106 Anos -...

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106 Anos

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106 Anos

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Boletim

IN SION

Ano 2 N. 16

Setembro de 2018

Equipe de Eventos da

Congregação

Rua Costa Aguiar, 1266

São Paulo - SP

[email protected]

sion.org.br/boletim-in-sion

“Que alegria quando me disseram, vamos à casa do Senhor” - diz o responsório do Sl 121. Que alegria é celebrar o mês de setembro, pois é neste período que celebramos uma das datas mais importantes para a Congregação de Sion, a chegada de Pe. Maria a Jerusalém em 1855 e dos 3 missionários de Sion ao Brasil há 106 anos. “Filha de Sion, como tua vocação é grande”, diria o Pe. Maria ao fitarem seus olhos a Terra da Promessa. Ao colocar seus pés em Israel, Pe. Maria realiza a vocação da Congregação de Sion, uma vez que “In Sion firmata sum” (Ecle 24,10). Pe. Maria reconhece que em Jerusalém nasce a Torah, a Revelação, as Promessas, e que a Igreja recebeu por meio de Jesus Cristo a sua missão. No IN SION XVI, continuamos com nossa proposta de trazer à tona fatos da nossa história congregacional por meio da análise e tradução de correspondências e outros documentos antigos de nosso arquivo. Neste número, podemos ler relatos da ordenação do Padre Maria, sobre a sua chegada a Jerusalém, escrito pelo Ir Maycon, um artigo especial do Irmão Pierre sobre a importância do conhecimento do judaísmo para o cristão, um relato missionário do Padre Charles Hoare, e uma meditação do Padre Theodoro Ratisbonne sobre a natividade de Nossa Senhora. Que o conhecimento de nossa história nos firme cada vez mais em nossa vocação de Sion. Shaná Tová Umetuká, Feliz 5779! Shalom!

EDITORIAL

Afonso Ratisbonne

Laval, 3 de setembro de 1848 “Embora esteja ainda em retiro até amanhã depois de minha primeira Missa, não posso deixar de acrescentar uma palavra à carta de meu irmão para agradecer-lhes as boas orações feitas por mim e que me sustentaram. Envio-lhes minha primeira benção; dou-a do fundo de minha alma e amanhã na primeira Missa não as esquecerei.”

Theodoro Ratisbonne

Laval, 23 de setembro de 1848 “É meio-dia, saio da cerimônia da Ordenação com o coração cheio de felicidade e alegria. A cerimônia realizou-se na capela interna da casa dos jesuítas, a fim de evitar afluência de fieis e curiosos. Não quiseram admitir ninguém de fora, nem mesmo o vigário e o clero da cidade, para que não houvesse invejosos. Entretanto, excetuaram desta medida geral duas famílias, a família Lelasseur e a família de Sion. Esta lá estava nos lugares de honra, como se fossem cônegas honorárias acompanhadas pela Superiora Geral e a Assistente de Evron [estas são as Irmãs Sophie e Alphonsine]. Incubi-las-ei o cuidado de dar-lhes os detalhes que podem desejar. Eu só tenho um instante para escrever. Meu feliz irmão está a meu lado e quer acrescentar algumas palavras. Ei-lo sacerdote do Senhor, armado para os santos combates, investido de todos os poderes de Jesus Cristo e disposto a usar deles largamente. Amanhã, domingo celebrarei a missa das 5h e às 5h30 subirei

novamente ao altar com o Pe Maria que oferecerá pela primeira vez o

santo sacrifício e esta primeira missa será oferecida a Nossa Senhora de

Sion. Sinto que todos os corações estão estreitamente unidos a nós e eu

lhes envio numerosas bênçãos e afetuosas lembranças.”

RELATOS DA ORDENAÇÃO DE PE MARIA

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12 DE SETEMBRO DE 1855

Maycon Custódio, nds

Filha de Sion, como tua vocação é grande: a chegada do Pe Maria em Jerusalém em setembro de 1855

O mês de setembro traz recordações significativas para os Religiosos de Sion. Em 17 de setembro a Região Brasil lembra a chegada dos primeiros religiosos de Sion ao Brasil, há 106 anos. No entanto, queremos lembrar, de maneira especial, a chegada do Pe. Maria Afonso Ratisbonne a Jerusalém, ocorrida em 12 de setembro de 1855, portanto, há 163 anos. Pe. Maria consagrou toda a sua vida a Jerusalém e não é sem motivo que podemos afirmar que é em Jerusalém que a vocação de Sion encontra sua razão de ser. Apresentaremos agora algumas cartas do Pe. Maria por ocasião de sua chegada a Jerusalém.

