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7 © Todos os direitos reservados a Editora Atheneu Ltda. História da Anestesia Pediátrica Armando Fortuna Valéria Baraldi Melhado ANESTESIA GERAL PEDIÁTRICA De 1846 a 1960 A técnica mais comum empregada em crianças desde a introdução da anestesia, em 1846, foi a da máscara aberta utilizando-se o éter 1 . Mais tarde, para facilitar a indução, o cloreto de etila e o éter divinílico 10 foram usados, sendo o cloreto de etila posteriormente abandonado pela alta incidência de arritmias, muitas vezes fatais. O “enterro” desse agente veio com o trabalho de Bush et al. 14 , mostrando que a fibrilação ventricu- lar e a parada cardíaca geralmente ocorriam antes da apnéia. A máscara aberta permitiu a evolução para a anestesia endotraqueal, sendo o tubo colocado após se atingir um plano anestésico com éter suficiente para o relaxamento muscular. Sir Ivan Magill e Rowbotham foram os pioneiros neste capítulo 1,10 . Inicialmente se usou o “T” de Ayre (Fig. 2.1) na parte proximal do tubo, que permitia inflar o pul- Fig. 2.1 – “T” de Ayre mão por oclusão intermitente do ramo expiratório e, assim, realizar uma ventilação controlada 15,16 . Capítulo 2

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Histór ia da anestesia Pediátr ica

Armando FortunaValéria Baraldi Melhado

anestesia geral Pediátrica

de 1846 a 1960

A técnica mais comum empregada em crianças desde a introdução da anestesia, em 1846, foi a da máscara aberta utilizando-se o éter1.

Mais tarde, para facilitar a indução, o cloreto de etila e o éter divinílico10 foram usados, sendo o cloreto de etila posteriormente abandonado pela alta incidência de arritmias, muitas vezes fatais. O “enterro” desse agente veio com o trabalho de Bush et al.14, mostrando que a fibrilação ventricu-lar e a parada cardíaca geralmente ocorriam antes da apnéia.

A máscara aberta permitiu a evolução para a anestesia endotraqueal, sendo o tubo colocado após se atingir um plano anestésico com éter suficiente para o relaxamento muscular. Sir Ivan Magill e Rowbotham foram os pioneiros neste capítulo1,10.

Inicialmente se usou o “T” de Ayre (Fig. 2.1) na parte proximal do tubo, que permitia inflar o pul- Fig. 2.1 – “T” de Ayre

mão por oclusão intermitente do ramo expiratório e, assim, realizar uma ventilação controlada15,16.

Capítulo 2

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Gradualmente, esse método foi substituído por sistemas contendo uma bolsa e válvula expiratória (Fig. 2.2) do tipo Digby Leigh, Stephen, Frumin e Ruben, de mais fácil manejo5,7,10.

Fig. 2.2 – Válvulas expiratórias.

Estes, por sua vez, cederam lugar, em sua quase totalidade, à utilização do circuito originalmente ide-alizado por Jackson Rees e suas modificações (Anis Baraka, Bain) simples e sem válvulas, o que facilitou sobremaneira o controle eficaz da ventilação em todos os momentos, sem a complicação representada por válvulas inspiratórias e expiratórias, sempre sujeitas a dificuldades mecânicas inerentes ao sistema6.

No entanto, a poluição de ambientes cirúrgi-cos por gases e vapores anestésicos passou a limi-tar cada vez mais o uso de sistemas semi-abertos, como Jackson Rees ou Baraka, em países desen-volvidos. Somente na década de 1980 é que foram criados dispositivos antipoluentes que resolveram esse problema.

Com a introdução da cal sodada como absor-vedor do CO2 expirado, dos aparelhos de anestesia portando medidores de gases, do tipo aquômetro e rotâmetro, e especialmente depois do aparecimen-to do ciclopropano, em 1934, o sistema dito “fe-chado”, vai-e-vem, idealizado por Waters (1926), tornou-se bastante popular1.

Em meados da década de 1950 apareceram fil-tros circulares utilizando válvulas leves, do tipo de Digby Leigh (Fig. 2.3) e Bloomquist (Fig. 2.4), ideais para anestesias pelo ciclopropano e que po-diam também ser utilizados com o éter e o óxido nitroso sem problemas2,7,10,12.

Fig. 2.4 – Circuito circular infantil de Digby Leigh.

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Fig. 2.5 – Circuitos circulares Ohio e Bloomquist.

Foi nessa época, principalmente por causa das publicações de Digby Leigh e Robert Smith, que ficou bem evidente para todos que crianças não são e não se comportam como “pequenos adultos”. Elas exigem uma série de cuidados e enfoques diferen-tes, que, graças aos ensinamentos desses autores, a anestesia evoluiu para a criação de uma subespecia-lidade dedicada à anestesia pediátrica. Isso aumen-tou sobremaneira a segurança dos procedimentos quando aplicados nessa faixa etária5,10,13.

