1 - A Ousadia Da Franqueza - Frei Betto

download 1 - A Ousadia Da Franqueza - Frei Betto

If you can't read please download the document

description

a

Transcript of 1 - A Ousadia Da Franqueza - Frei Betto

ParrsiaA ousadia da franqueza - Frei BettoMichel Foucault, em conferncias na Universidade de Berkely, em 1983, revisitou o tema da parrsia, palavra grega que aparece pela primeira vez na obra de Eurpides, h sete sculos, e significa franqueza ou, etimologicamente, dizer tudo.O parrsico, o que fala a verdade, merece credibilidade por sua tica e coragem. Pois no se trata de apenas manifestar o que pensa, mas faz-lo com risco de vida, ou seja, confrontando o poder. E o poderoso pode puni-lo por tamanho atrevimento A parrsia uma forma de crtica afirma Foucault tanto ao outro quanto a si mesmo, mas sempre numa situao em que o crtico encontra-se numa posio de inferioridade em relao ao ierlocutor. O parrsico sempre menos poderoso do que aquele a quem dirige a palavra. A parrsia vem de baixo e se dirige a quem est em cima.Por isso, um antigo grego no diria que um professor ou pai que critica uma criana faz uso da parrsia. Mas quando um filsofo critica um tirano, quando um cidado critica a maioria, quando um aluno critica o professor, ento utilizam a parrsia. Na parrsia dizer a verdade um dever. Plutarco, que viveu no sculo I, escreveu um livro intitulado Como distinguir um adulador de um amigo. O verdadeiro amigo parrsico, fala a verdade, ainda que incomode ou doa. Pois a relao que temos conosco, a de amor prprio, cria em nossa mente a permanente iluso acerca de quem realmente somos. Sendo cada um de ns o principal e maior adulador de si mesmo diz Plutarco devemos admitir sem dificuldade algum de fora como testemunho. Algum que nos critique e nos faa reconhecer os erros e defeitos. S um amigo parrsico capaz de nos livrar da iluso e fazer com que nos olhemos no espelho da alma.Como saber que o amigo parrsico? Plutarco diz que h dois modos: primeiro, conformidade entre o que ele fala e vive, como Scrates. Segundo, a firmeza de convices. Se se alegra sempre com as mesmas coisas e as preza diz Plutarco e ordena sua prpria vida segundo um nico modelo. O adulador, por no ter carter, no vive uma vida escolhida por ele mesmo, e sim pelos outros, e modela-se e adapta-se para o outro; no simples nem coerente, mas ambguo e contraditrio, por fluir e mudar de forma como a gua que, vertida de um recipiente a outro, adequa-se vasilha que a recebe. Foucault chama a ateno ao fato de Plutarco sublinhar que somos incapazes de admitir que no sabemos nada e nem sabemos quem somos.Galeno, famoso mdico do sculo II, observa que vemos os defeitos dos outros, mas permanecemos cegos quando se trata dos nossos. Plato sublinha que o amante cego frente ao objeto de seu amor. Se, portanto, cada um de ns se ama acima de todas as coisas diz Galeno - deve estar cego no que concerne a si mesmo. () Quando um homem no sada pelo nome um poderoso ou rico, quando no o freqenta nem senta mesa com ele, quando vive uma vida disciplinada, de se esperar que este homem diga a verdade. Galeno sugere que tomemos este homem por amigo e lhe peamos que diga tudo que observa em ns. Ele haver de nos salvar, tanto quanto o mdico que cura a enfermidade de nosso corpo.Esses sbios e antigos conselhos servem em todas as circunstncias de nossas vidas. Quem dera que aqueles que ocupam uma funo de poder do poltico ao sndico do prdio, do gerente guardi da capela estimulassem aqueles com quem e para quem trabalham a manifestar suas crticas e sugestes. No entanto, nossa vaidade torna os nossos ouvidos moucos. E qualquer crtica recebida como punhalada em nosso ego.Sobretudo aqueles que, entre ns, tm baixa auto-estima e necessitam, como o peixe da gua, viver cercados de bajuladores.Quem dera tivssemos a ousada humildade de Jesus que, em Cesaria de Filipe, fez duas perguntas a seus discpulos: O que o povo diz a meu respeito? E vocs, o que dizem de mim? (Mateus 16, 13-20).Em geral preferimos nos iludir convencidos de que os subalternos pensam a nosso respeito o que gostaramos que pensassem E sem dar-lhes chance de nos corrigir, vamos arrastando vida afora os nossos defeitos, que prejudicam a terceiros e nos colocam no pelourinho do ridculo.Retirado na ntegra de:http://alainet.org/active/12550&lang=es/ Frei Betto escritor, autor de Sinfonia Universal a cosmoviso de Teilhard de Chardin (tica), entre outros livros.