03-Milton e a Baixada Santista
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REVISTA USP, So Paulo, n.41, p. 18-27, maro/maio 199918
QMILTONV
ARGAS
A BAIXADA
SANTISTA.SUAS BASES
FSICAS
uando, num dia desanuviado e claro, voa-se sobre a
Baixada Santista, numa rota no raro utilizada pelos
avies da Ponte Area, em sua volta do Rio para So
Paulo, no se pode deixar de admirar o contraste entre a
plancie da Baixada e a muralha, quase vertical, da Serra de
Cubato, encimada pelo Planalto Paulistano.
Tem-se ento a impresso de um soerguimento
recente da face da serra, tal o contraste entre a topo-
grafia jovem da Serra do Mar e a maturidade topogrfica
do planalto. Os gelogos que confirmam essa impressodizem tratar-se da face dissecada de uma falha geolgica,
ao longo da qual a borda oriental do continente teria
ascendido antes, durante e pouco depois que se sedimen-
taram as argilas e areias sobre as quais a cidade de So
Paulo repousa. Entretanto, os primeiros estudos mais
apurados, levados a efeito por Fernando Marques de
Almeida (1) em 1953, levaram-no a interpretar o relevo
da Serra de Cubato como resultante de um processo de
eroso iniciado a partir de falhamentos anteriores, situa-
1 F. F. Marques de Almeida,Consideraes sobre aGeomorfogenese da Serra deCubato, in Boletim Paulistade Geografia, no15, So Pau-lo, outubro de 1953.
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sdoEngen orasmosMILTON VARGAS
professor emrito daEscola Politcnica daUniversidade de SoPaulo.
do a vrios quilmetros a leste das escarpas atuais.
De fato, at cerca dos anos 50, pouco se sabia sobre a
geologia, tanto da Serra do Mar quanto das vrzeas e praias do
litoral. Contudo, o pai da Geologia no Brasil, o americano
Charles Frederick Hartt, j descreve a Baixada de Santos e a
Serra de Cubato, em seu livro Geology and Physical Geography
of Brazil(2), publicado em Boston em 1870. So descries
que cobrem mais os aspectos geogrficos que os geolgicos da
regio. Entretanto o primeiro a opinar que toda a costa sul
do Brasil est atualmente se elevando. Da as plancies deformao geolgica recentssima, com seus depsitos e vrzeas
e dunas de areia, em contraste com a formao arqueana da
serra. Somente na Geologia do Brasil(3), de Avelino de Oli-
veira e Othon Leonardos, publicado em 1943, foi que se
trouxe aos estudiosos de geologia uma divulgao das informa-
es mais detalhadas sobre as formaes geolgicas de nosso
pas. So poucas porm as informaes sobre a geologia da
Serra de Cubato. H somente meno s formaes geol-
gicas do trecho da estrada de ferro Mayrink-Santos, ento
2 F. Hartt ,Geology and PhysicalGeography of Brazil, Boston,
Fields Osgood, 1870.3 A. de Oliveira e O. Leonardos,
Geologia do Brasil, Rio de Ja-neiro, Servio de InformaoAgrcola, Ministrio da Agri-cultura, 1943.
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rcem-construda no espigo fronteirio a
essa serra. Elas so identificadas como
gnaisses arqueanos; porm, cortadas na des-
cida da serra por uma faixa de micaxistos
da srie algonquiana de So Roque.
As formaes litorneas so ali descri-
tas como plancies holocnicas em plena
fase de crescimento, por entre ilhas gran-
tico-gnissicas. Assim mesmo pouco dito
sobre as restingas, manguezais e baixadas
da nossa costa sul sobre a Baixada de San-
tos. Simplesmente l-se: As plancies de
Santos e So Vicente, em So Paulo, so
construdas de dunas ou de vasas. As areias
acumuladas pelo vento elevam-se pouco
acima do mar, enquanto as plancies lodo-
sas, no obstante serem revestidas de vege-tao (mangues), so integralmente
alagadas nas mars altas. Os grandes bana-
nais de Santos so protegidos por diques
artificiais. Leonardos afirma no acredi-
tar que a costa sul do Brasil esteja cres-
cendo por levantamento epirognico. So-
mente muito mais tarde que essa questo
veio a ser devidamente esclarecida, como
ver-se- adiante.
