1- Beijada Pelo Demônio - (Rev. PL)

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Série Demon Kissed 01

H. M. Ward

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Envio: Soryu

Tradução e verificação ortográfica: Patycris

Revisão Inicial: Valentina VS, Silvia Lima, Tathy,

Sisi, Gix, Adriana Correa, Diana Carmelo

2ª Revisão Inicial: Gislaine Vagliengo

Revisão Final: Kiria Santos, Helô Barros, Ana

Ferraz, Jaqueline Liny, A. Moura, Michele Lopes,

Elizabeth

Leitura Final: Márcia Bronzatti

Formatação: Márcia Bronzatti

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Sinopse

O garoto Valefar enganou Ivy Taylor para que o beijasse, mas ele tomou muito mais que um simples beijo, roubou-lhe a alma e a deixou a escassos centímetros da morte. Para sobreviver, Ivy se vê envolvida no conflito entre Martis e Valefar. A guerra entre estas duas forças imortais durou milênios sem distração alguma. Até agora.

Ivy é uma anormalidade, ela é a única pessoa que saiu com vida do beijo de um demônio. Sua sobrevivência lhe dá habilidades únicas e mortais. Poderosa demais para ser ignorada, Ivy é uma ameaça para ambos os exércitos. Estes dois antigos inimigos não se deterão diante de nada para matar a jovem de dezessete anos.

Sobreviver não é nada novo para a teimosa Ivy, mas sua sobrevivência nunca dependeu de outra pessoa antes. Desta vez sim, depende. E se a sua confiança se equivocar, estará morta. Para seu horror, ela começa a apaixonar-se no pior momento possível… pelo inimigo. Ele parece estar protegendo-a. Mas não pode estar segura se está tentando ajudá-la, ou ajudando a si mesmo, ao potencializá-la. Para Ivy, confiar na pessoa correta é a diferença entre o amor e a sobrevivência, ou um beijo mortal de demônio.

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Capitulo 1

Deixe-me ir, Jake. Você não é assim. O desespero estava em

minha voz.

— Ivy, você não tem ideia de como eu sou. — A lua pairava

acima das árvores. Pintava sombras no rosto de Jake, destacando seu

contorno perfeito. Meus braços se sentiam como chumbo, inúteis aos

meus lados. Não poderia dizer como me apanhou. Sentia como se meus

pulsos e tornozelos estivessem presos ao chão, mas não havia nada.

Forçando, mas incapaz de me mover, meu coração começou a disparar.

Odiava me sentir presa. Na realidade, estar presa piorava as coisas. Por

uns momentos tudo era normal. Ríamos, rodando pela grama.

— Pensei… pensei que queria um beijo? Perguntei-lhe.

— Eu quero um beijo. Aproximando-se, Jake saiu do mosaico

de sombras. A tênue luz da lua derramava em seu rosto, deixando

descobertos os seus olhos. Eu não podia desviar o olhar. Meu coração

golpeou quando nossos olhares se encontraram. Um malvado anel de

cor carmesim rodeava seus olhos normalmente azuis, abraçando

fortemente sua íris. Era como o fogo e o sangue, ardendo juntos. E se

focaram intensamente em uma coisa.

Eu.

O pânico disparou por minhas veias. — O que está errado com

seus olhos? Eu tremia, reprimindo o temor que se arrastava até

minha garganta. Movendo-se, flutuando sobre mim. Os lábios de Jake

se estenderam em um sorriso suave. — Sigo sendo eu. Pode confiar em

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mim, Ivy. Eu quis lhe dar um beijo durante tanto tempo. Meu momento

escolhido foi perfeito.

— Momento escolhido? Perguntei-lhe. — Eu queria que me

beijasse desde nosso primeiro encontro. E você queria esperar. Assim,

esperamos. Então me chamou aqui, e me joga no chão? Que diabo

passa com você? Deixe-me ir!

Ele riu brandamente. — Deus, Ivy, eu não estava seguro sobre

você a princípio, mas estava certo… Terá o seu beijo.

O terror correu através de mim. — O que quer Jake?

— Eu vou lhe mostrar. Inclinou-se mais perto, sorrindo.

Quando seus lábios tocaram os meus, gritei, incapaz de conter a dor

agonizante. A sensação de arame farpado deslizou dentro de mim,

desde meus lábios até meus pés. Serpenteava através de meu corpo. A

nitidez me cortou como um milhão de pequenos anzóis de pesca, todos

enganchando em meu interior de uma vez.

Tentei gritar, mas os lábios de Jake estavam pressionados nos

meus. Suas mãos agarraram minha face, ainda me sustentando, me

impedindo de me mover e romper o beijo. A adrenalina bombeava

dentro de mim, fazendo com que meus pensamentos se acendessem em

uma dúzia de diferentes direções, tentando encontrar uma saída. A

sensação cortava mais profundo, enquanto me retorcia debaixo dele.

Desesperadamente tratei de pensar em uma maneira de aliviar a dor, e

fiz a única coisa que podia fazê-lo deter-se, sem pensar no que ocorreria

a seguir.

Chupando seus lábios em minha boca mordi com força. Jake se

afastou gritando, enquanto o calor penetrante enchia minha boca. Um

rastro quente derramado sobre minha bochecha. Eu cuspi, minha boca

estava cheia de seu sangue. Amaldiçoando, afastou-se de mim,

sustentando seu lábio com a mão, tratando de deter o fluxo de cor

carmesim.

As árvores rangiam, desviando meu olhar de seus enormes

troncos. Meus olhos se moveram através das sombras esperando que

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alguém estivesse ali. Mas não havia ninguém. Estávamos sozinhos.

Ninguém me salvaria. Jake retornou furioso. — Isso foi estúpido, Ivy.

Eu tenho sido bom, e o teria feito menos doloroso. Mas agora não. ele

se equilibrou sobre mim. Gritando, tentando me liberar. Esmagando

seus lábios com os meus. A sensação de arame farpado serpenteava por

minha garganta, enchendo meu corpo. Enganchada em cada centímetro

de pele e músculo, estendendo-se profundamente em meus ossos.

Então ele tirou as navalhas invisíveis. Duras.

A intensa dor rasgou através de mim, e eu era incapaz de detê-

lo. Meus músculos tensos tentaram suportar a agonia, enquanto

manchas se formavam e minha visão piscava. Freneticamente, minha

mente tratava de averiguar o que estava acontecendo. A lógica não

tinha uma resposta, mas meu corpo sabia exatamente o que estava

acontecendo. Minha alma, meu próprio ser, que estava trancado dentro

de mim, ele o estava arrancando. Não deslizava para longe, solto como

uma fita, atada em um bonito laço. Estava ligado a mim, de maneira

inseparável.

Coisas inseparáveis - aprendi podiam ser separadas, mas

doía como o inferno.

Liberando-me de seu beijo, Jake se deteve antes de eu desmaiar.

Oh Deus, quero que me desperte. Uma sonolência caiu sobre mim,

tornando difícil pensar. A dor girava em meus músculos, enquanto

tremiam sem controle. Jake passou o dorso de sua mão através de sua

boca manchada de sangue e sorriu, satisfeito.

Cuspi mais de seu sangue no chão. Gosto ruim. Tinha um sabor

estranho que me fez vomitar. Eu sabia que seu sangue cobria meus

lábios e se arrastava através da minha face, mas não podia limpá-lo.

Soluços histéricos brotavam de meu estômago, mas engoli todos, não

querendo que ele visse meu terror. Tremendo, uma pergunta se formou

em minha mente, e se derramou sobre meus lábios ensanguentados: —

Por quê?

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Seu ambicioso sorriso se desvaneceu e seu rosto se retorceu.

Suas formosas feições eram assimétricas, sem mostrar rastro do

menino que eu conhecia. Com as veias salientes, cuspiu, falando bem

perto do meu rosto. Grunhiu: — Você é um deles. Por que não a

caçaria? Segui você durante meses, escutando você e sua insignificante

vida. Por que eu iria perder o meu tempo com alguém como você?

O ódio cruzou por minha face. — Por que esperou? Por que não

aspirou minha alma, há três meses? Senti-me estranha ao dizer

essas palavras, mas eu sabia que era verdade.

— Tive que esperar que isso aparecesse. Afastando uma

mecha do meu rosto, seus dedos tocaram a pele sobre minha testa —

Isso é interessante. Sua marca é mais… fez uma pausa, sentando-se

de novo, limpando seus lábios — Não importa de todos os modos, já que

vocês são todos iguais. Uma beijada por um anjo, tristes bastardos. É

seu décimo sétimo aniversário, e isto passou. Justo como todos outros.

Ele se inclinou para trás rindo de mim. — As primeiras vinte e quatro

horas são uma merda. Não tem ideia do que é, do que é capaz, ou por

que aconteceu isto com você. Os cantos de sua boca se detiveram em

um sorriso apertado. — É o momento perfeito para matá-la. É por isso

que esperei. E geralmente sou bastante agradável sobre isso. Mas você

me mordeu, pequena puta. Portanto, vou me assegurar de que irá doer

muito mais do que o habitual. Ele me olhou de lado com um sorriso

satânico. — Vou arrancar sua alma tão rápido que romperá seus ossos.

Os dentes manchados de sangue sorriram abertamente, à medida

que avançava para mim. Gritando selvagemente, dirigi o som através

das árvores, fazendo pedacinhos à noite. Os olhos do Jake queimavam

na escuridão enquanto chegava mais perto. Os batimentos de meu

coração rugindo, afogavam todos os outros ruídos. Endureci em

antecipação, as lágrimas correram por minhas bochechas. Não podia

suportá-lo. Não de novo.

Encharcado com satisfação, ele pairou sobre mim. — Tem medo,

Ivy? Seu rosto deslizou para mim, lentamente. Seus lábios se

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curvaram, ao sentir meu terror. — É obvio que sim. Eu sou seu inimigo

mortal. Bem, inimigo imortal. Você teria existido durante um tempo…

se nunca tivesse me conhecido.

O anel de fogo ao redor de seus olhos brilhou e combinou o

sólido carmesim com apenas um detalhe simples do restante negro. Um

sorriso malicioso surgiu em seus lábios, enquanto sua mão golpeava o

chão ao lado de minha cabeça. Jake baixou seu corpo em cima de mim,

me esmagando, enquanto se aproximava para o último beijo.

— Não! Jake não! O terror disparou através de mim. Os lábios

ensanguentados se estrelaram para baixo sobre os meus. Cortantes

navalhas inundaram meu corpo, pela terceira vez, em busca do pedaço

que restava de minha alma.

O último fragmento de meu espírito entrou em contato com seu

beijo mortal. Pequenos ganchos se engancharam, e começaram a rasgá-

la longe de meus ossos. Meu corpo estremeceu pela última vez antes de

ficar sem vida, e minha alma se soltou. Flutuava livremente, enquanto

viajava de dentro de mim para os lábios de Jake.

Uma névoa escura distorcia minha visão, enquanto compreendia

que a morte estava tratando de me levar. Apenas consciente da boca de

Jake na minha, a dor entorpecida em minha consciência lutou para

viver, mas meu corpo se rendeu. Fios da vida pouco a pouco se

derramaram de mim. Podia vê-los sair de meu corpo, e derramar-se

sobre o chão, como ouro líquido. Tinha ficado um fio, só um pouco de

minha alma permaneceu.

À medida que o último fio dourado de vida me deixava, Jake foi

violentamente arrancado. Meu corpo reagiu sem meu consentimento, e

disparei suspiros. Senti como se o arame farpado fosse arrancado de

minha garganta com um forte puxão. Minha cabeça cambaleava em

meu pescoço, meu corpo desabou e caiu ao chão. Mãos me agarraram

antes que minha cabeça batesse contra o chão. Tudo ocorreu tão rápido

que não estava segura do que aconteceu.

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A morte ainda estava tentando me levar, mesmo que Jake

tivesse sumido. Meu peito se sentia como se estivesse debaixo de uma

pilha de rochas. Minha respiração era tão superficial que queria deixar

de respirar. Só por um minuto. Era tão pesada e eu estava tão fraca.

À medida que minha consciência estava se desvanecendo, senti

braços quentes me envolverem. Uma voz sussurrou, mas não podia

entender as palavras. Meus músculos ainda recordavam vividamente a

dor. Tratei de me concentrar na voz, para permitir-lhe me tirar da

escuridão que estava me tomando, mas não pude. Tudo soava muito

longe, fazendo ecos em minha cabeça. Era impossível tomar outro

fôlego. Os sussurros da voz do estranho soavam mais longe, quando

senti o calor difundindo-se através de minha cabeça, com um toque

suave. Suavemente roçou através de meus lábios. Sentindo uma quebra

de onda de vida, suguei ar e a escuridão retrocedeu tão rapidamente

como tinha aparecido. A névoa ficou fazendo com que meu corpo se

sentisse como se tivesse despertado de um sonho muito rápido. Engoli

em seco, acalmando a sensação de ardor em minha garganta.

De repente, consciente dos braços quentes que me seguravam,

meus olhos abriram. A lua parecia mais brilhante do que eu recordava,

delineando uma forma masculina. As árvores por cima de mim se

esfumavam nos eixos serrilhados das sombras e da luz. Tentando me

centrar, olhei para o rosto impreciso, com olhos tristes, e ele não disse

nada. O sono me pegou, fazendo meus olhos piscarem, e se sentirem

mais pesados. Olhando, não podia perceber mais que um par de olhos e

pele pálida. Com cuidado, seus dedos quentes empurraram meus

cachos para trás. Uma mensagem subliminar roçou dentro de minha

mente. Agora está a salvo.

Um leve sorriso surgiu em meus lábios, quando me apoiei em

seu peito, e o sono me roubou.

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Capitulo 2

O terror arranhava em meu estômago, quando compreendi que

tinha desmaiado. Forcei meus olhos a se abrirem.

Um medo avassalador me esmagou e encheu meu peito,

enquanto me dava conta que estava sozinha. Os braços que me

protegiam tinham desaparecido. Assustada, sacudi-me em posição

vertical. Desesperadamente tratei de me concentrar na giratória falta de

definição de pinheiros e carvalhos. Cada músculo de meu corpo se

flexionou, esperando. Estava ferida, meio morta, e sozinha.

Onde estava Jake?

Uma mão posou em meu ombro, provocando um grito a ponto de

explodir de minha garganta. Voltei-me, lançando violentamente a pouca

força que tinha nos joelhos de meu agressor. Ele cambaleou para trás,

mas não caiu. Aproximou-se de novo.

Freneticamente, tratei de empurrar meu corpo debilitado para

fora do chão, mas era impossível levantar sem sentir como me deslizava

novamente. Braços me agarraram ao cair.

— Calma Ivy. Sou eu disse. Meu coração pulsava em meus

ouvidos, distorcendo a voz que deveria ter conhecido. Torcendo os

ombros, liberei-me de seu controle.

— Eric, suspirei — o que está fazendo aqui? Nervosamente

procurei Jake ao redor. Mas estávamos sozinhos.

A preocupação enrugou sua testa. — Eu estava perto. Foi

atacada? O que aconteceu? — Seus olhos se agitaram, capturando

tudo, e logo aterrissaram de novo em meu rosto.

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Com dedos trêmulos, pus uma porção de meu cabelo para trás.

Era um desastre encaracolado que emoldurava meu rosto, e caía para

frente constantemente. Minha pele estava úmida e fria. — Não sei. Eu…

não lembro. Tratei de recordar exatamente o que aconteceu, mas não

estava segura do que tinha acontecido. Parecia uma loucura.

Olhando no rosto de Eric, sua expressão se suavizou. Olhou-me,

e sussurrou: — Oh, uau! Seus olhos não se separaram de meu rosto.

Meu estômago se retorcia sob seu olhar. Não tinha ideia do que

estava acontecendo, mas eu estava assustada, e não com a expressão

de seu rosto. Engolindo em seco, tratei de recordar se tínhamos falado

alguma coisa fora da aula, mas nunca o fizemos. Fomos companheiros

de laboratório. Apenas o conhecia.

— Temos que sair daqui antes que retornem.

No caso de que tivesse espantado meu agressor, olhei-o me

perguntando como foi isso possível. Seu corpo era pequeno, e não tinha

desenvolvido os músculos, embora não fosse fraco. Ele era de aspecto

normal. Deslizou seus braços ao redor de minhas costas e debaixo de

minhas pernas, e começou a me levantar do chão.

— Eric, não pode… — mas estava equivocada. Ele pôde. E me

carregou. Eu não gostei, mas estava muito fraca para caminhar. A

autoconsciência que me invadia também não ajudava. Não sou uma

pessoa vaidosa, mas seus braços estavam ao redor de mim, sentindo as

curvas de meu corpo e me fez sentir incômoda. Eu esperava que ele

fosse lento sob meu peso, mas não era. Eric caminhou rapidamente a

grandes passadas. Seu aroma mesclando-se com o ar da noite. Era

familiar, algo da infância, que não podia recordar.

Eric entrou no estacionamento e me deslizou para baixo contra

sua velha caminhonete azul. Depois de abrir a porta, deslizou a mão

por baixo de minha coxa, enquanto me acomodava no interior. Logo,

deslizou em seu assento, ligou o motor, e saiu do estacionamento.

As lágrimas corriam por minhas bochechas, embora eu as

proibisse. Chorar em frente de outras pessoas era horrível. Tratei de

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detê-las, mas não podia. Não disse nada e não sentia nada, exceto o

ensurdecedor tamborilar do meu coração em meus ouvidos. Olhei Eric,

me perguntando como me encontrou.

— Ivy. Tenho que lhe dizer algo. É importante. — Olhou-me, e

logo à estrada. — Eu sei que não está bem, mas tenho que lhe dizer

algo. Isto vai soar estranho. Prometa que não vai se assustar comigo,

está bem?

Minha voz era plana. Sentia como se estivesse falando de um

milhão de quilômetros de distância — Depois desta noite, não há nada

que diga que possa me surpreender. — O escapamento da velha

caminhonete retumbava, quando deixamos um som alto para trás. Com

o corpo dolorido, deixei-me cair em meu assento.

— Bom isto poderia. — A cor verde das luzes do painel se refletia

em seu rosto. Agarrando o volante com força, chegamos a minha

quadra. Ele deteve a caminhonete algumas portas de minha casa. Seu

olhar dourado se encontrou com o meu — Ivy, eu necessito que me

escute. Não pode esquecer. Sei que passou por muitas coisas…

Interrompendo, murmurei: — Estou bem. — Não estava, mas

não queria falar disso. Nesse momento, só queria me enterrar sob meus

lençóis.

Tomando uma respiração profunda, voltou-se para mim com

uma expressão de súplica em seu rosto. — Ivy, tem uma marca em sua

cabeça. É uma de nós. Isto é importante. Se esquecer de todo o resto…

recorde isto. Esconda essa marca. Não diga a ninguém e me refiro a

ninguém, que a tem. Entende? — sua mão deslizou sobre a minha,

acariciando, enquanto seus olhos procuraram minha face. Olhei-o

fixamente. Parecia alarmado, como se algo estivesse mal.

Agarrei o visor. — Do que está falando? Tenho uma ferida ou

algo assim? Tenho uma cicatriz? — Por que estava me olhando assim?

Meus dedos saíram do visor, e abri o espelho. Uma pequena luz se

acendeu.

— Não se assuste. Ivy, por favor? — disse.

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Eu esperava ver uma contusão ou um corte feio. Não isto. A

primeira vista, tudo estava normal: pele pálida, cabelo escuro, cachos

selvagens encrespados por rolar na terra. Isso era tudo ali, com uma

diferença notória. Ao pressionar os dedos em minha pele, fiquei olhando

à pálida marca na cor azul, brilhando por cima de minha sobrancelha

direita. Parecia como se alguém tomasse um inseto piscando,

lubrificou-o em minha pele, e então pontilhou um redemoinho azul,

elaborado, na parte superior. Empurrando-o com meus dedos, minha

mandíbula estava aberta. Via-se como uma tatuagem.

De onde veio isto? Tirei meus dedos da marca e os examinei. Não

havia nenhum resíduo azul. Meus dedos deslizaram sobre a marca.

Sentia como se não houvesse nada. Nenhuma pintura. Nenhum brilho.

Nenhuma contusão. Nenhuma queimadura. Mas estava ali, um leve

arco azul brilhante com pálidas videiras serpenteando que formavam

um S inclinado.

— Ivy? Fala comigo, Ivy. — A voz de Eric interrompeu meu olhar

de olhos muito abertos no espelho pequeno.

O pânico se arrastou até minha garganta, enquanto perguntava:

O que é isto? Isto é ruim, não é?

Eric falou no mesmo tom usado quando se consola a uma

criança assustada: — Não é mau, absolutamente. É simplesmente

diferente. Precisa cobri-la, e não diga a ninguém, está bem?

Engolindo em seco perguntei: — O que é? Jake fez isto?

— Não, não o fez. E não é mau. Mas, já é tarde. E aposto que

ninguém sabe que escapou. Tem que deixar de fazer isso, por certo. —

Sorriu para mim. Olhei-o fixamente, muito surpreendida para reagir.

Seu rosto recuperou sua antiga seriedade. — Vou lhe contar tudo o que

precisa saber. Amanhã. Estará a salvo em sua casa esta noite.

Precisamos lhe ter no interior. Enquanto isso, permaneça no interior, e

não diga a ninguém. Sua vida depende disso.

— Eric? — meus olhos descansaram em seu rosto. Ele era meu

companheiro de Biologia. Ele era o outro tolo, em uma aula cheia de

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estudantes de honra, que tiravam puros A. Nós não o fizemos. Além

disso, eu sabia pouco dele. — Como sabe?

— Direi isso tudo. Baixou a cabeça para apanhar meu olhar.

— Prometo a você. Deixe-me saber que está a salvo em sua casa esta

noite. Vá à escola amanhã. Não mencione o parque a ninguém. E não

escape de novo. Promete?

Aturdida, alcancei a maçaneta para abrir a porta, não estava de

acordo em nada. Eric chegou rapidamente, pondo sua mão sobre meu

ombro — Vão lhe matar, Ivy. Prometa-me isso. Sua voz trocou de

uma ordem, para um pedido. — Por favor. — Nossos olhares se

encontraram. Ele nunca disse mais que duas palavras para mim, fora

da sala de aula. A novidade disto era estranha, sobretudo depois do que

acabava de acontecer. Senti a minha alma sair de meu corpo durante o

ataque, mas de algum jeito não morri. Estava com vida. Eric me salvou.

Rompendo o olhar, declarei: — Prometo. — Deslizei meu ombro

fora de seu agarre, minha mão ficou na porta por um momento, então

voltei a olhar Eric — Obrigado.

Um sorriso se desenhou em sua boca. — Não há problema.

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Capitulo 3

Às vezes olhar fixamente seu reflexo não ajuda para ver o que se

tornou. Esta era uma dessas vezes. Inclinei-me sobre o mostrador de

mosaico, me sustentando perto do vidro. Grandes olhos marrons me

devolviam o olhar de um rosto emoldurado com cachos longos e negros.

Parecia normal, à exceção da marca. O padrão se fez mais intrincado e

se obscureceu em um tom escuro de cor púrpura. Meus dedos

deslizaram por cima dela, e não senti nada mais que pele suave. Cobri-

a, como Eric me disse.

E Jake. Deus, eu fui tão estúpida. Zangada comigo mesmo,

comecei a chorar através de minhas lembranças dele, procurando

pedaços do menino que me atacou na noite anterior. Tinha que ter

havido alguma parte de comportamento que me tivesse advertido. Tinha

que haver.

Três meses atrás, o vi pela primeira vez. Meu amigo, Collin

Smith e eu, estávamos no teatro comunitário para ver Hamlet. Eu

adorava o teatro. Era um lugar para se perder na vida de alguém mais,

e esquecer a minha por um momento.

Cortinas sem defeito, de veludo vermelho, murmuraram ao

abrir-se, enquanto nos sentávamos envoltos na escuridão. As luzes do

cenário surgiram, derramando-se brandamente na segunda fila, onde

estávamos sentados. Esperando para tirar sarro de uma má atuação,

fiquei surpreendida, quando o escutei pela primeira vez. Dominando o

cenário, Jake pronunciava tão belamente suas linhas; sentia como se

ele fosse Hamlet. Sua voz fluída, enriquecida com tons de mel, e seu

corpo bronzeado, parecia o de um deus grego. Estava hipnotizada.

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Olhos azul ardósia completava sua compleição, com um cabelo que fluía

até seus ombros da mesma cor que o trigo no inverno. Completamente

flechada, meu dedo se arrastou para baixo pelo programa, procurando

seu nome.

— O que está procurando? Sussurrou Collin, em meu ouvido.

Varrendo o programa, seus olhos se lançaram ao cenário para ver o que

eu estava olhando.

— Esse menino. — sussurrei. Encontrando seu nome, JAKE

PETERSON, voltei à página do programa para ler sobre ele.

Um hálito quente deslizou por meu pescoço quando Collin

sussurrou em meu ouvido:

— Oh não. A fantástica Ivy vai ser a fanática de alguém? Pensei

que você estivesse além disso. — Recostando-se em sua cadeira, um

satisfeito sorriso surgiu nos cantos de sua boca, e cruzou os braços.

Collin Smith era altivo e incrivelmente ardente. Seu brilhante cabelo cor

castanho escuro caía até uma forte mandíbula, destacando os lábios

que geralmente estavam curvados num sorriso brincalhão. Combinando

com seus surpreendentes olhos azul safira, com sua pele de porcelana,

e um peito cinzelado, bom, era fácil ver por que ele tinha seguidoras.

Seus problemas de ego eram do tamanho do Titanic, e nos

mantínhamos como amigos, só amigos. Ao menos isso era o que me

dizia. Enquanto que suas seguidoras encontravam sua extrema

arrogância sexy, eu não o fazia.

Collin soube que havia dito a única coisa que me faria sentir

como uma perseguidora. Fechando o papel do programa, coloquei-o

sobre meu colo, enquanto Collin afogava um apagado bufo de triunfo.

Fiz beicinho pelo resto da atuação. Após o espetáculo, Collin

correu para ser adulado por suas seguidoras. Ugh. Estremeci. Passando

o assado aos roedores. Eu era 1,65 de puro repelente de seguidoras.

Elas permaneciam longe de Collin quando eu estava perto.

Sozinha, me sentei com desinteresse em minha cadeira, olhando o

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programa. Collin era minha carona de volta para casa, assim estava

presa, esperando.

Quando senti olhos sobre mim, elevei a vista. Jake estava

sorrindo, e caminhando em minha direção. As luzes do teatro se

acenderam, mas a sala estava em penumbras. As luzes davam a seu

corpo um brilho etéreo. Bebendo de seu formoso corpo, observei-o

aproximar-se. Baixava o olhar com um passo, e com o seguinte o

elevava para meus olhos com um sorriso tímido em seu rosto. Meu

fôlego ficou preso em minha garganta. Seu cabelo castanho claro e

olhos azuis brilhantes o faziam atraente, mas adicionava menino tímido

à mescla, e eu estava pateticamente apaixonada.

Estendeu sua mão para mim, e disse:

— Olá, meu nome é Jake. Fui um dos atores na obra. —

Gentilmente, pus minha mão em seu aperto, olhando-o fixamente nos

olhos. A emoção explodia dentro de mim, ameaçando me fazer soar

como uma idiota. Baixou seu perfeito corpo na cadeira diante de mim.

Tudo sobre Jake me cativava.

Sorri e deslizei para trás em meu assento.

— Sei. Eu vi. Um super sorriso se estendeu em meu rosto.

Não pude evitá-lo. Conseguindo cruzar meus braços, voltei minha

posição defensiva normal, enquanto tratava de conter um sorriso de

adoração — Sou Ivy. Ivy Taylor.

— Ivy, eu tenho que saber… por que você não gostou de minha

atuação? Lançando seu cabelo longe de seu rosto, olhou-me

novamente, e se preparou para escutar minha resposta.

A confusão me fez fraquejar. Por que pensava isso? Como me

viu? Ver a plateia do cenário era quase impossível. Os refletores eram

tão visivelmente brilhantes que a plateia desaparecia nas sombras além

da primeira fila. Nós estávamos na segunda fila. Sentei-me com os

braços cruzados, franzindo o cenho para Collin. Ele me viu. Meu

coração saltou em minha garganta. Ugh, merda. Jake pensou que eu

estava franzindo o cenho para ele. Dizer a este garoto que estava

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franzindo o cenho para ele porque fedia era uma total mentira, mas

permitiria me afastar sem me envergonhar. Ou podia dizer a verdade e

admitir que estivesse babando. Ambas as opções eram uma porcaria,

assim optei por negá-lo.

— Não Jake. Penso que foi… fantástico. — Encolhendo os

ombros, levantei meu programa, tratando de me esconder.

Ele sorriu dizendo:

— Sinto muito, mas parecia como se estivesse sofrendo. Sentar-

se aí e escutar foi assim tão mau… deveria desistir agora mesmo. Sério.

Suas sobrancelhas se elevaram, adicionando a sua súplica. — Que

parte foi horrível? Toda?

Sentindo-me encurralada, olhei de um extremo ao outro da sala.

Onde estava Collin? Era sua culpa. Jake tinha entendido tudo errado.

Tinha que dizer-lhe. Isto ia feder. — Quando subiu ao palco,

meu coração se deteve. Sua voz. Oh, meu Deus. E a maneira em que

estava dizendo suas falas. Foi impressionante. Comecei a ler isto, —

disse, sustentando alto o programa. — Procurando seu nome e

biografia. Meu estúpido amigo notou, e zombou de mim. Estava,

hummm, franzindo o cenho para ele, não para você. — Senti meu rosto

quente, e meu coração estava pulsando tão alto que estava segura de

que ele podia escutá-lo. — Bom, tão gracioso como pode ter sido…

Tenho que ir.

Normalmente, não digo às pessoas coisas como essa, mas

quebrar a confiança do artista era sacrilégio, em especial alguém tão

talentoso como Jake. Pus-me em pé de um salto para fazer uma

retirada apressada, mas sua mão roçou sobre a minha, levantando-se

comigo. Hesitando, o olhei.

Seu cabelo caía sobre seus olhos. Sorrindo brandamente,

perguntou: — Ivy, você gostaria de tomar uma xícara de café?

Tomamos café várias vezes no decorrer das seguintes semanas.

Tinha querido que me beijasse logo depois desse primeiro encontro, mas

ele tinha insistido em tomar as coisas com calma. Estupidamente,

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pensei que parecia um garoto doce, que se preocupava comigo. Isso fez

que o ataque pelas costas daquele bastardo me golpeasse com mais

força. A noite passada sai da minha cama, deslizei por minha janela, e

corri para o parque para encontrá-lo. Sair às escondidas tornou-se

parte de meu repertório durante o ano passado. Embora tivesse me

livrado da maior parte de meu comportamento delinquente juvenil, não

o detive por completo. Sair agachada, pela janela, no meio da noite,

ainda era um padrão. Não podia dormir de todas as maneiras. Mamãe

não tinha ideia. E ninguém sabia onde se encontrava meu pai. Mamãe

era doce, mas seguia pensando que eu era uma boa garota. Via a garota

que eu tinha sido, e não na que tinha me tornado. Não foi inesperado.

Ela tinha seu próprio trauma com o qual lutar. Esconder meu grave

amor não foi difícil. Escondi todos. Somente algumas pessoas me viram

cair em chamas depois do funeral da minha irmã, inclusive poucos

permaneceram perto para incomodá-los, e me ajudar a seguir adiante

com minha vida.

Jake incentivava minhas saídas à meia-noite, e sempre estava

ali para caminhar e conversar. Uma volta pelo parque à meia-noite era

normal, enquanto minhas noites se encheram com menos sonho,

insônias e muito mais.

A noite de ontem se desenvolveu da maneira exata que ele

queria. Tinha me atraído com a única coisa que sabia que eu queria,

um beijo. Quando cheguei, tinha tomado minha mão fora do portão do

parque e caminhamos um pouco. Apoiando-me contra uma árvore, logo

depois de ter caminhado pelo parque mais profundamente que o

habitual, Jake pressionou seu corpo contra o meu. Senti-me bem. Seus

dedos roçaram meu rosto, e empurrou brandamente um cacho solto,

fazendo com que meu pulso disparasse.

A luz da lua projetava um efeito de encaixe sobre o chão. Seu

rosto permanecia a centímetros do meu. Quente e bem-vindo, senti sua

respiração sobre minha pele fria. Foi duro. Dedos formigantes passaram

contra minha cintura. Respondi rapidamente. Caindo ao chão, em um

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emaranhado de pernas e braços, fizemo-nos cócegas e rimos. Parecia

tão doce, tão normal, até que fiquei presa ao chão. Como se converteu

no monstro de olhos carmesim que me atacou ontem à noite? Uma dor

como essa era inimaginável. Nunca havia sentido algo como isso,

jamais. E esperava em Deus, nunca voltar a sentir.

Agarrei-me aos poucos fatos que tinha, e suspirei. Jake me

atacou. Eric me salvou. E agora tinha uma marca sobre minha cabeça.

Aceitando que tudo isso que sabia me deixava louca, mas sabia quem

tinha respostas. Eric. Minha força retornou no decorrer da noite, e já

estava preparada para escutar o que fosse que ele tivesse para me dizer.

O relógio piscou 07h45min da manhã. Agarrando meu telefone,

lancei-o em minha bolsa, sem me incomodar em ver a tela, e fui para a

escola.

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Capitulo 4

Arrastei meus pés até a escola. Os meninos falavam, os armários

batiam e o sinal tocou. Os sons de meu dia normal zumbiam como

vozes mais à frente. Continuando para meu armário, agarrei meus

livros.

Embora minha marca estivesse coberta com uma grossa capa de

maquiagem, me senti exposta. Não saber o que estava acontecendo

deixava-me nervosa. Agarrei meus livros e caminhei para a aula quando

o sinal tocou. Minha mão empurrou a porta para abri-la, e o professor

me lançou um olhar desgostoso. Caminhei em silêncio para meu

assento. O Sr. Tanner era um homem rechonchudo com traços severos.

Emocionar-se fazia com que seu rosto ficasse vermelho e sua papada

tremesse. As manchas de suor faziam com que sua camisa, uma vez

branca, parecesse suja, e o cinto de suas calças agarrava com todas

suas forças, sob sua enorme barriga. — Boa tarde. Já são dois. —

Agitou um dedo do tamanho de uma salsicha para mim. Mais uma vez e

vai passar à tarde em detenção. Marcou em seu livro, grunhindo.

Se isto tivesse ocorrido há um ano, teria me horrorizado. Mas

agora? Não me importava. Os risos parariam em um segundo, e

esqueceriam que eu estava aqui. À exceção da Jenna Marie. Ela estava

em cada maldita aula comigo. Acredito que era alguma brincadeira

divina, pôr a princesa rosa junto à garota gótica. Bom, eu não era

realmente gótica. Só me vestia com um sólido preto muitas vezes. A cor

escura era adequada para mim.

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Sentada na aula, olhei o relógio fazer tic-tac lentamente,

contando os minutos até o sinal. Movi-me à medida que passava o dia,

tratando de não falar com ninguém. Fui moderadamente bem-sucedida.

Não importava para Jenna Marie se eu não queria falar. Ela

falava o suficiente para duas pessoas.

— O rosa ficaria genial. Sua voz era alegre. Alegria que me

irritava. Sentando-se reta em seu assento, sentou do outro lado de

minha mesa.

Olhando-a diretamente de frente murmurei:

— Eu gosto do preto. Obrigado. Falar de meu monocromático

armário era um ritual diário para ela. Isto é o que consigo por chegar a

tempo à aula. Preferiria me sentar na detenção. Meus olhos se moveram

para o relógio, vendo o segundo ponteiro do relógio dar um tic de uma

vez. Orei para que o sinal tocasse.

— Mas tem um cabelo tão bonito. Esses belos cachos de cor

avelã estariam deslumbrantes com rosa! E se veste de preto a cada dia.

Franziu o cenho. Não a vi usar outra cor em mais de um ano. É hora

de pensar em rosa! Olhando-a, minhas sobrancelhas se levantaram

com incredulidade até a raiz do cabelo. O sinal tocou, e cortei as

palavras grosseiras que se formaram em minha língua.

Quando a aula terminou, saltei da cadeira para evitar mais

conversa sobre o rosa. Abrindo o passo para sair pela porta, e entrar no

corredor, detive-me quando encontrei Collin correndo atrás de mim. —

Oi Ivy! - Gritou.

— Olá. Respondi, elevando a vista para olhá-lo.

Começamos a andar e navegamos entre a multidão de meninos,

armários abertos, e os nerds que sempre estavam correndo para algum

lugar. — O que acontece?

Dando de ombros, disse:

— O mesmo de sempre. Só queria lhe dizer para me esperar

quando terminasse a aula. Arqueando uma sobrancelha, um sorriso se

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estendeu em seu rosto. Saltando sobre os dedos de seus pés, com

ambas as mãos atrás de suas costas, disse: — Tenho algo para você.

— Sei. — me detendo um momento eu adicionei: — Não fez. Não

é? Inclinei meu quadril ao mesmo tempo em que minha cabeça

automaticamente se inclinava. Suspirei. — Lembra? Nada de presentes

de aniversário? Raios Collin.

Celebrar não parecia certo, não este ano. Meu aniversário

sempre estava conectado ao pior dia de minha vida. E depois de ontem

à noite, simplesmente não podia.

Uma voz encheu meus ouvidos antes de ver seu rosto. — Uau, a

virgem disse que não quer seu presente Collin. Eu quero. Nicole

Scambotti se envolveu ao redor de Collin. Sorriu-lhe. Saíram de vez em

quando nos anos passados. Ele parecia gostar tanto como qualquer de

suas outras seguidoras. Ela formava parte de seu gosto do clube do

mês. O qual neste momento, eram enormes peitos no corpo de uma

loira espantosa, com uma boca mordaz.

Olhei-a desdenhosamente, enquanto apertava mais forte meus

livros contra meu peito. O apelido a ―Virgem‖ era minha culpa. Collin

me levou a uma boate uma noite, e me diverti um pouco mais da conta.

Todos estavam lá, inclusive Nicole. Collin me viu perder o controle,

enquanto deixei a gloriosa dormência me inundar. Logo depois de

dançar, sentei-me com um menino que não conhecia. Tivemos uma

embaraçosa sessão pública de beijos da qual não me lembro. A parte de

que me lembro foi sua mão deslizando para cima de minha camisa.

Emocionou-me, e foi tão bom sentir algo além de dor. Deixei que suas

mãos ficassem, mas quando foi para minha saia, afastei-o com um tapa

na cara. Quando não parou, gritei. Collin o empurrou para longe de

mim, e Nicole começou a fazer brincadeiras de virgem cada vez que

podia.

Collin me levou para longe dela, e falou baixinho em meu

ouvido: — Existem apelidos piores.

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Olhei para Nicole, falando alto o suficiente para que ela me

escutasse. — Sim, prostituta é muito pior.

O sinal abafou a resposta mordaz da Nicole.

Collin a empurrou para as aulas, dizendo sobre seu ombro: —

Nos vemos mais tarde. Encontro-te no seu armário. Saudei-o, e

caminhei para aula.

Collin gostava de me ajudar a esquecer dos meus problemas, e

sempre me encontrava colocada ao pescoço dele. Às vezes tinha me

levado à praia, e tínhamos sentado perto das ondas. O mar levava as

ondas dentro e fora, em um hipnótico ritmo que me acalmava. Collin se

sentava junto a mim, silenciosamente. Algo sobre o mar e o vento fazia-

me sentir livre, como se não estivesse apanhada em minha vida. Mas

quando as coisas ficavam muito más, precisava de mais. Começava a

me divertir, e Collin sempre estava perto. Não me parava, mas me

mantinha longe dos problemas. Ele não gostava dos meus outros

amigos, mas de mim sim. Deixava-me viver, e me arrepender sem

preconceito.

Logo depois de um tempo, dava-me conta que todas as coisas

que me atormentavam se desfaziam perto dele. E o verdadeiro Collin,

que ninguém via, estava inseguro de si mesmo. A incerteza era

sedutora. Fazia me perguntar quem era realmente; se o menino seguro

que caminhava como se a escola lhe pertencesse, ou a versão tímida

que estava tão profundamente escondida que realmente existia. Collin

nunca tentou ficar comigo; à exceção do primeiro dia que o conheci. As

seguidoras só eram um risco saudável. Isso foi antes que minha vida

tomasse um giro inesperado, e viesse abaixo. Enquanto que o título de

virgem ainda era preciso, não era estranho que me encontrasse aos

beijos com algum sujeito que não me importava. Jogavame nos

estranhos, para aliviar o buraco em meu peito. Afastava os meninos que

realmente eu gostava, com muito medo da dor que isso poderia me

causar.

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Meu ritmo se acelerou quando vi Eric na minha frente, a ponto

de entrar em sala de aula.

— Eric disse. — Espera. Comecei a andar junto a ele.

— Olá Ivy. Pronta para mais diversão em biologia? — perguntou

enquanto o alcançava sem dizer nada do acontecido a noite anterior.

— Sim, como sempre.

Eric tinha um jeito de falar o óbvio que me fazia querer rir. Ele

era simples, mas de uma boa maneira. Era minha atadura à

normalidade. Ao menos pensei que era. Sentei-me em biologia

escutando as instruções para a prática seguinte. Minha mente me

arrastou para a noite de ontem. Meus dedos distraidamente se

desviavam à marca em minha testa.

Suspirei. Eric me olhou pela extremidade do olho. Ignorei-o,

sabendo que não podíamos falar sobre isso agora. Esperar é um saco.

Movia meu lápis inquietamente, entre meu polegar e indicador,

enquanto uma sensação nervosa se arrastava pela minha garganta.

Sempre tomando nota com um lápis, para poder desenhar se a aula se

tornasse muito chata, o lápis amarelo girava sobre cada dedo com uma

graça rápida, antes que fosse tirado de minha mão, e parasse no

menino sentado na minha frente, em sua nuca.

O esportista moveu-se em seu assento e se voltou para me

olhar. Articulei: — Sinto muito. Eric elevou a vista de suas notas

polidamente impressas, e riu. Dois minutos até que o sinal tocasse.

Graças a Deus. Revirei meus olhos, e apoiei minha cabeça sobre minha

mão.

Olhando fixamente o relógio, vi o escuro ponteiro do relógio

mover-se, e o sinal finalmente tocou. O professor lançou avisos sobre

atribuições. Rapidamente agarrei meus livros, e olhei para Eric,

esperando que me dissesse o que estávamos fazendo. Ele fechou seu

livro e empilhou polidamente seus papéis. Meus livros tinham papéis

colados ao lado como às orelhas de um coelho. A organização não era

realmente o meu forte. Eric parecia um pouco ordenado demais para

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mim, mas ele era a razão pela qual não faltei à aula, assim não o

incomodei sobre isso. Eric deu a volta e procurou sob a mesa de

laboratório debaixo de nós. Levantou meu lápis, sorrindo. Peguei. —

Obrigada. Pensei que Bret ia me matar.

— Está sozinha, porque essa foi à quinta vez que o golpeia com

um lápis no último mês. — Recolheu seus livros, e o persegui para fora

da sala de aula.

— Não foram cinco vezes! Chiei incapaz de conter meu

sorriso. Enquanto dobrávamos a esquina, vi Collin apoiado contra meu

armário. Voltei-me para o Eric e perguntei:

— Quando podemos conversar? Lentamente, toquei seu

braço, e ele se deteve.

Eric olhou para Collin e logo voltou para mim. — Caminharei

contigo até em casa. Deixe-me pegar minhas coisas. Senti-me um

pouco incômoda, mas concordei. Collin e Eric se olharam. Ignorando a

ambos, fui ao meu armário.

O braço de Collin deslizou sobre meu ombro. — Ouça Ivy, está

preparada? Falou alto o suficiente para que Eric o escutasse. Vi Eric

dobrar no corredor, e desaparecer de vista.

— Uh, espera. Espera um segundo. Sobre o que está tão

emocionado? Perguntei enquanto devagar punha minha combinação.

Seu sorriso se foi, substituído por uma seriedade que não parecia

correta nele. Limpando sua garganta perguntou:

— Então, namorado novo?

O cadeado fez um clique quando se abriu em minha mão. —

Não. É somente um amigo. Não dê uma de irmão mais velho e não o

persiga até afastá-lo.

Collin cruzou os braços sobre o peito. — Quando fiz isso? Os

cantos de sua boca atiraram para cima em um sorrisinho, e soube que

não estava falando sério. Arqueei uma só sobrancelha, até que encolheu

de ombros, rindo.

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— Então, o que queria? — perguntei, procurando entre minhas

coisas e agarrando o que precisava.

— Só queria falar contigo. E tenho algo para você. Apoiou seu

corpo na fila de armários, me esperando.

Peguei meu livro, e fechei de repente a porta do armário.

Duvidei, olhando-o.

— Espera. O que é? Olhei sobre o ombro de Collin, vendo Eric

caminhando para mim.

Collin deu a volta para ver o que eu estava olhando, e ficou

tenso. Observei os dois juntos por um momento. Eric era uns

centímetros mais baixo que Collin. Eric tinha seu cabelo perfeitamente

curto e desenhado ordenadamente em seu lugar, com sua camisa

dentro de seus jeans, e uma pilha de livros debaixo do braço. Collin

tinha um olhar provocador de recém-saído da cama. Seu cabelo ia

aonde queria, indomável como o resto dele. Sua camisa preta se

agarrava a seu corpo, coberto por uma jaqueta de couro preta e botas

de motociclista. Ambos estavam bons, de uma maneira diferente.

Voltando-me para Collin, perguntei-lhe: — E…? Seus olhos azuis

voltaram para meu rosto. A incerteza brilhou através de seus rasgos,

mas desapareceu tão rápido que não estava segura se realmente a tinha

visto.

Ele se inclinou perto, apoiando sua mão sobre meu ombro, seus

lábios ocultos por meu cabelo, enquanto me sussurrava ao ouvido: —

Vou falar com você mais tarde. Deu a Eric um olhar agudo e se

afastou. Suspirei, vendo-o ir. Não estava zangado, mas tampouco estava

feliz. Merda.

Eric me olhou, perguntando: — Vocês estão… saindo?

— Não. Neguei com a cabeça. Com toda segurança não estamos

saindo. Coloquei meu livro sob um braço, abrindo passo pelas

estreitas portas metálicas que conduziam à parte traseira do edifício,

com Eric ao meu lado. Os meninos caminhavam por um beco atrás da

escola para chegar à avenida. Não estava escuro ou horripilante, e com

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a companhia dos outros meninos, não era o tipo de beco que te deixaria

arrepiada. As pessoas dispersavam à medida que passávamos através

das portas de metal, e aspirei o ar fresco. Apesar de minha fachada

aparentemente escura, desfrutava da sensação da luz do sol em minha

pele. Eric me olhava pela extremidade de seus olhos, sem dizer nada até

que estávamos fora do alcance do ouvido de outros.

— Então, me diga — soltei quando não pude esperar mais. — O

que é isto? — assinalei minha cabeça.

Enquanto caminhávamos passando por vitrines, olhei-o pela

extremidade de meu olho. A conversa estava envolta pelo ruído dos

motores e das buzinas dos automóveis. Sempre havia uma grande

quantidade de trafego a esta hora do dia. Cruzar a rua, sem chegar a

ser atropelado, era um truque.

Eric trocou seus livros para seu outro braço, e diminuiu o passo.

Seus olhos cor âmbar cintilavam dourados na luz do sol. — Vai soar

estranho. Não vai acreditar em mim.

— Só me diga. — Que tão estranho poderia ser?

Eric sorriu levemente e disse: — Ontem à noite me perguntou se

Jake te fez isto, se te fez essa marca. A resposta é não. Não fez. A marca

em sua cabeça faz de você inimigo. Demonstra que é um Martis. Nós

geralmente escondemos, mas quando aparece pela primeira vez, a vida

pode ser um pouco rude. Em poucas palavras, foi reclamada para lutar

pelos meninos bons. Foi escolhida devido a sua forte lealdade e

coragem. Essa é a razão pela qual se elege qualquer Martis.

— Escolhida por quem? Perguntei-lhe.

Eric encolheu de ombros. — Os anjos. Eles lhe fizeram isto.

Quando reclamam a um mortal para lutar a seu lado, essa marca azul

aparece sobre a sobrancelha direita, exatamente onde está a sua.

Olhei-o com a boca aberta, sem acreditar realmente no que estava

dizendo. Tínhamos parado de caminhar. Minhas sobrancelhas estavam

levantando-se com incredulidade. Consegui dizer: — Então, Jake é o

que? É impossível que seja normal. A expressão do Eric era sombria.

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— Ele é um Valefar. São os únicos seres que podem destruir a um

Martis. É imortal, a menos que um desses o elimine. Há uma guerra

que esteve sempre na moda. Os demônios já não têm prazer em

permanecer no seu reino, o submundo. Estão tratando de tomar

também o reino dos anjos. Lutaram largas e terríveis batalha com a

intenção de destruir a qualquer um que se oponha a eles. Em algum

momento, ambas as partes estavam em um ponto morto. Estavam

igualados. Mas os demônios não voltariam. Foi então quando os

demônios fizeram algo que mudou tudo, um deles beijou a um mortal.

O beijo do demônio arrancou a alma do ser humano, e logo injetou no

corpo da vítima sangue de demônio. Esse foi o nascimento dos Valefar.

Basicamente, um Valefar é uma marionete humana que mantém a vida

com o sangue de demônio. São como cadáveres animados, mas se veem

exatamente como gente real. Não se pode saber a diferença a menos que

se dê uma olhada em sua marca ou em seus olhos quando são

apanhados na sede de sangue, ficam de cor vermelha sangue. É o

sangue do demônio que os fez o que são.

— O que quer dizer? Perguntei-lhe. Meus dedos estavam

apertados com força em punhos. Quando tratei de relaxá-los e

desdobrá-los, dei-me conta de quão escorregadios estavam. Suas

palavras estavam me assustando. Soavam completamente loucas, mas

meu instinto me dizia que era real. Tudo.

O olhar do Eric se encontrou com o meu. — Os demônios são as

únicas criaturas que não necessitam de uma alma para sobreviver. E

eles fizeram os Valefar justo como eles, sem alma. O sangue de demônio

é diferente. Perverso. Dá-lhes vida de uma maneira antinatural. O resto

de nós têm almas, os seres humanos, os Martis, inclusive os anjos.

Quando os demônios ficaram em seu próprio reino, os anjos os

deixaram sozinhos, mas quando atacaram e começaram a tratar de

ampliar seu reino, os anjos tinham que fazer algo para detê-los.

Portanto, fizeram os Martis. Nós quase perdemos a guerra por causa

dos Valefar, Ivy. Os anjos não queriam envolver os seres humanos, mas

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foram obrigados a fazê-lo. E foi para melhor, os Martis foram capazes de

apanhar o demônio mais capitalista em uma fossa no submundo,

Kreturus. Ele ainda está vivo ali, esperando que seu Valefar o libere. Os

Martis se asseguram de que isso não aconteça. Minha garganta

deslizou até meu estômago.

— Portanto, um anjo me escolheu para lutar em uma batalha

que não posso ver, e meu namorado era uma marionete demônio. É isso

o que está dizendo?

Eric levantou o olhar para meu rosto. — O que quer acreditar?

Depois de ontem à noite, não posso imaginar como poderia pensar que

o que aconteceu foi normal.

Negando com a cabeça, disse: — Não foi normal. — Estremeci,

esfregando minhas mãos contra meus braços distraidamente. — Ele

estava tirando minha alma do corpo com um beijo, arrancando-a de

meus ossos como se fosse carne.

A mão de Eric se aproximou, e deu um apertão tranquilizador no

meu braço. — Ivy, é o que fazem. Assim é como fazem mais Valefar. Ele

estava te espreitando, com a esperança de te apanhar antes que

soubesse o que era. Ia te vincular, ou te matar.

Com os olhos bem abertos, assenti com a cabeça. — Ele disse

isso. Ontem à noite. Disse que era o momento perfeito, porque ainda

não sabia o que era. — Fechando meus olhos, pisquei com força

tratando de apagar essa lembrança. Levantando o olhar para Eric,

perguntei: — Disse-me que era nova?

— Bom, é, verdade Respondeu Eric. — Sua marca brilhava

mais amadurecida, o qual me confundiu um pouco. Mas parece nova.

Quando viu pela primeira vez a marca?

— Ontem à noite. Não a vi antes. Não estava ali. — Meus dedos

distraidamente tocaram a maquiagem que cobria a marca.

Os olhos do Eric se dirigiram para o lugar, e logo voltaram para

minha cara. — Isso é o que fazem, os Valefar mais velhos nos caçam,

tratando de nos encontrar antes que estejamos prontos. Quase não fica

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nenhum Martis. Quando os anjos pensaram que ganhamos, quando

trancamos ao Kreturus no poço, permitiram que os Martis

diminuíssem. Entretanto, quando se fez evidente que precisavam se

livrar dos Valefar, começaram a adicionar gente aos nossos números de

novo. Não é estranho ter dezessete ou dezoito anos quando lhe marcam.

E os Valefar sabem que os novos Martis não têm nem ideia.

— O que quer dizer? Perguntei-lhe.

— Quero dizer que os Anjos não dão um toque no ombro a seus

escolhidos e entregam um pacote de boas-vindas. Não é a forma que

fazem. Os Martis aprendem que estão por sua própria conta. De todos

os modos, os Valefar fazem amizade com humanos que acreditam poder

obter a marca, esperando destruí-los logo que a marca aparece. Somos

um alvo fácil nesse momento. Talvez esta vez tivesse sorte? — Olhou-

me.

— Isso foi um pouco de sorte. Ouvi a incredulidade em minha

voz. — Isso não foi sorte. Fui enganada. Jake sabia o que eu ia ser

antes que eu. Como Eric soube? Eu não tinha nem ideia do que

estava acontecendo. Nunca sequer escutei nada disso antes.

— Não sei ao certo, mas suspeitamos que cacem as suas presas

de forma que sejam únicas para os Valefar, usando habilidades que não

temos. Ninguém está realmente seguro de como funciona, mas quando

te converte em um Martis, é um processo. Normalmente não acordara

com uma marca amadurecida de Martis na cabeça. É normalmente

uma mudança gradual. Primeiro a marca aparece como uma contusão

azul, antes que se intensifique em um padrão. Assumimos que os

Martis novos estavam sendo assassinados porque sua marca estava

exposta. Mas você não teve essa marca como uma contusão. Deveria ter

visto. Acaba de aparecer, totalmente formada. — Negou com a cabeça.

— Ivy, não sabia que te caçariam. Nem sequer sabia que seria marcada.

— Sua voz era sincera e sombria.

Movendo minha cabeça com incredulidade, fiquei olhando-o

fixamente, com meus olhos bem abertos. Senti que o ar enchia meus

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pulmões enquanto meu estômago se retorcia em nós, sem saber no que

acreditar. — Ivy — disse, se recordar algo sobre os Valefar, recorde isto.

Não sentem nada, não se preocupam com ninguém, e só estão

interessados em uma coisa, o poder. Neste momento, estão tratando de

trocar o equilíbrio de poder de novo a seu favor, assim podem nos

derrotar. Traguei o nó em minha garganta.

— E se nos derrotarem? O olhar do Eric se afastou enquanto

se afastava de mim.

— Podem liberar o Kreturus.

Uma buzina soou, me fazendo estremecer. Atirando minha

cabeça para trás, olhei para o céu azul pálido, e envolvi meus braços ao

redor de minha cintura. Não sabia o que pensar. Olhando para ele,

perguntei:

— Então, o que fazemos?

— Nos mantemos ocultos, e os destruímos antes que possam

nos matar. — Soava muito razoável, como se matar imortais fosse uma

coisa cotidiana.

— Ocultos? É por isso que ocultamos nossa marca, verdade?

Assim os Valefar não sabem se somos humanos ou não? Perguntei.

— Sim, isso torna mais difícil nos encontrarem. Se deixar a

marca descoberta, é como andar com um alvo em sua testa, qualquer

Valefar pode vê-la, não só seus caçadores — fez uma pausa.

— Por que, o que tem de ruim? Senti-me empalidecer. — Eric,

ele me conhece. O Valefar que me atacou ontem à noite, Jake, sabe

quem eu sou. Sabe onde vivo. Saímos por um tempo, antes de tudo isto

acontecer.

— Ivy, eles podem te caçar, uma vez que sabem quem é. Temos

que encontrá-lo, antes que te encontre, e espero que não tenha dito a

outros. Como se chama? Diga-me tudo o que sabe sobre ele.

Disse-lhe o que sabia sobre ele, ou o que acreditava que sabia.

A mão de Eric se levantou até minha bochecha, mas vacilou, e

logo apoiou sua mão em meu ombro. — Vou cuidar dele. Não se

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preocupe com isso. — Seus olhos cor âmbar eram tranquilizadores, mas

não via como podia derrotar Jake.

Neguei com a cabeça. — Não pode ir atrás dele. Ele te matará.

— Sei o que é. E lutei contra os Beijados por um Demônio antes,

Ivy.

Levantando o olhar para sua cara, olhei-o fixamente. — O que é?

Como sabe tudo isto?

Seus olhos cor âmbar brilharam no sol da tarde. — Pensei que

soubesse o óbvio, sou um Martis.

É por isso que me salvou. Então foi assim que dominou Jake.

Senti algo agitando dentro de mim. Eu não gostava de estar sendo

levada a isto, e não ter nada que dizer sobre o assunto, mas tinha gente

muito pior para me aliar do que Eric. Devia minha vida a ele. Não sabia

o que dizer. Pena se derramou por seu rosto.

— Ontem à noite, desejei ter chegado antes. Nunca tinha

conhecido alguém que sobrevivesse a um ataque. Ser beijado por um

Valefar se supõe que é insuportável.

Estremeci e disse: — Foi.

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Capitulo 5

Eric me deixou em minha porta, e foi procurar Jake. Não podia

fingir que as coisas que disse eram falsas. Não depois de ontem à noite.

E, não quando o medo de Eric de lutar contra Jake era tão real. Deixei-

me cair em minha cama, esperando não mandá-lo para sua morte. Se

algo lhe acontecesse por minha causa, não poderia suportá-lo. Em

especial hoje.

Fazia um ano, até hoje, 15 de outubro. Olhei fixamente o teto,

tratando de não recordar. Meu último aniversário, passei averiguando o

que aconteceu a minha irmã, logo depois do acidente. Apryl foi passar

umas férias internacionais com sua melhor amiga, Maggie. Estava com

ciúmes, mas superei contente de ler seus postais e ver o que estava

fazendo.

Um dia os postais cessaram. Não houve nada no dia seguinte.

Logo depois de meu aniversário, minha vida se destroçou como

porcelana quebrada. Os postais desapareceram porque ela se foi. Um

estranho acidente e nunca mais voltamos a vê-la. Mamãe e eu

enterramos um ataúde vazio, e a lápide tinha seu nome, embora nunca

fosse encontrada. Durante muito tempo, esperava vê-la entrar

caminhando pela porta, rindo. Os sonhos me atormentavam igual às

lembranças, tratando de me convencer de que estava viva. Mas ela não

estava. Tinha que seguir repetindo isso, Apryl estava morta.

Admiti-lo ainda fazia com que meu estômago se apertasse como

um nó. Cada dia, eu tinha que reviver a mesma afirmação, minha irmã

estava morta, apesar de que nada tivesse mudado. Era uma âncora que

não se voltou mais leve com o transcurso do ano. Voltei mais forte,

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consegui me arrastar ao redor sem que constantemente ficasse

deprimida.

Meu telefone apitou com uma nova mensagem de Shannon. Sua

mensagem dizia que íamos fazer algo muito pouco característico de

aniversário: Tire seu macacão. Vamos limpar o apartamento de

cobertura da igreja mais tarde! Saltando fora de minha cama, procurei

no fundo de meu armário umas velhas sapatilhas, me perguntando se

era estúpido sair agora. Se Jake estava me procurando, me encontraria

sem importar onde estivesse. Odiava ficar aqui esperando sozinha. Não

podia. Ia, e isso era tudo.

A distração de Shannon aliviaria meu estado de ânimo.

Enquanto que alguém poderia pensar que limpar um apartamento de

cobertura era uma porcaria de presente de aniversário, eu adorava.

Tinha uma estranha afeição pelas coisas velhas, e Shannon sabia. Era

um ano mais velha do que eu, e minha outra melhor amiga. O que me

chateava era que ela estivesse em uma escola privada, e eu não. Mamãe

era muito a favor das escolas públicas apesar de sua rotina, drogas,

sexo e seu normal alvoroço. Pensava que era melhor ser endurecida

enquanto era jovem.

Tirando um par de jeans com buracos nos joelhos, vesti-o e

calcei as minhas sapatilhas. Pus um velho suéter e tratei de domar meu

cabelo rebelde. Shannon é uma dessas garotas que nunca têm cabelo

para domar. Ela é realmente desligada sobre quão impressionante é

com sua pele perfeita, e largas mechas de cor canela. Seu corpo era

magro, e ela era um pouco mais alta que eu. Usava roupas que eram

muito grandes para ela, o qual lhe dava um look de que se perde dentro

de seu J. Crew. Seus olhos verdes brilham, e sua boca se crispa em um

magro sorriso quando está fazendo algo não muito bom.

As pranchas de madeira do saguão rangem, delatando as

pisadas silenciosas antes que mamãe empurre a porta de meu quarto

para abri-la. Sua mão sustenta uma caixa quadrada com um arco. Sorri

quando para ali.

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— Mamãe. Queixei-me.

Antes que pudesse terminar, ondeou uma mão e me deteve. —

Sei que disse nada de presentes, mas este não é meu. Aproximou-se de

mim lentamente. E foi deixado para ti antes que te chamasse, ah — se

deteve procurando as palavras corretas aversão aos presentes. Sorriu

de maneira triste e me estendeu a caixa.

Estava envolta em papel prateado com um arco azul escuro.

Uma etiqueta que dizia ―Para‖ ―De‖ pendurada no topo. Meu coração

desabou em meu peito quando reconheci a letra.

Apryl.

A pequena caixa me fez sentir como se estivesse sustentando um

fantasma. Se mamãe não estivesse ali, poderia não havê-lo aberto

nunca. A dor e a curiosidade se mesclaram, tanto que me perguntei o

que havia dentro. Retirando o papel, descobri uma caixa de madeira

escura. Estava decorada com heras e flores. Parecia feita para mim,

mas não podia ser possível já que tinha aspecto de ser realmente

antiga. Meus dedos riscaram o desenho talhado na madeira suave. Abri

a tampa, um travesseiro de cor escarlate se acolchoava ao redor de um

pente de prender cabelo de prata que descansava no centro. Era a coisa

mais linda que tinha visto. O pente de prender os cabelos tinha dentes

que eram feitos de prata, compridos, e curvados com pontas bicudas. O

punho estava profusamente esculpido, com pedras incrustadas, para

revelar uma pálida mariposa púrpura entalada em redemoinhos de

hera. Era perfeita. Um único soluço escapou de meu peito, enquanto

meus dedos tremiam por cima do pente de prender os cabelos, estava

muito assustada de tocá-lo. — De onde veio?

— Apryl o enviou por correio da Itália o ano passado. Antes de

tudo acontecer. — O braço de mamãe envolveu minhas costas. Quis

lhe dar isso para seu aniversário. Pediu-me que o escondesse. Não

estava segura de encontrá-lo se o trouxesse para casa em sua bagagem.

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Ri. Mas sem nenhum sentimento. Assim era Apryl. Planejava

tudo, até o mínimo detalhe. E fenomenalmente com muito tempo de

antecedência.

— É lindo — disse, enquanto meus dedos trementes tiravam o

pente de prender os cabelos do veludo. Fechei a delicada caixa e a pus

sobre minha cama. — Sim, é. Sua irmã estava tão emocionada por lhe

dar isso. Sabia o quanto você gostava de antiguidades. Estava segura de

que isto era muito antigo, e parecia feito para ti. Um sorriso triste

cruzou por seu rosto.

Assenti. Mamãe pegou o pente de prender os cabelos de minha

mão e pôs um espelho na minha frente. Com um movimento gracioso,

retorceu minhas mechas aneladas para cima e o segurou no lugar com

o pente de prender os cabelos. A filigrana de prata da hera e as gemas

sobre a mariposa brilhava contra meu cabelo escuro.

Olhei fixamente meu reflexo. O remorso me atravessou, por

todas as coisas que eu tinha feito, e inclusive mais pelas coisas que

tinha deixado inacabadas e sem dizer entre nós.

Mamãe me beijou a testa. Depois, deu a volta, e me deixou

olhando meu reflexo, a sós.

O passado e o presente impactaram em um silêncio

ensurdecedor. Quis que o passado morresse assim podia me distanciar

da dor, e o esquecimento, inclusive por um momento. Mas não passou.

Olhando fixamente o pente de prender os cabelos, tocando-o

brandamente com meus dedos, meus olhos se deslocaram para minha

marca oculta. Deveria ter sido capaz de ver uma leve tintura púrpura

mostrando-se, inclusive tão brandamente. Mas tinha ido. Esfreguei a

maquiagem com a palma de minha mão. Esfreguei bastante a marca

púrpura que deveria haver se mostrado em toda sua cor. Mas a marca

tinha desaparecido.

— OH, graças a Deus! Corri para o banheiro e lavei o rosto. A

marca tinha desaparecido. Nenhum rastro dela. Sorri fracamente para

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meu reflexo, pensando que meus problemas tinham diminuído, escutei

a campainha anunciar a chegada de Shannon.

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Capitulo 6

Ivy, isso é tão malditamente estranho! Disse Shannon, enquanto

franzia o nariz desaprovando. Não me interprete mal. Alegro-me de que

conseguisse o perfeito pente de presente de aniversário. Mas estamos

sentadas em um apartamento de cobertura velho e asqueroso, rodeadas

de porcarias mofadas, e seu rosto está tão iluminado como a Times

Square.

Sorriu, soltando um pequeno bufo e voltou para as caixas.

Shannon não entendia minha fascinação pelas coisas antigas.

Apreciava, mas não revelava da mesma maneira que eu. Shannon

moveu uma caixa e tirou a tampa. Uma aranha saiu correndo sobre sua

mão. Engoliu um grito antes que a aranha pudesse escapar, e

estremeceu. — Isso é tão asqueroso.

Ri. Senti-me estranha, mas não pude conter minha emoção. —

É fantástico! Não posso acreditar que nos deixaram subir aqui. Nunca

deixam ninguém.

— Sim, sim. Acredito que as velhas damas da igreja estavam

contentes de não ter que limpar o apartamento de cobertura esta vez. —

Um sorriso preguiçoso cruzou seu rosto. — Desfrute de seu divino

mergulho no lixo. Eu começarei aqui. Em alguma parte. Demônios...

Escutei-a movendo suas caixas, tratando de chegar à parte traseira do

apartamento de cobertura.

Três lâmpadas diretas iluminavam a habitação. Penduradas do

comprido teto, refletindo a forma do corredor abaixo. Suas lâmpadas

emitiam uma cálida luz amarela nas caixas e livros que estavam

empilhados até o teto nas pilhas próximas. As pilhas dividiam a sala em

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um labirinto. Já que as pilhas não pareciam a ponto de cair, não quis

me chocar contra elas tampouco.

Recolhi uma Bíblia gasta. Abrindo a capa, meu dedo se deslocou

lentamente para baixo sobre uma lista de nomes. Estava cheio com

famílias, pessoas que viveram e morreram com nomes e datas dos já

esquecidos. O lugar vazio em meu peito queimou. As sensações de ser

privada de algo me incomodou.

Desejo saber o que aconteceu com ela. Meu aperto sobre a velha

bíblia se fez mais forte, tanto que pensei o que faria se alguma vez

descobrisse como Apryl morreu. Como reagiria? A dor aliviaria? Pus-me

de pé e caminhei para outra pilha, tratando de deter o vazio que estava

caindo em mim, me sugando no passado. Minhas mãos se deslocaram

através da pilha, tocando, mas sem ver. Antes de Apryl morrer, tinha

sido uma sonhadora. Pensava que tudo era possível. Mas, finalmente

comecei a enfrentar a realidade de que minha vida seguia, sem ela.

Um brilho chamou minha atenção, e me tirou de meu

deteriorado estado de ânimo. Uma esquina de um marco dourado

entupido debaixo de um velho lençol. A curiosidade fez presa de mim, e

caminhei para lá querendo ver o que estava oculto. Uma pilha de livros

poeirentos bloqueou meu caminho. Movendo-os para um lado, apertei-

me entre os livros e o marco.

A voz de Shannon me chamou. — Vou levar esta caixa para

baixo. — Balançou-a sobre seu quadril no topo das escadas. —Voltarei

em seguida!

Foi tragada pela escuridão da escada, e estava sozinha. Meus

dedos envolveram com cobiça ao redor do marco. Peguei com rapidez,

liberando-o de toda uma vida de pó. O marco rangeu, enquanto o

elevava por cima de uma pilha de livros e o depositava no chão.

Na minha frente, elaboradas figuras de querubins rechonchudos

e demônios de feio aspecto estavam esculpidos na moldura de madeira

e laminada em ouro. Estavam debruçados no padrão de uma folha

deslizável. Era como ‗Onde está Wally‘, mas com criaturas do Céu e do

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Inferno, meus dedos se arrastaram sobre as folhas esculpidas e as

espirais de querubins. As cores se esfumavam oscilando ao puro

branco, à negra meia-noite, e a cada cor entre os que se canalizava na

pintura, de acima a abaixo. As cores estavam pintadas em linhas

entrecortadas que me recordavam os escarpados na costa. Parecia como

um lugar onde o mar se encontrava com as montanhas, mas ali não

havia água, só a feroz e recortada rocha. Na porção superior estavam os

anjos, ambos os querubins e serafins com espadas chamejantes.

Ligeiramente por cima deles havia uma pura luz branca. Meus olhos

seguiram o redemoinho à parte mais profundamente escura da fossa.

Inclusive as rochas pareciam malvadas. Não havia nada de luz, só uma

escuridão seccionadora de almas.

Rocei meus braços com minhas mãos de acima abaixo, tratando

de acalmar a agitação na fossa de meu estômago. Um pouco por cima

da parte mais profunda e escura da fossa, estavam os demônios. Foram

pintados como coisas vis, com carne gotejando de cor negra.

Assemelhavam-se um pouco aos humanos com ávidos olhos cor sangre,

e afiados dedos.

À medida que meus olhos se deslizavam para a metade da

pintura, havia uma mescla de humanos e seres de aspecto demoníaco.