Carta de 16 de dezembro de 1855, às Irmãs de Jerusalém

Este longo relato da chegada do Pe. Maria a Jerusalém deve ser lido dentro de um contexto maior. Vale lembrar que sua estadia em Roma em janeiro de 1842 fazia parte de uma viagem que devia concluir-se em Jerusalém. O jovem Afonso Ratisbonne deixa sua cidade com intenção de chegar a Jerusalém em 17 de novembro de 1841 e só concluiu seu desejo em 12 de setembro de 1855. No entanto, sabemos que entre a data de saída de sua cidade e a chegada a Jerusalém aconteceu o 20 de Janeiro, que muda completamente a perspectiva de vida do jovem Afonso. Desta carta queremos colher a emoção que Afonso Ratisbonne sente ao chegar a Jerusalém. Eis suas primeiras palavras: “Esta não é mais uma viagem imaginária. Eu estou em Jerusalém, meus olhos contemplam realmente o maravilhoso e angustiante espetáculo da Cidade Santa; meus pés estão tremendo sobre esta terra bendita e maldita; eu toco com minhas mãos os lugares com a fé mais sagrados e mais criminosos do mundo. Mas, como posso lhe devolver o que eu experimentei ao chegar a Jerusalém?” No dia 12 de setembro, quarta-feira, ele anota o seguinte: “Oh queridos amigos! Impossível, impossível para sempre vos dizer o que se passa dentro de todo o meu ser – quais batimentos do coração – qual impaciência – quais doces lágrimas – quantos calafrios! Enfim, o último montículo cruzado. Aqui estás! Jerusalém!... é tu, eu te reconheço. Eu estava te esperando nas mais vivas emoções, mas não é nada perto do estremecimento que

de repente me pega.” Em seguida continua o Pe. Maria o seu relato cheio de

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alegria e contentamento por estar na Cidade Santa: “Eu caí do cavalo, como ferido por um relâmpago – minha testa estava na poeira!... Jerusalém! Jerusalém!

Jesus! Oh, como vós nos amastes! Oh Maria, oh Sion. Pater Dimitte illis! Vós estáveis todos aqui comigo, queridos amigos, não muitos juntos. Eu queria poder ter neste momento braços capazes de abraçar Jerusalém toda inteira e pressioná-la no meu coração – Jerusalém, oh como eu te amo. Oh, meu adorável Salvador. – Ó Maria, mãe das dores, é aqui que vós realizastes junto a ordem de nossa salvação. Na amargura, nos sofrimentos, nas humilhações”. Padre Maria continua este relato narrando os lugares que conhecera na cidade de Jerusalém, onde ele já se sente em casa. Seus escritos deixam entrever que ele já desde sua chegada via um grande futuro para Sion em Jerusalém: “Após dez minutos de caminhada, nós chegamos à porta da cidade – um imenso rebanho de ovelhas e de cordeiros nos precedia – sobre esta terra simbólica e profética, eu vejo esta circunstância como um feliz prognóstico”. Há algo importante a ser percebido logo no início desta carta. Os destinatários citados são: “Aux Pères, Frères, Mères, Soeurs et amis de Sion”. Vale destacar dois: os Padres e irmãos e os amigos de Sion. Padre Maria chega a Israel como membro da Sociedade São Pedro de Sion, cujo superior era o irmão, Pe. Theodoro. Lembremos que esta Sociedade obteve seu decreto laudativo no dia 14 de dezembro de 1852. É interessante notar que a saída do Pe. Maria da Companhia de Jesus se deu exatamente 4 dias depois da publicação deste Decreto, em 18 de dezembro de 1852. Ele foi fundador junto com Theodoro e, por assim dizer, ao mesmo tempo foi o primeiro membro de Sion. Todos os trabalhos que ele fez em Jerusalém – seja a Casa para as Irmãs ou para os Irmãos, as obras de Educação, a Basílica do Ecce Homo, Ein Karen, Ratisbonne, a aquisição das propriedades – tudo, exatamente tudo o que ele fez, ele o fez enquanto membro desta Sociedade dos Sacerdotes de São Pedro de Sion.