O óxido nitroso, associado ao éter e ao oxi-gênio, facilitou a manutenção e permitiu um despertar mais rápido da anestesia. Os tiobarbi-turatos, como agentes de indução, substituíram o ciclopropano e passaram a ocupar uma posição muito importante nessa fase fundamental do pro-cedimento anestésico1.

Apesar de tudo, o problema representado pela explosibilidade do éter veiculado por fluxos de oxi-gênio era mais sério do que quando o ar era utili-zado para esse fim. Tal fato aumentou o risco de incêndio e explosões possíveis com esse agente, im-possibilitando ou tornando muito arriscado o uso do bisturi elétrico na cirurgia. Do mesmo modo, o ciclopropano, um excelente anestésico, tinha seu emprego restrito por também ser explosivo.

Novos vaporizadores foram idealizados, desde os de borbulha (Foregger) e de pavio (Ohio 8) até os calibrados, dos quais o EMO (Epstein, Macintosh, Oxford), idealizado pelo Prof. Sir Robert Macin-

tosh para o éter, representou um avanço significa-tivo, além de permitir anestesias por éter/ar, ideal para situações de guerra ou de catástrofes naturais1.

O uso de substâncias curarizantes foi também um excelente acréscimo, ao permitir planos mais superficiais de anestesia, uma vez que o relaxamen-to muscular não dependia exclusivamente do anes-tésico inalado6.

Com Gray e Jackson Rees, a escola de Liverpool desenvolveu uma técnica que predominou por muitos anos na Europa, onde os únicos agentes empregados de modo universal em anestesia pe-diátrica eram a d-tubocurarina, o óxido nitroso e a indução com tiopental, por meio de ventilação controlada e tubo endotraqueal. A aplicação desses métodos em cirurgia pediátrica foi um sucesso que persistiu por um longo período6.

Ainda na década de 1950 foram populariza-dos respiradores mecânicos, leves e portáteis para adultos, logo adaptados para o uso de infantes e crianças. Devem ser salientados aqui o Bird Mark 7, o Takaoka, o Bennet e a válvula de Cardiff (Minivent), que simplificaram bastante a ventila-ção controlada, liberando as mãos do anestesista. O Baby-Bird, ciclado a tempo e com controle das concentrações inspiradas de oxigênio, foi uma das máquinas pioneiras nesse campo11.

A intubação traqueal tornou-se praticamente uma rotina em anestesia pediátrica, pelas facilida-des permitidas, especialmente após a introdução da succinilcolina. Ao mesmo tempo, tínhamos também agora ao nosso alcance sistemas capazes de assistir ou controlar a ventilação, manual ou de modo mecânico, permitindo o uso de até 100% de oxigênio na mistura inspirada. Esse quadro só foi modificado nos anos de 1980 com o aparecimen-to da máscara laríngea, idealizada por A. Brain, na Inglaterra.

Em meados da década de 1970, o éter pratica-mente deixou de ser utilizado em todo o mundo com o advento dos halogenados, agentes não-ex-plosivos que praticamente revolucionaram a anes-tesia em todas as idades.

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A potência desses fármacos exigiu o conheci-mento da concentração inspirada do agente, o que tornou obrigatório o desenvolvimento de vaporiza-dores calibrados, não se admitindo qualquer outro tipo desde os últimos 30 anos, especialmente nos países mais desenvolvidos.

Nesse mesmo período, o uso do material plásti-co se difundiu, sendo um dos maiores avanços da medicina. Foram desenvolvidos os produtos des-cartáveis para punção venosa, bloqueios anestési-cos e todos os tipos de sondas, particularmente as endotraqueais, atóxicas, maleáveis e pouco irritan-tes para as mucosas.

A aparição da quetamina, apesar das complica-ções ocasionais representadas por delírio e confu-são mental no pós-operatório, forneceu vantagens em pediatria, especialmente por seu poder analgé-sico e por atuar rapidamente por via intramuscular, importante para o tratamento de queimados e na indução anestésica.

Novos opióides, salientando o fentanil, o sufen-tanil e agora o remifentanil, tornaram-se impor-tantes, juntamente com o propofol, em técnicas de anestesia venosa total, que também estão cada vez mais sendo utilizadas em crianças.

Oxímetros de pulso foram desenvolvidos e tor-naram-se quase obrigatórios, alertando para a pre-sença de hipóxia muito antes de sua detecção por sinais clínicos. Analisadores de gases entraram no mercado, o que permitiu um perfeito controle das concentrações anestésicas liberadas pelos vaporiza-dores. Capnógrafos também foram introduzidos, registrando a concentração de CO2 expirado de momento a momento.

Novos fármacos, como o sevofluorano e o des-fluorano, foram adicionados ao nosso armamentá-rio no fim dos anos de 1980. O sevofluorano se tornou, atualmente, o agente mais empregado em anestesia pediátrica, graças à sua segurança e rapi-dez na indução e no despertar.