Já não eram completamente demônios, mas tampouco pareciam

totalmente humanos. Seus olhos eram diferentes, duros, frios, e

debruados de vermelho. Por cima de sua sobrancelha direita havia uma

brilhante cicatriz vermelho sangre. Valefar. Minha mão subiu

distraidamente aonde tinha estado minha marca púrpura. Minha marca

parecia como se uma arma tivesse me golpeado com uma bola de

pintura de purpurina. Mas estas cicatrizes pareciam como ressonantes

purulentas mutações de carne. Senti um retorcer de repulsão atirar no

fundo de minha garganta, e fechei minha boca para afogá-lo.

Mais acima na pintura, havia cores mais quentes e mais

brilhantes. Aí é onde os seres humanos estavam representados. Em

sua maioria eram grupos pequenos de jovens e adultos. As mulheres

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estavam sentadas com bebês sobre seus colos, e os meninos maiores

rodeavam seus pés, jogando tranquilamente na grama. As rochas

estavam cobertas de musgo e flores, e o sol banhava absolutamente

tudo de uma rica luz, vibrantes cores, e profundas sombras.

Enquanto os meus olhos viajavam mais alto ainda, havia seres

de aspecto humano, mas pareciam mais graciosos, mais compassivos, e

mais formosos.

Algo sobre suas posturas me disse que não eram mortais,

embora não havia diferenças reais perceptíveis. Inclinei-me mais perto

para ver seus rostos, riscando-os com meu dedo. Senti culpa por fazer

isso a semelhante pintura antiga, mas o fiz de todos os modos. Tinha

que fazê-lo.

Havia só um punhado destes seres, a diferença dos tradicionais

humanoides demônio obviamente malvados de marcas-vermelhas. Os

azuis estavam pulverizados entre os humanos com suas leves marcas

azuis, brilhando como pó de estrelas. Esses eram os Martis. No topo do

escarpado estavam os anjos suspensos no ar, rodeados por uns Martis

pulverizados no topo do escarpado. Estavam todos reunidos ao redor de

duas figuras centrais, um casal jovem. Cabelo escuro pendurava em

largas ondas, e mechas rodeavam tranquilamente o rosto dela pela

eternidade. Ela estava de pé sobre uma diminuta escada de pedra, por

cima do menino. Os pés dele estavam pendurando. Seus dedos estavam

entrelaçados numa classe de agarre que estava a ponto de escapar. Ele

cairia se ela o soltasse. Era bonito, com rasgos angulosos, cabelo

marrom ondulando e obscurecendo seu rosto. Seus olhos estavam

olhando para baixo à fossa abaixo. A primeira vista parecia como se ela

estivesse puxando-o para cima, longe da fossa. Mas logo depois de olhá-

lo por um minuto, não pude estar segura se ele a estava atirando para

baixo. Não podia dizer se ela estava tratando de ajudá-lo, ou atirá-lo.

Mas algo estava claro. A pintura inteira estava colocada ao redor destas

duas pessoas. Seu comprido vestido branco fluía sobre seus pés nus.

Os dedos de seus pés estavam precariamente na beira de uma só pedra.

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Um de seus braços estava elevando-se para o Céu, e o outro estava

estendendo-se para o Inferno, e seu agarre soltando-se da mão do

menino. A comoção me alagou quando reconheci à garota do vestido

branco. Não pode ser. Não é possível…

Meu coração martelou, à medida que alcançava ao casal grafite.

Senti minha pele formigar com a sensação de que algo ruim estava a

ponto de acontecer. Meu polegar roçou seus rostos, removendo uma

fina capa de pó. Tremendo, agarrei o marco com ambas as mãos.

Olhando fixamente. A marca dele igualava a grotesca cicatriz das

vermelhas, e malvadas coisas demônio-humanas, mas era púrpura. E a

garota… Sua marca era um ligeiro rastro de pó de estrelas púrpuras,

sobre sua sobrancelha direita e formava redemoinhos em um S de lado,

exatamente onde estava a minha esta manhã.

— Santo Céu! A voz de Shannon me assustou. O resto de

suas palavras foi ofuscado por meus gritos. Agarrando meu peito,

tropeçando com meus pés, enquanto meu traseiro golpeava o chão.

O impacto que senti foi como se tivesse golpeado minhas costas

contra uma tabela rígida. O pente de prender os cabelos de Apryl

repicou no chão, escorregando até deter-se nos pés de Shannon. Houve

um silêncio sepulcral, quando seus olhos verdes olharam meu rosto,

emocionada. Logo depois de um momento, sussurrou:

— Ivy, é você.

Pisquei com força olhando a pintura, desejando que mudasse.

Esperando que se parecesse com alguém mais, inclusive um pouco.

Mas não mudou. Era eu, e ele. Quem é que fosse ele.

Shannon me olhou. — Por que não me disse isso?

— Dizer o que? — perguntei, esfregando meu cóccix. Não podia

lhe contar nada sobre os Valefar e os Martis. Não podia dizer que fui

atacada por um demônio na noite passada, consegui ser marcada com

uma marca púrpura no dia de hoje, e vi a mim mesma em uma antiga

pintura esta noite. Sim, certo. Isso parece estranho.

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Olhou-me, e enterrou seu rosto entre suas mãos. Seus dedos

arranhando sua carne por um segundo, logo o afrouxou. Era uma

pessoa moderadamente paciente, mas não podia suportar quando lhe

ocultavam as coisas. — Sua marca. Por que não me disse que estava

marcada? Dobrou suas pernas, sentando-se junto a mim.

Minha mão se levantou para minha sobrancelha, enquanto

meus olhos se ampliavam com alarme. Toquei-o brandamente. — Como

sabe?

Shannon sacudiu a cabeça. Seus elegantes dedos se estenderam

e recolheram meu pente de prender os cabelos. Sua outra mão trouxe

um espelho de mão de uma pilha de pó. Logo depois de limpá-lo em

seus jeans me estendeu o espelho. Olhando meu reflexo, vi os

redemoinhos púrpuras brilhando exatamente onde estavam essa

manhã.

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Capitulo 7

Ainda em estado de choque apertei meus dedos e os esfreguei.

Shannon se apoiou contra uma pilha de caixas, e me olhou antes de

dizer:

— Não vai funcionar. Este pente de prender cabelo é de prata

celestial. Oculta sua marca, para que ninguém mais possa vê-la.

Brandamente tomou a confusão de cachos que cobria meu surpreso

rosto. Retirou-os, deixando descoberta toda a minha marca púrpura.

Quando passou o pente pelo cabelo, a cor se dissipou, como uma

mancha tinta que foi pulverizada com cloro.

Agarrando o espelho, joguei-me para frente, e tirei o pente. A

marca reapareceu, encontrava-se brilhante. Passei o pente de novo, e se

desvaneceu no esquecimento mais uma vez.

Meus olhos procuraram violentamente os dela, pedindo

respostas.

— Shannon, Como...? Foi tudo o que pude dizer.

— Como sei? Perguntou ela em voz baixa. Um suave sorriso

cobriu seus lábios de cor vermelho rubi. Levantou suas mãos para seu

colar, envolvendo seus dedos ao redor da corrente, e puxou. Rompeu a

corrente, enquanto o pendente caía ao chão. A parte de pele por cima de

sua sobrancelha direita, a pele de porcelana que tinha sido perfeita,

agora continha uma raia azul brilhante.

Aturdida, senti que minha boca se abria.

— É um Martis? — Ela assentiu com a cabeça.

— Por estranho que pareça, sim. Foi meu presente de

aniversário número 17, também. Não tinha ideia do que estava

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acontecendo. De repente, não podia dormir bem, e logo quase nada.

Então, em meu aniversário, despertei com esta coisa sobre meu olho. —

Ela assinalou a sua marca azul — Assim — perguntou — Quem lhe

disse isso?

Um sorriso apareceu em meus lábios. Não podia acreditar na

minha boa sorte. Minha melhor amiga ia me ajudar a tratar disto.

— Meu companheiro de laboratório. Comecei a rir, rompendo a

tensão — Um Valefar me espreitava, e me atacou. Eric me salvou e me

trouxe para casa. Disse-me o que sou.

— Eric — Soprou Shannon. É provável que te desse uma lição de

história. Deixe-me te explicar o que omitiu. — Shannon recolheu seu

cabelo em um rabo-de-cavalo enquanto falava — Porque estou segura

de que omitiu coisas. Ivy, já não somos normais. Nem sequer somos

mortais. A marca nos troca. Não somos humanos, mas não somos

anjos, estamos em um ponto intermediário. O poder do anjo se mescla

com o sangue e, de repente, a gente tem mais poder do que pensou que

fosse possível. Podemos fazer coisas que nunca acreditaríamos possível.

Não precisamos dormir, somos mais fortes que qualquer ser humano,

podemos correr mais rápido que qualquer outro animal, e podemos ver

na escuridão, sem um pingo de luz. Alguns Martis são antigos, mas

muitos são jovens como você e eu. Seus olhos verdes se moveram dos

meus — Viveremos para sempre, se um Valefar não nos destruir.

Seus ombros pareciam rígidos, como se algo a estivesse fazendo

ficar tensa. Eu assumi que fosse a surpresa de saber que eu estava

marcada, também.

— Há mais? Mais Martis, além do Eric? — perguntei com

emoção. Talvez isto não fosse tão mau como eu pensava. Shannon

vacilou. Esse deveria ter sido meu sinal de que algo tinha trocado entre

nós, mas eu perdi isso.

— Sim, há mais. Cada um de nós tem uma peça de prata

celestial para mascarar nossa marca. Os Valefar têm algo que mascara

as suas também. Não sei o que é, mas sabemos que, a menos que se

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revelem, não podemos estar seguros de quem são. Ocultar nossas

marcas é uma questão de vida ou morte. — Seus olhos estavam abertos

sem pestanejar. Ela olhava fixamente enquanto sustentava suas mãos

tensamente em seu colo.

Perguntava-me se deveria contar-lhe, Eric me disse que não

dissesse a ninguém, mas ela já a viu. Não vendo o prejuízo, respondi-

lhe: — Eric me disse que a ocultasse. Não o diga a ninguém.

Suas sobrancelhas se arquearam.

— Ele a viu? Viu que era púrpura e não disse nada? Ele não fez

nada? Ela parecia ligeiramente surpreendida, e esperou uma resposta.

Algo trocou, embora eu não pudesse entender a razão. Duvidei.

— Era azul na primeira noite. Ele não a viu de cor púrpura. Eu a

havia disfarçado com maquiagem então, a marca trocou de cor depois

de que eu fui atacada. Minha marca mudou de cor. Talvez isso fosse o

que a incomodou? Por que lhe importaria?

Ela vacilou, mexendo na barra de seu suéter de grande

tamanho, olhava-me com uma expressão estranha. Seus dedos

alcançaram seu colar de prata, e o recolheu do chão. A peça de metal

desapareceu em seu punho.

— Já sabe. Riu — Nunca pensei que seria você. Nem em um

milhão de anos. — Rapidamente se levantou, passeando pela habitação,

sem me olhar.

Meu ritmo cardíaco se precipitou a um nível superior. Levantei-

me e lhe perguntei:

— O que quer dizer com que não pensou que seria eu? O que é o

que não está me dizendo? Meu estômago se retorceu. Quanto pior

poderia voltar-se? Eu já estava marcada, e alistada para lutar em uma

batalha da qual não queria ser parte, mas o olhar no rosto do Shannon

me preocupava. Algo andava mal. Muito mal.

Ela se deteve abruptamente, pressionando a prata

profundamente na palma de sua mão.

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— Ivy. Há uma profecia. É antiga. — Seus olhos se dirigiram à

pintura, e logo depois de novo para mim — É sobre você.

Nossos olhares se encontraram, e senti a garra da tensão em

meu estômago. Mas eu tinha que saber.

— Conte-me o Shannon.

— Supõe-se que é sobre alguém cruel. Alguém malicioso que é

mais sordidamente mau que eles... Mas, é você. Como isso, é você?

Sacudiu a cabeça, avançando para mim rapidamente. Seu punho

branco se abriu e pressionou o pendente de prata com sua marca. Uma

luz azul brilhou sobre o colar, e se apagou a seguir, enquanto o

pendente trocava de forma.

A pequena peça de metal fundido em sua mão transformou-se

numa pequena adaga de prata. Sem pestanejar, seus olhos verdes me

olhavam, enquanto ela sustentava a folha apontando diretamente para

mim.

Com o coração palpitando rapidamente, lancei-me longe dela,

surpreendida. Minhas costas bateram contra uma pilha de livros. Senti-

os balançar sob meu peso.

— Shannon, O que está fazendo? Chiei. A adaga de prata

brilhava sob as lâmpadas nuas. Não podia tirar meus olhos da lâmina

letal. A partir desse momento, tudo saiu mal. Minha melhor amiga

desapareceu e eu fiquei com esta garota louca. Tinha o aspecto de

Shannon, mas não agia como ela. Algo estava em conflito dentro dela,

causando erráticos movimentos bruscos da adaga. Podia vê-lo em seus

olhos. Meu coração pulsava com força, sem poder acreditar no que

estava acontecendo. A semelhança com a noite passada era incrível.

Não podia estar acontecendo. Eu a conhecia muito mais que ao Jake.

Ela não me faria mal. Não havia maneira. Meu estômago se revolveu,

fazendo me sentir doente. Minhas mãos tremiam enquanto as mantinha

no alto, com as palmas de frente para ela.

Moveu-se com rapidez. Seu rosto tenso, enquanto a adaga

flutuava perto de minha garganta, sem tocar minha pele. Aspirei,

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tratando de me afastar da lâmina. Meu corpo estava pressionado contra

a pilha de livros. Resisti à tentação de fazer retroceder ainda mais,

sabendo que tudo viria abaixo. Gritei:

— Shannon. Que demônios está fazendo?

Ela parecia perdida, ali de pé, incapaz de mover-se. Seus lábios

apertados em uma fina linha. Seus olhos estavam frágeis, mas a folha

não se movia. Sua voz era débil, como se desculpando.

— Nos ordenaram destruir à Profetizada. Tenho que fazê-lo.

Sacudiu a cabeça — Eu não posso te salvar. Lágrimas sulcavam seu

rosto.

— Me salvar do que? Shannon está me assustando. Baixe a faca.

Meus músculos estavam muito tensos. Minha pele sentia como se eu

fosse explodir.

Seu olhar sem pestanejar era inabalável. A única pista que

revelava que estava em conflito eram as lágrimas correndo por seu

rosto. Sua voz era suave:

— Disseram-nos que a matasse, antes que aprendesse o que era.

Antes que pudesse cumprir a profecia.

— Tem que haver algum engano. Shannon sou eu! Você me

conhece. Meus olhos se precipitaram pela habitação, procurando uma

saída. Empurrei-me para trás contra os livros que formavam uma

parede atrás de mim.

Shannon estava parada ali, congelada, com seus olhos movendo-

se entre meu rosto e sua adaga. Falou tão baixo que quase não pude

ouvi-la. — Se eu pudesse te salvar, faria. Mas não posso. Ninguém pode

te salvar.

— Shannon, você está equivocada. Não sei do que está falando.

Por que me matariam? Não tem que me salvar. Continuo sendo eu.

Mantendo meu corpo rígido, tratei de permanecer completamente

imóvel. Seu braço se sacudiu, e a adaga de frio metal tocou minha pele.

Não pude suportá-lo mais. Algo se rompeu dentro de mim. Eu não era

uma lutadora, mas não iriam me matar no andar da cobertura de uma

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igreja. Obrigando a pôr minhas mãos em seus ombros rapidamente,

fechei os olhos, e a empurrei. Todo meu corpo se pressionava para trás,

para a torre de livros, precariamente empilhados detrás de mim. A pilha

não suportou. A seção central deslizou para trás, formando um buraco

que me envolveu, antes que o resto da parede dos livros se derrubasse

adiante. Os livros se desabaram do alto, golpeando as prateleiras dos

arredores. No momento em que meu traseiro bateu contra o chão, os

livros choviam por toda parte. Aí foi quando notei: o som de metal

batendo no chão de madeira. Sua adaga caiu. O pulso se acelerou em

meus ouvidos, empurrei os livros de cima de mim, e me levantei. Não

havia um lugar vazio no chão, mas eu a vi. Arrastei-me sobre um

obstáculo, rastejando como um caranguejo, me precipitando através da

incerteza, por sua adaga.

Shannon estava já de pé, tratando de chegar a sua adaga.

Estava fora de seu alcance. Tinha que chegar primeiro. Saltei,

chocando-me contra o chão de madeira, e tomei sua adaga. Sem

pensar, corri para a janela da cobertura e a lancei ao ar. A seguir caiu

no chão, apunhalando a grama.

— Não! Shannon se equilibrou sobre mim, mas tropeçou, e caiu

ao chão. — Que diabos esta pensando? Gritei. Estava sentada a meus

pés com lágrimas em seu rosto — Por que querem me matar? Por que

você...? A exasperação alcançou minha voz, e não pude terminar a

frase. Paralisei no chão de madeira diante dela, gritando: — Diga-me o

que está acontecendo! Diga-me isso agora mesmo!

— Não posso fazê-lo! Não posso! — balbuciou ela, balançando-

se, sem me olhar. Estava completamente atormentada.

Esta traição foi mais do que podia suportar. Ela sempre estava

em minhas costas, e eu às suas. Tremendo, tratei de controlar minha

ira. Minha voz saiu de meu corpo, rouca em um tom monótono:

— Se minha amizade te importou alguma vez, é melhor que

deixe de se passar por boba e me diga isso agora. — Meus olhos

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estavam fazendo um buraco em sua cara. Meus punhos fechados com

força em seus ombros.

— Ivy me importo com você. O que te acontecer é insuportável.

Limpou os olhos, enquanto sua voz tomou o tom de alguém muito

dolorido para falar. — A profecia diz isto: Marca púrpura sobre sua

fronte, brandamente conquista os vermelhos como são agora, ou eles

sucumbirão, devorará a líder, e se elevará como um. Ela ficou sentada

em silêncio, passando suas mãos por sua cara. — Todo mundo pensa

que significa que a garota com a marca de cor púrpura é a que anuncia

o ataque maciço do mal no mundo. Você é a garota com a marca de cor

púrpura, Ivy. É você! — Seus olhos esmeraldas me olharam fixamente,

sem pestanejar.

Sacudindo a cabeça, continuei:

— Não sou eu. Olhe-me Shann! Não sou má. Não me importa o

que diga a profecia. Não sou um Valefar. Não sou má. Você sabe isso.

Por que não pode ser outra pessoa? — Com minhas mãos rígidas em

minha cabeça, separei-me dela.

Sua voz era suave:

— Não há ninguém mais com uma marca de cor púrpura. Não

houve ninguém nunca. É possível que tenha começado azul, mas já não

o é agora. Não tenho ideia de como aconteceu. Só sei que a pintura

mostra a profecia da garota com a marca de cor púrpura. Ela é você.

Você é ela. De algum jeito aconteceu. De algum jeito te converte em má.

— Não acontecerá! Gritei as palavras com desprezo, irritada de

que ela não acreditasse em mim.

Olhei-a. Seus olhos eram enormes, e estavam cheios de dor. Ela

sacudiu sua cabeça para a lona.

— Vê o tipo da pintura?

— Sim. Disse olhando-o — O que acontece a ele?

—Também tem uma marca de cor púrpura, mas a sua é uma

cicatriz. Vê sua pele danificada? — assenti. E continuou — Ele era um

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beijo do demônio, é um Valefar. Ele vai te levar para baixo, para te

converter em um deles. Vê suas mãos? Tenta atirá-las para cima. Trata

de salvá-lo. E então, falhará Ivy. Se falhar, se converterá em um deles.

E destruirá a todos nós: os Martis, o mundo, tudo e a todos. Ivy é o

indício. O cavalo de Tróia. O final de tudo. Isso é você, Ivy! Seus futuros

estão entrelaçados. Se ele ganhar, você perde.

Traguei fortemente, não querendo acreditar em nada do que

estava dizendo. — Por que deveria estar envolvida com um deles? Eles

tratavam de me matar. Shannon tentou falar, mas a interrompi,

caminhando para ela. — Shannon, eu não sou um deles. Nunca vou ser

um deles. — Detive-me ante ela, olhando-a nos olhos. — Acredite em

mim. Foi minha melhor amiga por dezessete anos. Tem que acreditar.

A voz do Shannon foi tensa.

— Quero fazê-lo. Mas não funciona assim. Uma profecia é uma

visão do futuro. Este futuro é mau. E é por sua culpa. — Seus olhos

revelaram a tristeza que consumia sua alma. — Ivy, Quem é ele?

Sentindo o conflito de lealdade de Shannon trocando a meu

favor, olhei fixamente a pintura de novo, olhando sua cara. Sentia como

se o conhecesse, mas eu não podia estar segura.

Neguei com a cabeça.

— Não sei.

— Não posso te destruir. Simplesmente não posso. Mas não

posso mentir. Os Martis não podem mentir, assim se alguém me

perguntar, teremos um problema. Mas eles não deveriam porque eu não

sou a Buscadora, mas ainda assim. Não, não deveriam me perguntar.

Entretanto, ocultá-la vai ser difícil. Vou me assegurar de que não tenha

nada que ver com esse tipo. Proteger-te-ei. Não acontecerá. Não pode

acontecer. — Soou como se estivesse falando e tratando de convencer-

se a si mesma, e não a mim.

Prendi-me a uma palavra:

— O que é uma Buscadora?

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Seus olhos verdes cheios de cansaço piscaram para meu rosto.

— A Buscadora esteve te procurando. Seu trabalho consiste em

averiguar quando foi criada, o segundo em que as marcas definitivas se

formem em sua cabeça e lhe destruam.

Duvidei segura de que nossa amizade era frágil. Eu não podia

confiar mais nela, nem sequer se ela me perdoasse. Meu estômago se

esticou. — Assim... — insegura, olhando-a fixamente — Não vai me

matar? Mas há alguém me buscando que o fará?

Assentindo com a cabeça, seus olhos verdes ficaram fixos em

mim. — Sim. E Ivy... Eric te matará, se o disser.

Eu respondi: — Então, não o direi.

— Ivy – vacilou — não é tão singelo. Estamos obrigados a certos

atos. Alguns de nós não podemos resistir. Destruir o mal é inato, um

reflexo. Não posso te matar, porque eu sei quem é e que não está

maldita agora. Fomos amigas há dezessete anos. Conheço-te.

Entretanto, Eric não duvidará. Se algo for mau, e ver que a marca é de

cor púrpura, confirmará que é parte da profecia... Ele não te deixará

caminhar. E não se deterá de caçar até que esteja morta.

Com toda a segurança disse:

— Ele não o averiguará. — Ela começou a objetar, mas a

interrompi — Ele não o averiguará. Mas, O que tem você? Caçara-me?

Se não houvesse jogado sua faca pela janela, não teria se detido,

verdade?

Shannon me olhou, dando um passo adiante, e disse:

— Eu não necessito da adaga para te matar. — A tensão atou

meus músculos, enquanto ficamos paradas como estátuas, nariz contra

nariz. Finalmente, ela respirou, e continuou: — Não está maldita. Você

não é a garota da profecia. Ainda não. Talvez possamos evitá-lo. E não

vou me dar por vencida contigo até que não veja motivo para fazê-lo. —

Deu um passo atrás e se voltou. A velada ameaça estava ali. Ela me

destruiria quando pensasse que não havia esperança.

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— Eu não sou ela. — disse, desdobrando os braços, e apontando

à pintura.

Ela caminhou para mim com os braços cruzados, em frente, alta

e magra.

— Converter-se-á nela. A profecia diz que ele os empurrará aos

mais profundos abismos do inferno com ele. Servirão-te os demônios e

os monstros durante toda a eternidade. Os filmes de horror que você e

eu estávamos acostumados a ver no cinema empalidecem em

comparação com esse lugar. — Assinalou com o dedo à parte mais

escura da pintura. — Ivy, se esse tipo chegar a ti, trocará. Algo dentro

de ti se romperá, e você quererá estar ali. No inferno. Para estar com

ele. E não vou poder fazer nada para te ajudar. Todos os Martis se

armarão para te destruir, antes que você destrua tudo.

— Eu nunca trairia meus amigos por um cara. Eu nunca

deixaria que o mundo fosse ao inferno por um homem. Não terá que me

ajudar, porque não acontecerá.

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Capitulo 8

A comoção mental estava golpeando os lados de minha cabeça,

me dando dor, enquanto olhava fixamente o teto do meu quarto. Estava

de merda até o pescoço e não sabia como sair. Negá-lo, em realidade,

não estava funcionando. Poderia dizer que tudo isto não aconteceu, mas

não mudaria nada. Ainda seria caçada. Quanto mais pensava nisso,

mais zangada me sentia. Empurrei meu travesseiro sobre meu rosto e

gritei. Quando o ar escapou de meus pulmões, minha ira se apagou um

pouco. Apoiei o travesseiro sobre meu ventre, com o olhar perdido. Não

tinha outra opção, exceto aceitar tudo o que me impôs, e tratar de fazer

algo disso. A parte que mais me incomodava não era a Buscadora atrás

de mim no meio da noite, era que pensassem que eu era má.

Ter alguém me chamando de ruim na minha cara era estranho;

já que eu não sou. Mas me fazia perguntar se em algum nível, estava

certo. Talvez esse fosse o lugar onde me dirigia. Fazia algumas coisas

idiotas no último ano, mas não haveriam dito que nada disso era mal.

Desfrutei de festas, bebi e me joguei em cima de qualquer menino. A

maioria dos adolescentes também o fazia de todos os modos. Não era

bom, mas não acredito que me desse um Passe Rápido ao inferno

tampouco.

Necessitava algo. Parecia muito com um sonho para ser real. Se

tivesse algo para tocar e sustentar, não se sentiria tão malditamente

estranho. O plano se formou em minha mente sem muito pensamento

consciente. E esperei.

Ao cair da noite, senti-me um pouco melhor. Minha mãe me deu

bolo de aniversário e apaguei minhas dezessete velas. O ano que vem

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haveria uma vela mais, mas eu ainda estaria nos dezessete anos. Teria

dezessete anos quando eu tivesse setenta. Como se supõe que ocultaria

isso? Teria que lutar com isso mais tarde.

Manter-me com vida era mais urgente neste momento. Era

estranho, mas não tinha ideia do muito que queria viver, até que Jake

tratou de me matar. Estava contente de que ainda estivesse aqui para

soprar as velas. Depois de muito bolo, joguei-me sobre minha cama

esquecendo a delicada caixa que ainda estava ali. Ricocheteou na cama

e se estrelou contra o chão.

Dava a volta para agarrá-la, mas a madeira não sobreviveu ao

impacto. Estava recostada no chão, quebrada. Fechei os olhos,

piscando para afastar as lágrimas. Meus dedos recolheram a caixa, e a

sustentei com delicadeza em minhas mãos, tratando de arrumá-la. Não

é que estivesse em mal estado. Meus dedos passaram através da

abertura na parte inferior do quadro. Tirei a almofadinha para ver quão

danificada estava, mas o interior da caixa não estava quebrado. Quando

a virei, o fundo exterior da caixa estava quebrado. Pressionei minha

unha no espaço para confirmar o que viam meus olhos, imediatamente

me arrependi. A caixa se deslizou fora de minhas mãos.

— OH, não. Não. Pressionei as peças juntas, mas já era muito

tarde. Elas estavam divididas exatamente pela metade. Suspirando

pesadamente, senti as lágrimas brotando. Arruinei o último presente

que Apryl me deu.

Deixei cair a metade da caixa quebrada na cama, para limpar

uma lágrima dos meus olhos quando a vi. Uma corrente negra se

deslizou para fora da parte inferior. Enlaçando a corrente ao redor de

meus dedos, tirei-a. Era um colar com um pendente pequeno, do

tamanho de uma moeda. Era um disco de pedra sólido de cor negra que

tinha incrustados duas peônias de marfim. Sustentei-o em minha mão,

olhando-o, me perguntando se Apryl sabia que estava na caixa. Abri o

fecho e pendurei-a ao redor do pescoço. O pendente ficou suspenso no

oco de minha garganta, exatamente onde teria levado uma gargantilha.

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Meus dedos se deslizaram pelo marfim áspero. Romper a caixa

não parecia tão amargo agora. Encontrei um tesouro escondido. E

harmonizava tudo. Não era muito elegante nem muito singelo. Poderia

usá-lo todo o tempo. Manuseei o disco frio em meus dedos me

perguntando por que estava oculto na parte inferior da caixa.

Não estava cansada quando fui dormir essa noite. O sonho era

algo que já não necessitava mais. Fiquei sentada na borda puída de

minha manta, esperando. Mamãe tinha que estar dormindo. Assim

esperei, movendo nervosamente meu pé sem descanso até que os sons

do silêncio se ecoaram por toda a casa. Sacudindo meu corpo em

posição vertical, caminhei para minha penteadeira. Olhando no espelho,

percorri minhas bochechas com meus finos dedos. Ainda parecia

comigo, e essa marca púrpura ainda estava ali, delicadamente escondo

com uma grande quantidade de cachos. A marca estava trocando,

voltando-se cada vez mais elaborada. Trocou minha vida mais rápida e

mais forte que qualquer outra coisa que já tenha encontrado. Perguntei-

me se sobreviveria.

Rapidamente, bati nas bochechas e recolhi o meu cabelo em um

rabo de cavalo firme. Apunhalei-o com meu pente de prata para ocultar

minha marca. Então me lancei pela janela, para o ar da noite. Minhas

sapatilhas golpearam o pavimento em golpes rápidos. Não era

corredora. Nem sequer caminhava, se podia evitá-lo. Mas essa noite, eu

corri o mais rápido e por mais tempo que nunca. Corri até que meus

pulmões queimaram desejando ar.

Detive-me. Minha igreja estava assentada, banhada na

escuridão, diante de mim. Atravessei o estacionamento vazio. O manto

das árvores rangia, enquanto caminhava sob seus enormes ramos.

Colocando a chave na fechadura, girei-a uma vez, e abri a porta. Meus

pés atravessaram corredores escuros, indo diretamente ao andar da

cobertura. Encontrei o marco coberto com um lençol, que tinha deixado

antes.

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Agarrei-o e comecei a tirar os grampos metálicos da estrutura de

madeira. Estava destruindo uma obra de arte. Genial. Mas tinha que

tomá-lo. Tinha que ver no que me convertia e como o fazia. A pintura

tinha que dizer mais do que parecia. Era meu único vínculo com a

pessoa em que me converteria. A pessoa que não queria ser. O tecido se

soltou, e o enrolei silenciosamente. Voltando para a manta, coloquei o

marco vazio de volta no rincão poeirento. A pintura se enrolou até o

tamanho de um tubo de toalha de papel. Meti-o em minha jaqueta, e saí

do edifício. Ninguém me viu.

Deslizando de volta na noite, meu rabo-de-cavalo se agitava,

enquanto corria. Meus pulmões queimavam, enquanto que meus pés

golpeavam o chão sem saber aonde ia. Não me importava. O vento da

noite glacial me açoitava a cara até que minha carne queimou. Mas não

podia parar. Minha preocupação se derramou fora de meus membros, e

a energia nervosa me levou mais longe e mais longe de casa. Enquanto

corria os altos edifícios se faziam menores, e as árvores se faziam mais

finas. Logo só a grama nua das fazendas me rodeava.

Quando não pude obrigar meu corpo a dar um passo mais,

detive-me bruscamente. Dobrei-me para diante, e meu rosto girou para

os lados respirando com dificuldade. Um edifício escuro e enorme

estava em pé, na distância. Coloquei minhas mãos em meus joelhos,

respirando. Minha camisa empapada de suor se pegava a meu corpo.

Recompus-me, reconhecendo a silhueta de uma igreja estendendo-se

diante de mim. A grama morta rangia sob meus pés, enquanto

caminhava para o decrépito edifício. As magníficas ruínas me

chamavam. Falavam-me silenciosamente, deixando abandonadas

esperanças e promessas.

Uma torre se estendia para o céu escuro, e estava sujeito por um

edifício de pedra que estava em ruínas. Parecia que era uma versão do

tamanho de capela de uma das velhas catedrais europeias. Do tipo com

grandes arcos que se estendiam para o espaço com pedras, ancorados

em seu lugar, com ângulos que desafiavam a gravidade. As portas eram

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feitas de madeira maciça esculpidas com ferragens decorativas e cabos

nas portas. O edifício estava solitário, envolto em silêncio e sombras. A

inquietação me atormentava. Olhei ao redor, sem saber onde estava. E

estava sozinha, a menos que contasse o cemitério. Minhas mãos

empurraram contra a porta de madeira, esperando encontrar

resistência, mas cedeu ao peso de meu tato. Entrei no edifício, e saí da

luz da lua. O interior estava escuro, mas ainda podia ver com minha

visão Martis. Entretanto, as comodidades da luz solar, como o fato de

que conseguia afugentar estranhos, estavam desaparecidas. Retorci

minhas mãos, e caminhei para dentro. Passei por uma entrada

pequena, e uns bancos perfeitamente alinhados cobertos por uma

grossa capa de pó branco. Meus pés pressionavam brandamente a

pedra. O som de minhas pegadas rompia o silêncio. A vidraça que

brilhava na luz da lua não estava intacta.

Cristais quebrados revelavam estrelas, enquanto a frescura do

ar noturno se filtrava através das aberturas. Não sei se eu adorava

porque estava abandonado, ou porque alguma vez tinha sido formoso e

agora estava quebrado.

Quando cheguei à parte dianteira da igreja, detive-me. O

crucifixo se foi. O material do altar se foi. Tudo o que não estava

agarrado ao chão, como os bancos de igreja, foi-se. Uma grande roseta

pendurava em cima do altar. Tinha mais cores que um caleidoscópio.

Sentei-me e cruzei as pernas debaixo de mim, meu olhar fixo na janela

redonda. O ar estava calmo. Estava sentada sozinha, no espaço

sagrado, me sentindo perdida e necessitada. A derrota estava me

superando. Deixei-me cair para frente.

O tecido enrolado me golpeou o peito.

Colocando a mão na jaqueta, tirei o tecido. Desabotoei minha

jaqueta, afastando-a de meu corpo empapado de suor, e a atirei ao

chão. O frio no ar da noite me fez sentir melhor. Desesperadamente,

desejei poder controlar esta confusão, meus dedos desenrolaram a

pintura no chão. O tecido era pequeno. Era muito mais manejável

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despojado das tiras. O pensamento de que o tinha roubado de uma

igreja, bom, isso não tinha me ocorrido ainda. Sentia-me como se

tivesse um direito sobre este quadro: necessitava-o. Vivia ou morria

pelo que ocorresse nesta coisa. Tratava-se de mim, e eu tinha que saber

que razão tinha de estar na pintura: o ponto onde tudo saiu mal.

Meus dedos se deslizaram através do óleo, enquanto estudava as

caras. Os seres humanos pareciam pacíficos e felizes. Nenhuma das

caras resultou-me conhecida. Todas elas eram estranhas, levando

roupas não reconhecíveis de todos os tempos. Meus olhos se deslizaram

sobre a que me descrevia. A angústia encheu minha cara. A garota da

pintura parecia sentir-se da mesma maneira em que me sentia.

Confundida. Perdida. Sozinha.

Seus dedos estavam entrelaçados com força com os do moço. Ele

cairia, se o deixava ir. Não o deixaria ir. Não deixaria que simplesmente

morresse, segurando a pintura, falei a mim mesma:

— Como isso me faz má? Não entendia. Sustentei o tecido mais

perto, sacudindo a cabeça. Na borda da pintura, havia pequenas

marcas em tinta dourada. A moldura havia escondido estes antes,

assim não pude vê-los. Olhei-os, com a esperança de dar sentido a

seus pequenos patrões intrincados, mas isso é tudo o que era: um

patrão. Algo que se veria bonito em lugar de um marco.

O desespero se apoderou de mim, enchendo minhas veias.

Derramou-se em minha boca em um grito tosco. Aferrei meu rosto com

minhas mãos, sem saber o que fazer. Não havia nada ali. Não havia

pistas sobre como me converteria neste monstro sinistro. Quando o

olhei de novo, tinha a esperança de que tivesse uma revelação ou algo

assim. Mas não tive.

Nada. Não havia nada mais ali. Meus olhos escanearam a

pintura em busca de símbolos, de esperança, direção, ou algo que me

ajudasse. Mas não havia nada. Teria que averiguá-lo por minha conta.

Sozinha.

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Traços com pincel estavam pintados, cortando os escarpados

negros, formando pequenos atalhos. Todos os caminhos aparentemente

levavam a nenhuma parte. Não é de se admirar que todas estas pessoas

estivessem presas no penhasco. Não havia maneira de sair. Isso resume

minha nova vida. Não havia maneira de sair. Era o único inseto

estranho com uma marca púrpura por aí. Até que arruíne tudo, e jogue

o cara neste penhasco. Talvez assim fosse como me convertia em má?

Talvez não fosse que eu tratasse de salvá-lo, mas sim como não o salvei.

Deixar morrer, se podia evitá-lo, não era algo que eu faria. Nunca.

Baixei a cabeça em minhas mãos.

Apenas podia sobreviver a minha vida normal, e agora isto se

lançava contra mim. Meus dedos se deslizaram sobre a pintura. Lisa

sob minha pele. Este era meu futuro, tanto se o aceitasse ou não.

— Foda disse para mim mesma. Estava um pouco

surpreendida pela palavra, inclusive à medida que saía de minha boca.

Uma voz falou detrás de mim.

— Nunca te ouvi dizer isso antes.

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Capitulo 9

Meus dedos se lançaram para meu rosto limpando as manchas

de lágrimas. Não se aproximou de mim. Permaneceu onde estava atrás

de mim, nas sombras mais profundas.

— Collin — disse em voz baixa, sem me girar para olhá-lo,

sabendo que me escutava. Minha camisa molhada colava em meu

corpo. Quis tirar a jaqueta, mas a pintura estava oculta debaixo, e não

queria admitir que a roubara. De uma igreja. OH, Deus. O que estava

fazendo? Antes de lhe dar outro pensamento os pelos em meu pescoço

se arrepiaram. Meu estômago se revolveu em resposta, sentindo como

se tivesse comido um sanduíche de vidro. Algo não estava bem.

Girando, meus olhos atravessaram a escuridão, procurando ver

o que me inquietava. Era Collin. As sombras não podiam ocultar a

ansiedade em seu corpo. Sua postura era rígida, sua tensão ecoava à

minha. Seus braços estavam cruzados sobre seu peito, e seus músculos

flexionados, pressionando fortemente seus braços contra seu corpo. Seu

cabelo se estendia sobre seus olhos, e parecia estar úmido, como o

meu.

Correu até aqui? Olhei seu peito subir e baixar lentamente,

enquanto dava profundas respirações. Só era Collin.

Desprezei o pensamento, pensando que meu cérebro estava frito

e muito paranoico para distinguir o perigo da loucura. Não ia afastar a

todos meus amigos devido ao Jake. A traição doía, mas não deixaria

que me fizesse temer a todos. E este era o típico, misterioso Collin.

Aparecendo quando eu estava uma ruína, como sempre o fazia.

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Separando nossos olhares, voltei meu rosto para baixo, e olhei

fixamente o chão. E bem a tempo, também. As lágrimas brotaram de

meus olhos e transbordaram. Odiava chorar na frente de outras

pessoas, mas logo depois de tudo o que eu tinha passado meu cérebro

finalmente se enredou com meu coração. Traição, medo, amor, luxúria,

e ódio, todos formando redemoinhos amargamente.

Não escutei aproximar-se. Collin se sentou junto a mim, sem

dizer uma palavra até que as lágrimas diminuíram. Finalmente, colocou

sua mão no bolso e logo a colocou sobre meu colo. Quando levantei a

vista para olhá-lo, abriu sua palma. Um anel de prata com uma pedra

vermelha sangue brilhava para mim. Pressionou-o em minha mão. — O

que é? — Solucei.

— Seu presente. — antes que pudesse protestar disse: — Não

vou recebê-lo se me devolver isso. É para você. Pensei que podia usá-lo

hoje. É um rubi em ouro branco. Escutei que expulsarão a dor de sua

alma. Possivelmente seja um conto de velhas, mas de todos os modos,

pensei que podia usá-lo hoje. — Sorriu-me fracamente, sabendo que

estava pisando em território perigoso.

Deslizei o anel em meu dedo indicador e o olhei me perguntando

se ele o teria feito.

— Não me sinto diferente.

Sorriu. — Possivelmente demore mais que dois segundos. —

aproximou-se mais.

Consciente de sua proximidade e meu corpo coberto de suor,

senti-me incômoda. Deveria ter me reconfortado que sua pele estivesse

suada também, mas ele cheirava bem, e eu fedia. Fiquei de pé, e

sustentei o anel na luz da lua. Os rubis podiam realmente absorver a

dor? Levei minha mão até o pingente de Apryl sem pensá-lo. Se

pudesse, inclusive um pouco, iria usá-lo.

Dava a volta esperando encontrar Collin no chão, mas estava

parado atrás de mim. Ao calcular mal a distância entre nós, tinha

alinhado meu corpo muito perto do dele. Respirei fundo, assustada.

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Quando elevei o olhar, estávamos nariz com nariz, quase nos tocando,

mas nenhum dos dois se moveu. Ficamos olhando fixamente, nossos

olhares travados. Algo se moveu dentro de mim. A sensação fez que

meus braços se sentissem leves, como se pudessem elevar-se flutuando

por vontade própria até cair ao redor do pescoço de Collin. Envolver

meus dedos em seu suave cabelo seria tão fácil, mas meus braços

permaneceram em seus ombros.

Uma imagem apagada atravessou minha mente. Senti mais

como uma velha lembrança, apagada e nebulosa pelo tempo. O eco de

uns dedos tocando a pele, deslizando-se lentamente sobre a suave

bochecha. A sensação raspou meu estômago brandamente, fazendo com

que meu coração pulsasse mais rápido. Sua cálida respiração acariciou

minha pele, enquanto nos encontrávamos rodeados pelo vidro

destroçado. Minha dor se derreteu, fluindo fora de mim, levando junto

com isso minha irritação e tristeza. Nada tinha ficado exceto eu. E ele.

O calor se disparou através de mim, me obrigando a respirar

profundamente em uma resposta inesperada. Os dedos de Collin se

aproximaram de minha cara. A esperança me encheu, desejando que

acontecesse o que acabava de ver em minha mente. Fiquei ali, olhando-

o nos olhos, com muito medo de inclusive respirar. Meus lábios se

separaram, como se respirasse superficialmente, fechando os olhos e

lentamente abrindo-os de novo. A compreensão de querer que a

premonição acontecesse me consumiu. Nunca havia me sentido assim

antes. Havia tanta emoção conectada a um pensamento, e a sua

presença. A mão dele baixou, aproximando-se de meu rosto. E ficou

imóvel no ar, quase me tocando. As mariposas infestaram meu

estômago, enquanto a expectativa se apoderava de mim. Entretanto,

quando se moveu novamente, seus dedos tocaram somente um cacho,

evitando minha pele. Esperei que deslizasse sua mão por minha

bochecha. Esperei a sensação sobre minha pele. Em seu lugar, colocou

o cacho perdido detrás de minha orelha, e retirou sua mão. A decepção

me encheu, enquanto nossos olhares se separavam. A magia do

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momento se destroçou, e ele retrocedeu um passo. O que foi isso? Meu

corpo estremeceu, enquanto me dirigia para longe dele, dando alguns

passos. Envolvi meus braços ao redor de meu corpo, olhando-o sobre

meu ombro. Seu olhar fixo em todos os lados, menos em mim.

Raramente nos olhamos fixamente nos olhos. Nunca havíamos nos

tocado. E era por este tipo de razão que não acontecia. Sentia-me como

em um jogo mental, mas não queria admitir que fora mais do que isso.

Minha voz saiu áspera: — Por que veio aqui, Collin? — Nem

sequer o olhei.

— Chamou-me — disse brandamente — Tive que vir. — deu a

volta, sem saber o que fazer. Meus nervos se esticaram ante sua

inesperada resposta. Algo estava me incomodando, mas não sabia o que

era. Eu gostava que aparecesse quando estava necessitada de alguém,

mas nunca soube como o fazia. Ou como me encontrava. Ou por que

não me tocava quando me encontrava destroçada. A maioria dos meus

amigos ao pior ofereceria um abraço. Mas ele não. Sentia que era

intencional, como se evitasse me tocar a toda custo. De repente, a ideia

resultou intolerável. A irritação cresceu incontrolável em meu interior.

Sem saber como responder simplesmente apontei: — Não te chamei.

Collin guardou silêncio por alguns minutos. Pareceu inseguro

de si mesmo, o que era estranho de sua parte. Pude escutar sua

respiração, lenta e deliberada. Fez uma falsa menção de falar, e logo

disse:

— Deveria voltar para casa, Ivy. Não saia sozinha. Não é seguro.

— Lentamente, deu a volta para partir.

Não me movi. Olhando sem nenhuma expressão, as lágrimas

correndo por minhas bochechas, e um sussurro saiu de minha boca.

— Nada é seguro. Não mais.

Collin parou e deu a volta, me olhando. Seus lábios se

separaram, como se quisesse dizer algo, mas não o fez.

Senti-me derrotada, parada frente a ele, completamente exposta.

A crueldade disso cresceu em mim, fazendo que meu estômago se

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revirasse. Meu olhar evitou seus olhos. O ar ficou espesso, e nós dois,

ali de pé como se tivéssemos feito algo de ruim, embora não tivéssemos

feito nada. Não podia mais suportá-lo.

Quis lhe perguntar, por que não me toca? Mas escutei a minha

voz perguntar: — Como me encontrou?

Seus olhos azuis sustentaram meu olhar fixamente. Seus lábios

se separaram, enquanto eu esperava as palavras. Entretanto, quão

único pude escutar foi sua respiração escapando de seu corpo. Rompeu

o contato de nossos olhares e passou seus dedos por entre seu cabelo,

para longe do seu rosto. Sua pele era suave e perfeita. Nenhuma

cicatriz. Mas, os Valefar a ocultavam igual a minha marca, oculta neste

mesmo instante. O choque me alagou quando me dava conta do que

estava pensando. Realmente não confiava nele? Não, eu estava

paranoica. Podia confiar em Collin.

Deu um passo para mim, mas não tão perto esta vez. Cruzou os

braços, sustentando-os frouxamente contra seu peito. Sua voz era

suave: Ivy, chamou-me. Fez-me vir. Não sei exatamente como sei

onde está, mas sei. É como se seu espírito me chamasse e não pudesse

ignorá-lo. — Meu olhar se fixou em sua boca à medida que falava —

Não tem importância onde me encontre ou o que esteja fazendo, ou com

quem esteja… Quando te escuto fez uma pausa — quando escuto

sua angústia… Não posso ignorá-lo. É como a canção de uma sereia.

Não posso resistir, Ivy. Tenho que vir a ti.

Suas palavras penetraram minha mente, se infiltravam em

lugares escuros que estavam voltando-se maiores e desconfiados.

Minha pele pinicava, enquanto meu coração pulsava acelerado. Pude

sentir seus olhos sobre mim, esperando que o olhasse outra vez. Mas

não sabia o que fazer. A desesperada sensação de querer saber, sem

dúvida nenhuma, se ele era normal me afogava. Não soube que loucura

me levou a fazê-lo, mas o fiz. Dando um passo para ele, fechei a brecha

entre nós.

Elevando meus olhos a seu rosto, disse: — Beije-me, Collin.

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A vulnerabilidade e a dúvida se alinharam em meus

pensamentos. Havia uma maneira de prová-lo, um beijo. Se me

beijasse, saberia se era normal. Somente Collin. Se não o fazia, então

ele era algo mais. O medo e a desconfiança estavam lutando com a

lealdade que sentia com ele. Tinha que saber. Esta era a maneira mais

fácil de averiguar. O rosto de Collin vacilou. Sua postura segura

derreteu, enquanto fisicamente se afastava de mim, levantando suas

mãos, para que eu pudesse ver sua palmas.

— Ivy. Isso não é… uma boa ideia.

Com os olhos fixos, dei um passo para ele, vendo sua fachada de

confiança desaparecer. Pude sentir o pulsar de meu coração

profundamente em meu interior. Isto me diria se era normal.

Necessitava que Collin fosse. Nada mais. Querido Deus, nada mais.

— Uma vez quis. Sei que quis.

Collin deslizou seus pés para trás, aumentando a distância entre

nós, mas seus olhos não abandonaram os meus.

— Ivy, agora não é um bom momento. Não posso tomar

vantagem de ti quando está neste estado. — Seu pé se deslizou outro

passo para trás.

Meu olhar ficou fixo em seus olhos azuis sem pestanejar. Minha

voz sussurrou: — Só um beijo.

Dei outro passo para ele, fechando o espaço entre nós.

Elevou suas mãos no símbolo universal para deter-se. Não nos

tocávamos. Rompeu meu olhar e olhou para outro lado.

— Não posso Ivy. Não me sinto dessa maneira. Sinto muito. — A

resposta a minha pergunta, estava olhando fixamente para mim. Ele

não era normal. Só que eu não queria admiti-lo. Ainda não.

— Collin — perguntei com suavidade — O que é você?

Seu olhar azul se aumentou, enquanto passava seus dedos entre

seus cabelos.

— O que quer dizer com isso? — Soou ofendido e começou a

afastar-se. Sacudi minha cabeça.

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— Sabe o quero dizer. Não me toca. Jamais. Por que não? Sei

que gosta de mim, mas não me beijará. Pensei que era eu que nunca

lhe permitia isso. Todo este tempo, pensei que você respeitava minha

distância. Mas não é isso, não é mesmo? — Meu coração se acelerou

dentro do meu peito. Não podia digerir outra traição, e não vindo de sua

parte. Só me diga Collin.

Sorrindo dessa forma juvenil tão sua, Collin começou a dizer: —

Ivy, isso é loucura. Estamos sozinhos… Mas não o deixei terminar.

Alcançando seu pescoço, enlacei meus dedos em seu cabelo, puxando

ele para mim. O corpo de Collin se afrouxou em meus braços, quando o

senti pressionar-se contra mim. Senti-me excelente, até que minhas

mãos se deslizaram, e toquei sua pele. Uma quebra de onda

calidamente fria estalou em mim, viajando através de minha mão, e

entrando em meu corpo como um gigantesco golpe de eletricidade

estática. Ambos nos sacudimos, rompendo o contato.

A comoção estava gravada em meu rosto, enquanto olhava a

minha mão tremente, e logo depois de volta a Collin.

Sua voz era tensa: — Que demônios foi isso? — Sacudindo sua

cabeça, com os olhos bem abertos, continuou movendo-se mais longe

de mim — Isso foi muito. Não posso ser o que necessita. Ivy, não sou

esse cara. Não o sou. — Deu a volta afastando-se de mim, caminhando

em largos passos, desaparecendo além das portas no fundo da igreja e

na noite.

O pavor me encheu enquanto agarrava minha jaqueta,

tampando a pintura sob meu outro braço e correndo em direção oposta.

Corri para a parte traseira da igreja, e subi uma escada pouco

iluminada. Atravessando a primeira porta que encontrei, deslizei no

quarto, e empurrei a porta para fechá-la atrás de mim. Collin não me

seguiu. Não desta vez. Foi-se. E era minha culpa. Não quis que fugisse.

Apenas queria saber a razão pela qual me enlouquecia.

Que demônios tinha de errado comigo? As emoções borbulharam

em uma mescla espumosa de humilhação e arrependimento. A ira

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queimou através de tudo isso. Collin era um dos únicos amigos que

tinham me restado, e o arruinei. Grunhindo com frustração, dei a volta

e joguei a pintura em uma pilha de livros. Rolei-o por trás deles e longe

da minha vista. Deslizando minhas costas para baixo pela parede,

baixei meu traseiro ao chão, golpeando minha cabeça brandamente nas

prateleiras de madeira de trás. Ele não quer me tocar. A realidade se

chocou contra mim com um golpe ensurdecedor.

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Capitulo 10

A escola continuou. Minha vida como uma problemática Martis

resultou ser menos entristecedora durante o dia escolar. Ninguém me

caçava ali.

Ao menos, não acreditava que o fizessem. Ainda me perguntava

quem era a buscadora, e o quanto estava perto de me encontrar, mas

ninguém se destacava como um perseguidor angélico. Minha nova vida

era estranha, e estava tendo problemas com ela. Aprender a sobreviver,

sem expor meu segredo, me fazia querer lançar algo. Deixar de lado

todos os pensamentos dos Martis e Valefar que queriam me matar, me

fazia passar o dia. De algum jeito, também arrumei isso para evitar ter

que lutar com o maior engano de minha vida.

Collin brilhava por sua ausência, o que significava que ou se

escondia, ou que me evitava a todo custo. Ou ambas as coisas. Não

sabia como solucioná-lo.

Ele correu. Como se o assustasse, como se não pudesse

suportar a ideia de me tocar. Era um grande desastre. Sem ter ideia do

que lhe diria, estava contente de que estivesse me evitando. E não era

como se lhe pudesse dizer a verdade, o qual soaria louco ―Olá Collin,

estou atuando como uma louca, porque um escravo do demônio tratou

de arrancar minha alma na outra noite, logo minha melhor amiga me

atacou. Senti-me completamente sozinha, e você estava ali, e... bom‖.

Não importava de todos os modos. Não podia dizer-lhe. O último

sinal tocou às 14:26. Como não queria ir para casa ainda, retardei

minha saída, caminhando com Eric, perdida em meus pensamentos.

Avançamos através de uma multidão de meninos, em direção a meu

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armário. Algo me disse que deveria tomar cuidado com Eric, mas justo

agora era uma das poucas pessoas com as que podia falar. Isto obrigou

a uma amizade que estava apoiada em mentiras, o que fazia com que

minha pele formigasse. Odiava mentir, mas não tinha escolha.

Nossas conversas foram tornando-se cada vez mais normais,

enquanto minha vida ficava estranha. Sorri para ele.

— Não sei como pode suportar me ter como sua companheira de

laboratório. Vou arruinar nossas notas.

Tomamos nosso caminho pelo corredor, através de uma

multidão de meninos dispersos. Uma caixa de luz piscava em cima. Eric

tinha um suave sorriso nos lábios.

— Não, Ivy. Ficará tudo bem. — A advertência de Shannon ecoou

em minha mente, algo como Ele te matará. Não podia imaginar. Isso me

fazia ou temerária, ou retardada. Provavelmente ambas.

— Sempre pensa que tudo estará bem. — lhe disse meio rindo.

Ah sério, mutilei nosso verme e a rã. Se o porco já não estivesse

morto, sentiria por ele. Como está, posso-te dizer que há um acidente

de trem esperando por ocorrer. Vou me sentir como este Wilbur... Ou

me fará pensar em presunto. — Encolhi-me de ombros. — Bom, de

qualquer maneira, isto tem uma C escrita por toda parte. - Os suaves

passos de Eric caíram em ritmo perfeito com os meus. Eles igualavam

sua atitude doce e tranquila.

— Estou falando sério. Vai ficar tudo bem. — Olhou-me pela

extremidade do olho, ainda sorrindo, divertido.

— A única razão de que você seja o outro maluco. — Deus me

ajude, utilizei o gesto de aspas ao ar para assinalar o maluco. — Porque

me deixará baixar todas suas notas de laboratório. Não acredito que

seja justo. — disse-lhe olhando-o direto à cara. — Você sabe tudo sobre

este tipo de coisas. E eu não deixo de enredá-lo.

Nossos passos se desaceleraram em sincronia, enquanto me

aproximava de meu armário. Eric se deteve, e me tocou o braço. Ainda

emocionalmente alterada de meu encontro com Collin na noite passada,

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estremeci. Retirou sua mão. Não querendo afastá-lo, aproximei-me dele.

Meus dedos se envolveram ao redor de seu braço brandamente, e ele se

deteve, me olhando.

— Eric, eu estou nervosa. Isso é tudo. Não é sua culpa. Juro. O

que ia dizer?

Eu não estava interessada no Eric. Não assim, mas não queria

que pensasse que era desagradável ou algo assim. Não era dessas que

viviam tocando seus amigos, mas tampouco evitava o toque de meus

amigos. Suponho que estava em um ponto intermediário.

Ele sorriu, assentindo. — Nada, é só. Bom, eu vou jantar em um

segundo. Quer vir?

— Claro, só me deixe ir procurar minhas coisas. — Não queria ir

para casa ainda. Estaria bem, e se Jake aparecesse, Eric era uma boa

pessoa com a qual estar.

Eric começou a dizer algo, mas sua boca vacilou e se fechou de

repente. Seu sorriso se desvaneceu com a mesma rapidez. Levantei o

olhar para ver o que causou sua abrupta mudança. Meus olhos

vagaram por grupos de meninos e aterrissaram em meu armário. Collin

estava apoiado nele, rodeado por uma manada de garotas. Gemi em voz

alta. Eric riu dissimuladamente. Voltando para o Eric, perguntei: — Te

encontro lá?

Deu-me um olhar de condolência, e disse: — Claro. Vemo-nos lá.

Seu passo se acelerou. Eric e Collin se olharam enquanto ele

passava. Voltei minha atenção ao meu armário. A vergonha em relação

à noite anterior se apoderou de minha pele, me fazendo sentir quente.

Não queria falar disso. Não queria vê-lo, sobre tudo, porque eu tinha

feito de mim uma idiota.

Não disse nada, e abri meu armário. Collin me olhava. Coloquei

meu livro de biologia na parte inferior, e logo me pus nas pontas dos

pés para procurar através do lixo na parte superior. Meu livro de

matemática estava ali. Em alguma parte. Ao não encontrá-lo, agachei-

me. Ugh. Devia estar no fundo.

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O fundo de meu armário parecia uma colina para esqui feita de

papel, livros, e o ocasional lixo. Agachei-me para procurar através da

pilha, de cócoras, desejando poder sair evitando isto.

Collin se agachou junto a mim.

— Ivy. Querida. Isto pode ser óbvio, mas é uma porca. — Um

sorriso brincalhão cruzou por seu rosto, enquanto me olhava. Ele ia

atuar como se ontem à noite nunca tivesse passado. OH Deus. Nesse

caso estaria pendurada ali, permanentemente pega, como um CD

riscado, saltando de novo repetindo por toda a eternidade.

Mas, igual a ele, não queria falar disso agora. — Vê Collin —

disse, sem lhe dar muita atenção, pinçando nos papéis, lentamente

desentupindo meus livros de texto. Ele continuou de cócoras junto a

mim, rindo brandamente. Chocou comigo, e me tirou de meu equilíbrio.

Se estivesse prestando atenção, não teria ocorrido. Mas não estava.

Incapaz de trocar meu peso o suficientemente rápido, caí para trás, e

aterrissei sobre meu traseiro. Quando o olhei, um tímido sorriso saía

dos cantos de sua boca.

Queixei-me pela metade.

— Cresça! — Levantei-me, procurando em meu armário e agarrei

meu livro de biologia. Dei a volta, sustentei o livro com as duas mãos, e

o empurrei contra seu peito. Ele caiu de sua posição de cócoras. Mas

antes de cair, tirou seu pé e me derrubou junto com ele. Minha risada

escapou, enquanto o resto de meu mau humor se esfumava. As pernas

de nossos jeans se enredaram, e caí sobre seu peito com o livro de

biologia nos separando. Por um segundo, minha vida estava normal.

Tinha um de meus melhores amigos de novo, mas a sensação se

desvaneceu rapidamente. A proximidade conjurou a lembrança da noite

anterior. Rapidamente, afastei-me dele. Sentei-me no chão diante de

meu armário, empurrando o cabelo fora de meus olhos. Collin rodou

levantando-se, sem deixar de rir.

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— Consigam um quarto! — gritou um menino, enquanto passava

correndo. A maioria dos alunos tinha saído do edifício, ou se dirigiam a

suas atividades depois de classes.

Olhamo-nos um ao outro e rimos um pouco, mas a risada

acabou muito rápido para ser real. Merda. Isto era o que tinha feito com

a nossa amizade. Os corredores estavam vazios.

Desesperadamente, desejei que ontem à noite não tivesse

ocorrido. Eu queria o meu amigo de volta. Collin apoiou a cabeça contra

o armário, e nos olhamos. O silêncio continuou. O cômodo silêncio era

normal para nós, mas este não era. Sentia-me estranha. Eu só queria

sua amizade, a segurança de saber que ainda a tinha. O medo caiu em

mim, me dando conta da ideia que estava temendo. Perdi.

— Não, não perdeu. Sempre me terá — disse depravado.

O sorriso desapareceu de minha cara. Levantei meu traseiro

dando um passo para trás para o armário pouco a pouco, o coração

martelando. — O que? O que disse? — Merda. Ouviu-me? O pânico

disparou por todo meu corpo. Meu estômago se retorceu em nós. Suas

sobrancelhas se elevaram, enquanto ele se retorcia, afastando o olhar

de mim. Correu as duas mãos por seu cabelo ao mesmo tempo,

evitando meu olhar. — Collin… — fiz uma pausa, me sentindo estúpida.

Quase muito estúpida para fazer a pergunta, mas eu tinha que saber.

— Você... Me escuta?

Meu pulso correu. Nossos olhos se encontraram, e não podia

afastar o olhar. O canto de sua boca puxou em um sorriso torcido.

Nervosamente perguntou: — Então, finalmente vai admitir?

Comecei a protestar, mas ele me interrompeu. — Não. Não, você

não pode negá-lo agora. E sim, eu posso te escutar. E sei que você pode

me escutar. — Afastei-me, sentindo o pânico crescendo em minha

garganta. Apoiando sua cabeça contra o armário, ignorou meu pânico.

— Não fique surpreendida. Soube durante tanto tempo como eu. Desde

a noite em que sua amiga ficou louca comigo. Sei que te deu conta.

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Fez uma pausa, olhando a seu redor para assegurar-se de que

estávamos realmente sozinhos.

— Estávamos nessa festa, e sua amiga estava me dizendo que

fosse. Você veio arrastá-la de volta para sua cova de bruxa, e isto

aconteceu. Nossos olhos se encontraram, e roçou meu braço enquanto

passava. Foi cara a cara, corpo a corpo. Senti-te. Ouvi-te. E sei que me

escutou. Só que nunca quis admitir. — Deu de ombros. — Eu

tampouco. Mas aí está.

Meus olhos estavam arregalados, enquanto ele voltava a contar

uma lembrança que me perseguia. Fazia-me pensar que estava

totalmente louca. Esses tipos de coisas não acontecem. Pensei nisso um

milhão de vezes, me perguntando o que aconteceu.

Quando passei junto a ele nessa noite, quer dizer tirar o cabelo,

e deixá-lo sem equilíbrio, assim ele deixaria Shannon sozinha.

Encontrei seus olhos, rocei meu braço contra ele ao passar. Mas cometi

um engano. Eu não contava com o que aconteceu. Quando nos

tocamos, senti como se lambesse uma tomada elétrica. Quando a

sacudida estática passou, uma sensação quente alagou meu cérebro,

me derretendo, enquanto o resto de meu corpo se sentia como se

estivesse nua na neve. Era estranhamente incômodo. Mas essa não era

a parte mais incômoda, era senti-lo. Sua alma, seu ser, ou como queira

chamá-lo, falou com a minha. Eu o ouvi. Senti-o. Sabia exatamente do

que ele estava falando.

Tragando saliva, a incerteza me agarrou. Sabia que ele tinha

razão, mas ainda não podia aceitar.

— Não. — Minha voz era suave, apenas audível. — É só intuição.

Ou uma intuição. Não há maneira de que esteja lendo minha mente. —

Meus cachos caíam sobre meu ombro, formando um muro para me

esconder. Neguei-me a olhá-lo.

— Então me olhe nos olhos. Demonstre que estou errado. —

Esperou, mas não levantei o olhar. Não podia. O medo cravou através

de meu estômago em ondas. Não sabia que estava acontecendo. — Ivy…

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Sua voz se suavizou do arrogante ―lhe disse isso‖ ao tipo "tudo está

bem‖. Você o evita pela mesma razão que eu o faço, faz te sentir

vulnerável. E estremece um pouco. Olhando com a extremidade do

olho, o vi sorrindo. — Eu sei que o evita, a propósito, porque quer

ignorar nosso vínculo.

Uma sobrancelha levantou, enquanto eu gaguejava as palavras.

Olhando-o direto aos olhos, perguntei:

— Nosso vínculo? OH, por favor. Não há nenhum vínculo. Você

o quê? — Comecei a rir nervosamente. — E o que seja que está fazendo

não é ler a mente.

Cruzei os braços, apoiando minhas costas contra o armário. —

O que estou fazendo? — riu. — Isto não é obra minha. É tua Ivy. Não

posso ler a mente das pessoas. Você está fazendo! — Seus olhos azuis

estavam muito abertos, enquanto se voltava para mim.

— Não faço! — protestei. — Não sei como, você faz isso.

— Sim, você o faz. Se fecharmos os olhos, posso te ouvir. Se me

tocar, todas suas sensações me alagam. É entristecedor às vezes.

Assustou-me como o inferno no princípio, logo me dei conta que era

algo que só ocorria quando estava ao redor. Já que parecia contente

ignorando, eu fiz o mesmo.

— Não há maneira de que seja eu a causadora disso! — Queria

desesperadamente que estivesse equivocado. Não podia ser eu. Não

havia maneira. Saltando aos meus pés, o desejo de fugir me alagou.

Com o coração acelerado, comecei a me afastar rapidamente pelo

corredor, mas Collin veio atrás de mim.

— Ivy, espera — disse ele me seguindo. Mas não podia parar.

Senti meu corpo tremendo, aterrorizada pelas palavras, dele. Seus

passos se apressaram atrás de mim, e logo girou em frente a mim tão

rápido que saltei para trás. De repente, Collin ficou diante de mim,

preparado para me prender ao armário se me movesse. Virei o rosto, me

negando a olhá-lo nos olhos, esperando que não me tocasse. Meu

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coração golpeou contra minhas costelas, fazendo impossível ignorar o

medo.

— Ivy… — disse em voz baixa as palavras a uma pequena

distância de meu rosto virado. — Não acreditava que fosse uma

covarde.

Arrepiei-me. Meu rosto voltou de repente, e o olhei. — O quê?

Sua expressão estava cheia de compaixão. — Nunca diria nada,

se soubesse que correria. Dos dois, acreditei que você aceitasse isto

melhor.

Deu um passo para trás, rompendo nosso olhar, e fez gestos

para que me fosse. Confusa, fiquei ali, incapaz de me mover. Covarde

não era algo que queria ser. Sua opinião golpeou meu ego, impossível

fugir. Não disse nada, não sabendo o que fazer.

Collin disse: — Sei que isto é estranho. Mas está aí. E não quero

te perder por isso. Ontem à noite... — parou, voltando-se para mim.

Meus olhos se levantaram, olhando suas costas. Suas mãos se

agarraram desesperadamente a sua cabeça. Ele não estava aceitando

bem isto e eu tampouco. De algum jeito, isso me deu coragem quando

já não tinha nenhuma.

Dando um passo, aproximei-me por trás, estirando uma mão

para seu ombro. Antes que o tocasse, deu a volta, quase me tocando.

Seus intensos olhos azuis se encontraram com os meus. A incerteza me

agarrou, afogando minha garganta.

Tragando forte, perguntei-lhe: — É por isso que correu? Ontem

à noite. Tinha medo? De mim? — Meu coração golpeou forte enquanto o

via absorvendo minhas palavras.

Collin olhou para outro lado, inseguro. Seus braços cruzados,

enquanto olhava ao chão. Seu cabelo escuro caindo sobre seus olhos.

Depois de um momento, assentiu com a cabeça, dizendo:

— Veja por si mesma.

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— Já fiz. Estava lá, lembra? Vi, mas não sei o que aconteceu.

Por que correu? — Meu corpo tremia, e eu lutava para deixar de tremer.

A ideia disto me aterrorizou, e atuar como se fosse real, foi pior.

Caminhando para mim, disse: — Não, pode ver por si mesma.

Agarrou minhas mãos, tomando nas suas. Seu corpo se esticou

com o contato, claramente tomando ar. Levantou minhas mãos para

seu rosto e soltou seu aperto. De pé frente a mim, seus olhos cor safira

estavam intensos, observando. Minhas mãos descansavam

brandamente sobre seu rosto, enquanto deslizava meus dedos por suas

bochechas, ajustando meu alcance a sua altura. Sua cálida pele era

suave, mas esse sentimento foi sugado antes que tivesse tempo de

pensar nisso. Uma sacudida quente e gelada disparou através de mim,

e logo desapareceu na estranha sensação nua na neve que me fez

retorcer. Meu coração acelerou dentro de meu peito. Estava perdendo a

razão.

Sua voz era suave: — Olhe para mim Ivy. Olhe em meus olhos e

não olhe para outro lado. Deixa que aconteça desta vez. Mostrarei por

que corri. Poderá ver. Minhas mãos tremiam, enquanto elas tocavam

sua pele. Olhei em seus olhos, aterrorizada. Não era o mesmo terror de

ser atacada, sabendo que minha vida estava em jogo. Era algo mais

carnal, mais íntimo do que jamais tinha compartilhado com ninguém.

Era a total exposição da alma e o eu, sem nenhum lugar para esconder-

se. Odiava-o.

Meu coração acelerou grosseiramente, até que a avalanche de

sensações diminuiu. Soltando um comprido suspiro, o vínculo trocou.

Fez-me sentir como se eu fosse Collin. Podia ouvir e sentir seus

pensamentos. Seus caprichos. Seus sonhos. Tudo. Isto estava

flutuando para mim ao redor, dentro de mim, roçando minha

consciência. Suas defesas de encanto e engenho passaram voando,

enquanto eu caía mais profundo em sua mente. Pensamentos secretos

voaram mais à frente, enquanto via as coisas que ele encobria ao resto

do mundo. Então me encontrei localizada em sua lembrança de uns

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momentos. Senti a alegria pura que sentiu quando tinha caído sobre

meu traseiro. O peito de Collin subia e baixava, enquanto respirava

lentamente, seu olhar azul intenso. Ainda parado rígido, me olhando,

permitindo a invasão em sua mente. Olhei os olhos sem ver, sentindo

suas lembranças através de meu contato. Estes tinham sua voz, e sua

percepção da realidade. Então, vi a noite anterior, mas através de seus

olhos. Ele ouviu minha voz em sua mente, enquanto estava sentado

rindo com seus amigos. Então, uma enorme tristeza se apoderou dele.

Estava cheio de crua emoção a qual era muito dolorosa para ignorar.

Combatia, mas o consumia. A onda de remorso, raiva e medo

que se apoderou de mim quando me sentei e chorei no chão de pedra da

igreja, consumiu-o. Minha angústia se converteu em sua angústia.

Incapaz de ignorá-lo outro segundo, de repente estava correndo para

mim. Senti seus pés golpeando o chão, enquanto seu coração palpitava.

