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    Gilmar Ferreira MendesGilmar Ferreira Mendes*

    Controle de Constitucionalidade

    Repercusses na Atividade Econmica

    Advocacia Geral da Unio Brasil

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    * Gilmar Ferreira Mendes, Procurador da Repblica; Professor Adjunto da Universidade de Braslia - UnB; Mestre em Direito

    pela Universidade de Braslia - UnB (1988), com a dissertao Controle de Constitucionalidade: Aspectos Polticos e Jurdi-

    cos; Doutor em Direito pela Universidade de Mnster, Repblica Federal da Alemanha - RFA (1990), com a dissertao Dieabstrakte Normenkontrolle vor dem Bundesverfassungsgericht und vor dem brasilianischen Supremo Tribunal Federal,publicada na srie Schriften zum ffentlichen Recht, da Editora Duncker & Humblot, Berlim, 1991 (a traduo para oportugus foi publicada sob o ttulo Jurisdio Constitucional, Saraiva, 1996). O autor exerce, atualmente, o cargo de

    Advogado-Geral da Unio.

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    fcil de constatar que ela foi decisiva para a alterao introduzida pelo constituinte de1988, com a significativa ampliao deste leque.

    O constituinte assegurou o direito do Procurador-Geral da Repblica de propor aao de inconstitucionalidade. Este , todavia, apenas um dentre os diversos rgos ouentes legitimados a propor a ao direta de inconstitucionalidade.

    Nos termos do art. 103 da Constituio de 1988 dispem de legitimidade parapropor a ao de inconstitucionalidade o Presidente da Repblica, a Mesa do SenadoFederal, a Mesa da Cmara dos Deputados, a Mesa de uma Assemblia Legislativa, oGovernador do Estado, o Procurador-Geral da Repblica, o Conselho Federal da Ordemdos Advogados do Brasil, partido poltico com representao no Congresso Nacional,as confederaes sindicais ou entidades de classe de mbito nacional.

    Com isso satisfez o constituinte apenas parcialmente a exigncia daqueles quesolicitavam fosse assegurado o direito de propositura da ao a um grupo de, v.g., dez

    mil cidados ou que defendiam at mesmo a introduo de uma ao popular deinconstitucionalidade1 .

    Esse fato fortalece a impresso de que, com a introduo desse sistema de controleabstrato de normas, com ampla legitimao e, particularmente, a outorga do direito depropositura a diferentes rgos da sociedade, pretendeu o constituinte reforar o controleabstrato de normas no ordenamento jurdico brasileiro como peculiar instrumento decorreo do sistema geral incidente.

    No menos certo, por outro lado, de que a ampla legitimao conferida ao controleabstrato, com a inevitvel possibilidade de se submeter qualquer questo constitucionalao Supremo Tribunal Federal, operou uma mudana substancial ainda que no desejada

    no modelo de controle de constitucionalidade at ento vigente no Brasil.

    O monoplio de ao outorgado ao Procurador-Geral da Repblica no sistema de1967/69 no provocou uma alterao profunda no modelo incidente ou difuso. Estecontinuou predominante, integrando-se a representao de inconstitucionalidade a elecomo um elemento ancilar, que contribua muito pouco para diferen-lo dos demaissistemas difusos ou incidentes de controle de constitucionalidade.

    A Constituio de 1988 reduziu o significado do controle de constitucionalidade

    incidental ou difuso, ao ampliar, de forma marcante, a legitimao para propositura daao direta de inconstitucionalidade (Cf, art. 103), permitindo que, praticamente, todasas controvrsias constitucionais relevantes sejam submetidas ao Supremo TribunalFederal mediante processo de controle abstrato de normas.

    Convm assinalar que, tal como j observado por Anschtz ainda no regime deWeimar, toda vez que se outorga a um Tribunal especial atribuio para decidir questesconstitucionais, limita-se, explcita ou implicitamente, a competncia da jurisdioordinria para apreciar tais controvrsias2 .

    1 Cf., a propsito, as propostas de Vilson Souza e Vivaldo Barbosa Comisso de Organizao de Poderes eSistema de Governo da Assemblia Constituinte, in: Assemblia Nacional Constituinte, Emendas oferecidas Comisso da Organizao dos Poderes e Sistema de Governo, 1988, p. 214 e 342.

    2 Anschtz, Gerhard, Verhandlungen des 34. Juristentags, Berlim e Leipzig, 1927, vol. II, p. 208.

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    Portanto, parece quase intuitivo que, ao ampliar, de forma significativa, o crculode entes e rgos legitimados a provocar o Supremo Tribunal Federal, no processo decontrole abstrato de normas, acabou o constituinte por restringir, de maneira radical, aamplitude do controle difuso de constitucionalidade.

    Assim, se se cogitava, no perodo anterior a 1988, de um modelo misto de controle

    de constitucionalidade, certo que o forte acento residia, ainda, no amplo e dominantesistema difuso de controle. O controle direto continuava a ser algo acidental e episdicodentro do sistema difuso.

    A Constituio de 1988 alterou, de maneira radical, essa situao, conferindonfase no mais ao sistemadifuso ou incidente, mas ao modelo concentrado, uma vezque as questes constitucionais passam a ser veiculadas, fundamentalmente, medianteao direta de inconstitucionalidade perante o Supremo Tribunal Federal.

    Ressalte-se que essa alterao no se operou de forma ainda profunda porque o

    Supremo Tribunal manteve a orientao anterior, que considerava inadmissvel oajuizamento de ao direta contra direito pr-constitucional em face da nova Constituio.

    A ampla legitimao, a presteza e celeridade desse modelo processual, dotadoinclusive da possibilidade de se suspender imediatamente a eficcia do ato normativoquestionado, mediante pedido de cautelar, faz com que as grandes questesconstitucionais sejam solvidas, na sua maioria, mediante a utilizao da ao direta,tpico instrumento do controle concentrado.

    A particular conformao do processo de controle abstrato de normas confere-lhe, tambm, novo significado como instrumento federativo, permitindo a aferio daconstitucionalidade das leis federais mediante requerimento de um Governador do Estadoe a aferio da constitucionalidade das leis estaduais, mediante requerimento doPresidente da Repblica.

    A propositura da ao pelos partidos polticos com representao no CongressoNacional concretiza, por outro lado, a idia de defesa das minorias, uma vez que seassegura at s fraes parlamentares menos representativas a possibilidade de argir ainconstitucionalidade de lei.

    Ressalte-se que no so numericamente significativas as aes propostas pelas

    organizaes partidrias. verdade, porm, que muitos dos temas mais polmicos submetidosao Supremo Tribunal, no processo de controle abstrato, foram trazidos baila medianteiniciativa dos partidos polticos. Assim, a discusso sobre a constitucionalidade da EmendaConstitucional n 2, de 1992, que antecipou o plebiscito sobre a forma e sistema de governoprevisto no art. 2 do ADCT3 , o questionamento da legitimidade da lei do salrio-mnimo4 ,a controvrsia sobre a legitimidade do pagamento mediante precatrio para os crditos de

    3 Cf. ADIN n 829, 830 e 831, Relator: Ministro Moreira Alves, DJ 20.04.93, p. 6758.4 ADIN n 737, proposta pelo Partido Democrtico Trabalhista - PDT, Relator: Ministro Moreira Alves, DJ 22.10.93,

    p. 22.252.

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    natureza alimentcia5 , alm do debate acerca da constitucionalidade da Lei deResponsabilidade Fiscal, da Contribuio de Inativos e do Fator Previdencirio. Isto parano falar das diversas aes propostas contra a poltica econmica do Governo6 .

    nesta ampliao do leque de legitimados para propor ao direta e na grandemudana que ela efetuou no sistema brasileiro de controle de constitucionalidade que

    se coloca a necessidade de melhoramento do sistema, tornando-o mais consistente eefetivo.