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Apesar de ser de uma família de ricos banqueiros, a ação do Pe. Maria em Jerusalém só pôde se desenvolver pelos laços de amizade que ele tinha em toda a Europa, o que lhe possibilitou erguer o Ecce Homo, construir escolas, casas de veraneio, compra de terrenos para congregações, etc. Em vista de manter pessoas informadas é que o Pe. Maria criou os Anais da Missão de Sion na Terra Santa, que circularam na Europa durante diversos anos. Ele faz seis viagens à Europa justamente com o intuito de conseguir alguma ajuda para a missão de Sion em Jerusalém. Sion nasceu já com um “ramo” de leigos engajados, de amigos de Sion.

Carta de 1-4 de fevereiro de 1856 – “Pe. Maria, você está em Jerusalém”

Passemos à segunda carta, datada de “1-4 de fevereiro de 1856”. Escrita cinco meses após a anterior, Afonso continua extasiado pelo fato de estar em Jerusalém. Suas palavras parecem indicar uma pessoa recém-chegada à Cidade Sagrada: “Eu estou em Jerusalém! É uma posição para a qual eu não consegui me habituar. Vinte vezes por dia, eu me digo com uma exultação de emoção: Eu estou em Jerusalém! – Padre Maria, você está em Jerusalém! Graça especial. Realização de meu único sonho e de todos os meus desejos. Estou enganado. Há dentro desta exclamação, quão preciosa é para o meu coração, um lado incompleto, e uma palavra tão cheia de suspiros!” A passagem de Afonso Ratisbonne por Jerusalém deveria durar pouco tempo. Ele devia retornar para Paris, onde seu irmão Theodoro o espera. Mas, Afonso tarda em retornar para Paris. Malgrado os questionamentos de Paris sobre quando seria seu retorno, Afonso está em Jerusalém e seu coração já imagina uma obra de Sion na Cidade Eterna. Respirando os primeiros ares de Jerusalém, Afonso Ratisbonne já desejou uma fundação de Sion naquela Cidade. Assim ele o expressa na mesma carta: “Eu estou em Jerusalém... Este Eu é uma palavra anti-sion. Este pronome pessoal em seu estado singular lembra-me muito bem meu isolamento. Quando então eu poderei dizer Nós! Nós estamos em Jerusalém! Quando será isto, querida Madre e

queridas irmãs? Eu não sei de nada. Deus somente o sabe. Ele somente conhece a data precisa deste grande dia, e o momento marcado em seus decretos. Quanto a mim, tanto quanto eu sei, é que, até que chegue este dia profetizado e tanto desejado, eu não terei nem trégua, nem descanso”.

Esta carta, como a precedente, é composta de várias descrições e impressões que Afonso tem de Jerusalém, de pessoas, de lugares e

situações. As duas correspondências (de dezembro de 1856 e fevereiro de 1865) lidas em conjunto ajudam a entender bem o panorama da chegada em Israel e da instalação de Sion a Jerusalém através do Pe. Maria Afonso Ratisbonne. P ara f inal izar , dese j ar ia apresentar uma curta carta do Pe. Maria destinada “aos Padres, Madres e Irmãs” da Comunidade de Jerusalém. Ele a escreve de Jaffa (Israel), como que para exaltar a obra de Sion em Jerusalém. Nesta carta ele nos deixa transparecer sua impressão sobre a missão de Sion em Jerusalém. O conteúdo da carta é o que segue na íntegra: “Jaffa. Domingo, 4º dia do mês de Maria de 1856. Meus queridos padres, minhas queridas madres, minhas queridas irmãs