A Geografia de Avelino de Oliveira eLeonardos d uma especial ateno exis-
tncia de sambaquis em todo o litoral sul
do Brasil. So acumulaes de conchas,
restos humanos, ossos de aves e peixes,
usados como agulhas ou colares. Muitos
desses sambaquis alcanam uma dezena
de metros de altura e tm seus taludes n-
gremes, evidentemente de origem huma-
na. Muitos deles mostram em sua base con-
chas fsseis de moluscos de espcies extin-
tas; porm ainda assim holocnicos. Pelo
que sei, uma datao feita num sambaqui
encontrado no local onde hoje se acha a
Usina Siderrgica de Piaagera indicou a
idade de 10.000 anos, embora haja indica-
es de serem mais recentes. Assim,
Leonardos afirma que alguns deles esta-
vam ainda em construo na poca do des-
cobrimento. Alguns deles, por exemplo o
da Cosipa, esto presentemente longe do
mar, sugerindo o afastamento da costa,posterior a sua construo.
Assim o povoamento da Baixada
Santista seria anterior aos dos ndios
tupiniquins, encontrados pelos descobrido-
res portugueses. Porm, os homens dos
sambaquis no mostram diferenas em
comparao com os ndios atuais. De qual-
quer maneira eles so de nvel cultural ex-
tremamente mais baixo que o dos
tupiniquins e no h memria, nas lendas
indgenas, de uma raa anterior deles que
tivesse sido dominada ou extinta.
Os tupiniquins, centrados no planalto,
como agricultores que eram, principalmen-
te da mandioca plantada pelo sistema de
coivaras, nas matas ciliares dos rios ,
no eram nmades; mas, segundo os
antropologistas, no inverno desciam a ser-
ra para vir pescar nos rios e lagunas do
esturio e, mesmo, no mar. Atestam essefato as trilhas, cujos vestgios existem, at
hoje, na encosta da serra. Terminado o in-
verno voltavam para o planalto. Portanto a
Baixada Santista no era rea de povoa-
mento estvel, embora pertencesse rea
de subsistncia dos tupiniquins. Isto ex-
plica por que os primeiros descobridores
encontraram-se com os ndios do planalto
e logo subiram a serra pelas prprias trilhas
indgenas, que vieram a chamar-se cami-nhos do mar, procura das aldeias dos
Campos de Piratininga, onde j vivia o re-
negado Joo Ramalho e onde os jesutas
estabeleceram sua primeira escola. Resta
perguntar por que sendo esses ndios co-
nhecedores do meio natural preferiam plan-
tar suas roas de mandioca no planalto.
Como resposta lgica pode-se intuir que as
terras do planalto eram mais propcias s
atividades agrcolas.
A tradio indgena de considerar os
campos do planalto como ncleo central de
sua rea de subsistncia prolongou-se com
os povoadores portugueses que preferiam
os Campos de Piratininga, com a fundao
de Santo Andr da Borda do Campo e So
Paulo de Piratininga. Na plancie litornea,
subsistiram as cidades de Santos, So
Vicente e Itanham, como portos de de-
sembarque, ligados ao planalto pela trilha
dos tupiniquins e assegurando a ligaomartima com a metrpole. Contudo houve
a tentativa de estabelecerem-se plantaes
de cana-de-acar na Baixada, mas essas
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fracassaram. Esse o caso do famoso En-
genho dos Erasmos, fundado logo aps a
chegada dos portugueses e que durou ape-
nas cerca de 50 anos. Resultando disso que,
j em 1681, a sede do governo da capitania
passou a ser em So Paulo. Na Baixada
estabeleceu-se a caracterstica que persiste
at hoje, de centros urbanos, como ilhas em
territrio inaproveitado; ou simplesmente
aproveitados para plantaes de bananei-
ras. Contudo a ligao entre as duas reas
complementares persiste nas sucessivas
estradas atravs da muralha da serra. A Tri-
lha dos Tupiniquins que partia de Piaa-
gera e subia a serra ao longo do vale do
Rio Mogi e, no planalto, procurava o Vale
do Tamanduate, seguindo at Piratininga substituda pelo Caminho do Padre Jos
partindo de Cubato, subindo a serra pelo
Vale do Rio Perequ e, no planalto, cruzan-
do os rios Pequeno e Grande, at atingir o
Vale do Rio Meninos, afluente do Taman-
