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341 DA ARGÜIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO FUNDAMENTAL – ADPF Márcia Vogel Vidal de Oliveira Juíza Federal. Bacharel em Direito pela UFRGS. SUMÁRIO: 1. Introdução. 2. Dos Aspectos Legais e Doutrinários a Respeito da ADPF. 2.1 Do controle de constitucionalidade no Brasil. 2.2 Da competên- cia para julgamento da ADPF. 2.3. Da legitimidade ativa para propor a ADPF. 2.4. Do procedimento e julgamento da ADPF. 3. Da Jurisprudência Envol- vendo a ADPF. 3.1. Do conceito de preceito funda- mental. 3.2. Do princípio da subsidiariedade. 3.3. Das hipóteses de cabimento da ADPF. 4. Considerações Finais. Referências. 1. Introdução No presente trabalho, vai se tratar sobre o instituto da Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental – ADPF, previsto originalmen- te no parágrafo único do artigo 102 da Constituição Federal, sendo depois transformado, com a Emenda Constitucional n.º 3, de 17 de março de 1993, no §1º do mesmo artigo da Lei Fundamental. Eis a redação do dispositivo: Art. 102. Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da Constituição, cabendo-lhe: [...] § 1.º A argüição de descumprimento de preceito fundamen- tal, decorrente desta Constituição, será apreciada pelo Su- premo Tribunal Federal, na forma da lei. [...] A ADPF tem sua previsão desde 1988, porém, como podemos vislum- brar, a norma constitucional que a institui tem baixa densidade normativa ou, conforme a classificação de José Afonso da Silva, trata-se de norma de eficácia limitada a depender de providências legislativas para poder surtir seus efeitos essenciais 1 . A ADPF é um remédio constitucional sem precedentes no mundo. Po- rém, de início, o instituto foi relacionado ao recurso constitucional alemão Verfassungsbeschwerde, conforme relata o Juiz Gilberto Schäfer: 1 SILVA, 2000, p.122.

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    DA ARGIO DE DESCUMPRIMENTODE PRECEITO FUNDAMENTAL ADPF

    Mrcia Vogel Vidal de OliveiraJuza Federal. Bacharel em Direito pela UFRGS.

    SUMRIO: 1. Introduo. 2. Dos Aspectos Legais eDoutrinrios a Respeito da ADPF. 2.1 Do controlede constitucionalidade no Brasil. 2.2 Da competn-cia para julgamento da ADPF. 2.3. Da legitimidadeativa para propor a ADPF. 2.4. Do procedimento ejulgamento da ADPF. 3. Da Jurisprudncia Envol-vendo a ADPF. 3.1. Do conceito de preceito funda-mental. 3.2. Do princpio da subsidiariedade. 3.3. Dashipteses de cabimento da ADPF. 4. ConsideraesFinais. Referncias.

    1. Introduo

    No presente trabalho, vai se tratar sobre o instituto da Argio deDescumprimento de Preceito Fundamental ADPF, previsto originalmen-te no pargrafo nico do artigo 102 da Constituio Federal, sendo depoistransformado, com a Emenda Constitucional n. 3, de 17 de maro de 1993,no 1 do mesmo artigo da Lei Fundamental. Eis a redao do dispositivo:

    Art. 102. Compete ao Supremo Tribunal Federal,precipuamente, a guarda da Constituio, cabendo-lhe: [...] 1. A argio de descumprimento de preceito fundamen-tal, decorrente desta Constituio, ser apreciada pelo Su-premo Tribunal Federal, na forma da lei. [...]

    A ADPF tem sua previso desde 1988, porm, como podemos vislum-brar, a norma constitucional que a institui tem baixa densidade normativaou, conforme a classificao de Jos Afonso da Silva, trata-se de norma deeficcia limitada a depender de providncias legislativas para poder surtirseus efeitos essenciais1.

    A ADPF um remdio constitucional sem precedentes no mundo. Po-rm, de incio, o instituto foi relacionado ao recurso constitucional alemo Verfassungsbeschwerde, conforme relata o Juiz Gilberto Schfer:

    1 SILVA, 2000, p.122.

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    2 SCHFER, 2001, p. 201.

    Logo aps a Constituio de 1988 Jos Afonso da Silva rela-cionava o instituto com o recurso constitucional alemo(Verfassungsbeschwerde). Sobre essa relao ClmersonClve faz a seguinte observao: o Verfassungsbeschwerdeno pode, porm, sem mais, ser transplantado para o Brasil.A imensa maioria dos recursos constitucionais propostos, pe-rante a Corte Constitucional alem, impugna decises judi-ciais. Ora, no Brasil, o recurso extraordinrio serve para amesma finalidade. De modo que, entre ns, a lei haveria deconferir argio uma funcionalidade muito menor que aalcanada pelo recurso constitucional alemo.2

    A regulamentao da ADPF somente veio a ocorrer pela Lei n9.882, de 03 de dezembro de 1999, que acabou espancando quaisquerdvidas sobre sua natureza de ao direta e sobre seu espectro maior deatuao. Saliente-se, todavia, que existem elementos da ADPF que seconfundem com o recurso constitucional alemo, como se ver no cur-so desse trabalho.

    preciso mencionar, ainda, que, no perodo de 1988 a 1999, no hou-ve nenhum interesse pelo instituto. Com a regulamentao da ADPF pelaLei n.9.882/99, que se criaram os meios adequados para utilizao donovo mecanismo de controle de constitucionalidade, despertando a curio-sidade dos operadores do direito. Com a elaborao desse trabalho, espera-se contribuir para a recente discusso sobre o assunto, tendo em vista quese trata de instituto que ainda precisa ser delimitado, sendo aqui apresenta-dos alguns aspectos do instituto que se entendem relevantes.

    H muita discusso doutrinria sobre o tema. Contudo, a jurisprudn-cia relativa ADPF relativamente escassa, no estando ainda clara a uti-lidade do instituto. Desse modo, o presente trabalho ganha importnciacomo mais um ingrediente a ser inserido na anlise que j vem sendo feitapela doutrina.

    Some-se a esse quadro de insegurana quanto aos limites do institutoo fato de estar sendo questionada a constitucionalidade da Lei n. 9.882/99,por meio da ADIn n 2.231/DF, impetrada pelo Conselho Federal da Or-dem dos Advogados do Brasil, em junho de 2000. O feito encontra-seconcluso com o Min. Seplveda Pertence desde 02 de agosto de 2004,

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    3 ADIn 2.231-8/DF (Relator Min. Nri da Silveira, DJ 17-12-01) DECISO: Depois do voto do senhorMinistro Nri da Silveira, Relator, deferindo, em parte, a medida liminar, com relao ao inciso I dopargrafo nico do artigo 1 da Lei n 9.882, de 03 de dezembro de 1999, para excluir, de sua aplicao,controvrsia constitucional concretamente j posta em juzo, bem como deferindo, na totalidade, a liminar,para suspender o 3 do artigo 5 da mesma lei, sendo em ambos os casos o deferimento com eficcia exnunc e at final julgamento da ao direta, pediu vista o senhor Ministro Seplveda Pertence. Ausentes,justificadamente, neste julgamento, os senhores Ministros Nelson Jobim, Ilmar Galvo e Marco Aurlio,Presidente. Falou, pela Advocacia-Geral da Unio, o Dr. Gilmar Ferreira Mendes. Presidiu o julgamentoo senhor Ministro Moreira Alves. Plenrio, 05.12.2001.

    4 ADPF 14/DF (Relatora Substituta Min. Crmen Lcia Antunes Rocha, DJ 08-11-01) - Observo que odecreto impugnado foi objeto da ADI n 2387, tendo o Plenrio desta Corte, na sesso de 21.02.01,deixado de conhecer da ao sob o fundamento de que o decreto atacado no se reveste de autonomia,sendo insuscetvel, assim, de impugnao por meio de ao direta. Realo, tambm, que aconstitucionalidade da Lei n 9882/99, que dispe sobre o processo e julgamento da Argio deDescumprimento de Preceito Fundamental (art. 102, 1 da CF), est sendo discutida nos autos da ADIn 2231. Por este motivo, o Plenrio desta Corte, na sesso de 10.10.01, suspendeu o julgamento daADPF n 18, Rel. o Min. Nri da Silveira. Diante do exposto, suspendo o processamento desta argio,at soluo da ADI n 2231 (Relatora Min. Ellen Gracie Northfleet).

    5 ADPF 33-5/PA (Relator Min. Gilmar Ferreira Mendes, DJ 06-08-04) Voto: [...] Por fim, vale registrarque o fato de ainda estar pendente de julgamento a medida cautelar na ADI n 2231-8/DF, ajuizada peloConselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil contra a ntegra da Lei n 9.882/99, no prejudicaa anlise do presente feito, pois muito embora j tenha sido proclamado o voto do Min. Nri da Silveira,no sentido de se deferir em parte a medida cautelar com relao ao inciso I do pargrafo nico do artigo1 da Lei n 9.882/99, para excluir de sua aplicao controvrsia constitucional concretamente j postaem juzo, bem como deferindo a liminar para suspender o 3 do artigo 5 da mesma lei, com eficcia exnunc e at julgamento final da ao direta de inconstitucionalidade, o julgamento est suspenso emvirtude do pedido de vista do Min. Seplveda Pertence. V-se, assim, que a Lei n 9.882/99 est integral-mente em vigor, no havendo bice continuidade do julgamento das argies de descumprimento depreceito fundamental ajuizadas. [...]

    tendo sido iniciado o exame da medida liminar3. Porm, a deciso aindaest pendente em decorrncia do pedido de vista, no tendo havido, nemmesmo, a devida publicao.

    Essa situao de incerteza tambm pode ser comprovada pelo fato de que,em um primeiro momento, na ADPF n. 14/DF4, o Supremo Tribunal Federalentendeu que, em razo do questionamento relativo constitucionalidade daLei n. 9.882/99, essas aes deveriam ficar suspensas at o julgamento daADIn n. 2.231/DF. Todavia, este posicionamento j foi alterado5.

    Por fim, para o desenvolvimento do trabalho, o mtodo utilizado ser odedutivo, com base na pesquisa doutrinria, no exame dos textos constituci-onal e legal e de alguns precedentes jurisprudenciais. No Captulo I, seroexaminadas questes mais facilmente visualizadas por meio de aspectos le-gais do instituto, enquanto o Captulo II apresentar peculiaridades relativas ADPF, tendo por base conceitos surgidos na jurisprudncia nacional.