O progresso dos computadores trouxe uma re-volução nos sistemas e métodos para a condução

da anestesia, tornando-se comuns nas bombas de infusão, nos aparelhos de anestesia e em respirado-res. Estes últimos apresentam agora funções múl-tiplas, como ventilação controlada ou assistida em diversos padrões, pois passaram a ser gerenciados por microprocessadores que os tornaram silencio-sos, eficientes e dotados de todos os dispositivos de segurança imagináveis. A hiperpressão pulmomar acidental tornou-se coisa do passado. A ventilação assistida automática, com controle volumétrico, pressométrico ou de tempo, passou a depender da vontade do operador, que irá usá-las de acordo com as exigências do paciente. O controle da fração ins-pirada de oxigênio agora é uma regra, o que deu fim às eventuais ocorrências de lesões pulmonares produzidas por altas concentrações de O2.

Para o Brasil e a América Latina, o respirador Takaoka representou um grande avanço na anes-tesia e na reanimação. Idealizado como um ressus-citador neonatal, logo teve seu uso estendido para ventilação durante anestesia, especialmente depois que foi acoplado a um sistema de fole e vaporizado-res especiais de borbulhas, adaptados para trabalhar na alta pressão necessária a fim de fazer funcionar o aparelho quando usado em seu módulo original. Kentaro Takaoka realizou um trabalho pioneiro que ajudou a anestesia brasileira a ser conhecida em todo o mundo, especialmente na América La-tina, onde as técnicas de anestesia que descreveu tiveram um grande impacto.

Também a aparição da indústria de aparelhos médicos no Brasil, iniciada com a Narcosul (Afon-so Fortis) e a Oftec (Hans Baulkeman), e logo se-guida pela K. Takaoka, permitiu a disponibilização de máquinas de anestesia que trouxeram uma me-lhora gradativa da qualidade, substituindo as im-portadas na grande maioria dos hospitais do país.

No campo da anestesia geral pediátrica, o pri-meiro trabalho a tratar do assunto no Brasil foi pu-blicado por Zairo Vieira e Sinval Veras na Revista Brasileira de Anestesiologia em 1956, na qual rela-taram uma experiência em 1.000 intervenções. Tal

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artigo sem dúvida teve uma grande influência na anestesia brasileira16.

Infelizmente, um livro que poderia ter sido um grande marco em nosso país, pela experiência que tinha seu autor, o Dr. Deyler Goulart Meira18 (1958), não obteve sucesso. Continha equívocos, que foram objeto de severas críticas do editor da Revista Brasileira de Anestesiologia na época, Zairo Vieira, e acabou sendo retirado do mercado. Con-tudo, o Hospital Jesus, do qual o autor era che-fe, seguiu como um pólo em anestesia pediátrica, especialmente pela atuação de Ítalo Rodrigues e membros da sua equipe, que treinaram residentes de todo o país e difundiram técnicas seguras e con-fiáveis de anestesia em crianças e infantes.

Outros centros especializados em pediatria, ou com grande movimento de cirurgia infantil, logo apareceram pelo Brasil, devendo-se citar o Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Univer-sidade de São Paulo (Ruy Vaz Gomide do Amaral e Carmen Narvaes – ambos ex-residentes de Robert Smith, em Boston, nos Estados Unidos). Também houve centros em Curitiba, no Hospital Pequeno Príncipe (F. Sabbag, Porcídio D. O. C.Vilani e Sér-gio B. Tenório), em Florianópolis (Carlos Alberto da Silva Júnior, Mario José da Conceição) e em Santos (A. Fortuna e F. Brusarosco).

Em todas as grandes cidades do país se forma-ram outros pólos, graças à difusão provocada por esses núcleos iniciais. Hoje, em todas as regiões, encontram-se serviços de excelência nesse campo e sem dúvida muito é devido à Sociedade Brasileira de Anestesiologia, seus centros de ensino e treina-mento, além dos pioneiros já citados.

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Ao contrário da anestesia geral, na qual os mé-todos utilizados eram quase os mesmos em crian-ças e adultos, as técnicas de anestesia regional em pediatria custaram a se tornar populares em âmbito mundial, especialmente pelo fato de quase sempre

se necessitar de sedação profunda ou narcose su-perficial para sua realização.

É interessante conhecer os detalhes dessa evo-lução até os nossos dias, partindo do início da sua aplicação em cirurgia até a atualidade.

De seus primórdios ao fim da década de 1940

A anestesia tópica teve início em 1884, quando Karl Koller, de Viena, demonstrou o uso da cocaína em cirurgia oftálmica19. Seguiram-se procedimentos de anestesia regional introduzidos por Halstead e Hall que bloqueavam o nervo facial. Logo depois foi descrita uma técnica de injeção do plexo braquial, por exposição direta dos nervos constituintes20.