e minhas queridas filhas de Sion. Pax Christi. Estou sonhando? Estou acordado? Eu não sei. Estou trêmulo de emoção. Quanto Maria é boa! Quanto ela é poderosa! Memorare – ó piíssima Mãe! Jerusalém!!! A Terra Santa parece tremer, como um morto que ressuscita. Filha de Sion como tua vocação é grande! Quanto ela é sublime. Rezemos. Eu não preciso acrescentar mais nada. Eu me sufoco. Querida Montanha de Sion, que a bênção de Deus do alto desça sobre você e fecunde todos os germes de graça que Maria própria depositou no teu seio”. “Filha de Sion, como tua vocação é grande”. Sion é Jerusalém! Fazer memória da chegada do Pe. Maria em Jerusalém é para nós um momento de grande alegria. É mesmo algo fundamental para nossa Vocação como Congregação. Nossa consagração como Religiosos de Sion nos leva a reconhecer nossa presença em Jerusalém como presença profética. Mesmo que não estejamos presentes fisicamente em Jerusalém junto aos nossos irmãos que lá habitam (temos duas comunidades: Ein Karen e Ratisbonne) podemos estar ligados a eles por nossa oração, valorização do trabalho que eles realizam e também através de nossa consideração do valor de Jerusalém para a fé de Jesus e de Seu povo.

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Pierre Lenhard, nds

Jesus dá-nos a resposta quando diz à mulher samaritana: "A salvação vem dos judeus" (Jo 4,22). Jesus provavelmente pensa na profecia de Isaías (Is 2.1-3) que, por sua vinda, está sendo cumprida: “Eis que sucederá no fim dos tempos que a montanha da Casa do Senhor será estabelecida no cume das montanhas... Então todas as nações afluirão a ela, assim muitos povos dirão: 'Vinde, subamos à montanha do Senhor, à casa do Deus de Jacob, que Ele nos ensine os seus caminhos, e nós seguiremos pelas suas vias.’ Pois de Sion vem a Lei (Torá) e de Jerusalém a Palavra do Senhor”. Deste versículo, se conclui que a Torá é a Palavra do Senhor. Esta Torá foi recebida por Moisés no Sinai e por ele foi transmitida para uma sucessão de discípulos (Mishná Abot 1,1). É Jerusalém-Sion que, a partir de Davi, dará continuidade ao Sinai, que será o lugar da Casa do Senhor e da dinastia de Davi (2Sm 6 -7). É desta dinastia que o Messias sairá. A Sabedoria que o Eclesiastes elogia não é outra senão a Torá promulgada por Moisés (Si 24,23); ela diz de si mesma: "Em Sion eu me estabeleci [In Sion firmata sum] (Si 24, 10), que se tornou o lema das Congregações de Nossa Senhora de Sion. Sim, 'a salvação vem dos judeus'. Esta palavra surpreende alguns cristãos. Ela expressa, entretanto, o pensamento de Jesus e a Igreja Católica é fiel ao seu Senhor, quando ensina, desde o Concílio Vaticano II, que a Antiga Aliança não foi revogada e quando ela pede para estudar o judaísmo.

Mas o que é o judaísmo? O judaísmo é a religião de "todos os judeus" (Mc 7,3) que seguem a "Tradição dos Anciãos" ainda hoje recebida e transmitida pelos mestres fariseus e seus sucessores, os rabinos. É deste judaísmo que a Igreja fala quando ela recomenda seu estudo. Há ainda, entre católicos e protestantes, diferenças no modo de compreender e apreciar a 'Tradição dos Antigos'. Para a Igreja Católica, é certo que esta Tradição dos Antigos é a Palavra de Deus, assim como a Escritura, quando é discutida, controlada e adotada por todos os cristãos de acordo com o ensinamento do Magistério. A valorização da Tradição como Palavra de Deus é o elemento fundamental do "patrimônio comum" dos judeus e cristãos, que a Igreja, desde o Vaticano II, recomenda fazer um levantamento (Nostra Aetate n.4). Na verdade, é com base no judaísmo farisaico-rabínico que São Paulo recebeu e transmitiu como a Palavra de Deus o Evangelho primitivo. Este evangelho, pregado oralmente, anuncia a ressurreição de Jesus Cristo (1Cor 15). A oralidade da Torá e a ressurreição dos

