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desígnio 13 131 jul/dez 2014 SOUZA, J. M. R. (2014). No meio do caminho tinha Diotima. Archai, n. 13, jul - dez, p. 131-139 DOI: http://dx.doi.org/10.14195/1984-249X_13_14 NO MEIO DO CAMINHO TINHA DIOTIMA Jovelina Maria Ramos de Souza * RESUMO: A presente exposição pretende retomar as representações de Diotima no discurso poético-filosófico de Platão e Hölderlin. Independente da época na qual a imagem de Diotima foi traçada por cada um dos dois autores, a ideia que ela representa, no contexto da obra do filósofo grego e do poeta alemão é marcada pela ambiguidade. A arquitetônica de Diotima, seja a de Platão ou a de Hölderlin, se sustenta na noção de alteridade, espécie de espelho através do qual as imagens de Safo de Lesbos e Susette Gontard parecem se fundir na figura da personagem platônica e hölderliana. Na caracterização da sacerdotisa/filósofa de Mantineia ou da amada de Hipérion/ Hölderlin (fonte de inspiração para muitos de seus poemas) a alusão ao elemento mediador (daimon) é determinante, pois através da ficção envolvendo o nome de Diotima, ambos falam do amor e da beleza (visível ou humana, segundo a referência de um e outro) para sustentar a sua argumentação teórica acerca do amor e do belo, mediada pelas noções de carência e desejo, em um espaço comum tanto a Platão como a Hölderlin, a poesia e a filosofia. PALAVRAS-CHAVE: Diotima; Platão; Hölderlin; amor; beleza. ABSTRACT: The present exposition intends to resume the representation of Diotima in the poetic-philosophical discourse of Plato and Hölderlin. In despite of the time of the representation of the image of Diotima drew by each of the two authors, the idea it represents within the context of the works of the Greek philosopher and the German poet is marked by ambiguity. The Amor e beleza entre poesia e filosofia Retomarei as representações de Diotima no discurso poético-filosófico de Platão e Hölderlin, no sentido de mostrar o quanto a concepção da personagem, seja no contexto platônico ou höl- derliano é acentuadamente marcada pela noção de ambiguidade. Originariamente, a figura enigmática e controversa da mulher de Mantineia é concebida por Platão, na encenação do elogio de Sócrates a éros, no Banquete. A estrutura discursiva do último dos encômios a éros constitui-se sob o formato de um duplo discurso, mesclando vozes que envolvem um passado mais recente e outro mais remoto, no diálogo entre os personagens Sócrates e Diotima. O elemento linguístico presente na fala da sa- cerdotisa comporta um discurso envolvendo três modos distintos de linguagem: a dos mistérios, a poética e a filosófica, para tratar da relação amor, beleza e bondade. Hölderlin por sua vez, ao reto- mar o nome “Diotima”, seja na caracterização da personagem do romance Hipérion ou o Eremita na Grécia, seja em vários de seus poemas, mantém o mesmo caráter ambíguo e a mesma temática que envolve a composição de um dos mais densos personagens de Platão. * Universidade Federal do Pará, e-mail: jovelina@ ufpa.br

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filosofia e poesia

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  • desgnio 13

    131

    jul/dez 2014

    SOUZA, J. M. R. (2014). No meio do caminho tinha Diotima. Archai, n. 13, jul - dez, p. 131-139DOI: http://dx.doi.org/10.14195/1984-249X_13_14

    NO MEIO DO CAMINHOTINHA DIOTIMA

    Jovelina Maria Ramos de Souza*

    RESUMO: A presente exposio pretende retomar as

    representaes de Diotima no discurso potico-filosfico de

    Plato e Hlderlin. Independente da poca na qual a imagem

    de Diotima foi traada por cada um dos dois autores, a ideia

    que ela representa, no contexto da obra do filsofo grego e do

    poeta alemo marcada pela ambiguidade. A arquitetnica de

    Diotima, seja a de Plato ou a de Hlderlin, se sustenta na noo

    de alteridade, espcie de espelho atravs do qual as imagens de

    Safo de Lesbos e Susette Gontard parecem se fundir na figura

    da personagem platnica e hlderliana. Na caracterizao da

    sacerdotisa/filsofa de Mantineia ou da amada de Hiprion/

    Hlderlin (fonte de inspirao para muitos de seus poemas) a

    aluso ao elemento mediador (daimon) determinante, pois

    atravs da fico envolvendo o nome de Diotima, ambos falam

    do amor e da beleza (visvel ou humana, segundo a referncia

    de um e outro) para sustentar a sua argumentao terica

    acerca do amor e do belo, mediada pelas noes de carncia e

    desejo, em um espao comum tanto a Plato como a Hlderlin,

    a poesia e a filosofia.

    PALAVRAS-CHAVE: Diotima; Plato; Hlderlin; amor; beleza.