A raquianestesia foi primeiro realizada por August Bier em 189821. No início do século XX, Cathelin22 publicou o emprego da via caudal para atingir o espa-ço peridural. O uso desses procedimentos regionais em anestesia pediátrica levou mais tempo para ser iniciado pelas dificuldades inerentes a realizar injeções em infantes e crianças, que, em sua grande maioria, necessitavam de sedação profunda ou anestesia geral superficial para tornar essa ação possível.

Em 1909, Tyrrel-Gray publicou 200 casos de raquianestesia em crianças com utilização da estovaí-na. Cinco tinham menos de 6 meses e não rece-beram nenhuma sedação, tolerando bem os proce-dimentos. Foram relatadas quatro falhas, e o autor utilizou brandy para tratar o desconforto da criança, apontado por ele, em uma incidência de 10%23.

Em 1920, Farr relatou 129 intervenções em in-fantes e crianças, muitas em más-condições e que foram operadas sob anestesia local, sendo procaína a 0,6% o agente escolhido. A série incluiu lábio le-porino, cirurgia abdominal e estenose de piloro24.

O próximo a publicar sobre raquianestesia foi J. Marian, de Bucareste, que em 1932 apresentou um estudo de 653 crianças operadas com esse método (procaína a 4% foi o fármaco usado) e registrou apenas 15 falhas e algumas seqüelas que considerou de pouca importância, como suores frios, náusea,

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vômito e tendência para perder a consciência. Em algumas ocasiões, o tratamento foi a cafeína25.

No mesmo ano, C. I. Junkin, de Toronto, re-portou raquianestesias, sem especificar o número de crianças envolvidas (incluiu na série quatro to-racotomias e duas lobectomias). Quinze falhas fo-ram corrigidas pela adição de anestesia geral. Como complicações, notou duas ocorrências de cefaléia após punção lombar26.

A anestesia caudal sacra, hoje talvez o método mais utilizado de anestesia regional em cirurgia pediátrica em todo o mundo, foi iniciada em 1933 por M. F. Campbell, urologista, que realizou 83 intervenções na bexiga e uretra de adultos. Como agente usou procaína a 2%, citando 10% de falhas e nenhuma complicação pós-operatória, uma cifra muito razoá-vel para a procaína e para um trabalho pioneiro27.

O passo seguinte, referindo uma experiência de 1.241 raquianestesias, foi feito por J. Balacesco, de Bucareste, utilizando estovaína com estricnina nos primeiros pacientes e, nos restantes, procaína a 4%28. De acordo com ele, os resultados foram bons, sendo as únicas seqüelas cefaléias pós-opera-tórias em alguns pacientes acima de 15 anos. Ob-servou 25 falhas, resolvidas por meio de anestesia geral pelo clorofórmio.

Na década seguinte, em 1942, Rafael Vara Lopez publicou 438 raquianestesias usando a dibucaína (percaína e nupercaína). Não mencionou falhas, mas citou como complicações pós-operatórias 3,9% de náuseas e 1% de vômitos. Também não ocorreram mortes nem problemas neurológicos nesse grupo29.

No mesmo ano, W. Etherington-Wilson relatou ter anestesiado 30 crianças, em um total de 1.600 raquianestesias. O mais jovem tinha 16 dias e o mais velho, 3 anos. O agente usado foi a dibucaí-na hipobárica (nupercaína), em uma diluição de 1:2.000 a 1:1.250. Não relatou mortes ou compli-cações atribuídas ao método30.

Da década de 1950 até a atualidade

O livro publicado em 1951 por Digby Leigh e M. K. Belton, já citado, tem um excelente ca-

pítulo sobre anestesia regional, relatando que tais métodos já eram utilizados em 10% dos pacien-tes de sua prática diária31. Mencionaram caudais e bloqueios espinhais, citando inclusive exemplos de raquianestesia contínua com procaína para cirur-gias de longa duração, que abrangiam até proce-dimentos intratorácicos. A procaína e a tetracaína foram os agentes utilizados, e foram observadas duas convulsões com procaína por superdosagem. Interessante é que o tratamento utilizado foi anes-tesia geral com ciclopropano, “com excelentes re-sultados”. No sumário, acentuaram a segurança de bloqueios centrais em infantes e crianças, baseados nos dados obtidos.

Em 1954, F. G. Ruston, do Canadá, publicou um estudo pioneiro de anestesia peridural lombar em 76 infantes e crianças, com apenas um caso adi-cional, no qual a via caudal sacra foi utilizada32. No início, o fármaco escolhido foi a procaína, logo subs-tituída pela lidocaína. Não relatou complicações nessa série, nem no período pré ou pós-operatório. Como sinal de penetração no espaço peridural, deu preferência à técnica da perda de resistência.