PORQUE ESTUDAR O JUDAÍSMO

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mortos são ensinadas pelos fariseus antes da vinda de Jesus Cristo. Eles são negados pelos saduceus antes da vinda de Cristo e no debate que eles têm com ele, de acordo com os Evangelhos Sinóticos (Mt 22, 23, Mc 12, 18, Lc 20, 27). Este "Patrimônio Comum", cuja fundação acabamos de reconhecer, é muito amplo. Antes de indicar alguns de seus componentes principais, é bom estabelecer a base judaica escutando alguns mestres judeus: Simão, o Justo, Hillel, o Ancião, nosso próprio Mestre Jesus e Hanania ben Aqashia. Simão, o Justo, que poderia ser o Sumo Sacerdote de quem fala Eclesiástico (Si 50), disse: 'O mundo é baseado em três coisas: A Torá, Serviço (o culto), a troca de ações inspiradas pelo 'amor' (Mishnah Abot 1, 2). A Torá é a Palavra de Deus, é o Ensinamento que toca seu propósito quando a chuva (Yoreh) atinge a terra e a torna fértil. Esta Torá vem de Deus. Moisés a recebeu no Sinai e a transmitiu (Mishná Abot 1,1). A 'Torá de Moisés' é a 'Torá do Senhor' (Esd 7, 6,10, Lc 2, 22-23). Israel recebe esta Torá para vivê-la e dar testemunho dela no mundo. 'O serviço (Abodah)' é o culto prestado a Deus no templo de Jerusalém, 'culto de altar', que inclui a oferta de sacrifícios. É também, mais amplamente, a Oração (Tefillah) que hoje, após a destruição do Templo e a suspensão dos sacrifícios, toma o lugar dos sacrifícios. O Serviço também poderia ser, de acordo com alguns mestres, o Talmud Torá, isto é, o Estudo-Ensino da Torá, que será discutido mais adiante. 'A troca de ações inspiradas pelo amor (Gemilut hasadim)' é o amor ao próximo que resume 'toda a Torá', de acordo com Hillel, o Ancião (TB Shabbat 30 b-31a), ou 'a Lei (Torá) e os Profetas’, de acordo com Jesus, se reduzem ao amor ao próximo (Mt 7,12; Mc 12, 31). Outra frase também serve para resumir a essência do judaísmo. É atribuído a 'Rabbi Hanania ben Aqashia que disse: 'O Santo, bendito seja Ele, queria fazer Israel merecedor. É por isso que ele multiplicou para eles a Torá e os mandamentos, como é dito (Is 42, 21): “O Senhor queria, por causa de Sua justiça (a justiça do Servo, Is 42, 1, Israel Is 49,3) fazer a Torá crescer e brilhar '(Mishnah Makkot 3, 16). Esta frase enfatiza os dois aspectos da Torá, a Torá Una que inseparavelmente une o conhecimento de Deus e a obediência aos seus mandamentos. A Escritura que descreve a conclusão da Aliança (a Antiga Aliança do Sinai que não foi revogada) une esses dois aspectos: “O Senhor diz a Moisés (Ex 24:12): 'Sobe a mim no monte e fica lá, que eu te dou