    A percepo de que a interpretao constitucional se molda sob diferentespressupostos da interpretao jurdica como um todo traz luz a idia que ela deve sedar tem por referncia no somente normas, como tambm fatos. Disto a necessidadede que o rgo judicial, em sede de controle de constitucionalidade, possa revisar fatose prognoses legislativos.

    A jurisprudncia da Corte Constitucional alem demonstra com bastante clareza,e especialmente em matrias de relevncia econmica, ser imprescindvel a percepodeste mbito por parte do rgo judicial.

    Neste sentido, estudos sobre o impacto de determinada lei ou de alguma polticapblica na esfera econmica, a possibilidade de restrio de algum direito fundamentaltendo em vista a inexistncia de previso oramentria, dentro dos limites do razovel,e especialmente o impacto econmico de determinada interpretao constitucional que,garantindo direitos a uma pequena parcela da populao, interfere e desequilibraprestaes voltadas para a populao no seu conjunto, relevando o coletivo sobre oparticularista, so apenas alguns dos aspectos que contribuem para que o rgo judicialdecida com mais presteza e racionalidade em sede de controle concentrado deconstitucionalidade.

    No contexto brasileiro, observe-se que a edio da Lei n. 9.868, de 1999, trouxenovos instrumentos adequados a essa orientao, cabendo ao STF aplic-los edesenvolv-los, ampliando o escopo da interpretao constitucional para tambm analisarfatos e prognoses legislativos. Outro tema relevante diz respeito possibilidade de seatribuir ao STF a faculdade restringir os efeitos da declarao de inconstitucionalidadeem sede de controle concentrado. Essa abertura para uma concepo mais moderna detcnicas de controle est prevista no art. 27 da Lei n. 9.868.

    RESTRIO DOS EFEITOS DA DECLARAO DE INCONSTITUCIONALIDADE

    O poder de que dispe qualquer juiz ou Tribunal para deixar de aplicar a leiinconstitucional a um determinado processo (CF, arts. 97 e 102, III, a, b e c) pressupea invalidade da lei e, com isso, a sua nulidade. A faculdade de negar aplicao leiinconstitucional corresponde ao direito do indivduo de recusar-se a cumprir a leiinconstitucional, assegurando-se-lhe, em ltima instncia, a possibilidade de interporrecurso extraordinrio ao Supremo Tribunal Federal contra deciso judicial que seapresente, de alguma forma, em contradio com a Constituio (art. 102, III, a)7 .

    5 ADIN n 672, Relator: Ministro Marco Aurlio, DJ 04.02.92, p. 499.6 Cf., v.g., ADIN n 357, Relator: Ministro Carlos Velloso, DJ 23.11.90, p. 13.622; ADIN n 562, Relator: Ministro

    Ilmar Galvo, DJ 10.09.91, p. 12.254; ADIN n 605, Relator: Ministro Celso de Mello, DJ 05.03.93; ADIN n 931,Relator: Ministro Francisco Rezek, DJ 02.09.93, p. 02.09.93.

    7 Cf., a propsito, Rp. 980, Relator: Ministro Moreira Alves,RTJn. 96, p. 496 (508).

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    Tanto o poder do juiz de negar aplicao lei inconstitucional quanto a faculdadeassegurada ao indivduo de negar observncia lei inconstitucional demonstram que oconstituinte pressups a nulidade da lei inconstitucional. Da se segue que a sentenaque declara a inconstitucionalidade tem eficciaex tunc. Porm, a Lei n. 9868 contmdisposio (art. 27) que autoriza o Supremo Tribunal Federal, tendo em vista razes desegurana jurdica ou de excepcional interesse social, a restringir os efeitos da declarao

    de inconstitucionalidade ou a estabelecer que ela tenha eficcia a partir de seu trnsitoem julgado ou de outro momento que venha a ser fixado, desde que tal deliberao sejatomada pela maioria de dois teros de seus membros. A inovao em tela merece ser

    justificada.

    A falta de um instituto que permita estabelecer limites aos efeitos da declaraode inconstitucionalidade acaba por obrigar os Tribunais, muitas vezes, a se absterem deemitir um juzo de censura, declarando a constitucionalidade de leis manifestamenteinconstitucionais.

    Por isso, assevera Garcia de Enterra, forte na doutrina americana, que laalternativa a la prospectividad de las Sentencia no es, pues, la retroactividad de lasmismas, sino la abstencin en el descubrimiento de nuevos criterios de efectividad dela Constitucin, el estancamiento en su interpretacin, la renuncia, pues, a que losTribunales Constitucionales cumplan una de sus funciones capitales, la de hacer unaliving Constitution, la de adaptar paulatinamente esta a las nuevas condicionessociales.8

    interessante notar que, nos prprios Estados Unidos da Amrica, onde a doutrinaacentuara to enfaticamente a idia de que a expresso lei inconstitucional configuravaumacontradictio in terminis, uma vez que the inconstitutional statute is not law atall9 , passou-se a admitir, aps a Grande Depresso, a necessidade de se estabeleceremlimites declarao de inconstitucionalidade.10

    A Suprema Corte americana vem considerando o problema proposto pela eficciaretroativa de juzos de inconstitucionalidade a propsito de decises em processoscriminais. Se as leis ou atos inconstitucionais nunca existiram enquanto tais, eventuaiscondenaes nelas baseadas quedam ilegtimas e, portanto, o juzo deinconstitucionalidade implicaria a possibilidade de impugnao imediata de todas ascondenaes efetuadas sob a vigncia da norma inconstitucional. Por outro lado, se adeclarao de inconstitucionalidade afeta to-somente a demanda em que foi levada a

    efeito, no h que se cogitar de alterao de julgados anteriores.

    8 ENTERRA, Garcia de.Justicia Constitucional, La Doctrina Prospectiva en la Declaracin de Ineficcia de las

    Leyes Inconstitucionales. RDP 92, p. 5 (14).9 Cf., WILLOUGHBY, Westel Woodbury. The Constitutional law of the United States, New York, 1910, vol. I, p. 9-

    10; cf., tambm, COOLEY, Thomas M. Treatise on the Constitutional Limitations, 4a ed., Boston, 1878, p. 22710 Cf. TRIBE, Laurence. The American Constitutional Law, p. 27.

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    Sobre o tema, afirma Tribe:

    No caso Linkletter v. Walker, a Corte rejeitou ambos os extremos: a Constituionem probe nem exige efeito retroativo. Parafraseando o Justice Cardozo pela assertivade que a constituio federal nada diz sobre o assunto, a Corte de Linkletter tratouda questo da retroatividade como um assunto puramente de poltica (poltica

    judiciria), a ser decidido novamente em cada caso. A Suprema Corte codificou aabordagem de Linkletter no caso Stovall v. Denno: Os critrios condutores da soluoda questo implicam (a) o uso a ser servido pelos novos padres, (b) a extenso dadependncia das autoridades responsveis pelo cumprimento da lei com relao aosantigos padres, e (c) o efeito sobre a administrao da justia de uma aplicaoretroativa dos novos padres.11

    Por sua vez, a Constituio portuguesa, na verso da Lei Constitucional de 1982,consagrou frmula segundo a qual, quando a segurana jurdica, razes de eqidade ouinteresse pblico de excepcional relevo o exigirem, poder o Tribunal Constitucional

    fixar os efeitos da inconstitucionalidade ou da ilegalidade com alcance mais restrito doque o previsto em geral (art. 281o (4).

    Vale registrar, a propsito, a opinio abalizada de Jorge Miranda:

    A fixao dos efeitos da inconstitucionalidade destina-se a adequ-los ssituaes da vida, a ponderar o seu alcance e a mitigar uma excessiva rigidez que

    pudesse comportar; destina-se a evitar que, para fugir a conseqncias demasiadogravosas da declarao, o Tribunal Constitucional viesse a no decidir pela ocorrnciade inconstitucionalidade; uma vlvula de segurana da prpria finalidade e daefetividade do sistema de fiscalizao.