Em 1959, A. Fortuna, de Santos, São Paulo relatou 38 casos de infantes e crianças em mau estado geral, anestesiadas por bloqueios caudais sacros33. Essa apresentação foi feita no Congresso Brasileiro de Anestesiologia, ocorrido em Belo Ho-rizonte, Minas Gerais. Seus resultados mostraram que é uma técnica simples e segura, fato atestado por ser este método atualmente, o mais utilizado em pediatria, superando de longe todos os demais tipos de anestesia regional pediátrica.

Em 1961, com maior número de casos, Fortuna apresentou no 1o Congresso Belga e 3o Europeu de Anestesiologia sua experiência com caudal sacra, acentuando ser essa uma técnica simples, eficiente e segura para o manejo de crianças em situações de urgência ou de alto risco.

Peter Spiegel, do Rio de Janeiro, seguindo as idéias de Fortuna, posteriormente publicou 128 casos de bloqueio caudal em crianças, na Anesthesia

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and Analgesia, uma das mais importantes revistas da especialidade. Propôs também uma fórmula, que calculava o volume de anestésico suficiente para atingir um nível de analgesia em torno de T10, muito bem recebida no Brasil e no exterior34.

Novamente Ruston, que sem dúvida abriu o ca-minho para bloqueios peridurais torácicos e lomba-res em crianças, apresentou um estudo de 1964, com 172 pacientes. Assim como outros autores, acentuou o fato de que pacientes nessa faixa etária geralmente não apresentavam hipotensão após o bloqueio sim-pático, ao contrário dos adultos. Como instrumento, utilizou as agulhas de Wagner, calibre 20 a 22, com ponta de Huber (Tuohy curta), que hoje são de uso rotineiro. A única diferença é que as da atualidade são descartáveis, tornando o seu uso bem mais seguro35.

Ítalo Rodrigues, nesse mesmo ano, no Rio de Ja-neiro, relatou 36 anestesias peridurais em infantes, seguindo de perto o trabalho de Ruston. Essa série incluía pacientes de alto risco, e também não fo-ram observadas complicações devidas à técnica36.

Fortuna, em 1967, publicou seus resultados de bloqueios caudais em pediatria no British Journal of Anaesthesia. Relatou que 91,7% dos casos tive-ram analgesia adequada. Como complicações, ci-tou duas convulsões por superdosagem de lidocaí-na, duas punções sanguinolentas e uma raqui total. Todos receberam pronto e adequado tratamento, não havendo seqüelas37.

O primeiro autor a empregar a analgesia caudal para tratamento de dor pós-operatória em crian-ças foi Kay, que, em 1974, na Inglaterra, repor-tou o uso da técnica em 300 casos de circuncisões. O anestésico usado foi a bupivacaína a 0,5%, com adrenalina a 1:200.00038. Todos os pacientes eram externos, liberados do hospital no mesmo dia. Ele alegou bons resultados e considerou ser este um método simples e eficiente para controle de dor após cirurgia pediátrica. Nenhum dos pacientes precisou permanecer internado e não apresentaram problemas de qualquer natureza.

Trabalhando no México, Estela Melman pu-blicou em 1975, na Anesthesia and Analgesia, 200

casos de anestesia regional em crianças, a maioria delas caudais. Também não observou complicações significativas nesses enfermos39.

Dessa data em diante, inúmeros relatos com tal técnica apareceram nas principais revistas mundiais de anestesia. McGown, em 1982, em uma experiência com 500 caudais, citou uma es-tatística desastrosa com quatro mortes e quatro paradas cardíacas, além de falhas em 2,8% dos ca-sos40. Quantidades muito altas de lidocaína (27,8 mg/kg) e de bupivacaína (41,1 mg/kg) foram in-jetadas, e parece evidente que estas foram as cau-sas das complicações. Para se ter uma idéia, um recém-nato de 3 kg em mau estado geral recebeu 5 mg/kg de bupivacaína. Um outro, após 1 mg de midazolam, desenvolveu quase que imediata-mente depressão respiratória, regurgitação e as-sístole. No mesmo artigo, ele procurou desculpar esse índice inadmissível de acidentes alegando serem aqueles os primeiros enfermos assim trata-dos, e comentou também que esse desastre não se repetiu nos 400 casos seguintes. Sem dúvida, teve muita coragem em continuar insistindo no método depois das tragédias verificadas no grupo inicial.

A era moderna de raquianestesia em pediatria começou com John Abaijian41, que, em 1984, re-portou um grupo de 78 pacientes, a maioria pre-maturos, sendo a metade de alto risco. Apresentou um estudo mais completo oito anos mais tarde, com uma série de pacientes em mau estado geral, além de problemas respiratórios42. Até o ano 2000 sua estatística passava de 1.000 intervenções pediá-tricas, sendo ele um firme defensor das vantagens e segurança do método, superior a qualquer outro de anestesia geral, para esta faixa etária (comunicação pessoal durante o Congresso Mundial de Montreal em 2000).