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as tábuas de pedra, a Torá e o mandamento.” De fato, a Torá é o mandamento, a lei da vida (Dt 30, 11). Mas a prática do mandamento, de todos os mandamentos, requer de antemão um conhecimento de Deus que se obtém pelo Estudo-Ensino, pelo Talmud Torá que se designa simplesmente, de acordo com o contexto, como o Talmud ou como a Torá. Esses dados básicos, recebidos do judaísmo, fazem perceber a extensão do "Patrimônio Comum". A Igreja nos convida a "fazer um inventário" desse patrimônio; indica certos elementos para preparar o caminho para outras descobertas. Nós enfatizamos a importância do valor dado à Tradição como a Palavra de Deus, como a Torá oral, que precede, gera, acompanha, interpreta e completa a Escritura, a Torá escrita. Vimos que essa Tradição ensina a ressurreição dos mortos. Veremos que esse ensinamento é dado com ou sem apoio nas Escrituras; isso permanece atual para proclamar na Igreja a ressurreição de Jesus Cristo. A Tradição de Israel estabelece e organiza a oração individual e comunitária de dias e festas comuns. As Festas de Peregrinação, especialmente a Páscoa judaica e o Pentecostes, iluminam a Páscoa e o Pentecostes em sua raíz. Acima de tudo, o sábado, o Sétimo Dia da semana, cuja prática é reservada aos judeus, é o fundamento do domingo que é o dia da ressurreição de Jesus Cristo, o 'Dia do Senhor', o Oitavo dia que coroa os 7 dias da semana sem fazer par com eles, o primeiro dia da semana, o primeiro dia dos últimos tempos. Os mandamentos da prática judaica não se impõem aos não-judeus. Eles frequentemente iluminam a prática cristã. Pode-se dar como exemplo os mandamentos que dizem respeito aos sacrifícios de comunhão ou àqueles referentes à Terra de Israel, ao ano sabático e ao jubileu. É óbvio que, em especial, o mandamento de estudar e ensinar a Torá, o mandamento do Talmud Torá, considerado equivalente ao conjunto de todos os outros mandamentos, é de particular interesse para todos os cristãos. Sua justificação é apoiada pela Tradição sobre a Palavra de Deus citada pelo profeta Oséias (B6, 6): É o amor (Hesed) que me agrada e não os sacrifícios, o conhecimento de Deus aos holocaustos.” Isso ensina que o amor de Deus requer o conhecimento de Deus (Rabino Nathan, versão A, capítulo 4). Mas o conhecimento de Deus, na medida em que é acessível, é obtido pelo Talmud, especialmente a narração (Hagadá) que se faz conhecer: “Aquele que disse e o mundo passou a existir” (Deus Sl 33: 9; Sifre, Midrash Halákhico sobre Dt 11, 22). Nós retornamos ao amor de Deus e ao amor ao próximo, para os quais existem dois mandamentos que fazem dele ‘um e único’ no qual se resume

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toda a Torá. Esses mandamentos são especificamente judeus. Eles são aceitos pela Igreja por causa do ensino mais explícito e específico de Jesus. Com o mandamento do amor, temos o melhor exemplo possível de novidade cristã no contexto da continuidade judaica. O antigo mandamento é novo para os cristãos quando se refere a Jesus: “Como eu vos amei, amai-vos uns aos outros”. É necessário estudar o judaísmo para viver melhor de Jesus Cristo e a novidade que ele traz pelo que é e pelo que faz.

SIONIENNE n.3 - BRASIL

Charles Hoare, nds 25 de setembro de 1916

Há alguns dias festejávamos em família o quarto aniversário de nossa chegada ao Brasil: foi no dia 17 de setembro de 1912, que desembarcávamos em Santos e à noite do mesmo dia chegávamos em São Paulo. Durante estes quatro anos corremos muito, fizemos diversas tentativas, mas neste mês deu-se um fato muito mais importante que todo o resto do ponto de vista do futuro da missão de Sion no Brasil. Este fato não pode deixar de interessar os leitores da Sionienne. Quero falar da aquisição de um terreno, onde deve ser erigida nossa futura igreja, que de onde poderemos atrair, instruir e catequizar, e assim formar a futura geração. Muito em breve começaremos nossas obras, isto é, desde que tenhamos algo em caixa. Atualmente não temos nenhum centavo, aliás, temos menos do que isto. É de bom agouro. Contamos muito com São José, o provedor da Sagrada Família, e com N. Sra. da Providência. Esperamos também que os leitores desta Sionienne não se desinteressarão desta obra. Alguns que sonham com o Brasil, sem dúvida estarão vivamente interessados. Diretamente não poderão fazer grande coisa, mas, quem sabe, poderão alertar algumas boas almas e, sobretudo, poderão forçar São José, pois a Igreja que construiremos lhe será dedicada.