duate. No h melhoria entre os dois cami-
nhos, mas apenas maior segurana pois o
primeiro se aproximava muito do territrio
dos ndios tupinambs, inimigos acrrimos
dos tupiniquins.Com o crescer das comunicaes entre
Santos e So Paulo, no sculo XVIII, o
antigo Caminho do Padre Jos foi sofrendo
reparaes e modificaes sensveis inclu-
sive a subida pelo Vale do Rio das Pedras,
ao invs de pelo do Rio Perequ, dando
lugar ao chamado Caminho do Mar at hoje
existente. A viagem de Santos era feita por
canoas at o porto de Cubato. De l subia-
se a serra penosamente a cavalo, ou em redes
carregadas por ndios, ou mesmo a p, at
o alto da serra. Mas somente no governo de
Bernardo Jos de Lorena (1788-97) que
a subida da serra foi melhorada construin-
do-se a Calada do Lorena, feita com
lajes de pedra e com largura suficiente para
que as tropas de burros pudessem cruzar-
se sem parar. Essa calada, cujo traado
foi aproximadamente seguido pela atual
Estrada Velha de Santos, foi inaugurada,
provavelmente, no incio do ano de 1792. interessante notar que, na construo
dessa calada, cuidou-se especialmen-
te da drenagem, para evitar os estragos
das enxurradas e da construo de taludes
por meio de muros de arrimo. No planalto
tratou-se da melhoria e conservao do
caminho e da construo de pontes de
madeira (pinguelas) na travessia dos rios.
Finalmente, de 1824 a 27, abriu-se uma
estrada que ligava Santos a Cubato a
qual, no obstante, foi de manuteno di-
fcil e custosa at que se construsse o tre-
cho da Baixada de Estrada Velha, j na
dcada dos anos 20 deste sculo.
Dessa forma, a histrica correlao en-
tre os Campos de Piratininga e a Baixada
Santista foi assegurada pelo Caminho do
Mar. Com o advento da lavoura cafeeira e o
conseqente transporte do caf em lombo
de burro, para exportao em Santos, essecaminho foi progressivamente melhorado e
finalmente substitudo, no final do sculo
XIX, pela Estrada de Ferro Santos-Jundia.
Apesar da importncia histrico-geo-
lgica da Baixada Santista, que se procu-
rou realar nos pargrafos anteriores, at
recentemente seus aspectos geogrfico-geolgicos no tinham sido suficientemente
estudados. A Figura 1 mostra um esboo
de mapa da regio da Baixada Santista aqui
estudada.
Somente a partir de cerca de 1940
quando a Cia. Docas de Santos resolveu
consultar o IPT para o estudo dos solos de
fundao de suas novas instalaes portu-
rias; quando foram feitos os estudos para a
construo do trecho da Baixada da Via
Anchieta; quando se iniciaram estudos geo-
tcnicos para os primeiros edifcios de apar-
tamentos na praia do Gonzaga; e, a partir
de 1950, foram feitos os estudos de solos
para as fundaes da Cosipa em Piaagera
foi que as bases fsicas da Baixada Santista
comearam a ser conhecidas.
Foi possvel ento traar um esboo de
perfil geolgico do p da serra at a praia
de Santos. Em Cubato o solo era constitu-
do por cerca de 15 m de argila orgnicamole preta sobre uma camada de pedregu-
lho repousando sobre o embasamento
gnissico decomposto. Admitia-se ento
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que a camada de argila orgnica mole,
entremeada com camadas e lentes de areia,repousasse sobre o embasamento gnissico,
que se aprofundava lentamente at chegar
a cerca de 40 m no Rio Casqueiro. Dali por
diante a superfcie do terreno era recoberta
por uma camada de areia que, na praia, atin-
gia a profundidade de cerca de 15 m e o
embasamento gnissico ficaria a mais de
80 m de profundidade. A Figura 2 mostra o
primeiro esboo de um corte geolgico da
Baixada Santista traado, aproximadamen-
te, na dcada dos anos 50. Ver-se- adiante
que tal perfil encobria um erro.
Note-se, entretanto que, nesse perfil, no
aparecem os morros que, ao longo da Bai-
xada, surgem como ilhas rodeadas de
vasas. So afloramentos aqui e ali, do
embasamento gnissico. Esses morros so
recobertos por solos de alterao da rocha
in situ ou por coluvies formados por
deslizamentos de solos e blocos de rocha.