    ABSTRACT: The present exposition intends to resume the

    representation of Diotima in the poetic-philosophical discourse of

    Plato and Hlderlin. In despite of the time of the representation

    of the image of Diotima drew by each of the two authors, the

    idea it represents within the context of the works of the Greek

    philosopher and the German poet is marked by ambiguity. The

    Amor e beleza entre poesia e filosofia

    Retomarei as representaes de Diotima no

    discurso potico-filosfico de Plato e Hlderlin,

    no sentido de mostrar o quanto a concepo da

    personagem, seja no contexto platnico ou hl-

    derliano acentuadamente marcada pela noo de

    ambiguidade. Originariamente, a figura enigmtica

    e controversa da mulher de Mantineia concebida

    por Plato, na encenao do elogio de Scrates a

    ros, no Banquete. A estrutura discursiva do ltimo

    dos encmios a ros constitui-se sob o formato de

    um duplo discurso, mesclando vozes que envolvem

    um passado mais recente e outro mais remoto, no

    dilogo entre os personagens Scrates e Diotima.

    O elemento lingustico presente na fala da sa-

    cerdotisa comporta um discurso envolvendo trs

    modos distintos de linguagem: a dos mistrios, a

    potica e a filosfica, para tratar da relao amor,

    beleza e bondade. Hlderlin por sua vez, ao reto-

    mar o nome Diotima, seja na caracterizao da

    personagem do romance Hiprion ou o Eremita na

    Grcia, seja em vrios de seus poemas, mantm o

    mesmo carter ambguo e a mesma temtica que

    envolve a composio de um dos mais densos

    personagens de Plato.

    * Universidade Federal do

    Par, e-mail: jovelina@

    ufpa.br

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    architecture of Diotima, either of Platos or Hlderlins, is

    based upon the notion of otherness, a kind of mirror through

    the images of Sappho of Lesbos and Susette Gontard seem

    to merge in the figure of Platos and Hlderlins characters.

    In the characterization of the priestess/philosopher of

    Mantineia or in the Hrdelin/Hiperions beloved one (source

    of inspiration of many of his poems) the allusion to the

    mediating element (daimon) is key. Through the fiction

    involving Diotimas name both of authors speak about the

    love and the beautiful (visible in Platos case; human in

    Hlderlins) to support their theoretical arguments about

    love and beauty, mediated by the notions of need and

    desire, in a commonplace for both Plato and Hlderlin, the

    poetry and the philosophy.

    KEYWORDS: Diotima; Plato; Hlderlin; love; beauty.

    A anlise aqui pretendida envolve um olhar

    acerca do modo como a imagem de Diotima ela-

    borada pelos dois pensadores, observando como a

    recepo hlderliana conserva o fio condutor do

    debate platnico. Instaurado entre as dimenses

    potica e filosfica, como o de Plato, o discurso

    de Hlderlin acerca do amor e da beleza, primeira

    vista parece se diferenciar da abordagem platnica,

    por se restringir a uma experincia ntima e pessoal,

    o amor dedicado a sua Diotima, na vida real Suset-

    tte Gontard, esposa de um banqueiro de Frankfurt,

    a quem conheceu quando se tornou preceptor de

    seu filho. No entanto, a lembrana afetiva do autor,

    o impulsiona a pensar a beleza (Schnheit, palavra

    alem originria do verbo scheinen, aparecer, pare-

    cer, brilhar) de modo similar a Plato, uma vez que

    seu projeto esttico compreende a teoria platnica

    sobre a poesia, conforme sustenta Vaccari (2013,

    p. 272). Para Pfau (1988), a recepo de Plato em

    Hlderlin notria, sobretudo no que diz respeito

    relao amor e beleza, por ser nela que se efetua a

    experincia esttica. Contudo, no se pode pensar

    a esttica hlderliana associada noo grega de

    aisthesis, sensibilidade. Diferenando-se de Kant,

    o poeta-filsofo concebe a intuio como um ele-

    mento atrelado inteleco e no a sensibilidade,

    com isso a experincia esttica se d por meio de

    uma intuio intelectual.1

    Para Ferreira (2009, p. 29), Hlderlin pensa

    a intuio intelectual como esttica porque ela

    se manifesta de modo privilegiado no amor e na

    apreenso das coisas belas e sublimes. Isto o leva

    a aproximar-se do Plato do Fedro e do Banquete,

    mas tambm da filosofia crtica de Kant, exposta na

    Crtica da Faculdade do Juzo, como ressaltam Pfau

    (1998, p. 7-11) e Beckenkamp (2004, p. 125-126):

    Na ideia de beleza, Hlderlin funde elementos de

    Plato (a reminiscncia entusistica da ideia de Beleza,

    como apresentada no Fedro) e de Kant (a linguagem

    figurativa da natureza nas belas formas naturais, como

    apresentada no 42 da Crtica da faculdade do juzo),

    para prop-la como lugar privilegiado da experincia do

    ser absoluto ou da unidade original.