Correu, sem saber onde eu estava. Tudo aconteceu tão rápido. A versão

da lembrança que eu vi não estava em tempo real. Voou como um

comercial de Tivo¹ que ninguém quer ver.

De repente, encontrou-me sozinha no piso. A velha igreja o

rodeava, caindo em sua memória como uma manta, aproximando-se

lentamente para o centro. A mudança de ritmo me sacudiu, enquanto a

sensação da minha tristeza se apoderou dele com toda sua força. Foi

mais intenso que antes.

Apareceu em um lugar escuro, me observando, incapaz de

mover-se. Permanecendo oculto pelas sombras, pensou que ele estava a

salvo. Sem ser visto. Ele olhava para minhas costas, enquanto eu

respirava profundamente com minha camisa molhada grudada à minha

pele. Meu rabo-de-cavalo caía sobre meu ombro, enquanto eu desabava

para frente. As emoções que ele sentia chegando de mim estavam

enchendo-o em implacáveis ondas, e fizeram com que seu corpo

tencionasse. Seus sentimentos estavam muito enredados para ler, mas

enquanto ele me olhava eu sabia que ele estava esmigalhado.

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De repente, a memória se dispersou como pequenos grãos de

areia arrastados pelo vento. Meu contato com sua pele se rompeu,

enquanto meus dedos tocavam seu pescoço. Apoiei minhas mãos sobre

seus ombros por um momento, respirando com dificuldade, antes de

baixar os braços e dar um passo atrás. Uma onda fria de pânico passou

por cima de mim, enquanto eu aceitava a verdade.

Era real. OH Deus. Podia sentir tudo o que ele sentia, ver o que

via, e era mais vívido que estar lá, vendo o mesmo. Era como se eu

estivesse dentro dele, experimentando com ele. Mordi o lábio

nervosamente. Pensamentos voaram como morcegos cegos, estrelando-

se incoerentemente por minha mente.

Com o coração palpitando e os olhos abertos, perguntei: — Leu

minha mente, também?

Ele negou com a cabeça, com o olhar. — Não. Na realidade não.

Isto parece que vai só em uma direção, em sua maior parte.

Soltei o fôlego que não tinha dado conta que estava retendo,

olhando seu rosto. Os olhos cor de safira me olharam, antes que Collin

afastasse o olhar. Ele possuía um caráter melancólico, do qual não me

dei conta porque estava muito alterada. Tinha-o visto em sua mente.

Não, senti-o em sua mente. Isto pesava sobre ele, perseguindo-o,

fazendo-o imprudente. Os braços de Collin estavam cruzados sobre seu

peito, enquanto seu cabelo deslizou em seu rosto. Empurrou-o para

trás, olhando rapidamente entre o chão e eu.

Tragando forte, pensei nele fazendo uma leitura rápida de minha

mente. A ideia me fez sentir como se alguém jogasse gelo em minhas

costas. Fechei os olhos pouco a pouco, sem saber o que pensar muito

temerosa para me mover.

Sua voz rompeu o silêncio: — É por isso que não posso te beijar.

A surpresa se apoderou de mim, sumindo com meu medo. Olhei

direto em seus olhos. Isso era a última coisa que esperava que dissesse.

— O quê?

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Seus olhos eram tão azuis, e sua expressão era atormentada

enquanto falava.

— Ivy, suas emoções fluem através de mim quando nem sequer

estamos nos tocando. Uma leve carícia tua, algo do qual apenas me

daria conta em outras garotas, é tão intensa que… — Suas palavras se

desvaneceram. — Não sei o que aconteceria, com um beijo.

Sacudiu a cabeça, quase envergonhado do que havia dito. Uma

estranha sensação serpenteou através de meu corpo. Eu queria

considerar o que era, e lhe dizer que estava bem. Mas não era assim. Eu

tinha um segredo mortal. Ele o veria, maldição, sentiria se nos

beijássemos. Aprenderia o que eu era, e sobre os Martis. Se ele ficasse

de ver isso depois, não havia maneira de que ficasse sabendo a respeito

da profecia. Eu estava condenada, destinada a destruir a todo mundo.

Olhando para baixo, escutei a mim mesma estar de acordo com

ele. — Não tem que explicar. Tem razão.

O silêncio encheu o ar até que não pude suportá-lo mais. As

emoções formavam redemoinhos sem descanso dentro de meu peito, me

enchendo de pesar. Minha voz foi débil.

— Te verei por aí, suponho. — Cuidando de não olhá-lo nos

olhos, dei a volta e comecei a me afastar. Nenhuma voz me chamou.

Nada de passos chegando correndo detrás de mim. Meu estômago se

afundou no silêncio ensurdecedor, ao me dar conta de que meu temor

se tornou realidade. Perdi-o.

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Capitulo 11

O ar frio golpeou meu rosto enquanto abria a porta de metal e

me dirigia através do estacionamento. Meus passos se estrelaram

contra o pavimento, rápido e forte. Era um estúpido engano.

Por que não podia deixar as coisas assim?

O beco vazio, enquanto meus pés me levavam além das buzinas

e o ruído da rua.

Meu cérebro ordenava, através das emoções mescladas. Podia

pensar sobre isso mais tarde. Eric estava me esperando no restaurante.

Aspirei o ar frio e deixei que um calafrio alagasse meu corpo. Uma

rajada de vento alvoroçou meu cabelo, abrindo um pouco minha

jaqueta. Segurando a jaqueta, tratei de passar a penetrante rajada.

Quando a brisa morreu, olhei para cima. Meu cabelo escuro

estava enredado frente a meus olhos, e o vi. Meu pulso se acelerou e

parei em seco. Jake estava me olhando através da imagem imprecisa do

tráfego na transitada rua. Ele estava apoiado sobre a fachada de uma

loja... Olhando-me. Meu coração saltou a minha garganta. Uma buzina

de um automóvel me surpreendeu e desviei o olhar, foi suficiente. Jake

desapareceu.

Freneticamente, o busquei com os olhos na rua, mas ele se foi.

Isso foi tudo. Sabendo que não poderia ficar quieta por outro segundo,

corri até o final da quadra. O Prata do Forro estava na esquina. E

enormes letras de néon diziam Restaurantes. Era como 1950 no

exterior, mas o interior era mais moderno; mas ainda havia uma placa

de cor brilhante.

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Entrei pela porta, procurando Eric. Ele estava sentado em uma

mesa da esquina na parte de atrás. Deslizei-me na mesa em frente dele,

totalmente alucinada. Um abajur de cabeça estava a ponto de se chocar

em meu crânio. Com os olhos muito abertos, disse:

— O Vi.

Um garçom deixou dois copos de água. A condensação começou

a mostrar-se no claro cristal, escorrendo pelos lados.

— Onde? — perguntou Eric.

— Quando saí da escola. Estava cruzando a rua. O vi entre os

automóveis, mas ele desapareceu. — Senti meu rosto vacilar. — Não vi

aonde foi.

O pânico apareceu em minha garganta. Os olhos cor âmbar de

Eric se estreitaram.

— Então, ainda está vivo. Localizei e encontrei onde ele vivia,

mas ele já havia ido. Não havia maneira de saber se sobreviveu à noite

que te atacou.

Neguei com a cabeça, esfregando minhas mãos sobre meus

braços uma e outra vez.

— O que faremos?

— Ouça, está bem. Há alguns lugares onde um Valefar não pode

atacar. Um deles é uma igreja, terra Santa. O outro, tão estranho como

possa ser, é sua casa. — Eric encostou-se.

— Minha casa? Por quê? É outra dessas coisas estranhas de

vampiros? Tenho que convidá-lo a entrar ou algo assim? — Queria pôr

minha cabeça sobre a mesa. Mas, em lugar disso, desabei para frente,

sustentando minha cabeça entre minhas mãos. Eric sorriu um pouco.

— Não, é uma coisa mágica. Tem um pai, alguém que te ama. É algo

natural contra a magia demoníaca. Eles não podem entrar em sua casa

porque sua mãe vive lá também. É por isso que te estou dizendo para

que fique em casa. Soa estranho, mas é certo. — Bebeu um pouco de

água e disse: — Agora, a melhor maneira de apanhá-lo é esperar que

tente te prejudicar.

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Página 87

Suas palavras engasgaram o ar de meus pulmões. Como é que

minha vida saiu de controle tão rapidamente? Resumi em uma palavra:

— Merda.

— Sim. — Eric me olhava enquanto falava. Inclinou-se para

frente, com seus braços estendidos sobre a mesa. E falou em voz baixa:

— Não te fará mal de novo. Prometo isso, Ivy. Não permitirei. Não

deixarei que nada de mau te aconteça.

Seus dedos tocaram a borda da mesa.

Eu queria desesperadamente acreditar nele, mas meu instinto

me obrigava a dizer o contrário.

— Como? — perguntei. — Sei que tem boas intenções, Eric, mas

não pode me proteger dele. Nem sequer sabe onde está. Sou um alvo

fácil, caminhando. É só uma questão de tempo.

— Ivy, olhe para mim. — Eric tomou minha mão e meu olhar

lentamente se levantou para seu rosto. — Não te fará mal de novo.

Juro. Não deixarei que nada te faça mal.

Seus olhos estavam sérios; mas ele estava me prometendo algo

que eu sabia não podia me oferecer. Inclusive sim, podia me proteger do

Jake, não podia esperar que mantivesse sua promessa assim que ele

descobrisse quem eu era realmente.

Retirando minha mão, recostei-me na mesa.

— Eric — suspirei, sem saber como dizer o que sentia. — Não

pode me proteger. Simplesmente não pode. As coisas são... Maiores do

que parecem.

Inclinando-se para frente, perguntou: — O que quer dizer? —

Uma mulher, grega alta deteve nossa conversa. Parou em frente a nossa

mesa e inclinou sua cabeça, esperando.

Escreveu nossos pedidos em sua caderneta; logo se foi, nos

deixando sozinho. Baixando a voz, ele repetiu:

— O que quer dizer com as coisas são maiores do que parecem?

Tragando saliva, respondi:

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—É só que... As coisas não são simples. Já não são. É

complicado, Eric. — O desespero que se agarrava a meu estômago todo

o dia, deslizou por minha garganta, me afogando. Sabia que estava

dizendo muito, mas precisava confiar em alguém. Provavelmente

poderia haver dito mais se Shannon não tivesse plantado a semente da

desconfiança em minha mente. Mas o fez.

A expressão de seu rosto era suave e preocupada.

— É Collin? — perguntou.

— Não realmente. — Parei, reconsiderando e logo disse: — um

pouco. Queria dizer ao Eric que minha marca estava poluída, mas não

podia correr o risco. Não sabia o suficiente sobre os Martis ou sobre ele

para decidir ainda. Além disso, os problemas de meninos poderiam

acontecer como drama adolescente normal.

Eric se recostou em seu lado da mesa e disse:

— Sabe, não estava seguro de que ainda fosse vir.

— Por quê? — perguntei.

Eric se encolheu de ombros.

— Bom, passa muito tempo com esse menino. Na realidade não

lhe agrado; assim pensei que ele tinha feito você mudar de opinião. O

que ele pensaria se passasse um momento comigo, de todos os modos?

Seu queixo estava inclinado para cima, o suficiente para

apanhar minha atenção.

— Na realidade... Não gosta. — Senti um sorriso cruzando meus

lábios.

Eric tomou seu copo e bebeu um gole.

— Por quê? O que acha?

Encolhi-me de ombros.

— Ele é superprotetor. Isso é tudo. Até agora, ele foi o irmão

mais velho que nunca tive. Já sabe, colocando seu nariz onde não é

chamado. — Sorri, pensando nisso.

Nada escapou da atenção do Eric. Inclinando a cabeça,

perguntou:

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— Até agora? Algo mudou? — inclinou-se para frente para

adicionar: — Não lhe disse que é um Martis, certo? Zombei.

Sacudindo minha cabeça, respondi:

— Não. Não sou estúpida. Ele não sabe. Não disse a ninguém.

Exceto... — A garçonete se aproximou, silenciando minhas palavras.

Eric me olhou horrorizado de que houvesse dito a alguém, mas sabia

que não lhe importaria quando lhe dissesse quem já sabia. A garçonete

deixou pratos brancos com comida frita. O aroma de óleo que alagou o

ar me recordou que estava faminta.

Quando ela se foi, Eric se inclinou, perguntando:

— Quem? A quem disse?! Disse que não dissesse a ninguém.

— Encontrei uma Martis ontem à noite — disse. — Shannon

McClure.

Eric relaxou visivelmente e pude ver que sua tensão

desapareceu.

— Está bem. Ela está bem. Como soube que era uma Martis?

— Foi acidentalmente — respondi. — Ela viu minha marca e se

revelou como uma Martis.

Disse o resto do que aconteceu... Bom, a maior parte do que

aconteceu. Deixei fora a parte de minha marca ficando púrpura,

Shannon me atacando e minha participação na profecia. Olhei por cima

de meu prato, considerando Eric. Se eu pudesse lhe dizer tudo, seria

muito mais fácil. Talvez pudesse me ajudar da minha marca escapar da

profecia. Mas, se estivesse realmente condenada, não haveria nada que

ele pudesse fazer a respeito.

— Posso te perguntar uma coisa? — Um sorriso saiu dos cantos

de minha boca.

— Claro. O que quer saber? — Ele se recostou, seus braços bem

abertos. Ele estava tão seguro como Collin, mas o fazia de uma forma

diferente.

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— É uma pergunta pessoal. Podia fazer um par de pacotes

rosa de açúcar para ocupar minhas mãos enquanto falava. Ele apertou

seus lábios.

— Pessoal? Claro - respondeu. E os Martis não podem

mentir, já sabe. Vou responder algo que pergunte. — Um olhar

brincalhão cruzou seu rosto.

— Fale-me de você. Realmente não te conheço. O que você

gosta? Que filmes vê? Que coisas você gosta de fazer? Quando pensa

nisso, é muito estranho. Nem sequer sei quantos anos tem.

A expressão de seu rosto mudou para um olhar surpreendido.

— O que quer dizer? Tenho dezessete, como você. Já me

conhece, Ivy. Sorrindo, inclinei-me para frente dizendo:

— Já! Ao que parece os Martis não podem mentir. Mas sim pode

evitar perguntas. — Esperei que falasse, mas ele só me sorriu. — Não

tem dezessete, Eric! — Ri. — Só os aparenta. Os Martis são imortais,

não? Então, em que ano nasceu o menino de dezessete anos?

Seu sorriso cresceu. O canto superior direito atirou com mais

força, revelando covinhas que se ocultavam geralmente. Movi-me

incômoda em meu assento.

— Deixe de me olhar assim. E responda minha pergunta,

Senhor Elucidador de Perguntas.

Eric soltou uma gargalhada. Foi um maravilhoso som profundo.

— Então, pensou rapidamente. Não podemos mentir, mas não

temos que responder.

Fiz uma nota mental de que se supunha que a falta de mentiras

me incluía. Mas, obviamente não era certo, dado que tinha estado

mentindo como louca desde o ataque.

— Mas disse que faria. — Joguei-me para trás, olhando-o. Ele

estava desfrutando disso.

Assentindo com a cabeça, disse:

— Fiz. Direi algo que queira saber, se estiver segura de que pode

aguentar. E lembre, posso te perguntar o mesmo. Ambos estamos

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obrigados a dizer a verdade pela magia. — Eric tomou a garrafa de

ketchup e a golpeou até que parecia que seu frango tinha recebido um

disparo no prato. O canto de minha boca se contorceu. — Posso

aguentar. Então, algo que pergunte, responderá? — Peguei uma batata

frita. Ele assentiu com a cabeça, comendo um pedaço de frango. As

perguntas surgiram em minha cabeça. — Você falou de magia. E vi

quão forte era Jake. — Estremeci. Não podia evitar me sujeitar no chão.

Isso era magia, certo? — Eric assentiu com a cabeça. — Então, o que

podemos fazer? Nós também temos magia como essa?

Secou sua boca com um guardanapo.

— Sim. Temos nossas habilidades, únicas como Martis. Temos a

imortalidade, força, velocidade, mas temos diferentes manifestações de

poder. Alguns de nós podem ver o futuro, e outros são grandes

guerreiros que sobreviveram às terríveis guerras milenares falou

como se estivesse recordando algo.

Essa foi a primeira vez que tive a ideia do poder de Eric. Os

poderes me intrigaram, mas queria o básico primeiro.

— Quantos anos têm Eric? Quando nasceu?

— Nasci na Grécia. — Seus olhos cor âmbar me olhavam

fixamente. — A Antiga Grécia. Fui eleito para ser um Martis faz muito

tempo. — Fez uma pausa, sem deixar de me olhar. — Nasci ao redor do

ano 39 D.C. Sentou-se, esperando minha reação. Meus dedos

deixaram cair à batata frita que sustentava. Ricocheteou no prato e caiu

debaixo da mesa. Sacudindo minha cabeça, disse:

— Sabia. Sabia que não era tolo. — Ele se inclinou para diante,

rendendo-se e disse:

— O quê?

— Em classe — disse, me recostando no assento, girando uma

batata. — Comporta-se como se não tivesse ideia do que está passando,

mas cada vez que estava com alguma de suas escassas anotações,

soava muito inteligente para estar recebendo 7. — Levantei as

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sobrancelhas e me inclinei, assinalando com uma batata em seu peito.

— É um farsante. Um farsante realmente velho.

Em honra a minha ridícula declaração, recebi outra sincera

gargalhada. Seus olhos caramelo brilhavam e seu rosto se iluminou.

— Sim, já sabe. Sou realmente uma pessoa que oculta seu

verdadeiro conhecimento. Uma pessoa muito velha. — Riu outra vez

enquanto sustentava uma batata. — Será divertido. Posso dizer.

— Então, teve dezessete por quase dois mil anos? Isso tem que

ser... Estranho.

Assentindo com a cabeça, disse:

— Às vezes sim. Às vezes não.

Seus olhos se dirigiram para a mesa e seu estado de ânimo ficou

sério.

— Estava comprometido. Supunha-se que as bodas seriam uns

dias depois de que fora marcado. — Seu rosto escureceu. — Logo,

sobrevivi. — Ele continuou. — Mas o fiz, e depois que encontrei ao resto

dos Martis, foi melhor. Eles me ajudaram e me deram isto, disse

levantando um X de prata em uma corrente debaixo de sua camisa. Era

uma velha cruz.

Levantei uma sobrancelha. Parecia perfeita, sem pó de estrelas.

Nem rastro de pixels.

— Uma cruz? — Senti minha sobrancelha arquear-se.

Assentindo, ele respondeu:

— É de prata celestial. Nos oculta, assim ninguém pode ver

nossa marca. Também é nossa arma mais poderosa. Só a prata celestial

pode matar a um Valefar. Necessita para que possa te defender por você

mesma. — Olhou meu cabelo, assinalando. — Como conseguiu? Estava

tratando de te conseguir uma peça, mas não pude fazê-lo muito rápido.

É uma peça muito estranha e se mantém sob chave.

Meu coração se afundou enquanto suas palavras se apoderavam

de mim.

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— Minha irmã me enviou isso. Ganhei no mesmo dia que me

encontrou no parque.

— Sua irmã?

— Sim, ela o enviou a mamãe quando estava na Itália o ano

passado, antes que falecesse. Não sei onde Apryl o conseguiu. — Meus

dedos o tocaram com suavidade. — É realmente prata celestial? Isto é

um pouco estranho, certo?

Eric assentiu com a cabeça.

— Sim a ambas as perguntas. Sim é prata celestial, do contrário

não ocultaria sua marca. E sim é realmente muito estranho. Então sua

mãe o escondeu por um ano?

— Sim. Era um presente de aniversário. Supunha-se que tinha

que ocultá-lo. Apryl sempre fazia coisas assim. — Me olhando, vi sua

expressão mudar. — Qual é o problema? É só uma coincidência.

Encolhi-me de ombros, comendo um pedaço de frango. Seus

olhos âmbar se centraram em meu rosto.

— Não há coincidências. Não quando os Valefar estão ao redor.

Minha pele se arrepiou.

— O que está dizendo? Que Apryl era... O que? Um Valefar?

Ele negou com a cabeça.

— OH, Deus não. Não quis dizer isso. — Olhou seu prato, pondo

mais batatas fritas em sua boca. Senti que talvez estivesse me

ocultando algo.

— Então, o que quer dizer?

Cruzei meus braços, à defensiva.

— O que quero dizer, Ivy, é que não acredito nas coincidências.

Isso é tudo. Aprendi a observar as coisas de todos seus ângulos. É um

requerimento para seguir com vida. — Seus olhos cor âmbar se

separaram de mim. — Escuta. O presente de sua irmã foi uma bênção.

Chegou justo quando mais o necessitava. Embora seja possível aceitar

que isso é tudo, o que pede que o seja, também tenho que considerar

que outra coisa poderia ter acontecido.

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Não disse nada. Não o podia comparar com o Jake, já que Eric

não era um Valefar, mas meu cérebro tratava de tirar a mesma

conclusão, me advertindo que não confiasse nele. O problema era que já

confiava nele. Ele me salvou. É obvio que confiava nele. Senti meus

braços afrouxarem-se e que minhas defesas se desvaneciam.

— Conhecia-a? — perguntei em voz baixa.

Olhando para cima, disse:

— Apryl? Não, não realmente. — Ele deu uns tapinhas com o

guardanapo em seus lábios e logo o pôs no prato. — Ivy, me alegro que

tenha uma peça de prata. Há duas coisas que qualquer Martis

necessita. A primeira é a prata.

— Qual é a outra? — perguntei.

— Não é o que, a não ser quem. Há alguém a quem precisa

conhecer. Um Martis adulto. Maior que eu. Vamos. Não é muito longe.

Eu te levarei já que Jake está à espreita. — Ele deslizou da mesa e

perguntou: — Onde estão seus livros?

Joguei uma olhada à mesa.

— Deixei-os na escola. — E me encolhendo de ombros, adicionei:

— Não precisava deles de qualquer modo.

Tinha deixado no Collin, sai tão depressa que não os tinha

pegado. Ele riu.

— Temos uma prova amanhã. Sim se usar seu livro para mais

que um batente de porta; conseguirá a nota mais alta. Já sabe, não? —

inclinou-se para meu lado da mesa, usando jeans, sapatilhas de esporte

e uma impecável camisa branca. O aroma da secadora e o sabão de

marfim ficaram. Eric cheirava bem.

Rindo ligeiramente, deslizei-me fora da mesa dizendo:

— Sim, sim... Fala como minha mãe.

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Capitulo 12

Eric dirigiu sem dizer muito, perdido em seus próprios

pensamentos. Enquanto passávamos as casas ao estilo Cape Cód.

alinhadas nas ruas, entramos em uma vizinhança cheia de vida.

Abóbodas alinhavam os alpendres dianteiros, enquanto as outras casas

tinham palhas perfeitamente empilhadas e caules de milho atados aos

postes do alpendre. Amava o outono em Long Island. Era minha época

favorita do ano.

Paramos no estacionamento do St. Bart uns minutos depois. Era

uma igreja difícil de distinguir. Isso significava que ninguém a percebia,

porque não tinha nada surpreendente nela… absolutamente. A fachada

era marrom, o pasto estava desvanecendo-se com a próxima geada, e

havia algumas folhas perenes na grama. Em outras palavras, era feia,

mas não de uma feia monstruosidade.

Eric abriu as portas, e eu o segui para dentro. Os corredores

eram silenciosos e escuros. Serpenteamos através de um labirinto de

corredores e passamos algumas monjas. Entramos em uma sala de

estar com uma velha monja desfigurada sentada em uma cadeira de

balanço. Era difícil de dizer, já que usava roupa de monja, mas eu

estava segura de que tinha sido construída como um tijolo. Seu corpo

tinha um marco retangular, curvado pela idade. Seu rosto tinha rugas

angulosas, que deveriam ter sido bonitos em sua juventude. O sol

danificou a pele sardenta em suas bochechas e o cabelo rígido que

carecia de cor emoldurava seu rosto envelhecido. Seu olhar estava

centrado intensamente no livro em suas mãos.

Eric pigarreou.

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A monja elevou a vista e sorriu.

— Ah, Eric. Meu favorito. Vem aqui e ajude a uma anciã a

levantar-se. — A Irmã colocou seu livro na mesa. Ela levantou sua mão

para Eric. Ele tomou e colocou sua outra palma em seu cotovelo para

sustentá-la.

Era esta a mulher que ia me ensinar a sobreviver?

— Ivy Taylor, tire esse olhar presunçoso de seu rosto. — A voz

era notavelmente menos doce do que momentos antes. Sua roupa

folgada negra se agitava ao redor de seus tornozelos enquanto falava.

Meus olhos descansaram no chão... Que era o melhor, disse. — As

coisas nem sempre são o que parecem.

Assenti perplexa sobre o que dizer. — Sim, senhora.

A monja riu nisso.

— Sou a Irmã Althea. Pode me chamar Irmã Al. — Ela estendeu

sua mão manchada para mim. Pus minhas mãos entre as suas. Sua

sacudida à antiga tinha o vigor de uma de vinte anos. — Prazer em

conhecê-la — disse. Meu olhar se lançou para Eric, quem estava

sentado em uma das cadeiras acolchoadas. — Meu nome é Ivy Taylor.

— Sei quem é menina. Sei que há grandes coisas planejadas

para ti. Sei que já sobreviveu. — Piscou os olhos quando disse que

sobrevivi. — E sei que se sente arremessada à deriva e com medo.

Senti-me pequena por admiti-lo a um estranho, mas ela tinha

razão. — Isso o resumia bastante bem.

— Uh huh. Sei. — Ela apontou para uma cadeira do outro lado

de Eric, e voltou para sua cadeira de balanço. — Sou mais velha que o

pó, querida. Sei das coisas. Só pergunte ao Eric. — Fez uma pausa por

um momento, me olhando. — Há algo diferente em você — disse. Tratei

de esconder meu pânico, mas tinha a sensação de que não podia

ocultar nada desta mulher. Havia algo nela. A monja continuou: — Sim,

há algo diferente. Leva uma carga maior que a maioria. Mas não está

além de ti. — Seus pés a balançavam lentamente enquanto falava. —

Muitas pessoas vagam por esta vida sem saber quem são. Não lhes

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importa muito. Mas a ti sim. O problema é que te vê, sem ver realmente.

Não tem nem ideia de quem é ainda. Isso é um pouco incomum, mas

manejável.

— Então o que devo fazer? — perguntei insegura. Ela estava

falando em códigos. Senti como se devesse tirar um bloco de notas,

para poder olhá-lo mais tarde. Odiava os enigmas, sobre tudo porque

era ruim.

Seus envelhecidos olhos se fecharam.

— Precisa desfazer dessa ira infiltrando-se em sua alma antes

que te polua. — Ela me olhou. Estreitamente. Não me movi. Tampouco

o neguei nem o afirmei. Eu sabia que tinha problemas. Mas Eric não

pareceu gostar de sua resposta. Suas mãos artríticas agarraram a

cadeira de balanço enquanto se inclinava de frente para Eric. — Mostre

como dirigir essa ira. Ensine-a se defender. E logo a treinaremos do

zero, lhe mostrando como usar todos seus poderes… como um Martis.

— Seus envelhecidos olhos perfuraram os meus, me fazendo

estremecer.

Eric vacilou, procurando as palavras adequadas.

— Irmã, não entendo o que quer dizer. Sua cabeça girou para

ele.

— Faz moço. E espero que lhe ensine. Sem perder essa ira

infectando seu interior, ela nunca se converterá no que está destinada a

ser.

Bufei.

— Destinada a ser? Crê que tudo isto trata sobre o destino? —

Não pude me deter. — Este não é o destino! Isto não é justo! — Este não

era meu destino! Era uma sentença de morte.

Os olhos da Irmã Al varreram através de minha marca oculta

antes de sorrir docemente, e disse:

— Não, não é justo que fosse convertida tão jovem, enquanto que

eu fui convertida tão velha. Não é justo que não tenha outra opção. Mas

tem uma opção agora. Pode escolher de que lado quer lutar. Pode

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escolher com quem te alinhará. E pode escolher como viver. A vida não

é justa, menina. Mas não teria sido escolhida se não houvesse algo

especial em ti. — Sua pele estava curtida como o couro velho, mas seus

olhos ainda brilhavam como se fossem jovens. — Venha aqui, Ivy.

Olhei para Eric e ele assentiu, me animando a seguir. A confiar

nela.

Olhei para a mulher. Ela era uma monja. Se não podia confiar

em uma monja, estava severamente perdida. Sentindo-me tola, pisei

brandamente no tapete. Isto amorteceu meus passos torpes. Parei em

frente a sua cadeira de balanço.

A Irmã Al se inclinou para diante e disse:

— Posso? — Assenti, sem saber o que estava fazendo. A Irmã Al

pressionou seus nodosos dedos em minha palma. Eles arranharam

minha pele suave como papel de lixa. Senti que meu corpo tencionava

inseguro do que estava fazendo. Seu olhar permaneceu em minha mão,

enquanto piscava lentamente. Quando me liberou, levantou seu rosto

para o meu. Por um momento não disse nada, não havia brilho em seus

olhos… nem sorriso em seu rosto. Era uma expressão que reconheci

nos olhos de minha mãe quando soube que Apryl havia morrido. Era

como se o tempo congelasse, e ela estivesse muito aturdida para piscar

ou respirar. A Irmã Al levava a mesma expressão angustiada. Quando

falou, sua voz era baixa.

— Querida menina. — Fechou seus olhos, movendo sua cabeça

lentamente. — Tem um conjunto único de circunstâncias, não? — Eu

não disse nada. Só fiquei ali, com meus olhos muito abertos esperando

que ela despertasse. — Seu vício também é seu salvador. Essa é uma

situação muito pegajosa.

— O que é? — perguntei. Meu estômago revirando, esmagando-

se sobre a mesma náusea.

Ela me sorriu brandamente, liberando minha mão.

— Paixão. Tem a força para levar a cabo as coisas que lhe

importam, mas também tem a habilidade de ser influenciada pelas

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coisas que lhe atormentam. Isso será problemático em algum momento.

— Sua paixão te manterá viva Ivy Taylor, mas também porá em risco

sua alma. Isso dita o que faz, como vive e a quem dá sua lealdade. OH,

menina. Tem muitas coisas boas em ti, e muita escuridão também. —

Sua voz se desvaneceu.

Incômoda, fiquei ali e me senti como uma grande bolacha da

fortuna. Deslizando minhas mãos em meus bolsos, notei os olhos de

Eric em mim. Sua expressão não era boa. Tratei de reprimir um

calafrio, mas isto percorreu meu corpo, fazendo com que meus ombros

tremessem. Querendo matar o terrível silêncio, perguntei:

— Leu as mãos?

A surpresa derreteu o sério olhar em seu rosto.

— Já! — soprou. — Não, filha. Mas suponho que pode chamá-lo

assim. É parte do poder dos Martis. Sou uma Seyer, estranha como

nós. Assenti, sem saber o que dizer ou a que se referia. Um incômodo

silêncio se prolongou, enquanto ambos me olhavam. Meus dedos

agarraram nervosamente minha perna através dos bolsos de minha

calça.

Finalmente, fiquei de costas, incapaz de suportar seus olhares

por mais tempo. Passeei pela habitação, lentamente. Esperando. Os

olhos de Eric estavam sobre mim, me observando. Não perdia nada.

Talvez fosse um homem perigoso.

— Eric — disse ela. — Quero que seu treinamento comece de

imediato. Ensine-a como lutar. Necessitamos que sobreviva

especialmente depois do que passou a outra noite. Esse Valefar a

caçará. E quero que você a treine. Ninguém mais. Você e só você. Se

necessitar ajuda com algo, pode pedir a outro Martis, apresente-a, mas

não deixe que ela treine com eles. Compreende? — Seu olhar se posou

nele com uma intensidade que respaldou a importância de suas

palavras.

Os olhos de Eric se precipitaram para mim, e logo para Al. —

Claro, mas por que eu?

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Um sorriso puxou os cantos de sua boca. Envelhecidos dentes

foram revelados detrás de seus magros lábios.

— É o melhor guerreiro que temos. Ela precisa aprender com os

melhores. Isso é tudo. Não interferirá com seus outros deveres. Ensine-

a lutar e eu lhe ensinarei o resto. Você e eu a prepararemos em pouco

tempo. — Ela cruzou seus dedos nodosos em seu colo, sorrindo. Era

um sorriso de cumplicidade, um que pressagiava coisas más.

Voltei a olhar seu rosto envelhecido, me perguntando como ia

sobreviver a isto. Eu não podia lutar. Quando alguém me incomodava,

eu não contra-atacava. Não era esse tipo de garota. Mas depois que

Jake me atacou, pedi a Deus ser essa garota. Jazendo ali impotente,

bom, terminei com isso. Não queria ser apanhada assim de novo. E se

chegasse o momento de rasgar minha alma de meu corpo, ou matar,

mataria. O pensamento me surpreendeu, mas a lógica interveio. É obvio

que mataria. Já não queria viver essa dor novamente, e tampouco o

desejava a ninguém mais. Não se eu pudesse detê-lo. A determinação

disparou através de minhas veias, alagando meu corpo com resolução.

Aprenderia. Podia fazê-lo. Tinha que fazê-lo.

Assenti para Eric. — Só me diga quando e onde. Estarei lá.

— Ela é um pouco horripilante, Eric. — Não sabia por onde

começar, mas isso resumiu. Coloquei o cinto de segurança da

caminhonete de Eric. Soprou uma gargalhada e disse:

— Ela é uma das mais antigas entre nós. Tem alguns dons

muito incomuns e deve pensar que você também.

Eu me contorci.

— Por que diz isso?

— Ela está te tratando diferente. E nunca ouvi falar de um de

nós tendo seu vício antes. — Ele estava preocupado. — Ao que parece,

essa é sua fortaleza também.

— Isso mais ou menos resume tudo. Sou uma maníaca

apaixonada pelo trabalho. — Via todo mundo voando através da janela.

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O sol tinha sido tragado pelo céu noturno e as luzes brilhavam de uma

cor amarela opaca.

— As paixões são boas. — Ele me olhou e rapidamente

adicionou: — Quando se mantêm sob controle. Precisamos revisar as

suas e as manter aí. — Parou na calçada a umas poucas casas abaixo

da minha. — A ira nunca é boa. Sabe do que ela estava falando? Sabe

por que está tão zangada?

Mantive meus olhos olhando através do vidro ao mundo exterior.

As casas alinhadas na rua com pessoas dentro em seus lares felizes,

vivendo uma vida normal. Uma vida que queria tão desesperadamente

que doía. Assenti com a cabeça:

— Sim, sei. — Minha voz era débil, esgotada.

Eric disse:

— Não posso pretender saber como se sente e não o farei. Eu

estava muito emocionado, fui escolhido para isto. E não posso imaginar

estar zangado por isso. — Recolheu o selo em sua janela e me olhou por

cima do ombro. Encolhi-me de ombros.

Mas algo me dizia que ser marcada como uma Martis não

era o que me incomodava. E por algum motivo, Eric supôs que essa era

a razão de minha irritação. De certa forma, possivelmente era. Não

estava contente que tivesse sido empurrada para isto, isso estava certo.

Não, a ira que ardia dentro de mim tão ferozmente e com tanta paixão,

não era por ser reclamada. Foi desde que fui poluída pela besta que

Shannon descreveu. Estava atada ao medo e à dor da lembrança de

meu amigo dependendo de mim. E me perguntei quem mais poderia ser

desleal quando visse que minha marca era da cor dos Malditos.

— Você é diferente… — titubeei sem saber o que dizer.

— Por quê? Por que estava feliz de me impor esta vida? Em

algum nível tem razão, Ivy. Não vou negar. Estava muito emocionado

quando aconteceu isto, porque significava que realmente poderia ajudar

às pessoas e fazer a diferença… inclusive se isso me custasse à vida.

Compartilho sua paixão e entusiasmo. — Fez uma pausa e me olhou

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pela extremidade do olho. — Somos mais parecidos do que se dá conta.

Não se preocupe. Melhorará.

— Não estou preocupada — minto.

Seus olhos estudaram meu rosto. Eric nunca me julgou, ele

sozinho assumiu o que viu como uma confusão, e atuou como ele.

— Ivy, jogaram-lhe sobre a cabeça uma vida que nem sequer

podia imaginar faz uma semana. Vai para casa, janta, e olha o teto até o

amanhecer. Sei. Fiz o mesmo. Mas fica melhor.

Assenti com a cabeça sem entusiasmo:

— Sim, certo.

— Não aja assim. Ofereceram-lhe uma vida que a maioria da

gente sonha. E dentre todas as pessoas deve entender - ralhou.

— O que quer dizer com isso? — perguntei.

— Significa que pode chegar a viver uma vida que faça diferença.

É uma mudança que pode ver durante sua vida, já que esta seja por

dezessete anos ou por dezessete séculos. Se destruir um Valefar, faz a

diferença. Salva as pessoas. Estende o bem pelo mundo e ataca ao mal.

Tem a oportunidade de ver que sua vida não vive em um fio. Ivy, quase

ninguém nunca lhe concede esse dom, nunca. — Sua voz se fez mais

alta ao terminar. — E por alguma razão concedeu a ti, e está zangada

por isso.

Suas palavras impregnam através de minha consternada

carapaça. Que parte de mim, a parte Martis. Podia sentir a influência de

suas palavras como música para minha alma:

— Tem razão.

— O quê? — Ele estava surpreso.

— Posso admitir quando estou errada. Estou errada ao estar

zangada por tudo isto, mas não entende totalmente.

— Bom, me ajude então. Diga-me. — Suplicou o rosto de Eric.

Aproximou-se de mim com seu rosto mal iluminado pelo painel.

Devia lhe dizer? As palavras desejavam sair da ponta de minha

língua. ―Algo está errado comigo, Eric. Ajude-me‖. Queria confiar nele

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tão fortemente, mas não podia. Não podia lhe contar. Mordi o lábio. —

Não posso.

Deixou sair um assobio enquanto olhava o céu estofado.

— Não posso te entender. Sabe? Senta-se em aula e é

inteligente, e bonita. Não faz uma boa prova. E qualquer um pode ver

que é só uma prova, mas você não. Qualquer um menos você. E isso te

faz pensar que é tola. Essa mesma originalidade que evita os resultados

das provas alivia sua alma. Essa alegria que fluí quem lhe rodeia. Te

vejo, Ivy. É uma boa amiga para a Shannon. E é boa amiga para o idiota

do Collin, apesar de que não o mereça. — Sacudiu a cabeça e disse: —

Não entendo.

Observei-o. Eu o tinha conhecido durante tanto tempo, mas

nunca lhe ouvi dizer tanto. E perguntei:

— O que não entende?

O rosto de Eric se enrugou carrancudo.

— Como pode estar disposta a compartilhar isso com ele? Mas

não comigo?

— Não entendo o que quer dizer. — Me contorci no assento.

— Confia nele. E te trata mal, te jogando em situações nas quais

não deveria estar, mas ainda assim, confia nele. Eu te trato muito

melhor. Mas antes de hoje, nunca me deu uma segunda olhada. —

Seus olhos se encontraram com os meus em cada palavra sincera. Não

sabia o que dizer. Collin não me tratava mal, a maioria das pessoas

pensava que meus encontros amorosos eram o resultado de sua

influência. Não eram. Eram minhas próprias confusões, mas não

estava pronta para dizer ao Eric. Então disse:

— Sinto… me detive, tentei lhe contar. Explicar-lhe. Tomei

uma respiração profunda. — É só que… tenho um montão de

problemas para confiar nas pessoas. — Eric ia me interromper, mas

levantei minha mão para calá-lo. — Por favor, me deixe terminar. É algo

que desejei mudar, mas não posso. Continuo tentando, mas continua

saindo errado.

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— O que quer dizer? — perguntou. E se moveu em seu assento,

inclinando-se um pouco mais para mim.

Demorei a responder, não queria dizê-lo. Queria estar

equivocada a respeito de Eric. Não podia lhe dar uma punhalada nas

costas de novo.

— Jake. Eu confiei nele e… — Não tinha que dizer nada mais.

Ele pôs as peças juntas. Está além de te foder quando alguém de

confiança te trai. Jake me traiu da pior maneira possível. O braço de

Eric se aproximou e roçou a minha mão. Olhei para cima e ele disse:

— Me certificarei de que sua fé em mim esteja em boas

condições. Pode confiar em mim, Ivy.

Sua mão estava no assento, ao mesmo tempo da minha. Seus

olhos estavam procurando meu rosto para ver se acreditava. E queria,

mas a confiança não voltará a funcionar dessa maneira. Querer não era

suficiente. — Espero que sim.

— Não, você sabe. Escuta. — mostrou-se crédulo. — Necessita

de amigos agora, mais do que nunca. Tem que confiar em alguém. Não

pode fazer isso sozinha. Os solitários terminam mortos. Te protegerei,

Ivy. Vou te treinar. Vou te proteger. Nunca te darei uma razão para

que não confie em mim. Juro. — Seus olhos cor âmbar eram sinceros. A

culpa me sacudiu, mas ele seguiu pressionando. Estava sentada lhe

mentindo na cara. Ele pensou que era uma Martis pura, uma aliada. E

eu sabia que não era. Eu era um híbrido anjo-demônio quebrado que

tinha que confiar nele ou morrer.

E disse:

— Assim espero.

— Confie em mim, Ivy. É tudo o que peço. Acredite em mim. —

Seus olhos me perfuraram.

Sabia quando tinha começado minha ira. Embora eu não

gostasse de falar disso, não vejo que dano pode fazer agora. Sacudi a

cabeça. — A fonte de minha irritação não é totalmente por ter sido

marcada. Não é de agora. Jake não era de todo… é desde antes. Desde

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Apryl. Perdi uma parte de mim quando ela morreu. Fez-me algo, e não

posso me desfazer da ira que ardeu em meu peito. Ainda está aí.

Enterrada. Poluindo as coisas. Posso senti-la.

A mão de Eric deslizou sobre a minha brevemente.

— Ah, não sei nada sobre isso. Al sabe mais do que diz.

Inclinou a cabeça para trás contra o assento, e perguntei:

— O que quer dizer?

Suspirou, me imitando.

— Foi faz muito tempo. Tratei de ocultá-lo. Pensei que ninguém

sabia. Lydia minha… bom eu estava zangado. E a perdi da mesma

maneira em que você perdeu a sua irmã. Porque Al queria me ajudar.

Ela sabia que tinha algo parecido. — Uma estranha sensação me

alagou. Nunca tinha falado sobre Apryl com alguém fora de minha

família. Nenhum de meus amigos teve que lutar com a morte. E fiquei

presa averiguando como suportar, sozinha. Levei um momento para

identificar a sensação que borbulhava dentro de mim… esperança.

— Estava zangado? — perguntei. Ele assentiu. — O escuro, Eric.

Como o manteve longe? Como evitou que te tragasse inteiro? — Senti

minhas sobrancelhas apertadas e a umidade em meus olhos. Verbalizar

minha batalha a fez parecer como se terminasse logo.

Seus olhos caramelo me observaram triste.

— Tragou-me. Deixei que a escuridão me alagasse, até que não

quis tomar outra pausa. Sei do que está falando. Levou tempo e…

confiança. Então o que diz?

O que se supõe que diga? Sacudi a cabeça.

— Levará tempo. Quero confiar em ti Eric. É só que…

Inclinando-se para frente disse:

— O que? Diga-me.

Sacudi a cabeça.

— Sou um desastre. — Era possível? Se me iludiu o suficiente,

Consegui-lo-ia? Sim Shannon sabia da profecia, ele tinha que sabê-lo

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também. — Não sou o que você pensa. — Procurei a porta e a abri

enquanto deslizava do assento.

Antes que meus pés tocassem o chão senti a mão de Eric em

meu pulso.

— Espera. Não vou te pressionar. Só me diga quando estiver

preparada. Enquanto isso saiba que estarei aqui, e serei seu amigo. E

Ivy — sorriu — já sei que é um desastre, é parte de seu encanto.

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Capitulo 13

A semana passou sem incidentes. Enquanto outros aspectos de

minha vida se estabilizavam, uma parte não o fazia... Collin. Nos

evitávamos. Via-o passando, caminhando pelo corredor ou no cenário

depois da escola. Eric sempre estava perto, assim não tentei falar com

ele. Inclusive se estivéssemos sozinhos, o que lhe diria? Perguntava-me

se poderíamos voltar a ser amigos, mas duvidava que isso fosse

possível.

De noite, depois que Eric me trouxe para casa, sentei-me

sozinha, olhando para o teto até amanhecer, me escondendo na

segurança da protegida casa dos meus pais. Escutava as palavras de

Collin ecoando dentro de minha mente. A lembrança de sua voz sedosa

e seus intensos olhos safira se apoderou de mim. A lembrança me

deixou sem fôlego, como se estivesse caindo em um sonho escuro, sem

forma de despertar. A ausência de Collin me fazia dar conta de quanto

significava para mim, sem importar quanto queria negar. Maldição. O

que acontecia comigo? Beijá-lo revelaria tudo. Me deixaria

completamente exposta, colocaria Collin em perigo. A melhor maneira

de encarar este problema era aguentando. A luxúria acabaria e eu teria

meu amigo de volta... Isso esperava.

Tentando levar meus pensamentos para algo um pouco mais

produtivo, tentei descobrir como me tinha contaminado em primeiro

lugar. Não parecia algo muito comum, já que a profecia tinha estado

dando voltas por um tempo e ninguém mais tinha tido este problema

antes. Convidei Shannon uma noite, e tentamos decifrar como tinha

acontecido. Ela se sentou em minha cama, atuando como se só

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fôssemos nós de novo. Entristeceu-me, porque sabia que nunca

seríamos só nós de novo. Sempre haveria um elemento de desconfiança

entre nós.

Ela disse:

— Investiguei algumas coisas para você. Não havia muita

informação. Acredito que encontrei, mas é estranho. — Olhou-me,

colocando seus pés debaixo dela. Shannon gostava de encolher-se como

uma bola quando estava nervosa. Aparentemente, estava mais que

nervosa porque não podia apertar-se mais.

— Posso lidar com o estranho. Conte-me. — Meu coração

acelerou ligeiramente. A esperança fluiu através de mim. Descobriria o

que havia causado, e logo poderia muda-lo, verdade? Tentei parar de

perambular.

— Tudo se resume ao sangue. O sangue de demônio é poderoso,

e funciona diferente do sangue de anjo. O sangue de anjo se acumula e

te faz mais... Você. Só que melhor. O sangue de demônio é mais como

ácido, arrasta-se dentro de seu corpo, corrompendo-o lentamente,

apoderando-se de você lentamente — fez uma pausa, me olhando —

Quando um Valefar se une... Escraviza... A um Martis, têm que tirar a

alma e então acrescentar seu sangue. Abrem a frente da vítima, e

cobrem a cicatriz com sangue de demônio. Este entra na corrente

sanguínea através da marca e une à vítima ao Valefar ao mesmo tempo.

Mas você não tem nenhuma cicatriz. Ele não chegou tão longe. Mas...

Deve ter tido sangue. Ele sangrou? Há alguma possibilidade, durante o

beijo do demônio, de que você tenha acidentalmente... Ingerido seu

sangue? — Shannon formulou a pergunta como se fosse o mais bizarro

e improvável do mundo. E era... Ou o tivesse sido, se eu não resistisse.

Mas sim o fiz.

Meu estômago se afundou.

— Mordi o lábio. Não podia interromper o beijo. Ele era muito

forte... Assim o mordi. Forte.

Ela pareceu perturbada.

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— Bebeu? — Seus lábios se franziram em uma expressão de

desgosto. — Não disse — não bebi. Cuspi tudo. Seu sangue correu por

meu rosto, sobre mim. Mas não acredito que tenha engolido algo. —

Segurando meus braços, apertei-os com força contra meu peito, e

comecei a andar de novo. Recordava claramente o sangue em minha

boca, mas não recordava tê-lo ingerido. E parte da noite era um borrão.

Não sabia o que tinha acontecido. Em um momento estava consciente,

e no seguinte estava nos braços de Eric. Ainda não sabia o que ele tinha

feito para me reanimar. Pensei que tinha morrido — O que acontece se

engoli? Ela se apoiou contra a parede, suas pernas pendurando do

lado da cama.

— Não sei. Nunca ninguém bebeu. Os que o fazem, geralmente

morrem... Ou se tornam Valefar. Ninguém nunca esteve preso no meio

antes. — Passou seu comprido cabelo sobre o ombro — É possível que

ingerisse uma pequena quantidade, e isso foi o que causou a mudança

da cor de sua marca, te poluindo, como disse a profecia. Olhei-a,

horrorizada.

— Então, isso é o que causou? Sangue de demônio... — A única

coisa que podia fazer para me liberar, era também o que me condenava.

Merda. Como me aconteceu isto? Sentindo-me doente, envolvi meu

corpo com os braços, e olhei pela janela para o céu escuro. O frio do

cristal se filtrava através dele, e estremeci — O que acontece com minha

alma? Ele tirou uma grande parte, mas não sei quanto. Pensei que a

tinha tomado toda. Pensei que tinha morrido Shann.

Sua expressão era afligida.

— Ainda tem alma, do contrário essa marca em sua testa seria

de cor vermelha brilhante. E você estaria morta. Os Martis se

encontram entre os vivos e devem ter uma alma para sobreviver. Os

Valefar não. É por isso que primeiro nos drenam e logo acrescentam seu

sangue. Enquanto tenha suficiente de sua alma, não pode te converter

em uma deles. Não completamente.

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Fechei os olhos, pressionando minha mão contra a testa.

Amaldiçoei-me. Eu fiz isto a mim mesma. Depois de um ataque de

pânico que durou um ou dois dias, a ira lentamente se converteu em

algo mais; algo escuro. Se Jake não tivesse me atacado, não teria

acontecido. Não teria sido poluída. Não seria a garota da profecia. Mas

foi eu que o fez. Eu fui a que o fez sangrar. No final, era minha culpa.

Tinha que manter em segredo. Ninguém podia saber que tinha bebido

sangue de demônio, porque todos os que o tinham feito morriam ou se

haviam tornado Valefar. Todos... Exceto eu.

Os dias passaram e não disse nada. A escuridão, os dedos frios

que se sentiam como a morte me levando de novo, sufocavam-me. Não

contei a ninguém, embora soubesse que Eric podia ver que estava

sofrendo. Continuávamos treinando, mas eu tinha progredido pouco.

Um dia o treinamento mudou das coisas físicas normais, a algo melhor.

Estava agradecida pela mudança e entrei no ginásio com Eric.

Passamos por um grupo de monjas, e algum Martis que vinham à igreja

para treinar com Eric. O lugar estava sendo invadido pelos Martis. Não

era casualidade que todos estivessem pululando ao meu redor. Mas

ninguém notou que eu era diferente. Ninguém viu. E eu escondi o

melhor que pude.

Aparentemente Eric era um guerreiro estupendo. Estava claro

que era um dos melhores do mundo. Os Martis vinham de todas as

partes para aprender com ele. Sussurravam sobre suas capacidades, e

estavam pasmos. Tinha visto alguns deles treinando com ele. Lutava

com graça, não como meu patético treinamento. Sem dúvida, eu era

sua pior aluna.

Depois que ele abriu as portas, parou a minha frente. Vestia

jeans e uma camiseta branca, como sempre. Seus olhos cor âmbar

eram brincalhões.

— Quero te mostrar algo. Um segundo. — Quando entramos

havia outros três Martis na sala. Eric foi para eles. Todos conversaram

como se conhecessem desde sempre. Virou-se para mim, enquanto

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falava muito brandamente para que eu escutasse. Os Martis riram e

lançaram suas bolsas sobre seus ombros e partiram. A última a sair foi

uma mulher com cabelo negro azeviche chamado Elena. Tinha-a visto

treinando com Eric nas últimas semanas. Ela exclamou por cima do

ombro:

— Boa sorte novata!

Meus olhos aumentaram quando olhei para Eric, sem gostar do

que estava se tornando esta sessão de treinamento.

— Por que me olharam assim, Eric?

Ele sorriu, aproximando-se de mim com grandes pernadas.

— Está nervosa? Pensei que Ivy Taylor podia lutar com algo?

— Sim — disse — Isso foi antes que as coisas ficassem loucas. O

que estamos fazendo? Por que é tão secreto?

— Não é tanto um segredo como uma medida de segurança. E

queria que estivesse sozinha quando treinássemos. Assim joguei a todos

outros. Genial, não é?

— Sim. Genial. — Minha boca se aplanou em uma linha magra.

Eu não gostava de ser tratada de forma diferente. As pessoas me

notariam. Já o tinham feito.

Eric passava mais tempo me treinando do que a outros. Eu só

ria, diminuía a importância dizendo que era impossível de treinar. Ele

se sentou em um dos colchonetes e cruzou suas pernas. Imitei-o.

— Ivy, vou te mostrar uma das coisas mais fantásticas que os

Martis podem fazer. Quero assegurar de que aprenda como se faz. E

leva tempo aprendê-lo. — Sorriu, e se recostou para trás, apoiando-se

em seus braços — Os Martis têm a capacidade de converter a luz em

matéria física.

Minhas sobrancelhas se arquearam. Isso era inesperado.

— Do que está falando?

— É parte do poder do sangue de anjo. Os Martis podem

converter luz em uma forma física. Podemos usá-la para muitas coisas.

Tipicamente é usada pelos Polomotis quando combatem e os Dyconisi

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enquanto curam. Não vi Seyers suficientes para saber exatamente como

o usam, mas disse que você a usaria e que eu devia te ensinar. Assenti,

sem estar segura do que pensava. Ele se endireitou, sustentando sua

palma frente a ele. Seus dedos se crisparam quando sorriu, seu olhar

em meu rosto, enquanto meus olhos olhavam sua palma. Apareceu um

ponto do tamanho de um alfinete, resplandecendo com um azul tênue.

De uma vez que seus dedos se crispavam, a esfera se tornava maior.

Logo se tratava de uma esfera flutuante com um centro azul brilhante,

rodeada por outra esfera de luz branca translúcida.

Era formosa. Elevei a mão para ela, estendendo os dedos para

tocá-la, me perguntando como se sentiria. Olhei a Eric lhe pedindo

permissão e ele assentiu dizendo:

— Pode tocá-la. — Elevei a mão, estendendo meus dedos para a

esfera. Sua suave luz irradiava um calor relaxante. Sua superfície era

lisa, com uma suavidade subjacente, como uma pérola. Hipnotizada,

deslizei um dedo sobre a polida superfície, finalmente pressionando a

palma de minha mão contra ela. A luz envolveu minha mão. O interior

da esfera não era líquido, mas tampouco era sólido. Sentia-se como um

pudim morno, congelado até converter-se em um líquido suave. Movi os

dedos através da substância pegajosa e tirei a mão, esperando que

estivesse úmida, mas não estava.

— Eric, o que é isto? Para que se usa? — perguntei, olhando-o.

Ele me olhou intensamente enquanto eu examinava a esfera, sorrindo.

— É luz. Bom, uma parte de luz. Os curadores a utilizam para curar

feridas. Pode curar quase tudo nas mãos do curador correto. Os bons

curadores podem usar vastas quantidades de luz e fazer coisas

maravilhosas. Os guerreiros a usam em batalha. Podemos usá-la para

tudo desde iluminação até usá-la como uma arma. Mas, a única

maneira de assegurar-se de que um Valefar realmente morra é com

prata celestial. A luz pode detê-los, e nos salvar, mas o Valefar não

estará completamente destroçado e pode ressurgir depois, se só

usarmos luz.

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— Posso segura-la? — perguntei.

Ele sacudiu a cabeça. Observei enquanto a luz da esfera se

atenuava, enquanto desaparecia de sua palma.

— Vai aprender a invocá-la. Dessa forma posso te ensinar como

usá-la.

Um sorriso surgiu no canto de minha boca. A antecipação me

alagou com uma excitação vertiginosa. Queria ser capaz de invocar a

esfera de luz, porque era genial. Está bem, possivelmente minhas razões

eram superficiais nesse momento, mas a esfera tinha um fator

hipnotizante semelhante a olhar as borbulhas dentro de um abajur de

lava. Ele me disse o básico, e sustentou sua palma sob a minha, depois

de aproximar-se mais.

— Como é luz, está morna. Pode tentar tomá-la, e ela virá a ti

porque você é uma Martis. — A mão de Eric embalou a minha. Invocou

a luz e a esfera se formou sobre minha palma. Podia sentir a morna

forma em minha carne antes que o ponto azul aparecesse. Mas a luz

não cresceu. Desapareceu. Respirei profundamente, e o olhei. Eu não

era completamente Martis. Perguntei-me se a luz me ouviria, ou se a

escuridão que havia dentro de mim a afugentaria.

Eric podia dizer que eu estava tensa, mas não tinha nem ideia

do por que.

— Pode fazer isto, Ivy. É básico. Algo que quero que você faça

com ela será muito mais difícil. Não tem que preocupar-se

absolutamente. — Sorriu-me e logo reposicionou sua mão debaixo da

minha — Tente agora.

Embora me explicasse isso várias vezes, era difícil de fazer.

Concentrei-me no ar morno girando ao redor de meus dedos, buscando

a fonte de calor para a luz que iluminava minha mão. Invoquei-a,

desejando que se acumulasse em minha palma na forma que Eric o

fazia. Olhei, enquanto sentia minha mão manter-se em uma

temperatura constante. Não houve uma espetada de calor, nenhum

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ponto de luz azul. Depois de uns poucos momentos, a voz de Eric

rompeu o silêncio. Deixou cair sua mão e deslizou frente a mim.

— Uh. Fez exatamente o que te disse? Sentiu o calor no ar, e

logo deteve o caminho para a luz? Invocou-a? Assenti.

— Possivelmente preciso de mais prática — Que mais podia

dizer? Que meu sangue de demônio mantinha a luz afastada de mim?

As sobrancelhas do Eric se juntaram.

— Não. Isso usualmente não demanda prática. É mais uma

compreensão e uma execução. Repassemos tudo uma vez mais.

Possivelmente nos passou algo.

Eric começou desde o começo, e repetiu tudo o que já me

havia dito. Quando terminou, disse-me que separasse os dedos

amplamente e me concentrasse na sensação do ar fluindo sobre minha

pele. Logo retomamos nossas posições com sua mão embalando a

minha.

— Agora, te concentre no ar. Sinta-o tocando sua palma;

está pressionando ligeiramente contra sua carne.

Concentrei-me. Tinha que fazer que isto funcionasse. Por pura

força de vontade, tinha que funcionar. Sabia que falhar uma vez seria

algo fortuito, mas falhar duas vezes, em algo tão básico, bom, não havia

maneira de ocultar isso. Concentrando com mais força, enfoquei-me no

ar que rodeava minha palma. Senti seus sutis movimentos enquanto se

movia lentamente sobre minha palma imóvel. Senti o ar apanhado entre

o dorso da minha mão e a de Eric enfraquecendo-se. O ar morno viajava

por toda a longitude de seus dedos, enchendo a pequena brecha entre

nossas mãos. Respirando profundamente, concentrei-me no calor,

sentindo-o irradiar ao redor de mim. Imaginei a esfera azul, invocando-a

com minha mente, lhe ordenando vir para mim. Eric me havia dito que

encontrasse a luz que fluía fazia de mim como o mel, emergindo

lentamente em raios dourados. Para meu horror, senti os raios de mel

ao redor de mim recusando-se a responder a meu chamado.

Inicialmente se moveram para mim, mas quando estiveram a ponto de

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formar uma mini esfera azul, foram rechaçados por mim. Minha mão

estava vazia, pela segunda vez.

Eric estava desconcertado. Sua testa se enrugou quando se

girou frente a mim.

— O que aconteceu? Sentiu-a?

Assenti, sem querer olhá-lo. A luz não queria ter nada que ver

comigo. Estava poluída, e sabia. Logo ele saberia.

— Sim, senti-a.

—De acordo, tentemos uma vez mais. Esta vez irei me sentar a

sua frente e te observarei. Mas eu invocarei a luz. Você só vai sujeita-la.

Se for capaz de senti-la, deveria ser capaz de sustentá-la. Isto é fácil,

Ivy. Estou seguro de que é seu professor, e não você. De acordo? -

Sorri-lhe fracamente, sabendo de antemão o que aconteceria. Seguindo

a corrente, fiz de todas as formas. Eric invocou a luz, e logo teve a

formosa esfera formando redemoinhos em sua palma. Sentou-se

diretamente de frente a mim. Com sua mão livre, levantou minha mão.

Abri os dedos para receber a esfera, e logo embalou a parte traseira de

minha mão para mantê-la em seu lugar. Aproximou a esfera para mim

lentamente. Meu coração deslizou para meu estômago. Não podia

suportar ver isto. Ele pôs a mão que sustentava a esfera diretamente

sobre minha palma e lentamente começou a depositá-la ali. A esfera

adotou uma forma estranha, e começou a derramar-se por minha mão

aberta. A esperança revoou através de mim quando vi a luz fluindo em

minha direção. Invoquei-a, lhe rogando que desta vez ficasse. Mas não

aconteceu. Justo antes que a luz tocasse minha carne, senti seu

rechaço. Quando a esfera se moveu da palma de Eric à minha, a luz

desapareceu.

Eric olhou minha palma vazia. Seus dedos pressionaram minha

carne quando falou.

— Não entendo. Qualquer um pode invocar a luz. Mas não vai

para ti. Afastei minha palma, meus braços rendendo-se com força ao

meu redor.

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— Não parece que goste de mim.

— Não funciona assim. À luz não gosta de um Martis mais que

outro. Não lhe importa. Chama de igual a igual, como duas gotas de

água unindo-se em uma só. —Elevou seu olhar para mim. Sua

expressão era confusa. Sentou-se esperando que lhe chegasse uma

explicação; uma que tivesse sentido. Mas nada veio. Sentamo-nos ali

olhando um ao outro.

Eu era a única que sabia por que a luz não vinha para mim, que

nunca poderia vir para mim. Enquanto que meu sangue de anjo me

permitia invocá-la, meu sangue de demônio a repelia. Traguei com

força, me perguntando se era tão óbvio para Eric. Eventualmente ele

sugeriu que fôssemos para este problema. Não protestei. Quando

contou a anciã, agradeceu a Eric e lhe perguntou se tinha alguma ideia.

Ele atribuiu o fracasso a suas destrezas como professor. Agradeceu-lhe

amavelmente, e pediu para falar comigo a sós.

Meu coração ia explodir. Por quanto tempo poderia ocultar isto?

Ela tinha que saber. Ao se sentar em seu lugar de sempre, seus anciões

olhos estavam me olhando.

— Sim, a luz não te obedece? Traguei com força.

— Suponho que não.

— Essa é uma raridade, para uma Martis. — Houve um

comprido silêncio como se esperasse que eu confessasse. Mas não o

faria. Finalmente disse — Todos nós usamos a luz de forma diferente,

de acordo com nossas capacidades. Eric a usa como um guerreiro, e

outros a usam para curar. Os de minha classe, os Seyers, a invocamos

em nossas visões. Podemos ver coisas que ainda não aconteceram. Ser

capaz de invocar a luz é uma medida de segurança. Assegura que não

ficarei apanhada em uma visão. A luz nos defende, e nos protege.

Embora não estou certa de suas habilidades neste momento, sei que

deve ser capaz de fazê-lo. Se a luz não for para ti... Não terá esse

amparo, Ivy. Isso será perigoso.

Tentando não me retorcer, continuei:

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— Praticarei. Sei que posso fazê-lo.

— Sabe? — perguntou ela — Realmente pensa que o problema

foi que não tentou?

Retrocedi para a porta, pronta para sair.

— Tem que ser isso. Praticarei até que consiga. — Ela assentiu,

e fui. Tinha que aperfeiçoar algo que não podia fazer. E desta vez mentir

não resolveria.

No final da semana, Eric me disse que queria falar comigo a sós.

Isso funcionou bem, porque Eric tinha uma reunião. Assim

combinamos de nos encontrar depois da escola. Partimos por caminhos

diferentes, enquanto ele tomava o caminho mais curto para seu

armário. Era estranho, mas me sentia segura ao redor de Eric. Embora

soubesse que não era real. Logo que ele descobrisse o que eu era, ficaria

contra mim.

Enquanto dobrava a esquina, meus olhos estavam fixos no piso

liso, até que estive a uns metros de meu armário. Estremeci-me e

levantei o olhar. Os braços de Collin estavam cruzados com força sobre

seu peito, acentuando a firme curva de seus braços. Uma camisa azul

escuro agarrava seu torso, e vestia sua jaqueta de couro negra. O couro

estava bem gasto. Era sua jaqueta favorita.

Detive-me, incapaz de me mover no meio do corredor

movimentado. Era como deixar cair uma rocha em meio de um

formigueiro. Todos se moviam ao meu redor em grupos. Emoções

mescladas me alagaram. Queria vê-lo, mas não podia suportar a ideia

de falar com ele. Necessitava desesperadamente um amigo. Alguém em

quem pudesse confiar, mas sem importar quanto, queria lhe contar

tudo, não podia. Teria que fazer isto sozinha. Engolindo com força,

dando um passo para a corrente de pessoas, passei para meu armário.

Todo o tempo, os olhos de Collin estiveram intensamente fixos em mim.

Ignorou aqueles que o chamavam, sem jamais afastar o olhar. Movendo

seu corpo, apoiou-se contra o armário próximo, e logo me fez um gesto

para que me aproximasse e abrisse o meu. Vacilei uma vez que meu

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pulso se acelerava. Elevando a mão para a porta de meu armário,

apartei os olhos, tentando me apurar. Não disse nada.

— Assim, está saindo com ele? — Sua mandíbula estava

apertada, enquanto me perguntava o que todos assumiam

naturalmente. Um pouco confusa, detive-me, olhando seus pés. Minha

cabeça se apoiou contra meu armário, enquanto fechava os olhos com

força.

Isto é o que o incomodou tanto que rompeu o silêncio? Não era

nada, mas Collin não sabia. Eric e eu estávamos juntos todos os dias,

na aula, depois de aula, no ensaio, e depois. Este era o primeiro dia que

estava sozinha depois da aula. Eric e eu tínhamos falado disso, e

pensava que era melhor deixar que os outros assumissem que

estávamos saindo, embora não fosse assim. Fazia a vida mais fácil, e eu

necessitava de facilidade. Collin não era fácil. Desejava lhe contar, e

sentir a carga das últimas semanas derreter-se. Mas não podia. Tinha

que mentir. Outra vez.

— Possivelmente estou — menti, olhando dentro de meu

armário. Fiquei de pé ali, sem ver nada, mal me movendo. O pelo de

meu pescoço fazia cócegas, enquanto sentia seu olhar em meu rosto.

Ele não respondeu em seguida. Seus olhos se mantiveram no

lado de meu rosto, com seus lábios pressionados com força. Finalmente

disse: — Ou, possivelmente não. — Não houve uma mudança em sua

postura, e seus braços continuavam travados apertadamente sobre seu

peito. Mais gente passou, chamando-o, mas Collin os ignorou

completamente.

Escapou-me uma risada nervosa. Esta era minha oportunidade.

Podia lhe contar a verdade, ou parte dela, de todos os modos. Podia

dizer que não estávamos saindo, que Eric e eu não nos gostávamos

dessa maneira. Empurrei um cacho para trás de minha orelha, e me

virei para ele. Tomei cuidado de olhar sua bochecha e não seus olhos.

Mas, em lugar da verdade, articulei as palavras que me protegeriam.

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— É obvio que estamos saindo. Não me diga que está ciumento

Collin — Sorri-lhe.

Sua expressão era intensa, sem pestanejar.

— Nunca se tocam. Ele não pega na sua mão. Não te vi tocá-lo...

Em absoluto. Isso é um pouco estranho, Ivy. — Seus olhos estavam

fixos em meu queixo. Ele poderia ter tirado a informação de minha

cabeça, se levantasse meus olhos. Mas não o fez. Esperou por minha

resposta. Mexi em meu armário, atuando como se não me importasse.

— Talvez para você seja estranho, mas não para mim. Já não sou

assim. — Lembranças de beijar meninos sem nome saíram à superfície

junto com a dor que tinha tentado conter o ano passado. Empurrei

esses pensamentos para baixo. Sacudindo a cabeça, olhei-o — Já não

sou assim.

Sua voz foi tão baixa que foi quase inaudível.

— Só me conte. — Seu peito subiu e baixou com inalações

profundas, controladas. Seus dedos estavam aferrando seus braços com

tanta força que estavam ficando brancos. Não importava o que ele

perguntasse ou o que eu queria. Não podia lhe contar. O

arrependimento se acumulou em meu estômago, fazendo que meus

lábios se enroscassem. Mordi-os delicadamente, para tirar o cenho

franzido de meu rosto.

Escutei-me dizer:

— Não há nada para contar. Não sou como você. Não durmo com

tudo o que tenha duas pernas, certo?

Ele sorriu ligeiramente. Era um sorriso de menino presunçoso

que raramente via em seu rosto. Era o olhar que dizia que eu tinha

razão, e que não lhe importava muito. Ganhou sua reputação antes que

eu o conhecesse, e era de conhecimento geral que não era um menino

de uma só garota. Pensava que por isso me tinha deixado tranquila o

ano passado, quando havia me tornado louca. A dor de perder alguém

que amava era insuportável. Afogá-lo em luxúria tinha sido a única fuga

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que tinha encontrado. Seu cabelo se deslizou sobre seus olhos,

enquanto ele olhava o piso.

— Não. Não tudo. — Seus olhos azuis me atravessaram. Um

arrepio se derramou por minha coluna — Você não.

— Não, eu não - sussurrei com o coração pulsando com força.

Baixei o olhar pros livros que tinha apertados com força no meu peito.

Dando-me conta de que minhas palavras soavam cheias de remorso,

sorri brandamente — Acredito que essa foi a primeira vez que alguém te

rejeitou.

Os cantos de sua boca se elevaram, e o aperto mortal que ele

tinha sobre seus braços diminuiu.

— Mais ou menos. Você nem sequer me olhava. Lembra? — Seus

braços se afrouxaram, e deslizaram dentro dos bolsos. Um sorriso

cruzou meus lábios. Recordava-o. Os meninos do teatro, os que eu

passava o tempo depois da escola tinham empurrado um guia em

minhas mãos.

Fizeram-me cobrir alguém, e me baniram por apontar em uma

das asas nos bastidores. Sentei-me num espaço escuro sozinha,

desordenando sinais, e perdendo meu lugar no script. Foi humilhante.

Collin saiu depois de suas linhas, e me viu sozinha na

escuridão. Moveu-se com confiança para mim. A linha de conquista que

usou não me afetou. Estava tão agitada como uma idiota que pensava

que ele estava tirando sarro de mim. A surpresa o deixou em silêncio

quando me afastei. Em algum momento me dei conta de que era real;

eu gostava. Mas tinha passado muito tempo, e não estava disposta a

admitir que tivesse confundido suas insinuações com brincadeira.