    Uma norma como a do art. 282, no 4, aparece, portanto, em diversos pases,seno nos textos, pelo menos na jurisprudncia.

    Como escreve Bachof, os tribunais constitucionais consideram-se no sautorizados mas inclusivamente obrigados a ponderar as suas decises, a tomar emconsiderao as possveis conseqncias destas. assim que eles verificam se um

    possvel resultado da deciso no seria manifestamente injusto, ou no acarretaria umdano para o bem pblico, ou no iria lesar interesses dignos de proteo de cidadossingulares. No pode entender-se isto, naturalmente, como se os tribunais tomassemcomo ponto de partida o presumvel resultado da sua deciso e passassem por cima da

    Constituio e da lei em ateno a um resultado desejado. Mas a verdade que umresultado injusto, ou por qualquer outra razo duvidoso, tambm em regra emborano sempre um resultado juridicamente errado.

    11 TRIBE. Cit., p. 30.

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    A primeira vista, oposto fixao dos efeitos o judicial self-restraint, que consiste(como o nome indica) numa autolimitao dos tribunais ou do tribunal deconstitucionalidade, no ajuizando a onde considere que as opes polticas dolegislador devem prevalecer ou ser insindicveis. Mas talvez se trate apenas de umaaparente restrio, porquanto no interferir, no fiscalizar, no julgar pode inculcar,

    j por si, uma aceitao dos juzos do legislador e das suas estatuies e, portanto,

    tambm uma definio (embora negativa) da inconstitucionalidade e dos seus eventuaisefeitos.12

    Embora a Constituio espanhola no tenha adotado instituto semelhante, a CorteConstitucional, marcadamente influenciada pela experincia constitucional alem,passou a adotar, desde 1989, a tcnica dadeclarao de inconstitucionalidade sem a

    pronncia da nulidade, como reportado por Garcia de Enterra:

    La reciente publicacin en elBoletn Oficial del Estado de 2 de marzo ltimode la ya famosa Sentencia 45/1989, de 20 de febrero, sobre inconstitucionalidad del

    sistema de liquidacin conjunta del Impuesto sobre la Renta de la unidad familiarmatrimonial, permite a los juristas una reflexin pausada sobre esta importante decisindel Tribunal Constitucional, objeto ya de multitud de Comentrios periodsticos.

    La decisin es importante, en efecto, por su fondo, la inconstitucionalidad quedeclara, tema en el cual no parece haberse producido hasta ahora, discrepanciaalguna. Pero me parece bastante mas importante an por la innovacin que ha supuestoen la determinacin de los efectos de esa inconstitucionalidad, que el fallo remite a loque se indica en el Fundamento undcimo y ste explica como una eficcia pro

    futuro, que no permite reabrir las liquidaciones administrativas o de los propioscontribuyentes (autoliquidaciones) anteriores.13

    O prprio Supremo Tribunal Federal tem apontado as insuficincias existentesno mbito das tcnicas de deciso no processo de controle de constitucionalidade.

    Os casos de omisso parcial mostram-se extremamente difceis de serem superadosno mbito do controle de normas em razo da insuficincia das tcnicas de controledisponveis.

    Essa peculiaridade restou evidenciada na ADIn 526, oferecida contra a MedidaProvisria no 296, de 1991, que concedia aumento de remunerao a segmento expressivo

    do funcionalismo pblico, em alegado desrespeito ao disposto no art. 37, X, daconstituio. Convm se registre passagem do voto proferido pelo eminente Relator,Ministro Seplveda Pertence, no julgamento do pedido de concesso de medida cautelar:

    12 MIRANDA, Jorge.Manual de Direito Constitucional, tomo II, 3 edio, Coimbra, 1991, p. 500-502.13 ENTERRA, Garcia.Justicia Constitucional, La Doctrina Prospectiva en la Declaracin de Ineficcia de las Leyes

    Inconstitucionales, RDP 92 (outubro/dezembro 1989), p. 5.

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    Pe-se aqui, entretanto, um problema srio e ainda no deslindado pela Corte,que um dos tormentos do controle da constitucionalidade da lei pelo estalo do

    princpio da isonomia e suas derivaes constitucionais.

    Se a ofensa isonomia consiste, no texto da norma questionada, na imposio derestrio a algum, que no se estenda aos que se encontram em posio idntica, a

    situao de desigualdade se resolve sem perplexidade pela declarao da invalidez daconstrio discriminatria.

    A consagrao positiva da teoria da inconstitucionalidade por omisso criou,no entanto, dilema cruciante, quando se trate, ao contrrio, de ofensa isonomia

    pela outorga por lei de vantagem a um ou mais grupos com excluso de outro ououtros que, sob o ngulo considerado, deveriam incluir entre os beneficirios.

    a hiptese, no quadro constitucional brasileiro, de lei que, vista da erosoinflacionria do poder de compra da moeda, no d alcance universal reviso de

    vencimentos, contrariando o art. 37, X, ou que, para cargos de atribuies iguais ouassemelhadas, fixe vencimentos dspares, negando observncia imposio detratamento igualitrio do art. 39, 1o, da Constituio.

    A alternativa que a se pe ao rgo de controle afirmar a inconstitucionalidadepositiva de norma concessiva do benefcio ou, sob outro prisma, a da omisso parcialconsistente em no ter estendido o benefcio a quantos satisfizessem os mesmos

    pressupostos de fato subjacentes outorga (Canotilho, Constituio Dirigente eVinculao do Legislador, l992, 333 ss.; 339; Direito Constitucional, 1986,

    pg. 831; Gilmar F. Mendes, Controle de Constitucionalidade, 1990, pgs. 60 ss.;Regina Ferrari, Efeitos da Declarao de Inconstitucionalidade, 1990, pgs. 156ss.; Carmem Lcia Rocha, O Princpio Constitucional da Igualdade, 1990, pg. 42):a censurabilidade do comportamento do legislador mostra Canotilho(Constituio Dirigente, cit., pg 334), a partir da caracterizao material da omissolegislativa tanto pode residir no acto positivo excluso arbitrria de certos gruposdas vantagens legais como no procedimento omissivo emanao de uma lei quecontempla positivamente um grupo de cidado, esquecendo outros.

    Se se adota a primeira soluo a declarao de inconstitucionalidade da leipor no favorecimento arbitrrio ou excluso inconstitucional de vantagem que a da nossa tradio (v. g. RE 102.553, 21-8-86, RTJ 120/725) a deciso tem

    eficcia fulminante, mas conduz a iniqidades contra os beneficiados, quando avantagem no traduz privilgio, mas imperativo de circunstncias concretas, noobstante a excluso indevida de outros, que ao gozo dela se apresentariam com osmesmos ttulos.

    o que ocorreria, no caso, com a suspenso cautelar da eficcia da medidaprovisria, postulada na ADIn 525: estaria prejudicado o aumento de vencimentos daparcela mais numerosa do funcionalismo civil e militar, sem que da resultasse benefcioalgum para os excludos do seu alcance.

    A soluo oposta a da omisso parcial , seria satisfatria, se resultasse naextenso do aumento alegadamente, simples reajuste monetrio , a todos quantossofrem com a mesma intensidade a depreciao inflacionria dos vencimentos.

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    A essa extenso da lei, contudo, faltam poderes ao Tribunal, que, luz do art. 103, 2o, CF, declarando a inconstitucionalidade por omisso da lei seja ela absoluta ourelativa, h de cingir-se a comunic-la ao rgo legislativo competente, para que asupra.

    De resto, como assinalam estudiosos de inegvel autoridade (v.g. Gilmar Mendes,

    cit. pg. 70), o alvitre da inconstitucionalidade por omisso parcial ofensiva da isonomia se pde ser construda, a partir da Alemanha, nos regimes do monoplio do controlede normas pela Corte Constitucional , suscita problemas relevantes de possvel rejeiosistemtica, se se cogita de transplant-la para a delicada simbiose institucional quese traduz na convenincia, no direito brasileiro, entre o mtodo de controle direto econcentrado no Supremo Tribunal e o sistema difuso.