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    2. Dos Aspectos Legais e Doutrinrios a Respeito da ADPF

    2.1 Do controle de constitucionalidade no BrasilO Brasil possui um sistema de controle de constitucionalidade bastante

    complexo, tendo em vista que misto. O doutrinador Jos Afonso da Silvaafirma que:

    [...] o fundamento dessa inconstitucionalidade est no fato deque do princpio da supremacia da constituio resulta o dacompatibilidade vertical das normas da ordenao jurdica deum pas, no sentido de que as normas de grau inferior somentevalero se forem compatveis com as normas de grau superior,que a constituio. As que no forem compatveis com ela soinvlidas, pois a incompatibilidade vertical resolve-se em favordas normas de grau mais elevado, que funcionam como funda-mento de validade das inferiores6.

    Primeiramente, cabe mencionar que, apesar de no muito comentado, existeo controle preventivo de constitucionalidade que realizado antes do ingressoda lei ou ato normativo no ordenamento jurdico. Com este tipo de controle,evita-se que uma norma inconstitucional passe a ter vigncia.

    Em nosso pas, o controle preventivo efetuado pelos Poderes Executivoe Legislativo. Alexandre de Moraes7 bem aponta que em nosso ordenamentoh, pelo menos, dois casos de controle preventivo que so:

    a) a anlise efetuada pelas Comisses de Constituio e Justia das Casasdo Congresso Nacional ou pelo Plenrio do Poder Legislativo sobre acompatibilidade do projeto de lei ou de emenda constitucional frenteao texto constitucional;

    b) e o veto jurdico ao projeto, diverso do veto por contrariedade ao inte-resse pblico, em razo do entendimento do Presidente da Repblicade que o projeto de lei aprovado no est de acordo com os ditamesconstitucionais (artigos 66, 18 da Constituio).

    6 SILVA, 2005b, p. 47.

    7 MORAES, 2001, p. 562-563.

    8 Art. 66. A Casa na qual tenha sido concluda a votao enviar o projeto de lei ao Presidente daRepblica, que, aquiescendo, o sancionar. 1 - Se o Presidente da Repblica considerar o projeto, no todo ou em parte, inconstitucionalou contrrio ao interesse pblico, vet-lo- total ou parcialmente, no prazo de quinze diasteis, contados da data do recebimento, e comunicar, dentro de quarenta e oito horas, ao Presi-dente do Senado Federal os motivos do veto. [...] grifo nosso.

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    Saliente-se, inclusive, a ttulo de curiosidade, que o inciso II do pargra-fo nico do artigo 1o, o 4o dos artigos 5o e 9o9 da Lei n. 9.882/99, que deumolde ADPF, foram objeto de veto por inconstitucionalidade.

    O controle repressivo de constitucionalidade, mais usual, efetuado emmomento posterior publicao da lei ou ato normativo, de regra pelo PoderJudicirio. O doutrinador Alexandre de Moraes10 entende que existem doiscasos de controle repressivo realizados pelo Poder Legislativo que seriam:

    a) na hiptese do artigo 49, inciso V da Constituio11;b) no caso de o Congresso Nacional rejeitar medida provisria com base

    em parecer da comisso pela inconstitucionalidade da norma.

    No controle repressivo judicial, h dois sistemas muito distintos,quais sejam:

    a) o controle difuso ou incidental, idealizado com base no modelo daSuprema Corte Americana;

    b) e o controle concentrado ou via de ao, cuja origem se deu naustria.

    O controle difuso de constitucionalidade outorgado a todos os juzes,quando o exame dos feitos envolve duas partes sob sua jurisdio. Trata-sede recusa na aplicao de determinada lei dita inconstitucional, no caso con-creto, sendo que o objeto do pedido no a inconstitucionalidade em si, que mera questo prvia na anlise do feito, mas o bem da vida buscado poruma das partes. A eficcia da deciso inter partes, pois a lei continua aplic-

    9 Art. 1o [...] Pargrafo nico. [...] II - em face de interpretao ou aplicao dos regimentosinternos das respectivas Casas, ou regimento comum do Congresso Nacional, no processolegislativo de elaborao das normas previstas no art. 59 da Constituio Federal.Art. 5o. [...] 4o Se necessrio para evitar leso ordem constitucional ou dano irreparvel aoprocesso de produo da norma jurdica, o Supremo Tribunal Federal poder, na forma do caput,ordenar a suspenso do ato impugnado ou do processo legislativo a que se refira, ou ainda dapromulgao ou publicao do ato legislativo dele decorrente.Art. 9o Julgando procedente a argio, o Tribunal cassar o ato ou deciso exorbitante e, con-forme o caso, anular os atos processuais legislativos subseqentes, suspender os efeitos do atoou da norma jurdica decorrente do processo legislativo impugnado, ou determinar medida ade-quada preservao do preceito fundamental decorrente da Constituio.

    10 MORAES, Ob. cit., p. 564.

    11 Art. 49. da competncia exclusiva do Congresso Nacional: [...]V - sustar os atos normativos do Poder Executivo que exorbitem do poder regulamentar ou doslimites de delegao legislativa; [...].

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    vel aos demais casos, podendo apenas ter a suspenso de sua executoriedadepelo Senado12.

    No controle concentrado, relativo afronta direta Constituio Fe-deral, o Supremo Tribunal Federal o nico legitimado para o exame deaes objetivas que buscam a declarao de inconstitucionalidade da lei ouato normativo federal ou estadual em abstrato13. A Constituio de 1988, aoprever o controle concentrado de constitucionalidade no mbito dos Esta-dos-membros, erigiu a prpria Constituio Estadual condio deparmetro nico e exclusivo de verificao da validade das leis ou atosnormativos locais (artigo 125, 214). A eventual reproduo, na Constitui-o do Estado-membro, de princpios ou regras constitucionais federaisno impede a argio imediata perante o Supremo Tribunal da incompati-bilidade direta da lei local com a Constituio da Repblica; ao contrrio, apropositura aqui da ao direta que bloqueia o curso simultneo no Tri-bunal de Justia de representao lastreada no desrespeito, pelo mesmo atonormativo, de normas constitucionais locais. Nessa hiptese, tratando-sede ao direta de inconstitucionalidade da competncia do Tribunal de Jus-tia lei estadual ou municipal em face da Constituio Estadual somen-te a questo de interpretao de norma central da Constituio Federal, dereproduo obrigatria na Constituio Estadual, que autoriza tambm,alm da opo do ingresso imediato da ao direta no Supremo TribunalFederal, a admisso de recurso extraordinrio aps o julgamento da aodireta pelo Tribunal de Justia.

    12 Art. 52. Compete privativamente ao Senado Federal: [...]X - suspender a execuo, no todo ou em parte, de lei declarada inconstitucional por decisodefinitiva do Supremo Tribunal Federal; [...].

    13 ADIn n 409/RS (Relator Min. Seplveda Pertence, DJ 26-04-2002 p. 65) Controle abstrato deconstitucionalidade de leis locais (CF, art. 125, 2): cabimento restrito fiscalizao da valida-de de leis ou atos normativos locais - sejam estaduais ou municipais -, em face da Constituioestadual: invalidade da disposio constitucional estadual que outorga competncia ao respecti-vo Tribunal de Justia para processar e julgar ao direta de inconstitucionalidade de normasmunicipais em face tambm da Constituio Federal: precedentes. No mesmo sentido: ADIn n347/SP (Relator Min. Joaquim Barbosa, DJ 20-10-2006, p. 48); e ADIn n 508/MG (RelatorMin. Sydney Sanches, DJ 23-05-2003, p.30).

    14 Art. 125. Os Estados organizaro sua Justia, observados os princpios estabelecidos nesta Cons-tituio. [...] 2 - Cabe aos Estados a instituio de representao de inconstitucionalidade de leis ou atosnormativos estaduais ou municipais em face da Constituio Estadual, vedada a atribuio dalegitimao para agir a um nico rgo.

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    Na via de ao, no h propriamente partes do processo, mas merosinteressados. O pedido a declarao por parte do Supremo Tribunal Fede-ral sobre a compatibilidade ou no da norma frente Constituio Federal,e, no caso do reconhecimento da inconstitucionalidade, o efeito da deciso a retirada da norma do ordenamento jurdico e a eficcia erga omnes.

    A Constituio de 1988 ampliou as hipteses de aes diretas de con-trole de constitucionalidade, sendo que existem atualmente cinco tipos deao desta espcie. H a ao direta interventiva ajuizada perante o Supre-mo Tribunal Federal pelo Procurador Geral da Repblica, que, no planofederal, proporciona a interveno da Unio no Estado-membro ou no Dis-trito Federal, quando for infringido algum princpio sensvel ou for recusa-da a execuo de lei federal15. Existe a ao direta de inconstitucionalidadegenrica que tem por objetivo a declarao da inconstitucionalidade emtese de lei ou ato normativo federal ou estadual frente Constituio Fede-ral, ocorrendo a simples retirada da norma do mundo jurdico. A ao diretade inconstitucionalidade por omisso outra espcie de ao direta em quese verifica a inconstitucionalidade na ausncia de medida para tornar efetivaa norma constitucional, sendo dada cincia ao Poder competente para a ado-o das providncias necessrias e, em se tratando de rgo administrativo,para aze-lo em trinta dias. H a ao declaratria de constitucionalidade que,a partir da Emenda Constitucional n. 45/2004, passou a ter ampliado o nme-ro de legitimados ativos para sua propositura16. Sua utilizao serve paraestancar, de forma imediata, com controvrsia a respeito da constitucionalidade

    15 Art. 34. A Unio no intervir nos Estados nem no Distrito Federal, exceto para: [...]VII - assegurar a observncia dos seguintes princpios constitucionais:a) forma republicana, sistema representativo e regime democrtico;b) direitos da pessoa humana;c) autonomia municipal;d) prestao de contas da administrao pblica, direta e indireta.e) aplicao do mnimo exigido da receita resultante de impostos estaduais, compreendida aproveniente de transferncias, na manuteno e desenvolvimento do ensino e nas aes e servi-os pblicos de sade. (Redao dada pela Emenda Constitucional n 29, de 2000)Art. 36. A decretao da interveno depender: [...]III de provimento, pelo Supremo Tribunal Federal, de representao do Procurador-Geral daRepblica, na hiptese do art. 34, VII, e no caso de recusa execuo de lei federal.(Redaodada pela Emenda Constitucional n 45, de 2004)

    16 Art. 103. Podem propor a ao direta de inconstitucionalidade e a ao declaratria deconstitucionalidade: (Redao dada pela Emenda Constitucional n 45, de 08/12/2004)I - o Presidente da Repblica;II - a Mesa do Senado Federal;III - a Mesa da Cmara dos Deputados;

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    da lei ou ato normativo federal ocorrida em grande nmero de aes. O lti-mo tipo de ao direta a ADPF que objeto desse estudo.