Junto ao p da serra, em geral, ocorremcamadas superficiais de argila orgnica com
consistncias das vasas revestidas de
mangues e alagadas pelas mars altas,
enquanto as areias mais prximas do mar
so acumuladas pela gua ou pelo vento,como mencionam Avelino de Oliveira e
Leonardos.
Note-se que, no caso da Baixada Santis-
ta, mais uma vez confirma-se o fato de que
o desenvolvimento econmico que susci-
ta a investigao cientfica e tecnolgica
de uma determinada questo; porm, uma
vez adquiridos tais conhecimentos, eles
rebatem sobre o desenvolvimento econ-
mico fazendo-o progredir. De fato, a cons-
truo da Via Anchieta, da Refinaria de
Petrleo de Cubato e da Usina Siderrgi-
ca de Piaagera forneceu dados sobre os
quais a investigao geogrfica e geolgi-
ca pode ser feita. Porm, no menos ver-
dade que, logo aps, esses estudos geol-
gico-geogrficos muito contriburam para
o grande desenvolvimento industrial da
Baixada.
Mas s em agosto de 1962 que foi
iniciada uma ampla pesquisa, sob a orien-tao de professores do Departamento de
Geografia da USP, para o estudo abrangen-
te dos aspectos geogrficos da Baixada
FIGURA1
Regio da
Baixada
Santista (apud
F. Massad)
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Santista, incluindo sua base fsica, povoa-
mento e populao, seguido de uma inves-
tigao sobre Santos e as cidades balnerias
vizinhas, alm de Cubato e suas inds-
trias. Em 1965 os resultados dessa pesqui-
sa foram publicados, pela Editora da USP,
em quatro alentados volumes, nos quais
pode-se encontrar as primeiras informaes
abrangentes sobre os aspectos geogrficos
da regio (4). O primeiro volume dessa obra,
As Bases Fsicas, o que mais interessa
para o trabalho aqui redigido. Inicia-se com
um sumrio da geologia da serra e da Bai-
xada, redigido por Jos Carlos Rodrigues,
enfatizando as questes de Geologia da
Engenharia, relacionada com as obras rea-
lizadas na regio. Em seguida h uma ex-celente exposio da evoluo geomorfo-
lgica, assinada por Aziz AbSber, onde
ele afirma: Na realidade tudo leva a crer
que, por volta do cretceo e no decorrer do
paleogeno, processaram-se falhamentos
importantespari passucom o soerguimento
epirognico relativamente homogneo, do
ncleo sul-oriental do Escudo Brasileiro.
Desse movimento epirogentico resultou,
na regio de Santos, uma srie de vales entreespores da serra. Com a elevao do nvel
do mar que estava cerca de 50 m abaixo do
nvel atual, e que se deu j no perodo
Quaternrio, esses vales foram submersos,
formando-se uma baa profunda e uma s-
rie de ilhas. Essa ascenso do nvel do mar,
que chamada pelos geomorfologistas de
transgresso flandriana, a responsvel
pela extrema irregularidade da costa sudeste
do Brasil.
Com os vales e baas submersos deu-se
a sedimentao das argilas ou areias finas
argilosas que hoje formam as vrzeas da
Baixada Santista. So sedimentos de guas
calmas, eventualmente em contato com
gua salgada das mars. Entretanto, j nes-
sa poca, percebeu-se que a camada de ar-
gila, supostamente de consistncia unifor-
memente mole, apresentava certa inexplic-
vel anormalidade em camadas de consis-
tncia maior, em discordncia com as mais
moles. Tal anomalia s foi esclarecida com
base em estudos geolgicos que sero men-cionados adiante.
Da eroso dos solos de alterao de
rocha, os quais recobriam as encostas dos
espiges e paleo-ilhas, resultaram areias que
vieram depositar-se, com transporte lqui-
do ou areo, em cordes de areia, a 10 ou 25
km de distncia do p da serra, em praias e
terraos.