Assim que se converteu em um jogo; um jogo onde ele dizia coisas

incríveis para me convencer de sair com ele, e eu sempre ria e dizia que

não. As coisas que dizia eram ligeiramente absurdas, o que me fazia rir.

Meus rechaços brincalhões se voltaram igualmente divertidos. Mas isso

era o passado. Por que lembrar-se disso agora? Assentindo, apoiei-me

contra meu armário, olhando seu peito. Olhá-lo nos olhos era seguro,

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ele não podia ouvir meus pensamentos, mas me esquecia de que se o

tocava, sim poderia.

Muitas garotas o olhavam. Uma menos não importava. Encolhi

os ombros — Algumas pessoas foram feitas para serem amigos. Isso é

tudo.

Ele moveu os pés, apoiando as costas contra o armário, seu

olhar azul intenso e sem piscar.

— Não o beije.

O sorriso deslizou de meu rosto. Por que insistia com isto?

Endireitei-me, pronta para ir, mas antes de me afastar, encontrei-me

brincando com a ideia de lhe contar um segredo. Nunca tinha contado a

ninguém a respeito desta parte escondida de mim. Contar-lhe esta

pequena parte da verdade era perigoso, como fazer desfilar a um

camundongo frente a um leão adormecido. E me deu uma sensação de

controle que me faltava completamente. Retorcendo-me ligeiramente

contra o armário, olhei a linha de sua mandíbula. Senti o segredo

queimando em meus lábios, enquanto pronunciava as palavras:

— Não beijo aos meninos que realmente gosto. Nunca tenho

feito. Certo?

Uma só sobrancelha se levantou no rosto de Collin. Seus lábios

me deram um sorriso incrédulo, e instantaneamente me arrependi de

lhe contar. Minhas defesas levantaram-se rapidamente zombando de

mim.

— OH, basta. Não é tão estranho. — Apertei os livros com mais

força contra meu corpo como se fosse uma manta de segurança. O

coração golpeava em meu peito. Acidentalmente lhe tinha contado um

segredo muito mais pessoal do que queria. Podia sentir o ardor

aumentando em minhas bochechas de uma vez que minha vergonha se

tornava visível. — Ivy disse ele com um sorriso em seus lábios — é

obvio que é estranho. Beijou meia escola, e não houve um menino em

todo esse grupo que você gostasse sequer um pouco?

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— Esse é um número gravemente inflado. E não. Não havia. —

Um sorriso tímido se apoderou de mim antes que pudesse tirá-lo. Podia

ver como era estranho a garota que tinha beijado quase todos por mais

de um ano, nunca tivesse beijado alguém que realmente gostasse.

Ninguém sabia.

As feições de Collin estavam totalmente sérias. Sua voz era rica,

perguntando brandamente:

— Por quê? Por que não o beija? — Estava completamente

concentrado agora, me observando, esperando que eu levantasse os

olhos. Não deveria ter dito nada. Minha garganta parecia seca. Engoli

com força, sem querer responder. Como contaria esta parte? Não estava

segura se queria lhe contar. Sabia que se não respondia, ele

pressionaria até que o fizesse. Seria muito mais sério se contasse agora.

E enquanto não o tocasse, ele não saberia toda a verdade.

Atuando como se não fosse importante, mesmo que fora a base

do meu relacionamento ideal, cuspi algumas palavras.

— Porque dele eu gosto. E não funciona de ambos os lados. Os

amigos não têm encontros. Há uma relação aí que é muito valiosa para

jogá-la fora por causa dos hormônios. Parece estúpido, mas não

acredito que seja possível ter ambas.

Ele se inclinou um pouco para frente, intrigado.

— Ambas o que? — Nossos olhos estavam perigosamente perto

de se encontrar.

— Um amigo que também é um namorado. Isso é coisa de

contos de fadas, Collin. Isso não acontece na vida real. — As palavras

eram pensamentos distantes, alojados na parte traseira de minha

mente por anos, mas sua verdade ressonou em mim enquanto as dizia.

Não era possível ter tudo. Esse era um sonho; um sonho inalcançável

que as pessoas tolas custava uma vida para entender.

Sua resposta me surpreendeu.

— Não posso acreditar no que está dizendo — me esquecendo de

evitar seus olhos, olhei diretamente para essas ricas piscinas azuis. Não

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podia afastar o olhar. Não o toque, e estará bem. Ondas de emoções se

apoderaram de mim, mas estavam tão mescladas que não podia dizer o

que significavam — Ivy, essa é a última meta quando está no jogo...

Encontrar a pessoa que chegue... Alguém que conheça seus defeitos, e

ainda assim goste. Por que não quereria isso? Por que separá-los?

As coisas pareciam familiares, como se tivessem voltado para a

forma que eram antes. Antes de tudo se tornar estranho. Antes que

minha vida fosse arrancada das minhas mãos. Estava contente me

deleitando com isso no momento, mas sua franqueza fez que meus

olhos baixassem. Não sabia se era para evitar o julgamento, ou para

afastá-lo. Este era um de meus segredos mais valiosos. Ele não

entendia, mas eu não estava segura se queria que o fizesse. Finalmente

respondi:

— Porque não podem coexistir. Simplesmente não podem. Não

é uma questão de separá-los. Não estão juntos. Não existe tal coisa

como o amor verdadeiro.

— Verdade? — perguntou. Assenti. Sua voz soava sem fôlego —

Ivy, como se tornou tão cínica? — Ele inclinou sua cabeça, perguntando

sinceramente — Assim, me diga, por que não pode ter ambos? Por que

não pode ter ao menino que é seu melhor amigo, e seu amante? Por que

não pode ser a mesma pessoa? — Seus olhos de safira procuraram em

meu rosto, sem medo, esperando minha resposta.

Olhei-o nos olhos, e de repente não sentia como se

continuássemos falando de Eric. Meu coração deslizou para meu

estômago. Estas eram coisas que nunca contava a ninguém. Perguntei-

me se estava cometendo um engano. Disse:

— Não posso arriscar. É muito imprudente. As relações se

destroçam quando um casal rompe... Mesmo se fossem amigos.

Algumas vezes é melhor agarrar ao que tem em lugar de arriscar ao que

poderia ser. — Senti-me tão exposta, e normalmente isso me

aterrorizaria, mas com Collin, nesse momento... Não era assim. Sentia-

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me normal, e não queria que parasse. Fazia-me sentir encontrada, e

havia me sentido perdida, por tanto tempo.

Um sorriso triste se formou em seu rosto.

— Mas, Ivy, se arrisca a perder tudo o que poderia ganhar se

funcionasse. Tem que funcionar para alguém, em algum momento. Por

que não para você? — Seus olhos eram tão azuis.

Sacudindo a cabeça, meus olhos permaneceram fixos nos seus.

Coragem e imprudência se misturavam. O que ele sugeria não era

possível. — Quando algo assim funcionou para mim? — Não me sentia

tão amarga como soava — Não está nas cartas para mim, Collin. Estou

contente com as coisas como estão. Não obtenho o conto de fadas. Sou

a garota emocionalmente machucada com um olhar cínico da vida, e

estou bem com isso. Sei quem sou. E sei o que tenho.

Inclinou-se contra o armário me olhando, aproximando-se mais.

Fechou a brecha entre nossos corpos de forma tal que nossos corpos

quase se tocavam. Seu fôlego morno deslizou sobre minha pele quando

falou:

— De todas as pessoas, eu teria pensado que você seria a que o

perseguiria, e logo se aferraria a isso.

Minha cabeça se moveu para trás de repente, surpreendida por

suas palavras.

—Por que pensaria isso? — Não havia maneira de que arriscasse

isso. Não depois de perder a minha irmã, e lutar com a dor agonizante

que tinha vindo depois. Não tinha desejos de amar ninguém,

especialmente se tivesse uma opção. O amor só trazia dor.

Sua mão se deslizou sobre minha bochecha. Uma sacudida

gelada e quente floresceu sob sua mão antes que a retirasse

murmurando. — Sinto muito, esqueci.

O contato me fez saltar, mas me sentia diferente... Quase

desejável. Nenhum pensamento se filtrou, então. Umas poucas

emoções, mas eram as óbvias, exibidas no rosto de Collin. Fez uma

pausa, me olhando, mas evitando meu olhar. Encolheu os ombros. — É

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só... Você não é alguém que faça as coisas pela metade. Em algum

momento, pensei que renunciaria às observações pela metade e

apontaria às estrelas. Só pensei... Que queria fazê-lo. — Seus olhos se

levantaram para ver como eu tomava suas palavras.

Estava surpresa de que estivéssemos tendo esta conversa. O

aperto nos meus livros se afrouxou em algum momento, enquanto

levantava o olhar para seu rosto voltado para baixo. — Collin? —

perguntei. Ele me olhou — Isto é o que veio me perguntar?

Sacudindo a cabeça, disse:

— Não, não era. — Respirou profundamente, e deslizou os dedos

através de seu escuro cabelo.

— Então, o que era?

Seu olhar safira era suave, enquanto encontrava o meu. — O

vínculo... Está mudando.

— O que quer dizer? Não notei nada.

Collin me sorriu com tristeza.

— Não estava seguro. Tinha que falar contigo para averiguá-lo.

— Tragou com força — Ivy está crescendo. — Suas palavras não

estavam engrenadas com a realidade. Crescendo? Eu não tinha notado

nada. Do que estava falando?

Sacudindo a cabeça, continuei:

— Não, não é assim. Collin, só estivemos parados aqui e

falamos, e não foi estranho. Eu gostei um pouco. Senti-me como nós,

uma vez mais. A forma como as coisas costumavam ser. — Mas logo

que falei essas palavras, me arrependi delas. As rugas em sua fronte

não desapareceram, e seus olhos permaneceram fixos nos meus.

Sua voz roçou delicadamente contra minha mente. — Já não

precisa que nos toquemos verdade?

Inalei com força dando um passo para trás, deixando cair meus

livros no piso. Caíram de minhas mãos, e fizeram um som de bofetada

enquanto caíam. Os corredores estavam vazios agora, e nenhum outro

som diminuía o ruído. Sacudindo a cabeça, continuei:

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— Não. Não pode fazer isso.

Collin deu um passo para mim, suas mãos estendidas, mas

rapidamente as meteu em seus bolsos.

— Faz. Já o tem feito.

Com os olhos muito abertos pelo pânico, meu coração corria

grosseiramente em meu peito. Confiava em Collin, era uma das poucas

pessoas nas quais confiava, mas não queria isto. Arruinaria tudo.

Sacudindo a cabeça, ainda não podia aceitar o que ele me estava

dizendo, o que sabia, era verdade.

— Não. Não, não pode... Temos que nos tocar. Não pode

simplesmente funcionar sem isso. Não pode. — A histeria estava

aparecendo em minha voz. Odiava que isso ainda estivesse aí, mas

tinha estado em um constante estado de sobrecarga emocional por

muito tempo. Não podia forçá-lo a ir embora.

— Sei que antes você gostava de meu contato. Sei que a

sensação não te assustava, e que não dava um salto mental. — Deu um

passo para mim, cuidadosamente. Lentamente, como se eu fosse fugir

— Pergunte-me algo. Algo que não tenha dito em voz alta nesta

conversa. Algo para o final. Algo em que tenha pensado, mas que não

tenha dito. Um calafrio se estabeleceu em minha pele que não tinha

nada a ver com a temperatura. A vulnerabilidade se apoderou de mim.

Ele não podia saber. Não pensei. Apenas pensei. Finalmente falei,

fazendo a pergunta que me aterrorizava.

— Por que realmente penso que não posso ter ambos? - Collin

se aproximou, e enrolou um comprido cacho ao redor de seus dedos,

com cuidado de não me tocar.

Manteve seus dedos ali enquanto falava. — Porque não quer se

apaixonar. Não se pode evitá-lo, porque a dor de perdê-lo seria

insuportável. Decidiu que é melhor não amar. Perder a sua irmã a

quase destruiu. — Seus olhos encontraram os meus e não vacilaram

quando disse — Não é que não possa ter ambos... É que não quer a

ambos. Só quer sobreviver.

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Tremendo, o batimento do meu coração rugiu em meus ouvidos.

Ele tinha dito a razão que eu não podia me obrigar a dizer. As desculpas

que tinha criado para afastar as pessoas. Era medo; frio, medo cru que

me tinha impulsionado ao modo de sobrevivência. Eu estava ali, com

muito medo para voltar.

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Capitulo 14

Eric era suficientemente inteligente para não perguntar o que

acontecia. Conduzimos em silêncio. Olhei-o navegar pelo tráfego do

meio-dia. Seu cabelo perfeitamente penteado emoldurava seu rosto.

Havia um leve sorriso em seus lábios. Sempre estava ali. Ele não fazia

gestos obscenos para as outras pessoas, não insultava, e não mentia.

Eu, por outro lado, não era tão boa. Mentia. Muito. Ainda olhando-o,

desabei-me no assento. Eric me pegou observando-o pelo canto do

olho. — O que?

Sacudi a cabeça, apartando o olhar.

— Nada. É só que antes nunca tinha notado... Que é um bom

menino. Bom. Só é... Você. Nunca tinha notado, mas claro, não tinha

notado muitas coisas. — Minha mente começou a vagar, enquanto

observava o mundo borrado fora da janela. O último ano de minha vida

era virtualmente nebuloso. Tinha perdido muitas coisas.

— Notou o suficiente. E não se preocupe hoje. Tenho que me

reunir com Julia, você fala com Al, e logo podemos ir ao ginásio e

praticar um pouco mais. — A igreja tinha um velho ginásio, completo

com equipamentos de ginástica de 1945. Era uma relíquia, mas me

proporcionava um lugar seguro para aprender. Os Valefar não podiam

entrar nas Igrejas. Como o ginásio estava junto a ela, estávamos a

salvo.

— Obrigado, Eric. — Passei meus cabelos por sobre o ombro, e

longe de meu rosto — Então, o que acha que a irmã Al quer comigo? -

Eric me olhou, antes de voltar a olhar ao tráfego.

— Possivelmente descobriu qual é seu dom!

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Todos os Martis eram classificados em um de três grupos

baseados em suas habilidades naturais ou dons. Supunha-se que o

dom ia ajudar-me a lutar contra os Valefar. Supunha-se que devia fazer

minha vida mais fácil, mas Al estava levando mais tempo do que o

normal para determinar qual era meu dom. Ela queria me falar disso

hoje.

— Possivelmente — respondi.

Estava esperando que Al me marcasse com um dom. Ia ser um

grande dom Valefar que golpearia como um ressonante gongo. Baixando

a cabeça, a preocupação enrugou meu rosto. Esperava que ela

encontrasse um dom que fosse normal para um Martis. Não podia me

dar o luxo de revelar meu segredo; não ainda.

Estacionamos na parte de trás do edifício da igreja, e saímos da

caminhonete. Eric caminhava a meu lado. Parecia se como se

tivéssemos sido chamados ao escritório do diretor. Eric não disse nada

quando abriu a porta com um puxão. Atravessando a soleira,

imediatamente choquei com alguém. A alta morena estava irritada por

minha falta de jeito. Atuava como se nunca ninguém tivesse tropeçado

com ela antes. Luzia como uma supermodelo italiana, assim

possivelmente ninguém tinha feito. Sua cintura era pequena, e seus

quadris com curvas na medida certa, encontravam com umas pernas

assassinas. A maioria das garotas não tinham pernas assim, mesmo se

ficasse na escaladora o dia todo. Seu cabelo escuro era suave e estava

ordenadamente puxado para trás com uma fivela na nuca. Ia vestida

como uma bibliotecária, vestindo uma saia estreita cinza e um colete de

malha estreito. E me olhou furiosamente.

A mão de Eric estava na parte baixa de minhas costas, enquanto

me empurrava para ela, e dentro da sala.

— Ivy, esta é Julia. Julia, Ivy Taylor. — Olhou a Julia,

acrescentando — É nova. – Uma única e perfeitamente depilada

sobrancelha se arqueou em seu rosto anguloso, enquanto seus olhos

marrons me avaliavam. Falou com palavras fortemente acentuadas.

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— Prazer em conhecê-la. — Embora pudesse dizer que não era

— Sou a Martis Regente dos Dyconisi. — Em seu espesso acento

italiano continuou — Vai ser uma guerreira ou uma curadora? — Minha

boca se abriu, mas não soube o que dizer. Olhei para Eric.

Eric respondeu por mim.

— Ainda não sabe o que será. Al esteve trabalhando com ela

para descobrir.

Julia emitiu um: - Hmmm. — Para mim.

Sentindo um fio de pânico, percebi que seu olhar me assustava

terrivelmente. Aproximei-me apenas de Eric, e perguntei: — Do que

estão falando?

— A irmã Al lhe dirá isso. Precisa ir falar com ela — disse Eric

docemente.

Os braços de Julia estavam cruzados.

— Sim, esse é seu trabalho. Vá falar com ela. Reporte-se comigo

quando tiver terminado. — E me dispensou com um movimento de sua

mão. As palavras de Julia tinham autoridade, e duvidava que houvesse

alguém que não a escutasse.

Abri a boca para dizer algo, mas Eric interrompeu minha réplica

aguda.

— Permita-me te indicar o caminho para Al. Vamos. — Puxou-

me pelo braço, me levando para fora da sala. Quando estávamos no

corredor disse — Essa pessoa é importante. É minha chefa... De certa

forma. E alguém a quem não quer incomodar. Seja amável. —

Liberando meu braço, deixou-me no corredor, sozinha, e voltou para

ela. Franzi o cenho, e me afastei lentamente.

O aperto no meu peito aumentou enquanto chegava à porta de

Al. Fechei os olhos por um segundo e respirei fundo. Não temia a uma

anciã; de fato, eu gostava. Entretanto, me perguntar se sabia, ou se

suspeitava que eu fosse algo menos que uma Martis me fez temer falar

com ela. Falar com ela só fazia com que essa sensação piorasse. Era só

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questão de tempo até que arruinasse meu disfarce. Ou Al descobriria o

que eu era realmente, ou o faria eu mesma.

— Vai ficar parada aí fora para sempre? — A voz da irmã Al se

derramou para o corredor — Entra jovem. Não me faça esperar a noite

toda.

Atravessei a soleira e entrei na sala de estar. A monja estava na

cadeira de balanço que gostava.

— São quatro em ponto — zombei. Tínhamos desenvolvido um

entendimento mútuo. Na realidade, ela era muito divertida, o que me

surpreendeu a princípio. Eu teria pensado que as monjas eram sérias e

recatadas. Al não era.

— Deixe de ser desrespeitosa e entre menina. Fecha a porta. —

Empurrei a porta de madeira até fechá-la, e caminhei para o assento

vazio junto a ela. Antes que me sentasse, ela disse algo que me deixou

gelada — Ivy Taylor. Não é o que aparenta — disse.

Meus olhos desviaram-se, evitando seu olhar, enquanto meu

coração trotava.

—Não sei a que se refere. — Sorri. Sorrir fazia com que os

mentirosos parecessem mais honestos. Odiava mentir para ela, mas

não podia contar a ninguém.

Seu nodoso dedo apontou ao chão frente a ela.

— Sente-se. Falemos. — Cruzei minhas pernas debaixo de mim e

me sentei como se tivesse seis anos de idade no tapete; logo levantei o

queixo para olhá-la.

Pele curtida pendurava de seu rosto, coberto com pequenas

rugas. Olhou-me, sem perder nada.

Eu gostava de atirar em um só movimento rápido e doloroso.

Disse rispidamente:

— Do que estamos falando? — Queria terminar com isto.

— Como sabe cada um de nós tem um propósito diferente. É

momento de encontrar o seu. Eu sou uma Seyer. Mencionei isso antes,

mas nunca te disse o que realmente significa. Um Seyer literalmente vê

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o futuro. Temos visões, e então é nosso trabalho as entregar aos

Dyconisi. Eles fazem as leis, regras e ideias sobre o que vemos. — Fez

uma pausa, dobrando seus velhos dedos em seu colo — Ficam muito

poucos Seyer. Sou uma das últimas. É por isso que veio para mim.

Posso ver o que será. — Meu estômago parecia como se tivesse comido

um crepe de chumbo, enquanto o medo enchia minhas veias.

Assumindo que ela não estava louca, ver o que eu era, era uma grave

ameaça à saúde.

— Assim sabe? Sabe que sou... O que sou? — Senti a marca

púrpura em minha cabeça arder. Queria cravar minhas unhas na carne

e arranhá-la. Mas mantive meus dedos entrelaçados sobre minhas

pernas.

— Sim. E não tem que me temer. Vejo o que é. — Fez uma

pausa — Mas você não. Direi o básico. Estou segura de que quer saber

que dons têm Eric e Shannon. Eric é um Polomotis... Um guerreiro. Seu

trabalho é proteger aos Martis e aos inocentes. Tem uma das filas mais

alta entre os Polomotis nesta zona do mundo. Pode formular estratégias

militares com nossos limitados recursos. São os servidores como Eric os

que nos protegem, a todos, dos Valefar. Sem eles seríamos

vulneráveis... E muito provavelmente estaríamos mortos. — esclareceu.

— E, Shannon, é uma Dyconisi. Uma curadora. Pode curar as

feridas. Só as físicas. Não as feridas espirituais — fez uma pausa e

levantou o olhar para mim — Há uma diferença.

Assenti.

— Sim, há. — Eu conhecia a diferença muito bem — Assim, ela

pode curar uma ferida... Uma ferida física. Mas, não pode curar um

coração quebrado? Não é?

Ela assentiu.

— Sim, exatamente. Nossos Dyconisi curam e estudam nossas

leis. Qual crê que é, menina? Polomotis, Seyers, ou Dyconisi? — Seus

anciões olhos me estudaram. A cadeira de balanço rangeu enquanto

ela empurrava brandamente, balançando a cadeira.

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— Não tenho nem ideia. Não me sinto como nenhuma dessas

coisas. — Olhei-a. Eu não podia dizer o que eu era, nem que traço

tinha. Não tinha visões. Não podia curar, e Eric já me tinha mostrado

que não podia lutar.

— Verdade — concordou — E enquanto não veja si mesma como

uma guerreira, será. Será a maior guerreira que vimos em muito tempo.

Minha sobrancelha se elevou, enquanto afogava uma gargalhada

quando me dava conta de que falava a sério.

— Mas não posso lutar. Viu-me com Eric. Como posso ser uma

guerreira?

Seu rosto envelhecido me examinou antes de falar de novo.

— Eric vai ter as mãos cheias contigo. E apesar de rebelar-se

contra as leis, não pode evitar encontrar consolo nelas. E embora não

pode curar a si mesma, busca curar a outros — fez uma pausa — Mas

das três, a parte maior de sua alma é de uma Seyer. É uma Seyer, Ivy

Taylor. Como eu.

— Mas, eu não vejo nada. Não tenho visões — respondi.

Assentindo, um suave sorriso se estendeu por seu rosto.

— Mas o fará. O momento chegará. E verá. Guiara-te na direção

correta. Quando te tocar, te aferre a ela. Será logo, menina. E eu te

ensinarei não se preocupe.

Milhões de perguntas alagaram minha mente, mas voltava para

uma. Uma à que ela já tinha aludido, mas que tinha dado como certa.

— Pode ver meu futuro?

Ela assentiu.

— Sim, vi-o.

Meu coração estava palpitando em meus ouvidos. Ela tinha que

sabê-lo. Por que não o dizia? Perguntei:

— Então, sabe? — Tinha certa esperança de que ela dissesse que

estava bem que eu estivesse poluída. Então haveria esperança para

mim. Manter-me apanhada no meio, escondendo minha alma infectada,

era tedioso.

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— Sei tudo o que preciso saber — disse, evitando minha

pergunta na típica forma de uma Martis. Seus olhos anciões eram

penetrantes. Inclinou-se para frente em sua cadeira de balanço. — Ivy,

sua posição é Seyer. Nós lhe ajudaremos a ser o que se supõe que deve

ser. Os Seyer são pouco comuns. Muito pouco comuns. — Um dedo

ancião apontou para meu peito — Especialmente os de sua classe.

Instintivamente, dei um coice. Ela tinha que sabê-lo. Queria que

o dissesse. Mas não o fez. Esse foi o final de nossa discussão, e ela me

afugentou. Lentamente voltei com Eric, ligeiramente desconcertada. Se

Al sabia que eu era a garota da profecia, por que não me delatava?

Baixando a velocidade enquanto me aproximava da habitação que Eric

ocupava, pude ouvir suas vozes chegando ao corredor.

O rico acento de Julia falou:

—... Não é aceitável. Não podemos permitir que algo assim

ocorra. Não encontraste nada no tempo que estiveste aqui? Não

podemos permitir que o mesmo volte a acontecer, Eric. Conhece seu

dever... E quão importante é para nós. Quem é ela?

A voz do Eric seguiu.

— Eu não tenho seu nome exato, mas sei que se formou. Há

muitos Valefar aqui, e não é como a última vez. Há mais Valefar em

Long Island que em toda costa leste. Eles também a estão procurando.

Não, este é o lugar adequado. Esta vez é ela. É o lugar correto, Julia. E

eu sei quão importante é isto. Se a profecia for realmente verdadeira,

tudo pelo que trabalhamos se perderá. Não deixarei que isso aconteça.

— Bem — respondeu ela — Destrua-a. E quero que me

mantenha informada. Quando a encontrar, a retenha da forma em que

discutimos. Ela terá novos atributos, e acreditam que isso a sustentará.

Então o Tribunal pode reunir-se e despachá-la corretamente. As

Criaturas do Inferno devem ser destruídas, para que não possam

ressurgir em outro momento. Não podemos permitir que ela retorne. —

Não fugir gritando do edifício demandou cada grama de minha força.

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Estavam falando de mim. Inclinei-me por volta do quarto, tentando ser

completamente silenciosa.

Eric disse:

— Quando a encontrar, será a primeira, a saber. Estamos perto.

Muito perto.

— Graças a Deus. — A tensão em sua voz diminuiu — Você e eu

procuramos esta criatura por mais de mil anos. Esta é uma das poucas

vezes que tivemos algum sinal de que o momento e o lugar são corretos.

E a última vez foi um pesadelo. Está seguro de que o Valefar está aqui

por ela?

Eric esclareceu sua garganta. Sua voz soava divertida.

— Sim. Há muitos aqui para que seja uma coincidência. Os

Martis também estão gravitando aqui. Isso só se supõe que deve

acontece quando a garota da profecia se forme — fez uma pausa — A

menos que acredite que algo mais está acontecendo?

— Não. Acredito que está correto — disse Julia — E a profecia

ainda está oculta, assim eles não podem tomá-la. Devem estar

procurando-a. Tem mais guardas do que o habitual aqui? — Sua voz

era tensa.

— Sim — respondeu Eric — E nós estivemos trabalhando

estreitamente com a Seyer para nos assegurar de que saberemos

quando a garota esteja ao nosso alcance. — As palavras começaram a

aprofundar em minha mente uma vez que a surpresa se fundia através

de meu crânio. Eric e Al estavam me procurando. Meu coração acelerou

enquanto meus olhos se abriam exageradamente.

— Ah — se burlou Julia — Os Seyer são uma raça morta. Não

precisa confiar em sua classe. Lógica e discernimento, isso que não

possuía a última vez, levaram-lhe a esta garota. A profecia não deve se

tornar realidade. Protege a sua classe.

— Farei-o. — Sua voz se armou de valor — Ela será capturada. E

a matarei eu mesmo, de forma permanente... Se for necessário.

Eric voltou à cabeça e me viu na porta.

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Capitulo 15

Ouça Ivy. — Eric me alcançou, puxando-me para a sala.

Limpei a expressão de minha cara antes que pudesse ver o pânico total

em meus olhos. Não podia acreditar.

Eric era o Buscador. Ele estava me procurando — Terminamos

aqui. Então o que disse que você é?

Esperava que respondesse. O terror empurrou o pulso a um

ritmo acelerado, enquanto lutava por suprimir o pânico — Sim. Diga-

me. O que disse? É necessário documentar sua vocação antes de ir. —

A cara de Julia sustentava uma expressão de desconcerto.

Quem eles caçavam estava em sua frente. Mas eles não tinham a

menor ideia. Mantive a voz firme, colocando minhas mãos trêmulas em

meus bolsos. — Disse que sou uma Seyer. — A boca de Eric se abriu

ligeiramente.

Julia zombou. — Ok. Uma Seyer!

Os olhos de Eric passavam entre a cara de Julia e minha

postura nervosa. Esfregou meu antebraço em um gesto reconfortante.

— Isso é genial. E estranho. Uau. — Sorri fracamente, tratando de não

me afastar para longe de seu tato. Estavam lendo mal meu nervosismo;

graças a Deus. Eles pensavam que era por ser uma Seyer.

Perguntei: — Sério? Al fez soar como se não fosse grande coisa.

— E não é. — A voz da anciã ressonou atrás de mim — Cada um

de nós tem um papel diferente no panorama geral das coisas. Não é

verdade Julia? — O cabelo prateado emoldurava seu rosto. Julia

suspirou, agitando as mãos enquanto falava.

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— Sim, sim. Sabemos como se sente Althea. — Afastou o olhar,

revirando seus olhos. Parecia que tinham tido esta discussão antes. Al

deu um passo para Julia, fazendo um gesto para mim. — Ivy vai nos

ajudar com a profecia.

Meu coração retumbou. O que disse ela? — Perdão? — chiei. —

Sério? — questionou Eric, olhando emocionado.

Julia se curvou e cruzou os braços. — Conhecemos a profecia.

Nossos guerreiros vão erradicar o problema, não esta menina.

— Isso não é o que vi. Esta menina vai ser quem acabará com o

problema. — Seus velhos olhos me olharam. O pânico estava me

agarrando dos pés ao pescoço. Seus tentáculos atando meu estômago,

e apertando.

Al sabe o que sou. Ela vai me entregar. Lutei contra cada

impulso de autopreservação que freneticamente fluía dentro de mim e

meus pés estavam presos ao chão.

— Puff. Você faz seu caminho. Nós o nosso. Vou informar-lhes

de seu novo Seyer — disse com desdém — e sua previsão. — Julia

agarrou a bolsa de verniz. A irmã Al acompanhou-a, deixando Eric e eu,

sozinhos.

— Assim. — Eric se voltou para mim com um sorriso orgulhoso

em seu rosto — Uma Seyer! Uau. — Meu coração pulsava com força,

assenti, evitando a tentação de sair correndo para longe de Eric.

Por que tem que ser Eric? O que ia lhe dizer? Que eu era o que

ele estava tentando matar. Fingir o que era, ia ser muito mais difícil.

Olhando em seu rosto, vi pacíficos olhos de cor âmbar, não ao guerreiro

me caçando. Só vi doçura, refletindo de Eric. Como pude estar tão

incrivelmente equivocada a respeito da gente? Era minha percepção tão

ruim assim? Meu estômago estava apertado, enquanto sustentava meus

punhos fortemente em meus bolsos. — Vou reunir-me com Shannon,

está bem? — Era difícil olhá-lo nos olhos, mas respondeu com um fraco

assentimento.

Eric sorriu. — Claro. Está bem?

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— Sim. Estou bem. — Tirei minhas mãos dos bolsos, e as dobrei

sobre meu peito. Pouco a pouco me virei para me afastar dele, e saí das

portas dianteiras.

O automóvel vermelho de Shannon estava esperando, como

tínhamos planejado. Em silêncio, deslizei-me no assento, e fechei a

porta. — O que aconteceu? — perguntou. A luz do sol bateu no seu

cabelo dando um brilho dourado. Ela se pôs a conduzir o carro, e

entrou no tráfego. Sentei-me ali por um segundo insegura do que fazer.

A tensão em minha fronte não diminuía. Pressionei-a com meus dedos,

enquanto conduzíamos em silêncio. A verdade se chocou na parte

traseira de minha mente. Queria desesperadamente negá-la. As

palavras de Eric, mescladas com as coisas que Shannon tinha me

contado antes, me fizeram sentir mal. Mas, eu sabia que era verdade.

O aperto na minha garganta afogava minha voz, por isso minhas

palavras eram quase inaudíveis. — Eric é o Buscador.

Shannon abriu a boca, desviando o automóvel um pouco quando

me olhou. — Como descobriu? — Sua voz estava oitavas mais alta do

que o habitual — Ivy, o que aconteceu?

— Ouvi-o falar com alguém chamada Julia. Acreditam que sou

uma criatura... E sabem que estou perto. Eles simplesmente não têm

ideia do quão perto. — Minha voz se desvaneceu no silêncio chocado.

Os pés de Shannon se voltaram para os pedais. Chegamos a minha

casa muito mais rápido do que o normal. Ela se voltou e me perguntou:

— O que vai fazer?

Tirei o cinto, encolhendo os ombros. — Eles não sabem que sou

eu. — Julia é um problema, – disse. — Eric tem que escutá-la.

Ainda surpreendida, olhou pelo para-brisa, olhando um nada. — Eric

disse que ajudaria… e me matará. — Sacudindo a cabeça, saí do

automóvel.

Shannon gritou trás de mim. — Ivy, quer que entre? Não está

bem.

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Voltando-me para ela disse: Não. Só quero ficar sozinha. —

Minha mão empurrou o portão fechado, e caminhei pela calçada

surpreendida pelo silêncio.

Ao cair à noite, os sentimentos reprimidos estavam fluindo à

superfície. Tinha graves tendências anormais de controle, e quando não

tinha nenhum controle, assustava-me. A necessidade de repetir meu

comportamento no passado consome meus pensamentos. Tinha que

fazer algo para afastar o caos. Olhando meu reflexo, avaliei meu traje.

Camisa preta de gaze com um sutiã ajustado e mangas que fluíam

emparelhados com uma saia negra. Agarrei minhas botas pretas e as

calcei. Estas foram feitas para que pudesse correr se fosse necessário,

mas se viam impressionantes também. Ajustei o presente de Apryl em

meu cabelo, organizei a metade para cima e a outra metade para baixo.

Minha pele de porcelana absorveu o pigmento púrpuro enquanto minha

marca desaparecia.

O convite estava enrugado em minha penteadeira. Tinha-o

conseguido por meio de um menino da escola, fazia uma semana. Não

tinha intenção de ir, até agora. A festa era em Babilônia. Isso não era

muito longe daqui. Haveria meninos de outras escolas, e um montão de

meninos que não conhecia. Resignada por aliviar um pouco do caos, dei

a volta e sai pela janela e para a noite. Quando cheguei a casa, a festa

já tinha começado. Era uma das casas grandes que ficavam na linha da

costa, com um gramado igualmente enorme. Tinha um passeio circular

de tijolos que estava cheio de carros, com uma enorme fonte de três

níveis no centro. Os meninos formavam círculos ao redor, não afetados

pelo ar fresco da noite. A maioria tinha uma taça na mão, falando em

voz alta em cima da música vibrante que emitia um BOOM, BOOM,

BOOM procedente da casa.

Passei pela porta e naveguei na multidão de meninos, até que

encontrei a pista de dança. A grande sala se encheu do aroma

persistente de suor e fumaça. As janelas abertas na parte traseira da

casa, mostrando a linha da costa. Havia muitos meninos no espaço.

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Conectava-se a outra sala que tinha igualmente uma grande

quantidade de pessoas. Com a esperança de me perder na multidão, fiz

meu caminho através do labirinto.

Nicole e suas abelhas me olharam ao passar. — Veio transar,

Virgem? — gritou Nicole, rindo de mim. Seu grupo de amigos zombava.

Suas palavras chamaram a atenção de uns poucos meninos que

estavam próximos.

Aproximei-me dela, olhando o seu perfeito rosto, e respondi o

suficientemente alto para que outros pudessem ouvir. — Sim. — Nicole

teve uma perda momentânea de voz. Enquanto me afastava dela, um

menino de cabelos castanhos e olhos marrons sorriu-me. Tinha o

cabelo pendurando em seus olhos. Aproximei-me dele e lhe sussurrei ao

ouvido. Ele pôs sua mão na parte baixa de minhas costas, e sorriu para

Nicole, enquanto nos afastávamos. Sorri-lhe por cima do ombro,

saudando, e disse — Obrigado! — Seu rosto ficou contraído em uma

careta.

Caminhamos para a parte posterior da casa, para os rincões

mais escuros da sala. O menino de cabelo marrom se inclinou, falando

em voz alta em meu ouvido: - Ouça. Sou...

Voltando-me para ele, pus meus dedos sobre seus lábios para

silenciá-lo. — Não quero saber quem é. — Deslizando meu corpo contra

o seu, empurrei-o contra a parede, enlacei meus braços ao redor de seu

pescoço.

Um sorriso se desenhou em seu rosto, enquanto se dava conta

do que estava oferecendo. Suas mãos se deslizaram por minhas costas,

cobrindo meu traseiro, enquanto me atraía para ele. — Perfeito.

— Deixe de falar — ordenei, pressionando meu corpo contra ele.

Minhas mãos deslizaram até seu rosto, e colou sua boca sobre a minha.

Não sabia quem era, e não me importava. Era perfeito dessa maneira.

Só um estranho poderia oferecer o escape que necessitava, e me ajudar

a sentir como se ainda tivesse certo controle sobre minha vida. Ficamos

entrelaçados no canto escuro da sala, com as mãos deslizando-se,

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tocando e provando. Os casais que nos rodeavam se moviam a um

ritmo mais lento, mas não me importava. Seus lábios se moviam por

meu pescoço. Comecei a me derreter, meus joelhos dobrando-se pela

sensação. A corrente de emoções estava me alagando e adormecendo

minha dor. Não duraria muito tempo, mas poderia ser capaz de fazer

que durasse mais tempo se não me contivesse nesta ocasião. Os

pensamentos passavam por minha mente, e me dava conta de que

tinha decidido fazer aqui antes de minha chegada.

Isto de verdade me machucava? Não podia recordar a última vez.

Danificaria minha reputação, mas não podia recordar nada mais.

Outras sensações estavam diminuindo meus pensamentos. Uma forte

mão deslizou debaixo de meu decote, enquanto que seus dentes me

roçavam o pescoço com beijos fortes. Um suspiro me escapou, e me

apoiei nele. Enredei meus dedos por seu cabelo e puxei com firmeza.

Seu rosto surgiu de meu pescoço com um sorriso infantil. Respirava

com dificuldade, e brilhava. A sala estava quente, mas agora me sentia

incrivelmente quente. Fechando os olhos, aspirei seu aroma. Ele

cheirava a picante loção de barbear.

— Leve-me para cima, — lhe disse sem fôlego. Sorrindo

amplamente, voltamo-nos para subir pelas escadas. Suas mãos se

moviam mais ou menos por cima de meu corpo, enquanto nos

tropeçávamos pelas escadas, e em um corredor escuro. O homem

estava talhado como um patinador, com antebraços e corpo de um

atleta forte. Deslizei minhas mãos sob sua camisa, enquanto ele me

empurrou contra uma parede do segundo andar.

Seus lábios se moviam pelo meu pescoço, me fazendo sentir

maravilhosamente quente. Uma mão se deslizou debaixo de minha

camisa, e por cima do meu sutiã. A felicidade embriagadora se

apoderou de mim, e gemi. Ele respondeu, deslizando a outra mão em

cima de minha coxa, por debaixo da saia. Apoiada em seu corpo duro,

senti-me fundida por um momento. A entristecedora sensação de estar

perdida se desvaneceu. Parecia como se tudo ficaria bem. Braços fortes

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me sujeitavam, e nada mais podia me tocar. Ao menos, eu não

planejava isso.

A sensação de calor gelado me atirou de novo, antes de escutar

sua voz me repreendendo. — Ivy! Que diabo está fazendo? Olhe-me. —

Ele me separou do menino patinador. Os olhos azuis de Collin entraram

na minha visão, enquanto que meu zumbido se desvanecia, deixando

nada mais que me afogar no meu medo.

— Ouça amigo, — disse o menino de cabelo marrom. — Afaste-

se. Ela é minha. — O menino tratou de conseguir que Collin me

soltasse, mas não o conseguiu.

Muito aturdida para compreender o que estava acontecendo,

senti Collin em minha mente. No momento em que viu quão fodida

estava, era muito tarde. Não pude ocultar minhas intenções

pecaminosas. Seu aperto não afrouxou. Em seu lugar, empurrou a meu

amigo de beijoca. — Vai à merda. Ela é minha. — Tratei de tirar meu

pulso fora do aperto de Collin, mas as coisas ficaram estranhas

rapidamente. Sua tristeza e preocupação começaram a gotejar em

minhas emoções e formavam redemoinhos juntas. Mas em lugar de

mesclar-se, estavam ficando separadas, como gelo formando

redemoinhos.

Com o coração acelerado, tratei de me afastar de Collin. —

Deixe-me em paz, Collin. Não sabe...

Suas mãos se apertou, enquanto se interpunha entre nós. Seu

rosto aproximou e baixou ao meu, nossos narizes quase se tocavam. —

Eu não vou lhe deixar arruinar sua vida. Disse que tinha terminado

com esta merda, Ivy. O que está fazendo?

— Ouça, ela já disse isso, se afaste. Afaste-se. — O menino

patinador tentou ser valente, mas não pôde.

Collin se voltou lentamente, com raiva em seus olhos. Parecia

um pouco louco. — Se a quiser, vai ter que tira-la de mim. — Collin

pegou meu outro braço antes que soubesse o que acontecia. Movendo-

se rapidamente, jogou-me em cima de seu ombro, e correu.

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— Deixe-me ir! — gritei. Chiava em um grito aterrador,

enquanto sacodia pelas escadas, e pela porta principal. Meu corpo

sacodiu como uma boneca de trapo, e pendurava no meio da minha

vida. Collin correu por toda a casa, e através das portas dianteiras.

Reduziu a velocidade em frente à fonte luminosa. Gritei — Não! — Antes

que jogasse, mas já estava no ar. Meu corpo se retorcia, enquanto que

tratava de deixar de golpear a água até a cintura. O líquido frio me

puxava por debaixo, expulsando o fôlego de meu peito. Meu traseiro

chocou-se contra a parte inferior do cimento, cambaleando sobre meus

joelhos. O vento provocou um calafrio através de mim, e meu corpo se

sacudia enquanto fulminava Collin com o olhar. A água caía de meu

cabelo que estava preso no meu rosto. O presente de Apryl estava quase

que pendurado. A água encheu minhas botas, e um montão de outros

lugares que a água fria não deveria estar.

A ira fluía através de mim, quente. A princípio, só respirava,

olhando-o. Uma multidão parou para ver o que acontecia. Alguns

meninos disseram algo a respeito de não querer estar no lugar.

Finalmente, lancei minha perna sobre a borda da fonte, e corri para ele.

Meu corpo se chocou contra o seu. Meus punhos golpearam em seu

peito, enquanto lhe gritava à cara: — Não tem nenhum direito! Quem

demônios acredita que é?

Collin não se moveu. Ele me deixou desabafar, olhava-me com

irritante calma. Seus olhos retornaram à sua cor normal, e não o

incrivelmente azul profundo que parecia louco fazia uns momentos.

Agora eu parecia louca. A multidão estava rindo. Alguns gritavam

coisas, mas eu estava muito zangada para entender. Ignorei a todos, à

exceção de Collin. — Como pôde?! O que o faz pensar que pode me fazer

isto? — O chiado de minha voz estava morrendo, enquanto que o frio se

infiltrava. Minha ira se queimava, e o frio estava dando procuração.

Meu traje de renda preta grudou ao meu corpo, me fazendo sentir mais

fria do que pensei que fosse possível. Afastei-me de Collin, as lágrimas

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corriam pelo meu rosto. Entre soluços disse — Você deveria ter me

deixado sozinha.

— Não posso lhe deixar sozinha, — ficou a um braço de

distância de mim, luzindo desesperadamente perdido. — Nicole a

incomodou. Realmente não queria estar com esse tipo.

— Nicole não me incomodou. Vim aqui por ele. — Não podia

olhar para Collin. Ele não entendia. E não podia lhe dizer. Suas mãos

se aproximaram sem duvidar, e com firmeza segurou meus braços. Não

houve um formigamento gelado e quente, só uma rajada de remorso que

me alagou através da união.

— Ivy, — suspirou. — Só me diga. O que a assustou tanto para

fazer isto? — Sua voz era mais suave. — Estava acostumado a dizer

algo. E tudo. Não tínhamos segredos. Só me diga. — Seu fôlego se

apoderou de minha pele, surpreendentemente quente.

Retorci meus ombros, esclareci minha mente quando rompi o

contato com ele. — As coisas mudaram. Não é assim. Não sou mais a

mesma garota. Se você não gostar… que mau. — Cruzei os braços com

força, tratando de não tremer. Endireitou-se, olhando como se o tivesse

chutado no estômago. Deu um passo para mim. Seus olhos estavam

tratando de bloquear meus.

Determinação destilava dele.

— Sei que algo lhe aconteceu, e a assustou até a morte. O medo

está rodando fora de você, grosso e pesado. Está lhe afogando. Está a

aproximando de meninos ao azar, assim posso sentir algo mais que o

terror horrível que te consome. — Mantive meu rosto para baixo, para o

chão, sem dizer nada. Todo meu corpo estava intumescido. Não podia

lhe dizer que tinha razão. Ele já sabia de todos os modos. Sua cálida

mão tocou meu rosto.

Ele o levantou para olhá-lo nos olhos. — Segue sendo a mesma

garota, vendo ou não.

Tragando a saliva, sacudi meu rosto para fora do seu aperto.

Respondi-lhe: — Nunca esteve tão errado.

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Capitulo 16

Shannon emergiu da multidão com um olhar de surpresa em

seu rosto. Ficou entre Collin e eu, e depois me afastou dos olhos da

multidão que tínhamos atraído.

Nada havia dito. Nada tinha que ser. Podia ver o olhar em seu

rosto, e vi o agradecimento que assentiu para Collin antes que ela me

levasse a casa.

Ensopada até os ossos, sentei-me em seu automóvel, e senti a

explosão de calor em meu rosto. Cada intento era feito para não tirar

minha irritação de Shannon. Fiz algo incrivelmente estúpido, e fui

apanhada. Depois de um longo silencio ela disse: Jogá-la na água

fria foi a melhor coisa que ele pôde fazer. — Volteando minha cabeça

molhada, olhei-a. Minha sobrancelha se elevou, conforme minha boca

se abria. Estava do lado dele? — Não, — disse ela. — É sério. Para os

Martis, a água fria é como um botão de reinicio. Tem o mesmo efeito

que a água fria tem nos humanos, mas sem nenhum risco de

hipotermia. O frio supõe-se que deve purgar as doenças dos imortais,

ajudou?

— Ajudar? — disse entre dentes — Ajudar! Não, não ajudou. Ele

me lançou à água fria, na frente de todos. Agora, serei uma virgem

molhada. Ugh. Isso foi muito pior! — Minha cabeça caiu para frente,

enquanto segurava o rosto.

— Ivy, é uma idiota. — Suas duras palavras atravessaram meu

orgulho em uma forma única de Shannon.

— Não estou falando a respeito de sua posição social. Não há

como esse pequeno deslize ajudar a sua vida social. Apesar de que os

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patinadores poderiam a evitar agora. — Ela sorriu, reprimindo uma

gargalhada — Ajudou-a a purgar o que quer que a estivesse

incomodando? Estou assumindo que a ideia de estar ao redor de Eric, e

sabendo quem ele é, a deixou aterrada. Está melhor agora?

—Talvez. — Olhou-me enquanto eu punha cara má. — Bem,

sim. Ajudou. Foi-se por agora. Mas, voltará?

Ela me olhou pelo canto do olho. — Só se o deixar. — Seu rosto

tomou a expressão de uma estrela. — Eu gostaria de ter força suficiente

para atira-la em uma fonte. — Riu ela. — É como se ele soubesse que

isso a golpearia. Que mal que não é um Martis. — Ela moveu suas

sobrancelhas para mim.

Olhei-a com incredulidade. — Ugh, merda, Shann. Agora você

gosta? Não pode gostar. Você odeia a sua coragem. Ele a odeia. Não

podem gostar. Minha cabeça explodirá.

O automóvel se deteve, a umas poucas portas de minha casa.

Ela me sorriu. — Talvez não seja tão mau. Quero dizer, ele evitou que

caísse em seu Valefar interior. Ivy, os Martis não se deitam com

qualquer um. Isso pode danificar a relação de seu bem e mal interior.

Nós não sabemos o que a joga na profecia. Collin pode ter impedido que

você cometesse um grande engano. — Ela encolheu os ombros —

Assim, talvez não seja tão mau. — Entra, preciso lhe dizer algo a

respeito dele e de mim. — Vendo um estranho olhar cruzando seu rosto,

rapidamente acrescentei. — Não é o que está pensando.

Depois que troquei minha roupa por outra seca, senti-me

melhor. Curiosamente o mergulho não me deixou fria toda a noite.

Parecia mais como se tivesse saltado a um reservatório fresco em um

dia incrivelmente quente. Senti-me mais fresca, e o medo esmagador se

foi. Shannon se sentou ao pé de minha cama. Deixou-se cair sobre os

travesseiros da cabeceira.

— Shannon, — disse. — Acredito que fiz algo ao Collin. Não

disse nada a ninguém mais a respeito disso, penso que pôde ter sido

induzido por minha parte Valefar.

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Shannon assentiu seus olhos verdes ampliando-se. — Ivy, O que

foi o que fez?

Tomando uma profunda pausa, continuei. — Não sei. Ele pode

me ouvir. E eu posso ouvi-lo. É como ler a mente, mas mais real. Isto

parece estranho, mas se sente como se nossos espíritos estivessem

entrelaçados, como se estivéssemos unidos ou algo. Diga que ouviu

falar disto. — Apertei meus dedos com força.

Recostou-se contra a parede, luzindo muito intrigada. — Só é

com o Collin? Não com alguém mais?

Assenti. — Só com ele.

— Hmmm. Os Seyer têm poderes únicos que o resto de nós não,

mas nunca estive a par de algo como isto. Mas, isso não significa que

não esteja aí. Significa que não é um Seyer. — Ela recolheu o cabelo por

cima do ombro girando as pontas.

— Quem lhe disse que sou um Seyer? — perguntei

— Escapou-me essa parte hoje cedo. – Encolheu os ombros. —

Eric me chamou. Pensei que talvez se acrescentasse a que estava

assustada, assim tratei de localiza-la. No momento em que a encontrei,

Collin a tinha na fonte.

— A coisa Seyer não ajudou. — Reconheci. — E deixou claro que

ela sabe que eu sou diferente, apesar de não dizer que sabe o que sou.

Parece pensar que faço coisas. Não tenho ideia se souber que estou

poluída. Mas isto? Shannon… — suspirei, percorrendo com meus dedos

o cabelo — Estou assustada de machucá-lo. Não sei o que é, ou o que

seja isto, este laço que nos une, está mudando. Sente-se diferente.

Antes só podia ouvir seus pensamentos olhando-o nos olhos e tocando-

o. Mas esta noite não houve necessidade de nenhuma dessas coisas.

Ele me escutou de todas as formas.

Shannon esteve calada antes de perguntar: — Algo mais

mudou?

Pensando nisso, não estava segura. A ira mais cedo tinha

nublado todo o resto. Assentindo, continuei: Posso sentir o laço.

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Parece como uma velha banda de borracha, esticando de mim para ele.

Quando nos separamos, não gostou. Sentiu-se esticada além da

comodidade, e logo se rompeu. Estava tão zangada, que não o notei.

— Precisa falar com Al. Ela é sua mentora. Ela saberá de enlaces

como esse, Martis ou não. — Ela se sentou, me olhando.

—É a parte que me preocupa, — continuei.

A escola no dia seguinte não prestou. Arrumei isso para arruinar

minha reputação, e acender a de Eric em uma rajada gloriosa. Houve

sussurros de conversações quando passava. Pelo que escutei, enganei

Eric com um patinador, o que era horrível, porque todo mundo pensava

que Eric era um menino doce. Como alguém podia fazer algo assim a

ele? Logo fui acusada de ter uma aventura com Collin, que foi pelo que

ele me atirou na fonte em um ataque de ciúmes.

Basicamente, fui coroada a puta da classe. Nicole, é obvio,

estava encantada com as ações humilhantes de Collin. Assegurou-se de

que zombassem de mim quando entrava em meu primeiro período de

classes.

O Sr. Turner agrupou todos para o trabalho em classe, e tive a

alegria de trabalhar com um dos parasitas da Nicole. Lily tinha um

rosto ovalado, cabelo loiro platinado, e unhas vermelhas brilhantes.

Também tinha a marca de grandes seios que fazia à camarilha da Nicole

notável. Ela se afastou de mim quando me deslizei sobre a mesa. — Isso

foi trapaceiro de sua parte, inclusive para você. — Seus lábios se

contraíram em uma expressão de desgosto enquanto me olhava.

— O que seja Barbie. Só terá que fazer o trabalho. — Não podia

olhá-la. Normalmente os clones não me incomodavam, e sua conversa

se escorregava de minhas costas, mas me sentia áspera. Suas palavras

foram prejudiciais.

Afastou-se, assobiando enquanto se inclinava mais a mim. — O

que vai tomar para que o note? É cruel, o que fez, deixando-o. Saindo

com qualquer outro menino. Chupando a cara de qualquer fenômeno

em patins, quando está justo em frente a você.

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Deixei cair minha caneta, e a olhei. — Eu não o deixei. Escuta,

eu…

Ela me cortou antes que pudesse finalizar o resto de meu

pensamento. — Não, escuta você, pequena puta, — burlou-se,

empurrando meu braço com sua caneta — Nicole não queria que

dissesse, mas não posso ficar olhando como segue torturando Collin.

Desde que é muito estúpida para notá-lo, estou lhe dizendo isso, ele a

ama. Coloque isso na sua cabeça dura. — Minha boca se abriu com

incredulidade, mas não pude articular uma palavra.

Ela sussurrou: — Um menino não faz assim só por fazê-lo. Ele

não recolhe uma garota e a leva longe de outro menino se é somente um

amigo. O resto de nós, quando saímos com ele, mas não nos nota,

somos como ar, invisíveis. Mas não com você. Nunca com você. Corre

atrás de você, observa-a, faz coisas por você, lhe deu esse anel. Ele a

ama. Deixa de tratá-lo como lixo.

Sacudindo minha cabeça, continuei: — Ele não me ama. É só

luxúria. Ou algo assim. Sua perfeita sobrancelha se levantou.

— Dê a você mesmo o que queira, mas é melhor deixar de

machucar Collin. Nicole vai mata-la. E tampouco a posso suportar. —

Suas palavras penduraram no ar. A horrível certeza de que seus clones

acreditavam que me amava, fez-me sentir doente.

Se ele me amasse, a forma como o tratei foi horrível. Não. Elas

não podiam estar certas. Não era possível. Esta era uma vingança por

incomodar Nicole. Collin não podia me amar. Ele não podia.

O resto do dia passou, e eu temi ver o Eric. A gente estava

falando a respeito dele e isso era completamente minha culpa. Não

soube como ele respondeu. Quando me voltei para o corredor do salão

de biologia, vi Eric recostado na parede. Seus braços cruzados,

enquanto me via aproximar. Meu ritmo mais lento. A queimação da

humilhação roçando minhas bochechas. Quando o alcancei lhe disse:

— Eric deixe lhe explicar.

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Seus olhos âmbar eram frios. Baixou seu rosto para o meu, e

disse: — Explique. Explique-me como pôde fazer algo assim. Nem

sequer o conhecia, — endireitou-se, e deu um passo para trás.

— Eric… - O sino soou. Sua decepção desinflou meu desejo de

lutar. Minha defesa inteira, a necessidade de ocultar o sangue de

demônio em minhas veias se derreteu. Não podia seguir ocultando isto.

Estava-me comendo viva e destruindo cada amizade que tinha.

Horrorizada, escutei as palavras saindo de minha boca antes que

pudesse detê-las — Eric, eu não sou como você. Sou diferente. Há

escuridão em meu interior que não posso controlar. Ontem, escutei

você falar a respeito de matar alguém, permanentemente. Estava

sobrecarregada. Não pude suportar esse pensamento. Oh Deus, Eric.

— A confissão saiu de minha boca antes de detê-la — Sou eu. Sou

quem está procurando. Seus lábios se rompem em um sorriso, como

se risse. Ele pôs sua mão em meu ombro atuando totalmente divertido.

— Isso foi o que a assustou? Você pensa que é quem estivemos

procurando? — E riu um pouco mais, sacudindo sua cabeça —

Suponho que isso justifica sua reação, mas lhe asseguro — sorriu —

não estou caçando você.

Ele não me acreditou! Incrível. Disse ao Buscador, que estava

me caçando que estava parada na frente dele, e não acreditou! Sentia-

me irritada, mas também me assegurou que estava bem escondida. Ele

não suspeitava de mim absolutamente. Pelo olhar de seu rosto, ele

acreditava que tinha estado enganando por pensar tal coisa. Eric me

perdoou facilmente, era parte de seu encanto, mas isso o fez mais

difícil. Haveria um momento em que se daria conta quem era eu. A

traição ia ser horrível, e não havia nada que pudesse fazer para detê-lo.

Meu humor estava uma merda quando fui ver a monja. A irmã estava

me dizendo sobre o tipo de premonição do Seyer que passou antes da

visão, quando soltei a pergunta que estava morrendo por perguntar. —

É normal para um Seyer ter uma maior sensação com outra pessoa?

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Seu rosto enrugado se mostrou surpreendida por minha

pergunta. — Não. Isso não é normal, mas para nenhum de nós é igual.

E você foi talhada em um molde diferente, menina. Qualquer parvo

pode ver isso. Por que está perguntando? — Seus anciões olhos

sustentaram os meus.

Não pude olhar longe. Queria lhe dizer. Queria confiar nela. Mas

minha boca não disse a verdade. Encolhi os ombros. — Pensei que

talvez em geral tivéssemos os sentidos intensificados.

Ela replicou. — Faça sua pergunta, se tiver alguma.

— Tenho uma conexão com outra pessoa. É como se

pudéssemos escutar os pensamentos do outro. Sinto-me muito,

estranha — fiz uma pausa. Ela não me olhou como se estivesse louca,

assim comecei outra vez a formar lentamente as palavras tentando

descrever nossa união. — E a conexão, o laço que temos, está

crescendo. Quando trato de me afastar desta pessoa, começa a doer

fisicamente. Algo dentro de mim começa a estirar-se. E me golpeia

quando me afasto — me detenho aí, esperando que me diga que estou

louca.

— Hmm. Não é com todos, só com uma pessoa? — Seus dedos

anciões tocaram constantemente seu queixo.

— Só uma. — suspirei.

Seus olhos me consideram. — E está mudando?

Assenti. — Sim. Está se voltando mais forte. A princípio, só era

uma sensação. Requeria contato visual ou um toque. Estou assustada

de que não seja capaz de manter meus segredos para mim. Como

Martis. O que devo fazer?

Seu rosto era sério, enquanto golpeava seu lábio superior.

Esperei que esta sábia tivesse todas as respostas que necessitaria para

o resto de minha vida. Agarrei a suas palavras, esperando por elas para

que me iluminassem, e me tirassem desta confusão. Sua resposta foi

um impacto. — Não tenho ideia, mas essa é uma situação interessante.

Tem que me deixar saber como resulta tudo.

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— O quê?! — chiei. — Tem que me dizer. Não sei o que fazer. Ele

não é um Martis! Ele é um mortal!

Inclinou-se para diante. — Você é um com ele?

— Sim. Pode me dizer agora? O que devo fazer? A única forma de

mantê-lo fora de minha cabeça é empurrando-o longe. Mas o laço está

me devorando. Não acredito que possa me manter afastada,

especialmente se está fazendo a mesma coisa com ele. — E eu não

queria estar afastada dele. Ele era meu melhor amigo, não importava os

eventos recentemente ocorridos.

Um sorriso se estendeu por seus lábios enquanto se inclinava

para trás rindo-se. — Oh menina!

— Não tem graça! Preciso saber. Não posso suportá-lo. — Havia

ficado sem fôlego. O pânico aumentando em meu interior. Ao final

respondeu, — Não pode suportá-lo, porque trata de controlar tudo. Mas

não poderá controlar isto. E não pode dobrar a sua vontade, tampouco.

Vocês dois estão feitos para fazer algo, juntos. Em algum ponto. Não

importa o que faça, passará. Lutar não tem sentido, inclusive se você

não gosta. Em algum momento, ele saberá o que é. — inclinou-se para

frente — Todos o faremos. Quando estiver preparada.

Meu coração ficou apanhado em minha garganta. Seu rosto

velho viu o meu. Grande. Ela ia jogar comigo até que o dissesse. Bem,

isso podia controlar, e não ia dizer que era o único Martis caminhando

ao redor com sangue de demônio nesse momento. Esse era o final da

discussão. Tinha que lutar com Collin eu mesma.

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Capitulo 17

Já passou uma semana do incidente da fonte. Collin manteve

sua distância. Tivemos problemas fazendo as pazes logo depois do

incidente, e já não estávamos nos falando. Minha fúria se desvaneceu,

mas ainda não podia falar com ele.

As palavras que Lily havia me dito tinham me incomodado,

embora fosse difícil de acreditar. Não podia ser que ele me amasse. E,

além disso, sabia que havia outra razão pela qual Collin se mantinha

longe de mim. Podia sentir. O vínculo estava mudando de novo. Parecia

que tinha vida própria. Não discuti com Collin, mas sabia que ele

também tinha sentido a mudança. O receio entrelaçava seus

pensamentos. Quando nos cruzávamos nos corredores, sentia que o

vínculo devorava, me empurrando para ele. Frequentemente, nos fazia

deter, sem poder falar.

Nossos olhos se encontravam e nos olhávamos fixamente,

enquanto que pensamentos sem palavras passavam entre nós.

Outros se davam conta. Diziam que algo novo e dramático

acontecia entre nós, o que era mentira. O olhar fixo era uma intenção

de bloquear minha mente antes que os pensamentos pudessem

deslizar-se para a mente de Collin. Quando ele estava perto, forçava

tudo fora de minha mente. Ele fazia o mesmo, mas o vínculo cresceu

mais incômodo. Cada vez, que terminávamos nos movendo e rompendo

assim o vínculo, meu coração se afundava, e as balizas do vínculo em

meu peito se interrompiam, em um curto e doloroso pop.

Sentei-me escarranchada sobre meu tamborete em biologia, e

desabei sobre a mesa. A mesa estava fria sobre minha bochecha.

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Olhando a parede, pensei sobre o vínculo, esperando que o sino soava.

As coisas estavam se pondo estranhas. Quando Collin cruzava o meu

caminho, eu estava focada exclusivamente em romper a proximidade, e

submetendo ao vínculo antes que a informação se filtrasse. Estúpido

vínculo. Estava ficando difícil, muito difícil. O fato de estar no corredor

não ajudava muito. Podíamos nos escutar a distâncias maiores, e

através das paredes. Era particularmente terrível em Matemática,

quando ele estava na sala de aula ao lado da minha. Seus emudecidos

pensamentos atravessavam as paredes de concreto. A pior parte era a

sensação de ser devorada. Havia uma parede no meio. Não era como se

pudesse atravessá-la e ir para ele! Mas ao vínculo não se importava.

A cadeira ao meu lado raspou o chão. Escutei Eric perguntar. —

Está bem?

Jogando-me para trás, levantei minha cabeça e esbocei um

sorriso. — Sim. Estou bem. Só um pouco nervosa. — Ele assentiu. A

classe continuou como usualmente o fazia. Quando o sino soou,

caminhamos para meu armário, juntos. Não havia nenhum círculo de

garotas loiras. Nem Collin. Eric me deixou, planejamos nos encontrar

na fonte. Estava decepcionada de que Collin não estivesse ali. Quase

desejava que ele dissesse algo, para que assim pudéssemos deixar a

outra noite para trás. Mas, não o fez. Tampouco faria eu. Não é como se

devesse me desculpar. Mas ainda, se tivesse a oportunidade de permitir

que as coisas se esquecessem, saltaria para ela.

Os meninos ainda me consideravam como a puta da escola,

mas já não era o tema do dia. Graças a Deus. Isso era terrível e durou

muito tempo. Eric inventou uma história sobre voltar comigo, apesar de

meu lado selvagem, o qual era certo, já que ele não podia mentir. E

fomos um casal falso novamente. Eric conduziu para a igreja, dizendo

pouco e nada. Quando finalmente falou, não era algo sobre o que

quisesse falar. — Por que o fez?

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Voltando minha cabeça, olhei-o zombeteiramente. — Fazer o

que? Seu rosto se entristeceu, e já não me olhava. — O patinador.

Na festa. Escutei um montão de versões. Não escutei a sua.

— Realmente não quero falar disso, certo? — Olhei pela janela

para fora, apoiando minha cabeça sobre o vidro. Ele limpou sua

garganta, claramente incômodo. — Ivy, Shannon me disse que Collin a

atirou em uma fonte. Estava brigando com seu melhor amigo? Tudo

isso soa estranho.

Encolhi os ombros. — Foi estranho.

Eric me olhou, sustentando o volante fortemente. — As coisas

tendem a agravar-se e apodrecer, a não ser que lute com elas. Tende a

colocar seus problemas dentro de uma caixa, e logo eles explodem em

sua cara.

Arrepiei-me. — Meus problemas não… bom, talvez o faça, um

pouco. O que quer que faça? — Olhei-o pela extremidade do olho, me

endireitando no assento.

— Que enfrente o problema. Seja o que seja. Da maneira que

possa. Selando-o dentro de ti realmente não funciona muito bem. — Ele

encolheu os ombros — Sei por que é o que eu fiz. Estava muito zangado

quando fui trocado. Não devido à marca, mas sim pelo que perdi. Os

Valefar a mataram… Sua voz se voltou mais tranquila, enquanto

dirigia, entrando no estacionamento. O cascalho rangeu sob a

caminhonete enquanto ele freava e estacionava — Lydia significava tudo

para mim. Perdi-a porque fui um idiota. Queira admiti-lo ou não, Collin

significa algo para você. Não seja tola e termine arruinando tudo.

— Talvez seja uma tola. Que tipo de garota seria, se em realidade

eu gostasse? Você mesmo o disse, ele me trata como lixo. — Não queria

falar mais sobre isto.

Eric tirou meu cabelo do meu rosto, voltando meu queixo para

ele. Seus olhos caramelo eram compassivos. — Ivy, eu invejo você. Não

tem ideia do quanto a invejo. Sei o que ele fez por você. O que tem feito

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por você. O amor não se apresenta muito frequentemente. Acredite em

mim, eu sei. Quando aparece, só os tolos os deixam ir. Ainda se for ele.

— Eric deslizou fora da caminhonete. Surpreendida, fiquei sentada ali

sem poder me mover. Amor? Não saberia se Collin me amasse?

Escutava seus pensamentos e emoções através do vínculo. Admiração

se filtrava antes que o amor, e inclusive luxúria, mas não amor, nunca

amor. Não, eles se equivocavam. Não sei o que viam, mas sabia, sem

dúvida nenhuma, que Collin não me amava. Éramos amigos. Isso é

tudo.

Quando finalmente saí, Al estava me esperando. Hoje ela ia

preparar-me para minhas visões. Como não tinha tido nenhuma, ela

pensou que me chocariam como um trem de carga. O presente era para

mim ou simplesmente não o era, sem nada no meio. Como esse era o

modo em que minha vida usualmente se dava, não duvidei dela. Estava

emocionada por aprender esta parte. Existia a remota possibilidade de

que eu visse algo de mim no futuro, a respeito da profecia. Logo, talvez,

poderia arrumar as coisas.

Al se sacudiu enquanto falava. — Os Seyers têm vislumbres do

futuro. Eles não podem ver tudo, só parte e fragmentos. Se você obtiver

suficientes detalhes, pode tratar de adivinhar o que acontecerá. Quando

tiver sua primeira visão, será como um sonho. Mas, como não

dormimos, não estará dormindo. Mas será vulnerável. A primeira coisa

que tem que fazer quando sentir que está por chegar uma visão é se

afastar do perigo. Logo quando estiver tendo a visão, foque em todos os

detalhes que possa. Vai necessitar deles para averiguar o que viu. Logo

venha e me conte.

— Está bem. — Não sabia o que dizer. Supunha que as visões

eram como os sonhos, assim pensei que teria que esperar e averiguar. E

parecia que ela não podia me ensinar algo mais a menos que o

experimentasse. Teria que esperar e ver como era por mim mesma.

— Há algo que queira me dizer? — ela adicionou.

Endureci-me ligeiramente. — Como o que?

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— Oh, não sei. — Ela sorriu — Simplesmente parece como

se tivesse decisões a tomar e não o tivesse feito. Se deixar o bolo dentro

do forno muito tempo queimará.

Do que estava falando? Bolo? Pestanejei. — Não tenho bolos,

Irmã.

—Sim, tem. Todo mundo tem bolos. Bolos sobre que se pôr a

comer, com quem sair, com quem brigar a quem dizer… ela se

deteve. Sua pele curtida enrugada ao redor de seus brilhantes olhos. —

E se não nos decidirmos, tudo se queima. Se não escolhermos a tempo,

alguém mais o fará por nós, e o departamento de bombeiros lhe dirá

que os bolos queimaram sua casa. Entende o que estou dizendo?

Não. — Sim. — Sorri. Não tinha palavras que replicar pelos

bolos, mas sim me sentia um pouco faminta. — Bem, obrigada.

Eric apontou a cabeça na sala. — Está preparada? — A Irmã me

olhou, esperando por minha resposta.

Assenti para Eric e continuei: Acredito que sim. — girando,

perguntei: — Terminamos?

— Sim. — Ela parecia ligeiramente ofendida. Mas não podia

dizer nada. Quase me faço pisar em cima quando tirou o tema a reluzir.

Sabia que havia visto meu futuro, mas não sabia quanto tinha visto.

Era possível que ela não soubesse que minha marca estava manchada.

Não queria ser a que lhe dissesse. Logo pensei no metafórico bolo

queimado. Isso é o que passa quando espera muito. O poder de decisão

lhe é tirado. Começava a entender lentamente, mas entendia. Continuei

com a única coisa que podia dizer. — Obrigada. — Apertei minha mão

em seu ombro quando passei ao seu lado.

Ela a cobriu com seus nodosos dedos e disse. — A ajudarei.

Prometo-o. As monjas não mentem menina.

Eric era um magnífico professor. Ele não mencionava meus

enganos. A paciência era um requerimento quando se trabalhava

comigo, e ele a tinha em abundância. Tinha aperfeiçoado uns

movimentos, mas estava assombrada quando disse: — Simplesmente

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vamos divertir-nos hoje. — O olhar em seu rosto me deixou saber

imediatamente que eu não pensava que isto era divertido.