    Ressalte-se que doutrinadores como Srgio Ferraz17 e Jos Afonso daSilva18 visualizam apenas quatro hipteses de aes diretas em suas classi-ficaes. Srgio Ferraz no inclui entre as hipteses a ao declaratria deconstitucionalidade e Jos Afonso da Silva no faz meno ADPF.

    A ADPF, segundo Celso Ribeiro Bastos, [...] medida de cunho judi-cial, que promove o controle concentrado da constitucionalidade das leis eatos normativos e no-normativos, desde que emanados do Poder Pbli-co.19. A ADPF poder ser autnoma, quando for verdadeira ao direta,subdividindo-se em preventiva ou repressiva, caso sirva para evitar ou re-parar a leso de preceito fundamental decorrente de ato do poder pblico.

    A ADPF poder tambm ser utilizada quando for relevante o funda-mento da controvrsia constitucional sobre lei ou ato normativo federal,estadual ou municipal, includos os anteriores Constituio, sendo nessahiptese um incidente em uma causa em julgamento, cuja questo prejudi-cial a respeito da compatibilidade com a Constituio ser examinada peloSupremo Tribunal Federal, quando provocado, e o magistrado da causaretomar o curso da ao, suspensa com base no artigo 265, IV, c, do

    IV - a Mesa de Assemblia Legislativa ou da Cmara Legislativa do Distrito Federal; (Redaodada pela Emenda Constitucional n 45, de 08/12/2004)V - o Governador de Estado ou do Distrito Federal; (Redao dada pela Emenda Constitucionaln 45, de 08/12/2004)VI - o Procurador-Geral da Repblica;VII - o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil;VIII - partido poltico com representao no Congresso Nacional;IX - confederao sindical ou entidade de classe de mbito nacional. 1 - O Procurador-Geral da Repblica dever ser previamente ouvido nas aes deinconstitucionalidade e em todos os processos de competncia do Supremo Tribunal Federal.[...] 3 - Quando o Supremo Tribunal Federal apreciar a inconstitucionalidade, em tese, de normalegal ou ato normativo, citar, previamente, o Advogado-Geral da Unio, que defender o ato outexto impugnado. 4. A ao declaratria de constitucionalidade poder ser proposta pelo Presidente da Repbli-ca, pela Mesa do Senado Federal, pela Mesa da Cmara dos Deputados ou pelo Procurador-Geral da Repblica. (Includo pela Emenda Constitucional n 3, de 17/03/93 e Revogado pelaEmenda Constitucional n 45, de 08/12/2004)

    17 FERRAZ, 1993, p. 205-207.

    18 SILVA, 2005b, p.50-52.

    19 BASTOS, Celso Seixas Ribeiro apud TAVARES; ROTHENBURG, 2001, p. 78.

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    CPC20, aps a deciso sobre o ponto prejudicial, a fim de proferir a senten-a dentro da nova realidade sobre a questo21.

    2.2 Da competncia para julgamento da ADPFA Constituio Federal de 1988, como j foi mencionado, apresentou

    uma previso genrica em seu artigo 102, 1 a respeito da ADPF. Contudo,a competncia para a anlise e julgamento da ADPF o nico elemento bas-tante claro na previso. Cabe ao Supremo Tribunal Federal a sua apreciao,at mesmo por ser o guardio da Lei Fundamental. Ainda, por ser a ADPFuma ao direta de controle de constitucionalidade, somente a este rgo doJudicirio poderia ser atribuda a competncia para o seu exame. O artigo 1da Lei n. 9.882/99 prev essa situao22.

    Ao Ministro relator, compete o indeferimento liminar da petio inici-al23, quando no for o caso de ADPF, no estiverem presentes todos os requi-sitos da petio previstos na lei24 ou for esta inepta, sendo cabvel agravo, noprazo de cinco dias, contra esta deciso. O Supremo Tribunal Federal, emdiversas oportunidades, reconheceu a validade constitucional da norma queatribui ao relator a competncia para negar trnsito, em deciso monocrtica,

    20 Art. 265. Suspende-se o processo:[...]IV - quando a sentena de mrito:[...]c) tiver por pressuposto o julgamento de questo de estado, requerido como declarao incidente;

    21 DANTAS, 2001, p. 131.

    22 Art. 1o A argio prevista no 1o do art. 102 da Constituio Federal ser proposta perante oSupremo Tribunal Federal, e ter por objeto evitar ou reparar leso a preceito fundamental, resul-tante de ato do Poder Pblico. [...]

    23 Art. 4o A petio inicial ser indeferida liminarmente, pelo relator, quando no for o caso deargio de descumprimento de preceito fundamental, faltar algum dos requisitos prescritos nes-ta Lei ou for inepta. [...] 2o Da deciso de indeferimento da petio inicial caber agravo, no prazo de cinco dias.

    24 Art. 3o A petio inicial dever conter:I - a indicao do preceito fundamental que se considera violado;II - a indicao do ato questionado;III - a prova da violao do preceito fundamental;IV - o pedido, com suas especificaes;V - se for o caso, a comprovao da existncia de controvrsia judicial relevante sobre a aplica-o do preceito fundamental que se considera violado.Pargrafo nico. A petio inicial, acompanhada de instrumento de mandato, se for o caso, serapresentada em duas vias, devendo conter cpias do ato questionado e dos documentos necess-rios para comprovar a impugnao.

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    a recursos, pedidos ou aes, quando incabveis, intempestivos, sem objetoou que veiculem pretenso incompatvel com a jurisprudncia e a competn-cia daquele Tribunal, o que inclui tambm os casos envolvendo os processosdo controle concentrado de constitucionalidade em qualquer modalidade25.O relator o responsvel pela direo do feito e, por isso, faz o controleprvio dos requisitos formais da ao direta.

    O Supremo Tribunal Federal tem competncia para deferir, por decisoda maioria absoluta de seus membros, em casos excepcionais, em razo dapresuno de constitucionalidade das normas, pedido de medida liminar naADPF que poder consistir na determinao de que juzes e tribunais suspen-dam o andamento de processos ou os efeitos de decises judiciais, ou qual-quer outra medida que apresente relao com a matria da ADPF, salvo sedecorrentes da coisa julgada26. Em casos de extrema urgncia, perigo de le-so grave ou durante o perodo de recesso, pode o Ministro relator concedera liminar, ad referendum do Tribunal Pleno. Existe a possibilidade da oitivados rgos ou autoridades responsveis pelo ato questionado, do Advogado-geral da Unio ou do Procurador-geral da Repblica, no prazo comum decinco dias, antes da deciso sobre a medida liminar. No caso do Advogado-geral da Unio, sua oitiva uma faculdade, e no uma obrigatoriedade.

    2.3. Da legitimidade ativa para propor a ADPF

    Quanto legitimidade ativa para propor a ADPF, a previso legal aque consta no artigo 2, da Lei n. 9.882/99:

    Art. 2o Podem propor argio de descumprimento de pre-ceito fundamental:

    25 STF: ADIn n 2.270/MS (Relator Min. Celso de Mello, DJ 24-02-03); ADIn n 2.060/RJ (RelatorMin. Celso de Mello, DJ 14-04-00), ADIn n 593/GO (Relator Min. Marco Aurlio Mello); ADPFn 45 (Relator Min. Celso de Mello, deciso monocrtica, DJ 04-05-04).

    26 Art. 5o O Supremo Tribunal Federal, por deciso da maioria absoluta de seus membros, poderdeferir pedido de medida liminar na argio de descumprimento de preceito fundamental. 1o Em caso de extrema urgncia ou perigo de leso grave, ou ainda, em perodo de recesso,poder o relator conceder a liminar, ad referendum do Tribunal Pleno. 2o O relator poder ouvir os rgos ou autoridades responsveis pelo ato questionado, bemcomo o Advogado-Geral da Unio ou o Procurador-Geral da Repblica, no prazo comum decinco dias. 3o A liminar poder consistir na determinao de que juzes e tribunais suspendam o andamentode processo ou os efeitos de decises judiciais, ou de qualquer outra medida que apresente rela-o com a matria objeto da argio de descumprimento de preceito fundamental, salvo sedecorrentes da coisa julgada. 4 - Vetado.

  • Da Argio de Descumprimento de Preceito Fundamental - ADPF 351

    I - os legitimados para a ao direta de inconstitucionalidade;II Vetado. 1o Na hiptese do inciso II, faculta-se ao interessado, medi-ante representao, solicitar a propositura de argio dedescumprimento de preceito fundamental ao Procurador-Geral da Repblica, que, examinando os fundamentos jurdi-cos do pedido, decidir do cabimento do seu ingresso em juzo.2 Vetado.

    Aps a Emenda Constitucional n. 45/2004, os legitimados para aao direta de inconstitucionalidade, igualmente legitimados para propora ADPF, so:

    a) o Presidente da Repblica;b) a Mesa do Senado Federal;c) a Mesa da Cmara dos Deputados;d) a Mesa de Assemblia Legislativa ou da Cmara Legislativa do

    Distrito Federal;e) o Governador de Estado ou do Distrito Federal;f) o Procurador-Geral da Repblica;g) o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil;h) partido poltico com representao no Congresso Nacional;i) e confederao sindical ou entidade de classe de mbito nacional.

    Entre os legitimados ativos, h os chamados legitimados especiais27 que,de acordo com a jurisprudncia do Supremo Tribunal Federal a respeito daao direta de inconstitucionalidade28, aplicvel tambm ADPF, precisamdemonstrar pertinncia temtica entre o ato impugnado e as funes do r-go ou da entidade, bem como a adequao da causa s finalidades estatutrias,como forma de demonstrao do interesse processual para a causa. Esteslegitimados especiais so: a Mesa de Assemblia Legislativa ou da CmaraLegislativa do Distrito Federal, o Governador de Estado ou do Distrito Fede-ral, e confederao sindical ou entidade de classe de mbito nacional.