    Ponderaes que no seria oportuno expender aqui fazem, porm, com que nodescarte de plano a aplicabilidade, no Brasil, da tese da inconstitucionalidade poromisso parcial. Ela, entretanto, no admite antecipao cautelar, sequer, limitados

    efeitos de sua declarao no julgamento definitivo; muito menos para a extenso dobenefcio aos excludos, que nem na deciso final se poderia obter.14

    Evidente, pois, que a declarao de nulidade no configura tcnica adequada paraa eliminao da situao inconstitucional nesses casos de omisso legislativa. Umacassao aprofundaria o estado de inconstitucionalidade.

    Entendeu, portanto, o legislador que, ao lado da ortodoxa declarao de nulidade,h de se reconhecer a possibilidade de o Supremo Tribunal, em casos excepcionais,mediante deciso da maioria qualificada (dois teros dos votos), estabelecer limites aosefeitos da declarao de inconstitucionalidade, proferindo a inconstitucionalidade comeficciaex nunc oupro futuro, especialmente naqueles casos em que a declarao denulidade se mostre inadequada (v.g.: leso positiva ao princpio da isonomia) ou nashipteses em que a lacuna resultante da declarao de nulidade possa dar ensejo aosurgimento de uma situao ainda mais afastada da vontade constitucional.

    VERIFICAO DE FATOS E PROGNOSES NA HERMENUTICA APLICADA ATIVIDADE JURISDICIONAL

    Tal como ressaltado em artigo j publicado por este autor15 , de uns tempos parac, tem-se enfatizado a importncia da hermenutica jurdica, especialmente dahermenutica constitucional, na soluo dos graves problemas jurdico-polticos que

    afetam os vrios Estados democrticos.

    14 ADIn 526, Relator: Ministro Seplveda Pertence, RTJ 145, p. 101 (112-113).15 Controle de Constitucionalidade: Hermenutica Constitucional e Reviso de Fatos e Prognoses Legislativos pelo

    rgo judicial: Texto bsico de conferncia proferida no XVII Congresso Brasileiro de Direito Constitucional 17.5.97 So Paulo, sob o patrocnio do Instituto Brasileiro de Direito Constitucional IBDC, no painel Regula-mentao e Integrao de Normas Constitucionais

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    Parece hoje superada a idia que recomendava a adoo do chamado mtodohermenutico clssico no plano da interpretao constitucional. Como se sabe, essemodelo assenta-se em duas premissas bsicas: (a) a Constituio enquanto lei h deser interpretada da mesma forma que se interpreta qualquer lei; (b) a interpretao dalei est vinculada s regras da hermenutica jurdica clssica 16.

    Contra essa orientao, levantou-se a proposta de utilizao da tpica, em suasdiversas acepes, como mtodo orientado ao problema. Tal como anotado porBckenfrde, a idoneidade da tpica e do pensamento problemtico precisamente

    para a interpretao da Constituio baseou-se na abertura estrutural daConstituio, na sua pouca densidade normativa e na continuidade de seus textos, naamplitude e indeterminao de seus elementos17 . nessa linha de entendimento queScheuner chega a classificar a tpica como a especfica hermenutica jurdico-constitucional18 .

    Essa abordagem, que, se adotada de forma radical, poderia levar a uma

    desvalorizao ou a uma degradao da norma19

    , tem, pelo menos, a virtude de afastara iluso, alimentada pelo mtodo hermenutico-clssico, de que se poderia separar, emdepartamentos estanques, os elementos fticos e normativos envolvidos.

    Como se sabe, enquanto mtodo adequado de hermenutica constitucional tem atpica expressivos representantes na Alemanha, nas suas diversas variantes, comodemonstram os textos de Ulrich Scheuner, Horst Ehmke e Martin Kriele20 .

    A questo metodolgica coloca-se no centro da reflexo sobre o papel que devedesempenhar a Corte Constitucional ou o rgo dotado de competncia para aferir alegitimidade das leis e demais atos normativos, como o caso do Supremo TribunalFederal, entre ns. Evidentemente, a supremacia da Constituio em face da lei colocao rgo incumbido da jurisdio constitucional em um papel diferenciado e destacado.

    As questes postas desde a instituio da Corte Suprema americana renovam-sea cada instante e em todos os Estados que optaram por consagrar uma democraciaconstitucional com jurisdio constitucional:

    a) estaria o legislador submetido, de forma definitiva, s decises da CorteConstitucional?

    b) no estaria o legislador, igualmente, legitimado a adotar, em determinadoscasos, uma interpretao autntica da Constituio?

    c) qual o direito que assegura ao Tribunal Constitucional a possibilidade de imporo seu entendimento ao legislador democraticamente eleito?

    Essas indagaes, formuladas reiteradas vezes, nos modelos americano e alemo,nunca so respondidas com qualquer proposta que leve ao desaparecimento dessasinstituies de controle.

    16 Cf. BCKENFRDE, Ernst Wolfgang,Los Metodos de la interpretacin constitucional - Inventario e critica , in:Escritos sobre Derechos Fundamentales, Baden-Baden, 1993, p. 15-16.

    17 Cf. BCKENFRDE, op. cit., p. 20.18 Cf. BCKENFRDE, op. cit., p. 2019 HESSE, Konrad, Grundzge des Verfassungsrechts der Bundesrepublik Deutschland.16 ed. Heidelberg, 1988.20 Cf. BCKENFRDE, op. cit., p. 13 (20-21).

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    Procura-se, com base at mesmo na abertura estrutural dos textos constitucionais,na sua fragmentariedade e incompletude, recomendar que as Cortes Constitucionaispratiquem um mnimo de self-restraint21 , uma vez que se reconhece que qualqueroutra frmula institucional22 - v.g. um controle efetivo do controlador - acabaria porretirar da jurisdio constitucional qualquer efetividade.

    Portanto, a autolimitao da jurisdio constitucional no constitui uma decisoheternoma ou externa jurisdio constitucional23 . Ao revs, ela decorre da estrutura aberta,fragmentria, incompleta da norma constitucional, caractersticas que se revelam at mesmonas Constituies analticas, como as nossas, uma vez que, a despeito de eventual pretensototalizadora, no logram - felizmente - abarcar toda a complexidade da vida poltica e social.

    Sem tomarmos partido na disputa doutrinria, podemos afirmar, com CastanheiraNeves, que a norma-texto ser apenas um - um elemento necessrio, mas insuficiente- para a concreta realizao jurdica, j que essa realizao exigir, para alm daquelanorma e em funo agora do caso concreto (do problema jurdico do caso concreto),

    que se elabore j a normativa concretizao, j a especfica norma de deciso24

    .

    A VERIFICAO DE FATOS E PROGNOSES LEGISLATIVOS EM SEDE DECONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE

    As modernas abordagens da metodologia jurdica aplicada hermenuticaconstitucional25 permitem introduzir um tema que no tem merecido a adequada atenoda doutrina, devido, em parte, aos prprios dficits do instrumentarium metodolgicoatual.

    Referimo-nos apreciao dos chamados fatos e prognoses legislativos nombito do controle de constitucionalidade.

    Em verdade, h muito vem parte da dogmtica apontando para a inevitabilidadeda apreciao de dados da realidade no processo de interpretao e de aplicao da leicomo elemento trivial a prpria metodologia jurdica26 .

    verdade que, s vezes, uma leitura do modelo hermenutico-clssico manifesta-se de forma radical, sugerindo que o controle de normas h de se fazer com o simplescontraste entre a norma questionada e a norma constitucional superior. Essa abordagemsimplificadora tem levado o Supremo Tribunal Federal a afirmar, s vezes, que fatos

    controvertidos ou que demandam alguma dilao probatria no podem ser apreciadosem ao direta de inconstitucionalidade27 .