    Hlderlin encontra na noo de beleza, o

    modo mais adequado para realizar a unio originria

    entre a natureza e o ser puro e simples. Teorica-

    mente, a reconciliao entre o Um e Tudo (En kai

    pan), se d por meio de uma matriz estrutural, a

    noo de intuio intelectual, elemento capaz

    de possibilitar a transio entre ordens distintas

    de apreciao da beleza. Na retomada e ressignifi-

    cao do modelo platnico, o poeta alemo situa

    o movimento que compreende a viso e a ideia da

    beleza, como defende Renero (2006), na trade

    logos-eros-poiesis. A convivncia destes daimones,

    como os caracteriza Renero (2006, p. 4), operam

    como potncias ou instncias hermenuticas, pon-

    tes e vnculos entre o poeta e o leitor. Na expresso

    de sua afeco por Diotima, Hiprion ou a persona

    dos poemas dedicados a ela, estabelecem a mescla

    entre reflexo, amor e poesia. No poema Pranto

    de Mnon por Diotima, encontra-se um movimento

    contnuo entre a busca e a recuperao da esperana

    perdida, representado por uma espcie de sistema

    pendular, que segundo Renero (2006, p. 5), envolve

    recordao e esquecimento, sonho e viglia, vida

    e morte, movimento e repouso, luz e obscuridade,

    possibilidade e realidade. O modo encontrado por

    Hlderlin para recuperar o amor de Diotima,2 se

    d por meio de um discurso ertico-potico, que

    a exemplo de Plato, comporta a reflexo sobre

    a beleza.

    Se para os gregos, originariamente, a filosofia

    evolui da poesia, por sua vez, Hlderlin realiza um

    1. Segundo Pfau (1988, p. 26) a

    intuio intelectual do Ser, isto

    , a intuio de uma unidade que

    antecede qualquer estrutura de

    sntese, identidade e conscincia,

    deve ser esttica. No entanto, a

    intuio intelectual no domnio

    esttico, no pode ocorrer de

    modo sistemtico, por ela no

    possuir em si mesma, a capacidade

    de representar o absoluto, se

    revelando por meio de uma

    transgresso da unidade do Ser

    puro e simples.

    2. Na estrofe 3 de Pranto de Mnon

    por Diotima, a persona do poema

    evoca: Luz do Amor! Tambm

    envolves os mortos no ouro do

    teu brilho [...] Pois todos os dia e

    anos estelares, Diotima! / Estavam

    em nosso redor intimamente

    unidos para sempre (Traduo

    de Maria Teresa Dias Furtado in

    Elegias, p. 21).

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    processo de inverso, no qual a poesia parece fluir

    da poesia. Na experincia esttica, a apreenso do

    belo no ocorre por meio de um discurso terico-

    -reflexivo, mas de um discurso potico, que se torna

    um modo de representar o real, gerando um lan

    entre a dimenso terica e a esttica. Na esttica

    hlderliana, a concepo de beleza se desvela por

    meio da linguagem potica e no da filosfica,

    como em Plato. No entanto, os dois pensadores

    concebem a mediao entre o discurso potico e

    o filosfico, na construo de suas teorias sobre o

    amor e o belo, da o considervel apreo do poeta

    alemo pelo filsofo grego, alm de ambos tentarem

    delimitar a linha tnue entre poesia e filosofia, a

    partir do tipo de produo praticada pelo poeta e

    pelo filsofo.

    Rosenfield (1998, p. 158) aponta com preci-

    so, como Hlderlin concebe o processo de pas-

    sagem (bergang, Transport, Metapher) da esfera

    terica para a esttica, do seguinte modo:

    O sistema hlderliano previa um estatuto particular

    terico para o sentido esttico e concebia a poesia

    como passagem dos conceitos do entendimento para o

    vislumbre (Ahnung, adivinhao) de uma outra dimen-

    so: apanhado momentaneamente, instvel efmero,

    de um modo de saber e de ser radicalmente diverso do

    entendimento, que opera com divises/distines.

    A contextura da poesia hlderliana, seguindo

    a homologia estrutural do Banquete e do Fedro,

    comporta a mediao entre inteligibilidade e beleza.

    Hlderlin ameniza a tenso entre o domnio terico

    e o esttico, ao mesclar na sua escrita, intuio e

    inteleco, ordenando tais estruturas por meio da

    noo de passagem entre as distintas dimenses,

    para atingir a via excntrica (exzentrische Bahn)

    que liga o discurso humano (filosfico) ao divino

    (potico), o estado de natureza arte. Faz parte

    da condio humana, percorrer o caminho que se

    desloca entre a infncia e a plenitude, o homem

    e o mundo, o tudo e o nada. Se para o autor do

    Hiprion, a imagem do impulso gera a contradio

    entre o homem e o mundo, todavia ela lhe permite

    colocar o poeta na funo de formador da sociedade,

    conforme prev Diotima a Hiprion: Jovem triste!