    27 CLVE, 2000, p. 165.

    28 STF, ADIn-MC - Medida Cautelar na Ao Direta de Inconstitucionalidade n 202/BA, (RelatorMin. Seplveda Pertence, DJ 02-04-1993, pp. 05612); ADI-MC n 1590/SP (Relator Min.Seplveda Pertence, DJ 15-08-1997, pp. 37034); ADI-QO - Questo de Ordem na Ao Diretade Inconstitucionalidade n 1526/DF (Relator Min. Maurcio Corra, DJ 21-02-1997, pp. 02823);ADI-MC n 2396/MS (Relatora Min. Ellen Gracie Northfleet, DJ 14-12-2001, pp. 00023).

  • 352 REVISTA DA AJUFERGS / 03

    O inciso II, do artigo 2 do projeto da referida lei foi vetado, porqueprevia que qualquer pessoa lesada ou ameaada por ato do Poder Pblicopoderia ingressar com ADPF junto ao Supremo. O veto deu-se por contra-riedade ao interesse pblico. Cabe, aqui, a transcrio de parte das razesdo veto ao inciso, por reforar o carter objetivo da ADPF:

    A admisso de um acesso individual e irrestrito incompatvelcom o controle concentrado de legitimidade dos atos estatais modalidade em que se insere o instituto regulado pelo proje-to de lei sob exame. A inexistncia de qualquer requisito espe-cfico a ser ostentado pelo proponente da argio e a genera-lidade do objeto da impugnao fazem presumir a elevaoexcessiva do nmero de feitos a reclamar apreciao pelo Su-premo Tribunal Federal, sem a correlata exigncia de relevn-cia social e consistncia jurdica das argies propostas. [...]Afigura-se correto supor, portanto, que a existncia de umapluralidade de entes social e juridicamente legitimados para apromoo de controle de constitucionalidade sem prejuzodo acesso individual ao controle difuso torna desnecessrioe pouco eficiente admitir-se o excesso de feitos a processar ejulgar certamente decorrentes de um acesso irrestrito e indivi-dual ao Supremo Tribunal Federal29.

    O 2, do artigo 2 que tambm foi vetado por contrariedade ao inte-resse pblico tinha a previso de representao ao Supremo Tribunal Fede-ral, no prazo de cinco dias, processada e julgada na forma do Regime Inter-no daquela Corte, quando fosse indeferido o pedido de representao efe-tuado por qualquer pessoa lesada ou ameaada por ato do Poder Pblico aoProcurador-geral da Repblica. As razes do veto do Presidente FernandoHenrique Cardoso so bastante esclarecedoras:

    Nessa medida, inexistindo direito subjetivo a um acesso ime-diato ao Supremo Tribunal Federal ao mesmo tempo em quese asseguram outras e amplas vias para o processo e julga-mento das controvrsias constitucionais pertinentes, a admis-so de um recurso ao Supremo Tribunal Federal na hiptesede indeferimento da representao desqualifica o necessrioexame de relevncia e consistncia pelo Procurador-Geral

    29 Mensagem n 1.807, de 3 de dezembro de 1999.

  • Da Argio de Descumprimento de Preceito Fundamental - ADPF 353

    da Repblica e cria, em verdade, procedimento adicional edesnecessrio a demandar processamento e julgamento es-pecfico. Impe-se, destarte, o veto da disposio por contra-riar o interesse pblico30.

    O pargrafo nico, do artigo 3 da Lei n. 9.882/99 dispe que apetio inicial da ADPF, apresentada em duas vias com cpias do atoquestionado e dos documentos necessrios para provar a impugnao,ser acompanhada de instrumento de mandato, se for o caso. A expressose for o caso decorre do fato da desnecessidade de apresentao deprocurao por parte de alguns legitimados, por exemplo, o Presidente daRepblica, o Governador do Estado ou do Distrito Federal e o Procura-dor-geral da Repblica. Deve ser mencionado que Hlio Mrcio Campotem posio mais radical a esse respeito, com a qual no concordamos,quando diz em sua obra que, ao contrrio do que ocorre no Tribunal Cons-titucional Alemo, no Brasil, tirante a hiptese da argio ser propostapelo Procurador-geral da Repblica, todos os legitimados ativos, univer-sais e singulares, devero ser representaQuanto ao Procurador-geral daRepblica, nomeado pelo Presidente da Repblica, dentre integrantes dacarreira, maiores de trinta e cinco anos, aps a aprovao do nome pelamaioria absoluta dos membros do Senado Federal, para mandato de doisanos, permitida a reconduo, no exigida procurao porque sua re-presentao judicial decorre do fato de ser ocupante de cargo efetivo dosrespectivos quadros do Ministrio Pblico Federal.

    Relativamente ao Presidente da Repblica e ao Governador do Esta-do ou do Distrito Federal, no h a exigncia de juntada de instrumentode mandato, mesmo quando no tenham formao profissional como ad-vogados, porque se entende que devem vir a juzo, postulando e deman-dando, aqueles a quem a Constituio Federal atribui, diretamente, a le-gitimidade para a causa. No a pessoa estatal quem deve vir a juzo,mas os legitimados que possuem capacidade processual plena e capaci-dade postulatria em razo da previso da norma constitucional, havendoprecedentes neste sentido31.

    30 Mensagem n 1.807/99.

    31 STF, ADI-MC n 127/AL (Relator Min. Celso de Mello, DJ 04-12-92); ADPF-MC MedidaCautelar na Argio de Descumprimento de Preceito Fundamental n 33/PA (Relator Min.Gilmar Ferreira Mendes, DJ de 06-08.2004).

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    2.4. Do procedimento e julgamento da ADPF

    Neste ponto, far-se- um breve resumo a respeito do procedimento edo julgamento da ADPF, levando em conta os aspectos estritamente legais.

    Alexandre de Moraes, no livro Argio de Descumprimento de Pre-ceito Fundamental: Anlises Luz da Lei n 9.882/99, organizado por AndrRamos Tavares e Walter Claudius Rothenburg, lembra que:

    A Lei n 9.882/99 no previu a existncia de prazo fatal parao ajuizamento da argio de descumprimento de preceitofundamental, afastando-se, portanto, dos modelos austracoe alemo previstos para o recurso constitucional perante osrespectivos Tribunais Constitucionais32.

    Quanto ao procedimento, aps a apreciao do pedido de liminar, orelator solicitar informaes s autoridades responsveis pela prtica doato questionado, no prazo de dez dias (artigo 6, da Lei n. 9.882/99). Veri-fica-se, de plano, que os legitimados passivos para a causa so as autorida-des ou entidades responsveis pelo ato questionado. No 1, do artigo 6,consta que, se entender necessrio, o relator poder ouvir as partes nosprocessos que ensejaram a ADPF, requisitar informaes adicionais, desig-nar peritos para emitirem parecer sobre a questo ou fixar data para decla-raes, em audincias pblicas, de pessoas com experincia e autoridadena matria. Os interessados no processo podero requerer sustentao orale juntada de memoriais, ficando a critrio do relator o deferimento ou node sua realizao.

    Depois do prazo das informaes, o relator lana relatrio, com cpiaa todos os Ministros, e pede dia para julgamento. O Ministrio Pblico temsempre vista da ADPF da qual no formulou, pelo prazo de cinco dias, apso decurso do prazo para informaes (artigo 7).

    A deciso sobre a ADPF somente ser tomada se presentes na sessopelo menos dois teros dos Ministros (artigo 8). Julgada a ao, ser pro-videnciada comunicao s autoridades ou rgos responsveis pela prti-ca dos atos questionados, fixando-se as condies e o modo de interpreta-o e aplicao do preceito fundamental. O presidente do Supremo deter-minar o cumprimento imediato da deciso, lavrando-se o acrdo posteri-ormente. Dentro do prazo de dez dias contado a partir do trnsito em julga-do da deciso, sua parte dispositiva ser publicada em seo especial do

    32 MORAES, Alexandre de apud TAVARES; ROTHENBURG, 2001, p.20.

  • Da Argio de Descumprimento de Preceito Fundamental - ADPF 355

    Dirio da Justia e do Dirio Oficial da Unio. A deciso ter eficcia con-tra todos e efeito vinculante relativamente aos demais rgos do Poder P-blico (artigo 10). O doutrinador Gilmar Ferreira Mendes esclarece que oefeito vinculante abrange os fundamentos determinantes da deciso33, ouseja, a coisa julgada abrange a motivao do decisrio. Existe controvrsiana doutrina a respeito da constitucionalidade do efeito vinculante previstona Lei n. 9.882/99, tendo em vista que no h previso neste sentido noartigo. 102, 1 da Constituio. Teori Albino Zavascki tinha importantelio a respeito do efeito vinculante, ainda na poca em que a EmendaConstitucional n. 45/2004 no havia alterado o 2 do artigo 102 da Cons-tituio, para expressamente prever o efeito vinculante para as aes dire-tas de inconstitucionalidade34, e que atualmente serve para o caso da ADPF:

    [...] o efeito vinculante confere ao julgado uma fora obriga-tria qualificada, com a conseqncia processual de assegu-rar, em caso de recalcitrncia dos destinatrios, a utilizaode um mecanismo executivo a reclamao para impor seucumprimento. [...]Por no haver disposio expressa no mesmo sentido a respei-to da ao direta de inconstitucionalidade, questionava-se aexistncia do efeito vinculante das decises nela proferidas. Advida no procedia. A falta de meno explcita de modo al-gum representa empecilho ao reconhecimento do referido efei-to. Tambm a eficcia contra todos, prevista no 2 do art.102 da Constituio para as decises de mrito nas aesdeclaratrias, no recebeu explicitao alguma do constituin-te quando tratou da ao direta de inconstitucionalidade, enem por isso se lhe nega tal eficcia. Da mesma forma, a me-dida cautelar, apesar de prevista textualmente apenas para aao direta de inconstitucionalidade (CF, art. 102, I, p), mes-

    33 MENDES, 2006b, p. 371.

    34 Art. 102. Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da Constituio, ca-bendo-lhe:[...] 2 As decises definitivas de mrito, proferidas pelo Supremo Tribunal Federal, nas aesdiretas de inconstitucionalidade e nas aes declaratrias de constitucionalidade produziro efi-ccia contra todos e efeito vinculante, relativamente aos demais rgos do Poder Judicirio e administrao pblica direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal. (Redao dadapela Emenda Constitucional n 45, de 08/12/2004)

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    mo assim foi reconhecida cabvel tambm nas aesdeclaratrias de constitucionalidade.Na verdade, o argumento a contrario sensu no deve, neste caso,sobrepujar o resultado interpretativo imposto pelo exame siste-mtico. O efeito vinculante, que representa, em essncia, a im-posio obrigatria do cumprimento da deciso, constitui, nocaso da ao direta de inconstitucionalidade, decorrncia natu-ral do sistema de controle de constitucionalidade. [...]35.

