadura encontrase,sobretudo, no interior das fábricas. Desde o início da criseeconômica em 2008, o “calese” voltou a se espalhar dasfábricas para toda a sociedade, expressão do aprofundamentoda falta de controle da burguesia sobre a classe trabalhadora.Para se defender desse “calese” que se generaliza, ofundamental é conseguir combinar a luta nas ruas com a lutano interior das fábricas, de onde pode brotar a única resistênciacapaz de superar a ordem do capital.