Tobias43 apresentou uma avaliação de 1.000 anestesias raquídeas em crianças, confirmando a vantagem dessa técnica nos casos indicados, es-pecialmente em prematuros. Em outro trabalho, apresentou dois casos de apnéia em pré-termos44.

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Rice44 avaliou a duração do bloqueio subarac-nóideo em infantes com menos de 1 ano, e Abejian relatou anestesias combinadas, raqui e peridural, para cirurgia abdominal extensa em crianças45.

Sethna relatou o uso de raqui contínua em dois adolescentes com função pulmonar diminuída para tratamento cirúrgico de escoliose46. Payne pu-blicou sobre o uso de microcatéteres para raquia-nestesia contínua em crianças47.

Outros mostraram ainda as vantagens da ra-quianestesia quando utilizada em infantes pré-ter-mo, em relação ao risco de apnéia48-51.

Também nos Estados Unidos, L. Broadman pu-blicou 1.154 caudais em crianças, com bons resulta-dos, sem mortes ou complicações neurológicas52,53.

Em Florianópolis, Santa Catarina, Carlos Alber-to da Silva Júnior apresentou seu relato de um grupo muito maior, com 4.416 pacientes. Citou algumas complicações: uma parada cardíaca, seis convulsões, seis punções acidentais da duramáter e cinco casos de arritmias cardíacas transitórias. Também não ob-servou casos de óbito ou seqüelas neurológicas54.

Uma experiência extensa, em anestesia peridu-ral realizada em infantes e crianças, foi apresentada por Z. Zhan55, com excelentes resultados. Tivemos a oportunidade de visitá-lo em Beijing e ficamos impressionados com o seu trabalho.

Poucos autores utilizaram dose-teste em aneste-sia regional pediátrica e, quando o fizeram, empre-garam soluções com adrenalina para a eventual de-tecção de uma injeção intravascular acidental56,57.

Do Japão, Masao Yamashita publicou vários tra-balhos sobre a localização do espaço peridural, sua anatomia e uma quantificação das doses de anesté-sicos indicadas para atingir os níveis desejados58-60.

Talvez os melhores estudos sobre anestesia regio-nal em pediatria tenham sido realizados por Bernard Dalens em Clermont-Ferrand, na França. Seus li-vros e artigos são de leitura obrigatória para quem realiza ou pretende fazer procedimentos cirúrgicos utilizando anestesia regional3,4,61,62. Também na

França, Claude Saint-Maurice e Schulte Steinberg editaram um excelente livro sobre o tema9.

Paulo Busoni, de Firenze, Itália, descreveu a via sacral para atingir o espaço peridural em crianças63. Sua experiência atual em anestesia regional pediá-trica está acima de 10 mil casos, associados a 7 mil de bloqueios periféricos, incluindo os de nervos como o femural, o plexo braquial e os que inervam as estruturas inguinoescrotais. As complicações per-operatórias foram em número de 173, sem seqüe-las graves: várias punções acidentais da duramáter, cinco casos de raqui total e quatro convulsões por injeção intravascular inadvertida (comunicação pessoal, Congresso de Montreal, 2000).

Desde o trabalho inicial de Ruston35, muitos avanços importantes foram realizados. Para caudais, ficou estabelecida a vantagem do uso de agulhas próprias com mandril, que permitem a introdução mais fácil de cateteres e diminuem a incidência de punções sanguinolentas. Possuem também a pro-priedade de evitar que células epidérmicas sejam carreadas para dentro do espaço, com o potencial de produzir mais tarde um tumor originado por esses elementos, um risco sempre presente quando agulhas hipodérmicas comuns são usadas para esse bloqueio62,64-72.

O maior argumento contra o uso de bloqueios regionais em pediatria tem sido sempre o fato de que tais pacientes devem ser anestesiados ou rece-ber sedação pesada antes que o método regional es-colhido possa ser realizado. O receio estava ligado às circunstâncias de o indivíduo estar inconsciente, e que parestesias ou reações corporais não seriam detectadas no caso de a agulha de punção atingir acidentalmente a medula, um nervo ou uma raiz.

O argumento final contra esta suposição foi dado por Krane et al., que, em um editorial muito claro e convincente, confirmaram em procedimen-tos neurológicos que a medula é insensível e não reage ao impacto de uma agulha ou um instrumen-to cirúrgico que a atinja. Outro argumento é que os nervos e as raízes “flutuam” no líquido cefalorra-quidiano e são muito móveis, e, dessa forma, seria

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muito difícil sofrerem uma lesão severa suficiente, para mais tarde mostrar sintomas73.

A favor desse posicionamento, encontramos o relatório da Adarpef, a Sociedade Francesa de Anestesia Pediátrica, citando 84.412 intervenções, das quais 24.409 foram conduzidas com anestesia local ou com um bloqueio regional. Destas, 50% foram caudais, seguidas por peridurais lombares, torácicas e também anestesia raquídea74. As com-plicações assinaladas foram oito casos de perfura-ção acidental da duramáter, dois de convulsões e um de penetração do reto. As demais foram pouco significativas. Deve-se acentuar que nenhuma se-qüela neurológica foi observada nesse estudo.