    Logo, logo, sers feliz. O teu loureiro ainda no

    est maduro, e tuas murtas florescem, pois sers

    sacerdote da natureza divina e em ti j germinam

    os dias poticos (2012, p. 188). O mesmo tom ser

    encontrado em dois poemas da fase da maturidade

    (1798-1800):3

    Irmos! talvez a nossa arte logo amadurea

    Porque, como o jovem, de h muito fermenta para

    Chegar logo tranquila beleza;

    Sede s piedosos, como o grego era!

    Amai os deuses, pensai nos mortais com afeto!

    Ebriez e frieza, lio e descrio: odiai-as

    Todas, e, se o mestre vos der medo,

    Pedi conselho grande Natureza.

    (HLDERLIN, Aos jovens poetas).

    As margens do Ganges ouviram o triunfo

    Do deus da alegria, o jovem Baco, quando

    A tudo conquistando veio desde o Indo

    Com o vinho sagrado despertar os povos.

    Despertai, poetas, despertais os que ainda

    Esto dormindo, dai-nos leis, dai-nos vida.

    Triunfai, heris, vs que como Baco sois

    Os nicos com direito de conquista.

    (HLDERLIN, Aos nossos grandes poetas).

    Ao dignificar a produo do poeta, Hlderlin

    refora a ideia de que somente a partir de uma

    experincia esttica se pode atingir a unidade

    primordial do ser. O entendimento no consegue

    completar a unidade pura e simples pretendida pelo

    poeta, pelo fato de o intelecto privilegiar a reflexo

    em detrimento da intuio. justamente o processo

    contnuo de passagem entre a esfera do sensvel e a

    do inteligvel, que lhe permite elaborar a noo de

    intuio intelectual, como um elemento voltado

    no para a representao sensorial, mas para a

    prpria ideia sem se confundir com ela. Percorrer

    a via excntrica, para o poeta-filsofo, alm de ser

    o melhor caminho possvel, conforme defende no

    Prefcio Penltima Verso do Hiprion (2012, p.

    26-27) possibilita:

    3. Para efeito de citao dos

    poemas utilizo a traduo de

    Jos Carlos Paes, editada pela

    Companhia das Letras (1991).

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    Colocar um fim nessa eterna contradio entre ns

    mesmos e o mundo, restabelecer a paz de toda paz, essa

    que mais elevada do que toda razo, nos reunindo com

    a natureza em um todo infinitamente uno, eis a meta

    de todo nosso empenho, quer o compreendamos ou no.

    Restabelecer a paz significa para Hlderlin

    (2012, p. 26), amenizar a dor provocada pela perda

    do uno aventurado, o ser, no nico sentido da

    palavra, e isto s se torna possvel, por meio do

    amor, elemento capaz de sintetizar, na estrutura

    hlderliana, a relao razo e sensibilidade, pressu-

    posto que ele vai buscar em Schiller, mas, sobretudo

    na ressignificao platnica da imagem de eros no

    Banquete, que passa a ser caracterizado, no elogio

    de Scrates, no mais como um megas theos, mas

    um daimon megas, elemento mediador, por sua

    capacidade de interpretar e transmitir o lgos divi-

    no aos homens e o humano aos deuses. Tomando

    como paradigma, o mito originrio de Eros, narrado

    por Diotima a Scrates, o poeta alemo consolida

    o vnculo entre amor, beleza e carncia, na verso

    de 1795 de A juventude de Hiprion:4

    Quando nosso esprito, continuou ele ento risonho,

    desprendeu-se das livres asas do celeste, e se inclinou do

    ter em direo terra, quando a abundncia desposou a

    misria, l estava o amor. Isso aconteceu no dia em que

    nasceu Afrodite. No dia em que o belo mundo comeou

    para ns, comeou para ns a escassez da vida. Se ra-

    mos outrora plenos e livres de todos os limites, ento

    no perdemos a plenitude, o privilgio do puro esprito

    por nada. Trocamos a calma livre de sofrimento dos

    deuses pelo sentimento de vida, pela clara conscincia.

    Pense, se for possvel, o espirito puro! Ele no lida com

    a matria; por isso no vive para ele nenhum mundo;

    para ele nenhum sol se levanta ou se pe; ele tudo e

    por isso ele nada para si. Ele no prescinde, porque

    ele no pode desejar; ele no sofre, pois ele no vive.