H ainda um terceiro tipo de solo, cons-
titudo por pedregulho e blocos de rocha,em mistura com solo areno-argiloso. Tais
camadas encontram-se sempre em contato
com a rocha gnissica-xistosa muitas ve-
zes completamente alterada, sob os sedi-
mentos argilosos ou, ento, como aluvies
ou coluvies ao longo dos rios ao p da
FIGURA2
Esquema de
corte geolgico
(como
visualizado
nos anos 50)
4 Idem, A Baixada Santista. As-pectos Geogrficos, So Pau-lo, Editora da Universidade deSo Paulo, 1965.
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serra. Assim formou-se a configurao atual
da Baixada, com suas vrzeas e mangues,
geralmente localizados entre as encostas
da serra e contornando morros remanes-
centes das antigas ilhas da transgresso
martima, e a faixa litornea, constituda
por praias e terraos de areia pura.
No captulo terceiro do livro em exame,
Jos Pereira de Queiroz Neto e Alfredo
Kupper estudam Os Solos da Baixada.
Note-se, entretanto, que, agora, a palavra
solo no tem mais o significado amplo
geotcnico, abrangendo todas as camadas
e depsitos no consolidados da crosta ter-
restre. Solos, nesse captulo, referem-se s
camadas superficiais suportes das plantas
e que so estudados sob o ponto de vista dapedologia.
Nas reas das praias e terraos areno-
sos, prximas ou ao longo das praias lito-
rneas, desenvolveram-se solos podzlicos,
arenosos, com pouca matria orgnica,
cidos e de baixa fertilidade. So reas no
utilizveis sob o ponto de vista agrcola,
porm agora densamente aproveitados
como reas urbanas ou terrenos loteados
de praias balneares.Por outro lado, os solos desenvolvidos
nas reas entre as praias e o p da serra,
sobre os sedimentos argilosos ou argilo-
arenosos, so utilizveis agricolamente,
com exceo das zonas de mangues, as
quais, para serem utilizadas, necessitam de
obras de saneamento. De fato, nessas reas
existiam grandes bananais, como por exem-
plo o que ocupava toda a rea atualmente
ocupada pela Usina Siderrgica da Cosipa,
em Piaagera. So solos orgnicos, cons-
titudos por argilas e siltes orgnicos, s
vezes turfosas e saturadas dgua, com
camadas de areia fina semelhante das
praias; ou camadas de argila plstica, satu-
radas de consistncia rija, alto teor de car-
bono e acidez elevada, os quais dificultam
o seu aproveitamento agrcola. Entretanto,
essas reas esto tambm sendo invalidadas
por indstrias e suas vilas operrias, elevan-
do-se o seu preo e assim impedindo outrosusos, seja agrcola ou de preservao.
Dessa forma a Baixada Santista, man-
tendo o seu carter histrico de porta e porto
exportador e importador das terras paulistas
do planalto, perdeu o carter que configu-
rava seu aspecto de zona de plantaes
tropicais. Pois foi nelas que, logo aps a
descoberta, instalou-se o primeiro engenho
de acar brasileiro, com suas plantaes
de cana, as quais desapareceram totalmen-
te, e, ainda recentemente, era sede de gran-
des bananais, em plena extino.
Com o desenvolvimento industrial de
So Paulo, a partir do incio do sculo,
Santos tornou-se a cidade balneria e de
veraneio das famlias ricas ou remediadas
paulistanas, o que evoluiu para o das resi-
dncias secundrias em apartamentos ao
longo das praias de Santos e Guaruj. Fi-
nalmente toda a orla das praias da Baixadatornou-se acolhedora dos fins de semana
do povo paulista. Enquanto isso, foram-se
desenvolvendo as zonas industriais em tor-
no de Cubato e Piaagera, com sua usina
hidreltrica, sua refinaria de petrleo e plo
petroqumico, sua usina siderrgica, sua in-
dstria de fertilizantes; aglutinando em
torno de si uma quantidade de indstrias
anexas e vilas operrias, que tornaram a
regio uma das mais poludas do mundo.Por outro lado, as docas de Santos expan-
diram-se, com suas instalaes porturias,
s quais vieram agregar-se uma srie de
indstrias dependentes de exportao e
importao. Dessa forma desenvolveu-se,
a partir de zona porturia, subindo o estu-
rio e expandindo-se para Vicente de Car-
valho, do outro lado do canal, uma outra
pujante zona industrial.