    A deciso que julgar procedente ou improcedente o pedido em ADPF irrecorrvel, no podendo ser objeto de ao rescisria (artigo 12). Assimcomo nos demais casos envolvendo aes do controle concentrado deconstitucionalidade, cabvel a interposio de embargos de declarao,uma vez que, quando regularmente utilizados, destinam-se, precipuamente,a desfazer obscuridades, a afastar contradies e a suprir omisses que seregistrem, eventualmente, no acrdo proferido pelo Tribunal.

    O Supremo Tribunal Federal poder, ao declarar a inconstitucionalidadede lei ou ato normativo, por maioria qualificada de dois teros de seusmembros, restringir os efeitos daquela declarao ou decidir que ela stenha eficcia a partir de seu trnsito em julgado ou de outro momento quevenha a ser fixado, por razes de segurana jurdica ou de excepcionalinteresse social (artigo 11). O autor portugus Jorge Miranda tem a seguin-te anlise a respeito da possibilidade, em seu pas, de se restringir os efeitosda declarao de inconstitucionalidade ou de sua eficcia temporal:

    [...] destina-se a adequ-los s situaes da vida, a ponderaro seu alcance e a mitigar uma excessiva rigidez que pudessecomportar; em ltima anlise, destina-se a evitar que, parafugir a conseqncias demasiado gravosas da declarao, oTribunal Constitucional viesse a no decidir pela existnciade inconstitucionalidade. Todavia, encerra o risco de umaaproximao da atitude prpria do legislador, ou mesmo deuma confuso entre o juzo jurdico e o juzo poltico36.

    Caber reclamao contra o descumprimento da deciso proferida peloSupremo Tribunal Federal, na forma de seu Regimento Interno (artigo 13).

    35 ZAVASCKI, 2001, p. 52-53.

    36 MIRANDA, 1988, p. 389.

  • Da Argio de Descumprimento de Preceito Fundamental - ADPF 357

    A reclamao tem por objetivo garantir a autoridade das decises tomadaspelo Supremo Tribunal Federal. Hlio Mrcio Campo afirma que [...] a re-clamao tem notrio efeito poltico, e a ela no se aplica a subsidiariedadeexigida para a argio, podendo, portanto, ser proposta perante o SupremoTribunal Federal mesmo que exista outro recurso cabvel ou ao rescisria37.

    3. Da Jurisprudncia Envolvendo a ADPF

    3.1. Do conceito de preceito fundamentalO recurso constitucional alemo destinado defesa dos direitos fun-

    damentais; enquanto a ADPF destinada a evitar ou reparar leso a precei-to fundamental, resultante de ato do poder pblico. Quando for relevante ofundamento da controvrsia constitucional, caber ADPF sobre lei ou atonormativo federal, estadual ou municipal, includos os anteriores Consti-tuio. Porm, o que seria preceito fundamental?

    Como j mencionado, a disposio constitucional relativa ADPF nopossui suficiente densidade normativa, sendo que a Lei n. 9.882/99 apre-sentou o procedimento para o instituto. Todavia, a lei no disciplinou, damesma forma, o conceito de preceito fundamental. Alis, creio que um rolde preceitos fundamentais na legislao nem seria adequado, em funo dariqueza da vida. Desse modo, o conceito de preceito fundamental decorrerda base doutrinria ofertada e, principalmente, do conceito acolhido pelajurisprudncia do Supremo Tribunal Federal, por fim.

    Os doutrinadores, ao examinarem a questo sobre o conceito da ex-presso preceito fundamental, de regra, tm entendido que preceito en-globa tanto princpios como regras e que, mesmo as normas constitucio-nais possuam mesma hierarquia, o termo fundamental afasta o cabimentoda ADPF relativamente a algumas normas constitucionais. Nesse sentido,expe Andr Ramos Tavares:

    Adota-se, comumente, uma categoria geral, um gnero, queso as normas; e suas espcies, as regras e os princpios.Estas duas ltimas, pois, so elementos que compem o con-junto maior denominado normas.Isso significa que os princpios so normas fundamentais dosistema. Contudo, certos princpios so mais expressivos emais relevantes para o Direito, do que outros, especficos de

    37 CAMPO, 2001, p.66.

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    determinados setores. Da falar-se em princpios fundamen-tais, princpios polticos fundamentais, princpios da Admi-nistrao Pblica, princpios previdencirios, do processo eoutros tantos.[...]Nos quadrantes do Direito a noo de preceito ancora-se naidia de ordem, mandamento, comando, identificando-se, uma vez mais, com o contedo que se encontra tanto emregras com em princpios. Assim, torna-se sinnimo de nor-ma, no sentido empregado acima, designativo das regras edos princpios jurdicos.[...] Se a Constituio pretende exatamente manter o respei-to a sua hierarquia e rigidez por meio da criao de meca-nismos como este da argio de descumprimento, seria im-perfeito pretender que se criaria tal mecanismo especficopara a defesa de apenas um dos segmentos apontados (ou sregras ou s princpios), quando a prpria expresso utiliza-da comporta o conjunto de ambos os segmentos: in toto etpars continentur.[...] preciso afastar, de imediato, a possibilidade de que pre-ceito fundamental seja toda e qualquer norma contida naLei Fundamental. Se, teoricamente, essa construo admissvel, o mesmo no ocorre quando ao vigente sistemaconstitucional, por motivos que atendem lgica. Se a Cons-tituio denomina determinada categoria de preceitos fun-damentais, no se poderia pretender que fossem todos ospreceitos (constitucionais). Apenas parcela deles dever di-ferenciar-se dos demais preceitos constitucionais, parcela estaaglutinada por uma qualidade comum que os une, a saber, afundamentalidade38.

    38 TAVARES, Andr Ramos apud TAVARES; 2001, p. 50-52. Cabe mencionar que o Min. CarlosBritto do Supremo Tribunal Federal, na ADPF n 33-5/PA, Relator Min. Gilmar Ferreira Men-des, DJ 27-10-2006, faz distino entre preceito e princpio, com base na lgica do art. 29 daConstituio, entendendo que preceito regra e, em funo disso, no cabe ADPF em relao aprincpios. O Min. Eros Grau (Relator da ADPF n 47), no julgamento da referida ADPF n 33-5/PA, ressaltou que entende que preceito ou norma gnero, espcies so princpios e regras,cabendo a ADPF contra as duas espcies. Os Min. Gilmar Ferreira Mendes e Min. Seplveda daPertence compartilham do mesmo entendimento do Min. Eros Grau.

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    Jos Afonso da Silva afirma que preceitos fundamentais so aqueles que:[...] conformam a essncia de um conjunto normativo consti-tucional. So aqueles que conferem identidade Constitui-o. Diferenciam-se dos demais preceitos constitucionais porsua importncia, o que se d em virtude dos valores queencampam e de sua relevncia para o desenvolvimento ulte-rior de todo o Direito39.

    Existe certa unanimidade na doutrina na caracterizao como pre-ceito fundamental de princpios basilares constitucionais, como o caso dasoberania, da cidadania, da dignidade da pessoa humana, dos valores soci-ais do trabalho, do pluralismo poltico, da forma federativa de Estado, dovoto direto, secreto, universal e peridico, da separao dos poderes e dosdireitos e garantias fundamentais40. Cabe a transcrio do voto do EmitenteMin. Gilmar Ferreira Mendes, na ADPF n 33-5/PA, proferido no Plenriodo dia 07 de dezembro de 2005:

    muito difcil indicar, a priori, os preceitos fundamentais daConstituio passveis de leso to grave que justifique o pro-cesso e o julgamento da argio de descumprimento.No h dvida de que alguns desses preceitos esto enuncia-dos, de forma explcita, no texto constitucional.Assim, ningum poder negar a qualidade de preceitos fun-damentais da ordem constitucional aos direitos e garantiasindividuais (art. 5, dentre outros). Da mesma forma, no sepoder deixar de atribuir essa qualificao aos demais princ-pios protegidos pela clusula ptrea do art. 60, 4, da Consti-tuio, quais sejam, a forma federativa de Estado, a separa-o de Poderes e o voto direto, secreto, universal e peridico.Por outro lado, a prpria Constituio explicita os chama-dos princpios sensveis, cuja violao pode dar ensejo decretao de interveno federal nos Estados-membros (art.34, VII).

    O doutrinador Alexandre de Moraes adota esta posio mais restri-ta: Os preceitos fundamentais englobam os direitos e garantias fundamen-

    39 SILVA, 2005a, p. 554.

    40 BASTOS; VARGAS, 2000, p.75; DANTAS, 2001, p. 128.

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    tais da Constituio, bem como os fundamentos e objetivos fundamentaisda Repblica, de forma a consagrar maior efetividade s previses consti-tucionais41. O referido autor tanto adota posio mais restrita do conceitode preceito fundamental, que defende que a inconstitucionalidade do par-grafo nico, do artigo 1, da Lei n. 9.882/99, uma vez que a controvrsiaconstitucional relevante sobre lei ou ato normativo federal, estadual oumunicipal, includos os anteriores Constituio no so hipteses dedescumprimento pelo poder pblico de um preceito fundamental, devendo,no seu entender, a controvrsia ser examinada no mbito do controle difusoou nas demais aes diretas do controle concentrado42.

    Todavia, concordo com Dimitri Dimoulis43 que declarou que dificil-mente, na prtica, o Supremo Tribunal Federal deixar de conhecer umaADPF por no caracterizar um preceito como fundamental. Seria uma res-ponsabilidade poltica muito grande a de desprezar algumas normas cons-titucionais e ensejar que elas no sejam passveis de exame no controleconcentrado de constitucionalidade. No se trataria de um privilgio doBrasil, como bem expe o Eminente Jurista e Ministro do Supremo Tribu-nal Federal Gilmar Ferreira Mendes:

    Assinale-se, porm, que, mesmo nos sistemas que admitem orecurso constitucional apenas com base na alegao de ofensaaos direitos fundamentais, surgem mecanismos ou tcnicasque acabam por estabelecer uma ponte entre os direitos fun-damentais e todo o sistema constitucional, reconhecendo-seque a lei ou ato normativo que afronta determinada disposi-o do direito constitucional objetivo ofende, ipso jure, osdireitos individuais, seja no que se refere liberdade de ao,seja no que diz respeito ao princpio da reserva legal.A Corte Constitucional alem apreciou pela primeira vez aquesto no chamado Elfes-Urteil, de 16-1-1957, deixandoassente que uma norma jurdica lesa a liberdade de ao(Handlungsfreiheit) se contraria disposies ou princpiosconstitucionais, tanto no que se refere ao aspecto formal quan-to no que diz respeito ao aspecto material.[...]