    No Banquete, a estrutura que envolve amor,

    beleza e carncia5 se consolida na imagem do phi-

    losophos, ser mediador como eros, cuja natureza

    comporta a ambiguidade. Sendo eros a representao

    do psiquismo se movendo entre as trs dimenses do

    desejo e do prazer, de modo anlogo, o iniciado nos

    mistrios do amor, o filsofo, percorre os graus da

    ascese de Diotima em busca daquilo que no prprio

    de sua natureza: bondade, beleza e sabedoria. Reto-

    mando o processo hlderliano de passagem, pode-se

    observar que ele se assemelha ao movimento das trs

    dimenses do psiquismo, delimitados por Plato no

    livro IX da Repblica.6 No entanto, a introduo da

    noo de intuio intelectual, talvez seja o reflexo

    do impacto causado pela leitura do Fedro em Hl-

    derlin, conforme o registro da Carta a Neuffer datada

    de 10 de outubro de 1794, na qual o poeta alemo

    prope desenvolver um estudo voltado para a abor-

    dagem esttica: Talvez eu possa te enviar um texto

    sobre as ideias estticas, pois ele pode valer como

    um comentrio sobre o Fedro de Plato (Smtliche

    Werke III, p. 157). A aluso ao dilogo platnico

    permite-lhe instaurar a experincia da beleza em duas

    vias distintas e afins entre si, a da sensibilidade e

    a da inteligibilidade, elementos que possibilitam a

    passagem da experincia para a ideia.

    No contexto platnico, a apreenso do belo se

    d por meio da mediao entre ordens distintas de

    beleza, nesse processo, a beleza invisvel necessita

    da viso da beleza visvel para realizar o processo

    ascensional, enquanto a estrutura hlderliana carece

    da dimenso esttica para atingir a dimenso eid-

    tica. No conjunto de cartas fictcias que compem o

    Hiprion, o poeta retoma a relao ertico-dialtica

    presente na ascese amorosa da sacerdotisa de Manti-

    neia, na qual Plato rene desejos das mais variadas

    natureza, no processo de elaborao da noo de

    belo. Atravs dos passos da ascese, o filsofo grego

    mostra que a natureza do amor boa e no neutra,

    abstrata, assexuada ou insensvel, pois no contex-

    to platnico, ros o impulso capaz de permitir

    ao psiquismo se libertar do belo restrito ordem

    do contingente e redirecionar o seu desejo para a

    forma da beleza, o que no representa em nenhum

    momento a sublimao dos desejos ou das paixes de

    natureza instintiva, mas antes a sua potencializao.

    Imagens de Diotima em Plato e Hlderlin

    Na concepo platnica do Banquete,7 atingir

    o ltimo estgio da ascese, significa redirecionar o

    4. Smtliche Werke I, p. 219-

    220. Para efeito de citao de

    A juventude de Hiprion, utilizo

    a traduo de Vaccari (2012,

    p. 145).

    5. Scrates ressalta este aspecto

    para Agaton, em Banquete 201c:

    Se portanto o Amor carente do

    que belo, e o que bom belo,

    tambm do que bom seria ele

    carente.

    6.No livro IV da Repblica, Plato

    j apresenta a estrutura tripartite

    do psiquismo, contudo no

    livro IX que ele se deter mais

    atentamente sobre a questo:

    Uma parte, afirmamos, aquela

    pela qual o homem aprende

    (manthanein), a outra aquela

    pela qual surge dentro dele a

    impetuosidade (thymouthai), e

    a terceira aquela qual, por

    ser multiforme, no pudemos

    referir-nos com um nome que

    fosse nico e prprio dela, mas

    a denominamos pelo que ela tem

    de maior e mais forte dentro de si

    e a chamamos de parte apetitiva

    (epithymetikon) por causa da

    veemncia (sphodroteta) dos

    desejos relativos ao comer, ao

    beber e aos amores (aphrodisia)

    e todos os desejos que derivam

    daqueles; ns a dizemos tambm

    amiga do dinheiro, porque mais

    com o dinheiro que tais desejos

    so satisfeitos (580D-581A).

    7.Para efeito de citao do dilogo

    Banquete, utilizarei a traduo de

    Jos Cavalcante de Souza, editada

    pela DIFEL, devidamente cotejada

    com a traduo de Luc Brisson,

    editada pela GF Flammarion.

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    olhar do iniciado nos mistrios do amor, o philso-

    phos, para o

    vasto oceano do belo e contemplando-o (theorn),

    muitos discursos belos (kalos lgous) e magnficos ele

    produza, e reflexes, em inesgotvel amor sabedoria

    (philosophai), at que a robustecido e crescido con-

    temple ele uma certa cincia, nica, tal que seu objeto

    o belo seguinte (210D-E).

    Somente a viso do belo em si, propiciada pela

    mais bela cincia, a dialtica, capaz de impulsionar

    o desejo de conhecer as belas virtudes e os discursos

    verdadeiros, por ser o plano no qual j no existem

    imagens da beleza visvel, mas unicamente a forma

    invisvel do belo. Se na dinmica da ascese de S-

    crates/Diotima, o plano ontolgico marcado pelo

    predomnio da ideia, da pura abstrao, por sua vez,

    o plano lgico carece da imagem para pensar e dizer

    o real. Na elaborao do ros dialtico, o impulso

    voltado para a forma da beleza representa a neces-

    sidade de o desejo reconhecer o objeto prprio de

    seu desejo, o belo na forma (210D), como indica o

    processo culminante da ascese ertico-dialtica, na

    qual o iniciado nas coisas relativas ao amor, a partir

    de degraus passa do amor dos belos corpos, aos

    belos discursos, aos belos ofcios, as belas leis, as

    belas cincias, a mais bela cincia, a dialtica, para

    atingir a viso do belo que invarivel e uniforme. O

    reconhecimento, portanto, a culminncia da ascese

    dialtica, que pode ser pensada como o processo no

    qual o psiquismo redireciona o olhar, restabelece

    valoraes, prioridades, reordena o desejo, tal como

    encontramos no livro IX da Repblica, para buscar a

    prpria verdade do desejo.