Tambm o clima da Baixada foi exten-
samente estudado por Elina de Oliveira
Santos, concluindo ser esse um clima lito-
rneo quente e mido, porm, sujeito a
alternncias dirias da brisa martima com
o vento quente vindo do interior. O regime
de ventos, entre os quais predominam o
vento sul frio e o vento este vindo do Atln-
tico, porm com a incidncia espordica do
incmodo vento noroeste, determina enor-
memente as condies climticas. Contu-
do, o vero quente, com temperaturasmximas prximas de 40oC, extremamen-
te chuvoso, enquanto o inverno mais frio
e muito menos chuvoso, porm no com-
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pletamente seco, pois a precipitao mni-
ma mensal de ordem de 60 mm, enquanto
a mdia anual da ordem de 2.500 mm.
Como j foi dito, contrastando com o
carter orgnico e recente dos sedimentos
da Baixada, os solos que recobrem as ro-
chas gnissicas e micaxistos das encostas
da Serra do Mar e dos morros litorneos
tm sua camada superficial constituda por
solos residuais ou coluviais laterticos, su-
portes da mata atlntica, sobre espesso man-
to de solos de alterao in situdas rochas
locais, mantendo ainda a estrutura da ro-
cha-madre. Essas coberturas so muito ins-tveis, mostrando, em vrios locais, evi-
dncia de que esto em movimento de ras-
tejo serra abaixo. Escorregamentos catas-
trficos de terra do-se nos anos de maior
intensidade de chuvas, nos meses de no-
vembro a maro, quando a precipitao
chuvosa supera cerca de 100 mm por dia.
Foi o que aconteceu em 1928, no Monte
Serrat em Santos (ver fotografia da p. 759
da Geologia do Brasilde Oliveira e Leo-nardos), quando, aps chuvas violentas de
maro, cerca de dois milhes de metros
cbicos de terra deslizaram do alto do
morro, justamente sobre um hospital, ma-
tando um grande nmero de pessoas.
Os detritos de tais escorregamentos vm
acumular-se no sop da serra, formando os
talus, que apesar de terem taludes suaves
instabilizam-se durante as chuvas ou quan-
do tm seus ps cortados por escavaes
para fins de engenharia. Um exemplo bem
estudado de um escorregamento de talus
foi o que se deu detrs da Casa de Fora de
Cubato, ocorrido na estao chuvosa de
1947. Tal escorregamento tornou-se conhe-
cido internacionalmente por ter sido estu-
dado pelo prprio criador da Mecnica dos
Solos, o prof. Karl Terzaghi (5).
Nas primeiras noites de maro de 1953,
durante chuvas intensas e ininterruptas, 60
deslizamentos simultneos assolaram osmorros de Santos, infligindo perdas de vida
e destruio de habitaes da populao
mais pobres. Esses escorregamentos foram
estudados em detalhes pelo Instituto de
Pesquisa Tecnolgica de So Paulo (6).
Um terceiro tipo de escorregamento, na
Serra do Mar, so as avalanches que ocor-
rem durante chuvas intensivas, as quais li-
teralmente dissolvem as coberturas super-
ficiais dos taludes, como aconteceu nas
catastrficas ocorrncias da Serra de
Caraguatatuba em 1967 e na das Araras, no
estado do Rio, quase em seguida. So
escorregamentos mltiplos e simultneos
devidos s chuvas de enorme intensidade
concentradas em reas restritas, com pero-
dos de recorrncia de 700 a 2.000 anos, as
quais produzem verdadeiras demolies
hidrulicas. Os detritos liquefeitos desses
escorregamentos vm depositar-se na Bai-xada, a vrios quilmetros de distncia dos
taludes, deixando a escarpa descoberta,
como se fosse por cicatrizes, em toda a rea
da intensa precipitao atmosfrica.
Um outro aspecto relacionado com as
propriedades geotcnicas dos solos da Bai-
xada Santista o dos recalques e desapru-
mos dos edifcios altos de apartamentos,
construdos ao longo da praia, a partir de
aproximadamente os anos 40. Antes disso,os edifcios de Santos, geralmente funda-
dos sobre a camada superficial de areia,
no ofereciam problemas de fundaes
pois, sendo de poucos andares, suas cargas
no atingiam as camadas de argila mole,
existente a cerca de 10 a 15 m de profundi-
dade, abaixo da camada superficial de areia.
Quando esses prdios passaram a ter mais
de 10 andares, suas cargas comearam a
comprimir camada subjacente de argila,
fazendo aparecer o fenmeno de adensa-
mento; isto , expulso da gua intersticial
da argila, resultando em recalques que se
procediam lentamente, ao correr do tempo.