    41 MORAES, Alexandre de, apud TAVARES; ROTHENBURG, 2001, p.17.

    42 MORAES, Alexandre de apud TAVARES; ROTHENBURG, 2001, p. 21.

    43 DIMOULIS, 2005, p. 17.

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    que, como observa Hans-Jrgen Papier, qualquerinconstitucionalidade de lei restritiva de direito configura,tambm, afronta aos direitos fundamentais:O significado dosdireitos fundamentais nos termos da Lei Fundamental no selimita mais exclusivamente a garantir a legalidade(Gesetzmssigkeit) das restries impostas liberdade indi-vidual pelo Executivo e pelo Judicirio. Mediante avinculao do Poder Legislativo aos direitos fundamentaisno se suprime, mas se refora e se completa a funo deproteo dos direitos fundamentais. Administrao e Justianecessitam para a interveno nos direitos fundamentais deuma dupla autorizao: alm da autorizao legal(gesetzliche Ermchtigung) para a interveno, deve-se exi-gir tambm uma autorizao constitucional para a limitaodos direitos fundamentais. Se os direitos fundamentais da LeiFundamental no se exaurem na legalidade do segundo e doterceiro Poder, surge, ao lado da reserva legal, a idia deuma reserva da Constituio. Ento afigura-se lcito admitirque, de uma perspectiva jurdico-material, os direitos funda-mentais protegem contra restries ilegais ou contra limita-es sem fundamento legal levadas a efeito pelo Poder Exe-cutivo ou pelo Poder Judicirio. A legalidade das restrioao direito de liberdade uma condio de suaconstitucionalidade; a violao lei constitui uma afrontaaos prprios direitos fundamentais [...].Orientao semelhante enfatizada por Klaus Schlaich, res-saltando que tambm a incompatibilidade entre as normasregulamentares e a lei formal enseja a interposio de recur-so constitucional sob alegao de afronta a um direito geralde liberdade44.

    A exigncia na Lei n. 9.882/99 de comprovao, na ADPF incidental,da relevncia da controvrsia constitucional abre importante caminho paraa ampliao do conceito de preceito fundamental, sem incorrer-se em qual-quer inconstitucionalidade. A relevncia da controvrsia est intimamenteligada idia apresentada pelos princpios constitucionais fundamentais

    44 MENDES, Gilmar Ferreira, apud TAVARES; ROTHENBURG, 2001, p.132-133.

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    da segurana jurdica e de exigncia de uma prestao judicial efetiva. Issopermite que o Supremo Tribunal Federal tenha uma grande margem para,em cada caso, verificar ou no sobre a existncia de preceito fundamentalem causa, bastando para a configurao a demonstrao de ocorrncia dediversas decises e confuses jurisprudenciais sobre o mesmo assunto.Exemplo disso o recente julgamento do mrito da ADPF n. 33-5/PA(Relator Min. Gilmar Mendes, DJ 27-10-2006), a respeito do Regulamentode Pessoal do Instituto de Desenvolvimento Econmico Social do Par(IDESP), adotado pela Resoluo n. 8/86 do Conselho de Administrao eaprovado pelo Decreto Estadual n. 4.307/86, que estaria lesando o princ-pio federativo e a vedao de vinculao ao salrio mnimo para qualquerfim, por vincular a remunerao do pessoal dos quadros da autarquia esta-dual ao valor do salrio mnimo.

    3.2. Do princpio da subsidiariedadeAssim como o Verfassungsbeschwerde, a ADPF possui, em sua re-

    gulamentao, dispositivo que lhe atribui o carter de subsidiariedade.Eis a norma:

    Art. 4o A petio inicial ser indeferida liminarmente, pelorelator, quando no for o caso de argio de descumprimentode preceito fundamental, faltar algum dos requisitos prescri-tos nesta Lei ou for inepta. 1o No ser admitida argio de descumprimento de pre-ceito fundamental quando houver qualquer outro meio eficazde sanar a lesividade. 2o Da deciso de indeferimento da petio inicial caberagravo, no prazo de cinco dias. [grifo nosso].

    O princpio da subsidiariedade restringe as hipteses de cabimento daADPF, sendo o recurso constitucional alemo e o recurso de amparo espa-nhol inspirao para tal disposio, uma vez que tais recursos somente po-dem ser utilizados quando esgotadas todas as demais instncias judiciaispara a tutela do direito. Quanto ao princpio da subsidiariedade, impres-cindvel a anlise de nossa jurisprudncia, tendo em vista que o SupremoTribunal Federal quem d a palavra sobre a interpretao desta condio deprocedibilidade.

    Em um primeiro momento, o Supremo Tribunal Federal adotou enten-dimento amplo a respeito do princpio da subsidiariedade e, conseqente-mente, das restries ao cabimento da ADPF, pois, na ADPF n. 3-3/CE

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    (Relator Min. Sydney Sanches, Tribunal Pleno de 18 de maio de 2000, DJ27.02.2004), entendeu-se que a possibilidade de ser impetrado o mandadode segurana individual, e de poderem ser interpostos recurso extraordin-rio ou agravo regimental, impediria o uso da ADPF. Eis a ementa do citadojulgado:

    Ementa: DIREITO CONSTITUCIONAL. ARGIO DEDESCUMPRIMENTO DE PRECEITO FUNDAMENTAL(ART. 102, 1, DA CONSTITUIO FEDERAL, 1 E SE-GUINTES DA LEI N 9.882, DE 3 DE DEZEMBRO DE 1999).VENCIMENTOS DE SERVIDORES PBLICOS ATIVOS EPROVENTOS DE INATIVOS. GRATIFICAES. VANTA-GENS. CLCULO DE ACRSCIMOS PECUNIRIOS. TETODE VENCIMENTOS E PROVENTOS. IMPUGNAES DEDECISES MONOCRTICAS E COLEGIADAS DO TRIBU-NAL DE JUSTIA DO CEAR, PROFERIDAS EM RECLA-MAES. ALEGAO DE VIOLAO AOS ARTS. 5, LIVE LV, 37, CAPUT E INCISOS XIV, 100, 2, DA C.F. DE1988, BEM COMO AO ART. 29 DA EMENDA CONSTITU-CIONAL N 19/98. QUESTO DE ORDEM. MEDIDACAUTELAR.1.A Constituio Federal de 5.10.1988, no pargrafo nicodo art. 102, estabeleceu: a argio de descumprimento depreceito fundamental decorrente desta Constituio ser apre-ciada pelo Supremo Tribunal Federal, na forma da lei.Esse texto foi reproduzido como 1 do mesmo artigo, porfora da Emenda Constitucional n 3, de 17.03.1993.2.A Lei n 9.882, de 03.12.1999, cumprindo a norma consti-tucional, disps sobre o processo e julgamento da argiode descumprimento de preceito fundamental.No art. 1 estatuiu:Art. 1 - A argio prevista no 1 do art. 102 da Constitui-o Federal ser proposta perante o Supremo Tribunal Fe-deral, e ter por objeto evitar ou reparar leso a preceitofundamental, resultante de ato do Poder Pblico.Trata-se, nesse caso, de Argio autnoma, com carter deverdadeira Ao, na qual se pode impugnar ato de qualquerdos Poderes Pblicos, no mbito federal, estadual ou muni-cipal, desde que para evitar ou reparar leso a preceito fun-damental da Constituio.

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    3.Outra hiptese regulada no pargrafo nico do mesmo art.1 da Lei n 9.882/99, in verbis:Pargrafo nico. Caber tambm argio de descumprimentode preceito fundamental:I quando for relevante o fundamento da controvrsia constitu-cional sobre lei ou ato normativo federal, estadual ou munici-pal, includos os anteriores Constituio.4.Cuida-se a, no de uma Ao autnoma, qual a prevista nocaput do art. 1 da Lei, mas de uma Ao incidental, que pres-supe a existncia de controvrsia constitucional relevante so-bre lei ou ato normativo federal, estadual ou municipal, inclu-dos os anteriores Constituio.5.O caso presente no de Argio Incidental, correspondentea um incidente de constitucionalidade, pois no se alega na ini-cial a existncia de qualquer controvrsia entre as decises fo-calizadas, pois todas elas foram no mesmo sentido, deferindomedidas liminares em Reclamaes, para os efeitos nelas men-cionados.6.Cogita-se, isto sim, de Argio autnoma prevista no caputdo art. 1 da Lei.7.Dispe, contudo, o 1 do art. 4 do diploma em questo:1 - No ser admitida argio de descumprimento de pre-ceito fundamental quando houver qualquer outro meio eficaz desanar a lesividade.8.E ainda h meios judiciais eficazes para se sanar a alegadalesividade das decises impugnadas.9.Se, na Corte estadual, no conseguir o Estado do Cear obtermedidas eficazes para tal fim, poder, em tese, renovar a Argi-o de Descumprimento de Preceito Fundamental.10. Tambm assiste ao Governador, em tese, a possibilidade depromover, perante o Supremo Tribunal Federal, Ao Direta deInconstitucionalidade do art. 108, VII, i, da Constituio doEstado, bem como do art. 21, VI, j, do Regimento Interno doTribunal de Justia do Cear, que instituram a Reclamaodestinada preservao de sua competncia e garantia da au-toridade de suas decises. que, segundo entendimento desta Corte, no compete aos Tri-bunais legislar sobre Direito processual, seno quando expres-

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    samente autorizados pela Constituio (RTJs 112/504, 117/921,119/1145). Assim, tambm, os Estados, mesmo em suas Consti-tuies.11.E as decises atacadas foram proferidas em processos deReclamao.12.Questo de Ordem que o Supremo Tribunal Federal resol-ve no conhecendo da presente Argio de Descumprimentode Preceito Fundamental, ficando, em conseqncia, preju-dicado o pedido de medida liminar.