    21 SCHNEIDER, Hans Peter, Verfassungsinterpretation aus theoretischer Sicht, in: Verfassungsrecht zwischenWissenschaft und Richterkunst. Estudos em Homenagem aos 70 anos de Konrad Hesse, Heidelberg, 1990, p. 44.

    22 Ver o art. 93 da Constituio de 1937 que autorizava o Parlamento Nacional a ratificar a constitucionalidade de leisdeclaradas inconstitucionais pelo STF.

    23 SCHNEIDER, op. cit., p. 38 (44).24 CASTANHEIRA NEVES, A. Metodologia Jurdica, Problemas Fundamentais, Coimbra, 1993, p. 145.25 Sobre o importante debate, na doutrina alem, sobre a tese de Peter Hberle sobre a Sociedade Aberta dos intrpre-

    tes da Constituio, cf. MENDES, Gilmar Ferreira. Controle de Constitucionalidade: Hermenutica Constitucio-nal e Reviso de Fatos e Prognoses Legislativos pelo rgo judicial.

    26 Cf. ESSER, Josef, Vorverstndnis und Methodenwahl in der Rechtsfindung, 1972, p. 53 s. 63 s.27 Cf. a propsito, Despacho do Ministro Celso de Mello, prolatado na ADIN n. 1372, DJ 17.11.1995.

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    Essa abordagem confere, equivocadamente, maior importncia a uma pr-compreenso do instrumento processual do que prpria deciso do constituinte delhe atribuir a competncia para dirimir a controvrsia constitucional.

    bem verdade que, se analisarmos criteriosamente a nossa jurisprudnciaconstitucional, verificaremos que, tambm entre ns, se procede ao exame ou reviso

    dos fatos legislativos pressupostos ou adotados pelo legislador. o que se verifica najurisprudncia do Supremo Tribunal Federal sobre a aplicao do princpio da igualdadee do princpio da proporcionalidade28 .

    Nos Estados Unidos, o chamado Brandeis-Brief memorial utilizado peloadvogado Louis D. Brandeis, no case Mller versus Oregon (1908), contendo duas

    pginas dedicadas s questes jurdicas e outras 110 voltadas para os efeitos da longadurao do trabalho sobre a situao da mulher permitiu que se desmistificasse aconcepo dominante, segundo a qual a questo constitucional configurava simplesquesto jurdica de aferio de legitimidade da lei em face da Constituio29 .

    Hoje, no h como negar a comunicao entre norma e fato (Kommunikationzwischen Norm und Sachverhalt), que, como ressaltado, constitui condio da prpriainterpretao constitucional30 . que o processo de conhecimento aqui envolve ainvestigao integrada de elementos fticos e jurdicos31 .

    A constatao de que os elementos normativos e fticos apresentam-se, muitasvezes, de forma no diferenciada ou de modo inseparvel produziu, de certo modo,conseqncias no mbito do processo constitucional. Inicialmente, afirmava-se que acompetncia da Corte Constitucional limitava-se apreciao de questes jurdico-constitucionais, sendo estranha aos seus misteres a investigao de fatos ou decircunstncias eminentemente fticas32 .

    Na Alemanha, props o deputado Dichgan, em 1968, que se alterasse a lei deorganizao da Corte Constitucional para assentar que o Bundesverfassungsgerichtrestava vinculado aos fatos e prognoses estabelecidos pelo legislador, salvo no caso defixao de falsa constatao33 .

    Essa proposta provocou uma discusso intensa no Parlamento alemo, tendo sidoretirada pelo prprio autor aps a verificao de que a sua aprovao ameaava aexistncia da Corte Constitucional e que, por isso, teria a sua inconstitucionalidade

    declarada.

    28 Cf., v.g., Rp n. 1077, Relator: Ministro Moreira Alves, RTJ 112, p. 34 (58-59).29 Cf., a propsito, HALL, Kermit L. (organizador), The Oxford Companion to the Supreme Court of United States,

    Oxford, New York, 1992, p. 85.30 Cf., MARENHOLZ, Ernst Gottfried, Verfassungsinterpretation aus praktischer Sicht, in: Verfassungsrecht zwischen

    Wissenschaft und Richterkunst, Homenagem aos 70 anos de Konrad Hesse, Heidelberg, 1990, p. 53 (54).31 MARENHOLZ, op. cit., p. 54.32 OSSENBHL, Fritz. Kontrolle von Tatsachenfeststellungen und Prognoseentscheidungen durch das

    Bundesverfassungsgericht, in:Bundesverfassungsgericht und Grundgesetz, Tbingen, 1976, vol. I, p. 458 (461).33 Cf., a propsito, OSSENBHL, op. cit., p. 462.

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    Restou demonstrado ento que at mesmo no chamado controle abstrato de normasno se procede a um simples contraste entre disposio do direito ordinrio e os princpiosconstitucionais. Ao revs, tambm aqui fica evidente que se aprecia a relao entre a leie o problema que se lhe apresenta em face do parmetro constitucional34 .

    Em outros termos, a aferio dos chamados fatos legislativos constitui parte

    essencial do chamado controle de constitucionalidade, de modo que a verificao dessesfatos relaciona-se ntima e indissociavelmente com a prpria competncia do Tribunal.

    FATOS E PROGNOSES: ANLISE LUZ DA EXPERINCIA GERMNICA

    Em estudo emprico desenvolvido por Klaus Jrgen Philippi, com base nasdecises publicadas nos primeiros 25 volumes da revista da Corte Constitucional alem,restou demonstrado que, em 208 decises, o Tribunal identificou 269 fatos legislativos,sendo que desses pelo menos um quarto (75 decises) referiam-se a prognoses35 .

    Evidentemente, a idia de fatos legislativos no precisa e, at intuitivamente,revela-se mais ampla do que o conceito jurdico-processual de questo de fato,entendendo-se como tal todo e qualquer fato real (realer Sachverhalt) que tenharelevo para aplicao de uma norma36 .

    Em tese de doutorado que se converteu em estudo clssico sobre a matria, Philippiprocede classificao dos fatos legislativos em fatos histricos (historische Tatsache),fatos atuais (gegenwrtige Tatsachen ) e eventos futuros (zuknftige Tatsachen) 37 .

    Enquanto os fatos histricos referem-se a anlises de fatos legislativoshistricos que deram ensejo a determinadas decises, a investigao sobre fatoslegislativos atuais envolve um variado elenco de temas, que envolve no s o objetivode determinadas organizaes (partidos polticos cuja atividade seja censurada comopossivelmente inconstitucional), a verificao de tratamento equiparatrio oudesequiparatrio (eventual violao ao princpio da igualdade), o exame de possveldesigualdade eleitoral (Wahlrechtsungleichheit), mas tambm a aferio dos efeitosradioativos de determinados medicamentos, que poderiam legitimar a sua prescrioapenas por mdicos estabelecidos em hospitais e instituies de pesquisa, a alteraode estruturas econmicas e sociais que poderiam levar ou consolidar um processo deinconstitucionalizao de uma lei, e as questes de carter fundamental a respeito deconcepes polticas, religiosas e filosficas (criminalizao do homossexualismo,

    descriminalizao do aborto)38 .

    Philippi observa que o Tribunal procura basear as suas investigaes sobre osfatos legislativos em anlises as mais diversas, as mais das vezes de ndole emprica.Algumas vezes o tribunal socorre-se de argumentos relacionados com a experinciacomum (no-emprico).

    34 EHMKE, Horst, Prinzipien der Verfassungsinterpretation, in Dreier, Ralf / Schwegmann, Probleme derVerfassungsinterpretion, Baden-Baden, 1976, p. 164 (172)

    35 PHILIPPI, Klaus Jrgen, Tatsachenfeststellungen des Bundesverfassungsgerichts, Colnia, 1971, p. 2 s.;

    OSSENBHL, op. cit., p. 461.36 PHILIPPI, op. cit., p. 4.37 PHILIPPI, op. cit., p. 15 s.38 PHILIPPI, op. cit., p. 27 s.