Um dos primeiros efeitos desastrosos dis-
so foi o de um edifcio de 14 andares em
que o recalque de um lado atingiu 85 cm,
enquanto do outro ficou em 60 cm, com
conseqente inclinao do prdio. Assim,
tais recalques foram aparecendo em outros
prdios, tornando-se visveis e preocupan-do os moradores. Alm disso observou-se
que a construo de um prdio vizinho mais
alto fazia inclinar o prdio menor. Houve
5 K. Terzaghi, From Theory to
Practice in Soil Mechanics, N.York, John Willey, 1960.
6 M. Vargas e E. Pichler, Residu-al Soil and Rock Slides in San-tos (Brazil), Londres, Proc. 4o
ICSMFE, 1957.
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um caso constatado de um prdio que se
inclinou para o vizinho da direita, quando
esse foi construdo, e, depois, voltou ao
prumo quando foi construdo outro prdio
esquerda. Com o abuso da altura dos pr-
dios apareceram casos em que se comeou
a temer o perigo de colapso do edifcio. Um
desses casos foi o de um edifcio de 18 an-
dares, muito esbelto, desaprumado pela
construo de um prdio vizinho, cuja so-
luo e estabilizao foi um feito notvel
da engenharia de fundaes paulista.
A partir dessa poca o conhecimento
geolgico, geogrfico e geotcnico da Bai-xada Santista tornou-se intenso, como re-
sultado das investigaes cientficas e
tecnolgicas quase todas relacionadas com
obras de engenharia e de industrializao.
Alm das obras de grandes instalaes in-
dustriais que se realizaram desde ento, na
Baixada, o projeto e a construo da Via
dos Imigrantes, tanto no trecho da serra,
como no da Baixada, vieram no s bene-
ficiar-se desses conhecimentos, mas tam-bm ampli-los.
No que se refere geologia e mecni-
ca dos solos e das rochas tais amplos co-
nhecimentos foram sumarizados nas con-
tribuies apresentadas no simpsio So-
los do Litoral de So Paulo, realizado em
Santos em 1994. Os anais desse simpsio,
publicados pela ABMS, vieram a se cons-
tituir como uma sntese do estado dos co-
nhecimentos geolgicos e geotcnicos so-
bre a Baixada de Santos e da Serra de
Cubato, alm de sobre o restante do litoral
de So Paulo.
Yociter Hasui, Jos Augusto Mioto e
Norberto Morales (7) apresentaram, a esse
simpsio, uma notvel atualizao dos co-
nhecimentos sobre a Geologia do Pr-
Cambriano no qual as antigas idias sobre
a geologia e a geomorfologia da Serra de
Cubato so retificadas, alm de expostos
novos conhecimentos adquiridos sobre aquesto. interessante mencionar aqui o
relato dos episdios da evoluo tectnica
da Serra do Mar. Os dois primeiros deram-
se em tempos pr-cambrianos e so res-
ponsveis pela formao de dobras, juntas
e falhas na rocha arqueana e de intruses de
rochas granticas. O terceiro episdio o
que corresponde aos movimentos de blo-
cos, alamentos e abatimentos. A Bacia de
Santos como a da Guanabara correspondem
s zonas abatidas, enquanto a Serra de
Cubato corresponde face dissecada de
um soerguimento ao longo de uma falha
correndo paralela costa, ao largo de San-
tos. So processos ocorridos quando os
continentes da frica e da Amrica do Sul
separaram-se no final do Mesozico e in-
cio do Cenozico. H ainda um quarto epi-
sdio correspondente reativao de fa-
lhas que se deram durante o Tercirio.Quanto geologia do Quaternrio, no
litoral sul do Brasil, Kenitiro Suguiu e Louis
Martin (8) apresentaram, ao simpsio de
Santos, um interessantssimo trabalho,
mostrando que os sedimentos das plancies
litorneas foram depositados em dois even-
tos: no Pleistoceno e no Holoceno, em
ambientes marinhos rasos. Nesses eventos
os nveis do mar estavam em posies di-
ferentes. Admitindo que o nvel atual sejaO, no incio do Pleistoceno seria 20 a 25 m,
enquanto o nvel mdio, no Holoceno, se-
ria 4 m. No Pleistoceno, h cerca de 120.000
anos, depositaram-se sobre a rocha altera-
da ou seus detritos uma camada de argila e