    Tal entendimento tornava invivel o instituto. Porm, em junho de2002, a ADPF n. 17-3/AP, de relatoria do Min. Celso de Mello (DJ14.02.2003), apresentou novo entendimento a respeito da subsidiariedade:

    Ementa: ARGIO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEI-TO FUNDAMENTAL (CF, ART. 102, 1) AO ESPECI-AL DE NDOLE CONSTITUCIONAL PRINCPIO DASUBSIDIARIEDADE (LEI N 9.882/99, ART. 4, 1) EXIS-TNCIA DE OUTRO MEIO APTO A NEUTRALIZAR A SI-TUAO DE LESIVIDADE QUE EMERGE DOS ATOS IM-PUGNADOS INVIABILIDADE DA PRESENTE ARGIODE DESCUMPRIMENTO RECURSO DE AGRAVOIMPROVIDO.- O ajuizamento da ao constitucional de argio dedescumprimento de preceito fundamental rege-se pelo prin-cpio da subsidiariedade (Lei n 9.882/99, art. 4, 1), a sig-nificar que no ser ela admitida, sempre que houver qual-quer outro meio juridicamente idneo apto a sanar, comefetividade real, o estado de lesividade emergente do ato im-pugnado. Precedentes: ADPF 3/CE, ADPF 12/DF e ADPF13/SP.- A mera possibilidade de utilizao de outros meios proces-suais, contudo, no basta, s por si, para justificar a invoca-o do princpio da subsidiariedade, pois, para que esse pos-tulado possa legitimamente incidir impedindo, desse modo,o acesso imediato argio de descumprimento de preceitofundamental revela-se essencial que os instrumentos dispo-nveis mostrem-se capazes de neutralizar, de maneira eficaz,a situao de lesividade que se busca obstar com oajuizamento deste writ constitucional.

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    - A norma inscrita no art. 4, 1 da Lei n 9.882/99 queconsagra o postulado da subsidiariedade estabeleceu,validamente, sem qualquer ofensa ao texto da Constituio,pressuposto negativo de admissibilidade da argio dedescumprimento de preceito fundamental, pois condicionou,legitimamente, o ajuizamento dessa especial ao de ndoleconstitucional, observncia de um inafastvel requisito deprocedibilidade, consistente na ausncia de qualquer outromeio processual revestido de aptido para fazer cessar, pron-tamente, a situao de lesividade (ou de potencialidade da-nosa) decorrente do ato impugnado.Voto: claro que a mera possibilidade de utilizao de ou-tros meios processuais no basta, s por si, para justificar ainvocao do princpio da subsidiariedade, pois, para queesse postulado possa legitimamente incidir, revelar-se- es-sencial que os instrumentos disponveis mostrem-se aptos asanar, de modo eficaz, situao de lesividade.Isso significa, portanto, que o princpio da subsidiariedadeno pode e no deve ser invocado para impedir o exerc-cio da ao constitucional de argio de descumprimentode preceito fundamental, eis que esse instrumento estvocacionado a viabilizar, numa dimenso estritamente obje-tiva, a realizao jurisdicional de direitos bsicos, de valo-res essenciais e de preceitos fundamentais contemplados notexto da Constituio da Repblica.

    Essa nova posio da jurisprudncia, levando em conta o carter obje-tivo da ADPF, passou a considerar um meio eficaz de sanar a leso somenteaquele apto a solver a controvrsia constitucional relevante de forma am-pla, geral e imediata e foi reafirmada na ADPF n 33-5/PA, cujo Relator oMin. Gilmar Ferreira Mendes (D] 27.10.2006):

    Ementa: 1. Argio de descumprimento de preceito funda-mental ajuizada com o objetivo de impugnar o art. 34 do Re-gulamento de Pessoal do Instituto de Desenvolvimento Eco-nmico-Social do Par (IDESP), sob o fundamento de ofensaao princpio federativo, no que diz respeito autonomia dosEstados e Municpios (art. 60, 4o , CF/88) e vedao cons-titucional de vinculao do salrio mnimo para qualquer

  • Da Argio de Descumprimento de Preceito Fundamental - ADPF 367

    fim (art. 7, IV, CF/88). 2. Existncia de ADI contra a Lei n9.882/99 no constitui bice continuidade do julgamento deargio de descumprimento de preceito fundamental ajuiza-da perante o Supremo Tribunal Federal. 3. Admisso de amicuscuriae mesmo aps terem sido prestadas as informaes 4.Norma impugnada que trata da remunerao do pessoal deautarquia estadual, vinculando o quadro de salrios ao sal-rio mnimo. 5. Cabimento da argio de descumprimento depreceito fundamental (sob o prisma do art. 3, V, da Lei n 9.882/99) em virtude da existncia de inmeras decises do Tribunalde Justia do Par em sentido manifestamente oposto juris-prudncia pacificada desta Corte quanto vinculao de sa-lrios a mltiplos do salrio mnimo. 6. Cabimento de argi-o de descumprimento de preceito fundamental para solvercontrovrsia sobre legitimidade de lei ou ato normativo fede-ral, estadual ou municipal, inclusive os anteriores Constitui-o (norma pr-constitucional). 7. Requisito de admissibilidadeimplcito relativo relevncia do interesse pblico presente nocaso. 8. Governador de Estado detm aptido processual ple-na para propor ao direta (ADIMC 127/AL, Rel. Min. Celsode Mello, DJ 04.12.92), bem como argio de descumprimentode preceito fundamental, constituindo-se verdadeira hipteseexcepcional de jus postulandi. 9. ADPF configura modalidadede integrao entre os modelos de perfil difuso e concentradono Supremo Tribunal Federal. 10. Revogao da lei ou atonormativo no impede o exame da matria em sede de ADPF,porque o que se postula nessa ao a declarao de ilegiti-midade ou de no-recepo da norma pela ordem constitucio-nal superveniente. 11. Eventual cogitao sobre ainconstitucionalidade da norma impugnada em face da Cons-tituio anterior, sob cujo imprio ela foi editada, no consti-tui bice ao conhecimento da argio de descumprimento depreceito fundamental, uma vez que nessa ao o que se perse-gue a verificao da compatibilidade, ou no, da norma pr-constitucional com a ordem constitucional superveniente. 12.Caracterizada controvrsia relevante sobre a legitimidade doDecreto Estadual n 4.307/86, que aprovou o Regulamentode Pessoal do IDESP (Resoluo do Conselho Administrati-

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    vo n 8/86), ambos anteriores Constituio, em face de pre-ceitos fundamentais da Constituio (art. 60, 4, I, c/c art.7, inciso IV, in fine, da Constituio Federal) revela-se cab-vel a ADPF. 13. Princpio da subsidiariedade (art. 4o , 1o,da Lei no 9.882/99): inexistncia de outro meio eficaz de sa-nar a leso, compreendido no contexto da ordem constitucio-nal global, como aquele apto a solver a controvrsia constitu-cional relevante de forma ampla, geral e imediata. 14. A exis-tncia de processos ordinrios e recursos extraordinrios nodevem excluir, a priori, a utilizao da argio dedescumprimento de preceito fundamental, em virtude da fei-o marcadamente objetiva dessa ao. 15. Argio dedescumprimento de preceito fundamental julgada procedentepara declarar a ilegitimidade (no-recepo) do Regulamentode Pessoal do extinto IDESP em face do princpio federativoe da proibio de vinculao de salrios a mltiplos do sal-rio mnimo (art. 60, 4, I, c/c art. 7, inciso IV, in fine, daConstituio Federal).

    A subsidiariedade passou a ser entendida dentro do contexto da or-dem constitucional global, at mesmo em razo do carter objetivo da ADPF.Negou-se a interpretao literal do princpio da subsidiariedade. DimitriDimoulis aponta que:

    Essa mudana jurisprudencial comeou a surtir efeitos pr-ticos, conforme mostra a recentssima deciso sobre aconstitucionalidade do aborto. Sabidamente, o STF um dos pou-cos tribunais constitucionais do mundo que no decidiu aindasobre a constitucionalidade do aborto com consentimento da ges-tante. Do ponto de vista processual, o principal obstculo era ofato de ser a penalizao do aborto devida a norma pr-constitu-cional (art. 124 do CP/1940), no sendo cabvel ao direta deinconstitucionalidade.Em deciso monocrtica de julho de 2004, sobre a ADPF 54, orelator considerou que o caso de anencefalia do feto deveria afas-tar parcialmente a penalizao do aborto. Do ponto de vista pro-cessual, tal deciso foi possvel graas ao entendimento da efic-cia no sentido estrito, j adotada na pr-citada ADPF 33. Naliminar sobre o caso do aborto, o relator apontou o desencontro

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    de entendimentos, a desinteligncia de julgados e a impossibili-dade de concluir um processo nas instncias ordinrias antes dofim da gestao. Assim sendo, a ADPF foi vista como ao quepermite evitar decises discrepantes, sendo sua eficcia superi-or quela de decises que permitem realizar um controle difusode constitucionalidade, mediante habeas corpus ou outro remdioconstitucional.No momento de concluso desse trabalho, o Plenrio do STF re-vogou por maioria e aps polmica discusso a liminar em exa-me. Segundo informaes disponibilizadas pelo tribunal, a maio-ria dos Ministros considerou que no havia motivo para a decla-rao de inconstitucionalidade parcial da norma que pune o abortocom o consentimento da gestante, sem, contudo, contestar o refe-rido entendimento amplo sobre a subsidiariedade da ADPF45.

    Quanto a esse tpico, a respeito da subsidiariedade, os trechos queseguem do voto do Min. Gilmar Ferreira Mendes, na ADPF n 33-5/PA,terminam por elucidar a questo:

    Assim, tendo em vista o perfil objetivo da argio dedescumprimento, com legitimao diversa, dificilmente poder-se- vislumbrar uma autntica relao de subsidiariedade en-tre o novel instituto e as formas ordinrias ou convencionaisde controle de constitucionalidade do sistema difuso, expres-sas, fundamentalmente, no uso do recurso extraordinrio.Assim sendo, possvel concluir que a simples existncia deaes ou de outros recursos processuais vias processuaisordinrias no poder servir de bice formulao da ar-gio de descumprimento. Ao contrrio, tal como explicitado,a multiplicao de processos e decises sobre um dado temaconstitucional reclama, a maioria das vezes, a utilizao deum instrumento de feio concentrada, que permita a soluodefinitiva e abrangente da controvrsia.

    45 DIMOULIS, 2005, p. 30-31. Cabe, aqui, a meno de que o Supremo Tribunal Federal, prosse-guindo no julgamento da ADPF 54/DF, por maioria, referendou a primeira parte da liminar con-cedida, no que diz respeito ao sobrestamento dos processos e decises no transitadas em julga-do, vencido o senhor Ministro Cezar Peluso. E o tribunal, tambm por maioria, revogou a liminardeferida, na segunda parte, em que reconhecia o direito constitucional da gestante de submeter-se operao teraputica de parto de fetos anenceflicos, vencidos os senhores Ministros Relator,Carlos Britto, Celso de Mello e Seplveda Pertence.