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    Na verificao desses fatos, o Tribunal utiliza documentos histricos, literaturaespecializada, dados estatsticos e anlises de peritos ou experts.

    Tal como apontado por Philippi, a Corte apia-se com freqncia em pareceresde peritos ou de grmio de peritos, privilegiando, nesse caso, uma composiopluralista.39

    Assim, na deciso sobre a liberdade de instalao de farmcias (Apothekenurteil),o Tribunal utilizou-se de literatura medieval. No julgamento sobre a constitucionalidadeda lei que criminalizava a homossexualidade masculina, o Tribunal nomeou um grupointernacional de peritos composto por um sexlogo, um mdico judicial, um psiquiatra,um psiclogo, um socilogo, um diretor de uma instituio governamental de cartersocial, o Chefe da Polcia Criminal de Colnia e de um criminlogo40 .

    At mesmo quando discute questes de princpio, relacionadas com concepesfilosficas ou de convico, procura o Tribunal proceder a uma anlise racional da

    controvrsia, evitando uma abordagem metafsica da questo. Temas relativos recusade prestao do servio militar, opo homossexual ou pena de morte so tratadoscom base na experincia afervel e em verificaes de ndole ftica41 .

    CONTROLE DAS PROGNOSES LEGISLATIVAS

    No que respeita aos eventos futuros, entende-se que a deciso sobre alegitimidade ou a ilegitimidade de uma dada lei depende da confirmao de umprognstico fixado pelo legislador ou da provvel verificao de um dado evento.

    A Corte Constitucional alem utiliza-se de diversos procedimentos racionais paraa realizao de prognsticos:

    a) o processo-modelo (Modellverfahren), que se refere um procedimento dascincias sociais destinado a antever desenvolvimentos futuros a partir de umaanlise causal-analtica de diversos fatores estveis ou variveis ;

    b) a anlise de tendncias (Trendverfahren), no qual se analisam determinadastendncias de desenvolvimento em funo do tempo;

    c) o processo de teste (Testverfahren), que propicia a generalizao de resultadosde experincias ou testes para o futuro;

    d) o processo de indagao (Befragungsverfahren), no qual se indaga sobre a

    inteno dos partcipes envolvidos no processo42 .

    Esses processos em geral so utilizados de forma isolada ou combinada,predominando, segundo Philippi, o Modellverfahren. A utilizao dessesprocedimentos no exclui as formulaes intuitivas, ainda que estas, para terem algumpoder de convico de terceiros, devam ser traduzidas para um processo racional.43

    39 PHILIPPI, op.cit., p. 105-106.40 PHILIPPI, op. cit., p. 48-9.41 PHILIPPI, op. cit., p. 54-55.42 PHILIPPI, op. cit., p. 56.43 PHILIPPI, op. cit., p. 153.

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    Clssico exemplo de um controle do prognstico do legislador pela CorteConstitucional consta do chamado Apotheken-Urteil, no qual se discutiu alegitimidade de lei do Estado da Baviera que condicionava a instalao de novasfarmcias a uma especial permisso da autoridade administrativa44 .

    Argiu-se, no processo, que a Corte Constitucional no estaria legitimada a

    proceder ao exame sobre a adequao de uma dada medida legislativa, porquanto elano estaria em condies de verificar a existncia de outro meio igualmente eficaz e,ainda que isto fosse possvel, de confirmar se esse exame seria realizvel por parte dolegislador45 .

    A Corte recusou o argumento formal quanto sua incompetncia para proceder aferio dos fatos legislativos, observando que a Constituio confiou-lhe a guarda dosdireitos fundamentais em face do legislador e que, portanto, se da interpretao dessesdireitos decorre limitao para o legislador, deve o Tribunal dispor de condies paraexercer essa fiscalizao46 .

    Tambm a questo relativa liberdade de utilizao de meios igualmenteadequados (Wahl zwischen mehreren gleichgeeigneten Mitteln) por parte do legisladorhaveria de levar em conta os planos ou nveis (Stufen) de exigncia de proteodimanados dos prprios direitos fundamentais.

    Aps rigoroso exame sobre o prognstico do legislador, concluiu a Corte:

    a) que a liberdade de instalao de farmcias, em outros pases com o mesmostandard civilizatrio da Alemanha, no levou a uma efetiva ameaa da sade

    pblica (examinou-se em particular a situao existente na Sua com basenos laudos apresentados pelos peritos designados)47;

    b) que a liberdade de instalao de farmcias no levaria, necessariamente, auma multiplicao ilimitada desses estabelecimentos, porquanto a decisosobre a sua instalao ou no, tendo em vista os elevados custos financeiros,

    passa por inevitveis consideraes de ordem econmica e anlise demercado48 ;

    c) que o temor revelado pelo legislador quanto eventual impossibilidade de os farmacuticos cumprirem seus deveres legais em razo da queda de suacapacidade financeira revelava-se igualmente infundada, uma vez que umadeciso pessoal economicamente equivocada no poderia servir de base para

    a deciso legislativa em apreo. Ademais, a tendncia revelada no sentido dasuperao do modelo de farmcia de fabricao pelo de simples entrega de

    produtos acabados reduz a responsabilidade do farmacutico e aumenta oseu tempo livre49 ;

    44 BVerfGE 7, 377 (415 s.).45 BVerfGE 7, 377 (408).46 BVerfGE 7, 377 (410).47 BVerfGE 7, 377 (415).48 BVerfGE 7, 377 (419 s.)49 BVerfGE 7, 377 (427).

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    d) que a maior procura de medicamentos decorreria, segundo a opinio dosexperts, fundamentalmente, das mudanas ocorridas nas condies de vidadurante a guerra subnutrio, estresses fsico-emocionais , no estandorelacionada com a existncia de mltiplos locais de venda de produtos

    farmacuticos50 .

    Assim, embora ressaltando que no poderia decidir sobre o sistema jurdico maisadequado para regular a matria, concluiu o Tribunal que o modelo adotado pelo Estadoda Baviera revelava-se incompatvel com a liberdade de exerccio profissionalestabelecida na Lei Fundamental.

    Resta evidente que, para afirmar a inconstitucionalidade do modelo legislativoconsagrado, teve o Tribunal que infirmar a prognose estabelecida pelo legislador, quanto possibilidade de uma multiplicao dos estabelecimentos farmacuticos em razo daausncia de uma regulao restritiva. A manifesta inconsistncia do prognsticoestabelecido pelo legislador ressaltava que a deciso adotada no protegia o interesse

    pblico, contendo, portanto, restrio incompatvel com o livre exerccio de atividadeprofissional.

    interessante notar que, com a ressalva de que a matria era da competnciaexclusiva do legislador, permitiu-se ao Tribunal apontar frmulas que poderiam serpositivadas sem maiores prejuzos para os direitos fundamentais51 .

    Deciso semelhante foi adotada pelo Tribunal no chamado Kassenzahnarzt-Urteil, no qual se discutiu a legitimidade de norma que estabelecia um processo deadmisso, com numerus clausus, para os dentistas das caixas de assistncia, o queequivaleria, praticamente, a uma proibio de exerccio profissional.

    O Governo Federal observava que a disciplina normativa assentava-se em umprognstico indicador do perigo de que a habilitao ilimitada dos dentistas vinculadoss caixas de assistncia acabaria por encetar uma concorrncia desenfreada entre osprofissionais, com a inevitvel reduo de seus rendimentos. A se confirmar esseprognstico, a prpria existncia das caixas de assistncia restaria ameaada.

    A Corte Constitucional acabou por infirmar o prognstico do legislador,observando que a liberao da inscrio de dentistas nas caixas de assistncia provocariaum aumento de odontlogos vinculados s caixas no superior a 12 %, o que no seria

    suficiente para afetar substancialmente os ganhos desses profissionais.