— Nos divertir? Do que está falando? — perguntei. Praticar

nunca era divertido. Usualmente me chutavam o traseiro. O terror

correu por minhas veias.

Ele sorriu. — Terminamos quando um de nós esteja imobilizado.

Usa as coisas que lhe ensinei. Não deixe o ginásio. E sem armas.

— Eric, eu não tenho armas. — Ri. Coloquei minhas mãos em

minhas calças. Do que estava falando? Os Martis que tinham treinado

com Eric se detiveram, sorrindo, nos vendo. Seus pés se detiveram

enquanto observavam o intercâmbio.

Assinalando meu pente de prender cabelo, ele disse. — Sem

prata. Que seja limpo. — Sorrindo como louco, ele se dobrou pela

cintura, me fazendo gestos para que me aproximasse. — Vem e me

agarre.

A Martis morena sorriu, enquanto se sentava com os dois

homens, preparados para nos ver lutar. Meus olhos pestanejaram entre

eles e nós. Cruzei meus braços, me sentindo mais que tola. — Eric.

Sério? E eles?

— Eles podem olhar. Nós acabamos de fazer o mesmo exercício.

Será bom para eles, e para você. — Sorriu-me enquanto dizia — Melhor

começar ou o farei eu. —Ligeiramente em choque, fiquei ali parada com

meus braços cruzados, negando a me mover. Incredulidade se propagou

por meu rosto. Sério? Queria que o apanhasse? Aparentemente, esperei

muito tempo porque ele se lançou para mim com muita rapidez. Eu

chiei, e corri, evitando por pouco que me agarrasse. — Isto não é justo!

— gritei sobre meu ombro. — Vai me apanhar em cinco segundos!

Os outros Martis riram. Elena, a mulher Martis com cabelo

negro gritou, com um sorriso em seu rosto: — Luta garota! Pare de

correr. Ele a apanhará! Use seus movimentos ofensivos.

Deslizou sua mão em minha cintura, e eu me retorci para ver

quem tinha falado. Girei, me agachando e correndo sob seus braços. —

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Não posso ganhar! Tem dois mil anos mais que eu! — Seu pé se

disparou para fora quando eu ia à metade do caminho, me dando uma

rasteira, e tropecei para o chão. Em lugar de levá-lo comigo, encolhi-me

em uma bola, e rodei longe. Saltando sobre meus pés, esperando que

me agarrasse, meio agachada. Suas mãos tentaram me agarrar, mas

falharam. Ri, enquanto saltava sobre ele para subir a corda.

Eric ficou debaixo. — Isso foi tolo. Agora, como planeja escapar

de mim?

Gritei. — Você disse que tinha que me imobilizar. Ainda posso

me mover. —Movi meus braços para lhe demonstrar — Você não ganha,

porque é um impasse. — Meu coração estava saltando e usei o

momento para recuperar meu fôlego, sabendo que Eric não permitiria

que passasse isso. Suas mãos pegaram a corda e senti que se movia

debaixo de mim. Ele disparou, subindo rapidamente. Movia-se mais

rápido que antes, e estava na metade do caminho antes que eu

recuperasse meu fôlego. Meus dedos soltaram a corda, enquanto sentia

um redemoinho de ar me rodear com um WOOSH. Enquanto caía, Eric

gritou, tratando de me alcançar, mas falhando. Meus pés aterrissaram

no chão com um ruído ensurdecedor, seguido por algumas incômodas

dores em minha face. Eric estava atônito, sumido no silêncio, e

permanecia sem emoções na corda. Meu olhar disparou para os Martis,

suas bocas estavam abertas. Merda. O que tinha feito? Corri do lugar

onde tinha aterrissado, através da sala. Uma sensação doentia se

formou em meu estomago. Ninguém tinha se movido nem dito nada.

Sabendo que tinha arruinado tudo, segui correndo, e me estrilei contra

as portas do ginásio. Tinha que escapar. Uma olhada em seus rostos

me dizia que algo ia mal. Fiz algo mau, mas não tinha ideia do que.

Tinha terminado com tudo isto. Pretendendo ser um Martis. Rodeada

por quatro deles, que se soubessem o que eu em realidade era. Estaria

morta.

Corri através das escuras paredes, me afastando de todos eles.

As pisadas de Eric se aproximavam pelo corredor, atrás de mim,

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aumentando rapidamente sua velocidade. Empurrei a porta exterior,

entrando totalmente no jardim traseiro da Igreja. Seus dedos me

agarraram pelas costas de minha camiseta, antes que me voltasse

rapidamente, evitando seu agarre por pouco.

— Ivy, pare! — disse-me. Mas não pararia. Tinha que correr. Não

podia ficar mais tempo. Não queria ver a traição refletida em seu rosto

quando juntasse todas as peças do quebra-cabeça. Ofegando

sonoramente, joguei-me longe de seu agarre. Corri muito rápido, me

lançando para o bosque, sabendo que seria mais fácil perdê-lo entre as

árvores. Os dedos de Eric se fecharam sobre meu braço, e me puxou

para trás. Sentia que perdia o equilíbrio, sem poder me recuperar. Meu

corpo caiu golpeando a grama na borda do bosque. Eric me cobriu com

seu corpo. Retorcer para girar e sair de seu agarre não tinha sentido.

Seu agarre era de aço.

Respirando pesadamente, ele disse: Por que correu? E a

propósito, eu ganhei. — Ele se agachou e se sentou sobre minhas

pernas. Soltei um som exasperado, flexionando cada músculo de meu

corpo. O pânico fluiu através de mim, e tratei de chutá-lo. Meu peito

não podia tragar ar suficiente. Meus braços queimavam, enquanto lhe

arrojava murros grosseiramente.

— Perdeu Ivy, — ele disse, fixando meus braços aos lados.

Abatia-se sobre mim triunfante.

Solte-me! Deixe ir! — gritei. Meu coração corria tão rápido

que pensei que morreria. Eric respirava pesadamente. Ele soltou meus

braços, mas não parou. Eu ainda estava pega ao chão. Fechei meus

olhos, passando minhas mãos por meu rosto. Ele não disse nada e ficou

sentado sobre mim, me olhando. Finalmente deixei cair meus braços,

sabendo agora quão estúpido teria sido correr para o bosque. Estava

escuro, e as nuvens encobriam a luz da lua. Jake podia estar ali. Eric

se levantou de minhas pernas, e se sentou ao meu lado. Ele não disse

nada. Só me olhava.

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Quando já não pude suportá-lo, disse com voz áspera: — O que?

Diga-me o que está pensando. — Limpei com minha mão gotas de suor

de minha testa. Fechei minhas mãos para esconder meus tremores.

Eric respondeu um pouco aturdido. — Está bem. Como pôde saltar

assim? Nunca vi um Martis saltar dessa altura antes. Nem sequer

parecia um salto. Parecia que voou para o chão. — Seus ambarinos

olhos queimavam buracos em meu rosto. Não podia olhá-lo. Só o

pensamento de mentir me fazia sentir doente, odiava essa sensação.

Mas não havia nada mais que fazer. As mentiras me protegiam, mas a

realidade de que eu era diferente estava surgindo. Ele saberia logo.

Continuei sacudindo a grama de meu cabelo, e o olhei

cautelosamente pela extremidade do olho. Só diga, Ivy. Ele suspeita de

algo. Mas não o fiz. Preparei minha voz para outra mentira. — Céus,

Eric. Não sei. Parece que posso saltar longe. E o que? Tive sorte.

A expressão do Eric era ilegível. — Não sei o que foi, mas não foi

sorte.

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Capitulo 18

Eram seis horas quando Eric e eu chegamos à escola para o

estágio. Eu conversava como de costume, e ele estava mais calado do

que o normal. Isso me preocupou. Eric se separou de mim quando

chegamos ao palco. Ele foi à jaula para fazer coisas técnicas, enquanto

eu fui pintar algo. Algo sempre precisava ser pintado, e amava pintar.

Agarrei um pincel, ansiando enterrar meu estado de ânimo no látex.

Jenna Enjoe vinha atrás de mim. Ela tinha um avental com coques. Seu

cabelo estava recolhido para trás em um acréscimo. Ela soltou:

— Ivy, está saindo com o Collin e Eric? — Impactada com sua

pergunta, engasguei com minha saliva. Outras alegres garotas que não

conhecia se aproximaram detrás dela. Nenhuma delas nunca

necessitou de café. Eram naturalmente alegres. Retornei meu olhar

para Jenna Enjoe tratando de recuperar minha placidez usual.

— Não, Collin e eu… somos só amigos. Estou saindo com Eric.

— Ela estava tão louca.

Mudando de conversa, perguntei:

— Então, o que estamos pintando?

Sorrindo disse. — Só terminando alguns cacarecos. Estava

retocando os planos, mas necessito algumas mesas. Terminaria por

mim? — Entregou-me seu pincel, e outro avental rosa.

— Sim, claro. — Agarrei o pincel, ignorando o avental. Caminhei

para quão planos estavam nas decorações.

Sua voz gritou: — Não esses. Já temos esses. Estava retocando

esses planos. — Seus delicados dedos assinalaram ao cenário onde sete

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de nove planos já estavam erguidos — Retoque as costuras — disse e se

afastou.

Vi o problema antes de caminhar para lá, mas agora era muito

tarde. Ofereci-me para estar dentro de uma das rochas lançadas por

Collin. Depois de nos evitar por uma semana, terminei justo junto a ele.

Agora era muito tarde. Uns quantos olhos estavam postos em mim,

assim subi os degraus de madeira para o lugar onde Jenna tinha

indicado. Com o pincel em minha mão, movi-me detrás dos atores,

cuidadosa de não pintá-los. Pus-me frente ao pote de pintura, e afundei

o pincel dentro.

Não tenho ideia do que aconteceu depois disso. Collin estava

muito perto. Era como se meu cérebro se fundisse e a única coisa de

que estava consciente era Collin Smith. Seus pensamentos me

acariciaram brandamente, fazendo com que meu corpo se inclinasse

para ele. Forcei minha coluna a ficar reta e me sentei. Dava pinceladas

de preto, e tratei de deixar de prestar atenção. Isso só tratava mais,

ficou pior. Finalmente me movi um passo longe dele, para o seguinte

plano. Logo me movi ao seguinte. Quando estava na ponta do cenário,

tratei de romper a união, mas não cedeu. Não podia ir. Meu coração

saltou em meu peito. Sentindo seus olhos em mim, perguntei-me se ele

sentiu o mesmo.

Sim. Sua voz passou por minha mente. Parecia como uma suave

carícia. Imediatamente quis outra. Tive que me afastar dele. Precisava

romper a conexão. Se pudesse mover minhas pernas fora do cenário, e

descer pelas escadas, romperia. Movam-se! Ordenei para minhas

pernas, mas estavam doendo por caminhar para Collin.

Vi Eric me vendo do outro lado do cenário. Algo mais estava

acontecendo. Sua atenção estava nos atores. De repente a voz do

professor atravessou minha neblina mental.

— Não retorne até que esteja sério! Sempre está arruinando os

outros. Demônios! Estamos a duas semanas da noite de abertura,

Collin. Sempre faz tudo no último minuto, mas não desta vez. Saia

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daqui e não retorne até que esteja preparado. — Lançaram lhe um guia.

Collin o agarrou, e saiu disparado do cenário.

Escutei a porta de metal do porão chiar e abrir. Mantinham

todos os objetos de cenário e velhos cenários no porão da escola. O local

era escuro e cheirava a umidade, diretamente debaixo do cenário. A voz

de Collin sussurrou em minha mente:

— Siga-me.

Como se tivesse opção? A conexão me puxou bruscamente,

inclinando-me para ele. Meus pés lentamente caminharam para baixo,

sem saber o que estava acontecendo. As luzes estavam apagadas.

Procedendo no negrume, senti o humor tormentoso de Collin, mas não

o vi até que estive na aterrissagem mais baixo.

Voltou-se para mim. — Que demônios foi isso? O que está me

fazendo, Ivy? — Seus olhos estavam abertos, e pude sentir seu medo.

Tratando de permanecer calma, respondi:

— Eu não estou fazendo nada, Collin. É por isso que esteve me

evitando? Está se voltando pior, verdade?

Seus olhos eram ferozes enquanto me olhava.

— Sim — disse bruscamente. Depois de um momento, sua

expressão se suavizou — Fiquei longe por isso e por causa da outra

noite com a fonte. Não pensei que falaria logo comigo. — Ele deu um

passo longe, e passou seus dedos por seu cabelo — É muito pior, Ivy.

Nem sequer posso estar perto de ti sem querer… demônios! — Um

brilho de raiva flutuou para mim pela conexão. Collin, que sempre era

tão controlado, estava perdendo o controle.

— Sem querer o que? — Parei frente a ele, e ele olhou meu rosto.

Tudo estava flutuando pela conexão. Nada estava oculto. Senti seu

coração acelerando e a tensão em seu peito.

Sabia que ele também estava assustado. Não podia esconder.

Seus olhos eram do mesmo azul intenso que só tinha visto uma

vez. Suas palavras foram faladas tão brandamente, como se estivesse

envergonhado.

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— Ivy, quero te tocar. Provar. Beijar. — Seus dedos se

prolongaram, tocou meu rosto, mas prontamente dobrou seus braços

de novo.

Mariposas revoaram em meu estômago, enquanto ele falava.

Olhei seus olhos, incapaz de falar. Seus músculos estavam flexionados

tensamente, e sua respiração era curta e forte. Ele curvou seus dedos

em punhos e os pressionou contra os rincões de seu pescoço, antes de

voltar-se longe de mim.

Ele estava tratando de não me beijar? Essa era a fonte de sua

angústia, o beijo.

OH Deus. Um frio percorreu minhas costas. De repente soube

por que minha pele picava quando estava ao redor dele. Sabia por que

não me beijaria. Sabia por que ele tratou de me evitar. Não. Ele não

podia ser. Suas emoções flutuaram por meio da conexão. Ondas

estatelando-se contra mim. O som de minha voz, a curva de meu

pescoço e a essência de minha pele… seu desejo era tão intenso que ele

mal tinha controle disso. Ele queria pressionar seus lábios nos meus, e

sentir minha pele. Passar seus dedos por minha bochecha e enredar

seus dedos em meu cabelo. Mas havia algo cru debaixo disso. Não era

paixão, a maneira como o pensaria. Recordou algo mais. Como a euforia

no rosto de um gato, enquanto com a pata toca ao camundongo até a

morte. Meu estômago se afundou. Era como se ele quisesse…

— OH Deus...! — Afastei-me dele. Quando o fiz, o vínculo me

apertou, me sujeitando em meu lugar. Meu coração acelerou. Queria

correr escada acima, mas fiquei congelada diante dele.

— Não podia ocultá-lo para sempre, não com agente assim. —

Sua mão empurrou seu cabelo para trás e o vi. Sua pele marcada por

uma mancha escarlate, a cicatriz Valefar.

Tremendo, tratei de me controlar. Sua intensidade não mudou.

O olhar de desejo em seu rosto não desapareceu. — E já sei o que é. É

por isso que não te beijei. É por isso que tive que permanecer longe.

Mas maldito seja! Você fez isto! — Ele deu um passo para mim, seus

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olhos azuis cintilantes — Não quero te matar, Ivy. Libere-me. Não pode

me manter desta maneira.

Dei um passo atrás, mas o vínculo me apertou e se fez tão rígido

como cabos de aço. Isso me deteve no lugar, aturdida. Diante de mim

estava meu inimigo. E meu melhor amigo. Maldito seja!

Suprimi o pânico que quis me dominar. Estava farta de ser

dominada. Por dor. Medo. Luxúria, ou o que seja que fosse isto. Em

uma voz firme lhe disse: Juro por Deus. Eu não fiz isto. — Meu

coração martelava em meu peito. Minha pele tensa se arrepiou, e

envolvi meus braços ao redor. Elevei a vista para seu rosto de pânico —

Você realmente é um deles, um Valefar. Verdade? — Dizê-lo fez a

horrível verdade se solidificar. Não podia acreditar, mas a verdade

estava me olhando à cara.

Seus olhos cintilaram e um círculo carmesim se formou ao redor

do azul. Ele veio para mim, vaiando em minha cara. — Sim, é obvio que

eu sou. O que outra coisa poderia ser? E você! É tão nova que posso

cheirá-lo. E decidiu me apanhar? Está louca? Não posso funcionar

quando está ao redor. O que fez?! — Meu estrondoso coração pulsava

com força em meu peito. Seus batimentos do coração ecoaram através

da união. Podia sentir o sangue bombeando, e não estava segura se era

o meu ou o dele. — Podemos resolver isto. Podemos. — Minha voz

tremia. Não podia evitar — Temos que averiguar o que isto quer dizer.

Eu não fiz o vínculo. Nenhum de nós o fez. Somente precisamos

entender como rompê-lo.

— Romperá se te beijar. — Ele me atraiu para ele. Congelei-me

em seus braços. O medo se apoderou de mim. Recordei os lábios de

Jake em mim, e a forma em que minha alma gritou quando foi rasgada

de meus ossos. As lembranças da dor alagaram através de mim. Uma

expressão de dor se apoderou de Collin. Ele me liberou e se apartou.

Estremeci, esperando que viesse para mim outra vez. Mas não o fez.

— Não quero te matar, Ivy. — Seu rosto cansado olhou o meu.

Ele tragou — Esforcei-me tanto por estar longe de você, mas sua alma é

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tão poderosa. Não pode ser ignorada. Me chama. É como tratar de

resistir a cada luxúria que alguma vez tenha sofrido, de repente. Sinto

cada vez que te vejo. A única razão pela que não cedi, é porque era livre

para escolher. Decidi te deixar viver. Mas me apanhou. — Sua cara se

crispou — Agora a luxúria me chama sem parar. Não posso me

controlar muito mais tempo. Ivy tem que romper. Agora.

Tratei de me afastar dele. Ele sentiu minha vontade de resistir à

sua. Tratei de subir pelas escadas e deixar ele para trás. Imaginei meus

pés fugindo, e deixando ele aqui. Mas isso não importou. A única coisa

que as imagens mentais fizeram foi mostrar que queria ir sem ele. As

imagens pareceram acalmá-lo.

Finalmente se sentou no chão e se apoiou contra a parede. Seus

dedos percorreram seu escuro cabelo, e ele fechou seus olhos. Sentei-

me no degrau inferior e o olhei fixamente. O impulso de beijá-lo

consumia ainda sabendo o que era. Uma estúpida ideia encheu minha

mente. Era uma maneira para romper o vínculo temporalmente. —

Confia em mim? Ele me olhou durante um momento. Seus sentimentos

alagaram o vínculo. Ele estava cansado. Eu sabia que precisava afastar-

se de mim, e sabia que o que ia fazer o faria mais difícil para ele. Ele

ficou tenso quando sentiu minhas intenções. — Essa não é uma ideia

boa.

— Tenho que fazê-lo. É o que o vínculo quer que faça. Quanto

mais resisto, pior fica. — O medo e o desejo estavam crescendo juntos.

Não podia pensar nisso. Tinha que atuar com rapidez antes que

perdesse minha coragem. Mas eu não estava segura a respeito de

Collin. Isto poderia empurrá-lo sobre o bordo — Pode ficar quieto? Seus

olhos se dirigiram aos meus. Sua voz sussurrou em minha mente:

Acredito que posso. Mas Ivy, eu não posso resistir a ti muito mais

tempo. Se isto funcionar, se o vínculo se romper, não fique. Fuja de

mim.

Assenti, e me levantei do sujo degrau e me ajoelhei diante de

Collin.

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Movi-me devagar. Minhas mãos tremiam. Ele podia sentir meu

medo. Meu fôlego ficou apanhado em minha garganta. Tratei de

empurrar o pânico atrás em meu estômago. Toquei seu rosto

brandamente, sentindo seu corpo em tensão sob minhas mãos. Contive

um assustado ofego, já que a sensação de formigamento que tinha

esperado nos alagou com uma sacudida de gelo e calor. Uma vez que se

acalmou nos sentimos como se fôssemos a mesma pessoa. Senti o medo

de Collin, e seu controle foi afrouxando. Suas necessidades principais

foram ganhando. Eu podia senti-lo. Mantive minha mão em seu rosto e

sussurrei a sua mente: — Fica quieto. Seu impulso interior de me

destruir não respondeu. Em troca, o vínculo me atraiu para ele.

Durante todo o caminho. Apoiei-me em seu peito, e meu rosto foi aonde

o vínculo me conduziu. Meus lábios roçando brandamente contra sua

bochecha. Os olhos de Collin estavam fechados pelo contato. A

suavidade de sua pele contra meus lábios me tranquilizou. A sensação

me alagou como magia. Sentia-se como pó de fadas vertendo-se em

minhas veias. Senti-me poderosa. Alegre. E mais conectada com Collin.

O beijo saciou sua fome. Ele desfrutou da sensação de meus

lábios em sua pele. Detive-me um momento antes de retroceder.

Quando me retirei, podia sentir o vínculo afrouxando-se. Parecia como

se os cabos de aço que nos uniam se desenrolassem em um movimento

brusco. Sabia que podia partir. Mas fiquei pensando por que não me

destruiu quando pôde fazê-lo?

Os olhos de Collin se abriram. O azul se foi totalmente,

substituído com olhos que pareciam um atoleiro de sangue com fogo.

Ele me enviou uma só palavra contra minha mente:

— Corre.

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Capitulo 19

Então. O que aconteceu? — A irmã Al sustentava uma xícara de

chá quente em suas mãos.

— Equivocou-se — disse histericamente. — O vínculo é mau. De

uma forma má. Vai me matar! — Não tinha muito sentido quando

terminei ali. Minhas mãos estavam voando, meu coração estava a ponto

de estalar, e as palavras estavam saindo de minha boca em divagações

incoerentes. O recurso da irmã Al foi colocar uma bebida fumegante em

minhas mãos trêmulas.

— Uhm — disse. — Posso haver me equivocado. Porque você não

me disse tudo. O que deixou de lado, Ivy? Alguma coisa… importante?

— Ela parecia estar calma, e franziu seus lábios enrugados para soprar

seu chá quente. Movi-me em meu assento, e fiz um ruído quando

empurrei meu cabelo um pouco. A irmã Al seguia falando: — Alguma

coisa como, não sei, dizer más palavras? Mentiras? Alguma coisa do

gênero? Ouvi palavras sujas antes, sabe. As monjas têm orelhas,

garota.

Meu coração golpeava meu peito. Não podia suportar mais. Ela

me derrubou. Ela ganhou. Eu simplesmente assenti com a cabeça e

disse: — Sim. Algo do gênero.

Um sorriso saiu dos cantos de sua boca, e deixou a xícara. — Já

era hora. Sabe o quanto é difícil pensar em metáforas para ser o que é?

Ora. Não se importava. Então solta, garota. Jurei te proteger, não

minto. Eu te protegerei, não importa as palavras que saiam voando de

sua boca agora mesmo.

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Olhei para Al e ao redor da habitação. Só um pensamento me

impedia de soltar tudo nesse momento. — O que tem Julia?

Al se endireitou na cadeira. — Julia tem boas intenções, mas ela

não está aqui. E ela não é minha chefe. Meu chefe não foi visto por mais

de duzentos anos. E não, não o vi vir. — Ela riu de sua própria

brincadeira. — Estou tão acima quanto posso estar na hierarquia das

coisas. E ninguém está acima de mim. Portanto, o que digo se cumpre.

E se digo que tem meu amparo. Assim o tem.

Titubeei, olhando minha xícara de chá. — Julia me dá medo.

Mas necessito de ajuda. Vou estar morta manhã se não entender. Julia

vai me matar no dia seguinte se ela me achar. — Fiz uma pausa.

Minha cara estava dolorida, mas não pude ocultar mais. — Estou

poluída. Estava marcada como Martis. Era azul a primeira noite. —

Tomei uma respiração enorme e soltei o resto. — Mas agora não é. É

roxa. —Tirei o pente de prender cabelo e empurrei atrás minha franja,

lhe mostrando a marca.

Ela baixou a xícara à mesa e disse: — OH, Meu deus! Não tinha

nem ideia. —Totalmente inexpressiva.

Tratei de não revirar os olhos. Suspeitava que ela soubesse, mas

não estava segura até então. — Soube todo este tempo, não? — É obvio

que sabia! Sou velha, não estúpida. — Ela sorriu, tomando um gole, e

voltando a bebida fumegante à mesa. — E quando te vi, soube que era a

garota de minhas visões. Vestida de um sólido negro com um buraco no

coração do tamanho de... Realmente um pouco grande. É obvio que era

você.

— Por que não me disse que sabia? — Meu estrondoso coração

começou a relaxar, já que não ia morrer nesse momento. — Pensei que

você gostaria de me ver morta. Ouvi Eric e Julia falando da profecia e

que tinham que matar a garota do quadro, eu. Eric não sabe. Tenho

mentido. Eu não gosto de lhe mentir. E o vínculo. O vínculo! — gritei

enquanto as lágrimas corriam por minha cara. — Vinculou a um deles.

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Ela soltou um suspiro. — Bom na realidade não é azul, então,

né?

— Não é divertido! Como pode rir? Ele quer me matar. — Sequei

as lágrimas do meu rosto. — O vínculo segue nos pondo juntos, e o que

nos empurra vai me matar. Eu não quero morrer, e ele não quer me

matar. A única razão pela qual escapei esta noite foi porque usei o

vínculo para o que queria, um beijo, mas na bochecha. As cordas que

me mantinham com ele se romperam, junto com o seu autocontrole.

Então corri. Se eu não fosse um pouco mais rápida, teria me matado!

Pelo que sei poderia estar esperando lá fora. — Esfregava minhas mãos

sobre meus olhos. — O que acha que devo fazer?

Al me olhava. Ela deixou sua xícara fumegante na mesa

enquanto eu destrambelhava. Minha dor e o medo flutuando na

superfície e derramando fora de minha boca. Ela extraiu pedaços da

suja informação. — Portanto, está vinculada, mas já não, a um menino

demônio beijador, que não quer te beijar?

Assenti com a cabeça. — Sim. Mas não importa. Seu controle se

foi. Rompeu-se esta noite para ficar longe dele. — Sentamo-nos em

silêncio durante um momento. As emoções que estalaram através dele

essa noite eram intensas. Queria me proteger. E ele se esforçou muito,

mas sabia que estava falhando. Eu era sua perdição. Seus pensamentos

me alagaram, e podia senti-lo. Minha voz era um sussurro. — Quando

seus olhos se iluminaram, recordou Al, Jake me atacando. Mas não

tinha medo deste menino.

— Qual é sua pergunta, querida? — perguntou a monja.

Inalei, tratando de me recuperar. — Eric me disse que eles não

podem sentir, que não sentem nada. Desde que posso sentir seus

pensamentos e emoções, sei que ele queria me proteger. Isso é possível?

— Algo é possível. — Deu um gole em seu chá. — É incomum,

mas não impossível.

— O que devo fazer? — perguntei.

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— Algo vai acontecer com vocês dois. Tem alguma ideia do que

é?

Assenti com a cabeça. — Acredito que sim. Mas não sei como

nem por que. Está na pintura. O menino que estou puxando para cima,

ou o que está me puxando para baixo. É ele. Estou segura de que é ele.

Bebeu outro gole de seu chá.

— Então não tem nada com o que se preocupar. Com ele de

todos os modos.

Meus olhos incrédulos foram para seu rosto. — Sim, claro. Al,

ele estava disposto a me destroçar esta noite.

— Mas não o fez. — Encolheu-se de ombros. — E seu

autocontrole é notável. É quase como se... — sua voz se apagou. O resto

da ideia passou através de seu cérebro e ela me deixou fora.

— Como se, o quê?

— Os demônios beijadores são egoístas, só veem por si mesmos.

Entretanto, pôde sentir seu desejo de te manter viva. Precisa saber por

quê. A única maneira de inteirar-se é usando o vínculo.

Levantei-me longe dela. A ideia me assustou. Senti minha

mandíbula apertar-se. — Não. Não posso vê-lo de novo. Não posso.

Sua cabeça caiu para mim. — O que quer dizer, com não pode?

Não é fraca. Já te vi com Eric. E estiveste resistindo e rompendo o

vínculo com o menino Valefar. A menos um de nós sabia qual é a causa

e o que quer, está presa. E se ele está tratando de te proteger, há algo

mais em jogo aqui. Talvez seja a profecia. Mas talvez não seja.

— O que poderia ser a outra coisa? — Sentei-me de novo em

minha cadeira.

— Poderia ser a profecia, mas só há uma maneira de estarmos

seguras — disse.

Um bocejo me escapou. Não tinha bocejado nas últimas

semanas. De repente, minhas pálpebras pesavam. — Her-er... - disse

fracamente tentando me sustentar. Depois o quarto girou, e caí.

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Minha primeira visão me encheu de horror. Al a princípio, estava

rodeada de negro. Deslizava como a névoa antes de uma tormenta. A

frieza me pressionou. Meu corpo estava dormente, mas não estava em

meu próprio corpo. Eu estava me olhando. Quando a negra névoa se

dissipou, vi-me sentada a uns metros de distância. Olhava-me. Uma

brisa fresca levantou alguns cachos fibrosos de meu rosto. A lua havia

descido no horizonte. Enquanto olhava à visão, olhei para mim ao redor

para captar meu entorno. Havia sombras que pareciam pessoas

aparecendo além de mim na distância. O chão estava brilhando de cor

vermelha. Sustentava um corpo inerte sobre meu colo. Os edifícios

estavam à distância, mas só sentia que estavam ali. Não podia ver nada

com clareza que não se centrasse na visão.

Vi como meu pranto se fez mais suave, já que estava falando

com o menino em meu colo. Embalei sua cabeça em meus braços. Não

podia ver seu rosto, só uma coroa de cabelo escuro. Poderia ser

qualquer um. Mas a partir da forma que reagia, sabia que não era

qualquer um. Era alguém importante para mim. Desesperada por saber

quem era, chamei, Al em minha visão: — O que aconteceu?

Mas ela não respondeu. Nenhum deles o fez. Era como se eu não

estivesse ali. Aproximei-me tratando de ver o jovem em meus braços.

Estava coberto com seu próprio sangue, fluindo de uma grande ferida

debaixo de seu pescoço. Filtrando fora de seu corpo moribundo em um

fluxo constante, muito rápido para estancá-lo. Al se aproximou, pude

ver que minhas mãos estavam cobertas de vermelho, e havia uma ferida

em minha palma. A visão piscou enquanto me via pôr minha mão sobre

sua cabeça.

Um grito: — Nãããooo! —Veio de uma das sombras. Movendo-se

com rapidez.

Tratei de ver o rosto do menino. Tinha que saber quem estava

morrendo em meus braços, mas não pude. Logo, a escuridão formou

redemoinhos e estava de volta na velha igreja. O aroma de umidade do

ar rançoso encheu meus pulmões.

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A irmã Al se abatia sobre mim, me olhando no chão. — Bom isso

foi estranho. Adormeci. Esfreguei minha a cabeça, e encontrei um

trapo enrolado em meu pescoço. Tirei-o e me sentei lentamente. Al o

agarrou. — Não sabia quanto tempo ficaria fora. O resto de nós fica em

transe quando vemos. Nenhum de nós dorme. — Pôs a toalha na pia e

se voltou para mim. — Adormeceu?

Neguei com a cabeça e imediatamente desejei não havê-lo feito.

A palpitação me deixou surda. Levantei um dedo para lhe fazer saber

que necessitava um minuto. As imagens da visão davam voltas em

minha cabeça e se desvaneciam rapidamente. Ela falou com urgência:

— Ivy, não temos um minuto. Al saiu da minha visão Tem

que escrever imediatamente tudo o que se lembra. Já que não pode ver

com claridade, tem que me dizer. Garota, fale antes que desvaneça!

Comecei a recolher as cenas da visão, mas estavam tão

escorregadias como sabão. Quando tratava de agarrar fortemente uma,

deslizava fora de meu controle. Decidi só falar e ver se isso funcionava

melhor. Disse-lhe o que vi, sem deixar nada de fora.

Quando terminei, ela disse: — Isso é estranho. Não há rostos.

Dei-me conta de que seu chá não estava sobre a mesa e a

cozinha estava mais limpa. — Quanto tempo estive fora? — perguntei.

— Por volta de uma hora — respondeu ela.

— Sério? Senti como se fossem uns minutos. Isso não é bom. —

Franzi meu cenho.

— Me alegro de que veja o problema. As visões são mais curtas,

à medida que amadurece e aprende a usar seu poder. Mas, pode ser

que não. Como está vinculada ao Infra Mundo, por causa do sangue de

demônio, eu suspeito que possa ser diferente para ti. Sobre tudo porque

já sabemos que suas visões a adormecem. O problema é que não

podemos fazer nada para controlar que adormeça, para te proteger. Se

uma visão acontecer quando estiver em perigo, não haverá maneira de

escapar. Entretanto, houve uma advertência antes de chegar a ti. Antes

que fique adormecida. Bocejou. Logo que sinta o sonho chegando a ti,

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vá a algum lugar seguro. Obrigue o seu corpo a sair da visão até que

esteja segura. Não será capaz de fazê-lo a princípio, mas à medida que

seus poderes fiquem mais fortes, fará. — Levantei-me do chão e

encostei minhas costas na mesa. Apoiei a cabeça em minhas mãos,

apertando com força. Ela disse: — Ivy, eu não acredito que vá ser como

o resto de nós. Não mencione o que aconteceu aqui a ninguém. Eles

saberão que é diferente. E, Ivy?

— Uhm. Sim? — disse.

— Tem que dizer ao Eric, antes que ele se inteire de outra

maneira. Meu coração contorceu e meu rosto também ecoou da

sensação.

— Irmã — minha voz se desvaneceu em um fôlego - Não posso.

— Meu coração deslizou por minha garganta. As ramificações de dizer a

ele eram horríveis. O aspecto da traição em seu rosto seria insuportável.

A monja tinha um olhar triste em seu rosto.

— Sei que ele se inteirará. Eu o vi — advertiu. — Controle o que

puder Ivy. Às vezes, quando acontecem as coisas por sua própria

vontade, necessita. Mas, outras vezes o melhor é que controlamos os

acontecimentos. Eric estará com um e outro, quando mais importar.

Você necessitará de ambos.

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Capitulo 20

Nessa noite terminei meus deveres, e tomei uma ducha.

Deixando que a água quente golpeasse sobre mim, pensei no que Al

disse. Precisará de ambos. Ela não me disse quem era a outra pessoa,

mas soube que Eric tinha que ajudar. Se ele não fizesse, seria ruim.

Embora fosse difícil aceitar que Al não me dissesse quem era a outra

pessoa, eu entendia seu raciocínio. Durante minhas lições de Seyer, ela

revelou a importância de não dizer à pessoa que estava na visão muita

informação. Se revelasse muito antes que a visão chegasse um futuro

alternativo poderia ocorrer, um que ninguém viu. Os Seyers tinham a

horrível tarefa de escolher quais visões dissipar, e quais permitir

progredir. Agora mesmo, Al disse que eu era muito inexperiente para

tomar essas decisões, mas dada a oportunidade, poderia ser capaz de

dissipar minha profecia em um instante.

Quanto a Eric, queria acreditar que ele não me destruiria. Não

teria sentido ter me resgatado então, e me matar agora. Não sabia o que

pensar dele. Devia-lhe minha vida. Não havia maneira de evitá-lo sem

importar quanto o odiasse. A dívida me fazia sentir presa, porque não

havia maneira de pagá-la. Poderia prolongar-se eternamente… ou até

que lhe dissesse o que eu era.

Ao amanhecer, me vesti. A casa ainda estava em silêncio. Desci

silenciosamente as escadas para a cozinha com um saco cheio de lixo.

Arrumando os papéis, encontrei o que estava procurando. Dizia

VIAGEM ESCOLAR. Ir à Albany, Nova Iorque por uma semana para um

tour pela capital do estado. Uma viagem escolar de muitas horas,

muitos dias, em um ônibus amarelo? Não, obrigado. A autorização

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laranja se enrugou em meu punho, e estendi meu braço sobre o cesto

de papéis. Mas, duvidei antes de jogar fora.

Mamãe apareceu detrás de mim, e o tirou de minha mão. — O

que é isto, Ivy? — perguntou ela. Imediatamente ao ver o que era, chiou:

— Ivy! Não pode jogar fora! — Estava completamente vestida, e alerta.

Olhava para mim como se estivesse louca por não querer ir.

A autorização era um aviso para pagar pela viagem assim

poderia ir, amanhã à noite. A escola precisava da licença assinada e

devolvida, hoje. Arrepiei, sabendo que ia ser uma luta.

— Não quero ir, mamãe. — Além disso, se deixasse minha casa

então não teria onde me proteger. Não podia ir nem se quisesse, mas

não podia lhe dizer isso.

— Como pode não querer ir? — perguntou mamãe, parando

frente a mim. — É uma viagem de sete dias. E cumpre com sua

atribuição de história — se deteve, com uma mão em seu quadril, me

olhando. — Preferiria escrever um ensaio de quinze páginas sobre o

estado de Nova Iorque? Já o escreveu? É para amanhã se faltar à

viagem. Suspirei. O ensaio. Merda. Esqueci de escrever o ensaio.

— Não, não escrevi. — Sentindo que perdia a batalha, rendi-me.

Teria que me assegurar que Eric viesse comigo. Não podia desaparecer

uma semana. — Bem, irei. Preciso do dinheiro e da autorização.

Mamãe sorriu. Suas bochechas estavam rosadas. — Você

adorará Ivy. Vão ao teatro em forma de ovo. Poderá ir aos bastidores

também. Sei que isso é só uma pequena parte da viagem, mas só com

isso faz que valha a pena. — Mamãe pegou sua bolsa, e tirou dinheiro e

uma caneta. Assinou perfeitamente (era impossível esquecer-se disso) e

esmagou o dinheiro em minhas mãos. — Aqui há algo extra para alguns

sanduíches e lembranças.

— Obrigada mamãe — disse.

Já que oficialmente fui a última estudante a levar minha folha

de autorização, tive que caminhar o corredor abaixo para o escritório.

Abri a porta do escritório e caminhei para o balcão. Era largo, pintado

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com o tom mais aborrecido de amarelo em existência. Uma meia porta

de madeira cor mel oscilante estava no extremo do balcão. Continha as

secretárias com suas canetas, como zebras no zoológico. As mulheres

trabalhavam em seus escritórios de um cinza industrial, e me

ignoravam. Aproximei-me do balcão. O escritório estava inundado com

o sol do meio da manhã que brilhava através das poeirentas persianas

metálicas. A sala cheirava a blocos de cimento com umidade e

máquinas multifuncionais Xerox. Coloquei minha permissão sobre o

balcão. O dinheiro chacoalhou dentro do envelope, enquanto golpeava a

madeira branqueada. Suspirei, esperando ser notada.

Uma mulher com forma de pera se levantou de sua mesa

amontoado. — Sim? — espetou. Seu destroçado cabelo avermelhado se

deslocava como uma massa. Imediatamente alargou suas garras

carmesins e tamborilou o balcão, me olhando.

— Precisava entregar minha autorização para a viagem da classe

— disse e empurrei-a para ela.

— Um pouco tarde, verdade, querida? — arreganhou.

— Sim, ia escrever o ensaio — murmurei.

Respondeu com um humor, e tomou minhas coisas e caminhou

de retorno a seu computador. — Está no sistema. Tem que estar aqui as

17 horas ou irão sem você.

O dia passou como o resto dos outros. Sem sinal do Jake. Eric

era Eric. E Collin estava ausente. Disse a Eric que iria à viagem, e disse

que me acompanharia. Foi logo depois da escola para esclarecer com Al.

Na última badalada, lancei-me de meu assento. Cheguei em casa

rapidamente. Remexendo em meu armário, peguei umas camisolas,

jeans, e camisetas.

Parei diante do espelho. O colar de abril aparecia por debaixo de

minha camisa. Tocando-o, perguntei-me se deveria levá-lo comigo. O

pensamento me fez olhar o anel de Collin. Estava no aparador na noite

que me revelou que era um Valefar. De repente, queria esse anel em

meu dedo. Não sabia o que fazer. O anel estava no aparador porque não

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sabia o que pensar. Não saberia dizer se era um amigo ou o inimigo.

Em um nível muito básico, era meu inimigo natural. Só porque não agia

nessa base não significava que não era. Duvidei. Não havia tempo para

pensar. Podia fazer no ônibus, e pelos seguintes sete dias. Tampei o

colar debaixo de minha camisa e deslizei o anel de Collin em meu dedo.

Eram 16h45min. Tinha que me apressar se quisesse chegar a

tempo. O bom é que era uma corredora super impressionante.

Rabisquei uma nota para mamãe de que a veria em uns dias. Lançando

minhas chaves na minha bolsa, saí correndo pela porta principal,

fechando uma portada atrás de mim. Meus pés golpearam o pavimento

em rápidos saltos graciosos. Manchas de luz brilhavam através dos

ramos das árvores, enquanto o ar fresco formava redemoinhos ao redor

de meu rosto. Corri através de quatro faixas de tráfego — durante a

hora de pico — gerenciando para não ser atingida, o que já era algo.

Eram 16h53min. Troquei minha bolsa de ombro, e apurei o passo.

Quase lá. Dando a volta no beco, corri a toda velocidade para baixo.

Cinco pernadas máximas e estaria no pátio. À medida que meu

pé se chocava contra o chão em minha terceira pernada, algo me

golpeou do flanco. Deixei escapar um grito, enquanto meu corpo caía

contra o asfalto. Senti quem era antes que ele falasse, pois o vínculo

golpeou com força em lugar do golpe.

Suas palavras tocaram minha mente com urgência. — Estão lhe

seguindo. Fique quieta. — Estava nos braços de Collin, de cara à parede

de tijolo. Uma mão estava sobre minha boca, e a outra estava envolta ao

redor de minha cintura. Seu coração estava martelando. Algo frio

deslizou ao redor de minha bochecha e escutei um chacoalhar metálico.

O protesto morreu em minha boca, quando vi os outros sujeitos

entrarem correndo no beco. Corriam mais rápido do que humanos,

possivelmente direto para nós. Os braços de Collin se desenroscaram de

seu abraço protetor ao redor de mim, enquanto arremetia contra meus

perseguidores. Pressionei meu corpo no muro de tijolos, com o coração

pulsando velozmente. Olhando.

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Collin era mais rápido que o atacante. Antes que o tipo o

agarrasse, ele o agarrou e o lançou à parede do beco. O segundo sujeito

saltou sobre suas costas, e enlaçou seus braços ao redor da garganta de

Collin. Não conseguia liberar-se desse sujeito. Comecei a sair de meu

esconderijo, mas Collin o atirou. O atacante aterrissou na lixeira junto a

mim. Ambos os sujeitos desconhecidos ficaram de pé rapidamente,

atuando como se suas feridas não fossem mais que um golpe no dedo

do pé. Possivelmente fosse. Não via sangue ou hematomas em qualquer

deles.

Antes que tivesse tempo de examinar esse fato, Collin estava

agarrado a um dos sujeitos pela garganta.

— Como se atreve a me atacar! — Sua voz era irreconhecível,

seu rosto torcido pela ira. Atirou o menino no chão, e o chutou com

força. Foi nesse momento em que me dei conta que eles eram Valefar.

O atacante tragou um grito de dor. Finalmente tragou a dor:

— Não sabia que era você. Estávamos seguindo alguém. Ela veio

por aqui.

— Ela não está aqui. Vê-a? Vê-a! — gritou Collin. O homem

sacudiu sua cabeça. A bota de Collin conectou com seu estômago e o

Valefar fez um som de fervura. Ele não tentou levantar-se ou defender-

se. Ficou de barriga para baixo de lado, como se rogasse misericórdia. O

segundo sujeito estava de pé ali, sem dizer nada. — Ninguém me trai.

Ninguém me ataca! Conhece a pena por tal engano… — Lentamente se

inclinou para baixo. Ia passar mal. Realmente ia beijar a sua própria

classe? Não podia vê-lo matar alguém. Não podia. Empurrei minha voz

através do vínculo. — Collin. Não faça. Por favor.

Collin voltou seu rosto para o meu. Sua expressão era feroz.

Enfurecida. Seus olhos estavam com as bordas carmesins, e eram uma

piscina de sangue vermelho. Um estremecimento desceu por minha

coluna, à medida que o vínculo aumentava através de mim. Era mais

forte que a última vez que o vi. Não íamos nos afastar desta vez. Podia

senti-lo. Empurrando meu temor, dei um passo para o Valefar que

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estava me perseguindo, me dirigindo para Collin. Sustentei minha mão

em alto e disse:

— Vamos.

Uma faca de um fio irregular estava na mão de Collin, detendo

perigosamente a lâmina em sua vítima. Era uma arma feita de enxofre

que Eric uma vez tinha mencionado. Era de um porte rudimentar um

bordo denteado que parecia ter sido mordido com dentes afiados. A

borda da folha estava forrada de um negro sólido — impregnada de

enxofre. Afastei-me lentamente esperando que o vínculo ajudasse. E fez.

O vínculo empurrou Collin um passo atrás de mim. Logo depois de uns

quantos passos, seus olhos começaram a voltar para a normalidade.

Um tênue anel vermelho permaneceu, mas sua sede de sangue aliviou à

medida que sua respiração se acalmava.

Aterrorizou-me. Cada impulso de meu corpo me disse para que

fugisse dele e nunca voltasse a olhar para trás, mas o vínculo não era o

único que me mantinha ali. Precisava saber que ele estava bem. Tinha

que vê-lo de novo. Meu coração acelerou à medida que caminhávamos

devagar. Obriguei meus pés a manter um ritmo normal, tentando

eliminar o medo. Necessitaria de um psiquiatra se sobrevivesse a isto.

Eric tinha razão. Tinha suprimido tudo. Esperava que isto não

aparecesse no meu rosto.

Pigarreou. — Merecia morrer, Ivy. Traíram a sua própria classe.

E, sei o que iam fazer. — Seu rosto estava transformado com a irritação.

Ignorei sua afirmação, sem querer pensar nele matando aos seus

ou a qualquer um. — Estava me seguindo? — perguntei. Meu coração

seguia pulsando rapidamente. — E o que é isto? — Assinalei para o

bracelete de ouro. Tinha três rubis grandes nele. Era realmente feio. Ele

assentiu, sabendo que não podia mentir. — Sim, estive te seguindo. E

isso te protegerá assinalou para o bracelete. — Deixe-o. — Começou

a me empurrar longe da escola enquanto falava.

Não tive outra opção mais que segui-lo, igual ao vínculo que me

puxava junto a ele. A irritação disparou através de meu corpo. —

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Estamos presos, Collin. Diga-me o que é. Agora. — Assinalei para o

bracelete.

— Te esconderá — explicou. — O usamos para capacitar a

nossos melhores combatentes para seguir aos Martis. Os rubis estão

impregnados de escuridão e sombras. Mascaram ao portador, por isso

eles não podem te ver. Faz com que o Valefar aprenda a confiar em seus

outros sentidos ao seguir Martis. — Parando abruptamente, voltei-me

para ele. — Estão te procurando. Todos eles. Os Valefar te querem. E a

pintura. Significa pegá-la por qualquer meio necessário. Pensam que

você a tem.

Meu estômago desabou. — Que pintura? — Olhou-me, vendo a

lembrança da profecia piscar em minha mente. Viu minhas mãos pegá-

lo, enrolá-lo, e logo deixá-lo. Maldição. Não podia ocultar nada dele.

— Suspeito que saiba da pintura. E a tem? — Os olhos de Collin

estavam completamente azuis. Parecia cordato novamente. Assenti.

— Por que a querem? E a mim?

— Jake te quer. Suspeita de algo. Não pode estar seguro até que

te veja. Não estou completamente seguro. — Continuou me empurrando

longe da escola para uma rua lateral.

— Collin. Aonde vamos? — perguntei. A preocupação atravessou

meu estômago como um anzol. Retorci-me.

Assinalou a um Spyder azul estacionado na calçada. —

Automóvel. Não vamos caminhar. E você vai a uma viagem diferente

hoje.

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Capitulo 21

Estava dividida entre me sentir como se estivesse sendo

sequestrada e me sentir como se estivesse deixando a escola. Collin

conduziu a uma casa. O vínculo me empurrou atrás dele. Eu tinha

diminuído, de modo que não podíamos nos separar mais de uns

quantos passos. As imagens e lembranças compartilhadas se

intensificavam. Quando Collin recordava algo, sentia como se eu

estivesse ali. A lembrança completa me alagava: cor, sabor, som, tato e

aromas. Nada era só dele. Este novo desenvolvimento levou dois dias. E

me assustava. Não havia mais segredos entre nós. Bom, isso não estava

verdadeiramente correto. Ainda havia um. Mas, só era porque nada

provocava a lembrança, ainda.

Segui Collin a uma exuberante casa, cheia de ricas cores

escuras. As paredes, o piso, inclusive o escritório; todos eram de ricos

tons de âmbar, ébano e mogno. O tapete era de friso. Recordava a um

cão que lambia uma fossa. Ele deixou cair suas chaves na mesa e eu

deslizei em uma cadeira. Perguntei:

— Então, o que acontece? — Estive calada no caminho a… onde

fosse que estivéssemos. Era muito mais fácil calar-se, quando de fato

podia sentir a pessoa a seu lado fazendo o percurso de perto. Collin nos

tinha levado por isto, passando por pequenos povoados com granjas,

até que finalmente paramos fora de um edifício rodeado de granjas com

grama. Elevava-se sozinho em meio de um campo. Havia um espaço de

terra atrás dele que se convertia em uma colina. Era estranho vê-lo em

uma paisagem plana, mas aí estava coberto de grama. Collin me olhou.

Seus ombros se encurvaram, enquanto se inclinava contra a mesa.

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— Sabem que a pintura já não está em território sagrado. E

suspeitam que algo mais esteja acontecendo. Dizem os rumores que

uma dos azuis do Vaticano, uma das importantes dos Martis, esteve

aqui não faz muito. Essa gente só passeia por aqui quando algo sério

está acontecendo. Pensamos que se tratava da pintura. Mas isso não

tem sentido. Ela não estaria aqui por isso. Estaria furiosa se soubesse

que está perdida, e não teria ido. Mas não estou seguro que sua gente

saiba que já não está. O que me faz pensar que algo mais está

acontecendo. De qualquer maneira, está atraindo mais e mais Valefar a

esta área para averiguá-lo. Arqueei uma sobrancelha e cruzei os

braços. Saber que ele era perigoso e saber que era Collin, era conflitivo.

— Por que não me matou? Sabia que estava sozinha. Sabia que

éramos inimigos e me deixou viver. Por quê? — Meu coração estava

pulsando com força. Não podia mascarar minha lógica: ele não poderia

ser tão mau se não me matava, certo?

— Não. — Sacudiu a cabeça, fechando os olhos fortemente. —

Ivy, eu não sou como você! Não sou bom. Afastei-me de sua vida por

razões egoístas. — Seu olhar azul encontrou o meu. — Por nada mais.

Senti algo na parte posterior de minha mente. Eu não daria o

primeiro passo, assim o pressionei:

— Para que coisas egoístas me queria? — Ele trocou de lugar.

Sua postura confiante se voltou mais como a de um menino, e insegura.

Perguntei-me se estava jogando comigo.

Seus olhos azuis encontraram os meus.

— Não sei. Só te queria perto. Se tomasse sua alma, não estaria

mais por aqui.

— Por que não me uniu, simplesmente? Poderia estar contigo

para sempre. — Meus braços cruzaram sobre meu peito. Tentei conter o

pânico que estava fazendo caminho por minha garganta. — Poderia

havê-lo feito. — Caminhou para mim. Com meu pulso acelerando-se,

observei-o aproximar-se. Seu formoso corpo deslizou junto ao meu.

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Seus dedos roçaram minha bochecha. Seus olhos se fecharam e o senti

lutar para ter o controle. Seu demônio interno queria me destruir.

Mas, Collin não ia permitir.

Minha voz foi um sussurro: — Sei. — Encontrei-me me

inclinando para ele. Parecia normal, como um momento entre um

menino e uma garota, quando sabiam que gostavam um do outro. Mas

não éramos um menino e uma garota. Éramos inimigos naturais.

Retrocedi. Mas não o fiz. Tinha que saber por que.

Afastou-se de mim. O vínculo se apertou, evitando que se

afastasse muito. — Te desejava. — Isso foi tudo o que disse sem maior

explicação. Eu não tinha ideia do que dizer. Não estava segura do que

ele queria dizer. Voltou-se para me olhar. — Ivy é a melhor coisa que

me passou em oitocentos e quarenta e seis anos. Uni-la teria atenuado.

E eu gosto como está. — Encolheu de ombros e afastou o olhar. Parecia

depravado, mas o vínculo o traía. As emoções de Collin formavam

redemoinhos dentro dele, tornando mais difícil pensar. Eu o afetava

tanto assim.

— Então, não me unirá? Não me machucará? — perguntei

insegura.

— Não. Mas o vínculo está tentando nos forçar a fazer a única

coisa que quero fazer, mas não posso. Nunca desejei tanto um beijo em

minha vida. — Sua expressão era de dor. Começou a passear enquanto

eu revivia lembranças com ele. — O primeiro ano que te conheci,

perguntei-me como seria te beijar e te abraçar fortemente. Logo, a morte

levou a sua irmã. Mal pude suportar vê-la. Queria que viesse para mim

em busca de consolo, mas não fez. Te vi nos braços de outros. —

Encolheu de ombros, atuando como se não o machucasse, mas o

vínculo me disse isso, de todas as maneiras. — Depois, descobri que

estava com um azul, um Martis, e soube que seríamos inimigos. Era

horrível pensar, como mortal, teria sido mais fácil estar juntos. Mas,

quando te vi com esse patinador, voltando para os velhos hábitos, não

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pude suportar. Rompi. Ele tinha a única coisa que eu queria. A única

coisa, que não posso ter jamais.

Suas palavras me alagaram. Havia algo diferente com ele. Tinha

semelhanças com Jake, mas era diferente, de alguma forma. Podia

senti-lo, mas não sabia como.

— Não pense isso — me advertiu. Seu olhar disparou para o

meu. — Não estou seguro. Nunca acredite nisso. Se perder o controle da

forma que fiz a outra noite. Maldita seja Ivy...

Algumas vezes vi pessoas que atuavam corajosamente. Para

todos outros pareciam estúpidos. Havia uma fina linha entre ambos. Eu

não sabia de que lado da linha estava quando fui para ele. Coloquei

meu braço sobre seu ombro e falei com o coração. Imaginei que ele

saberia de todas as maneiras. Ao menos desta forma podia ser quem

dissesse. Ele estremeceu com meu toque, lutando por refrear-se. Seus

olhos azuis olharam meu rosto enquanto seus dedos se moviam

nervosamente a seus flancos.

— Não foi porque não te quisesse. Te vi me observando... — As

palavras eram difíceis de sair. Ficaram enterradas em meu peito,

escondidas de todos. — Senti como se estivesse morrendo. Vi seu rosto

e foi como se estivesse indo à deriva. E tinha que fazê-lo. A dor da

perda. Rompeu-me. Não queria senti-lo de novo. Pensei que se saísse

com tipos ao azar, não me doeria tanto. E funcionou por um tempo,

mas não durou. O único consolo real que tinha então… era você. —

Houve silêncio por um momento enquanto minhas palavras saíam.

Sentia-se cru. Nunca as havia dito em voz alta antes.

Sentia-se estranhamente íntimo falar com ele desta forma, mas

ele significava tudo para mim. Não podia perdê-lo. Continuei:

— Sei quem sou. Inclusive antes de ser marcada. Sou perigosa,

Collin. Gente que cruzou meu caminho está destinada a desaparecer.

Não queria infringir essa dor a ninguém mais. Especialmente a você. —

Enlacei meu braço com o seu, e me inclinei para ele. Podia sentir seus

sentidos enfrentando-se dentro dele. Uma sensação tranquilizadora veio

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a minha mente através do vínculo, subjugando sua sede por minha

alma. Estranhas sensações deslizaram por minha coluna vertebral

enquanto me sentava junto ao menino que queria roubar minha alma.

Nunca soube que tinha uma até recentemente. Não sabia que era para

que eu a protegesse. Ou para que a compartilhasse. Logo, fiz algo

estúpido. Atuei antes que o pensamento pudesse formar-se em minha

mente, sabendo que se ele visse, jamais aconteceria. Mas algo me

empurrou, chamando desde muito dentro, e tive que fazê-lo. Olhando o

seu rosto incline-me e rocei meus lábios em sua bochecha em um único

beijo.

O vínculo se apertou e sufocou a ambos, logo nos liberou. Seu

coração estava acelerado e seus sentidos estavam gritando como se o

estivessem atacando. Voltou-se para mim. Saltei, retrocedendo,

sabendo que ele tinha perdido o controle antes de me tocar. Mas fui

muito lenta. Apanhou meu braço direito, enquanto eu observava seus

olhos tornarem-se carmesim.

Sem pensar, reagi, tirando o pente de prender cabelo de meu

cabelo. Cortei em um rápido arco. A pele esfumou aonde os dentes

atravessaram sua formosa cara.

Saltou, afastando-se de mim. Suas mãos sacudiam e seus olhos

estavam totalmente abertos.

— Ivy… — Sua voz tremeu ao dizer meu nome.

Podia sentir o medo abrindo passo em sua garganta.

— Não. Nada aconteceu. Fui uma estúpida. Não farei de novo. —

Que demônios estava mal comigo? Por que fiz isso? O vínculo estava

me influenciando tanto que não podia dizer quais pensamentos e

desejos eram meus e quais vinham do vínculo. Minhas mãos tremeram

enquanto suplicava:

— Collin, me olhe. — Seus amplos olhos observaram meu rosto.

O carmesim se esfumou, deixando sozinho um aro de fogo rodeando

sua íris. A pele que tinha talhado com meu pente de prender cabelo já

tinha sarado. Era como Eric dizia; a única forma de machucar a um

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Valefar era perfurar seu coração. Collin recuperou um pouco do

controle. Algo mais estava consumindo sua atenção e isso o

surpreendia por completo. Eu podia senti-lo através do vínculo. Podia

vê-lo em seu rosto.

Meu pente de prender cabelo estava a meu lado e meu cabelo

pendurava sobre meu rosto. Ofeguei enquanto meu coração se

acelerava, trovejando em meus ouvidos. Meus dedos sustentavam o

pente de prender cabelo chapeado apertadamente em minha mão. As

mãos de Collin se enredaram em meus cachos, afastando-os de meu

rosto. Inalei bruscamente, enquanto sentia suas emoções alagar o

vínculo. Sua voz foi um sussurro lastimável:

— OH, Meu Deus. É você. — Collin olhou fixamente minha testa,

agarrando fortemente meu cabelo. Quando comecei a tirar seus dedos,

liberou-me e retrocedeu, sacudindo a cabeça. — Como? Como é você?

Como aconteceu isto? Não poderia haver... — Negou com a cabeça, a

confusão tomando o controle dele. Focou-se em mim. Senti

arrependimento enquanto este surgia através dele. — Ivy. É a você que

estão procurando. Estão lhe caçando. — Seu olhar não se separava de

minha marca. Estava aniquilado.

Meu coração acelerou. Esta informação parecia mudar as coisas.

Perguntei-me se devia confiar nele, se estava tentando me enganar,

estimulado pela luxúria de sangue. Sorriu com suficiência.

— Te desejo em cada forma possível. Só que não posso te ter de

cada forma possível. Aquilo me golpeou realmente. — Suas palavras não

me atravessaram como falsas adulações. Pareciam reais. Questionei

minha prudência, me perguntando o que seria de nós.

— Collin — disse. — Não deveria me dizer essas coisas. — Dei a

volta, envolvendo meus braços ao redor de meu corpo, empurrando

fortemente. Minha marca. Como me tornei tão descuidada que lhe

mostrei minha marca? — Imagino que não deveria. Mas pode sentir de

todas as maneiras.

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Caminhou atrás de mim, controlando seu desejo por mim. Seu

rosto ficou mais sério ao falar: — Ivy, lamento ser quem te diga isto,

mas tem sangue de demônio fluindo por suas veias. Isso poluiu sua

marca.

Assenti fracamente. — Sei.

Parou frente a mim, tentando ver meus olhos.

— Sabe que é parte Valefar?

Encolhi com suas palavras. Atravessaram-me de uma maneira

que não acreditei ser possível. Tinha negado tantas vezes, convencida

que não seria o que meu sangue me fazia: uma criatura da escuridão.

Tristemente, olhei-o e assenti.

— Sou um fenômeno. Apanhada por meu sangue e destinada a

morrer por isso. Estou amaldiçoada, Collin. Tentei conduzir meu

caminho em outra direção, mas parece que não importa. — Esbocei um

triste sorriso.

Collin me observou. — Não queria isto, não é?

Olhei para ele, surpreendida de que perguntasse.

— Quem o quereria? Você queria isto? Queria ser o que é? —

Afastou o olhar, enquanto a tensão liberava por seu corpo. As

lembranças formaram redemoinhos a seu redor, lembranças de um

passado que eu nunca tinha conhecido.

— Não. Disse fracamente. — Não queria isto, mas não tive

opção. Sou um escravo. Os Martis também são escravos, mas você…

não estou seguro do que é.

— A que se refere? — Meu agarre se liberou, enquanto a tensão

começava a fluir.

— O sangue que une os Valefar é sangue de demônio. Dá-nos

poder, mas nos escraviza. Mas você tem ambos, sangue de anjo e de

demônio. Está duplamente presa? Ou o sangue de anjo cancela o

sangue de demônio? — Olhei-o, confusa, insegura do que estava

perguntando. — Pode mentir verdade? — Perguntou.

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Assenti. — Não espera que o faça. Os Martis não podem

mentir… jamais. Os Valefar não têm alma, mas você tem uma… e

mesmo assim tem sangue de demônio correndo por suas veias. É

perigosa porque seu poder não está unido e é livre.

— Não tenho nenhum poder Valefar, Collin. Sorriu

brandamente da minha ingenuidade.

— Sim, se o tiver. Pode fazer qualquer das coisas que o resto de

nós não pode fazer… além da maioria de suas coisas dos Martis.

Mostrar-te-ei.

Sacudindo a cabeça, disse: — Não, não é... Não posso ser assim.

Não quero.

Tomou uma pausa antes de falar. Senti o peso de suas palavras

enquanto as dizia. Estavam cheias de arrependimento. — Ivy, já está

amaldiçoada. Nada muda isso. Se pudesse desfazê-lo, faria. Faria tudo

por ti.

Senti o sangue desaparecer de meu rosto, enquanto a gravidade

ameaçava me enviar para o chão. Equilibrei-me, me estirando por uma

prateleira. Aceitar meu destino significava que eu perdia. Queria brigar

e isso significava não me render à parte Valefar em mim. Não podia

perder. Tinha que lutar.

— Não posso Collin. Não quero ser… isto. — Fiz gestos para mim

mesma, me sentindo desorientada. Eu não gostava que ele pudesse

sentir minhas emoções através do vínculo, mas não as podia esconder.

Sentia-me perdida. Completa e totalmente perdida. — Não posso me

permitir cometer um engano.

Ele falou urgentemente, dando um passo para mim.

— Mas, se o engano é ignorar parte do que é? Se o engano é não

te conhecer a si mesma? Como pode lutar por salvar sua vida, quando

está negando partes de ti? Não é como se nossos poderes fossem

inerentemente maus, Ivy. Pode ser que seja capaz de usá-los de outra

maneira.

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Suas palavras captaram minha atenção. Pode ser que fossem

mentiras do Valefar. Tinha que ser. Suas palavras soavam muito

perfeitas. Olhando seus olhos azuis, recordei que os Valefar mentiam

em uma teia belamente elaborada. Eu não saberia se eram mentiras até

que estivesse desesperadamente apanhada. Mas tinha que saber.

Meus braços se cruzaram sobre meu peito. Dei uns quantos

passos longe dele e perguntei:

— Que poderes tem que poderiam me ajudar?

— Não te ensinarei nada que te machuque. — Sorriu. — Em sua

maior parte, são pequenas coisas, como isto. — Mais rápido do que

pude piscar, ele estava frente a mim. Nariz com nariz, inspirei

surpreendida, e retrocedi. Minha mão cobriu meu acelerado coração,

tentando negar a importância.

Disse: — É bem, rápido? Também nós. Então o que?

— Não é velocidade. — Retrocedeu, sentindo o vínculo formando

redemoinhos ao nosso redor, animando-o a me tocar. Lutou com a

sensação e continuou falando: — Posso ir a qualquer lugar que tenha

visto. Só tenho que imaginá-lo em minha mente. Instantemente

aparecerei ali. Chama-se Efanotação.

Pisquei. — Não, isso não pode ser possível. — Deus santo. Não

havia dúvida de por que os Martis estavam perdendo.

— Por que não? — Sorriu. — É magia. Você e eu somos feitos de

magia. Podemos fazer muitas coisas que não são possíveis.

Pensei nisso. A efanotação parecia suficientemente inofensiva e

não presunçosa em si mesmo. A ideia me intrigou.

— Posso aparecer em qualquer parte?

Os cantos de sua boca se curvaram em um sorriso.

— Só em lugares nos quais já esteve. Deve ter um branco

específico em sua mente ou arrisca a não alcançar sua meta. Ser

apanhado entre os lugares não é divertido. Não tente. — Sorriu e uma

lembrança piscou, me mostrando que o tinha feito e que não foi

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divertido. Estremeci. Collin riu. — Gostaria de tentar? Pode vir para

mim, como eu fiz a um segundo.

Insegura, meus dedos apertaram mais fortemente meus braços

sobre meu peito.

— Não sei. — Aceitá-lo significaria que era uma Valefar. Não

queria ser. Suas próximas palavras me provocaram perfeitamente.

Caminhou para mim, sem piscar, com seu rosto no meu.

— Jamais teria que preocupar-se por ser atacada. Jamais.

Poderia fazer isto e escapar. Cada vez. — Seus olhos safira perfuraram

os meus. Nunca teria que viver outro beijo de demônio de novo.

Endireitei-me. Meus músculos se esticaram, aferrando-se

enquanto recordava a dor que minha mente se negava a recordar. O

desejo fluiu através do vínculo. Embora ele mencionasse o beijo do

demônio para me assustar, sabia que ele mesmo temia me beijar.

Estava aterrorizado de ser quem me destruiria. Olhei seus lábios,

desejando que não fossem veneno; desejando poder saboreá-los.

Collin girou bruscamente, agarrando a cabeça como se estivesse

em agonia.

— Não. — Sua voz foi tensa. — Ivy, não pode. Não posso… — Ele

não podia falar. A raiva se mesclava com o desejo, enquanto este se

arrastava sob sua pele. Negava a sua carne aquilo que cobiçava mais

que a vida… minha alma. Seus pálidos dedos se aferraram fortemente

enquanto brigava por reprimir a urgência que meus pensamentos

provocavam. A natureza exata da forma que Collin torturava a si mesmo

para estar comigo fluiu ao redor, através do vínculo. Não havia dúvida

do muito que eu significava para ele e quão duro tinha que lutar contra

seus instintos para assegurar-se de não me matar.

Seu corpo se esticou. Rastros de sangue deslizaram por seus

braços onde suas unhas estavam perfurando sua pele. Sua agonia

queimava, ameaçando consumi-lo. Uma ação aliviaria tudo, mas ele se

negava a me beijar. Negava-se a si mesmo a única coisa que faria ceder

sua dor. Não me beijaria.

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Algo em meu sangue se acendeu. Não havia forma que pudesse

observar Collin retorcer-se outro segundo. Tinha que fazer algo. Assim

disse era a única coisa que sabia que conteria sua agonia. A ideia me

aterrorizava, mas sabia o que tinha que fazer. Nesse momento, aceitei

meu destino… todo. Endireitei-me, sabendo o que era e sabendo que já

não podia negá-lo. Não tinha opção. Isto era quem era parte Valefar,

parte Martis. Dei um passo para ele. Minha voz carregava uma

autoridade que eu desconhecia. Havia um poder em minhas palavras

que deslizava sobre mim enquanto falava:

— Sou Valefar. Collin me mostre como ser uma Valefar. Minhas

palavras foram como água fervendo sobre gelo. Sua angústia

fisicamente se derreteu como podia gostar. Já não sentia como se

estivesse frente a um inimigo e o vínculo mudou, reconhecendo a um

aliado. Ressonou dentro de mim, como algo delicioso e escuro, me

seduzindo silenciosamente de dentro. Era a parte de mim que não podia

aceitar a parte reprimida. A parte que me aterrorizava. Estava livre.

O calor queimou através de meu peito, enquanto Collin se

voltava para me olhar. O insistente empurrar do vínculo permaneceu

intacto, mas o desconforto desapareceu. Ele observou com sobressalto

quando o calor se disparou através de meu peito, desde meus dedos até

meus pés, arqueando minhas costas, deixando um quente rastro em

seu despertar. A admissão me transformou, acendendo meu sangue de

uma forma que as palavras não podiam descrever. Senti-me mais forte

do que tinha sido alguma vez em minha vida. O medo se evaporou

enquanto o poder fluía por meu corpo, me abrangendo por completo. O

sangue de demônio estava acordado, me fazendo sentir invencível,

enquanto a parte Martis em mim era reprimida.

OH, Deus. O que fiz?

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Capitulo 22

Era aceitável que tudo havia mudado. Trocou a união,

confundindo-a, embora não saciou sua luxúria. Eu ainda queria Collin

e não se afrouxou, embora fosse menos doloroso estar tão perto dele. A

minha parte Valefar rapidamente se aperfeiçoou em algo que nunca

antes tinha notado. Meu olhar se lançou para Collin. Podia cheirar tudo

a seu redor.

Babando, traguei, e caminhei para ele. Havia uma essência no ar

que me recordou algo delicioso.

— O que é isso? — perguntei notando que emanava de Collin.

Olhando seu rosto perguntei — Por que cheira assim? — farejei o ar de

novo, tragando a saliva que se vertia de minha boca, despertando

minha fome.

Ligeiramente alarmado, inclinou-se longe de mim. — Cheirar

como?

— Cheira delicioso. — envergonhada, pensei nisso por um

momento, notando pouco a pouco o que estava acontecendo. Minha

boca encheu de água como se minha mãe estivesse cozinhando minha

comida favorita e eu não tivesse comido durante todo o dia. O aroma de

levedura de pão fresco encheu minha cabeça, acompanhado pelo aroma

do peru assado de minha mãe que sempre estava perfeitamente

cozinhando, crocante por fora e suculento por dentro. O aroma de

canela encheu por último, me recordando aos bolos de maçã que só

fazia durante dias festivos, e que todo o ano desejava. Inalei em uma

comprida e lenta pausa, deixando que os aromas enchessem meu corpo

e saboreando-os antes que notasse o que era. A expressão em sua cara

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foi a que me tirou do transe. Perdi meu sonho, mas os aromas ainda

persistiam e eram fortes. Vinham dele.