sobre ela areias marinhas. Desde ento o
nvel do mar veio abaixando, provavelmen-
te como resultado da ltima idade glacial,
e foram-se formando cordes de areia
medida que o nvel abaixava. Em seguida,
vrios canais e baas foram sendo erodidos,
at que o nvel do mar atingiu cerca de 100
m abaixo do atual. Ento, j no Holoceno,
h cerca de 15.000 anos, de novo o nvel,
com o final da glaciao nos plos, voltou
a subir, atingindo, h cerca de 5.000 anos,
cerca de 4 m acima do nvel atual. Durante
esse perodo os canais e baas erodidos an-
teriormente foram sendo preenchidos com
a atual argila mole da Baixada, que os au-
tores chamam de sedimentos fluvio-lacunares, em contraposio s argilas
anteriores, parcialmente erodidas, que eles
chamam de transicionais. De 5.000 anos
7 Y. Hasui, J. A. Mioto e N.Morales, Geologia do Pr-Cambriano, in Solos do Litoralde So Paulo, So Paulo, ABMS Ncleo Regional de So Pau-
lo, agosto de 1985.8 K. Suguiu e L. Martin, Geolo-
gia do Quaternrio, in Solosdo Litoral de So Paulo, SoPaulo, ABMS Ncleo Regio-nal de So Paulo, 1994.
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para c o nvel do mar vem baixando.
Com base nesses estudos, Faial Massad
(9) veio explicar o fenmeno da existncia
na Baixada de Santos de argilas rijas, em
discordncia com as argilas moles mais
superficiais. As rijas corresponderiam s
chamadas de transicionais pelos gelo-
gos, enquanto as moles so as fluvio-lacuna-
res. Dessa forma, a idia do corte geolgi-
co, concebido na poca dos anos 50, men-
cionada anteriormente, teve de ser modifi-
cada, no sentido de que, naquele corte, as
camadas inferiores de argila, a cerca de 30
m de profundidade, a partir do Rio Casquei-
ro, na direo de Santos, devem ser enten-
didas como rijas, em discordncia com os
sedimentos superficiais mais recentes, cujaconsistncia mais branda.
De tudo o que foi dito sobre as bases
fsicas da Baixada Santista, em correlao
com o seu estudo geolgico-geotcnico,
visando melhorar seus meios de comuni-
cao e transform-la numa regio inten-
samente industrializada, creio ser possvel
chamar a ateno sobre como se deu a evo-
luo do seu desenvolvimento social e eco-
nmico. De incio apareceram dois proble-mas relacionados com a necessidade de
exportao e de transporte do caf produzi-
do no planalto at o porto martimo. Para
tanto, a engenharia ferroviria e porturia
foi chamada e veio a recorrer, cada vez mais
intensamente, pesquisa tecnolgica, a
qual, por sua vez, medida que os proble-
mas tornaram-se mais graves, veio a ne-
cessitar do apoio de conhecimentos cient-
ficos. O transporte e exportao de caf pau-
latinamente foi suscitando o aparecimento
de armazns de estocagem e de indstrias
correlatas, as quais desenvolvem-se num
grande parque industrial e no conseqente
urbano de Santos e das cidades vizinhas.
Mas para isso foi necessrio resolver pro-
blemas tcnicos que exigiam estudos tec-
nolgicos e, esses, investigaes cientfi-
cas. Realizou-se, dessa forma, na Baixada
Santista, uma interao entre a tecnologia
e a cincia, fertilizando-se mutuamente,ambas suscitadas pela necessidade de re-
solver problemas industriais e econmicos.
Contudo, deve-se lembrar que todo esse
desenvolvimento tcnico-cientfico e in-
dustrial, talvez por falta de uma maior aten-
o aos problemas ambientais, resultou em
intensa poluio, principalmente na regio
de Cubato, atingindo a prpria vegetao
da serra e tornando essa regio uma das
mais criticadas, sob o ponto de vistaambiental, do estado de So Paulo. de se
convir, porm, que a soluo de tal proble-
ma ambiental caber a maiores estudos ci-
entficos e melhores solues tecnolgicas.
9 F. Massad, Progressos Recen-tes dos Estudos sobre as Argi-las Quaternrias da BaixadaSantista, So Paulo, ABMS eABEF, agosto de 1985.