    Na sua anlise, anotou a Corte que 50% da populao estava vinculada aos segurosde sade. Se considerados os membros da famlia, cerca de 80% da populao estariasubmetida ao regime de seguro de assistncia. Por isso, os dentistas, assim como osmdicos, dependiam da vinculao s caixas de assistncia52 .

    50 BVerfGE 7, 377 (435).51 BVerfGE 7, 377 (440).52 BVerfGE 12, 144 (148).

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    Por outro lado, os nmeros existentes em janeiro de 1959 demonstravam queexistiam 28.742 dentistas estabelecidos como profissionais liberais. Desses, 24.286estavam vinculados diretamente s caixas de assistncia e 3.786 apenas s caixascomplementares. Portanto, 84% dos consultrios estavam vinculados s caixas deassistncia e 14% s caixas complementares. Em sntese, somente 2% dos profissionaisliberais dessa categoria no estavam vinculados ao sistema de assistncia direta ou

    complementar.

    Em face desses nmeros, a Corte concluiu que o livre acesso s caixas deassistncia poderia quando muito elevar na mais drstica das hipteses em nomais do que 4.500 o nmero de profissionais vinculados a essas instituies, o que noseria suficiente para causar uma reduo significativa dos ganhos mdios auferidospela categoria ou um aumento significativo das despesas das caixas de assistncia53 .

    Assim sendo, no se vislumbravam razes de interesse pblico suficientes pararestringir a liberdade de exerccio profissional dos dentistas. Com esses fundamentos,

    entendeu a Corte que a restrio era incompatvel com o princpio da liberdade deexerccio profissional54 .

    Tal como visto, a aferio dos fatos e prognoses legislativos pela CorteConstitucional um controle de resultado (Ergebniskontrolle) e no um controle doprocesso (Verfahrenskontrolle), at porque para isso faltaria qualquer parmetro decontrole ou uma especfica autorizao constitucional55 . Em outros termos, no se cuida,no juzo de constitucionalidade, de examinar como o legislativo examinou os fatoslegislativos, mas o que, efetivamente, ele constatou56 .

    Na anlise de Philippi, a Corte Constitucional tem revelado uma grande capacidadepara estabelecer prognsticos corretos, capacidade essa que se mostra muito superior do prprio Legislativo. Segundo sua opinio, a Corte Constitucional utiliza-se demtodos de anlise que se revelam superiores queles eventualmente utilizados peloParlamento, permitindo que as decises judiciais sejam racionalmente maisfundamentadas que as do legislador57 .

    CONSEQNCIAS DA VERIFICAO DODFICIT NA FIXAO DE FATOS EPROGNOSES PELO LEGISLADOR

    Cumpre indagar sobre quando eventual dficit na anlise dos fatos verificados

    por parte do rgo legislativo acarreta a ilegitimidade da lei.

    Se se constata que a verificao dos fatos levada a efeito pelo legislador incorretanuma deciso de carter restritivo, ento dever o Tribunal dispor de outra alternativaque no a da declarao de sua inconstitucionalidade58 .

    53 BVerfGE 12, 144 (149).54 BVerfGE 12, 144 (150-1).55 OSSENBHL, Fritz. Kontrolle von Tatsachenfeststellungen und Prognosenentscheidungen durch das

    Bundesverfassungsgericht, in: Starck, Christian (org.),Bundesverfassungsgericht und Grundgesetz, vol. I, p. 458

    (483).56 OSSENBHL, op.cit., p. 483.57 PHILIPPI, op. cit., p. 166; 183; Cf. tambm Ossenbhl, op. cit., p. 518.58 OSSENBHL, op. cit., p. 487.

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    Assim, houve por bem a Corte Constitucional declarar a inconstitucionalidade dalei sobre proteo de animais que, no seu 13, n 9, proibia o transporte de animais sobo sistema de reembolso (Nachnahme), com o fundamento de que essa forma de remessaensejava, no raras vezes, a recusa por parte do destinatrio, o que ocasionaria umtratamento inadequado dos animais e um tempo de transporte acima do tolervel.

    Aps verificar que grande parte do transporte de animais se operava sob o regimede reembolso, tanto pelos correios como pela empresa ferroviria, a Corte Constitucionalconstatou que os registros fornecidos pelo Ministrio da Agricultura indicavam umnmero quase inexpressivo de devoluo ou de qualquer outro obstculo na entregados animais a seus destinatrios59 .

    No que respeita falhas de prognsticos, a Corte adota uma soluo diferenciada,avaliando se a prognose legislativa se revela falha de incio (im Ansatz verfehlt) ou sese cuida de um erro de prognstico que somente se pode constatar a posteriori, apsuma continuada aplicao da lei. No primeiro caso, o dficitde prognose enseja a

    nulidade da lei60

    .

    Na segunda hiptese, quando se verifica a falha na prognose legislativa aps odecurso de certo tempo, considera o Tribunal irrelevante do prisma constitucional oerro de prognstico cometido, desde que seja parte integrante de uma deciso tomadade forma regular ou obrigatria. No chamado Mhlen-Beschluss deixou assente oTribunal que erros sobre a evoluo do desenvolvimento econmico devem seradmitidos, at porque o legislador est obrigado no limite do possvel, para evitar

    perigos futuros, a tomar decises cuja eficcia depende de fatores variados e que, porisso, podem ter desenvolvimentos no desejados (ou diversos daqueles desejados)61.

    Nesse caso, dever o legislador, todavia, empreender os esforos necessrios parasuperar o estado de inconstitucionalidade com a presteza necessria62 .

    A AFERIO DE FATOS E PROGNOSES LEGISLATIVOS PELO TRIBUNAL E ANECESSIDADE DE ADOO DE UM MODELO PROCEDIMENTAL ABERTO

    A constatao de que, no processo de controle de constitucionalidade, se faz,necessria e inevitavelmente, a verificao de fatos e prognoses legislativos sugere anecessidade de adoo de um modelo procedimental que outorgue ao Tribunal ascondies necessrias para proceder a essa aferio.

    Esse modelo pressupe no s a possibilidade de o Tribunal se valer de todos oselementos tcnicos disponveis para a apreciao da legitimidade do ato questionado,mas tambm um amplo direito de participao por parte de terceiros (des) interessados

    59 BVerfGE 36, 47: Embora inexista um levantamento estatstico confivel, um levantamento relativo ao ms desetembro de 1972 indica, no transporte ferrovirio, que, das 13.204 remessas de animais levadas a efeito, verifica-

    ram-se 22 casos de obstculos na entrega. Superados esses obstculos, somente 10 remessas foram devolvidas ao

    remetente.60 OSSENBHL, op. cit., p. 487.61 BVerfGE 16, 147 (181 s.); BVerfGE 18, 315 (332).62 OSSENBHL, op. cit., p. 518.

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    Nesse sentido, a prtica americana do amicus curiae brief permite CorteSuprema converter o processo aparentemente subjetivo de controle deconstitucionalidade em um processo verdadeiramente objetivo (no sentido de umprocesso que interessa a todos), no qual se assegura a participao das mais diversaspessoas e entidades.

    A propsito, referindo-se ao caso Webster versus Reproductive Health Services(....), que poderia ensejar uma reviso do entendimento estabelecido em Roe versusWade (1973), sobre a possibilidade de realizao de aborto, afirma Dworkin que aCorte Suprema recebeu, alm do memorial apresentado pelo Governo, 77 outrosmemoriais (briefs) sobre os mais variados aspectos da controvrsia possivelmente onmero mais expressivo j registrado por parte de 25 senadores, de 115 deputadosfederais, da Associao Americana de Mdicos e de outros grupos mdicos, de 281historiadores, de 885 professores de Direito e de um grande grupo de organizaescontra o aborto63.

    Evidente, assim, que essa frmula procedimental constitui um excelenteinstrumento de informao para a Corte Suprema.