Mas por quê? Enquanto olhava para Collin, o horror se verteu

em mim, enquanto entendia o que estava acontecendo, reconhecendo o

que o sangue Valefar tinha despertado.

Cobri minha boca com horror enquanto me afastava dele. A

repugnância vertendo-se em minha boca como um vômito. Girando

bruscamente, afastei-me e me lancei em uma cadeira. Fechei meus

olhos com força tentando banir a sensação, o aroma. Mas não se

afundaria. Aferrou-se a Collin como se fosse comida. Oh, Meu deus. O

que era isto? O que fiz?

Minha voz foi afogada pelos travesseiros, mas sabia que ele me

ouvia. — Cheira a comida. Por que cheira a comida? — perguntei

sabendo a resposta. Senti o discurso enfático começar a derramar-se

antes que pudesse detê-lo — OH Deus! É porque posso cheirar… sua

alma. — Lancei-me em posição vertical na cadeira, olhando Collin

através do cômodo pouco iluminado — Tem uma alma! Não o negue,

posso cheirá-la. Cheira como se combinasse tudo o que alguma vez

desfrutei comer. — Meu cérebro começou a recompor as coisas — Disse

que cheirava como nova. Pode nos cheirar? Os Valefar podem cheirar o

sangue Martis. Assim é como vocês nos caçam. Mas... Isso não é o que

cheiro em ti — farejei o ar, e o olhei nos olhos sabendo que ele não

podia mentir. Escutei-o através da união — Cheiro sua alma. Como tem

uma alma, Collin?

Collin retrocedeu em sua mesa, olhando o tapete peludo — Não

tenho uma alma, Ivy. Não é o que está sentindo — Seus olhos se

detiveram no tapete, enquanto tratava de esconder sua vergonha e

fracasso.

Por que não me olha? O que o fez sentir-se assim? Já era

bastante mau que cheirasse como um manjar e me sentisse como se

estivesse faminta. Que mais teria esse aroma… o embriagador aroma de

uma alma humana? Que mais faria que uma nova Valefar reagisse

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assim? Tinha que ser uma alma, mas ele não tinha uma. Então o que

estou cheirando?

— OH Deus. — minha garganta se apertou enquanto

pronunciava as palavras.

O pulso batendo em meus ouvidos sentia-me mal. O sangue

drenado de minha face, enquanto o gelo deslizava em meu estômago.

Tinha me levantado lentamente, e me afastado dele, horrorizada. Sabia

exatamente o que era. Minhas bochechas se apertaram enquanto minha

visão nublava pelas lágrimas. Queria correr, fugir dele e nunca olhar

para trás. Em troca minha voz chiou.

— Isso é o que é, não? Os restos de suas vítimas. Como pôde? —

tremendo, engoli em seco com força sem querer dizer o que já sabia. O

aroma que ficou nele era a essência residual dos que ele tinha matado,

agarrando-se a sua carne. Aspirei meus lábios mordendo a parte

inferior, tragando a bílis antes que pudesse escapar.

Não houve arrependimento em sua voz. — Ivy, não é o que você

pensa. Por favor, escuta. Não quero ser o que sou. Não o teria feito, mas

para viver, temos que nos alimentar. Tive que fazê-lo. Não tinha outra

opção. — Collin tocou meu braço, me sobressaltando de meu horror.

Não ouvi sua aproximação. Seu rosto estava desconsolado — Pensei que

sabia. Não torturo as pessoas por diversão… são comida. Um corpo não

pode viver sem alma. Tem que ter algo para animá-lo, e lhe dar vida. Os

Valefar não têm alma, assim roubamos a outros para sobreviver. Tive

que fazê-lo. — Sua mão ainda estava em meu braço quando senti sua

aproximação em minha mente, tratando de me consolar.

Repudiando, lancei-me longe dele. O egoísmo me consumia, e

não era a morte de pessoas inocentes o que me horrorizava nem os que

Collin tinha matado… era o que eu queria deles. Cheiravam como o céu

e me senti faminta. Assim era ser um Valefar? Shannon não tinha a

mínima pista quando me disse quão aterrador seria. Não podia

controlar minha própria carne. Os desejos estavam batalhando em meu

interior para fazer coisas que eram desprezíveis. Imperdoáveis.

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O aroma que se desprendia de Collin estava me deixando louca.

Minha boca não deixava de salivar, engoli em seco com força uma vez

mais me sentindo enjoada. Olhei-o, me dando conta que Collin não

parecia tão tenso como estava normalmente. — Como podia suportá-lo?

— Envolvi meus braços ao redor de minha cintura, e apertei com força

para reprimir os horrores revolvendo meu estômago.

— Tive muito tempo para me adaptar. — seu rosto era sério, e a

tensão delineava seus olhos — Controlar os impulsos é o melhor que

posso esperar. Posso estar semanas sem me alimentar, mas é mais

difícil para os novos Valefar, o qual você é. Somente os poderosos

podem controlar-se. — limpou a garganta, me olhando com incerteza.

Soube o que queria perguntar, mas não estava segura se deveria fazê-lo.

Sua voz foi fraca — Cheiro a humano para ti?

— Sim. Você cheira. É confuso, e inesperado. Meus lábios

querem travar-se nos teus e beber sua alma. — respirando fundo,

apertei meus dedos, tratando de conter meu corpo, e me negando a

ceder a suas demandas.

— Lamento-o. Sei que é duro. — Logo depois de um momento,

disse: — Imagina quão difícil é abster-se quando cheira uma alma real,

e não as sombras dos mortos. Ivy, não quero ser o que sou, mas não

posso evitá-lo. E me tenta como nada que tenha experimentado antes.

Há algo em ti. — Sua voz foi apagando à medida que retrocedia.

Nunca antes o entendi. Pensava que os Valefar eram malvados,

que desfrutavam disso. Mas vendo seu rosto, sentindo suas emoções

através do vínculo e tendo o sangue Valefar correndo através de mim,

finalmente compreendi.

— É um escravo… entendi as implicações. Com minha

sobrancelha franzida, olhei-o. O Valefar possuía meu corpo, e queria

apagá-lo antes de fazer algo estúpido. Não confiava em que Collin não

fosse atacar, apesar de que eu tinha uma alma para sugar. Perderia

minha vida com um engano como esse. Não importava se um humano

chegasse a aproximar-se de mim agora. Sentia-me voraz.

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Minha voz tremeu quando falei:

— Quero desfazer isto. Matarei a alguém se ficar assim. Collin…

— aterrorizada, olhei em seus olhos, me dando conta que minhas

ânsias naturais destruiriam a ambos — Como o desfaço?

Encurralada no canto, minhas mãos se deslizaram detrás de

mim, quando minhas costas golpearam a parede. Caminhou

lentamente. — Ivy, não tem que matar a ninguém. Não tem que realizar

um beijo de demônio para viver. Ainda tem alma. Posso cheirá-la. Ainda

está aí. Sua natureza Martis ainda está aí. Somente está inativa.

Aparentemente não pode possuir ambas as características ao mesmo

tempo. — Estudou-me durante um momento, sentindo dor de que eu

compartilhasse uma parte de sua maldição — Deveria ser capaz de

desfazer da mesma maneira, ao te concentrar em ser Martis. Mas Ivy. —

Sua voz foi urgente, e sua mão alcançou a minha. Sustentou-a

brandamente — Posso te ensinar como te defender, mas somente se

permanecer assim por um tempo. Não deixarei ninguém perto de ti.

Quero te proteger. Mas, não posso fazer de outra maneira. Eu tentei.

Fui afortunado de chegar a ti bem a tempo, hoje. Os Valefar a matarão,

e se os Martis a descobrem… Ivy. — Suas palavras foram se apagando

uma vez que sua mão deslizava contra minha bochecha. Não pude

evitá-lo, mas me apoiei contra isso. Houve um rogo desesperado em sua

voz — Por favor, me deixe te mostrar.

Meu coração se acelerou, enquanto sua pele tocava minha

carne. O rogo em sua voz foi muito urgente para ignorá-lo. E o tênue

estado do vínculo o acalmou, embora me confundisse. Cheirar as almas

como se fossem um manjar suculento me perturbou profundamente.

Soube que não poderia me controlar muito bem, e isso me assustou.

A consciência de Collin roçou brandamente a minha: — Por

favor, Ivy. — Respirando fundo, olhei-o nos olhos e tomei a decisão mais

estúpida de minha vida.

— Me mostre.

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— Ivy — Me repreendeu Collin — Te concentre. Do contrário

partirá a pele de seu corpo. Pode arrumá-lo, mas dói como o inferno. —

Sorriu. Olhei fixamente o anel de rubi que Collin me deu em meu

aniversário. Ao que parecia, os Valefar gostavam de usar rubis em sua

magia negra. Quando olhei a pedra vermelho sangre, as bordas da

minha visão se encheram com uma neblina escura e minhas veias

arderam com uma estridente intensidade. A primeira vez que isso

passou me deixou louca, pensando que estava me queimando. Mas

Collin me disse que isso queria dizer que estava indo bem. Se eu

quisesse aparecer junto a ele, tinha que me concentrar com muita força

em que meu sangue fervesse, voltando meu corpo em neblina. Seguia

pensando nele e somente nele, apareceria junto a Collin.

O apontamento doía como o inferno se o fazia bem. Não poderia

imaginar a dor de fazê-lo mau.

Aconteceu que me sentia como se estivesse em chamas, devido a

que assim era. O calor corria por minhas veias enquanto olhava

fixamente, imaginando o rosto de Collin na pedra de rubi. Pude ver seus

frios olhos azuis e os longos cílios como se estivesse parado em minha

frente. O rubi foi usado para manter meu foco, assegurando que minha

pele reapareceria com meu corpo.

As chamas se alastraram por dentro, lambendo meu estômago

quando o poder se manifestou dentro de mim. Lutei por manter meus

olhos fixos no rubi, imaginando nada que não fosse o rosto de Collin.

Quando pensei que não podia suportar a dor um segundo mais, cessou

e me encontrei no colo de Collin, olhando-o fixamente. Seus olhos

estavam tão perto dos meus como tinha imaginado. Um sorriso

preguiçoso se deslizou em seu rosto, enquanto envolvia seus braços ao

redor de minha cintura, puxando-me com força. A surpresa do calor

gelado foi substituída com o calor chamuscante quando me tocou. O

intenso foco fez mais fácil que ajustasse a seu delicioso aroma, por isso

sua fragrância foi mais débil.

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Respirei fundo, orgulhosa de mim mesma por finalmente fazê-lo

bem. Fazê-lo pela metade teria sido doloroso, e teríamos estado nisso

por horas.

— Eu fiz. Viu? Finalmente o fiz! — sorri-lhe, meio ruborizada,

quando tratei de rebolar fora de seu colo.

Seu olhar fez que meu estômago se retorcesse, enquanto seus

braços me sustentavam no lugar. Seus cílios eram escuros e cheios.

Olhei-os para evitar olhar sua boca, sem querer tentar a qualquer de

nós com coisas que não podíamos ter.

— Eu notei isso — Sorriu — Foi perfeito. — Suas mãos ainda

estavam ao redor de minha cintura quando seus pensamentos

começaram a roçar minha mente. Suaves carícias e persistentes dedos

ocuparam a maioria deles. Quanto mais tentava não pensar em mim

dessa maneira, não podia, não enquanto eu estivesse em seu colo.

Substituiu os pensamentos logo que chegaram, tentando ocultá-los de

mim, mas não pôde. O vínculo não nos deixaria esconder nada.

Inclinei-me em seus braços, enquanto ele estava ao redor. A

surpresa se alargou através do vínculo, quando Collin me puxou com

mais força para seu peito. Jazi contra ele por um momento, escutando o

batimento cardíaco de seu coração. Soava completamente normal,

mascarando o sangue de demônio no interior. Respirei lentamente,

recordando pela metade a última vez que me senti verdadeiramente

segura.

— Collin, — Disse em voz baixa — O que te passou? — Seu

corpo ficou tenso ante minhas palavras. Virei um pouco, olhando seu

rosto. — Como se tornou um Valefar? — Não queria que seu estado de

ânimo se derrubasse, mas queria saber. Tinha que saber.

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Capitulo 23

Parecia haver um pouco de humanidade espreitando em seu

interior. Só queria saber que estava meio convencida de que era o Collin

que tinha visto e adorado.

— Ivy, o passado está no passado. O que está feito não pode

mudar. Somente podemos deixá-lo ir. — empurrou-me fora de seu colo,

e se afastou caminhando, olhando uma prateleira de mogno que se

estendia do piso ao teto. Livros velhos com títulos que não reconheci

alinhados em cada prateleira.

Caminhei atrás dele, sentindo sua tristeza.

— Foi tão mau? — de repente me senti insensível por perguntar.

— É obvio que foi tão mau. Eu o vivi. Igual a você. Sinto-o Collin, não

quis dizer que...

— Sei. — Girou-se para mim, aquele meio sorriso no rosto para

mascarar sua dor. — É parte da maldição, Ivy. Não recordo muito de

meu passado, somente a dor pelo que perdi. E a dor da conversão. —

Seus olhos se moveram até os meus. — Senti a dor de seu beijo de

demônio através do vínculo quando te assustei a outra noite. Não era

minha intenção. Suas lembranças do ataque de Jake cruzaram o

vínculo e reagiram com meu próprio pesadelo, revivendo-o.

Seus olhos olharam mais à frente, enquanto suas lembranças

passavam como um relâmpago pela união. Mostrando um passado que

não podia imaginar. Angústia fluía através de mim, quando vi sua vila

açoitada pela pobreza e a enfermidade. Gritos de mulheres e lamentos

de homens sustentando em seus braços meninos sem vida, relampejava

através da união iluminando o horror em minha mente. Enquanto

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falava, suas lembranças me alagavam. Era como se estivesse ali, e o

desespero e crueldade da situação me atormentavam. A dor de meu

ataque foi principalmente psíquica, mas a sua não. Não tinha ideia do

muito que lhe pedia até que começou a reviver a lembrança.

— Cometi um engano estúpido. — Voltou a olhar à parede,

arrastando um dedo ao longo de poeirentos tomos de livros. — Todos

estavam morrendo. Minha família. Tinha perdido meus pais e irmãs.

Minha esposa e o bebê se infectaram pouco depois. A enfermidade

invadiu a vila, matando mais que a guerra e a fome combinadas. Não

importava o que fizéssemos, não havia forma de detê-la. Estendeu-se de

casa em casa, pouco a pouco, nos matando lentamente. Vi minha

esposa murchar-se, à medida que a enfermidade a destruía. — Sorriu

levemente, recordando as características que admirava nela. Ela era de

caráter forte, ardilosa e fiel, mas o que o atraiu nela tinha sido sua

bondade. Voltando-se para mim, disse-me: — Ela sustentou a nosso

filho, negando-se a deixá-lo quando adoeceu, e ela também, pouco

depois. Não podia culpá-la por tratar de acalmá-lo. Tentei tudo o que

sabia. Tudo o que tinha. E esse não era o problema. Todos os dias eram

mais do mesmo: nós morrendo. A pira funerária se fez maior,

queimando do entardecer até o amanhecer. Ficaram muito poucos de

nós, e demos todo o melhor para confortar e prover aos doentes. Mas foi

inútil, Ivy.

Cruzou os braços sobre seu peito, retirando-se mentalmente,

permitindo que o passado o consumisse.

— Um dia uma mulher entrou na vila, disse que o farmacêutico

na cidade vizinha tinha encontrado um padre. Disse que ainda

funcionava nos menores. Os meninos morriam poucos dias de contrair

a enfermidade. Os bebês eram ainda mais frágeis. Meu filho estava

perto de morrer, e minha esposa o seguiria logo. Sentava-me junto a

eles incapaz de aliviar sua dor. Vendo-os debilitar-se. Perder a ambos

tinha sido… — Deteve seus olhos fixos no vazio. — Tomei tudo o que

tínhamos de valor, com a esperança de que fosse suficiente, sabendo

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que não podia falhar. Tinha que convencer ao farmacêutico de que me

desse o suficiente para salvar a minha família. Três de nós partiram da

aldeia essa noite, seguindo à mulher. Estávamos desesperados, e

falhamos em ver o que realmente era. Seus olhos brilhavam como

carmesim quando nos levou a uma cova Valefar. Fomos despojados de

nossos pertences, dominados e jogados em um poço. — Levantou seu

olhar para mim. — Usaram-nos para entreter-se, Ivy. Disseram que o

que sobrevivesse, dariam ao padre. Eu sobrevivi, mas a recompensa não

era o que tinham prometido. Em lugar disso minha alma foi arrancada

de meus ossos. — Ele não disse nada por um momento.

Meus olhos estavam cheios de lágrimas, enquanto escutava com

horror. Não piscava. Não podia. Cada sensação que sentiu fluía através

de mim. Seu rosto carente de expressão, como se estivesse perdido em

uma lembrança desprovida de emoção. Mas sabia que não era verdade.

Retorcia-se em seu interior e sentia tanta dor que se intumesceu para

me contar isso. — Matei o Valefar que me criou. Minha raiva me dava o

poder do que eles careciam. O resto dos Valefar daquela cova

dispersaram-se. Voltei para minha vila, correndo, desejando que não

fosse muito tarde. Tinha que estar ali com eles. Senti o calor do fogo

antes de entrar pelo portal. Ardia constantemente, mas não esperava

ver o que vi. Seu corpo estava no alto da pira, sem vida. Nosso filho

ainda obstinado em seus braços. Não estava ali quando morreram. Via

as chamas consumir o que ficava de minha família. Mas as lágrimas

não vinham. Em lugar disso, a raiva me encheu. Antes que pudesse

escapar, alguém me viu. As chamas laranja iluminaram seu rosto, e

quando chegou a me consolar… Collin voltou a me olhar. Miséria

encheu seu peito como se fosse um abismo sem fim, e se verteu dele em

incessantes ondas. — Morria de fome, Ivy. Ninguém me disse que tinha

que matar para sobreviver. Ninguém disse que devia ser cuidadoso ou

que me mantivesse afastado. Drenei-o sem me dar conta do que

acontecia. Então corri, destinado a me converter na atrocidade que vê

frente a ti. Sou um assassino. Centenas de almas estavam condenadas

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a morrer, para que eu possa viver. Seus ombros se afundaram

enquanto olhava para longe de mim, pressionando seus olhos fechados

para tratar de isolar a dor. Quando ele voltou a me olhar, seus lábios

tinham o leve sorriso que levava tão frequentemente, quão único

mascarava sua dor.

— Demônios comem a dor e a miséria, Ivy. Outorgam poderes a

seus escravos, poderes fenomenais. Mas faria tudo para estar livre

deles.

Aturdida, não podia falar. Não disse nada, olhando-o fixamente,

finalmente via o demônio que ele me disse que era. Mas também vi o

moço que tinha sido apanhado em seu interior, sofrendo pela

eternidade.

A maldição Valefar era cruel e implacável. Séculos tinham

acontecido e podia sentir o horror que fluía por suas veias como se

tivesse acontecido ontem.

— Alguma vez contou isto antes? — perguntei.

Ele negou com a cabeça, me dando as costas. A vergonha se

apoderou dele. A debilidade ameaçando seu controle, e seus instintos

naturais Valefar flamejaram. Fechou seus olhos, bebendo meu suave

aroma, guerreando internamente. O Valefar dentro dele queria minha

alma, malvadamente, mas ele não se permitiria admitir sua natureza.

Collin era muito mais forte que eu. Não tinha esse controle, e não podia

ter sobrevivido ao que perdeu, ou aceitar seu destino.

E, entretanto, eu estava aqui com ele, similar, mas diferente.

Pude reprimir o meu Valefar interior, quase inexistente, até agora. Ele

não poderia.

Engoli em seco, pensando que devia me odiar. Collin se voltou

para mim lentamente, respondendo:

— Nunca pense isso. Como poderia te odiar? É a única coisa boa

que me passou em quase um milênio. Mas Ivy, devo reprimir

constantemente meus desejos. Sua essência é cem vezes melhor que a

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minha, porque há uma alma viva em seu corpo. Às vezes me cega.

Assusta-me que possa perder o controle e te matar.

— Não o fará, Collin. — assegurei-lhe, mas não podia escutar.

— Não é isso, e agora sabe. Ainda possuo uma pequena fração

de quem era. Eu lutei para mantê-la, e isso constantemente quer te

destruir. — Ele aspirou profundamente. Seu fixo olhar triste travando-

se com o meu. — Estou te ensinando como usar as maiores fortalezas

Valefar para te proteger de seu maior inimigo. Eu.

Sacudi minha cabeça, caminhei até ele.

— Não acredito que seja meu pior inimigo. Jake o é. Não você. —

Não havia dúvida disso em minha mente.

Ele negou com a cabeça e se voltou para mim.

— Não. Sou eu. Porque sente que me conhece. Não te defenderá

da mesma maneira. Se Jake te atacar, sua fúria o destruirá. Posso

senti-la em ti. Isso te protegerá, mas os ideais que sustenta por mim, a

matarão. Não pode confiar em mim, Ivy. Deve pensar sempre que posso

me voltar contra ti a qualquer momento, porque poderia. E se o faço

não serei capaz de me deter.

Com o coração pulsando com força por sua admissão, traguei

saliva. Eu não queria que suas palavras fossem verdade, mas as sentia

ressonar em meu interior. Não era questão de acreditar ou de força de

vontade. Era a maneira em que eram as coisas. Relutantemente, aceitei.

— Acredito em você.

Olhamo-nos o um ao outro sem dizer nada durante vários

minutos. Seu passado tempestuoso lhe permitia me entender de uma

maneira que não acreditava que fosse possível. Ele havia perdido tudo;

seus entes queridos e sua liberdade. Seu destino era tão similar ao meu

próprio. Poderia perder tudo quando a profecia se tornasse realidade.

Conhecer sua dor e tudo ao que tinha sobrevivido me fez sentir como se

pudesse sobreviver a algo que estivesse adiante.

— Ensina-me o próximo — disse com mais convicção do que

sentia.

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Capitulo 24

Tremendo, levantei-me de meu assento, e disse:

— Posso comer uma pizza. E muitos refrescos. Nada dessa

merda de dieta. Coca normal. Alguém faz entrega até aqui?

Os olhos de Collin voltaram para mim de sua cadeira do outro

lado da sala.

— É muito cedo. Trabalhamos toda a noite e nada está aberto

ainda. — Tínhamos trabalhado durante toda a noite e ainda não podia

fazer a próxima coisa que ele estava tentando me ensinar. — Vou

buscar o que queira, logo que consiga fazer isto. Tem ao menos que pôr

a sombra em sua mão.

Meu corpo cansado se desabou com as pernas para cima em

uma cadeira com minha cabeça pendurada dando volta. E meus pés no

respaldo.

— Não posso fazê-lo. É muito difícil. — agarrei meu cabelo, além

do sentimento de frustração, e endireitei meu corpo. O sangue fluía

longe de minha cabeça me fazendo sentir enjoada. Quase caí da

cadeira, mas não o fiz. Collin sorriu, reclinando-se em seu assento. Seu

cabelo escuro caía sobre seus olhos enquanto tratava de ocultar sua

diversão. Gostava de meus defeitos por alguma razão. Ser lerdo não era

ser sexy, assim não estava muito segura de que o tinha impressionado.

Irritada, afastei o cabelo de meu rosto. Todo o resto tinha sido

tão fácil para mim, mas isto não. Fez-me lembrar de meu fracasso ao

chamar à luz. Possivelmente somente emprestava em tudo isto. Não

entendia como as sombras viriam para mim. Soava impossível; até que

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Collin me recordou que as sombras me ataram ao chão a noite que Jake

me atacou. Se as pudesse chamar, poderia controla-las, e me liberar.

Odiava não poder consegui-lo, mas não estava progredindo. —

Tenta de novo — ele disse enquanto se inclinava para frente, me

olhando.

— Bem. — fiz beicinho. Levantei minha mão, com a palma para

cima, pressionando minha outra mão no anel de rubi. Aparentemente

esta era a maneira correta de chamar as sombras. Senti o fio da pedra

debaixo de minha pele, e esfreguei meu dedo lentamente sobre ele. Com

minha mente, alcancei a sombra mais próxima sem realmente entender

como que se movesse. Estava conectada a um abajur e se mesclava com

as sombras da biblioteca. Pressionando meus olhos fortemente

fechados, vi a escuridão e senti a frieza encher minha palma. A voz de

Collin roçou minha mente: — Agora diga aonde quer que vá. Tem que

obedecer. Os demônios não são escravos das sombras.

Abrindo meus olhos, olhei em minha palma. Uma sensação

glacial começou a arrastar-se para cima por minha coluna e me

assustei, quase perdendo a sombra que tinha persuadido.

— Assim é como se sente. As sombras são frias, geladas. Uma

está respondendo a ti. Agora a chame para sua palma. — Collin se

aproximou de mim, tremendo, sentindo o frio através do vínculo.

Assenti, tentando fazer o que disse. O frio me envolveu,

lambendo finalmente minha garganta com uma sensação gelada e

esfriando meus olhos, me obrigando a piscar. Senti neve fundida em

minha palma, mas não pude ver nada ainda. Senti como se a sombra se

deslizasse através de mim para ir aonde ordenei. Por que os demônios

insistiam em fazer as coisas desta maneira? Seus poderes eram

fantásticos, mas faziam que a dor se associasse com o poder. Enquanto

olhava em minha palma, vi algo se agrupando no centro como liquido

noturno. Sustentei-o ali, perguntando:

— Agora o que?

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Collin se situou sobre meu ombro, emocionado de que tinha

chegado assim de longe.

— Hummm. Façamos algo fácil primeiro. Pode moldá-lo? Fazer

com que mude de forma?

A frieza lambia minha garganta, me dando asco enquanto

ordenava à sombra que tomasse a forma de esfera. Flutuou sobre

minha palma, de uma vez que se separava em uma esfera, a coisa que

Eric tinha me pedido que fizesse com a luz.

— Algo assim?

Soou emocionado: — Sim. As sombras são fluídas, por isso

parecem como líquidos quando as chama. — a esfera se derreteu em

uma piscina de tinta. Meus dedos estavam intumescidos. A frieza das

sombras era uma frieza sobrenatural, como uma arrepiante sensação

que se estende sobre sua pele, te dando rugas como quando te

aterroriza. Era como isso, mas cem vezes pior.

Sustentei-a, sem afastar a vista dele — Como posso me desfazer

dela?

— Pode liberá-la, mas quero que tente algo mais. Vejamos se

pode fazer que me afete.

Elevei a vista para ele, assustada. — Quer que lhe jogue isso?

— Não. — sorriu — Quero ver quanto pode controlá-la, e quanto

pode fazer uma pequena sombra. Pode chamar sombras maiores, mas

precisa ter uma ideia da força da que está sustentando. Permitirei que

julgue quanto necessita. — deteve-se por um momento, esperando que

o olhasse — Ivy me ataque.

Caçoei. — Sim, por mais divertido que soe isto é uma poça. O

que posso fazer?

— Pode fazer o que você queira. Não pode me ferir com uma

sombra desse tamanho. Vejamos se pode me conter, é muito fraco para

um ataque pleno. — Os cantos de sua boca se curvaram para cima

bruscamente. Pude sentir seu pulso incrementando-se através do

vínculo.

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— Não sei. — Quis liberar a sombra, mas não queria ferir Collin.

— Não me fará mal. — Ondeou uma mão para ele. — Vamos.

Comece pouco a pouco. Tente me dominar. Empurre-me longe de ti, e

então faça algo criativo. — Seus olhos estavam brilhando.

— Como a libero? Em caso de que isto saia mal? — Perguntei

gostando da ideia de fazer algo criativo.

Deu um passo para mim, e sussurrou em meu ouvido:

— Libere-a. Somente deixe-a ir, e se retrairá ao que

originalmente estava unida. — Sua respiração era cálida. Meu estômago

deu uma volta de cento e oitenta graus, enquanto pressionava meus

olhos fechados. Respirando fundo, voltei-os a abrir para vê-lo afastar-

se.

Protegendo minha mão em concha como se estivesse

sustentando ouro líquido, olhei para Collin me perguntando como fazer

para que o líquido o empurrasse. Somente se deslizaria a seu redor.

Permaneceu ali, sorridente, esperando para agir. Levava sua camiseta

azul fora de suas calças escuras. Sua jaqueta de couro estava

pendurada sobre a cadeira. Seus braços flexionados, esperando por

mim.

Insegura, avancei em direção a ele para que estivéssemos frente

a frente. Olhei em seus olhos enquanto inclinava o líquido fora de

minha mão, vertendo-o sobre suas mãos. Seus punhos de repente se

fecharam juntos como se estivessem atados por dois ímãs enormes,

enquanto era arrastado de volta para a sua cadeira. Girei meu pulso,

ainda sustentando a sombra como uma parte de corda e puxei com

força. Collin riu quando sua cadeira girou como um pião, com suas

mãos ainda atadas juntas em seu colo. A cadeira girou tão rápido e com

tanta força que me fez adoecer somente por vê-lo. Sorrindo, tirei minha

mão para que o violento giro se detivesse. A sombra deslizou de volta

em minha palma, apesar de que já não estava côncava. Aferrou-se a

minha pele como se ela fosse minha própria carne.

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Collin estava rindo enquanto me ajoelhava frente a ele. Sorrido,

perguntei:

— Como me saí?

Tentou elevar seu olhar para mim várias vezes, mas seus olhos

piscavam ao redor da sala como se ainda estivesse girando.

— Esteve muito bem.

— Então, que mais posso fazer? — perguntei enquanto fazia com

que a sombra se deslizasse sob o cabelo que obstruía seus olhos, e o

afastei para poder ver seu rosto.

— O que você imaginar. A única coisa que não pode fazer é

atacar a outra sombra. — sacudiu a cabeça, tentando me ver. Pude

sentir sua cabeça ainda girando através do vínculo, e me sentei

rapidamente. Ele riu.

— Então, como me ajudará se alguém me sujeitar da maneira

em que Jake fez? Quero dizer, se a sombra não pode atacar a outra

sombra, como devo me libertar?

— Atacaria a seu agressor. Se ambos estiverem incapacitados,

isso detém geralmente a briga. — inclinou-se para diante — As sombras

não podem tomar as qualidades do ar, líquidos, ou sólidos. Só estão

presas por sua imaginação.

— Sério? — perguntei com uma ideia formando-se em minha

mente antes mesmo que soubesse o que estava fazendo.

—Sim. — Collin me olhou, seu sorriso desvanecendo-se quando

entendeu o que queria tentar fazer — Ivy, não…! — pulou da cadeira,

ainda açoitado pelo enjoo e cambaleou para frente tentando me deter.

Tirei o anel, como fiz quando me materializei frente à Collin a

noite anterior. Mas em vez de me transportar para ele, quis que a

sombra o trouxesse para mim.

Antes que pudesse dizer outra palavra, a sombra cobriu seu

corpo em uma brilhante névoa escura. Puxei minha mão com suavidade

e o corpo de Collin desapareceu no ar, embora o sentisse mover-se para

mim. Abri minha palma e a bruma negra se verteu fora de minha mão

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na brilhante forma de Collin Smith. Seu corpo tremia e senti sua palma

solidificar-se em meu agarre. Parecia surpreso quando lhe sorri. Assumi

que eu estava fazendo truques de bebês Valefar, o que não coincidia

com o olhar surpreendido de seu rosto.

— O que? — perguntei sem gostar da maneira em que estava

me olhando. Tomou breves respirações fundas e me olhou com firmeza.

Liberei a sombra, ela se afastou para trás, levando consigo o frio. A mão

de Collin estava cálida em meu punho. Apertei-a com suavidade —

Collin, o que aconteceu? Pensei que o fazia bem?

Ele assentiu. — E fez, é somente que… os Valefar não podem

fazer isso. — aturdido, olhou-me, sem liberar minha mão. Respirou

novamente, apanhando meu aroma agora que as sombras

retrocederam.

— Mas, e o que acabo de fazer? Não entendo — disse sacudindo

minha cabeça. Levei minhas mãos ao peito, um tique nervoso para

conter o batimento cardíaco do meu coração, mas a mão de Collin ainda

estava na minha. Em vez de me tranquilizar, fez com que meu pulso se

disparasse às nuvens. Estremeci-me.

O que estava passando? Por que seu toque estava me afetando?

Seu aroma encheu o ar, fazendo a minha boca babar. Fechei os

olhos, tentando liberar minha mão, mas não me deixou ir. Dando um

passo mais perto, cobriu minhas mãos com as suas.

Seus olhos brilharam.

— Se você for à da Profecia, então tem poderes únicos, e

habilidades das que careço. — sorriu-me, sem romper o contato de

nossos olhares — Ivy, seus olhos estão com margens. São púrpuras. —

curvou sua cabeça, enquanto seu fôlego atravessava nossas mãos

entrelaçadas.

— Margeados? O que quer dizer? — perguntei. Não podia afastar

meu olhar. Não podia liberar sua mão. Não podia me mover. O vínculo

fazia me sentir como se estivesse grudada a ele, e as sensações fluindo

entre nós estavam aumentando. Estava muito aturdida, desfrutando

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tanto disto para me dar conta de que deveria me sentir preocupada.

Pressionou sua testa contra a minha. Sorrindo disse:

— Significa que quer algo. Muito. — olhou-me enquanto bebia a

euforia que nos rodeava — O que está ansiando, Ivy?

Assustada com suas palavras retrocedi. — Nada — menti — Não

quero nada.

Collin sorriu preguiçosamente. Seu agarre afrouxando-se à

medida que deslizava seus dedos pelo interior de meu braço. Meu corpo

respondeu a seu toque, derretendo-se uma vez que seus dedos

pressionavam a pele suave.

— Mentirosa — sussurrou — Nossos olhos se debruam quando

não podemos… — subitamente Collin pareceu despertar. Sua coluna se

endireitou e tratou de afastar-se.

Ainda aturdida e eufórica, perguntei:

— Quando não podemos o que? — meu coração estava pulsando

lentamente com fortes ruídos surdos, me fazendo sentir quente por toda

parte. O aroma de Collin encheu meus pulmões quando respirei fundo.

Uma estranha sensação deslizou em meu estômago, quando avancei

para Collin, sustentando seu rosto entre minhas mãos. Respirou

profundamente, fechando seus olhos. Sua pele abrasava com calor sob

meu toque. Quando abriu seus olhos, um anel de fogo rodeava sua íris.

Deveria ter significado algo para mim, mas me sentia flutuar.

Sua voz foi tão suave quando disse:

— Controle. Debruam-se quando não podemos nos controlar por

muito mais tempo.

Enrosquei meus dedos em seu cabelo. Meus pensamentos se

sentiam distantes suspensos pela pura felicidade. Mas, ainda podia

escutar a advertência interna de que algo estava mau. Meu corpo sentia

como se estivesse perdido em um sonho. Senti-me quente e contente,

mais feliz do que nunca havia sentido. A respiração de Collin flutuou

brandamente sobre meus lábios, fazendo que meu pulso se acelerasse.

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Uma confiança que não era minha sustentava minhas mãos sobre sua

pele, e manteve meus dedos entrelaçados em seu suave cabelo.

— Algo está mau. — a voz de Collin roçou o fundo de minha

mente.

Inclinei a cabeça a um lado, pronta para pressionar meus lábios

nos seus. A sensação de sua suave pele sobre a minha era em tudo no

que podia pensar, mas fiquei imóvel quando me dava conta que

nenhum de nós estava se movendo.

Endireitei minha cabeça, tratei de liberá-lo, mas não pude.

Sentia como se não quisesse, embora assim fosse. Havia uma razão

pela qual não podíamos estar juntos. À medida que tratava de recordar,

meus olhos se centraram em seus lábios, seus perfeitos lábios suaves.

A voz de Collin rompeu minha neblina mental. — Seus olhos

estão quase completamente púrpuros. Diga-me o que quer Ivy. Dar-te-ei

o que seja que queira. — o atrativo de suas palavras e a sedução de sua

voz me tentou ainda mais. Suas palavras me fizeram sentir sedutora.

Poderosa. Ele o sentiu também. Minha mente registrou uma

advertência, mas não pude pensar. Era tão quente e Collin estava tão

perto. Seus olhos beberam de mim de uma maneira que me sentia

sensual, como se me desejasse de cada maneira possível. Minha

respiração ficou presa em minha garganta quando nossos lábios

permaneceram perigosamente perto. Podia provar seus lábios, morreria

contente.

Algo no fundo de minha mente despertou com o pensamento.

Começou a abrir através da neblina. Meu pulso acelerou, como se meu

corpo estivesse lutando por sua vida. O pensamento ressonou profundo

dentro de mim, um instinto. As palavras saíram atropeladamente de

minha boca, sussurradas tão perto de seus lábios. — Não sou Valefar.

— as palavras penetraram a neblina. Recuperei-me rápido, me dando

conta de onde estavam meus pensamentos. Estive a ponto de lhe dar

um beijo — Não sou um Valefar! — gritei — Sou uma Martis e não

posso! Não posso! Collin, não posso!

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Gritei tentando empurrá-lo. Meu coração trovejando em meu

peito enquanto me dava conta do que estava acontecendo. Seus olhos

eram piscina carmesins. Meu coração cambaleou, quando tratei de

rebolar fora de seu agarre. — Collin, tem que me deixar ir. Não podemos

fazer isto. Você não quer isto. — consegui soltar longe meu punho, mas

ainda estava perdido na luxúria.

Seus olhos carmesins rastrearam meu corpo. Seus movimentos

eram irregulares, como se estivesse tentando se controlar, mas não o

permitisse. O vínculo era um desastre, parte Valefar, parte Martis. Já

não pude apanhar seu aroma, o que significava que o meu era mais

potente. Perguntei-me se podia chamar as sombras como uma Martis.

Tentei-o, mas não me responderam. Precisava averiguar como possuir

ambos ao mesmo tempo, mas agora não era o momento de aprender.

Focando fixamente, dava-me conta de que o vínculo não se romperia

como uma Martis. Mudei meu foco de volta ao Valefar para conter meu

aroma Martis. O calor aumentou em mim, e lutei contra a luxúria que

me chamou antes.

Os olhos de Collin me viram, mas ainda estavam debruados de

vermelho. Chamei à sombra de volta a mim, e fiz que cobrisse meu

corpo, esperando que selasse meu aroma e permitisse a Collin

recuperar a compostura. A sombra cobriu meu corpo como um lençol

de gelo. Foi repugnante, e senti como se dedos de cadáveres

acariciassem minha carne. Mas, sustentei a sombra no lugar e se selou

em minha alma.

Collin fechou seus olhos com força, e se afastou de mim.

Sustentando sua cabeça entre suas mãos, perguntou:

— O que aconteceu?

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Capitulo 25

Observava meu resplandecente corpo, sustentando meu braço

frente a meus olhos, quando respondi:

— Não sei. Estávamos falando, e então às coisas ficaram

estranhas. Está bem?

Assentiu com a cabeça, e girou para me olhar. Suas

sobrancelhas se levantaram enquanto se encolhia.

— O que é isso?

Orgulhosa de mim mesma, disse: — É um traje da Ivy. Encerra

minha substanciosa bondade assim não tratará de me comer.

Entretanto, sinto-me como se estivesse usando gente morta, por isso eu

realmente gostaria de tirar isso logo que possa ficar ali sem que tente

me comer.

Collin assentiu com a cabeça, me dando as costas. Seus olhos

ainda estavam bordados de fogo. Recostou-se contra a prateleira,

olhando para o chão.

— Temos que romper o vínculo.

— Mas já lhe disse isso. — Não podia acreditar que estava

dizendo isto. De novo. — Não fiz isto. Não posso romper o vínculo. Não o

fiz. A porta se abriu com um forte rangido. Surpreendi-me,

retrocedendo enquanto três meninos entravam. Um deles era Jake. Não

me viram. Afastei-me rapidamente, desejando poder me encolher na

sombra e desaparecer à medida que meu coração sacudia em minha

garganta, me provocando náuseas. A voz de Collin passou roçando

dentro de minha mente: — Não pode lhe ver.

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As sombras que formavam o traje de Ivy continham meu aroma,

e meu corpo estava oculto pela enorme prateleira. Não me movi.

— Nós a procuramos por toda parte, mas se foi. Foi o mesmo

que a última vez. E não há nenhum sinal da pintura. Está seguro de...?

— As palavras de Jake foram interrompidas. Olhei com os olhos

exagerados pelo terror enquanto Collin se dirigia a ele. — Estou. Sigam

procurando à garota. Não é como a última vez, absolutamente.

Continuem a busca. — Encarou-o. — Vão. — Os três se foram

rapidamente e fecharam a porta. O rugido da minha pulsação trovejava

em meus ouvidos. Encolhi-me no canto, tão longe de Collin como pude.

Collin era autoritário. Quase parecia como se estivessem fazendo

um prova litográfica.

A verdade me investiu.

— É seu líder?!

Collin não o negou. Assentiu tristemente com a cabeça.

— Vê a confusão na qual estamos? Não supôs que estivesse

envolvido com uma garota que quero manter. — Negou com sua cabeça.

— Sim — disse. — Portanto, enviou-os para me buscar?

— Tive que fazê-lo. Quando escapou de Jake, ele pensou que

havia algo a seu respeito, algo diferente. Estava certo. Simplesmente

não era o que esperava. — Seus dedos afastaram seu sedoso cabelo dos

olhos.

— O que esperava? — Cruzei os braços.

— Não sei. Só… não isto. Ivy pensei que fosse uma Martis. Não

tinha nem ideia de que era a garota da profecia. — Sua mão fez um

gesto para mim. — Então, o que faremos? — Movi-me enquanto o

olhava fixamente, me perguntando se as últimas vinte e quatro horas

tinham sido cheias de mentiras, uma trama complexa para me enganar

e roubar meu poder. Não disse nada, esfregando a cabeça com suas

mãos. Quando levantou o olhar para mim, seus olhos eram

impossivelmente azuis. Ele não aceitava o que era. Igual a mim.

Caminhando para ele, disse:

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— Algo dentro de mim está… está mau. Não encaixa. Essa

mesma peça estranha, também está dentro de você. Posso sentir. —

Não disse nada. Seus olhos seguiam meus movimentos como faz um

lobo. Comecei a caminhar outra vez, disposta a pressionar o ponto,

quando a fadiga atirou de mim. Empurrei-a para baixo, mas um bocejo

escapou de minha boca. Articulei: — Collin me ajude... — Enquanto

paralisava sobre o tapete. Esta visão foi tão ruim como a primeira. A

névoa negra formava redemoinhos, me recordando às sombras que

conjurei. Três figuras entraram em foco. Emergi da névoa e me

aproximei deles. Os três estavam em uma frenética discussão. Estavam

parados fora de um edifício de pedra. Era de noite. À medida que me via

na visão, ficava claro que só me preocupava as duas pessoas diante de

mim.

— Necessitamos das seis — disse uma voz familiar. — É um

suicídio tentar manter o círculo com menos de seis. Ainda assim,

alguém tem que selar o portal.

A outra figura magra assentiu com a cabeça.

— Tem razão. Têm que haver seis.

Na visão, eu estava coberta de suor, a pesar do ar frio. Havia um

corte em minha bochecha, e passeava no lugar. Meu cabelo estava

recolhido fortemente em um rabo-de-cavalo frisado, e luzia como se

estivesse rodando na terra. Nervosamente, lancei olhadas aos meus dois

assessores. Julia e Eric.

Vi como minha versão na visão perguntava: — O que acontece

nós não faremos nada?

— Então eles vêm — disse Eric, enquanto o vento soprava mais

forte. Estavam de pé no centro de uma tormenta que ainda não se

formou. A pressão era incômoda. Mantinha mudando, fazendo que

minha cabeça doesse.

— E o terror começa — Julia levantou a voz—, e não haverá

forma de detê-lo.

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— E se tratarmos sem os seis? — perguntei. Julia gritou sobre o

uivo do vento.

— Não importa de todos os modos. Necessitamos das seis para

manter o círculo, mas não há maneira de selar o portal. Não temos o

que precisamos.

Suas palavras turvavam minha resolução. Ver o medo cintilar

nos olhos de uma mulher totalmente segura fazia com que revolvesse o

estômago. O vento açoitava através do clarão. Quase podia ver onde

estávamos, mas não podia distingui-lo.

Al disse que enquanto maturava poderia forçar às visões a

revelar a informação que queria, mas agora mesmo, a visão não estava

cooperando. Não sabia se estávamos ao ar livre durante uma malvada

tormenta, onde estávamos, ou porque as coisas estavam tão

desesperadas. Tratei de me concentrar na área imprecisa atrás de onde

estava de pé, em busca de uma paisagem, edifícios, ou algo assim. Mas

não havia nada ali. A falta de definição não se levantava. O mais

importante que notei foi que quanto mais tempo estava na visão, mais

pânico absorvia da gente que me rodeava. De repente, fui arrancada da

visão, enquanto o frio se deslizava sobre minha pele. Sentei-me toda

suada. Aspirei ar, surpreendida.

— Que demônios? Collin ficou de pé sobre mim com uma

enorme taça vazia em sua mão. Ajoelhando-se junto a mim, disse-me:

— Não podia despertar. Tentei. — Sua respiração estava

entrecortada. O cabelo castanho preso a seu pálido rosto. — O que

aconteceu? O que foi isso?

Puxei minha camisa molhada e o olhei. — Sou uma Seyer,

Collin! Tirou-me de uma visão. — Pus-me de pé, e bati meu punho na

parede, lutando contra a urgência de me descontrolar. — Precisava ver

o final! Agora só vi um mundo de merda ser arrojado sobre mim, sem o

final.

— Não teria despertado você. Parecia que a morte a reclamava

de novo. Sinto muito.

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De novo? O que significava isso? Neguei com a cabeça,

empapada totalmente, toda a luta drenada de mim quando vi o terror

em seu rosto.

— Está bem. Não sabia. Parece que não posso ver o futuro sem

me deprimir. — Meus dedos afastaram freneticamente meu cabelo de

meu rosto. Sentei-me no chão duro. Collin se sentou junto a mim. — O

que viu?

Contei. Mas seguia sem saber o que vinha. Ou como detê-lo.

— Seis é o número do dia do julgamento final. O portal foi

aberto. Né? — A expressão do Collin era estranha.

— Continua — insisti. — Do que está falando?

— Se está fazendo algo realmente grande, necessita seis pessoas

para formar um círculo. Todos sempre pensaram que você, a garota da

profecia, governaria o Infra Mundo de baixo, não o de cima. Talvez os

chamassem para que subissem? — Seus olhos estavam muito abertos,

me olhando.

— Collin, não os fiz subir. — Neguei com minha cabeça. — Bom,

não sei quem os fez subir. Só sei que algo estava acontecendo. O que te

faz pensar que o Infra Mundo os fizeram subir aqui?

Encolheu-se de ombros: — É parte da profecia. Provavelmente

não uma parte que tenha ouvido. Quando a marca morada chega ao

poder, mata-me, e alta em armas aos Valefar. Ao parecer, isso é literal.

Você os fazer subir aqui. — Seu olhar incerto estava prolongando-se

sobre mim, e a expressão de seu rosto me disse que não confiava em

mim totalmente. Não me olhe assim! Não vou te matar. Maldita seja!

Por que acontece isto?

Sustentei minha cabeça em minhas mãos. O pânico se

entrelaçou ajustadamente através de meus músculos, aterrissando em

meu estômago. Queria sair correndo e deixar este pesadelo para trás,

mas não podia. Estava presa. Respirando profundamente, tratei de me

controlar. Não podia perder o controle.

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Traguei saliva, fazendo uma pergunta que não queria que me

respondessem: — O que fiz Collin? Tive que fazê-lo, verdade? Seu olhar

azul sustentou a minha. — A profecia diz que fará isso não quer dizer

que queira fazê-lo.

Suas palavras ficaram flutuando no ar.

— Maldita seja. — Não havia mais nada a dizer.

As ideias de Collin sobre o destino não encaixavam com as de Al.

Se não importava o que eu fizesse então, a profecia simplesmente se

tornaria realidade. Entretanto, ela disse que as visões mostravam

caminhos, por isso deveria ser capaz de mudá-la ao escolher outro

caminho. Só tinha que saber como e quando. Al tinha mais detalhe que

não me disse. Se me desse à informação, poderia fazer fracassar meu

futuro. Tinha que tentar.

Levantei-me de um salto.

— Levante Collin. Tenho que ir falar com uma monja.

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Capitulo 26

Empurrei Collin a centímetros de sua saúde mental para romper

o vínculo. Logo que senti afrouxar a união, lancei meu corpo através de

seu controle. A dor me atravessou. Sentia como se um enorme pedaço

de um osso tivesse sido arrancado de minha pele. Gritei.

Romper o vínculo me deixou sem fôlego, e contorci de dor. Sabia

que tinha que ficar de pé e correr antes que o instinto animal de Collin

de matar a algo que o machucasse, despertasse. Corri antes que viesse

por mim. Mas não era estúpida o suficientemente para acreditar que

estava a salvo. Meus pés golpeavam o chão. Meus pulmões aspiravam o

ar, doloridos. Não parei. Concentrei-me na fantasia e vi o edifício da

igreja em minha mente, sua fachada de tijolo lúgubre, e as árvores

desvanecendo-se a distancia atrás desta. Imaginava do outro lado da

rua. Sentia meu sangue ferver enquanto o calor se apoderava de mim. A

Efanotação é uma merda. Meu corpo sentia como se estivesse em

chamas e desaparecendo no ar. Não tinha ideia de quão longe estava da

igreja, mas me sentia que longe. O ardor não me deteria. Queria gritar,

mas não tinha fôlego para fazê-lo. O fogo lambia meu estômago,

acendendo minhas vísceras. Quando desejei morrer, a névoa me deixou

de joelhos diante da igreja.

Aferrei-me a grama, tossindo enquanto meu corpo protestava

por lançá-lo através do espaço e queimá-lo. Lutei contra a tentação de

tombar no chão frio, e empurrei a mesma.

Meus pensamentos se aceleraram. Tinha que chegar a Al.

Precisava saber o que estava acontecendo. A dor de minha espinha

gritou, e apunhalou minhas costelas quando me movi. Já estava quase

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lá, mas o transporte de meu corpo tinha me debilitado. Entretanto,

estava a salvo. Tinha chegado à igreja, um de meus lugares seguros.

Uma quebra de onda de alívio me alagou. Mas isso terminou

quando um grito atrás de mim se ecoou perfurando meus ouvidos.

Girando sobre meus pés, vi Eric tirar uma espada de prata do peito de

um homem com uma cicatriz vermelha por cima de sua sobrancelha

direita. A espada brilhou na luz, cortando através de sua garganta. A

noite era tranquila de novo. O chão a seu redor brilhava escarlate.

Com minha mão, tampei a boca, enquanto caía à grama. O

sangue do homem e todo seu corpo, uma baba negra e espessa. Parecia

como alcatrão misturado com melaço. Afundou e foi reclamado pela

terra. Meu corpo reagiu sem meu consentimento. Lancei-me sobre a

grama. Eric me agarrou pelas axilas, arrastou-me para a igreja. Ele

falava, mas não podia ouvir. Não registrava nada. Não sei por que me

surpreendi, mas no momento estar perto de Eric era muito pior do que

podia imaginar. Dobrou o meu pouco cooperativo corpo para que

passasse pela porta e me sentou no banco mais próximo. — Ivy! — Sua

voz atravessou minha neblina. — O que aconteceu? Onde estava?

Sentei-me ali em silêncio, secando minha boca. A morte de Valefar

dançava ante meus olhos. De repente, me dei conta de que também era

meu destino.

Não, espera. Meu destino era pior. Senti-me empalidecer. Sentia

a cabeça girar, enquanto balançava com olhos cegos. A cálida mão de

Eric estava em meu pescoço antes de cair. Forçou minha cabeça entre

os joelhos. O calor inundou meu crânio. O batimento do coração, de

meu coração retumbou em meus ouvidos.

Sua voz suave disse: — Respira. Só respira.

Sua mão se manteve firme em minhas costas, esperando que eu

empurrasse.

— Ivy, o que aconteceu contigo? — Eric ficou frente a mim e se

sentou sobre seus joelhos. — Jurei que te protegeria, e o farei. Conte-

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me o que aconteceu. Meu comprido cabelo caiu para diante, ocultando

meu rosto. Minha garganta doía.

— Tenho que te dizer algo. Não é bom. — Meu coração pulsava

forte. Lutei para controlar minha voz. — Confia em mim, Eric?

Ele retrocedeu.

— É obvio. Acabo de arriscar minha vida por você. Faria de novo.

Sua mão estava em meu antebraço. Deu-me um suave e

tranquilizador abraço.

— Diz seriamente? Não é só porque sou uma Martis? —

perguntei. Parecia ofendido.

— É obvio que não. Ivy sou seu amigo. Era seu amigo antes que

fosse azul.

— Às vezes as pessoas não podem ser amigos. Às vezes estão

apenas no lado errado da linha. Às vezes não podem evitá-lo. — Traguei

esperando que ele visse para onde estava indo. — Às vezes o azul é só

uma cor.

Olhou-me como se tivesse golpeado a cabeça muitas vezes.

— Do que está falando?

— Já não posso mais mentir para você — suspirei. Meu coração

se acelerou e estiquei meus músculos. Sentia-me doente.

— Mentir… — perguntou. — Os Martis não podem...

Trementes dedos tiraram as pontas largas de prata de meu

cabelo. Sentei-me no banco com o pente de prender cabelo em meu

colo. Meus cachos se afastaram de meu rosto. Minha franja pendurava

em cachos apertados, molhados, deixando descoberto a minha marca

púrpura.

Apoderou-se levemente de sua espada, enquanto sua mandíbula

se abria em choque. Separou-se de mim, consternado. Respirava

lentamente.

— Sei que está procurando por mim. Tratei de lhe dizer isso

antes, mas... — Meu pulso acelerou. Pude provar o sal em minha pele

ao passar a língua por meus lábios secos.

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Seu olhar era amplo, enquanto olhava incrédulo a minha marca.

— Não pode ser...

— É. — Engoli em seco. — Eu não pedi isto. Não o quero.

Aconteceu. Nem sequer sei por que. A única coisa que sei é o que o vi

em minhas visões. — Tentei estender minha mão, mas se afastou.

Levantei-me, lhe dando mais espaço. — Preciso de você. Nada disto

impede que me ajude. Matar-me não muda as coisas. Os demônios

ainda virão.

Logo. Eu o vi.

Pus o pente de prender cabelo no bolso de meus jeans. Já não

ocultaria quem era, nem lutaria contra ele. O rosto de Eric estava

branco. Seus dedos se moveram no punho de sua espada. A ira

queimou suas palavras.

— Segui o demônio púrpuro, da profecia, durante quase dois

milênios. Supõe-se que ela deve converter-se em governante do Infra

Mundo. Como...? — Esticou seus músculos. — Como pode ser você?

A traição queimou atrás de seus olhos. Encolhi de ombros.

— Não sei. Shannon acredita que ingeri sangue de demônio a

noite que fui atacada, mas não recordo. Não fiz de propósito, e não

posso mudar o que já aconteceu. Eric, as visões que tive...

— Coincidem com as de Al? — Franziu o cenho. Assenti.

— Era a mesma visão. Os demônios virão até aqui. A única

maneira de detê-los é com você. — Respirou profundamente. Seus olhos

passaram de meu rosto e logo para minha marca. Sua mão se posou

sobre sua espada. — Com supõe que vai me atacar?

Era uma pergunta mórbida, mas queria saber o que estava

pensando. O silêncio estava me matando. Estava cansada de escutar

meu coração trovejando em meus ouvidos, esperando a morte. Al estava

certo. Devia controlar o que pudesse. Planejava me matar, eu tinha que

saber. Seu olhar se enquadrou.

— Sabia que estava te caçando? Todo este tempo?

Assenti com a cabeça dando um passo para ele.

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— Sim. Assustei-me por uma boa razão. Sei que é o Caçador, o

Polomotis Regente. Sei que estava trabalhando com a Julia e Al para

tratar de me encontrar. Sei o que deve fazer quando me encontrar,

também. Ouvi-o com a Julia. Ouvi você.

Ele negou com a cabeça e me olhou. Sua testa estava franzida

com força.

— Como pode ser você? A profecia… se supunha que se tratava

de uma pessoa inerentemente má. Supõe-se que é um demônio.

— Sim, não sou. — Esfreguei os braços, tratando de me acalmar,

tragando saliva.

— Posso ver isso. Mas ainda assim. Pode mentir. Mentiu todo

este tempo. No que posso acreditar?

E isso foi tudo, o momento que tinha estava temendo. O aspecto

da traição infundida em todo seu rosto com nojo. Mas o pior eram seus

olhos, seus olhos de cor âmbar estavam feridos, decepcionados e

desgostosos. Traguei o nó na garganta. Não tinha nada a dizer. Não

havia absolutamente nenhuma razão para que acreditasse. Nenhuma

absolutamente. Menti para ele, todo este tempo sobre tudo.

Envergonhada, não pude continuar olhando-o e me afastei.

Foi então quando Al falou das sombras: — Porque disse que

pode.

Sua voz ressonou por toda a sala. Eric deu a volta para vê-la.

Sua boca aberta pela surpresa.

— Irmã, você sabia? — Um estranho sorriso cruzou seus lábios.

— É obvio moço. Sou uma Seyer. Soube o que era assim que a trouxe

aqui. Graças a Deus que já lhe disse isso. Agora não o prejudique

assassinando-a. — Sua candura era impressionante. Tinha medo, não o

podia ouvir. Continuou: — Se fizer, a profecia ocorrerá de todos os

modos. O que está feito não pode mudar. Ela é o catalisador, mas

também é a chave.

— Mas ela é o inimigo! — Seu rosto estava transtornado pela

raiva, enquanto seu dedo voava para me apontar. — Ela é a força que

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viola o mundo do bem e marca o começo de uma era demoníaca. A

humanidade será escravizada. Vamos perder. Irmã, não posso... As

palavras de Eric saíram cortadas. Sua velha voz gritou: — Pensa

menino! Não deixe que as leis nublem seu cérebro. Se as coisas já estão

soltas, então, o que ocorrerá se matares ao porteiro? Seus lábios eram

uma linha reta, enquanto apertava a mandíbula. Olhava-me com um

ódio ardente. Queria morrer. Vê-lo me olhar dessa maneira, era mais

horrível do que tinha imaginado.

Tomou toda minhas forças, ficar e ser julgada sem piedade por

alguém que tinha sido meu amigo, mas que agora era claramente meu

inimigo. Seu olhar âmbar me atravessou, mas não afastei o olhar. Sua

voz era rouca.

— Não poderemos fechar a porta. — As palavras saíram à contra

gosto. Al disse: — Isso é correto. Agora bem, se quer ser um idiota e

tornar a profecia em realidade, mate nós duas. Deseja pôr fim, nos

deixe viver.

Por fim falei: — Al, não pode...

Seu velho latido cortou o resto de minhas palavras, enquanto

voltava para mim: — Eu também posso. Disse que te protegeria, e tenho

que fazer, do contrário tudo o que trabalhei para evitar que acontecesse,

acontecerá. Acontece Eric. — Virou seu gasto corpo, lhe dando as

costas, sacudindo a cabeça. — Não posso deixar que aconteça, sem

importar o custo. Para matar a Ivy, terá que passar sobre mim primeiro.

Os olhos de Eric estavam muito abertos, olhando à irmã Al. Sua mão

agarrou o punho com tanta força que seus dedos ficaram brancos.

Durante um longo momento, Eric não disse nada. Logo

pressionou sua espada contra sua marca. E esta se converteu na cruz

que tinha visto pendurado em seu pescoço no restaurante.

A contra gosto, disse: — Irmã, respeito sua visão e o que me

pede. Ivy vem comigo.

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Agarrei o pente de prender cabelo lentamente, desabotoando-o

de meu cabelo. Meus cachos caíram para frente. Sentei-me no sofá de

Eric. Tinha a fria prata em minha mão.

Arrastou-me por toda a cidade, sem me dizer aonde íamos nem

por que. Seu olhar posou em minha marca. Sabia que não confiava em

mim.

— Tocou sua marca — pressionei a filigrana de prata contra

minha marca, e logo a baixei. O olhar de Eric deslocou à prata. Ele

havia me dito que a prata celestial se fundia como uma arma que se

adaptava a seu dono.

Não estava segura de qual seria o meu, já que tinha uma alma

destroçada e era em parte Valefar. Mas o que ele pensava que ia

acontecer, deve ter valido a pena o risco de me tirar da igreja.

Vimos como a intrincada hera do pente se fazia maior. Cresceu

para baixo e encaixou na prata. As puas aumentaram de tamanho. O

padrão da hera mudou para parecer que foi gravado na prata. Os

dentes se voltaram afiadíssimos enquanto cresciam. Curvaram-se como

a folha de uma colhedora. A mariposa se fundiu em um punho envolto

em couro de cor púrpura. Era como um tridente afiado grande.

Deixei escapar uma risada histérica. Os olhos de Eric se

estreitaram, enquanto contemplava o pente de prender cabelo

transformar-se em um pente de prender cabelo muito grande.

Sentia-me mal. — Pensei que se converteria em algo útil. Isto é

só um pente de prender cabelo maior.

— Não questione a forma de sua arma — arreganhou. — Te

escolheu. E escolheu essa forma por alguma razão. Necessitara dele

para sobreviver. Caminhava pelo apartamento como se estivesse

sentado junto a um demônio.

— Eric… - comecei. Mas me deteve.

— Não falaremos disso, Ivy. Al disse que precisava saber sobre

isto, ou perderíamos. Acreditei. Ela não pode mentir. Assim que lhe

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ensinarei isso. Isso é tudo. — Cruzou os braços e me olhou com frieza.

— Está por sua conta a partir disto.

— Como é. — Zanguei-me de novo no sofá.

Eric se moveu pela sala como se estivesse procurando algo. Mas,

se o fazia não me disse. Seus dedos finalmente roçaram a parede, e

atirou de um painel de madeira para frente. Parecia o resto da parede,

mas estava vazia. Quando o painel abriu, um livro levantado no espaço

deslizou em sua mão.

Aproximou-se, com o livro aberto, e o pôs em minhas mãos.

— Isto é o que faz. Ele me odiava.

Tirei a velha coisa de suas mãos e o olhei. O livro era tão velho

que a coluna vertebral apenas sustentava as páginas intactas. Era um

livro escrito à mão, mais velho que qualquer outro livro que tivesse visto

antes.

— O que é isto? — perguntei.

Olhou-me com olhos estreitos antes de responder:

— Só olha. Suspirei, meus olhos revisaram a página, sem saber

o que procurava. Havia palavras que não podia ler, em letras que eram

estranhas para mim. Desenhos alinhados na borda das páginas, que

não ajudavam em nada a melhorar o conteúdo. Não, eram mais como

desenhos técnicos. A gente era um círculo, o outro era um edifício sem

janelas que estava rodeado de lápides. O desenho fez com que meu

estômago sacudisse, mostrava capas sobre capas, com um demônio

debaixo de todas. Algo dentro de mim reagiu ante as imagens, sabendo

que eu poderia as fazer mover, mas sem saber como. Virei à página e

reconheci o desenho antes que Eric arrancasse o livro de minhas mãos.

Era o pingente em meu colar, o colar de Apryl. Mas não podia ler as

palavras escritas ao redor. Por que isso estava nesse livro? Não tive

tempo para refletir sobre o que tinha visto.

Eric gritou:

— Vê? Isto acontece graças a você. Séculos de notas, estudando

como te impedir de fazer isto, para nada!

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Mordeu os lábios e lançou o livro sobre a mesa diante de mim.

Aterrissou com um golpe surdo que me estremeceu.

Estreitei o olhar, observando-o, odiando à pessoa que via. Ele

era o guerreiro desumano. Do que Shannon me advertiu. O fato de que

Eric podia atuar desta maneira me incomodou. Fez com que tudo o que

compartilhamos deixasse de ter sentido. Inclusive se eu fosse à pessoa

que mesclou nossa relação com mentiras, fiz porque tinha que fazê-lo.

Ele não tinha nenhuma necessidade de fazê-lo. Não tinha por que me

odiar tanto. Gozo disso, enquanto as palavras se deslizavam fora de

minha boca.

— Sabia que estava cheio de merda.

— Eu? — Soava incrédulo. Suas mãos voaram a seu peito,

enquanto seus dedos pressionavam para baixo. — Acha que eu sou o

problema aqui?

— Maldição, certo. — Assenti com a cabeça e me levantei de um

salto, caminhando para ele. Afastou-se, evitando o contato. A ira se

apoderou de mim. — Vê isso? Que demônios foi isso? Estávamos

acostumados a treinar, lutar, e ser normais, mas não agora. Não, agora

que sabe o que sou. A raiva tingiu seu rosto de vermelho, enquanto

lutava por controlar a si mesmo.

— Você não me disse o que era! Eu nunca hei...

Interrompi-o: — Sim, sei. Nunca teria feito nada disto se

soubesse. Maldito seja Eric. Não sou má! — A luta estava em minha voz

enquanto o olhava. Não podia aceitar o veneno em sua voz e a dor em

seus olhos.

— Eu não escolhi isto. Não sei nem por que aconteceu —

sussurrei. — Por que não posso ser simplesmente Ivy?

Negou com a cabeça.

— Porque nunca será só Ivy. Sempre será a condenação de todos

nós, quem destrói tudo de bom. Tudo o que posso proteger. Tudo o que

trabalhei por manter a salvo. — Separou-se de mim, passando seus

dedos pelo cabelo. — Eu não posso perdoar isso.

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Sua condenação me incomodou.

— Mas eu não fiz nada! Juro por Deus! Não quero os demônios

aqui. Não quero nada disto!

Encolheu de ombros.

— Não importa. Isso é certo.

Olhei-o encolhendo os ombros, como se não lhe importasse.

Como se nada disto importasse. Ele já me considerava uma causa

perdida.

A cólera fervia em minha mente, e fez com que meu corpo se

esticasse.

— Que montão de merda! — estremeci. — Deixa de ser todo

piedoso. Está cheio de merda! Age como se se importasse que isto

acontecesse, então não renunciaria por mim. Minhas sobrancelhas

beliscavam de tão apertadas, sentia meus músculos crispar-se

preparados para brigar. Cruzou os braços sobre seu peito.

— Não renunciei a você. Não é assim. Tem sangue de demônio. É

um deles. Não há salvação para você.

Indignada dei à volta. O que podia dizer a isso? Para ele não

existiam os meios termos, apesar de que estava entupido em um. —

Vou te ensinar a usar sua arma. Esperei muito tempo, caso fosse

normal. A prata pode fazer um Martis sangrar se nos golpear, mas não

nos mata.

Mostrou-me como usar o pente de prender cabelo. Basicamente

se tratava de uma faca de múltiplas folhas. Disse-me que o dente curvo,

ajudaria a manter a carne aberta. Falou-me com um tom frio e com

olhar sério.

Quando já não pude aguentar mais, voltei-me para ele e lancei

meus braços para cima.

— Eu tinha razão.

Endireitou-se, obviamente, preparado para brigar comigo outra

vez. — Não. Não tinha. As coisas mudaram. — Sua espada estava em

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sua mão sem apertá-la. Era a única pista de que ainda poderia confiar

em mim, um pouco.

— Não deveria importar! Disse-lhe isso. Sabia que voltaria

contra mim! Jurou que não faria. E aqui estamos.

Seus olhos cor âmbar eram intensos. Caminhou lentamente

para mim. Sua mandíbula apertada, bloqueada, e as veias em sua

têmpora palpitavam. — Somos inimigos, Ivy. Assim são as coisas. Não

posso te proteger. Minha promessa anterior é nula. Não importa que o

queira.

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Capitulo 27

Levantei o olhar para ele, rangendo os dentes.

— O que quer? Porque parece que quer me ver morta, mas não

pode manter seu punho o suficientemente fechado para fazê-lo. —Tomei

uma baforada de ar e minha irritação se desvaneceu. Observei-o, não

queria brigar, e desejei poder desfazer tudo. Se pudesse voltar à noite

que Jake me atacou e Eric me salvou… OH, Deus. Prefiro morrer antes

de passar por isso de novo. A tristeza cobriu meu rosto. Não tratei de

esconder-lhe, minha voz foi suave:

— Eu não queria isto.

Seu rosto se suavizou pela primeira vez desde que tinha lhe

contado meu segredo. Sua boca se abriu, mas nunca cheguei a escutar

o que ia dizer. As janelas de cristal se fizeram pedacinhos, derramando-

se na sala como um tapete de cristal. Gritei enquanto tudo parecia

reproduzir-se em câmara lenta. O corpo de Jake passou através dos

fragmentos voadores. Saltei para trás e Jake se equilibrou sobre mim

rapidamente. O sangue correu por minha bochecha e me venceu sem

esforço enquanto meu corpo se esticava. Toquei a marca com o pente de

prender cabelo, ampliando seus dentes.

— Dê-me isso e não morrerá esta noite — Jake respirou com

força. Eric lhe respondeu com sua espada.

Mais quatro Valefar se pulverizaram dentro da sala

encurralando Eric. Jake focou sua atenção em mim. Um sorriso sádico

estendeu por seu rosto. Corri para o outro lado da sala em direção à

porta. Meu corpo se equilibrou sobre o botão. Voltei para a sala

rapidamente. Jake saltou para trás. Empurrei a porta aberta, golpeando

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com a prata o que estava frente a mim. Minhas lâminas atravessaram

mais dois Valefar. Eles desabaram sobre o tapete. Feri-os o suficiente

para diminuir sua velocidade, mas não lhes dei o golpe mortal. Não

podia. Lancei-me para o corredor com Jake justo detrás de mim. Podia

escutar a voz de Eric pelo corredor, mas não podia entender as

palavras. Retrocedi no corredor mantendo as lâminas curvadas frente a

mim.

A cara de Jake estava contorcida, enquanto grunhia: — Ivy,

cadela! Tem alguma ideia do que está me custando?

— Te custar? Está louco? Custar-te? — gritei com o ódio

vomitando de mim. De repente não me importava se morria ou vivia, o

impulso de matar Jake era muito forte. Não podia controlá-lo. Corri

para ele. Os dentes afiados cortaram através do ar. Queria sentir a

mordida de minhas lâminas através de sua carne, para experimentar a

sensação de seu corpo rasgando-se. O sentimento me consumia. E o

permiti.

Jake parou e depois retirou seu ataque antes que pudesse

cravá-lo à parede. Retrocedeu no corredor, fazendo girar as cadeias de

enxofre frente a mim. Isto o manteve fora do alcance de minhas

lâminas. Saltou um lance das escadas e levantou o olhar para mim. Ele

acreditava que não ia seguir. Equivocara-se.