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Hoje o movimento do Ipiranga é muito restrito. Lá vou, sábado à tarde, para confessar algumas pessoas; aos domingos para rezar uma missa dedicada a São José aonde deveremos fundar nosso centro de missões. Na realidade é somente agora que formamos no Brasil, é agora que a obra de fundação começa realmente. Nossa propriedade tem respeitáveis proporções: 142m de comprimento por 105 de largura, e esperamos poder mais tarde aumentar as dimensões com novas compras, a fim de não sermos molestados por vizinhos importunos. Nosso terreno se encontra no centro do Ypiranga, se bem que um pouco afastado do centro habitado atual. Mas com o tempo o Ypiranga se desenvolverá de nosso lado. Um campanário tem qualidade de atrair as casas em volta de si. A intenção do Pe Givelet seria começar por uma escola, que serviria também de capela. Seria um começo modesto. A ignorância é o grande mal a ser combatido. Com a escola, sobretudo noturna. Neste mês, eu vou todos os dias para preparar um grupo de crianças para a primeira comunhão. Das 5h às 6h é para os que saem da escola; das 6h às 7h recomeço para os que trabalham nas fábricas. Infelizmente, às vezes, fazem horas suplementares, e assim não podem vir. Além disto muitos são indiferentes e não se preocupam muito com a religião. Vão de preferência a uma escola noturna para aprenderem a ler e escrever. Tive a ocasião de entrar em uma destas escolas mistas, a convite do professor. A classe é uma sala de visitas de uma casa de operário, de pequenas dimensões. Algumas mesas e bancos apertados formam toda a mobília. Às 7h chegam as crianças: meninos, moças e moços. Entre eles há um sírio. Devo dizer que no Ipiranga há uma colônia síria bastante grande. Na maior parte são cismáticos. São 25 alunos, mas sempre há um ou outro que falta. Entre os 20 presentes, apenas dois frequentavam o catecismo, e só 4 fizeram a primeira comunhão. Após algumas palavras introdutórias, falo do problema “Ciência e religião”, e faço algumas perguntas para conhecer o preparo de meus ouvintes. Interrogo um rapaz que poderia ter 17 anos: “Você já fez a primeira comunhão?” “Não”.“Você sabe o que é a primeira comunhão?” “Não”. “Você vai à missa aos domingos?” – “Às vezes”. – “Sabe quantos deuses há?” “Não”! “Conhece ao menos o Pai Nosso, a Ave Maria?”- “Não”! – “Você nunca reza?” – “Sim, sim, rezo para Deus”. – “Qual a sua religião?” – “Ora, ora, sou católico e muito religioso”. Então, foi preciso lhes explicar o que é ser cristão, quais os principais mistérios da fé. É principalmente no confessionário que se constata a ignorância que reina entre o povo, e é ignorância crassa. Quando não se conhece seus penitentes é sempre prudente interrogá-los sobre as coisas mais elementares. Corre-se o risco de se deixar sem acusação os maiores pecados, com o pretexto de que o confessor não fez perguntas. Por exemplo, alguém poderá se confessar e fazer a Páscoa, mas não diria que está casado só civilmente, porque o padre não teve