Como confirmação, Gunter, em 1991, fez um levantamento de 158.228 caudais realizadas em 192 hospitais norte-americanos75. Não encontrou mortes nesse grupo que pudessem ser atribuídas ao método. Alguns eventos adversos foram relatados: dois casos de raqui total, duas trocas de seringa, duas perfurações retais, dois episódios de arritmias, seis casos de hipotensão, duas convulsões e uma parada cardíaca. Nenhum incidente de hematoma epidural ou infecção foi observado. A incidência de complicações foi de 1:10.000, independentemente do uso ou não de dose-teste.

Outros estudos também vieram confirmar a se-gurança da anestesia regional em infantes e crian-ças45,70. Tobias apresentou uma extensa revisão so-bre raquianestesia, utilizada em todos os tipos de cirurgias, deste ortopedia até operações cardíacas43. Concluiu que este é um método confiável e seguro, especialmente para intervenções executadas em in-fantes pré-termo, nos quais o aparecimento de uma apnéia pós-operatória pode ser um problema sério.

Recentemente, a utilização de anestesia regio-nal em operações cardíacas pediátricas foi sugerida como vantajosa nessa faixa de idade, de acordo com os artigos de Peterson77 e Hammer76. Um edito-rial no mesmo número da Anesthesia and Analgesia apresentou uma visão mais cautelosa sobre essa in-dicação, mencionando a relação risco-benefício78.

No momento, ainda é cedo para termos uma con-clusão definitiva sobre o assunto76-82.

É preciso acentuar que a anestesia regional em pediatria necessita, para sua execução, de uma combinação segura com sedação ou anestesia geral superficial.

Do mesmo modo que com os adultos, para es-ses procedimentos permanece uma regra absoluta: sem uma veia segura não se inicia qualquer técnica de anestesia regional83. Igualmente, uma seringa contendo succinilcolina e outra com tiopental de-vem estar sempre ao alcance da mão, para que se possa tratar um eventual acidente convulsivo, pro-vocado por uma injeção acidental do anestésico na corrente sangüínea83.

Nos dias de hoje, seguindo a experiência do pas-sado em anestesia regional pediátrica, a rotina para a manutenção da via aérea durante a narcose asso-ciada é utilizar máscara laríngea ou tubo endotra-queal, exceto para intervenções muito curtas, nas quais isso pode ser feito sob máscara facial8,9.

Infelizmente alguns casos raros de acidentes graves foram observados após o uso de anestesia re-gional em pediatria, incluindo seqüelas neurológi-cas irreversíveis, como paraplegia ou tetraplegia84.

Ruston32, em sua publicação de 1964, em uma série de 172 casos, relatou a morte, precipitada por uma provável raqui total, de um infante moribun-do com uma oclusão intestinal. Em outro caso, houve um extenso hematoma epidural, causado pela progressão do cateter no espaço. O infante não sobreviveu e o sangramento foi um fator im-portante para a sua morte.

As dúvidas mais sérias que apareceram sobre a segurança de bloqueios centrais em cirurgia pedi-átrica foram descritas em uma pesquisa realizada pela já citada Adarpef. O relato foi assinado por C. Flandin-Bléty e G. Barrier, analisando 24.005 casos, coletados entre os anos de 1982 a 199185. A maioria dos bloqueios foi caudal, seguidos por epidurais lombares e raquídeas. Foram assinaladas cinco complicações neurológicas graves, com três mortes, todas em infantes com menos de 2 meses

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de idade. Três apresentaram tetraplegia; um, lesão cerebral após uma parada cardíaca; e o último, pa-raplegia. Algumas poderiam ter sido relacionadas ao uso de ar para a pesquisa do espaço peridural utilizando a técnica de Dogliotti-Ciocatto. Dalens foi o primeiro autor a assinalar o risco da injeção de ar nessa região. Bolhas de ar podem causar em-bolismo venoso, além de aumentar a incidência de “analgesia não-uniforme” (patchy) por estas se loca-lizarem em volta das raízes nervosas, dificultando seu contato com o anestésico86.

A incidência dessas complicações trágicas foi de 0,02%, número que representa 1:5.000 pacientes, um resultado que alertou a comunidade de que tal-vez o método não seja tão seguro quanto o que vinha sendo mostrado em outras estatísticas extensas74,75.

Afortunadamente, em mais de 200 mil casos de bloqueios centrais relacionados na literatura não se observa essa incidência74,75.