    Na dramatizao do elogio de Scrates, a

    insero da sacerdotisa de Mantineia na trama do

    dilogo marcada pelo tom de uma presena-ausn-

    cia, elemento retomado por Hlderlin no processo

    de composio de sua Diotima. Se no Banquete, o

    mestre de Plato resgata para o cenrio da casa

    de Agaton, um palais lgos sobre os mistrios do

    amor, dito a ele por Diotima, quando era ainda muito

    jovem, que por sua vez remete ao canto ertico-

    -amoroso de Safo, em que o personagem do Fr. 50

    LP prope: belo, na durao de um olhar quem

    belo;/ o valoroso para sempre h de ser belo; no

    caso de Hlderlin, as cartas e poemas a Diotima so

    escritos e publicados aps a morte de sua amada,

    resgatando os ecos do discurso ertico-dialtico da

    sacerdotisa de Mantineia. Pode-se observar tanto no

    filsofo grego como no poeta alemo um processo

    de ressignificao e atualizao do discurso em

    torno da personagem e do que ela representa para

    cada um deles, o discurso sobre a beleza e a ideia

    da beleza. Tal elemento pode ser observado ao final

    do Prefcio Penltima verso de Hiprion, na qual

    o autor defende a necessidade de se resgatar o vn-

    culo com a natureza, para se colocar um fim nessa

    eterna contradio entre ns mesmos e o mundo

    (2012, p. 26). O restabelecimento da harmonia com

    a natureza exige que se possa reunir a ela em um

    todo infinitamente uno (id., p. 27).

    Com o reinado da razo, praticamente im-

    possvel alcanar o lugar onde tudo um (id.),

    para atingir tal intento necessrio voltar s origens

    e resgatar a noo de uno e todo (hen kai pan). No

    contexto platnico, o espao privilegiado para se

    pensar o todo e a unidade, a ideia de beleza, que

    precisa ser pensada a partir de um duplo registro,

    o da ordem moral e o do belo em si. Na estrutura

    hlderliana, a beleza no pode ser determinada

    apenas a partir de um prazer esttico, pois isto

    significaria negar a prpria possibilidade de ela

    ser pensada a partir de um registro ontolgico, at

    porque na concepo de Hlderlin, o ser existe e

    se mostra sob a forma da beleza, como se estivesse

    anunciando um novo reino onde a beleza seja

    rainha (id., id.). Ou como ele prope na abertura

    do poema Diotima (1994, s/p):

    Morto h muito tempo, e a cismar sobre si mesmo,

    O meu corao est a saudar a beleza do mundo

    Com ramos que do flor e do botes,

    E o vio de uma seiva nova.

    J estou a voltar vida, oh!

    Na segunda verso do Hino beleza,8 de 1792,

    o poeta refora a mesma imagem propondo que

    a beleza em sua forma original reina para alm

    do rion, o que nos permite pensar que Hlderlin

    como Plato, situa a beleza entre a sensibilidade e

    o intelecto, no sentido de ressaltar que a dimenso

    8. Para efeito de citao do Hino

    Beleza utilizo a traduo de

    Vaccari (2012, p. 38-39).

  • 136

    esttica, por si mesma, no capaz de dar a ideia

    do todo, pelo fato de a experincia esttica se

    instaurar no campo das representaes e no no

    da formulao de ideias. A relao entre razo e

    sensibilidade encontrada no poema Hino beleza,

    rene em torno de si as noes de beleza, bondade

    e verdade, trazidas por Hlderlin da fonte originria

    que as gerou, o dilogo sobre o amor, no qual Plato

    tece a imagem de Diotima como a responsvel pelo

    processo de iniciao do jovem Scrates, mesclando

    na sua fala a linguagem dos mistrios e o discurso

    dialtico, processo a ser observado nos passos da

    ascese cuja culminncia conduz revelao do es-

    petculo da verdadeira beleza, conforme a mulher

    de Mantineia aponta a seu jovem discpulo:

    Aquele, pois, que at esse ponto tiver sido orientado

    para as coisas do amor (t erotik), contemplando

    seguida e corretamente o que belo, j chegando

    ao pice dos graus do amor, sbito perceber algo de

    maravilhosamente belo em sua natureza (tn phsin

    kaln) (210E).