À medida que levantava meus pés da terra um corpo se chocou

com o meu e caí no chão. Voltei-me grunhindo. Minha mão esfaqueou a

criatura que me derrubou. A prata atravessou sua carne. A fúria me

cegou até que foi muito tarde. As lâminas curvas rasgaram o peito de

Eric. Caiu para trás e a cor escarlate brotou da pele cortada. Agarrando

o peito, arrastou-me para longe da escada, movendo-se rigidamente.

— Há mais deles ali em baixo — disse Eric. — Ele era sua isca.

— Entrou em seu apartamento e agarrou o mostrador. Olhei-o

fixamente e todo esse lixo de que ele não me protegeria. Não pensei que

ia tratar de me salvar de novo. E eu o tinha cortado!

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— Eric, eu… eu pensei que era um deles. — Tratei de ajudá-lo,

mas ele levantou a mão renunciando a minha ajuda imediatamente.

Fiquei atrás. Shannon se movia rapidamente através da sala.

— Shannon? — perguntei, aturdida. Quando ela chegou aqui?

Não podia tirar meus olhos de Eric. Moveu-se a meu redor metendo-se

nos escombros em busca de algo.

— Al me contou o que aconteceu. Escuta, temos que sair daqui.

Agora. Haverá mais a caminho.

Minha atenção caiu sobre vários emplastros de substância

pegajosa de cor negra que estavam lubrificadas no tapete. Meu

estômago se retorceu. Shannon empurrou suas mãos através de uma

pilha de escombros e tirou o livro de Eric. Ela me arrastou para a porta

e Eric nos seguiu. Podia ouvir o movimento abaixo, mas o único Valefar

que ficou vivo era Jake. Não era tão estúpido para vir atrás de mim com

dois Martis ao meu lado.

Subimos as escadas de incêndio para o teto. Shannon abriu a

porta com um chute. O nítido ar da noite me golpeou no rosto. O vento

mordeu minha pele sulcada de lágrimas. Não recordava ter chorado,

mas meu rosto estava molhado. Corremos até o terraço do edifício. O

medo me sustentava tão violentamente que queria usar meu anel e

voltar para a névoa. Mas não podia deixá-los para trás, não podia evadir

Jake e o resto dos Valefar. Então me ocorreu que ele poderia estar

fazendo o mesmo. Eu fui à única Martis que se deu conta do que eles

podiam fazer. Shannon nos guiou para os outros edifícios. Eles se

conectavam aos apartamentos. Fomos para o final do bloco. Ela baixou

a escada de incêndios e seus olhos se moveram pela área.

— Mantenham-se em movimento. — A voz de Eric veio atrás de

mim. Sua mão apertou minhas costas e me fez avançar para frente.

Decidi ficar com eles. Tinha que fazê-lo, Eric me salvou. De novo.

Maldição! O vento cortava chamas em meu rosto.

Saímos em frente de uma igreja às escuras. Shannon abriu a

porta. Detivemo-nos até de chegarmos a uma cozinha na parte posterior

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do edifício. Shannon ignorou as feridas de Eric e ele abriu umas gavetas

até que encontrou um pano de cozinha. Sustentou-o em uma torneira e

depois o pressionou debaixo de sua camisa.

— Diga-me algo. — Elevei a vista para ele. — Não sabia que era

você. Eu não teria que…

Eric não disse nada. Tirou o pano e atirou a camisa manchada

na enorme lata de lixo. Fiquei olhando o peito liso. Havia tênues linhas

vermelhas onde os dentes cortaram sua pele.

— Estou bem. — Sua mandíbula estava fechada e seus

músculos estavam tensos. Logo que respirava, tratei de tocá-lo com os

dedos estendidos. Passei a ponta de meu dedo sobre um vergão

vermelho. Fechou os olhos com o toque. Eric permaneceu imóvel.

Gaguejei:

— Como? Como se curou tão rápido? — Olhei-o sem pestanejar,

sem poder acreditar o que via ou sentia.

Seu rosto recuperou sua dureza. Seus dedos se envolveram ao

redor de minhas bochechas, e gentilmente removeu minhas mãos.

— A prata celestial não pode nos matar. Tudo se cura. Imobiliza

mas não é mortal.

Olhei-o fixamente. Não me movi.

— Não sabia que era você. — Queria que ele acreditasse.

— Já disse.

Tomei uma respiração profunda.

— Sinto e… obrigado. — Ele assentiu. Merda. Não havia maneira

de ajeitar as coisas entre nós. Shannon se moveu para a porta. Estava

disposta a nos empurrar para fora.

Então perguntei:

— Aonde vamos? Pensei que eles não podiam entrar na igreja.

Por que vamos?

— Retiraram-se — respondeu Shannon. — Vão manter a igreja

sob vigilância, sempre e quando não nos virem sair. O sangue de Eric

os fará pensar que nos alojamos no edifício. E não podem vir nos

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buscar. Isso nos dará uma vantagem. — Ela sabia que os Valefar

podiam cheirar seu sangue. Sabia que ela tinha razão, que a camisa

manchada de sangue cheirava como um bife para eles.

— A menos que se separassem. Assim nos moveremos. — Eric

pôs sua mão em minhas costas, me pressionando a sair pela porta, e

entrar na noite.

Segui Shannon às cegas através de um labirinto de ruas

enquanto corríamos para longe do edifício. Eric estava me seguindo.

Corríamos com grande esforço e sempre nos escondíamos quando

escutávamos algo. Meus pulmões queimavam, o frio da noite me gelava.

Enquanto cruzávamos o bosque, senti-o. Veio com rapidez. Levantei

minha mão e tentei chamá-los, mas a visão me envolveu e senti meu

corpo golpear o chão.

A visão começou. A seda negra fluía em meu corpo, caindo em

cascata de um vestido de festa. A saia era mais larga que qualquer coisa

que tivesse usado, entretanto, era ligeira. O sutiã estava cheio de

diminutos diamantes que brilhavam na penumbra. O tecido sedoso da

saia fluiu brandamente pelo ar enquanto meu corpo etéreo se movia

pela sala. Sentia-me ligeira enquanto flutuava cruzando a sala para

uma cadeira. Com os pés em cima do ar e nunca me permitindo tocar o

chão.

A sala estava vazia no princípio, depois começou a encher. Eram

coisas, e pensei que eram bonitas, mas nunca tive nenhuma ambição

de possuir coisas. Eram finos tapetes de ouro com detalhes intrincados.

Os vasos se formaram na escuridão, e o doce aroma de lírios encheu

meus sentidos. Inalei fundo e me deixei cair em uma cadeira esculpida.

Minhas costas estavam apoiadas em almofadas de seda. Degraus de

marfim fluíam frente a mim. Caíam em uma cascata longínqua e

deslizavam na sala. O pálido mármore se encontrou com os brilhos

negros e dourados. Era um salão de trono.

O pensamento me sacudiu. Fiquei olhando ao redor da sala de

novo. Estava cheia de mais riquezas. As pilhas de ouro e prata

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emergiram da sombra, as gemas brilhavam com cores vivas sobre as

pilhas de riqueza. Meus pés pareciam como chumbo, meu coração

estava frio e intumescido. Estava sozinha. Desci do soalho até o chão

cristalino. Meus pés não o tocaram. O vento levava minhas pegadas

cruzando a sala. Uma janela apareceu frente a mim. Apoiei minhas

mãos no frio batente e olhei para fora. Esperando ver pastos verdes,

retrocedi. Minhas mãos cobriram minha boca enquanto tragava um

grito. A escuridão rodeava a terra, quase não havia rastro de luz.

Retorcidas formas escuras avançavam nas sombras. Os demônios

estavam escravizados abaixo e as chamas chamuscavam sua pele. Eu

estava no Infra Mundo.

Escarpados irregulares se levantavam e caíam, fazendo com que

a terra parecesse igual e implacável. Mas o horror mais grave estava sob

minha janela. Três formas desfiguradas estavam trespassadas em

estacas, tinham morrido tempo atrás. Os demônios depositavam os

presentes a seus pés. Incapaz de ver o que meus olhos me mostravam,

afastei a vista. As lágrimas queriam cair por minhas bochechas, mas

não chorei. Não ia tremer nem chorar. O atordoamento logo superou o

medo. Tinha que ver as três estacas de novo, para estar segura. O

primeiro tinha os restos de um homem, os farrapos de roupa se

agarravam a seus ossos e uma espada de prata perfurava o chão a seus

pés. Meu peito se sacudiu enquanto reconhecia o intrincado desenho do

punho. Essa era a espada de Eric.

Horrorizada, meus olhos viram o segundo corpo, uma mulher.

Emplastros de seu comprido cabelo castanho ouro ainda penduravam

de sua cabeça. Uma adaga chapeada, justo como a que Shannon tinha,

estava metida em seu peito. A terceira figura era um homem. Procurei

pela prata algo que me desse uma pista sobre quem era a terceira

pessoa, mas não encontrei nada. Finalmente meus olhos se posaram

em seus dedos fechados. Algo pendurava em seu punho ossudo.

Olhei para baixo, muito aturdida para chorar e muito agitada

para me mover. Instintivamente, minha mão tocou meu dedo anelar,

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mas o anel tinha desaparecido. Onde estava o anel de Collin? Não podia

imaginar tirar isso instintivamente, minha mão alcançou a janela.

Queria o que havia na mão do esqueleto, tinha que vê-lo. Uma sensação

coçou minha palma e o ar escuro formou redemoinhos nesse lugar.

Estendi meu braço e o vento tocou minha mão. A corrente se

transformou em um corvo e suas plumas surgiram da escuridão,

brilhando de uma cor púrpura escura. O corvo voou para o esqueleto e

seu bico atravessou a mão ossuda antes que retornasse voando para

mim. A criatura aterrissou diante de mim no batente e deixou cair seu

tesouro com um grasnido. Voou na escuridão e foi absorvido pela noite.

Meus dedos se envolveram ao redor do metal, levantando-o para a luz.

Não respirei. Nem sequer pisquei. Meus dedos roçaram toda a pedra

quadrada de cor vermelha sangue do anel de rubi que Collin tinha me

dado. Um grito morreu em minha garganta, enquanto reconhecia ao

final o corpo de Collin. Cambaleei para trás cruzando a sala. Meu corpo

desabou no trono. O pânico era o laço de meus pensamentos. Meu

coração pulsou ensurdecedoramente. Não podia ser eles. Não podia.

Minha cabeça se elevou assim que dois demônios rondaram pela

sala. Sua postura estava dobrada, de tal maneira que a parte superior

de seus corpos quase roçava o chão ao caminhar. Suas cabeças

angulares fizeram uma reverência, suas mãos enegrecidas pareciam

garras pré-históricas.

— Vocês, aí! — gritei enquanto me levantava. Meu vestido negro

ondulava ao redor de meus tornozelos. Detiveram-se e perguntei: —

Quem fez isso a essa gente? Minha mão apontou para fora da janela. —

Digam-me agora! Digam-me! Gritei, mas não podia sentir minha voz.

O olhar das criaturas se manteve cabisbaixa. Elas responderam: — Foi

você, Majestade. Você é a mais poderosa, a mais formosa e a mais

vingativa Rainha. Sua voz era como o cascalho escapando do alcatrão.

As palavras gorjeavam em sua garganta.

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— Pare de mentir! Diga-me a verdade! Quem fez isso? — Gritei.

Meus punhos estavam fechados enquanto gritava. Senti que minha voz

saía de meus pulmões em tom áspero.

A segunda criatura gorjeou:

— Foi sua Majestade, ela os enganou a todos. Eles confiaram

nela e ela os trouxe aqui. Seguiram-na, juraram protegê-la. — Uma

expressão contraída se filtrou através de seu rosto enquanto

continuava. — Mas ela tomou o poder e os matou. Ela manteve o poder

para si. Deixou os corpos sob sua janela para recordar-se que não tem

que confiar em ninguém mais que em si mesmo. Eles tomaram o que

não era dele. Rainha não perdoa aos traidores. Ninguém é a Rainha

mais poderosa, mais formosa e mais vingativa que você, Majestade Ivy.

A criatura se inclinou tão baixo que sua cabeça tocou o chão de

mármore. Senti que meus olhos rodavam para trás. Meu corpo

desabou. O impacto do frio se estrelou contra mim enquanto golpeava o

chão. Minha mente gritava enquanto meu corpo sentia como se tivesse

apanhado em alcatrão. Agarrava-se em mim e me tirava o fôlego e a

vida. Repentinamente, contive um soluço e disparei em direção vertical.

Escuto a doce voz de Eric:

— Shhh. Está tudo bem. Estou contigo, está a salvo. Sua mão

brandamente percorreu meu cabelo e minhas costas. — Está à salva.

O mundo nadava de volta para mim, e soube que estava sentada

no bosque que estávamos atravessando antes que a visão me levasse.

Os sentimentos estrelaram dentro de meu peito. Fechei os olhos com

força enquanto esperava que o violento impacto passasse. Sabia que era

só uma visão. E ao mesmo tempo, assustava a morte, porque poderia

acontecer.

— Ivy? — sua voz era um sussurro. Sacudi a cabeça. Não podia

olhá-lo. As imagens dos corpos nas estacas e a espada de prata

brilhando no chão, e sabia que era ele. Eu o tinha traído.

Absolutamente. Tinha-os traído a todos, e de algum jeito os três me

seguiram.

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E os matei.

Tremi ante o que eu seria e disse: — Tinha razão.

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Capitulo 28

Tinha razão a respeito de que? — Ele estava se comportando

normalmente e não me tratando como se tivesse sangue de demônio

correndo por minhas veias.

De algum modo, isso o fazia pior.

— Sobre eu e a profecia. Acontecerá, mesmo se eu fizer algo ou

não. Você viu. Oh, meu Deus. Você viu. — Eric se sentou, deixando cair

seus braços para os lados. Contei-lhe sobre a visão. Ele estava atônito.

Sem dizer nada, sentou-se a meu lado, estranhamente calado. Isto era

pior que ter sangue de demônio, muito pior. Aterrorizante ou não, a

visão mostrava meu futuro. Não sabia como chegaria a esse ponto, o

ponto onde eu não sentia nada e matava os meus amigos.

Pensando no que Al me disse, recordei que uma decisão ia

disparar o gatilho e criar uma reação em cadeia. Não sabia qual decisão

era o gatilho, mas Collin me disse que não importava. Não era a ação do

catalisador, era eu. O fato de que eu respirasse era suficiente para

causá-lo. Tremi.

Eric sacudiu sua cabeça lentamente. Seu olhar ambarino me

chocou. — Deseja-o, Ivy? Deseja a vida que viu?

Meus braços estavam cruzados firmemente enquanto olhava

para a negra espessura das árvores. Neguei com a cabeça.

— Não. Deus, não.

— Então escolha. — sua voz soava como a do velho Eric. — Seus

sonhos são premonições… advertências. Não são nada mais que isso.

Se escolher um caminho diferente, não acontecerão.

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— Mas Eric, eu não sei que decisão me pôs nesse caminho. Pode

ser qualquer uma. Posso ser eu, o fato de que respire. Eric disse:

— Sei, mas suspeito que saiba qual decisão, quando se fizer

presente. Há algo que nós sabemos e que te manterá fora desse

caminho.

A esperança me encheu enquanto o olhava.

— O que? O que é?

— Você precisa de mim. — ele disse. —Al disse. Ficarei com você

até isto passar. A visão que teve não acontecerá, não pode acontecer se

eu ficar com você, não é? — Eu assenti já não muito segura. Era difícil

estar segura de algo. Acreditei saber quem era, ou ao menos ter um

indício. Mas a versão futura de mim que vi me assustava. Não queria

ser essa pessoa.

A convicção fluiu com a voz do Eric.

— Não vou embora. Você goste ou não, estamos do mesmo lado

por um tempo. — Ele se desempoeirou e parou, afastando-se de mim.

Fiquei sentada na terra fria e me perguntei quando deveria lhe

dizer sobre Collin. Logo me dei conta que éramos só nós dois. — Onde

está Shannon?

— Ela está verificando a área. — ele respondeu—. Ela escutou

algo e você estava fora de combate. Deveria retornar…

— Shhh. — Escutamos um sussurrar. Shannon apareceu

agachada detrás de um arbusto baixo, arrastando detrás uma adaga

chapeada. As sombras a escondiam, e de algum modo se movia

silenciosamente sobre as folhas caídas. Meu olhar seguiu o seu para ver

o que estava olhando. Além de nosso ponto havia uma pequena clareira.

Estava escuro e vazio na noite fria. Eric sacudiu sua cabeça, pondo um

dedo sobre seus lábios para interromper minha pergunta. Eu fiquei

sentada e observei tranquila. Do outro lado da rua, uma figura emergiu

das sombras. Não estávamos sozinhos. Shannon deu uns passos à

frente, abandonando o encobrimento que provia o bosque, e cruzou a

rua tranquilamente. Ela saiu, perdeu-se de nossa vista até que

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apareceu por detrás de seu objetivo com sua adaga. Justo antes que

estivesse o suficientemente perto para atacar, a figura girou e saltou

para ela. Houve um brilho prateado e sua espada voou longe de seu

agarre.

— Não! — gritei. O pânico se disparou em mim, me

impulsionando a me mover. Os dedos de Eric roçaram meu ombro.

— Não! — Mas era muito tarde. Estava correndo a toda

velocidade para Shannon. Meu batimento cardíaco era ensurdecedor

enquanto a ira surgia através de mim. Meus dedos puxaram o pente do

meu cabelo, mas antes que pudesse estender os dentes mortais, fui

jogada no chão. Quando me arrumei para voltar a me pôr de pé, não

tinha meu pente.

Uma loira emergiu do grupo. Ela sustentava meu pente prateado

em uma mão enluvada.

— Hey, virgem. É gracioso como funciona a vida, não? — Nicole.

— cuspi seu nome em choque.

Ela riu.

— Temos os seus amigos, assim se não vir conosco, os

destruiremos. O que escolhe? — Sua mão enluvada sustentava meu

pente prateado no alto, examinando o de perto. Sua pele perfeita se

enrugou enquanto franzia a testa. — Ele se parece com a arma que

levamos no ano passado. Jake!

Meu estômago caiu. Olhei ao redor do pequeno parque. Shannon

e Eric eram superados em números. Eles ainda seguiam brigando,

batalhando contra muitos Valefar de uma vez. Estávamos fodidos.

Jake deu um passo adiante.

— O que, a garota tem? Como ela o obteve? Todos me olharam.

— Era da minha irmã.

— Isso foi há quase um ano. Essa garota que perseguíamos na

Itália? Já! Isso é engraçado! — Jake riu. — Perseguíamos a garota

errada. Foi aí que as peças começaram a fazer clique com um horrível e

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ensurdecedor estalo. Fazendo ameaçadores passos para Nicole,

perguntei:

— Você a matou?

O ódio disparou em mim.

— Foi você? — Não saber o que tinha acontecido a minha irmã

me consumiu durante um ano. Saber que Apryl estava envolta em tudo

isto fazia me sentir mal. Todo o ódio subiu dentro de mim, e eu queria

descarregá-lo sobre o responsável, Nicole.

Nicole riu. Um malicioso sorriso curvou seus lábios.

— Não fui eu. Mas eu conheço a pessoa que foi responsável. —

Um sorriso sarcástico cobriu sua boca enquanto seu olhar se dirigia

para o Eric. Ela o assinalou. — Foi ele.

Embranqueci. Meus joelhos se dobraram. Eric matou a Apryl? E

isso foi tudo o que necessitei, esse momento de choque me desfez. Ouvi-

a mandar matar a todos exceto a mim. Desabei, tratando de recuperar o

fôlego, mas falhando. Meus joelhos não podiam sustentar meu peso. Os

Valefar envolveram meus pulsos em correntes negras, me empurrando

para que os seguisse. Não podia me mover. O choque não se

desvanecia. Tudo o que tinha ido mal estava conectado. Os Valefar,

Apryl, Jake, Eric e Collin. A única que parecia não saber nada disto era

Shannon, que estava brigando por sua vida, e perdia.

Os valentões que sustentavam meus braços se moveram para

me chutar, mas Nicole disse:

— Carreguem-na. — Um dos Valefar me pôs sobre em seu

ombro, como um homem das cavernas. Eles me carregavam para longe,

observando meus amigos, ou quem queira que fossem brigando até a

morte.

De repente havia dois Valefar com exuberantes cicatrizes

vermelhas diante de mim. A próxima coisa que eu soube, é que estava

me levantando e olhando o rosto de Collin.

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Capitulo 29

Sua cicatriz brilhava de cor escarlate. Nunca a tinha visto fazer

isso antes, sem importar o que tivesse acontecido. Desconcertava-me.

Meu olhar se separou de seu rosto enquanto me sentava. Estávamos em

sua casa, de volta no mesmo quarto elegante. Minha mandíbula caiu

enquanto o olhava procurando uma explicação.

— Só temos um minuto — disse. — Os outros retornarão.

Trouxeram-lhe para mim para nos unir. Agora mesmo estão lutando

para ver quem pode ser autorizado. — Vendo a expressão de assombro

em meu rosto, adicionou rapidamente: Não permitirei que a tenham.

E já te disse que não tenho nenhum desejo de uni-la. Quero-a como é,

mas tenho que fazer algo para te proteger, Ivy. — Seus olhos safira

haviam aumentado. — Preciso fingir um beijo de demônio contigo. É a

única maneira. Pensarão que se uniu a mim e lhe deixarão em paz.

Minha testa se enrugou enquanto suas palavras se apoderavam de

mim.

— Como se finge um beijo de demônio? — Traguei com força.

— Não posso, na verdade. Tenho que te beijar. Tem que parecer

real, mas só tomarei a menor parte de sua alma. Tem que se retorcer

como se estivesse arrancando-a toda.

Meu estômago tremeu com a ideia. Era o mesmo que tínhamos

tentado não fazer com tanta força. O que me mataria. Olhei-o

fixamente, sem pestanejar. Até se quisesse me salvar, eu não acreditava

que ele pudesse romper o beijo. O vínculo nos uniria, e não sabia se

Collin tinha o poder para separar-se.

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Seus olhos azuis estavam bordeados de vermelho, e o remorso

fluía do conhecimento do que tinha que fazer. Era pesado, cheio de

arrependimento. Sua voz roçou minha mente uma vez mais, prometo

que te protegerei Ivy. Esta é a única maneira.

A porta se abriu e vários Valefar entraram. Todos estavam

falando ao mesmo tempo, e fazendo demandas por minha alma. Jake

alegava que ele tinha me encontrado; Nicole dizia que ela tinha me

capturado, enquanto que alguns outros diziam que tinham me atraído a

campo aberto. Olhavam-me com olhos famintos enquanto discutiam.

Collin se sentou detrás de seu escritório escutando e não fez nenhuma

indicação de que tinha outras intenções.

Finalmente, ele interrompeu suas palavras com um só

gesto. Ficaram em silêncio quando ele levantou a mão.

— Todos querem a esta Martis porque acreditam que a

ganharam. Mas, acredito que há mais que isso. Seu aroma é diferente...

Mais potente. Ela faria forte o seu amo. Tomei minha decisão. — Seus

lábios se curvaram em um sorriso malévolo. — Vou uni-la a mim. Ela

será seu presente para mim.

A ira dos Valefar estava claramente escrita em seus rostos, mas

nenhum deles se opôs à decisão de Collin. Obedientemente começaram

a fazer o solicitado. Dois Valefar aferraram meus braços e me puseram

sobre a mesa do escritório de Collin. Jake tirou a corrente negra com a

que tinham me atado anteriormente. Olhei grosseiramente para Collin e

comecei a tentar me liberar, mas foi inútil. Eram muitos. Correntes de

enxofre me ataram a seu escritório. Não consegui me mover. Collin

estava de pé junto a mim. Podia sentir seu intento de controlar sua

luxúria, mas o vínculo o estava tornando difícil. Puxava a ambos sem

piedade, ameaçando destruir tudo. Não havia outra opção para mim.

Tinha que deixar que Collin me beijasse ou morrer nas mãos de seus

Valefar. Não iriam até que soubessem que estava unida. O ciúme saía

deles as fervuras enquanto Collin sorria sobre mim. O coração golpeava

em meu peito enquanto lembranças do beijo de Jake vieram à minha

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mente. Um grito surgiu de minha garganta. O terror fez impossível

silenciá-lo.

Antes que soubesse, seus lábios se posaram brandamente sobre

meus. Meu corpo se arqueou em resposta. Tentei afastá-lo. Todo o ruído

ao redor de mim se desvaneceu, sugado enquanto uma pequena parte

de minha alma me era arrebatada lentamente. Esperava uma quebra de

onda de dor, mas foi leve. Não foi como o de Jake absolutamente.

Lágrimas brotaram de meus olhos, enquanto o beijo continuava. O

desejo se disparou dentro de Collin, de uma vez que tentava reprimir

sua necessidade inata. Não estava segura de que ele pudesse deter-se,

mas sabia que queria fazê-lo. Manteve seu rosto sobre o meu, rompendo

o beijo, sustentando meu rosto entre suas mãos bloqueando nossos

lábios da vista de outros. Parecia que me tinha beijado muito mais

tempo do que realmente o tinha feito.

Sua pele estava coberta de suor. Sua mente roçou a minha:

Repete o que te digo. Eles pensarão que está unida a mim. Pensarão

que é minha. Seus olhos como safira estavam bordeados de vermelho.

Falou em voz alta, mas nunca apartou seus olhos de mim.

— Ivy Taylor, é minha para toda a eternidade. — Incitou-me a

dizer palavras que fizeram que me encolhesse de medo, mas eu as disse

de qualquer maneira. Minha expressão estava em branco, apesar de

meu coração acelerado. Tirou o anel de rubi de seu bolso, deslizando-o

de novo em meu dedo antes que alguém o notasse. Não tinha me dado

conta de que eles o tinham tirado. Collin disse umas poucas palavras

mais. Logo se voltou e saiu da sala. Segui-o dois passos detrás como

tinha me pedido, com o olhar fixo no chão, totalmente surpreendida por

estar viva e ainda em posse de minha alma. Afastamo-nos com olhos

queimando buracos em nossas costas. Obriguei meus pés a caminhar

lentamente, aliviando a tensão de minhas pernas.

Estamos quase lá. Ninguém te fará mal agora. Não podem tocar

você. Sua voz tranquilizou minha mente.

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Saímos ao ar noturno e estávamos rodeados por campos de

grama. Uma lasca de lua pendurava sobre nós, muito fina para

iluminar a terra. Os Valefar permaneceram lá dentro. Suponho que

quando o chefe parte com uma nova escrava ninguém os segue. — Isto

foi arriscado. — disse, respirando o ar da noite. Minha voz tremia,

enquanto envolvia meus braços ao redor de meu corpo com força.

Collin me atraiu para ele.

— Foi. E o sinto. Era a única maneira de me assegurar de que

não a incomodassem de novo. Só espero que o preço não seja muito

alto.

— Seus dedos apartaram minha franja, revelando minha marca.

Estudou-a. — O que quer dizer? — perguntei.

Ele passou a mão pelo meu cabelo.

— Já perdeu uma parte de sua alma... Quando foi atacada. E eu

acabo de tomar outra parte. Foi arriscado, porque não sabia quanto

ficaria de sua alma, não porque não estivesse seguro de poder me deter.

Nunca teria feito isso se acreditasse que não podia me deter.

— Minha alma? —perguntei, olhando assim está se convertendo

em queijo suíço, verdade? O que acontece, desaparece completamente?

Sequer saberei se isso acontece?

— Não estou seguro de que tão rápido saberá, mas se alguma

vez perde o suficiente de sua alma, o sangue de demônio se apoderará

de ti, e te converterá completamente em uma Valefar. — Encolhi-me de

medo. Sabia que minha alma estava danificada, mas não tinha nem

ideia quanto, ou o que arriscava quando ele me beijava. Não conseguia

me dar conta que partes da mesma já estavam de fato perdidas.

Caminhamos, cruzamos o jardim, nos dirigindo para o

automóvel de Collin. Estava surpreendida até o ponto de permanecer

em um incomum silêncio, enquanto Collin mantinha sua liderança de

amo há alguns passos diante de mim. As coisas estavam mais precárias

do que tinha imaginado. À medida que nos aproximávamos do

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automóvel de Collin, duas figuras emergiram da escuridão.

Reconhecendo a ameaça, corri para Collin.

— Não! — gritei, empurrando Collin para o chão.

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Capitulo 30

O corpo de Collin caiu rapidamente. Este foi meu engano. Se não

o tivesse empurrado, não teria sido um alvo tão fácil. Todo o resto

ocorreu rapidamente. Só mais tarde que me dei conta do que tinha

feito.

Shannon emergiu das sombras. Ficou de pé com sua adaga de

prata na mão. Nervuras de lágrimas arruinavam sua pele perfeita.

Agonia enrugava seu rosto apertadamente. Seus olhos foram de Eric

para mim. Sua indecisão era clara. Não sei como me encontraram, mas

sabiam que tinha sido trazida para cá. Pensavam que estava unida.

Seus rostos diziam tudo.

Os olhos âmbar de Eric eram temíveis. Seus músculos se

esticaram, enquanto se estendia para pegar sua espada. Sua cabeça

estava baixa, e sua mandíbula estava apertada com força. Sem

pestanejar, cravou seus olhos em mim com condenação. Como se lhe

tivessem dado uma indicação, Eric fez um movimento amplo com a sua

espada. Reuniu impulso, e a empurrou para baixo. Sem pensar, lancei-

me na frente de Collin. Mas fui muito lenta. A folha de prata abriu um

talho sobre o peito de Collin, a centímetros de sua garganta.

O corpo do Collin se retorceu. Dor líquida disparou através do

vínculo, me absorvendo. O escarlate fluía rapidamente de sua ferida. Os

olhos do Collin se agitaram uma vez, logo se fecharam enquanto a terra

se empapava com seu sangue. O vínculo escorregou, desvanecendo-se

rapidamente. Collin jazia a minha frente, coberto de sangue de

demônio. Era sangue como este que havia me condenado. Era sangue

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de demônio o que tinha poluído, e o tinha apanhado em uma vida de

servidão.

Os cabos invisíveis que nos vinculavam estavam se afrouxando.

A dor que fluía através do vínculo e para meu corpo estava se

desvanecendo. O fazia de tal forma que pude respirar uma vez mais.

Engatinhando em direção ao seu corpo, sem me importar que seu

sangue me tocasse. Observei impotente como o garoto que tinha me

salvado sangrava em meu colo. Meu coração gritava, observando

enquanto o garoto que amava morria em meus braços, e eu era incapaz

de detê-lo. Essa foi a primeira vez que o reconheci. Amo-o. Não podia

deixar que isto acontecesse. Tinha que haver algo que pudesse fazer.

Havia só uma opção, e se iria a segundos.

Antes que pudesse considerar exatamente o que ocorreria, movi-

me. O brilho de luz da folha de Shannon apanhou minha atenção.

Estirei-me para tomar a folha, e arremeti contra ela. A borda afiada

cortou minha palma, rasgando minha carne. O sangue formou um

atoleiro em minha mão. Eu me afastei, mal notando os rostos

espantados. Eric e Shannon estavam preparados para um ataque que

não veio. Sustentei minha ferida em alto. O sangue fluiu livremente,

caindo em cascata por meu punho em listras vermelhas. Eric e

Shannon ficaram de pé ali sem pestanejar. Estupefatos.

Ignorando-os, reuni o sangue que corria de minha ferida. Abri o

punho, colocando minha mão contra a cicatriz de Collin. O sangue se

acumulou na forma de lua crescente que arruinava sua carne.

Esfreguei minha palma ensanguentada contra as feridas em seu peito.

O vínculo se apertou. Sabia que estava fazendo o que queria,

necessitava para sobreviver. Collin se agitou ligeiramente. — Deixe ir

Ivy. É muito tarde.

Meu coração se entupiu em minha garganta.

—Shh. Tudo estará bem. — Sua cabeça balançou, e caiu sobre

meu colo. Sua dor estava diminuindo. O horrível ardor, a carne

queimada, o retorcer-se de dor; tudo estava desvanecendo-se. Mas

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estava sanando. As feridas ainda fluíam. O vínculo estava rompendo.

Embora eu tivesse feito o que o vínculo queria, estava-o perdendo. Podia

senti-lo. Apenas estava ali.

Puxei-o para subir mais no meu colo. Maldição! Fiz o que o

vínculo queria. Ele queria sangue. Eu dei! E ainda assim... Oh Deus.

Que mais necessitava? Ele experimentou o beijo de demônio. A única

outra coisa que ele precisa é... Uma alma. Com absoluta certeza, soube

o que fazer. Inalei rapidamente para me fortalecer contra a dor.

Pressionei meus lábios contra os seus, sem importar se lhe dava a

última parte de mim.

Eric gritou.

— NÃO! — Mas era muito tarde. O vínculo formou redemoinhos

ao redor de nós formando uma barreira transparente. Uma sensação de

ardência cobriu minha pele, enquanto meus lábios roçavam lentamente

os de Collin. Estes estavam mornos. A sensação encheu meu corpo

inteiro com comichões. Seu aroma era perfeito, como o garoto da sua

memória, não o escravo de um demônio. E sentia tão doce, mas não

como comida.

Minha parte Valefar não saiu à superfície. A parte de mim que o

desejava não queria deixá-lo ir. Meu corpo não se cambaleou de dor,

como tinha antecipado. Sabia que estava lhe dando parte de minha

alma. Deveria ter doído, mas não foi assim. Quanto mais tempo

mantinha meus lábios nos seus, mais forte ele se voltava. O vínculo

tinha mudado. Realmente não notei quando, mas tínhamos nos isolado.

Névoa púrpura e negra formava redemoinhos ao nosso redor,

bloqueando o ruído. Protegendo-nos. Uma quebra de onda me

atravessou, formando uma luz azul entre nós.

Ignorando-a, soube que queria mais dele; que ele necessitava

mais de mim. Deslizei minha língua sobre seus lábios, sentindo sua

suave carne contra a minha.

A imprudência se apoderou de mim, enquanto minhas mãos se

entrelaçavam com seu cabelo escuro, e o beijei mais profundamente. O

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vínculo tomou vida própria com o beijo mais intenso. Senti que este o

remendava com compridos fios de seda viva. O vínculo envolveu algo

dentro de seu peito. Algo que se supunha que ele não tinha. Ele me

disse que se aferrava a um fragmento de seu antigo eu, mas eu não o

tinha tomado literalmente. E quando lhe perguntei se tinha uma alma,

ele havia dito que não. Mas sim a tinha. Sua alma estava machucada e

era minúscula, mas ali estava sepultada profundamente dentro dele.

Era muito pequena para que ele fosse outra coisa exceto Valefar, mas

ali estava. Seu corpo ferido se curou, enquanto o sustentava

apertadamente contra mim.

Finalmente, sua respiração se estabilizou, e senti a força fluir de

novo para ele.

Suas mãos encontraram meu rosto, e seus dedos se enredaram

em meu cabelo. Sua respiração era profunda e irregular. Beijou-me

brandamente, enquanto embalava meu rosto. Quando a comichão se

deteve, afastei-me lentamente. Nossos olhos fixos um no outro,

respirando irregularmente, contemplamo-nos. Sorri-lhe.

— Por isso você... Parecia tão mortal às vezes. Ficava uma

pequena parte de alma. — Meus dedos acariciaram delicadamente seu

cabelo para longe de seus olhos. O vínculo se sentia bem agora. Estava

morno, e feliz.

— Suponho que sim. — respondeu. Quando afastei o cabelo de

seu rosto, vi sua cicatriz Valefar. Inalei horrorizada.

— Sua cicatriz mudou de cor. Está púrpura. — Detive-me por

um momento, meus olhos aumentando, me dando conta do que isso

podia significar. Podia ser que eu mesma tivesse me convertido em

Valefar. — Entreguei muito? De que cor está minha marca? — Traguei

com força. — Está vermelha?

Sorrindo, me disse.

— Não. Ainda está púrpura. — A realidade do que tinha feito, do

que havia escolhido não me pegou até que a névoa se desvaneceu.

Salvei-o. Ele tinha uma parte de mim em seu interior. E a luz. De algum

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jeito invoquei a luz e isso ajudou a salvá-lo. Vi-o. Meus poderes de

Martis e Valefar se fundiram, e havia devolvido a vida ao meu melhor

amigo. A felicidade se apoderou de mim. A euforia do beijo tinha

deixado tolos sorrisos em nossos rostos. Olhamo-nos com uma

expressão de absoluto amor.

Entretanto, vozes zangadas quebraram minha sorte. A voz de

Shannon me espetou.

—Ivy, o que fez? — Estava de um branco fantasmal. Suas mãos

tremiam. — Os escolheu? Não posso acreditar que os escolheu! —

Olhou-me como se a tivesse golpeado no estômago. Eric estava de pé

junto a ela com uma expressão similar. — Meu deus, Ivy! Criou outro.

Franzi o cenho.

— Não me julgue! Uma vida é uma vida. Pode ser que não tenha

o seu sentido do que é bom ou mau. E me alegra que não seja assim.

Eles me disseram isso, Eric. — Olhei-o com ódio. — Sei. Sei o que fez a

minha irmã. Sei que você a matou. — Meu cenho se franziu com mais

intensidade, enquanto lhe cuspia palavras. — Se não me tivesse salvado

de Jake, o mataria agora. Profecia ou não.

A surpresa de Eric se fez mais intensa. Não apartou o olhar, não

se desculpou ou tentou explicar. Simplesmente me olhou fixamente,

incapaz de falar. Possivelmente sim, brilhava como se eu fora capaz de

criar um exército do mal. Tinham todo o direito a me temer. Mas a

razão pela que ele realmente devia ter medo, era porque tinha me

roubado isso. Apryl tinha morrido em vão; porque ele a caçava quando

em realidade me queria.

O rosto do Eric estava preocupado. Não respondeu na forma em

que pensei que o faria.

— Não te salvei do Jake. Estava sozinha quando a encontrei.

Ninguém estava lá naquela noite. Só estava você, meio morta na

escuridão. — Suas palavras me surpreenderam. Todo este tempo,

pensei que ele me tinha salvado. E a realidade de que não lhe devia

nada liberou minha ira, fervendo dentro de mim.

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Meu corpo começou a tremer de fúria.

— Não foi você? — repeti. O desprezo em minha voz era tão

denso, que ninguém se moveu.

Ele sacudiu a cabeça, seus olhos âmbar entrecerrados.

— Encontrei-a. Levei-a para casa. Treinei-a. Não fui eu quem

deteve o ataque.

Algo em meu interior se quebrou, e rompeu-se em um milhão de

agudos fragmentos. A ira fez que cada músculo de meu corpo tremesse,

conforme meus olhos se enrugavam até formar pequenas ranhuras.

Queria atacar, mas algo me retinha. Tinha que saber.

— Por que a matou? — Vaiei.

Seu corpo estava tenso, preparado para atacar. Seus músculos

se flexionaram quando seus dedos lentamente se fecharam ao redor de

sua arma. Estava brigando contra cada instinto que tinha. Queria

atacar. Se eu lhe desse uma razão, lutaríamos até a morte. A voz de

Eric era desumana.

— Estava-a rastreando, e tentando confirmar quem era. Estava

no lugar errado na hora errada.

— Disse-me que a melhor parte de ser um Martis era viver uma

vida que não era vivida em vão. — Cuspi-lhe as palavras. — A roubou!

Ela nem sequer era parte disto! Era uma turista. E a matou

brutalmente como se fosse o Anticristo.

Ele tentou explicar.

— Se fosse azul. Se fosse Martis pura...

— Não o sou. — estalei. — Não sou azul. Não sou como você.

Nunca serei como você! — Pus-me de pé, e Collin se moveu detrás de

mim. — Eu não mato gente inocente. Você sim!

— Ivy, você não entende. — Ele soava razoável, como se eu

deveria ver seu ponto. — Você viu o que acontece em suas visões. Se

uma vida pudesse impedi-lo...

— NÃO! Esse é o ponto. É uma maldita profecia! Nenhuma vida

pode impedi-la. Vai acontecer sem importar o que! Não importa o que

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façamos... Ou a quem você mate. Está vindo. — Meus olhos o

perfuraram, enquanto tremia de fúria. — Roubou-me o que mais me

importava. Pensei que ela tinha morrido sem motivo. Simplesmente por

algum acidente fortuito. Deixou-me pensar isso. Viu-me paralisar por

mais de um ano, tentando aceitar que ela tinha morrido sem razão! —

As lágrimas corriam por meu rosto. — Você é a razão. Eu te odeio! Se

alguma vez tiver a possibilidade de devolver a dor que me causou, a

inocente vida que você tomou, farei.

Senti meus olhos bordeando-se momentos antes. Sabia que se

voltariam púrpuras e que não seria capaz de me controlar. Um

pensamento distante ecoou através de minha mente, me recordando

que necessitava que Eric ajudasse com a profecia. Desejei que não fosse

assim, mas sabia que ele tinha que estar ali. Tomei Collin, envolvendo-o

com meus braços, enfocando minha atenção no anel de rubi. Sua voz

exclamou.

— Não! — Assim que ele percebeu o que ele pretendia fazer. Mas

já era tarde demais. Eu já tinha decidido. Eu não podia ficar na frente

de Eric sem matá-lo. E eu não poderia deixar Collin para trás. Ele tinha

apenas uma opção, não adiantava tentar ambos.

Concentrei toda minha ira na pedra, e senti a quebra de onda de

calor lambendo através de mim. Instantaneamente ficamos inundados

em uma ardente névoa negra. Shannon e Eric desapareceram de minha

vista. Não podia ver nada, mas podia sentir Collin ardendo comigo. De

repente, precipitamo-nos para frente, tropeçando com o tapete dentro

da igreja, lutando por ir conforme o calor se dissipava. Tinha-nos

transportado. Collin e eu ofegávamos por ar, dobrados na metade.

Quando lhe joguei uma olhada para me assegurar de que não o tinha

debilitado ainda mais, seus olhos estavam muito abertos.

— Ivy! — Ela ficou surpresa ao ver-me aparecer à sua frente.

— Al. Sinto muito. — Secando as lágrimas de meus olhos,

obriguei ao meu coração a recuperar o tamborilar normal. — Tinha que

ver-te. Algo está mau. — Collin se acomodou em uma cadeira, olhando

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cauteloso. Al parecia incomodada por sua presença ali, mas não disse.

Não sabia quão demente era trazê-lo comigo, mas deixá-lo com o Eric

não era uma opção. Levou um momento para sentir que algo não estava

bem. Ela tinha uma pilha de lenços de papel junto a sua cadeira de

balanço, pulverizados sobre a mesa. Seu rosto estava em branco, exceto

seus olhos. Algo estava mal. Muito mal. Al olhou para Collin, limpando

o nariz.

— Então, isto é o que estiveste procurando? — Ela inclinou a

cabeça para mim. Ele a olhou, mas não respondeu.

Não podia esperar mais.

— Al. O que aconteceu? O que é isso?

Sua voz era sombria. Um sorriso triste se estendeu por seu

rosto. — Descobriram o que é Ivy. Sabem. Os Valefar sabem. Isto vai

ficar feio.

— O que quer dizer?

Diminuiu a velocidade, estendendo sua mão para mim.

— Querida garota. Desejaria poder havê-lo detido. — Esfregou

minha mão entre as suas, e pareceu como se o tempo tivesse parado. —

Mas quando tive a visão, era muito tarde. Quando descobriram o que é,

buscaram. Suponho que alguns lhe encontraram, e lhe levaram longe.

Mas os que foram ao seu lar... Procuravam algo que necessitavam. Algo

que você tomou. Quando não os levou... — Sua voz se apagou. O aperto

em minha mão se fez mais exigente.

Meu estômago caiu, de uma vez que minha garganta se

apertava. — O que? O que fizeram? — Minha voz era tão débil, que não

estava segura de ter falado.

— Lamento-o, Ivy. Tudo desapareceu. Destruíram seu lar, e a

todos nele. Ivy, os Valefar mataram a sua mãe. — Tomou um minuto

processar o que havia dito. Certamente não tinha ouvido bem.

— Não. Isso não pode ser verdade. Não pode ser. — Separei-me

dela. Seu rosto estava cheio de lástima. De repente, minhas pernas

cederam debaixo de mim, uma vez que meu peito era esmagado por

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uma força invisível. Caí no chão, apenas capaz de manter minha cabeça

erguida. Collin se ajoelhou e pôs seu braço ao meu redor, me

endireitando. Não vi nada. Não senti nada. As vozes continuaram ao

meu redor, mas suas palavras não tinham sentido. Estava

completamente sozinha. Depois de sofrer por um ano, sem saber o que

tinha acontecido com sua filha, minha mamãe estava morta. Eu estava

sozinha. Uma só pergunta pendia em minha mente. Filtrou-se em um

sussurro.

— Como?

Al se inclinou para frente e pôs sua velha mão em meu ombro.

— Os Valefar não podiam entrar, pelas portas. Acredito que

tentaram lhe obrigar a sair. Usaram fogo, apanhando a sua mãe dentro,

tentando forçá-la a se entregar. Mas você não estava lá. Assenti. O ar

viciado formava redemoinhos ao meu redor. Sentia-me estranha. Tinha

perdido tudo. Minha família. Meu lar. Tudo tinha ido. E neste ponto

meus únicos amigos eram um garoto beijado pelo demônio, e uma

monja. Um soluço histérico saiu de mim, enquanto me apoiava contra

Collin. Seus braços me envolveram. Perguntei para Al: — O que viu?

Eles vão invoca-lo?

Ao respondeu:

— Sim, o farão. Necessitam duas peças dos quebra-cabeças que

não têm. Uma é a profecia, a pintura. Você sabe qual é a outra. Onde

está a chave? — Olhou para Collin, esperando que respondesse.

Obviamente esperava que ele soubesse do que estava falando.

Ele disse:

— Não a temos. Ninguém sabe onde está.

A conversação apanhou minha atenção. A coisa que eles

assumiam que estava em minha casa, a coisa que não estava aí. Não se

queimou. — Eles queriam a pintura? Para que?

— Mostra algumas coisas em detalhe. — disse Al. — Algumas

coisas que foram esquecidas, e com razão. Se tivessem a chave e a

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pintura, poderiam invocar ao Kreturus. — Havia medo em sua

envelhecida voz.

Collin respondeu a minha pergunta antes que fora enunciada.

— É o demônio mais capitalista que já tenha existido. Ele criou

aos Valefar. Mas está aprisionado. Ninguém pode invocá-lo... Bom, se

não o fizerem, ele não pode vir.

— Mas uma vez que tenham a profecia e a chave. Adicionou a

irmã Al. — Ele pode vir. Aqui. E isso seria... Realmente mau. — Collin

me atraiu para ele. O vínculo tinha mudado, mas ainda podia sentir

coisas. Sabia que lhe importava. E se sentia como se temesse me

perder.

Envolvi sua cintura com meus braços, e levantei a vista para

olhá-lo nos olhos. Queria tranquilizá-lo. Ele era tudo o que eu tinha

agora. O único que me importava.

— Não te abandonarei. Prometo-o.

Seus lábios esboçaram um suave sorriso triste, enquanto seu

escuro cabelo caía sobre seus olhos. Beijou a parte superior de minha

cabeça. — Sei que não o fará.

Al me observou interagir com Collin, mas não disse nada.

Finalmente a olhei e admiti o que tinha feito.

— Converti-o, Al. Não quis fazê-lo, mas já não é completamente

Valefar. Posso notar que se conhecem, e suspeito que a razão pela que

se conhecem não é boa. Mas ele me salvou, Al. Os Valefar sim me

atacaram. Ele simulou me unir a ele, mas não o fez. Quando

escapamos, Eric… — Seu nome me engasgava, me sentindo enfurecida

ao pensar nele. — Atacou-nos. Al lamento, mas só queria salvá-lo.

— Não seja tola, menina. Uma vida é uma vida, nada importa. E

embora o convertesse em púrpura, ele não é como você. Não tem seu

poder e habilidade. É parte Martis porque você o é, mas a quantidade

de sangue de anjo que recebeu de ti não foi o que fez isto... Foi porque

recebeu uma peça de sua alma. — deteve-se por um momento. — Só

espero que sua confiança esteja bem depositada. — Olhou para Collin.

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— Está. Sei que está. Al, ele é a única pessoa, além de você, que

não quer me usar ou me matar. — disse.

Seus olhos foram para o Collin enquanto falava. Sua expressão

era rígida.

— É assim, Collin? Não quer nada dela?

Sua voz foi um sussurro.

— Não. — Beijou a parte superior de minha cabeça.

Sorri-lhe fracamente. Sentia seguro e normal. Separei-me dele,

me dando conta de que estava coberta de sujeira e suor.

— Preciso tirar isto. —Virei para Al enquanto indicava minha

camisa. — Tem algum suéter ou algo que possa pegar emprestado?

A anciã ficou de pé, e foi ao seu armário. Desapareceu detrás da

porta em busca de uma camisa. Tirei o meu suéter, revelando a

camiseta negra debaixo. Estava empapada de suor, mas eu não tinha

nada mais. O colar de Apryl se aferrava à carne no oco de minha

garganta. Levantei-o, limpando a sujeira e o suor que se acumulava

debaixo. Collin me olhava fixamente, seus olhos fixos no pendente que

pendurava ao redor de meu pescoço. Uma mão levantou um cacho e o

colocou detrás de minha orelha. A outra mão levantando o pendente.

Sustentou-o por um momento, antes de soltá-lo.

Quando Al retornou, Collin deixou cair o pendente e retrocedeu.

Ao me entregou um suéter azul marinho que dizia SÃO BART'S

BEISEBOL. Passei-a rapidamente sobre minha cabeça.

Al disse:

— Precisa conseguir a pintura. Não podemos deixar que a

tenham.

— Não podem. – repliquei. — Ainda está em chão sagrado. Está

em uma velha igreja.

O rosto de Al se contraiu. Aproximou-se de mim lentamente. —

Que velha igreja?

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— Não estou segura de ter o nome. É uma velha ao leste.

Encontrei na noite que tomei a pintura. — Estava-me pondo nervosa

que ela ainda não se sentou. Sempre se sentava.

Seus olhos estavam se abrindo cada vez mais.

— Ivy, as pessoas ainda assistem os serviços ali?

— Ninguém vai lá. É uma relíquia, em meio de umas fazendas.

— Al empalideceu. Perguntei. — O que acontece?

— Não está protegida. As guardas só funcionam em igrejas. —

Seu enrugado rosto estava pálido. Congelou-se frente a mim.

— Mas é uma igreja. — respondi.

Collin interrompeu, me recordando que estava aí.

— Não se ninguém atende a serviços ali... É rebaixada a

categoria de edifício... Como qualquer outro. Não há guardas. Os

Valefar podem entrar. Podem consegui-la.

Os olhos foram de Collin para mim. Não lhe agradava, isso podia

dizer. Seu olhar voltou para mim e se suavizou.

—Tem que consegui-la. Tem que trazê-la aqui. Ivy, se eles a

obtiverem, então só necessitam a chave para invocar Kreturus. Não

pode deixar que a peguem.

O pânico me inundou ante sua angústia.

— Não sabia. Vou busca-la. A trarei de volta. Prometo Al. Eles

não a obterão. Está escondida, e não é um lugar visível. Posso ir

procurar agora mesmo, e voltar. — Olhei meu anel de rubi.

Collin deslizou sua mão sobre a minha.

— Há outros Martis neste edifício. Posso cheirá-los. Sentiram se

usar magia Valefar aqui. Precisamos sair.

Al parecia insegura. Seu olhar se movia entre o Collin e eu.

Finalmente disse:

— Tem razão, sentirão, mas vou enviar Shannon e Eric atrás de

vocês. — Gemi, e comecei a protestar, mas ela me deteve. — Não, Ivy,

isto é muito importante. Se algo acontecer. — Olhou para Collin. — Os

quero ali. Necessita-os. Não tem escolha.

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Travei a mandíbula, sabendo que ela tinha razão.

— É a velha igreja de pedra no Cutchoge. Está entre um grupo

de fazendas. É o único edifício... Não se pode ignorar. Mas Al, estaremos

de volta antes que cheguem lá.

Ela tomou minhas mãos nas suas.

— Isso eu espero.

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Capitulo 31

Não posso acreditar que possa fazer isso — disse ele. Collin e eu

efanotamos na frente da velha igreja de pedra.

— O que fazer? — perguntei, olhando ao redor me assegurando

de que estávamos sozinhos. Estávamos muito mais perto dos Valefar

agora, e eu não gostava.

— Nunca vi ninguém fazer isso. Não posso mover duas pessoas.

É incrível que possa, isso é tudo. Surpreende-me de todas as formas

possíveis. — Sua voz soava estranha. Voltei a olhá-lo, insegura por seu

repentino estado de espirito. — Vai ficar tudo bem, Collin. Vamos pegar

a pintura e vamos embora. — Ele assentiu, tomando minha mão,

caminhamos para o edifício de pedra.

A umidade grudou em minha pele como gotas de mel. Se o vento

começasse a soprar mais seria melhor. Collin me seguiu enquanto

subíamos até a pequena casa. Não disse nada, mas eu percebia que

algo o incomodava, atribuí aos nervos. Quando estávamos no interior

da igreja, me dirigi ao lugar onde tinha guardado a pintura. Escavei

dentro das pilhas de livros, sentindo meu caminho por entre os

montões de pó, mas não a encontrei. A pintura estava enrolada e

poderia ter rodado sob algo. O pó se moveu e fez cócegas em meu nariz.

— Então, como funciona isto? — perguntei. Meu traseiro estava

para cima, enquanto entrava através de uma chaminé — Tem uma

armadilha, ou algo assim?

— Algo do estilo. — Sua voz soava estranha.

— Bom, isso é uma resposta agradavelmente vaga. — Ri. Minha

mão cavou entre mais montes de poeira. Poderia ter empurrado, mas

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pensei que ia esmagar a pintura se ela estivesse ali. Sentei-me — Huh.

Pensei que fosse por aqui.

Os olhos de Collin se alargaram. Ele olhou ao seu redor. O

vínculo mudou de repente. Estava fazendo algo. Algo que não podia

entender. Era como um instinto animal. Estava enfocando seus

sentidos no ar em busca de sinais de visitantes anteriores, além de

mim. Sentei o vi perplexa. Seu corpo se esticou. — Veem! — A casa se

encheu de Valefar. Vieram através da escada e entraram na casa como

baratas. Havia muitos para lutar ou fugir. Olhei para Collin, mas ele

não quis encontrar meu olhar. Meu estômago deu um tombo. — Collin?

— Respirei, com meu coração pulsando com força em meu peito — O

que é isto? — Ouvi a dúvida em minha voz. Olhei para ele fixamente

sem piscar até que uma voz familiar me chamou a atenção, Jake.

Entregou a pintura a Collin. — Tinha razão. Encontramos logo antes

que vocês chegassem aqui.

Minhas tripas se retorceram tão severamente como minha boca.

O que tinha feito? Ele me amava. Ele não podia fazer isto comigo. Mas

fez. Chamou os Valefar, e eles apareceram. Eles tomaram a profecia

ante sua ordem. Minha dúvida de repente se solidificava em traição. —

Não o fez... — Meus olhos se aumentaram, a ira me encheu. Eu sabia

que ele podia sentir, mas não me importava — Diga que não disse a eles

para vir aqui e pegar a profecia!

Ele me olhou enquanto tomava minha mão na sua. Estavam

manchadas de vermelho. — Eu fiz, já te disse que eu faria algo para

acabar com a maldição, e ganhar minha liberdade. Fiz um acordo com o

Kreturus faz muito tempo. Um trato. Minha vida, pela tua.

O olhar de Collin se afastou de mim, para o resto dos Valefar.

Estava estoico, como o resto deles. A repulsa se apoderou de mim e não

podia suportar olhá-lo. Queria gritar, e senti se formar várias palavras

de irritação em minha mente. Durante todo esse tempo que passamos

juntos, O que foi isto? Uma mentira? Uma mentira brilhante e

orquestrada por um ser ardiloso que faria todo o possível para ganhar

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vida de novo. Soltei minha mão da dele. Mas ele apertou os dedos, e me

tirou o anel de rubi. Tiraram meu poder e os Valefar me pegaram.

Voltou-se de novo para o Valefar e disse: Pegue-a e aos outros

dois estão vindo. Também preciso deles.

Eu gritei, com a esperança de que os outros me ouvissem se

estivessem ali. Mas já era muito tarde. Eu os levei direto para uma

armadilha. — COLLIN! — gritei a suas costas — Eu te salvei! Como

pôde fazer isto comigo? — Sacudia-me, no entanto as mãos fortes do

Valefar me prendiam. Collin não se importou com os meus gritos, e

ficou gritando ordens às pessoas. O Valefar me arrastou para a noite.

Havia um círculo no chão. Alguém tinha talhado a terra

congelada com uma pá. Uma trilha de pequenos cristais brancos

marcavam as bordas. Sal, Shannon e Eric estavam atados e parados em

diferentes pontos após a borda do círculo. Meu coração se afundou.

Eles chegaram aqui e foram capturados. O valentão me deixou no chão,

sacudindo meu cóccix. Apesar da picada, levantei de um salto. Cada

músculo de meu corpo flexionado, preparado e disposto a lutar, mas

não tive a oportunidade. Eles me contiveram, com um corte na

bochecha quando comecei lutar contra eles. Não importava o quanto me

retorcesse e girasse. Não podia escapar. Havia muitos Valefar. Muitos

para dominar ou correr. Com um puxão, minhas mãos atadas atrás das

costas e meus tornozelos atados a uma terceira estaca. Meus pulmões

se encheram com o ar frio. Lutei contra minhas ataduras, mas não

cederam. A ira se disparou em mim, ardendo com intensidade feroz. Eu

gritei, golpeando, fazendo todo o possível para me soltar, mas nada

aconteceu. Quando desisti, sentia como se as veias de minha testa

estivessem explodindo. Lancei respirações irregulares, ainda me

negando a aceitar, sabendo que iríamos morrer. E que era minha culpa.

Contendo as lágrimas, olhei ao meu redor. Os Valefar estavam

frenéticos eu os observava, me perguntando o que fariam, já que não

tinham a chave para abrir a fossa. Collin disse que não a tinham, e não

senti como se fosse uma mentira. Isso significava que ele estava dizendo

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a verdade nesse momento. Maldito fosse! Como pude ser tão tola? Por

que não o vi vir? Aproximei de Collin através da união, com vontade de

gritar. Era como enxergar através da água, ele mascarou seus

pensamentos. Não podia ouvi-lo.

Uma brisa soprou através de meu cabelo, minha pele se

congelou. Olhei através do círculo em direção a Eric. Seu rosto estava

triste! Para mim. Parecia triste, e derrotado. O comprido cabelo de

Shannon estava balançando ao redor de sua estaca, apanhado no

vento. Era de cor vermelha brilhante sob a lua. Seu rosto estava cheio

de medo, ao perceber melhor que eu o que ia acontecer. Enquanto os

Valefar faziam os preparativos para liberar o demônio vivo mais

poderoso, víamos impotentes, incapazes de detê-lo. Minha única

esperança era que Al sabia que deveria ter voltado. Ela tinha que saber

que algo estava errado.

O Valefar começou a andar em torno das bordas do círculo. Jake

estava triunfante ao meu lado. Tirou uma faca do bolso, e me liberou.

Caí no chão e lhe dei um golpe no joelho, pronta para brigar. Suas mãos

se abaixaram, segurando meu cabelo. Gritei, me levantando

rapidamente, sentindo que algumas das raízes saíram de meu couro

cabeludo. A voz de Collin grunhiu atrás de mim. — Solte-a

Jake disse: Mas, só vamos a...

— Deixe-a. Collin estava de pé com cada músculo em seu

corpo flexionado. Quando os dedos de Jake não me soltaram, Collin o

cortou com um pouco de prata no estômago. Jake caiu ao chão. O

sangue fluía de seu abdômen, enquanto ele caia sobre a grama. O

aroma de enxofre encheu o ar, quando seu corpo se derreteu e a terra o

reclamou. Olhei para Collin, horrorizada. Fiquei imóvel com a garganta

tão apertada que quase não podia respirar.

— Ninguém toca nela. Só eu posso tocá-la — disse olhando para

os Valefar, apontando com meu prendedor de cabelo. Havia uma

intensidade desesperada nele. Sua mente estava ferida tão fortemente,

que estava a ponto de se romper. Mas, a coisa que mais me preocupava

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eram seus olhos. Eles se estavam enchendo de uma cor carmesim, não

púrpura. Ele ainda era um Valefar. O sangue de anjo não foi suficiente

para dominar o beijo do demônio. Al disse que não éramos a mesma

coisa, apesar de que troquei sua marca púrpura. Mas, não vi o que

queria dizer até esse momento. Collin ainda era Collin, o Valefar, apesar

da coloração em sua cabeça. Minha alma não o tinha mudado. Meu

estômago se afundou. O que eu fiz? Fora todas as coisas tolas que eu

fiz, de todas as decisões que tomei, esta estava além da redenção.

Collin se voltou para o círculo, agindo como se não tivesse feito

outra coisa mais do que pisar em uma formiga. Não havia indícios de

que ele tinha acabado de matar um homem, ou que isso lhe

incomodasse. Desenrolando a pintura em suas mãos, os olhos de Collin

a devoraram com avidez. Seu rosto se iluminou ao olhar o tecido. Esses

olhos intensos eram de cor vermelha sangue, com bordas de cor

púrpura, e se moveram sobre a pintura, como se estivessem lendo algo.

O vento açoitou mais forte, uivando, por isso a noite pareceu mais

sinistra. Com a mandíbula tensa e as têmporas agudas, Collin me

devolveu o olhar. Seus olhos fixaram em mim uma vez, e logo voltou a

enrolar a pintura e a meteu na cintura. A certeza se apoderou dele.

Estremeci em resposta, e tratei de ocultar quão aterrorizada eu me

sentia. Meu pulso não se deteve, meu peito parecia como se fosse

explodir, e se minha mandíbula se apertasse mais poderia quebrar.

Todos os rastros do menino que vi, do Collin que conheci,

desapareceram. Não restou nada dele. Cruel indiferença em seu rosto,

enquanto olhava aos Valefar sob seu mando.

Nicole andava atrás dele. Seus braços envoltos ao redor de sua

cintura. Ele não as retirava. Deixou que ficassem ali, o abraçando. A

bílis se levantou em minha garganta em carne viva. Não, eu pensava,

não posso ter sido tão tola. Ainda estava com ela? Todo o tempo que

passei com ele, e ele ainda estava com ela? Queria ser uma dessas

garotas que se enchem de raiva, dessas que não sentem a traição ou a

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dor. Mas eu não podia. Senti até a última gota com uma claridade

dolorosa.

Virou o rosto para a Nicole e disse: Pegue dela. — Ela sorriu,

quase deslizando se aproximou de mim. Collin a olhou fazer o que ele

tinha ordenado. Seus olhos carmesins riscavam seu corpo enquanto ela

se movia na escuridão. Nicole parou em frente a mim, inclinando o

quadril, e ficou me olhando. Não tinha nem ideia do que estava

olhando, até que suas unhas afiadas cortaram minha pele, e rompeu a

corrente de meu colar. Meu pingente caiu em sua palma. Seus largos

dedos afiados se fecharam ao seu redor, antes de sorrir para mim.

Continuando, sem dizer uma palavra, atirou-o no centro do círculo de

sal, rindo da minha cara de surpresa. Quando o pingente bateu na

grama o solo tremeu como se estivesse vivo. Um murmúrio se estendeu

das bordas do círculo de sal, e corri para o colar. Vi com horror como se

a terra comesse o pingente, deixando um buraco negro no centro do

círculo, onde o colar desapareceu. Um calafrio se estendeu através de

meus ombros. No momento em que chegou a meu coração havia se

transformado em ódio absoluto. Ela pegou o colar de Apryl. Foi-se. Para

sempre. Minhas mãos começaram a tremer e apertei os punhos. Collin

sabia o quanto isso significava para mim. Ele pegou meu prendedor de

cabelo, e agora o colar se foi também. Fiquei congelada, incapaz de me

mover, incapaz de compreender o nível de seu ataque. Era como se

quisesse me destruir por completo.

Nicole virou para mim sorrindo, desfrutando de minha agonia. —

Obrigado pela chave, Virgem. Estávamos procurando isso. — Ela me

olhou com ar de satisfação.

Collin desviou o olhar, já não olhava só para o círculo. Olhei a

terra, e contive o fôlego. Minha mão instintivamente voou para minha

boca, afogando qualquer som que pudesse fazer. O terreno no interior

do círculo de sal formava redemoinhos lentamente, como se fosse

líquido. As margens eram brancas, rodeadas de sal, e fixas. A terra

seguia sendo sólida em nosso lado da linha de sal. Mas o outro lado

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estava se convertendo em uma mescla de terra e rocha. O redemoinho

estava ficando mais escuro com cada giro.

— O que você fez? — perguntei para Collin, minha voz se

quebrou. A incredulidade se apoderou de mim, e não pude me livrar

dela. Este era o portal. Estava aberto. Isso significava que o colar...

Minhas palavras saíram empapadas com incredulidade — Meu colar era

a chave?

Nicole riu: — Sim! Não poderíamos ter feito sem você, Virgem.

— Ela caminhou para mim, seu cabelo dourado ao redor de seu rosto —

Olhe, as razões para que este portal esteja aqui agora é por sua culpa. A

profecia tinha razão, você é a razão de que tudo vai para o inferno.

Olhei para Collin, tratando de apagar o horror de meu rosto.

Suas palavras me perseguiam, não foi algo que eu decidi, a profecia era

algo que ocorreu porque eu vivia. O pavor agitava meu estômago,

permitindo que minha agonia rasgasse através de meu corpo de uma

maneira inimaginável. O corpo de Collin ficou tenso, mas ignorou meu

olhar. Ficou olhando sem pestanejar no buraco cada vez maior. O vento

agitava seu cabelo castanho ao redor de seus olhos. Parecia um deus,

com uma camiseta negra e jeans. A terra se afundou e girou na frente

dele. O vento e a água formavam redemoinhos ao seu redor.

Os Valefar começaram falar coisas que não entendi, Collin os

incentivando, eram as palavras que se alinhavam na borda da pintura.

O redemoinho ficou mais profundo e escuro. Eu esperava que ficaria

como um espaço aberto — como o céu — mas não estava assim.

Enquanto a coisa girava e tomava forma, parecia-se cada vez mais com

a pintura. O buraco ficou mais profundo, já que as paredes passaram

de marrom a negro. À medida que o buraco se ampliava do centro para

fora, o chão se abriu e caiu, deixando descoberta uma pedra negra e

viscosa. Os únicos sons que se ouviam eram o vento e o ruído de rochas

e terra caindo no abismo. Fragmentos de cristal negro brilhante

pregavam-se às paredes. O buraco pegaria qualquer coisa que caísse

nele. Dedos teriam que lutar contra a lama escorregadia para escapar, e

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logo se conseguisse se segurar, as partes de cristal negro pontiagudos

lhe cortaria.

O vento uivava, rasgando meu rosto. Fiquei ali, aturdida, e

muito surpresa para me mover. Meus olhos se viraram para Shannon,

que me olhou suplicante. Ela queria que eu fizesse algo para me

defender.

Mas eu não sabia como. Não tinha arma, nem anel, e não havia

maneira de canalizar minha energia. Desviei o olhar, envergonhada por

não saber o que fazer, e que estivesse deixando que isto acontecesse.

Virei o olhar para Eric, que não me olhava. Não houve tempo para

considerar isso por que o vínculo me encheu com um calor abrasador.

Collin desviou seu olhar, e me olhou. Ele assentiu com a cabeça ao seu

Valefar. Movia-se em torno de mim rapidamente, e agarrou meus

braços, me levando para a borda do buraco.

Com o coração acelerado, cravei os calcanhares no chão, me

negando a ser lançada dentro. O vento açoitava o cabelo em meu rosto,

levando os suaves ruídos de um lugar distante. O ar se fez mais frio,

quando o buraco ficou mais profundo. Endireitei minhas pernas, fechei

meus joelhos, e caí no chão gritando. O Valefar olhava em silêncio.

Collin não disse nada. Se fez de desentendido dos meus gritos por

ajuda. Passou por cima do medo que penetrou em mim

A medida que me arrastaram para mais perto da borda, todos os

olhos estavam fixos em mim, ignorando o que acontecia atrás deles.

Demorou um momento para entender o que realmente estava

acontecendo. Não entendi até que vi vários brilhos de prata que eu

conhecia.

Al enviando ajuda.

Os três Martis que vi treinar com Eric no ginásio de repente

diante de mim. Os dois homens se livraram dos Valefar que me

seguravam, matando-os, enquanto uma mulher, Elena, me arrastou

para longe da borda do buraco.

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Urgentemente, me falou no ouvido, enquanto os Valefar se

davam conta de que estavam sendo atacados. —Temos que destrui-los e

fechar o poço. Se lhe colocarem lá, deve — DEVE — se matar antes que

Kreturus se apodere de você. Ele vai absorver seu poder, poder que

necessita para cumprir a profecia. Não lhe dê a oportunidade. — Ela me

empurrou para trás, me lançando uma peça de prata celestial.

Toquei minha marca com ele, e se converteu em uma só folha de

ceifador. — OH, que diabos? — por que precisava da folha do Grim

Reaper²? Sentia-se mais como um presságio, que a prata escolhesse a

forma da arma que era certa para mim. As terras que rodeavam a igreja

se converteram numa zona de guerra. Mais Martis saíram correndo das

sombras. Eric e Shannon foram liberados durante a primeira onda de

Martis. Quando liberaram Shannon, ela saltou à luta, pegando de volta

sua adaga do Valefar que lhe roubou. O cabelo de Shannon voou

violentamente, enquanto gritava depois de matar Valefar atrás de

Valefar. Meu estômago deu um nó o que me deixou doente. O cheiro de

suor e sangue se espalhava no vento. Fiquei sem saber o que fazer. Não

tinha mais remédio. Tinha que lutar, mas não podia me lançar em meio

à batalha.

Julia correu a meu lado, gritando: Lute ou morre! Se não

atrasarmos os Valefar antes que a poço se abra completamente, não

poderemos fechá-la. — Seu ágil corpo se moveu através dos Valefar,

movendo suas espadas curtas de prata como um ninja.

Fiz o que ela me disse, não porque ela tinha dito mas sim porque

tinha que fazer. Os Valefar correram para mim, tratando de me arrastar

de novo para Collin. No início, tratei de ficar atrás. Eu não queria matá-

los. Eram escravos. Não tinham outra opção, eram o que eram. Mas

quando se transformou em ou eles ou eu, movi minha arma sem

remorsos. Podia chorar mais tarde. Minha espada cortou Valefar atrás

de Valefar. Havia um número interminável deles. Eles simplesmente

continuavam chegando. O grito de Eric chamou minha atenção. Ele

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estava fazendo seu caminho para Collin, que lutava com Elena ao lado

do poço. Collin e Elena pareciam muito igualados.