Têm sido relatados vários casos de troca de drogas nos bloqueios centrais. Em nosso depar-tamento, há mais de 20 anos, nenhuma injeção é feita sem que uma segunda pessoa presente confir-me o rótulo do produto, na ampola ou no frasco. É o único modo de evitar esse tipo de desastre, que caracterizariam negligência indefensável83. É im-portante também assinalar que todas as ampolas e frascos de agentes anestésicos devem se apresen-tar esterilizados em sua face externa (autoclave ou óxido de etileno) e o material utilizado, agulhas e cateteres, deve ser descartável83.

Apesar dos acidentes raros descritos anterior-mente, muitas das publicações que tratam da anes-tesia locorregional em infantes e crianças demons-tram que essa técnica pode ser considerada segura. Para tanto, necessita-se de atenção aos detalhes, uma disciplina rígida e uma habilidade razoável do anestesiologista.

Obedecendo a essas premissas, apresenta van-tagens na prática pediátrica, especialmente para pacientes de alto risco ou em mau estado ge-ral17,37,41,42,51,74,75.

O uso da caudal e da epidural torácica e lombar para o tratamento da dor pós-operatória vem cres-cendo durante a última década53,87-91. Novas téc-nicas, com a adição de agentes como a clonidina, os opióides e a quetamina nas soluções anestésicas infundidas por meio de bombas, têm aumentado nos últimos anos, fornecendo novas maneiras de diminuir o desconforto e o sofrimento após cirur-gias longas e extensas realizadas no paciente pedi-átrico92-94.

Sem dúvida, tais métodos podem ser muito úteis, mas seu uso demanda um protocolo rígido, equipamentos de ponta e um pessoal bem treinado e sempre alerta.

Com base em tudo que foi dito e escrito no pas-sado, e no que vem ocorrendo atualmente nesse campo, a anestesia regional pediátrica veio para fi-car e será ainda mais usada no futuro.

Podemos esperar aumento na utilização de téc-nicas regionais, especialmente nos bloqueios supra-púbico peniano, axilar, femural, ciático, ilioingui-nal e iliocrural, pois são de fácil execução e apre-sentam um nível muito baixo de complicações.

O risco-benefício para cada caso tem de ser pe-sado cuidadosamente, considerando-se o indiví-duo, a operação planejada, a condição do paciente e a habilidade e o treino do anestesista em procedi-mentos regionais.

Novos agentes, como a ropivacaína, parecem apresentar algumas vantagens em anestesias cau-dais, pelo menor bloqueio motor obtido com con-centrações em torno de 0,2%94-98. Esse é um dado importante para a mais rápida recuperação de pa-cientes ambulatoriais, que poderão se locomover e deixar o hospital mais cedo.

Assim como nos adultos, quanto mais simples a técnica, melhor ela se apresenta. É preferível exe-cutar um bloqueio dorsal do pênis do que realizar uma caudal sacra, quando a cirurgia programada for uma circuncisão99,100.

A via caudal sem dúvida continuará sendo o procedimento de escolha em infantes e crianças

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para cirurgias abaixo do nível de T10, pois é uma técnica fácil de realizar e que não demanda um trei-no especial do anestesista, como as exigidas pelas epidurais mais altas, lombares e torácicas. Procedi-mentos empregando dose única ou contínua com a colocação de cateteres estão sendo usados cada vez mais nessa classe de intervenções.

A modificação proposta por Bosemberg, para produzir analgesia nos segmentos torácicos mais altos por meio de um cateter introduzido por via caudal e dirigido em direção cefálica, sob o ponto de vista teórico deve ser restrita ou abandonada101,102. Basta lembrar o caso de Ruston, que relatou uma hemorragia severa em um infante seguida de mor-te, em virtude da ruptura de um vaso peridural por um cateter. Ou seja, é para se pensar duas vezes an-tes de empreender esta verdadeira aventura35. Um outro aspecto a ser considerado é que cateteres cau-dais, se deixados em contato com o paciente por períodos longos, são facilmente contaminados por sua proximidade com o orifício anal61. Nesse caso, é melhor introduzi-los em um nível mais alto.

Com novas agulhas descartáveis, cateteres de menor diâmetro com luz interna satisfatória e anes-tesistas bem treinados, as punções para a execução de peridural lombar são seguras. As torácicas são mais difíceis de serem executadas pela anatomia da região e sempre encerram o risco de causar uma lesão medular84. Somente especialistas com práti-ca nesse campo devem executá-las, após considerar bem os prós e contras dessa indicação.

Sem dúvida, um maior número de dados esta-tísticos são necessários para se dispersar a nuvem negra espalhada pelo relatório de Bléty85.

O tempo dirá, mas os maus resultados publi-cados na literatura médica foram provavelmente o resultado de equipamentos pouco confiáveis e usa-dos por indivíduos não bem treinados nas práticas de anestesia regional na criança, sem falar no abuso de sedativos.

A anestesia regional infantil veio para ficar e os re-sultados obtidos durante este meio século mostraram

que a técnica tem muito a contribuir para a maior segurança e conforto dos pacientes pediátricos.

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