    No h dvida, outrossim, de que a participao de diferentes grupos em processosjudiciais de grande significado para toda a sociedade cumpre uma funo de integraoextremamente relevante.

    por isso que Hberle defende a necessidade de que os instrumentos de informaodos juzes constitucionais sejam ampliados, especialmente no que se refere s audinciaspblicas e s intervenes de eventuais interessados, assegurando-se novas formasde participao das potncias pblicas pluralistas enquanto intrpretes em sentido amploda Constituio.64

    certo, por outro lado, que o Tribunal que exerce as funes de CorteConstitucional no pode deixar de exercer a sua competncia, especialmente no que serefere defesa dos direitos fundamentais em face de uma deciso legislativa, sob aalegao de que no dispe dos mecanismos probatrios adequados para examinar amatria.

    Em verdade, tal como j apontado, a competncia do Tribunal para examinar osfatos e prognoses legislativos advm da prpria competncia que lhe

    constitucionalmente reconhecida para proceder aferio de leis ou atos normativosem face do parmetro constitucional65.

    Uma vinculao estrita do rgo judicial aos fatos e prognoses legislativos fixadospelo legislador acabaria, em muitos casos, por nulificar o significado do controle deconstitucionalidade.

    63 DWORKIN,Freedoms Law, cit., p. 45.64 HBERLE, op. cit., p. 47-48.65 OSSENBHL, op. cit., p. 467-468.

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    No preciso ressaltar tambm que a negativa do Tribunal de examinar, comtodos os elementos disponveis, a correo dos fatos e prognoses estabelecidos pelolegislador pode corresponder a uma vinculao, ainda que no estritamente consciente,aos fatos legislativos pressupostos ou fixados pelo legislador.

    Em outras palavras, tal postura poder significar, em verdade, uma renncia

    possibilidade de controle de legitimidade da lei propriamente dita. Ou, o que se revelaigualmente inadequado e grave, a no adoo de processos racionais de apreciao dosfatos e prognoses legislativos poder ensejar decises lastreadas apenas em basesintuitivas.

    Por outro lado, no h dvida de que a complexidade das relaes envolvidas nasquestes constitucionais exige que o rgo que exerce as funes de controle disponhade mecanismos procedimentais que lhe permitam uma atuao consciente e, tanto quantopossvel, integradora no sistema constitucional.

    Em verdade, a substituio de uma deciso intuitiva do legislador por umadeciso igualmente intuitiva da Corte coloca em xeque a prpria legitimao do sistemade controle de constitucionalidade.

    Se j se tem dificuldade de aceitar uma deciso tipicamente voluntarista ou intuitivado rgo de representao popular, certamente no se pode sequer cogitar de umaeventual substituio de um voluntarismo do legislador pelo voluntarismo do juiz.

    por isso que se afigura essencial o desenvolvimento de tcnicas que possibilitemdecises racionalmente fundadas por parte do rgo judicial de controle.

    UM EXEMPLO RECENTE: A LEI DE RESPONSABILIDADE FISCAL PERANTE OSUPREMO TRIBUNAL FEDERAL

    Como no Direito brasileiro qualquer ato do Poder Pblico, inclusive os atoslegislativos, so passveis de controle jurisdicional, pode-se inferir que a atuao doJudicirio tenha reflexos indiretos na atividade econmica, por ser um agente ativo noconjunto da atuao estatal que afete a economia.

    Um exemplo a citar o da Lei de Responsabilidade Fiscal, formulada para efetivaro equilbrio das contas pblicas nas diversas esferas da Federao e nos diferentes

    Poderes. Em julgamento recente de grande repercusso, a constitucionalidade dessaLei foi examinada pelo Supremo Tribunal Federal.

    Diversas Aes Diretas de Inconstitucionalidade foram interpostas perante oSupremo Tribunal Federal com o fito de que o tribunal declarasse toda a lei ou algunsde seus dispositivos inconstitucionais.

    A primeira Ao julgada pelo STF (ADIN 2238), proposta pelo PT, PSB e PC doB estando o julgamento ainda em curso foi a primeira interposta e com um contedomais abrangente.

    Sustentavam os partidos que a Lei sofreria de inconstitucionalidade formal, umavez que o Senado modificou redao do texto aprovado pela Cmara dos Deputadossem que tenha havido a volta do projeto a esta ltima casa, como prev a Constituio

  • 8/4/2019 04 -gilmar ferreira mendes

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    8 Encontro de Juristas Bancrios de Expresso Oficial Portuguesa

    Federal. Outra impugnao se referia ao fato que a Lei Complementar teria sidoinsuficiente ao regulamentar o art. 163 da Constituio, uma vez que supostamenteestaria a regular somente alguns de seus incisos. Sob o argumento deinconstitucionalidade material, foram impugnados diversos dispositivos, entre eles oart. 20, de funo crucial no sistema criado pela Lei de Responsabilidade Fiscal, queestabelece limites de despesas para os Poderes na Unio, nos Estados e nos Municpios.

    Como se observa, muitos dos argumentos tinham carter meramente tcnico-jurdico,mas as impugnaes materiais, sobretudo no tocante ao art. 20 da Lei, para seremexaminados a fundo, dependiam de exame de dados concretos para que se conclusse sea aplicao da Lei resultaria ou no em inconstitucionalidade.

    Em relao ao problema da inconstitucionalidade formal, o Tribunal rejeitou depronto a tese de que os arts. 3, 5 e 20 poderiam viciar a lei formalmente, uma vez que asemendas efetuadas pelo senado teriam sido meramente redacionais.

    Quanto alegao de que a Lei teria sido insuficiente ao regulamentar o art. 163 da

    Constituio Federal, a maioria do Tribunal considerou que no h necessidade de queapenas uma lei complementar regule dispositivo constitucional tratando de vrias matrias.

    No que concerne constitucionalidade do art. 20 (que trata dos limites por poderes),o Ministro Ilmar Galvo, relator da ao, considerou que a Constituio estabeleceu limitespara os entes da federao e no para os Poderes. Por outro lado, o Min. Nelson Jobimlevantou alguns pontos a fim de rejeitar o pedido de liminar. Para ele, o art. 169, 4 daConstituio afirma da participao dos poderes na reduo dos limites globais por enteda federao ( 4Se as medidas adotadas com base no pargrafo anterior no foremsuficientes para assegurar o cumprimento da determinao da lei complementar referidaneste artigo, o servidor estvel poder perder o cargo, desde que ato normativo motivadode cada um dos Poderes especifique a atividade funcional, o rgo ou unidadeadministrativa objeto da reduo de pessoal.).

    Para essa argumentao, foi relevante a utilizao de levantamentos de dados eexame da realidade das contas pblicas da Unio, dos Estados e dos Municpios.

    O que se ressaltou no julgamento foi que, se no fosse possvel repartir os limitesimpostos ao ente, ter-se-ia uma enorme discrepncia entres os Poderes, e o Executivoarcaria com todo o nus. Dessa maneira, o art. 99 da Constituio tambm serviria paradefender a idia de que os limites teriam de ser respeitados tambm pelos poderes dentro

    de cada ente. Portanto, o art. 99 da Constituio, ao dispor da obrigao de o Judiciriorespeitar os limites da Lei de Diretrizes Oramentrias, estaria tambm afirmando danecessidade de o Judicirio e o Legislativo se restringirem aos limites impostos pela Leide Responsabilidade Fiscal, uma vez que deve a LDO respeitar os limites da dvida glo-bal, preconizado na LRF.

    Enfatizou-se, ainda que a Lei de Responsabilidade Fiscal no poderia se tornaruma nova Lei Camata, que impunha responsabilidades somente ao Executivo. A Lei deResponsabilidade Fiscal seria, portanto, um assunto de enorme responsabilidade, sendoimprescindvel sua aplicao. Por ltimo, o Min. Nelson Jobim observou que o art. 169

    no veda a distribuio por poderes. O Supremo Tribunal Federal, concluindo ojulgamento, por maioria de 6 x 5, decidiu no conceder a liminar para afastar o art. 20por vcio de inconstitucionalidade, assegurando a manuteno da lgica daqueleinstrumento legal