Prata brilhou contra o céu tinto. Um Martis gritou, como se um

Valefar sugasse sua alma. O grito perfurou minhas orelhas e me fez

perder a concentração, já que me revirou o estômago. Meus músculos

tremiam, revivendo o momento de meu beijo demônio com Jake. A dor

era tão intensa que um Valefar quase me pegou. No último segundo,

girei meu braço e minha espada rasgou sua garganta.

Pouco a pouco, me dava conta que estava dando um passo para

Collin. A raiva que me enchia era por causa dele. Sua traição era pior

que qualquer coisa que já tivesse experimentado. Não pude conter

minha dor. Ataquei, lhe arrancando a carne do osso, sem me incomodar

em enterrar minha espada na carne do Valefar para me assegurar de

sua morte. Eles gritaram, enquanto deixava uma esteira de sangue e

gritos atrás de mim. Tinha que chegar a ele antes de Eric. Isto tinha que

terminar agora, e eu sabia como fazer. Elena me disse que se eu

morresse não poderiam me usar mais. Meu instinto me disse que eu

não ia sobreviver de todo jeito. Enquanto cortava através de mais dois

Valefar, sabia que nunca deixariam de vir me procurar. Sabia que me

custaria cada pessoa que amava. Eles nunca parariam. Essa criatura

na fossa me queria. Tinha que me jogar no poço, e perfurar meu

coração com minha prata. O sangue de demônio em meu corpo não me

permitiria viver com a prata celestial enfiada em meu coração. Me

mataria. Essa era a única maneira de terminar isto e me assegurar de

que todas as coisas que tinha visto nunca acontecessem.

A mórbida determinação me impulsionou através da multidão.

Mais gritos surgiram ao meu redor, quando Martis foram drenados de

suas almas. Isto me gelou, mas me mantive em movimento. Minha

decisão se solidificou, à medida que o significado da profecia surgiu em

minha cabeça. Senti-me segura. Todo este tempo, isto era o que tinha

que fazer. Aqui é onde se cumpria meu destino.

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Olhei para o poço. As pedras pontudas brilhavam contra as

paredes negras e lisas. A falta de luz da lua não a fez menos aterradora.

O buraco era um portal para o inferno.

Cada passo que dava ia em direção a Collin, minha

determinação era maior. Apertei minha arma, sem me dar conta do

sangue em minhas mãos, não sentindo o vento cortando meu rosto.

Este era meu destino. Tinha que lutar. Tinha que derrotar Collin

Smith. Quando me aproximei dele, seus olhos se cravaram em minha

figura em movimento. Eles tinham a tristeza familiar que via cada vez

que ele revelava algo sobre seu passado. Mas agora sabia que não era

dor, era uma mentira. Ele planejou isto. Eu caminhei diretamente para

ele. Com cada passo, um novo pensamento voava através de minha

mente, me convencendo de que estava equivocada a respeito dele… que

ele estava além da redenção.

Confiei nele. Me fez pensar que me amava. Era tão fácil acreditar

nele. Eric se dirigiu para mim, mas não me importei, perdida em meus

próprios pensamentos. Cortei o Valefar diante de mim em dois golpes.

Seu sangue se derramou sobre minhas mãos, e me afastei o deixando

gritando.

As criaturas sem alma não podem amar. Collin não me amava.

O único verdadeiro pedaço de alma que tinha agora era meu. O ódio

queimou através de mim, me fazendo sentir invencível. Odiava que

tivesse um pedaço de mim dentro dele. Era um pedaço que ofereci

voluntariamente para salvar sua vida. Estava vinculada a ele com uma

intimidade que não podia aceitar. Não agora. Senti o aguilhão de minha

ingenuidade, enquanto minha espada se chocava com outro Valefar.

Três se moveram em torno de mim. A ira ondulou em meus olhos. Não

tinha nenhuma dúvida de que estavam completamente vermelhos, pois

estava consumida pela sede de sangue. Me movi rapidamente,

derrubando-os. Durante todo este tempo, Collin disse que criei o

vínculo, e que pus o vínculo entre nós.

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Bati outro Valefar no rosto, e segui caminhando. Era uma

imbecil, e escolhi mal. De novo. Tudo o que pensava de Collin estava

errado. Não era como se tivesse escolhido ser um bad boy — ele não era

um bad boy — era um Valefar. Me usou, me manipulou de todas as

formas possíveis. Meus olhos ardiam com intensidade, fixos em Collin.

Sabia que ele podia ouvir meus pensamentos. Bem. Eu ia por ele. Ia

matá-lo.

Eric gritou atrás de mim outra vez. — Sua ira! Livre-se dela, Ivy!

Controle-se!

Registrei finalmente suas palavras. Parei, girando para olhá-lo

enquanto ele lutava com um Valefar. Seu corpo se lançou enquanto

lutava; fatiando o Valefar, mas outros ocuparam seu lugar.

Voltei minha atenção a Collin. Não sabia do que Eric estava

falando. Por que deveria conter minha raiva? Estávamos no meio de um

campo de batalha, lutando até a morte.

Foi então quando o vi. Levantando minha espada diante de

meus olhos, vi que a prata estava resplandecendo de um branco

brilhante. Olhei para ela fixamente, mas isso não foi o que me fez me

parar. Foi meu reflexo. Pude vê-lo na lâmina. A lâmina resplandecente

iluminou meu rosto, deixando descoberto olhos furiosos como dois

poços de um vermelho profundo. Pude ver que as pontas dos meus

cabelos estavam brilhando. Elas se iluminavam como se fossem

labaredas vermelhas que não queimavam. Meu cabelo tinha se soltado

de meu rabo-de-cavalo e açoitava meu rosto. Não tinha ideia que estava

envolta em chamas vermelhas. Não podia sentir o calor. Nem queimava

nem saia fumaça. Só estava ali, mostrando minha raiva de uma

maneira única para mim… a Da Profecia.

Respirei profundamente, sem saber o que aquilo significava.

Meu coração trovejou, bombeando sangue através de meu corpo,

enquanto meus músculos se flexionavam. Afastei a lâmina para longe

de mim, para que assim não pudesse ver meu reflexo e me perguntei se

isto importava. Controlar minha raiva? Minha raiva estava fazendo isto?

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O grito de Elena rompeu meus pensamentos. Tinha estado

lutando todo o tempo com Collin, aguentando por sua conta. Sabia que

Eric a treinou, por isso era boa. Quando me voltei, vi seu corpo

afrouxar-se à medida que caía mais à frente da borda do poço e no

abismo abaixo. O sangue corria pelo braço direito de Collin, onde sua

arma tinha atravessado a pele. Isso me incitou a continuar.

Esquecendo rapidamente a advertência de Eric, e permitindo que a

raiva me consumisse. Não podia contê-la. Parei em frente a ele, fora de

seu alcance. O ódio fluía através de mim como fogo. Não reconheci

minha própria voz quando falei com ele:

— Uma vida por uma vida. Um coração por um coração. Uma

alma por uma alma. Tomou todas essas coisas de mim, e agora vou

pegá-las de volta.

Antes que terminasse de falar, antes que minhas palavras

tivessem tempo de assentar-se, impulsionei minha lâmina para seu

peito, esperando que perfurasse sua carne. Mas, chocou-se com sua

faca Brim Stone com um ruído metálico. Os olhos de Collin estavam

totalmente abertos. — Ivy, pare! Não é o que pensa. — Não me atacou

com sua espada. Só a bloqueou.

Tentei de novo, e ele bloqueou. Outro grito perfurou a noite.

Reprimi um calafrio que enviou uma sensação gelada por minhas

costas ao ouvir o som de um Martis sendo beijado por demônio.

Aspirando ar, continuei avançando para ele. Empurrei minha lâmina

para seu corpo, com o objetivo de alcançar pontos que fossem

vulneráveis, mas não encontrei nenhum. — Deixa de mentir! — gritei.

Ataquei novamente, só para sentir minha espada se chocando com a

sua — Perdi tudo por sua culpa!

Com cada gama de fúria dava o meu golpe seguinte. Sabia que ia

fazer contato. Sabia que ia ser sua morte. Poria fim às mentiras, a dor,

e ao olhar em seus olhos; o olhar que me fez acreditar nele quando

disse que me amava. Girou bruscamente no último instante. A lâmina

caiu fortemente, errando seu torso, mas atravessando seu braço. Com a

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mão tremendo deixou cair à faca, enquanto sangue fluía por cima de

seu braço. Dei uma patada na lâmina negra para a fossa. Esta golpeou

o flanco, fazendo ruído, à medida que caía no esquecimento. A raiva

encheu meu peito. Aspirei ar, e levantei minha arma sobre minha

cabeça, enquanto o vento açoitava meu cabelo em chamas vermelhas.

Fúria e poder fluíam através de mim, adormecendo tudo exceto a

vingança que tão desesperadamente precisava. Collin caiu de joelhos,

levantando uma mão sobre sua cabeça, quando estava a ponto de

acabar com sua vida. Apanhado entre seus dedos pálidos sustentou

algo para que eu pegasse. Algo que queria. Algo que nunca pensei que

voltaria a ver. O prendedor de cabelo de prata de Apryl resplandeceu na

escuridão, enquanto ele o sustentava para mim.

Duvidei. Seu gesto me confundiu, me fazendo vacilar. Fiquei ali

preparada para atacar, mas não me movi. Se ele tinha o prendedor de

cabelo, podia lutar. Mas não lutou. Entregou-se. Certa de que estava

pensando muito nisto, alcancei o prendedor, com a intenção de

arrancar de suas mãos. Mas quando estendi a mão, sua outra mão

voou em alto e me pegou pelo braço. Ele ficou de pé, me segurando

contra ele. Olhando para mim, seu peito se inchou com respirações

irregulares. Um grito saiu de meus pulmões, quando tentei sair de seu

controle. Tratei de me retorcer para longe dele, com tudo o que pude.

Mas, ele não me soltava. Antes que me desse conta do que estava

acontecendo, a cálida sensação gerada pelo vínculo disparou. Voltou

para a vida injetando imagens, lembranças e emoções dentro de mim.

Fiquei paralisada ali, com ele, segurando com força meu antebraço.

Estava me obrigando voltar a reviver uma de suas lembranças.

Caí diante da lembrança, e um grito dilacerador veio de algum lugar à

distância. Collin correu para o som, sem encontrar à garota que gritava.

Havia muitas árvores. Ela não estava onde se supunha que devia estar.

Seu coração pulsava com violência, ameaçando rasgar seu peito. Seus

pés esmagaram a terra, e a terra voou pelos ares, enquanto corria. A

ansiedade o consumia completamente. Reprimiu seu medo, mas seguiu

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tratando de alcançar a superfície enquanto corria. Pensou que era

muito tarde. Enquanto corria para o claro, seu estômago deu um

tombo. Ele encontrou a garota que estava procurando.

Seu corpo pálido jazia sem vida nos braços de Jake, enquanto

que seus lábios pressionavam o dela, despojando sua alma de seu

corpo. A garota era eu.

Meus olhos se fecharam e soube que foi quando a luz dourada

ia. Collin a viu derramando no chão como um atoleiro de ouro líquido.

Um matagal de emoções disparou através de seu corpo, medo, terror,

ira, vingança — mas nunca desacelerou. Seu corpo se chocou contra

Jake, afastando para longe de mim. O corpo de Jake voou pelo ar. Sua

cabeça bateu numa árvore em um forte rangido, e seu corpo caiu no

chão, imóvel. Se não fosse um Valefar, o impacto o teria matado. Nesse

momento na lembrança, tratei de me afastar e romper o controle de

Collin. Não queria ver isto, mas o vínculo me sustentava com força —

Collin me sustentava com força, me obrigando a reviver o resto de sua

lembrança. À medida que continuava, Collin viu meu corpo destroçado,

enquanto jazia ainda na terra naquela noite. Meu peito não subia ou

baixava. Deslizou seus dedos com cuidado debaixo de meu pescoço.

Seus braços fortes tremiam, enquanto me levava em seu colo. Meu

corpo estava inerte. Não respondia. Não chorava. Não havia nenhuma

expressão em meus lábios.

Apoiou sua fronte na minha e sussurrou — Não. Não. Ivy... —

Sustentou-me em seu colo, mas não respondi. Meu rosto estava pálido,

e frio além de toda possibilidade. Imagens de sua esposa passaram

através da lembrança, rostos cinzentos e fogueiras funerárias. Seu

intestino se retorceu em resposta, apavorado. A lembrança de minha

risada, meu sorriso se desvanecia dentro e fora, tão rápido quanto um

raio brilhando no céu noturno. A alegria que o fazia sentir o atravessou

e desapareceu. Deu-se conta que a morte já tinha sido feita por

procuração para mim. A agitação em seu interior ameaçou rasgando.

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Em sua mente, pude sentir que tomou uma decisão que lhe doía,

embora não sabia por que.

As lágrimas corriam por seu rosto, enquanto tomava sua lâmina

negra e cortava seu dedo polegar. Sangue escarlate brotou de seu corte.

Esfregou o sangue em minha marca… sangue de demônio. Minha

marca o absorveu, queimando de um vermelho brilhante, e logo

retornando ao azul pálido. As palavras ressonaram na lembrança:

Sinto muito Ivy. Não há nenhuma outra maneira. — Seu dedo talhado

tocou meus lábios, à medida que o sangue escarlate fluiu em minha

boca. Vi a lembrança, sentindo o mesmo horror que se arrastou pelo

corpo inclinado de Collin. Foi ele quem me deu sangue de demônio. OH,

Meu deus!

Mas a lembrança continuou. Ele ainda não tinha terminado.

Depois que o sangue entrou em minha boca, seus lábios vieram abaixo

em meus, brandamente, gentilmente. Seus lábios levaram o beijo que

sempre quis, mas nunca pôde ter. O resultado salvou minha vida, e me

condenou ao mesmo tempo. Podia sentir seus pensamentos. O sangue

de demônio concedia o poder para sustentar a vida sem uma alma. Me

permitiria viver, inclusive se grande parte de minha alma fosse tomada.

Entretanto, corria o risco de me converter em Valefar se me desse

apenas o sangue. Assim não o fez.

Algo dentro de Collin gritou, enquanto seus lábios pressionaram

os meus. Parte de sua alma poluída se rompeu, e uma parte fluiu para

meu corpo, com a esperança de que não me convertesse em Valefar.

Esperava que o sangue angelical Martis se aderisse a seu pedaço de

alma podre e me curasse. Tomou seu dedo polegar, estendendo-o sobre

meus lábios enquanto retrocedia, usando seu sangue para selar sua

alma dentro de mim. Viu meu rosto. Esperando. Sua mão brandamente

limparam as lágrimas de minhas bochechas, e colocou um cacho atrás

de minha orelha. Em silêncio, sustentou-me à espera e com esperança.

Tantos pensamentos voaram através de sua mente, mas se

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confundiram. O único pensamento coerente que escutei misturado

entre o arrependimento foi: Volta pra mim Ivy.

Volta pra mim. Sustentou-me em seus braços, acariciando meu

cabelo. O terror e o remorso o consumiam.

Meus olhos revoaram até abrir, olhando-o fixamente. O alívio se

deslizou através dele. Toda a raiva acesa se foi. Seus olhos azuis não

deixaram meu rosto. Sua mente roçou a minha, enquanto me

assegurava: — Está a salvo.

Já não podia seguir vendo a lembrança. Dei um grito afogado,

me afastando dele. O vínculo me soltou. Estava fora da lembrança e

imóvel ali, diante dele com a boca aberta… tremendo, e ainda

enfurecida. Sabia que o vínculo somente poderia mostrar a verdade. Os

olhos de Collin eram do mesmo vibrante azul irreal que vi depois do

ataque. Já não eram de cor vermelha, com sede de sangue. Ofegando,

me afastei dele. Minha voz era um sussurro chocado: — Foi você? Você

me salvou na noite que Jake me atacou? Estava ali? — Minha mão

segurou minha garganta. Mal podia respirar.

Ele assentiu com a cabeça. — Sim, mas é minha culpa. Tudo

isto é minha culpa. Pedi a Jake que te vigiasse, suspeitando que tivesse

mudado. Podia sentir que era iminente, o aroma do seu sangue

combinado com seu sofrimento, era matéria prima para os Martis. Não

foi um golpe de sorte que ele te encontrou. Levei-o até você. Supunha-se

que ele devia te proteger, mas essa nunca foi sua intenção. Me traiu, e

tratou de tomar seu poder para si mesmo. Ivy, eu sou a razão pela qual

foi atacada. Sou a razão de por que está poluída. Sou o único que te

mudou de ser Martis. Foi minha culpa. Tudo isso. — Fez uma pausa,

incapaz de me olhar — Não podia te perder. Não quando podia te salvar.

E não queria que te vinculasse a mim. Já disse isso a você. Queria tudo

de você, sem obstáculos. — Sorriu fracamente — Sabia que Jake tinha

drenado sua alma, e que não tinha restado nada. Todos os seres vivos

devem ter alma suficiente para mantê-los. Devolvi seu último pedaço de

alma, a que estava drenada no chão quando joguei Jake longe de você,

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mas não funcionou. Não voltaria para você uma vez que estivesse livre,

assim tomei e a combinei com um pedaço da minha. Minha parte de

alma podre não foi suficiente para me liberar de ser um Valefar, mas

quando a combinei com o último fragmento de sua alma; foi suficiente

para restabelecer sua vida. Utilizei meu sangue para selá-la dentro de

você, mas meu sangue te trocou… Suspirou, empurrando seu cabelo

fora de seu rosto e me olhando nos olhos. — Quando te deixei aquela

noite, pensei que estava bem. Sua marca ainda era azul e Eric estava

com você. Pensei que estaria bem. Só quando vi que sua marca tinha se

tornado vermelha, soube o que aconteceu. Sou a razão por que é a da

Profecia. A culpa é minha. — ficou ali, me olhando.

Minhas emoções eram tão selvagens que não tinha ideia de como

me sentia. Sabia que o vínculo não podia mentir. E acreditava em suas

palavras. Mas algo ainda estava desconjurado. Disse — Então, por que

abriu o portal? Por que vai me sacrificar? — Meus punhos agarravam

minha arma com tanta força que minha mão tremia.

Negou com a cabeça. — Não estava fazendo. Uma vez que vi que

estava poluída, tratei de fazer fracassar a profecia. Te ensinei a usar

seus poderes Valefar e começou a fazer coisas que nunca antes tinha

visto. Coisas que não formavam parte da profecia. Pensei que a

rebateria, e talvez a profecia mudasse de rumo, como esperava. Mas

não foi assim. Simplesmente seguia avançando para este portal aberto.

Os Valefar ainda estavam te buscando, a pintura, e a chave. Eles não

parariam até ter os três. Vi a chave ao redor de seu pescoço na igreja.

— Tragou duramente, olhando ao seu redor rapidamente para briga, e

logo para mim — Sabia que tínhamos os três. Disse-lhes que abrissem o

portal.

A raiva disparou através de mim. — Como pôde fazer isso

comigo?

Levantou as mãos, falando com calma sobre meus gritos. — Ivy,

fiz um pacto com o Kreturus.

— Eu sei! — gritei de volta.

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— Não, não sabe – disse — Disse-lhe que a traria para dar a ele

a Marca Púrpura. Mas ele não sabe que é você. — Seus olhos se

encontraram com os meus, meio esperando que o entendesse, mas

também esperando que não o fizesse. Podia senti-lo através do vínculo.

— Se não estava me entregando a ele, então...? — No que estava

pensando?

Um sorriso se desenhou em seu rosto, e disse: Ivy. Minha

marca é de cor púrpura, também. Estou tomando seu lugar. — Fiquei

boquiaberta, enquanto o olhava horrorizada. Esse era seu plano?

Esboçou um sorriso, dando um pequeno passo para trás. —

Como disse: uma vida por uma vida. Falhei em te proteger na noite em

que foi atacada. — Seus olhos azuis me perfuraram enquanto seus pés

se arrastavam lentamente para trás — Cheguei muito tarde. E não

posso recompensar o que te fiz. Não posso mudar. — Deu um passo

atrás, pela última vez. Seus olhos estavam cheios de remorso — Não

vou falhar agora. — Estava na borda do círculo de sal antes de me dar

conta. Estava muito aturdida ali para me mover, sem acreditar

realmente no que estava acontecendo.

Ele me salvou. Amaldiçoou-me. E eu o troquei para vermelho.

Era um louco como eu, inclusive se não tivesse meus poderes. Já não

encaixava em nenhuma parte, tampouco… era um Valefar com parte de

uma alma Martis. Neguei com a cabeça dando um passo para ele, ainda

sem me dar conta do que estava a ponto de fazer. Collin me olhou uma

última vez. Seus olhos nunca deixaram meus. — Eu te amo, Ivy Taylor.

— Respirou fundo, virou de costas para mim, e lançou seu corpo no

poço.

O medo me atravessou à medida que gritava: Collin! —

Vendo-o cair. Todo o fôlego saiu de meu corpo, à medida que me

equilibrei sobre ele. A terra chocou comigo enquanto meu braço saiu

disparado, passando muito perto de sua mão. A angústia se levantou do

fundo de meu ser, enquanto gritava, sem poder fazer nada, vendo-o cair

para sua morte no interior do poço escuro. Os soluços surgiram mais

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profundamente. Fiquei estendida na borda, meio pendurada no poço,

com a visão imprecisa pelas lágrimas, e incapaz de aceitar o que

aconteceu.

Sacrificou-se por mim… tomou meu lugar

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Capitulo 32

O sacrifício de Collin mudou a batalha a favor dos Martis.

Os Valefar restantes se dispersaram na noite, depois de ver a

queda de Collin no abismo. Eles pensaram que eu o derrotei. Pensaram

que o joguei dentro, apesar de não ter feito. Não importava o que

realmente tinha acontecido, não depois de ver a garota de cabelo em

chamas matar a todos que ficavam em seu caminho. Tinham medo de

mim.

O vento uivava, enquanto balançava o cabelo sobre minha

cabeça, e me segurei na borda do poço. Os extremos já não brilhavam

com uma chama falsa. Fiquei olhando fixamente para o poço, sem ver

nada, apenas sem respirar. Os braços de Shannon me puseram em pé,

me arrastando longe da borda. Eu permiti. Estava muito fraca para

protestar, ou pensar se quisesse.

A confusa impressão reverberou através de mim em um

incessante fluxo, enquanto observava o aumento de poder do portal.

Mais terra desapareceu enquanto a borda se fez ainda mais

ampla, empurrando a borda do círculo de sal. Estava completo. O portal

estava aberto. O solo agitando-se e reverberando tão alto que podia

sentir as vibrações através de meus sapatos. Julia correu para nós,

uma expressão grave em seu rosto de boneca de porcelana cheio de

pânico. Os outros Martis, incluindo Al, colocaram-se rapidamente atrás

dela. O poço emitiu um débil resplendor sobre seus rostos da linha de

sal iluminado.

Al girou enquanto ela entrava no portal.

— Temos que selá-lo bem.

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As mãos de Julia voaram freneticamente através do ar enquanto

falava:

— Não podemos fazer isso. Sabia que isto aconteceria! O portal

não se fechará agora. Alcançou seu tamanho completo. Só um Valefar

pode fechá-lo.

— Entretanto, não podemos fechá-lo ainda. — Minha voz chiava

com a confusão — Collin... Collin retornará. — Meus olhos estavam

muito abertos e sem pestanejar, enquanto me voltava lentamente para

Al, queria que ela estivesse de acordo comigo. Mas ela negou com a

cabeça.

— Não pôde ter sobrevivido a isso, Ivy. Ele sabia o que estava

fazendo antes de se jogar. Salvou você.

A voz de Julia, presa ao pânico, interrompeu não me deixando

nenhum segundo para processar nada. — Se não o selarmos logo,

começarão a sair. Como podemos fechar o portal, se ela não for fazer?

Aturdida, olhei seu rosto preocupado.

O que sairá? Seus olhos castanhos estavam completamente

abertos, tensos, e preparados para ter um ataque de pânico de tamanho

nuclear. O que a tinha assustado tanto? Kreturus não foi convocado, ou

já estaria aqui. Assim por que estava ficando louca?

A mão de Shannon foi para meu braço.

— Não podemos salvá-lo. Por você, faria tudo. Mas se não

fecharmos isto, Deus sabe o que sairá.

— O que? — perguntei, sem entender. Sacudi a cabeça e os olhei

fixamente. O vento e o frio golpeavam meu corpo, mas eu não sentia.

Julia apertou os dentes, me espetando: — Você sabe o que sairá! E

sabia. Em meu interior, sabia o que estava ali. Era uma porta de

entrada para o inferno. Essas coisas que tinha visto em minhas visões:

os demônios servidores que estavam ali abaixo. Esperando. Apanhados.

Queriam sua liberdade tanto quanto Collin queria a sua. Se

havia uma saída, eles a pegariam, não importando o risco.

Al veio atrás de mim.

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— Sabe o que tem que fazer garota. Faça antes que seja muito

tarde. É a única que pode fechar.

As lágrimas fluíram livremente por minhas bochechas geladas.

— Está certa de que não há maneira de que esteja... Não é possível que

ele tenha sobrevivido, verdade? — O desespero era tão transparente,

que inclusive Julia notou.

Julia deixou cair seus braços.

— É possível. Entretanto, Ivy, não é provável. Se a queda não o

matou, Kreturus o fez.

Não acreditei que quisesse ser cruel, mas meu lábio inferior

tremeu involuntariamente. Mordi meu lábio para mantê-lo quieto. Não

podia pensar. Por que estavam me olhando?

— Eu não sei como fazer.

Al disse:

— A magia negra abriu a fossa; tem que ser a mesma magia para

fechá-la. Magia Valefar.

Os pensamentos começaram a correr por minha mente. Era

muito. Isto era muito horrível. Durante todo este tempo ele esteve me

protegendo, tratando de fazer com que profecia mudasse de rumo.

Então, se jogou na fossa. Salvou-me duas vezes. O que aconteceria se

ainda estivesse vivo? O deixaria trancado dentro da fossa. Seria pior

que enterrá-lo vivo.

Meu estômago se retorceu em nós e ameaçou se destruir.

Tragando saliva, olhei ao redor, sem saber o que fazer. Meus olhos se

mantiveram fixos na borda ligeiramente iluminada. Uma estranha

sombra se movia pelas paredes enegrecidas. Os emplastros de lodo

adquiriram um brilho estranho sob a luz, quase tomando forma. Meu

coração disparou, enquanto corria até a borda, caindo sobre meus

joelhos. Algo se movia. Gritei para baixo:

— Collin?

O som de uma voz era como o borbulhar de cascalho:

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— Não. Não sou ele. — Meu estômago se retorceu, quando

reconheci a voz do demônio. Era um dos demônios de minha visão. Meu

coração se acelerou, enquanto olhava de cima da borda. Um movimento

fez com que meus olhos saltassem para diferentes lugares na parede, e

logo às profundidades do poço.

— Demônios! Os demônios estão saindo! — gritei me afastando

da borda.

Desesperadamente, apressei-me, me afastando com meu coração

pulsando em meus ouvidos. Essas coisas me aterrorizavam. Eles eram

a realidade de minhas visões. Não queria ser a garota em que me

converteria. Lutando contra o terror crescente em meu interior, olhei

para os outros. Estavam impotentes, mas nenhum deles estava

chorando como eu estava fazendo. As lágrimas corriam por meu rosto.

Eu era a única estúpida o suficiente para amar um Valefar.

Eric correu até a borda confirmando para os outros o que vi.

Estava gritando:

— Temos que selar o poço! Agora!

Aterrorizada, só podia pensar. A única coisa que sabia era que

não queria ter nada que ver com a criatura negra coberta de lodo

escuro, seus olhos vermelhos brilhantes, e sua voz rouca. E nunca

quereria conhecer seu professor. Nunca. Apesar de Collin ter tomado

meu lugar, isto não tinha terminado ainda.

— O que devo fazer? — perguntei. Meu corpo se sentia

congelado, enquanto o vento me gelava até a medula. Julia sacudiu a

cabeça, murmurando em voz baixa em italiano.

Al disse:

— Faça o que aprendeu. É uma parte Valefar. Tem que ver se é

suficiente. Chama à escuridão para selá-los dentro.

— A escuridão — perguntei, sem saber a que se referia. Al

assentiu com a cabeça. Os outros Martis começaram a retroceder. Eles

tinham me olhado sem realmente se dar conta do que eu era antes, mas

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agora viam. Era meio Valefar. Era seu inimigo. Pouco a pouco se

afastaram, mostrando fisicamente quão sozinha estava realmente.

Gritei, sabendo que precisava dele.

— Eric. Não vá. — Ele assentiu com a cabeça, permanecendo

perto de mim. Com meus lábios apertados, sufoquei um soluço, e

centrei toda minha atenção no anel de rubi. Ordenei às sombras que

viessem para mim, mas não aconteceu nada. A noite era escura. A

tênue luz do anel de sal não era suficientemente brilhante para emitir

sequer uma pequena sombra, e eu precisava de uma grande fonte de

iluminação. Meus olhos escanearam a área em busca de uma sombra,

para nada, não havia nada. As granjas estavam envoltas na escuridão.

— O que você quer? — perguntou Al, imediatamente percebendo

a expressão de meu rosto.

—Não há sombras. Preciso de uma grande sombra, mas não há

nenhuma. — Virei para a irmã Al — Não posso chamar sombras se não

houver nenhuma para ser chamada.

Antes que pudesse dizer mais alguma coisa, Eric tinha

conjurado a esfera de luz em sua mão. Brilhava com uma cor azul

tênue. — Isto ajudará? —perguntou.

Neguei com a cabeça.

— É muito fraca. A única coisa que fará uma sombra bastante

grande é o edifício da igreja.

Fechando os olhos, curvou as mãos. A esfera começou a crescer.

O círculo de luz rapidamente superou o tamanho da palma de sua mão,

e flutuou para cima como se fosse um globo. Projetando uma luz azul

desde Eric, enquanto o suor gotejava de suas têmporas.

Julia exclamou:

— Não sabia que ele podia fazer isso. — Seus olhos estavam

muito abertos, enquanto o observava. Alguns Martis murmuravam que

não podiam chamar tanta luz, e se perguntavam como ele estava

fazendo.

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As sombras se estenderam do edifício de pedra, formando uma

silhueta da igreja no chão. Quando a luz de Eric se fez maior, a sombra

aumentou de tamanho e de claridade. Estendendo a mão para a

escuridão, conectei meu Valefar interior, e chamei à sombra dentro de

mim. Nunca tinha chamado algo tão grande. Era do tamanho de um

edifício, e sabia que teria que viajar através de mim para ser de alguma

utilidade. A ideia me repugnava, mas não tinha escolha.

A sombra obedeceu e fluiu através de meu corpo. Era como se

dedos gelados estivessem acariciando minha alma. Estremeci tratando

de sustentá-la, o frio fazendo estragos em meu corpo. Fisicamente

estremeci, tentando mantê-la dentro. Pela extremidade do olho, vi o

rosto tenso de Eric. A irmã Al tremia enquanto olhava a borda do poço.

Alguns dos demônios estavam perto da borda. Senti o fluxo da sombra

sair de mim e se dirigir para o buraco para enchê-lo, mas algo estava

errado. Começou a fluir para o poço como água, chapinhando pelos

lados. Não afetando em nada aos demônios. — É isso suficiente? Ou

pode ao menos mantê-los a distancia? — perguntei, ofegando.

Julia se pôs a rir como louca.

— Mantê-los a distancia? Trata-se de um buraco para o inferno.

Não. Não terá que mantê-los a distancia. Eles querem sair.

Realmente não gostava. Tremendo, mantive a sombra no lugar,

sem entender por que não estava funcionando. A sombra tinha que ser

suficientemente grande. Mas, não selaria a parte superior.

Simplesmente fluíam para baixo pelas paredes.

Eric me olhou fixamente, e disse:

— Usaram a chave para abrir o portal, não é? Talvez não seja

abrir o portal com a chave, a não ser mantê-lo aberto com ela.

Assenti, estando de acordo. Mas nem sequer podia ver a chave

para saber se sua ideia era verdade. Tremendo, pude sentir meu corpo

querendo se desdobrar.

A voz frenética me trouxe de volta.

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— Os demônios estão muito perto da borda. Vamos tratar de

empurrar eles de volta. Mantenham suas posições. Faça o que faça não

pare!

Observei quando um demônio escalou aproximando-se da borda

do poço. Tinha a figura deformada dos demônios em minha visão. Seus

olhos ardiam de cor vermelha, e sua pele era negra. Arrastava-se até a

borda do buraco, como escuridão arrastando-se de sua tumba. O

demônio se aproximava da borda, pouco a pouco subindo pelas paredes

escorregadias com seus dedos com garras. Uma serpente como uma

língua, sobressaía-me de sua cara de réptil, enquanto se detinha perto

da borda.

— Minha Rainha. Libertou-nos. — Sua língua serpenteou, e

piscou seus olhos em chamas — Uma vida por uma vida. — Seus olhos

se viam ocos, e então piscaram de novo para mim. Seu fôlego cheirava a

repolho.

— Pode voltar de onde veio — lhe disse, tratando de parecer

mais segura do que me sentia. Gotas de suor escorriam por minhas

costas. Sua língua molhou seu outro olho, e logo se deslizou em sua

boca.

— Nos servirá, não importa se aceitar hoje ou lhe forçamos. Não

tem escolha. — Meu coração pulsou rapidamente. O corte em minha

bochecha ardia. Esquecendo-me disso, procurei no mais profundo de

mim, e tirei até a última gota de força que ficava tratando de possuir a

enorme sombra. O demônio se deslizou vários metros para trás, e me

mostrou os dentes. Eram várias filas que pareciam facas de cozinha.

Algumas de suas comidas anteriores ainda estavam presas nas

brechas. — Ivy Taylor será rainha! — Estremeci quando essa coisa disse

meu nome, lutando contra todo instinto de fugir.

Olhando para o grupo de Martis, perguntei o que estava

tomando tanto tempo. Eric evocou luz em uma enorme esfera em

questão de segundos, mas apesar dos muitos que existiam não tinham

luz suficiente para fazer um farol. Meu coração se agitou. Não podia

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evocar luz para empurrar essa coisa para baixo. E isso me queria. Senti

meu rosto fazer uma careta enquanto o olhava, e não pude ocultar meu

desgosto.

Sua voz me fez pensar que estava alucinando. — Ivy Taylor não

será rainha hoje. — Jenna Enjoe, vestida de um rosa sólido, aproximou-

se do meu lado como se estivesse em um piquenique.

Frenética, disse:

— Jenna Enjoe! Corre! Foge daqui! Agora! — Fiz um grande

esforço, enfraquecendo sob a enorme sombra pesada. Jenna pôs sua

mão sobre meu ombro. Logo ficou de pé ao meu lado. Insisti-lhe — Não

pode ficar aqui! Veja! Vão te matar! — gritei, mas ela não me deu

atenção. Não me fez conta!

— Ivy, se acalme — disse — Vamos enviar estas coisas de volta

para onde vieram. — Sorriu com seus lábios cor de rosa, e tirou um

anel de prata de seu dedo. A marca azul imediatamente apareceu

resplandecente por cima de sua fronte. Fiquei boquiaberta. Ela era uma

Martis! Por que diabos todos ao meu redor eram Martis ou Valefar!

Fulminei-a com o olhar. Ela não me deu atenção, estando ainda

agradável e alegre — Olá, Althea! Quanto tempo sem te ver! — Jogou

seu poder em uma esfera com pouca luz. Quando Jenna acrescentou

sua esfera de luz ao resto, foi suficiente. As esferas se deslizaram dentro

da fossa, iluminando os horrores de baixo.

Os demônios se seguraram às paredes do poço como baratas,

arrastando-se rapidamente para o topo. Quando a luz passou por cima

deles, alguns se deslizaram para baixo, enquanto outros perderam seu

agarre e caíram. Isso nos garantiu uns minutos.

Gritei para Eric:

— Vou tratar de conseguir a chave. Não importa o que

acontecer, não parem. Têm que manter a luz onde está ou vou perder o

controle da sombra.

Eric assentiu com a cabeça, mostrando-se preocupado. — Ivy,

como está… Sua sentença foi apagada enquanto me olhava.

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Pressionando meu dedo no anel de rubi, mantive a sombra em

seu lugar. Deixou-me sem fôlego manter algo tão grande durante tanto

tempo, mas sabia que tinha que conseguir a chave, ou que tudo seria

em vão. Antes tinha trabalhado com uma pessoa. Agora esperava que

pudesse fazer com um objeto. Esfreguei a pedra de rubi me

concentrando nas peônias de marfim rodeadas pelo disco negro e

brilhante. Vi a cadeia negra sustentando o pendente no oco de minha

garganta. Quase podia sentir a suavidade da pedra negra na parte de

atrás do pingente em minha mão.

Estendi minha mão, sentindo-o em minha mente. Através das

sombras, e o reluzente asfalto no poço, eu o vi na parede da parte

superior de um aro. Tragando com dificuldade, me concentrei. O frio

cadáver, como dedos da sombra eu não gostava das chamas lambendo

meu estômago, enquanto materializava o pingente em minha mão. As

sombras trataram de retroceder quando as chamas percorreram meu

corpo, mas lutei para mantê-las.

Gritei quando as duas manifestações do mal lutaram dentro de

mim, mas não as liberei. Eram escravos, como todos os Valefar, e

tinham que fazer o que lhes dissessem. Mandei que o colar aparecesse

em minha palma. Enquanto que sentia ser queimada viva e consumida

pelo gelo da morte cobrindo meu corpo, dobrei-me em dois, agarrando

meu estômago. Combinava coisas que não queriam ir da mão, formando

uma nova classe de tortura. Fechei os olhos tão forte como foi possível,

aguentando o calor, sabendo que em poucos segundos o pingente

estaria em minha palma. Tinha que ser suficientemente forte para

convocar e dirigir as sombras, ao mesmo tempo. O fogo ardia através de

meus ossos e a gelo de morte acariciou meus músculos contraídos.

Gritei de novo.

Logo. O teria logo. Não o deixe ir. As vozes a meu redor já não

tinham sentido. Soavam como se eu estivesse em um túnel e elas muito

longe. Já não podia sustentar minha mão aberta, esperando o colar.

Fechei minha mão, enquanto meu corpo se inclinava de dor. Fiquei de

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cócoras no solo me negando liberar qualquer poder. Um grito se

levantou de minha garganta enquanto o fogo me queimava viva, e logo

se desvaneceu. O punho que tinha apertado com tanta força que as

unhas machucaram minha pele, estava ocultando algo. Forcei meus

dedos a se abrir. O colar de Apryl estava no centro da palma de minha

mão.

Senti que meu corpo falhava rápido. Que as sombras estavam

lutando contra o calor tão intenso que fez que não se detivesse quando

o calor cedeu. A natureza gelada da sombra ameaçava me consumindo

toda. Meu corpo estremeceu enquanto tentava me pôr de pé. Dirigi meu

corpo tremulo para me pôr erguida, abri minha mão e lhe mandei à

sombra:

— Vê. — Sabia o que devia fazer. A sombra deixou em minha

palma um grosso laço negro, enquanto o frio viajava até minha

garganta, saindo por minha boca. Apesar de que parecia que a sombra

voou de minhas mãos, meu corpo se sentia como se tivesse sido

arrancado de meu estômago, cortando seu caminho até minha

garganta, e fora de minha boca. O poder do demônio era terrivelmente

cruel.

Tratei de fazer retroceder a dor, mas a sombra se tornou tão

intensa que não podia. Fechei os olhos, enquanto abria caminho ao

redor do poço, começando pelo centro. Laço atrás de laço estava

colocando-se formando uma barricada negra. Quando abri meus olhos,

só o aro estava descoberto, e a sombra se fechou rapidamente. O laço

negro tocou por último a borda do círculo de sal no outro lado,

começando a selar o portal.

O chão estremeceu, enquanto os demônios corriam mais rápidos

para cima. As paredes do poço começaram a se desfazer e cair. Cada

vez que a borda exterior se desfazia, era substituída com terra firme, e o

círculo de sal se contraía. O portal estava fechando. Respirando com

dificuldade, sustentei a sombra até que o círculo paralisou. Tinha que

me assegurar.

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O demônio que tinha falado antes se encontrava na borda, preso

debaixo de uma capa negra. — Rainha. Collin Smith vive. E você será a

Rainha. — Sua voz gutural foi calada quando o chão firme o cobriu, e se

selou o poço.

Tremendo, engoli, e abri minha mão para liberar à sombra. Sua

fria aderência a mim foi tirada de minha garganta, fazendo que o arco

de minha coluna estivesse dolorido em resposta. Saiu de meu corpo e

voou de novo para o chão diante da igreja. Eu desmaiei. Fazia tanto frio.

Mal era consciente das pessoas que me rodeavam. Neblina encheu

minha visão, enquanto tentava manter os olhos abertos. Meu rosto

estava contra o chão gelado, e uma luz próxima se desvaneceu em um

pálido e formoso azul. Depois, a escuridão me envolveu.

Pouco a pouco, abri os olhos, tentando me certificar onde estava.

Já não estava inclinada pelo frio, embora minha visão ainda estivesse

nublada. Sentei lentamente, e gemi quando meu corpo protestou.

— Devagar Ivy. — Era a voz de Eric, embora não pudesse ver

mais que uma tênue sombra dele.

— O que aconteceu? Onde estou? — Minha voz estava rouca e

doeu falar. Sentia como se tivesse estado deitada em uma cama dura. A

forma imprecisa de Eric se sentou em minha frente. — Estamos na

igreja de Al. Trouxemos você aqui.

— Por quanto tempo? Quanto tempo estive fora? — Ofeguei

esfregando os olhos. Por que não enxergava?

— Uns poucos dias — disse em voz baixa — Preocupava-me que

ainda não tivesse despertado. Você está bem?

Não sabia. Em silêncio, me sentei ali por um momento,

piscando, esquecendo que nunca o perdoaria. Minha visão não estava

clara. Engoli saliva.

—Não posso ver. Tudo é confuso.

Eric se sentou junto a mim. Suas mãos estavam sobre meu

rosto, quando disse:

— Deixe-me ver.

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Seu rosto estava muito perto do meu. Podia sentir seu fôlego

quente, mas não podia ver melhor. Meu coração se acelerou quando

comecei a entrar em pânico, porque meus olhos se negavam a enxergar.

Por fim perguntei: — O que aconteceu comigo?

Eric disse:

— Salvou todo mundo. Está virando a cabeça de Julia, já que

pensava que fosse má.

Dei uma risada irônica. — Sou estúpida. Não má.

— Não, não é. Já lhe disse isso. É mais inteligente que qualquer

um que conheça. — Fez uma pausa, e pegou minha mão. Não o afastei,

apesar do medo em meu estômago. Disse — Tenho que te dizer algo,

mas quero que Shannon dê uma olhada em seus olhos primeiro. Por

favor, Ivy. Preciso falar contigo, certo? — Não disse nada, afastei-me

dele. Suspirou, e se foi. Meu coração se afundou. Queria a oportunidade

de que me explicasse o que aconteceu a Apryl. Não estava certa se

queria saber. Não podia estar mais angustiada. Não podia desfazer o

fato. Ela tinha morrido, e de algum jeito ele era responsável.

Shannon e Al entraram na sala, seguidas por Eric. Julia bateu

em Eric. Ele saiu, encontrando-a no final do corredor. Disse Ela não

está feliz.

— Ela nunca está feliz — disse Shannon em voz baixa — Deixa

que olhe seus olhos. — As mãos de Shannon estavam em meu rosto

antes que pudesse dizer algo. Moveu minha cabeça, uma pequena luz

brilhou em meus olhos. O ponto de luz cortou através da neblina, e ela

pouco a pouco se derreteu. Fiquei muito quieta, me perguntando como

ela fez. Esperava ver um laser em sua mão, ou algo similar, enquanto a

neblina que distorcia minha visão se desvanecia. Mas, em vez disso, vi

uma pequena esfera de luz azul pálido.

Ela cortou a luz, moveu-a, e a pôs sobre meus olhos. Quando

terminou, minha visão estava restaurada.

Pisquei, aturdida. — Como aprendeu a fazer isso?

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Ela se encolheu os ombros. — Não fiz. É inato. Quando alguém

precisa de cura, um Dyconisi sabe o que fazer. — Sorriu para mim, e

jogou seus braços ao redor de meus ombros — Alegro-me de que esteja

aqui. A abracei e disse:

— Eu também.

Quando me liberou, disse:

— Essa coisa mentia, sabe? — Seus olhos verdes pareciam

preocupados. Assenti com a cabeça, incapaz de responder. Queria

acreditar que Collin estava vivo. Mas não podia. A tristeza dessa certeza

se agarrou a mim.

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Capitulo 33

Sentei-me no St. Bart com a Irmã Al. No último mês, tinha me

ajudado a me adaptar. A maior parte dos Martis se foi, Julia voltou para

Roma e a vida continuou. Sofri quando enterramos minha mãe, e

arrumei o que restou de minha vida. Não era muito. Mamãe tinha me

deixado um pouco de dinheiro, assim não tinha que viver em uma

caixa. Mas perdi tudo. E a todos.

Todas as lembranças, as coisas que eu tinha de minha mãe e

minha irmã, todas elas queimadas. Não se salvou nem sequer uma

fotografia. O único que restou foi o colar, e o prendedor de cabelo que

Apryl me deu. Shannon os tinha salvado na noite da batalha. Estava

tão consumida pela comoção, quando Collin se jogou pela borda que

não me dei conta que ele os tinha deixado para trás.

Tudo o que amava se foi. Minha família estava morta. Estava

sozinha. De repente não tinha passado, nem futuro. A picada da morte

estava tentando ficar em dia comigo. Não queria pensar nisso. Não

queria pensar sobre a situação de minha mamãe, nem em minhas

últimas palavras de irritação para Collin. A culpa me atormentava

constantemente. Mantinha-me em movimento, tentando afastar a

culpa. Irmã Al sustentava uma xícara de chá fumegante em sua mão.

Tinha me dado uma também, mas a minha era de chocolate quente.

Aspirei ao vapor. A pele enrugada de Al tinha uma cor rosada de novo.

Ela parecia desgastada depois da batalha, mas ver Jenna Enjoe, que

era sua chefa desaparecida e sua melhor amiga, lhe ajudou a se

recuperar rapidamente.

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A tarefa de Jenna Enjoe também tinha sido me encontrar: a

garota da profecia. Determinou a localização onde eu apareceria, quase

duzentos anos atrás, e esperou até que me apresentei. Teve a paciência

de um santo. Não é de estranhar que estivesse tão alegre. Era a razão

pela qual na cidade havia tantos Valefar e Martis. Todos estavam me

esperando, para demonstrar por mim mesma a Profecia Única. Como se

tivesse escolhido o trabalho.

Uma vez que Shannon me curou, todos se foram rapidamente.

Eles tinham que informar o que aconteceu ao Tribunal de Roma e

decidir como proceder. Estava claro que lutei pelos Martis, mas depois

de estar esperando para me destruir por mais de dois mil anos, se

requeria uma grande quantidade de papelada para que todos

estivessem do mesmo lado. Julia desapareceu, levando Eric com ela.

Não cheguei a ouvir o que tinha a dizer. Assumi que voltaria, me

pedindo que lhe escutasse. Não estava certa de querer escutá-lo, mas

depois do que ocorreu com Collin, estava disposta a admitir que não

soubesse tudo. Na verdade, estava disposta a admitir que soubesse

menos do que sabia antes de tudo isso começar.

A voz de Al cortou o silêncio.

— Assim, continua ignorando?

Um triste sorriso saiu de meus lábios.

— Ignorando o que? — Tinha sido assim todos os dias durante

um mês. Não ia à escola. Não tinha por que uma vez que descobriram a

minha mãe morta. Ninguém se deu conta de que tinha faltado à

excursão no campo. Os serviços sociais me deixaram sozinha desde que

Al me reclamou. Deixei. Não tinha outra família. A escola não esperava

voltar a me ver até depois do Natal, o que estava bom para mim.

Portanto, passava as tardes assim, bebendo líquido quente com uma

anciã.

— A profecia — disse.

Recostei-me na cadeira.

— Não tinha pensado na profecia. — Não queria fazer.

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— Bom, aqui há algo sobre o que é possível que deseje pensar. O

que aconteceria se todo mundo estivesse errado? O que aconteceria se a

profecia não quisesse dizer o que pensávamos que queria dizer? —

perguntou. Minha boca se abriu com assombro, enquanto punha minha

xícara sobre a mesa. — Do que está falando? É obvio que era certa.

Essa coisa me disse que seria sua rainha. Sei que você ouviu. —

Estremeci. Esse demônio me dava medo. Uma viva lembrança do som

de sua voz, e o aroma de seu fôlego, me golpeou. A realidade daquela

criatura fez minha visão de ser a rainha demônio ser muito real.

— Sim. Ouvi. Disse que será rainha. — Fez uma pausa, bebendo

seu chá — Sabe, só há um soberano no Infra mundo neste momento,

um rei ou uma rainha. O único soberano que conheci é Kreturus. Seu

reinado se estende durante toda minha vida e muito mais. É cruel, vil

além das palavras. Já que tem habilidades Valefar, deve ter notado o

preço de seu poder. Tudo se paga com dor, miséria, e agonia. Não há

descanso, não há paz para os de sua espécie. Mas, agora mesmo estou

sentada frente a uma garota, que é parte de sua linhagem, e é mais

forte do que ele já foi um dia, apesar de que ela ainda é jovem. — Sorriu

para mim — E as coisas que dirigiram você para o caminho de seu

destino escuro não são coisas maliciosas ou malditas, são ações que se

originaram do amor e da bondade. Ivy, pensamos que a Profecia Única

seria mais poderosa e mais maldita que Kreturus. Mas, como pode ser

verdade quando a jovem que vejo sentada diante de mim é você? Não

sabia o que dizer. As lágrimas umedeciam meus olhos, e antes que

pudesse piscar para afastá-las se deslizaram por minha bochecha.

— Não importa o que faça não é? Esse permanece sendo meu

destino. Não há nada que possa fazer para evitá-lo. Tentei e fracassei.

— Ah – disse — mas, talvez evitá-lo não devesse ser o objetivo?

Sequei as lágrimas de meu rosto e a olhei com incredulidade. — Crê

que devo aceitar meu destino? Como pode dizer isso? Sabe o que

significa? Estarei presa no Infra mundo, sem amigos e sem família.

Estarei sozinha para sempre, me convertendo em algo que não quero

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ser. — Meu peito parecia vazio quando as palavras se vertiam para fora

de meu coração. Meu destino me custava tudo. Aceitá-lo significava que

mamãe e Collin morreram em vão. Não, eu não o podia aceitar.

— Essa é a parte em que acredito que nos equivocamos.

Supunha-se que seguiria os passos de Kreturus, mas a profecia não

dizia explicitamente para que. E não posso imaginar você se

convertendo no Destruidor, não quando lutou tanto para proteger a

seus seres queridos. Talvez seu destino seja neste lugar escuro, mas a

pessoa em que você vai se transformar está ainda em suas mãos. —

Bebeu um gole de chá. Fiquei olhando meu chocolate sem começar.

— Não parece ser assim. Parece como se não tivesse controle

sobre nada. E como se supõe que uma boa pessoa vive no inferno? As

coisas não são dessa maneira.

— Não? Tem certeza? — Ela me olhou através de seus velhos

olhos. Eu vi algumas coisas que me fazem acreditar que não são tão

claras como se poderia pensar. Recentemente ouvi sobre um malvado

menino Valefar que salvou a uma garota Martis, duas vezes. Tudo o que

sabemos, diz que suas ações não eram possíveis, mas essa marca em

sua cabeça diz o contrário. Ivy, uma pessoa má daria a vida por você?

Levantei o olhar para ela.

— Não. E não acredito que Collin fosse mal. Era um escravo,

obrigado a fazer coisas que ele não queria. Quando resistiu, quando se

negou a me entregar a Kreturus, isso lhe custou à vida. — O nó se

esticou em minha garganta enquanto falava. Não tinha falado de Collin

desde a noite em que se sacrificou por mim.

— E se ele ainda estiver vivo e esperando no Infra mundo? Meu

coração pulsava com força. Não podia acreditar que estivesse sugerindo.

— Você quer dizer... E se ele ainda estiver vivo?? Não poderia ter

sobrevivido àquela queda. E se ele fez... — Fechei os olhos. Não havia

maneira de que sobrevivesse à besta que existia na parte de abaixo, se a

queda não o matou.

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— Se o fez, tem a um bom menino em um lugar ruim. Vê o que

quero dizer? As coisas não são tão simples. Você, por exemplo, a gente

dirá que é ruim porque tem sangue de demônio correndo por suas

veias. Mas, sei que é uma boa pessoa. Alguns podem dizer que Collin

era um Valefar e malvado. Mas, também me disse que você estava

unida a ele. Só há um caminho para que isso ocorra. Ambos têm um

pouco da alma do outro. Ambos realizaram o ato altruísta de salvar ao

outro, dando um pedaço de si mesmo. O altruísmo não é ruim. — Ela

suspirou pesadamente — Ivy, o que estou tentando dizer é que seu

destino não pode mudar, mas o caminho que leva você lá não se formou

ainda. Suspeito que seu coração mostrará o caminho, e levará você

aonde tem que ir.

Ouvi cada palavra que disse, mas me concentrei em uma coisa.

Pensava que Collin poderia estar vivo.

— Ele não pode estar vivo, Al. Vi o poço. Não me tem que adoçar

as coisas. Sei que não voltarei a vê-lo.

— Não sei — respondeu — Quando Shannon chegou perguntei a

respeito do poço. Perguntei o que ela pensava.

Neguei com a cabeça. Shannon era muito lógica. Sua resposta

seria óbvia. — Sei o que pensará. Ela me dirá que não é possível.

— Que não é possível? — Shannon deixou cair sua mochila no

chão. Agarrou uma bolsa cheia de bolachas Arejo e um copo de leite.

Ainda usava seu uniforme escolar. Olhei-a, não querendo dizê-lo.

Minhas palmas das mãos estavam suarentas. Queria perguntar-lhe, a

incerteza de sua morte estava me deixando louca. Era como se ele

tivesse desaparecido, mas eu sabia a verdade. Estava morto. Meus

olhos o viram cair. Não havia maneira de que sobrevivesse. Meu fôlego

ficou entupido na garganta. Não podia dizê-lo. Não podia ter esperança.

— Crê que Collin poderia estar vivo? — espetei ao final.

Shannon se sentou escarranchada em uma cadeira, e colocou as

bolachas Arejo e o copo de leite diante dela.

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— Bom, é possível. O poço deixa que as coisas entrem, mas não

as deixa sair.

— O que quer dizer? — Minha voz tremeu.

Shannon olhou para Al, como se estivesse pedindo permissão

para me falar dessas coisas. Al assentiu com a cabeça e Shannon

continuou:

— As laterais eram de lodo negro e picos. Sei que tinham um

aspecto ruim. Mas a história do poço diz que foi feita para manter a

essa coisa: Kreturus. Teve que descer ali de algum jeito, sem morrer.

Assim, é possível.

Essa era a lógica que tinha medo. Justamente essa. A incerteza

me inquietava. Roubando a sensação de controle que tão

desesperadamente necessitava. O relógio fazia tic-tac na sala. Durante

um momento foi o único som que pude escutar. Fiquei olhando, sem ver

nada, deixando cair à bolacha, flutuando em meu chocolate. Eu

gostaria de saber ao certo o que aconteceu. O impacto sobre as rochas

era ruim. No entanto, adicionando o grande demônio na parte inferior

do poço como um fator, não havia nenhuma esperança. Uma esperança

falsa quase me destruiu antes. Fiquei esperando que Apryl voltasse

para casa, mas ela nunca chegou. Isto parecia muito similar.

Simplesmente não podia acreditar.

— Ser um Seyer é uma merda. — Levantei e joguei o resto de

meu chocolate na pia.

— E por que diz isso? — perguntou Al.

— Não posso ver a única coisa que quero ver. Só quero estar

segura.

— Inclinei-me sobre o mostrador e olhei Al — Não pude lhe dizer

adeus e ele também não. Eu gostaria de ter dito... Algo. As últimas

palavras que lhe disse foram algumas frases que lhe escandalizariam.

Não acreditava no que falava. — Fiz uma careta, tentando conter as

lágrimas. Podia chorar mais tarde — Não sabia o que ele estava

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fazendo. Escondeu isso. Apesar da nossa união. Era mais fácil acreditar

nas mentiras.

Al respondeu:

— Os Seyers não chegam a ver o que querem. Ou o que desejam.

É uma bênção e uma maldição. E não é uma simples Seyer. É hora de

que alguém lhe diga isso.

Assenti com a cabeça.

— Já me disse isso antes. Que tinha um pouco dos três.

— Sim. Disse Al, enquanto rangia os nódulos artríticos — Mas

é mais que isso. Tem os traços fortes dos três tipos de Martis. Curou

alguém que estava meio morto. Acrescenta o fato de que sua alma era

quase inexistente, e a pequena peça que encontrou, estava coberta por

séculos de maldade, e é incrível que o curasse de tudo. Mas fez. É uma

poderosa curadora. — Meu coração se afundou. Não queria escutar isto.

Não importava agora — E logo, durante a batalha, vi você lutar contra

os Valefar. Duvidou no inicio, mas logo se voltou luminescente

enquanto acabava com tudo o que se colocava em seu caminho. E sei

que o beijo de demônio te atormenta. Você conseguiu atacar enquanto

ouviu Martis gritando ao seu redor. Nada te distraiu. Lutou como um

grande guerreiro.

— Não, não fiz. Duvidei, por que… Respirei profundamente

sabendo que minhas próximas palavras soariam loucas — eu não

queria matá-los. São escravos, Al. Não têm outra opção. Cada poder que

lhes deu está junto com dor. Inclusive suas conversões, seus beijos de

demônio, estavam cicatrizadas em muitos níveis. Nenhuma parte deles

se mantém ilesa. Os demônios roubaram suas vidas. Têm uma

eternidade de servidão com interminável agonia. Não queria matá-los.

A sala estava tão silenciosa que pude ouvir a respiração de Shannon e

Al.

Engoli saliva, sem olhar a nenhuma delas. Al, finalmente, disse:

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— Ivy, vê coisas que nós não podemos. Isso é o que é. Nunca

houve ninguém como você antes. Só tome cuidado de que sua ira não

consiga controlar você outra vez. Posso senti-la sob sua tristeza.

Baixei a cabeça.

— Estou bem. É só que... Aconteceu muito, muito rápido. Minha

vida foi arrancada de minhas mãos, e as pessoas em que confiava se

voltaram contra mim.

— Sei de quem está falando — disse — Eric não fez o que lhe

disseram. Não sei por que não a corrigiu, quando jogou na cara. —

Não, neguei com a cabeça

— Matou Apryl. Ele falou.

Al respondeu:

— Sei o que disse. Também sei que não fez. Vi quem a matou, e

não foi ele.

Shannon se inclinou para frente, perguntando:

— Viu? Quem foi?

—Não sei — respondeu Al — Não vi à pessoa antes. Sinto muito,

mas não sei. Só sei que não foi Eric.

Retirei o cabelo do rosto e deixei escapar um suspiro. — Onde

está?

Shannon comeu uma bolacha, dizendo:

— Julia o mandou a algum lugar horrível por desobedecê-la.

— Mas, salvou a todo mundo... Tinha que me ajudar a fechar a

fossa. Sem ele, teríamos morrido. — Que diabos estava acontecendo?

Não podia acreditar que tivessem castigado ele por salvar todo mundo.

— Não importa. — Shannon sacudiu com a mão as migalhas de

seus lábios — Ela não faz as coisas dessa maneira.

— Que maneira? — perguntei — Na sua cabeça não é? Quão

difícil é se dar conta de que sua desobediência a salvou? Essa é a

maneira que os Martis agradecem? O que acontece com essa mulher? —

Deixei cair meus ombros, decepcionada. Não entendia Julia. Não queria

entender também. Perguntei — Bom, como o encontro?

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— Através de Julia — disse Al.

— Ótimo — soprei — E está na Itália. Fantástico.

— Eu estou indo. — Shannon lambeu a nata dos dedos —

Deveria vir. Pisquei para ela.

— Por que vai a Itália?

— Para informar da profecia. Fui testemunha disso e fui uma

das únicas Dyconisi que estiveram ali. Deveria vir. Pode procurar Eric.

Também pode ver o que aconteceu com sua irmã. — Al lhe dirigiu um

olhar — Se quiser.

Olhei Al.

— O que não está dizendo? Eric sabe o que aconteceu com

Apryl? Viu algo?

Al sacudiu a cabeça.

— Não vi nada que pudesse ajudar. Confronte-os apenas. E não

sei o que Eric sabe. Algumas vezes esse menino não diz nada, tratando

de rodear a mentira que nos une em vez de dizer a verdade. — Ela se

recostou em sua cadeira — Suspeito que ele sabe mais do que disse.

Os pensamentos giravam em minha cabeça muito rápido, sentia

como se fosse me lançar longe. A emoção vertiginosa de que Collin

poderia estar vivo estava tentando subir à superfície, mas não podia

deixar que isso acontecesse. Era muito. Não podia suportar. Não sabia o

que fazer. Nem o que pensar.

A visão me ultrapassou rapidamente, antes que pudesse pôr

minha cabeça para baixo. Senti a rajada de ar contra minha pele, mas

não o impacto contra a mesa.

Nuvens negras formavam redemoinhos para mim ao redor.

Quando se dissipou, me vi envolta em uma impenetrável escuridão.

Mas, este negro era estranho. Não podia ver nada, apesar da melhora

da minha visão. Comecei a sentir pânico, me perguntando o que

aconteceu. Não ouvia nada, e não via nada. Os pelos nos braços se

arrepiaram. Sentia como se estivesse presa em um caixão, e quase

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gritei. Mas nesse momento, senti algo. Um fio sedoso do vínculo açoitou

meu estômago.

Não. Não pode ser.

Reprimi o que pensava já que era mentira, mas não me

obedeceria. A sensação se fez mais forte e soube que era ele. Collin

estava perto. Tinha medo de gritar, sem saber onde estava, e sendo

incapaz de ver através da escuridão. — Collin? — perguntei em silêncio,

sem esperar nada em troca. Minha mente e meus sentidos estavam em

guerra. Meu cérebro continuava negando a possibilidade, mas meus

sentidos tinham aceitado a realidade.

A voz cheia de pânico de Collin chegou a minha mente. — Ivy,

corre. Saia daqui agora mesmo!

Mas, não estava realmente aqui, assim não sabia por que tinha

que correr. Não tentei despertar. Queria encontrá-lo. Uma voz na

escuridão não era suficiente. Tinha que vê-lo. De repente, senti algo, e

pude ver de novo. A escuridão se tornou mais espessa, enquanto o ar

gotejava com a umidade. Uns olhos brilhantes, do tamanho de fornos,

apareceram na minha frente. Quando a criatura abriu sua boca para

falar, pensei que ia morrer, o aroma era pútrido.

— Venha para mim, Ivy Taylor. — Sua voz fervia como se

estivesse afogando-se nas rochas — Reclamarei o que é meu.

Comecei a caminhar para ele. Não podia me ferir. Isto era uma

visão. A sala parecia cada vez mais fria. Aproximei-me cada vez mais do

demônio.

— É Kreturus?

— Sou — ferveu. Ao me aproximar, pude ver ligeiramente. A

criatura era enorme. Estendia-se de um extremo a outro da cova. Olhei

ao redor e me dei conta de que não era uma cova. Estava de pé em uma

fossa. De repente, o vínculo quebrou dentro de mim. Envolvendo-me a

seu redor e começou a me puxar de novo para a escuridão.

Collin gritou:

— Não pode tê-la!

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O demônio fez um som horrível. Meu coração pulsava fortemente

em meu peito quando vi que estava em frente a ele. Obriguei-me a me

apartar, voltando de novo à espessa névoa, e para a escuridão. O

vínculo me empurrou fortemente, uma última vez. Então, despertei da

visão, procurando ar desesperadamente. Meu corpo estava frio como o

gelo.

— Está vivo. — As palavras fluíram de minha boca enquanto me

sentava. Meu coração palpitando fortemente — E está com essa coisa.

Al pôs sua mão em minhas costas para me estabilizar.

— Me diga o que viu.

Contei tudo. Ninguém falou enquanto eu estava falando.

Olhando para o espaço, disse:

— Sei que ele está ali.

Al respirou um bocado de ar, surpresa.

— Kreturus quase te levou — gaguejou — Deixou de respirar. —

Ficou branca Ivy. E gelada. — Shannon se sentou junto a mim. Seus

olhos estavam muito abertos.

Ligeiramente surpresa, olhei para elas. Senti na visão. Não tinha

muito sentido agora.

— Senti o frio, o demônio, e o vínculo deformado. Foi estranho.

Fui em direção ao demônio. Nunca fui vista em uma visão antes. Como

me viu? Não pode me matar em uma visão, não é?

Al sacudiu a cabeça.

— Kreturus não pode arrastar ao Martis através de uma visão,

mas não é uma Martis pura. O sangue que flui por suas veias é seu

sangue. Embora não seja escravizada como os outros Valefar, ainda

pode exercer controle sobre ti em suas visões. E sem a capacidade de

conjurar a luz, estará a sua mercê.

— Ela conjeturou a luz — disse Shannon — Eu vi quando ela

curou Collin.

Al me olhou com atenção.

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— Se isso for verdade, então deveria ser capaz de utilizá-la em

suas visões. Entretanto, não está respondendo a você como a um

Martis. E se a luz não te protege quando a chamar, Ivy, ninguém que

tenha entrado nesse poço saiu.

Um sorriso se desenhou em meu rosto. Um toque de esperança

me atravessou. — Os demônios o fizeram. Milhares deles quase se

arrastaram fora dela outra noite. Entretanto, não havia nem rastro

deles em minha visão hoje. Tinham desaparecido.

A voz de Al soava desesperada.

— O que quer dizer com que tinham desaparecido todos? Os

demônios deveriam ter ficado presos no poço ele. Os Martis que o

capturaram se asseguraram de que essa fossa fosse isolada e segura.

Não havia jeito de entrar e nenhuma saída. Os demônios que lutaram

com ele ficaram presos ali com ele. Se os demônios forem capazes de

entrar e sair a seu desejo, então, o que está mantendo Kreturus ali? —

A monja parecia sombria.

— Não sei, Al. Mas, ele parecia como se estivesse preso. Ficou

realmente furioso quando Collin utilizou o vínculo para me tirar da

visão. Talvez os demônios fossem capazes de escapar, mas não

Kreturus. De algum jeito os demônios deixaram o poço, apesar de que

não tivessem saído através do portal. Al, isso significa que tem que

haver outra maneira de sair do poço de Kreturus. E, se foram capazes

de sair, então tem que haver outra entrada.

Shannon disse:

— Se for assim, Julia saberia como encontrar. Ela tem acesso a

material antigo. — A fronte de Shannon estava coberta de suor.

— Kreturus — disse Al —, é pior do que encontrou aqui, Ivy.

Collin sabia quando foi ali. Sabia disso quando te disse que saísse de

sua visão. E, já sei o que está pensando. Se for atrás dele, pode ser que

não volte. — Ela sorriu — Sabia que seu coração marcaria seu caminho.

Olhei seu rosto ansioso, e soube que tinha razão. Meu coração

pertencia a Collin, e ele estava vivo. Não havia maneira que pudesse

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deixá-lo ali. Arrisquei minha vida para salvá-lo na noite em que estava

sangrando em meus braços. Não havia maneira de saber nesse

momento que compartilhávamos a mesma alma, mas o fazíamos. Tinha

um pedaço de mim, e eu tinha um pedaço dele. Todo este tempo pensei

que o Infra mundo era meu destino, mas isso não era verdade. Collin

era. Ele era meu companheiro de alma, e sempre o seria. Qualquer que

seja o futuro que tivesse, sabia que ele tinha que estar ali. Al estava

certa. Durante todo este tempo meu coração estava mostrando meu

caminho.

Inalei fortemente.

— Shannon, tinha razão. Ela me olhou, surpreendida. — Sobre

o que?

Sorria.

— Disse-me que o homem do quadro era um problema. Algo me

faria lhe seguir. Algo me faria querer estar ali no Infra mundo com ele.

Bom, tinha razão, Shann. Vou direto ao inferno. E eu não vou voltar

sem Collin.

Fim

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Glossário

Valefar: Pessoa de quem foi sugada a alma e foram Poluídos

com sangue de demônio.

Martis: Escolhidos pelos anjos para lutar contra os Valefar.

Dyconisi: Martis com o dom de curar.

Seyers: Martis que predizem o futuro.

Polomotis: Guerreiros que criam as leis dos Martis.

Efanotar: Tele transportar-se.

Kreturus: O demônio mais poderoso do infra mundo.

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Sobre a Série

1. Demon Kissed

2. Cursed

3. Torn

4. Satan`s Stone

5. The 13th Prophecy

6. Fall of the Golden Valefar

E duas histórias mais sobre Collin, sob o título Valefar volume 1

e 2.

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A Autora

H.M. Ward nasceu em Nova Iorque, e vive no Texas. Estudou

teologia, ciência que lhe fascina. Adora as histórias que combinam a

teologia, a cultura e a vida. Sempre gostou de criar. Desde pequena ama

escrever e pintar. Acha que ambas se complementam entre si em sua

mente. Diz: ¨Minhas palavras se estendem como a pintura sobre o

papel, e eu gosto de recriar um encontro emocional entre o leitor e a

experiência. É uma romântica empedernida. Acredita no amor

verdadeiro, e teve a sorte de encontrá-lo e mantê-lo. Adora histórias

sombrias e melancólicas e a música. Toca violoncelo, e competia

quando era mais jovem.

Sua série Demon Kissed virou best-seller. No momento consta

com 6 livros:

1. Demon Kissed

2. Cursed

3. Torn

4. Satan`s Stone

5. The 13th Prophecy

6. Fall of the Golden Valefar

E duas histórias mais sobre o Collin sob o título Valefar volume

1 e 2.

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Prólogo

Ivy vai por sua conta chutar trazeiros e salvar Collin dos

horrores do Infra mundo. No decorrer do caminho descobre que a

verdade não a libertará. A profunda decepção leva Ivy mais perto de seu

destino. Entretanto, ser a rainha dos demônios não é o destino que

quer. Ivy terá que superar a luxúria, o poder e o amor, se quiser

sobreviver.

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