a ideia de perguntar se ele era casado na Igreja. Mas confessar não é o menor dos sofrimentos do padre. Imaginem confessar gente assim! Se se manda embora porque não sabem o catecismo, não voltarão nunca mais. É preciso instruí-los “hic et nunc”. Aliás, tem-se toda a miséria (dificuldade) do mundo para se achar matéria para uma absolvição. “Não matei, não roubei”, eis a fórmula comum. Fora disso não há outra coisa para acusar. Dirão “amém” a tudo o que se lhes diz, mas não farão nada. Não se pode ficar desconcertado. Muitos se confessam só para o casamento: e devemos nos dar por felizes se hoje em dia ainda vêm se casar na Igreja – será a primeira vez que se confessam depois da 1ª comunhão, se a fizeram. Outros não se casam no religioso para não terem que se confessar. Há uns tempos um desses coitados foi se confessar ao Pe Dante e escorregou em sua mão uma gorjeta para que ele fosse “bonzinho”. Imaginem que educação cristã tais pais poderão dar a seus filhos! Um dia me chamam às pressas para confessar um moribundo, um rapaz de 19 anos. Nunca tinha se confessado e não sabia nenhuma oração. Mostrei-lhe o crucifixo e perguntei-lhe se sabia quem estava na Cruz: “É São Benedito”, respondeu-me. Nas missões, o Pe Rossi, que nos iniciara na vida missionária, um dia explicava o mistério da Redenção, e manifestou sua admiração ao perceber que o povo não sabia que um Deus morrera por nós; “Mas, disse em voz alta uma mulher, nós não sabíamos, aqui não recebemos o jornal”! Se no interior do país a ignorância é grande, ela não é menor numa grande capital como São Paulo. Aqui o trabalho é mais difícil; lá as pessoas são mais simples, mais dóceis, mais desculpáveis pela falta de padres. Fazem léguas para assistir as missões. Na capital há mais tentações, seduções, malícia. Os que querem se instruir e frequentar a igreja podem fazer, mas poucos se importam, só se pensa no material, no temporal e o dinheiro é um atrativo que prima tudo. As crianças trabalham a partir de 8 ou 9 anos, a troco de um salário insignificante, e frequentemente há horas suplementares à noite. Às vezes o dia do pagamento é o domingo, impedindo assim a muitos de irem à missa. Se pelo menos o moral fosse bom! Nos domingos quando não se trabalha, se descansa ou se diverte. Ainda não há igrejas no Ypiranga, mas já há um cinema... Vocês podem ver, caros irmãos, quanta coisa há para se fazer aqui, sobretudo na luta contra a ignorância religiosa. É por isso que queremos começar o mais depressa possível a nossa escola. O Ir. Carlos vai se tornar o irmão esmolar. Ele manifesta aptidões extraordinárias para isso. Teríamos necessidade de reforços, mas certamente temos que nos pacientar e esperar o fim da guerra... Os que estiverem em Locarno, que aprendam o italiano, aqui ele será muito útil. Mesmo o árabe não seria inútil no Ipiranga. É lidando com esta pobre gente que se aprecia mais a graça da fé e da educação cristã. A vista desta ignorância e deste abandono religioso excita a compaixão “misereor super turbam!”, e ao mesmo tempo provoca ação de graças.

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Theodoro Ratisbonne

NATIVIDADE DA SANTÍSSIMA VIRGEM "Uma rebento brotará da raiz de Jessé."

(Is 11, 1)

Saudemos com alegria a festa da Natividade da Virgem Mãe, que é o primeiro elo da cadeia de todas as festas cristãs. Somente Deus conhecia a proeminência do futuro reservado a essa criatura abençoada. Descendente dos patriarcas, dos profetas e dos reis de Israel, era, no entanto, mais ilustre pela sua nobreza interior do que pelos títulos dos seus antepassados. Seu nascimento traz mais alegria ao mundo, tal como a aurora desfaz a noite e anuncia os esplendores do sol, alegra a terra porque faz descer do alto as águas vivas que fertilizam os vales e as colinas; enche de júbilo o céu, que goza em contemplar a sua Rainha no berço de Sion; alegra, sobretudo, a Igreja que, toda impregnada dos sentimentos de Jesus Cristo, oferece hoje à Mãe do Senhor as mais carinhosas homenagens do seu culto filial. Reconheçamos, com santo Agostinho, não haver palavras bastante expressivas para louvar dignamente a Virgem cheia de graças; e, em carência de termos, consagremos-lhe os nossos corações transbordantes das efusões do nosso amor. A Natividade de Maria será sempre uma data de alegria. Por Maria, brota a fonte de todas as graças e é ela que as esparge sobre nós. Supliquemos que nos alcance aumento da paz de Deus, expansão nas alegrias da caridade, progresso no caminho do amor, inviolável fidelidade em nossos compromissos religiosos. Peçamos, sobretudo a Maria que presida ao nosso nascimento futuro, pois que, no dia em que nos libertarmos da vida corporal, renasceremos para uma nova vida; e se morrermos na graça de Deus, com Maria ressurgiremos na celeste Sião. Animados por esta esperança é que imploramos todos os dias a nossa divina Mãe: "Rogai por nós agora e na hora da nossa

MIGALHAS EVANGÉLICAS

Natalício

11.1938 - Pe Jenuário Béo 03.1994 - Elivelton S de Assis 13.1989 - Ir Maycon Custódio 15.1969 - Pe Manoel M F Neto

23.1943 - Pe Vitório M Cipriani

Presbiteral

15.1990 - Pe Benedito D Vieira 23.1848 - Pe Afonso M Ratisbonne

ANIVERSÁRIOS