    Na figura de Diotima traada por Hlderlin, o

    poeta alemo parece retomar tanto a passagem aci-

    ma citada como a sua continuidade, na qual a mestre

    de Scrates Diotima define a verdadeira natureza do

    belo como algo que aparecer para ele mesmo, por

    si mesmo, consigo mesmo, sendo sempre uniforme,

    enquanto tudo mais que belo participa (metkhon-

    ta) de um modo tal, que, em nada ele fica maior ou

    menor, nem nada sofre (211B). A caracterizao da

    Diotima hlderliana abrange as duas dimenses que

    envolvem a composio da personagem platnica,

    a da ascese ertico-dialtica como j foi mostrado

    e a do mito de Eros, o deus do Amor.

    No mito da origem de ros (203a-204a),

    Scrates redimensiona as noes de carncia,

    saciedade e complementao presentes no elogio

    de Aristfanes, para quem o amor o desejo e a

    procura do todo (193A), cada ser primordial an-

    seia por encontrar sua metade e unir-se a ela, para

    reconstituir a antiga unidade perdida. Na fala de

    Diotima, a noo de carncia ressignificada, para

    ela no nem da metade o Amor, nem do todo

    (205E), pois o Amor o amor de consigo ter sempre

    o bem (206A) e o belo. O ros dialtico toma como

    objeto do desejo no mais o belo visvel, no qual

    predomina a dimenso desejante, mas o belo invi-

    svel direcionado para a dimenso intelectiva. Sob

    a nova perspectiva, ros no nem belo nem feio,

    nem bom nem mau, nem sbio nem ignorante, nem

    mortal nem imortal, sua ambiguidade possibilita que

    ele venha a ser definido como um damon, ser me-

    diador, elemento resgatado de sua prpria condio

    originria. Filho de Pros e Pena, representaes

    da abundncia (primos) e carncia (aporan) de

    recursos, ros naturalmente um amante do belo

    como refora a definio de Diotima: o amor amor

    pelo belo (204B), o que permite a associao de

    sua imagem com a do verdadeiro erasts, o filsofo

    (philsophos), em razo de seu desejo incondicional

    pelo belo e pelo bem.

    Conforme observei anteriormente, a recepo

    direta do mito platnico de Eros em Hlderlin apa-

    rece na abertura de A juventude de Hiprion, verso

    do romance Hiprion escrita durante a estadia do

    poeta em Jena, em 1795, na qual o poeta ressalta:

    A misria da finitude est inseparavelmente unifi-

    cada em ns com a abundncia da divindade. Podemos

    libertar o impulso de nos propagar, mas nunca neg-lo;

    isso seria animalesco. Mas tampouco podemos ufanar-

    -nos orgulhosos do impulso de nos tornar limitados,

    de sentir. Pois isso no seria humano e mataramos

    a ns mesmos. resistncia do impulso que ningum

    pode resistir, junta-se o amor, filho da abundncia e da

    misria. O amor luta infinitamente pelo melhor e pelo

    mais elevado, seu olhar segue para adiante e seu alvo

    a plenitude, pois seu pai, a abundncia, pertence ao

    gnero divino. Mas se ele colhe as amoras em meio aos

    espinhos e junta as heras do retolhal da vida, e se um

    ser amigvel lhe estende um gole num dia jovial, ele no

    desdenha a caneca de barro, pois sua me a escassez

    (2012, p. 145).

    Na passagem em questo, Hlderlin procura

    reintegrar ao debate de sua poca a noo de carn-

    cia, elaborada por Plato na estrutura da sequncia

    de elogios do Banquete, contudo revalorizada no

    de Scrates, conforme ressaltei anteriormente, por

    encontrar-se diretamente associada ao desejo do

  • desgnio 13

    137

    jul/dez 2014

    filsofo por algo que no prprio de sua natureza e

    pelo qual anseia: a beleza, a bondade e a sabedoria.

    Tal como Plato, Hlderlin atribui que o movimento

    em direo ideia do belo, se efetua por meio do

    impulso gerado por ros, que j traz nas suas origens

    a condio mediadora, como se pode observar nos

    seguintes versos do poema Hino beleza:

    No jurou minha alma para ti,

    Fidelidade, musa encantadora!

    [...]

    Ah! Assim peregrino eu sem tremor,

    Por meio do amor livre,

    Em direo s alturas austeras,

    Onde em vida eternamente jovem

    Florescem coroas para o poeta.