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    fcil ver tambm que a frmula da relevncia do interessepblico para justificar a admisso da argio dedescumprimento (explcita no modelo alemo) est implcita nosistema criado pelo legislador brasileiro, tendo em vista, espe-cialmente, o carter marcadamente objetivo que se conferiu aoinstituto.Dessa forma, o Supremo Tribunal Federal sempre poder, aolado de outros requisitos de admissibilidade, emitir juzo sobre arelevncia e o interesse pblico contido na controvrsia consti-tucional.Essa leitura compreensiva da clusula da subsidiariedade con-tida no art. 4, 1, da Lei n 9.882, de 1999, parece solver, comsuperioridade, a controvrsia em torno da aplicao do princ-pio do exaurimento das instncias.Assim, plausvel admitir que o Tribunal dever conhecer daargio de descumprimento toda vez que o princpio da segu-rana jurdica restar seriamente ameaado, especialmente emrazo de conflitos de interpretao ou de incongrunciashermenuticas causadas pelo modelo pluralista de jurisdioconstitucional, desde que presentes os demais pressupostos deadmissibilidade.

    3.3. Das hipteses de cabimento da ADPFNo sistema atual de controle de constitucionalidade, cabe ADPF, sem-

    pre que no for possvel, a impetrao da ao direta de inconstitucionalidade,da ao direta de inconstitucionalidade por omisso ou da ao declaratriade constitucionalidade se estivermos diante do descumprimento de um pre-ceito fundamental. Assim, por no serem cabveis essas aes diretas acimareferidas, sempre ser possvel o ajuizamento de ADPF quando estiveremsendo questionados:

    a) atos normativos oriundos de autoridades municipais, sendo a ADPFna modalidade incidental;

    b) atos normativos anteriores entrada em vigor da Constituio de1988, cabendo a argio na modalidade incidental;

    c) atos do Poder Pblico que no tenham carter normativo, sendo aquesto discutida na argio autnoma.

    Dimitri Dimoulis46 entende que, em razo da generalidade do termoatos do Poder Pblico, o legislador quis incluir entre as hipteses de argi-

  • Da Argio de Descumprimento de Preceito Fundamental - ADPF 371

    o autnoma as discusses envolvendo atos normativos municipais ou an-teriores Constituio, sendo que o objeto da ADPF autnoma seria maisabrangente do que o objeto da incidental. Tal concluso bastante aceitvel.

    Alm disso, o referido autor aventa outras duas hipteses de cabimen-to da ADPF que seriam:

    a) o controle jurisdicional das emendas constitucionais, por entenderque estas no so, tecnicamente, leis ou atos normativos e no estari-am englobadas pela previso do artigo 102, I, a da Constituio47;

    b) e, adotando-se entendimento mais amplo de preceito decorrente dessaConstituio (preceito decorrente da Constituio > norma consti-tucional) e a definio mais extensa do termo descumprimento(descumprimento > inconstitucionalidade), o controle da violao depreceitos implicitamente contidos na Lei Fundamental.

    Andr Ramos Tavares tambm aceita a utilizao da ADPF relativa-mente violao de preceito fundamental implcito48. Merecem transcri-o alguns trechos de seus escritos que explicitam tal idia:

    Ademais, acentua-se, com a expresso empregada na normaconstitucional, a possibilidade de utilizao tambm de precei-tos no explicitamente encontrveis no seio da Constituio. que a decorrncia pode dar-se direta ou indiretamente, explcitaou implicitamente. Assim, pode-se afirmar que a utilizao da-quela expresso acabou por revelar um dos aspectos que pode-ria, de outra forma, restar duvidoso, qual seja, a possibilidadede invocar-se preceito fundamental no expressamente desenha-do na Constituio. A expresso decorrente espanta qualquerdvida nesse sentido, embora no se esgote nesse conjunto depreceitos implcitos.[...]Adotado que seja este conceito mais restrito, os atos praticadospelos particulares, ainda que normativos e os atos materiaisem geral, ainda que estatais, afastados encontrar-se-o das no-

    46 DIMOULIS, 2005, p. 26-29.47 Art. 102. Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da Constituio, ca-

    bendo-lhe:I - processar e julgar, originariamente:a) a ao direta de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo federal ou estadual e a aodeclaratria de constitucionalidade de lei ou ato normativo federal; (Redao dada pela EmendaConstitucional n 3/93)

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    es de inconstitucionalidade ou constitucionalidade. O conceito reservado, nesse sentido, exclusivamente, ao mundo normativo,j que se revela como uma especial forma de invalidade. S osrgos pblicos com capacidade normativa prpria podemperpetr-la e, dessa forma, ter estes seus atos sindicalizados pelasmedidas judiciais especficas de controle concentrado contra ainconstitucionalidade.[...]No Direito Constitucional positivo, o conceito de descumprimentoultrapassa o mbito da mera inconstitucionalidade, podendoaambarcar at mesmo fatos do mundo concreto contrrios re-alidade constitucional (realidade normativa, mundo do dever ser),no sentido amplo j abordado.[...]No caso da argio, verifica-se que houve o emprego de umaterceira categoria, a de descumprimento. Como se verificar, nose trata nem propriamente de uma inconstitucionalidade nem deuma contrariedade Constituio. O conceito de descumprimento,para fins de argio, est atrelado aos preceitos fundamentais.

    Com essa breve enumerao das hipteses em que sempre so cab-veis ADPF, podemos vislumbrar a riqueza do instituto.

    4. Consideraes Finais

    1. A Constituio Federal de 1988 trouxe grandes mudanas em nossahistria constitucional, ao ampliar a abrangncia e o nmero dos direitosfundamentais, dando lugar de destaque ao rol desses direitos49. A Consti-tuio tambm se preocupou em disponibilizar os meios processuais paradar efetividade a estes direitos de modo mais abrangente. Em funo dessapreocupao, acredita-se que houve o aumento no nmero de aes diretasa serem interpostas perante o Supremo Tribunal Federal, com o reforo docontrole concentrado de constitucionalidade50.

    48 TAVARES, Andr Ramos, apud TAVARES; ROTHENBURG, 2001, p.54, 59-60.

    49 PIOVESAN, 1996, p. 55.

    50 Sob o plio da Carta de 67/69 tnhamos, a rigor, trs aes diretas, para todas elas legitimadoativamente, em carter exclusivo, o Procurador-Geral da Repblica. Assim que: a) no art. 11,

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    2. Nosso controle de constitucionalidade de normas bastante complexoe, a partir das breves consideraes desse estudo a respeito da ADPF, podemosvisualizar que a regulamentao da argio veio para preencher lacunas exis-tentes no quadro de competncias do Supremo Tribunal Federal. Propiciou-se,com a Lei n. 9.882/99, que teve como mentores intelectuais os brilhantes ju-ristas Gilmar Ferreira Mendes, Celso Ribeiro Bastos, Arnoldo Wald, Ives GandraMartins e Oscar Dias Corra, que certas matrias pudessem ser examinadasdiretamente em aes diretas junto a aquele tribunal.

    3. Merece, neste momento, destaque a sempre presente lio doconstitucionalista Gilmar Ferreira Mendes51:

    De qualquer sorte, convm assinalar, tal como apontado em ra-zes apresentadas pela AGU, que a ADPF amplia o controle deconstitucionalidade, dando a necessria nfase defesa dospreceitos fundamentais, especialmente nos casos ainda noamparados pelos outros meios de controle concentrado deconstitucionalidade. Alm de permitir a antecipao das deci-ses sobre controvrsias constitucionais relevantes, a ADPFpoder ser utilizada para solver controvrsia sobre a legitimi-dade do direito ordinrio pr-constitucional em face da Consti-tuio que, anteriormente, somente poderia ser veiculada medi-ante a utilizao do recurso extraordinrio. Ademais, as deci-ses proferidas pelo STF nesses processos, haja vista a eficciaerga omnes e o efeito vinculante, fornecero a diretriz segurapara o juzo sobre a legitimidade ou a ilegitimidade de atos deteor idntico, editados pelas diversas entidades municipais.

    4. Todavia, a maior extenso do controle concentrado deconstitucionalidade graas operalizao da ADPF no significa que ele, naprtica, se tornou mais gil e eficaz. Para isso, o Supremo Tribunal Federalteria que ter condies de promover uma maior celeridade aos feitos, o queainda no possvel em razo da sobrecarga de trabalho de nossos Ministros.

    1, c, previa-se a chamada representao interventiva. [...]; b) no art. 119, I, l, deparvamo-nos com a clssica representao para constatao da inconstitucionalidade de lei ou ato normativofederal ou estadual, em face da Constituio Federal; c) no mesmo preceito sub b supra, consa-grara-se, a partir da Emenda Constitucional n. 7, de 1977, a ao direta para fixao da interpre-tao de lei ou ato normativo federal ou estadual. Cabe observar que, independentemente daeventual utilidade ou valia do remdio, jamais foi ele utilizado, o que deve ter fortemente contri-budo para sua supresso, na Constituio de 1988" FERRAZ, 1993, p. 204-205.

    51 MENDES, 2006a, p. 97.

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    5. Ainda, em virtude da srie de crticas enfrentadas pelo instituto, sen-do em alguns casos a ADPF comparada indevidamente com a avocatria(que, contrariamente, exigiria uma requisio sponte prpria, pelo Supremo,de processo em curso e de alheia competncia, para anlise integral da mat-ria e dos pedidos, com a substituio do juiz da causa), nota-se uma extremacautela do Supremo Tribunal Federal em relao s ADPFs at hoje propos-tas, tendo a maioria como resultado a negativa de seguimento.

    6. O que se busca com o presente trabalho mostrar que a ADPF mereceuma maior utilizao, pois representa, talvez, o pice da evoluo do sistemade controle concentrado de normas. As crticas existentes no so capazes demacular to importante remdio constitucional. Conforme a interpretao doprincpio da subsidiariedade, trata-se do ltimo meio eficaz capaz de sanarleso ou controvrsia constitucional relevante de forma ampla, geral e imedi-ata, gerando uma maior segurana jurdica, mas, para tanto, deve ser usado.

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  • Da Argio de Descumprimento de Preceito Fundamental - ADPF 375

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