    Nos versos supracitados, a imagem da ascese

    de Diotima retomada pela persona do poema. Seu

    desejo de atingir a verdade da beleza, a leva a redi-

    recionar seu olhar para a forma originria da beleza,

    aproximando-se dela e deixando-se enlevar pelo seu

    brilho. Contudo, a experincia esttica, o momento

    originrio da ligao entre a ordem do sensvel e a

    do inteligvel, no encontrada no plano das ideias,

    mas no das sensaes. No jogo lingustico do Hino

    beleza, Hlderlin dota o poeta do mesmo dom dado

    ao filsofo por Plato, o tomar a beleza como objeto

    de sua apreciao, retomando o modelo platnico,

    o autor d sinais de que somente por meio de um

    processo de descese, se conseguir reconhecer na

    beleza sensvel os reflexos da beleza originria,

    conforme colocado na quarta estrofe do Hino

    beleza: Voc desce ento para a terra,/ Rainha em

    trajes resplandecentes!, no entanto, para atingir

    a devida percepo desta viso necessrio con-

    valescer o olhar pelo amor. A recepo da ertica

    platnica gritante neste poema, como se o poeta

    estivesse a dizer que para associar Diotima ideia

    da beleza, ele necessitou da viso de sua beleza

    natural, em um vis platnico, isto significa atribuir

    que o inteligvel necessita da viso do sensvel para

    dizer o que uno e todo. A quinta estrofe do Hino

    beleza refora com clareza a noo hlderliana

    do prazer esttico como um dom prprio do poeta:

    J nas verdes proximidades da terra

    Experimentei elevado pr-prazer;

    Na boca divina, estremecendo,

    Bebi antes da hora da colheita

    [...]

    Consciente da magia de seu amor.

    Sob o efeito da paixo, isto , movido pelo

    impulso do amor, o poeta dedica a sua pseudo-

    -Diotima, uma srie de poemas e cartas nas quais

    mescla a imagem da personagem ideia da beleza

    ou como ele acentua no poema Diotima:

    Ento, do seio do Ideal da perfeio,

    E, como cados do cu, ho de voltar-se

    a mim a fora e a coragem.

    E tu ters aparecido, brilhante,

    Imagem do divino na minha noite.

    No Hiprion, o protagonista do romance pare-

    ce sussurrar a seu interlocutor, Diotima, Diotima,

    essncia celeste (2012, p. 83). A passagem em

    questo comumente associada a um vnculo de

    Hlderlin com o sagrado, no entanto considero tal

    interpretao um tanto quanto precipitada, por ela

    descartar um elemento extremamente precioso, o

    fato de o poeta alemo ter sido um leitor atento do

    filsofo grego, aspecto que transparece no discurso

    acerca da persona de Diotima, seja no Hiprion seja

    nos poemas envolvendo o seu nome.

    A recepo do discurso ertico do di-

    logo Banquete no romance Hiprion muito

    marcante, sobretudo na carta em questo, pelo

    fato de Hlderlin reunir na figura da herona de seu

    romance, as noes de amor e beleza, elementos

    retomados do discurso da Diotima de Plato, no

    qual a sacerdotisa de Mantineia define o amor

    como o desejo da gerao e da parturio no

    belo (Banquete 206E), por ser o amor, o desejo de

    imortalidade no que , para sempre, o mesmo, o

    bem e o belo. Na construo dos elementos tericos

    envolvendo a imagem de Diotima, Hlderlin a pensa

    insistentemente como a representao da ideia do

    belo, fato a ser observado na carta a Belarmino,

    em que Hiprion se dirige a seu interlocutor em

    tom confidencial: Sabeis o seu nome? O nome do

  • 138

    que tudo e um? Seu nome beleza (2013, p.

    82) e sua presena tornava tudo sagrado e belo

    (idem) ou ainda: Milhares de vezes disse a ela

    [Diotima] e a mim: o mais belo tambm o mais

    sagrado. E assim era tudo nela. Como o seu canto,

    tambm a sua vida (p. 87). A passagem em questo

    mostra um regresso do autor noo de pr-prazer

    anunciada no Hino beleza, no entanto concebo

    que a experincia esttica no contexto hlderliano

    no representa apenas o ponto de confluncia do

    sensvel e do inteligvel, mas ela parece se mostrar

    como o momento originrio que impulsiona para

    o sensvel ou para o inteligvel, uma vez que ele

    concebe o poeta como sendo o mais indicado para

    vivenciar a experincia esttica, porque nele se

    renem imaginao e gnio criador.

    Para concluir, ressalto que a perspectiva aqui

    apresentada permite mostrar o quanto a recepo de

    Plato ultrapassa a esfera do mundo grego, encon-

    trando em Hlderlin um leitor disposto a se expor

    e contrapor as formulaes tericas de sua poca

    ao resgatar as noes platnicas de amor e beleza,

    sensvel e inteligvel, consideradas indigestas ou

    at mesmo deslocadas no debate de seu tempo.

    O fechamento do Prefcio penltima verso do

    Hiprion (2012, p. 27) parece sinalizar para uma

    espcie de mea culpa da modernidade para com a

    tradio grega clssica: Creio que ao final todos ha-

    veremos de dizer: Santo Plato, perdoa-nos! Contra

    ti pecou-se gravemente. Ressalto ainda que o trao

    marcante de Diotima, seja a de Plato ou a de Hl-

    derlin, diz respeito mediao proposta por Billings

    (2010, p. 5) entre ser e no-ser, ou melhor, a

    ausncia que se torna presena, no Banquete e no

    Hiprion, por meio das reflexes erticas dos jovens

    Scrates e Hiprion, personagens responsveis pela

    ressignificao do discurso sobre o amor e a beleza.

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