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“Autores Populistas”: Epistemologia e Teoria da História na Crítica ao Conceito de Populismo Wesley Rodrigues de Carvalho Caminhos da História, Vassouras, v. 7, Edição Especial, p. 201-210, 2011 201 “Autores Populistas”: Epistemologia e Teoria da História na Crítica ao Conceito de Populismo Wesley Rodrigues de Carvalho Mestrando em História (PPGH-UFF/ CNPQ) [email protected] Resumo: Mais do que o tradicional conceito de populismo ou a realidade histórica a que este se refere, o objeto deste texto é o pensamento da corrente revisionista que lhe pretende ser superação. Tomarei como expoentes os autores Jorge Ferreira e Daniel Aarão Reis, os quais, ainda que tenham formulações distintas, comungam de perspectivas fundamentais. Observarei como sua caracterização e diagnóstico do populismo, bem como a solução apresentada para o suposto imbróglio, contém, antes de insuficiências empíricas, pressupostos problemáticos para a abordagem histórica: encerram concepção subjetivista e idealista, a serem demonstradas. O resultado mais destacado é uma leitura mistificadora sobre a situação política de dominação em que se encontra a classe trabalhadora em sociedades burguesas. Uma vez que no centro da discussão revisionista estariam os preconceitos políticos marxistas dos “autores populistas”, trago também ao debate uma reflexão sobre o historiador (revisionista) enquanto sujeito do conhecimento e seu sentido invariavelmente político. Palavras-chave: Classe trabalhadora. Estado. Populismo. Summary: The subject of this study, more than the concept of populism or the reality it refers, is the historiographical approach that criticizes it. As representative of this tendency, we have the authors Jorge Ferreira e Daniel Aarão Reis, who we will name here as “revisionists”. Although they have different formulations, they share common prepositions, which are fundamental. Our attention here will be concentrated on theorical issues, and not on the empirical failures of their compreension. This study will show that their caracterization of populism, as well as the solution presented to supposed problems, means the promotion of subjectivist and idealist conceptions of history. As onde of the main results, we have a mistifying compreension of the political opressive situation of the working class on burgeois societies. Once the revisionistas assume that the “populists authors” have marxists prejudgements, this study will bring epistemological considerations on the political sense of historical knowledge Keywords: Working class. State. Populism.

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AutoresPopulistas:EpistemologiaeTeoriadaHistrianaCrticaaoConceitodePopulismo Wesley Rodrigues de CarvalhoCaminhos da Histria, Vassouras, v. 7, Edio Especial,p. 201-210, 2011201Autores Populistas: Epistemologia e Teoria da Histria na Crtica ao Conceito de Populismo Wesley Rodrigues de CarvalhoMestrando em Histria (PPGH-UFF/ CNPQ)[email protected]:Maisdoqueotradicionalconceitodepopulismoouarealidade histrica a que este se refere, o objeto deste texto o pensamento da corrente revisionista que lhe pretende ser superao. Tomarei como expoentes os autores Jorge Ferreira e Daniel Aaro Reis, os quais, ainda que tenham formulaes distintas,comungamdeperspectivasfundamentais.Observareicomosua caracterizao e diagnstico do populismo, bem como a soluo apresentada paraosupostoimbrglio,contm,antesdeinsufcinciasempricas, pressupostos problemticos para a abordagem histrica: encerram concepo subjetivistaeidealista,aseremdemonstradas.Oresultadomaisdestacado umaleituramistifcadorasobreasituaopolticadedominaoemquese encontraaclassetrabalhadoraemsociedadesburguesas.Umavezqueno centro da discusso revisionista estariam os preconceitos polticos marxistas dos autores populistas, trago tambm ao debate uma refexo sobre o historiador (revisionista) enquanto sujeito do conhecimento e seu sentido invariavelmente poltico.Palavras-chave: Classe trabalhadora. Estado. Populismo.Summary:Thesubjectofthisstudy,morethantheconceptofpopulismor therealityitrefers,isthehistoriographicalapproachthatcriticizesit.As representativeofthistendency,wehavetheauthorsJorgeFerreiraeDaniel Aaro Reis, who we will name here as revisionists. Although they have different formulations,theysharecommonprepositions,whicharefundamental.Our attention here will be concentrated on theorical issues, and not on the empiricalfailures of their compreension. This study will show that their caracterization of populism, as well as the solution presented to supposed problems, means the promotion of subjectivist and idealist conceptions of history. As onde of the main results, we have a mistifying compreension of the political opressive situation of the working class on burgeois societies. Once the revisionistas assume that thepopulistsauthorshavemarxistsprejudgements,thisstudywillbring epistemological considerations on the political sense of historical knowledgeKeywords: Working class. State. Populism.AutoresPopulistas:EpistemologiaeTeoriadaHistrianaCrticaaoConceitodePopulismo Wesley Rodrigues de CarvalhoCaminhos da Histria, Vassouras, v. 7, Edio Especial,p. 201-210, 2011202 a partir de seu objeto de crtica que os autores em questo defnem suas perspectivas e justifcam seu trabalho historiogrfco. Assim, o primeiro passo desta anlise observar o que o conceito de populismo segundo o revisionismo. H um certo nmero de sentidos, mas a questo pode ser sumarizada: o populismo signifcaria um controle e dominao estatais de propores quase absolutas diante de uma sociedade tomada como vitimizada e dbil; signifcaria que os governantes detm as razes de todo o processo, que ditam os rumos da histria para uma sociedade inconsciente de seus interesses. De forma mais precisa, a leitura de populismo se concentraria na ideia de manipulao, a qual seria a problemtica nuclear, a ideia bsica1 dos autores populistas2. Manipulao seria quase um sinnimo do conceito. Notemos primeiramente uma arbitrariedade na apresentao (ou construo) do objeto da crtica revisionista. Os autores que fzeram uso do conceito, muitos e variados que so, sem dvida se fliam alguns na caracterizao apresentada. Mas um breve acesso a um dos principais referenciais dessa tradio no Brasil, e alvo privilegiado dos revisionistas, FranciscoWeffort,sufcienteparadesautorizaroenquadramentoproposto,tantono que concerne eleio da manipulao como categoria absoluta e chave no conceito, quanto pela sua generalizao.Separaosocilogouspianoamanipulaocentraleporvezessoareducionista, importante trazer a primeiro plano que a sua compreenso contempla a complexidade das experincias histricas e os seus mltiplos sentidos. Assim, o populismo tambm , por exemplo, um modo de expresso das insatisfaes das classes populares e um mecanismo atravs do qual a estrutura de poder entre Estado e classe trabalhadora constantemente ameaada.Eaindaquecolocadocomomanipulaodemassas,nodeixaoautorde advertir que essa ideia deveria ser relativizada, evitando o entendimento de uma espcie deaberraodahistriaalimentadapelaemocionalidadedasmassasepelafaltade princpios dos lderes.3. Nesse mesmo sentido, sublinhamos que, para Weffort, aliana (termo que os revisionistas reivindicam) tambm poderia expressar o conceito4. Levanto estas formulaes, que so mais do que nuances do pensamento do socilogo, no para proteg-lo de uma reduo caricatura, posio a que no raro so submetidos pensadores que se tornam alvos prioritrios, ou bodes expiatrios, de novas tendncias. Tambm no o principal intuito aqui confront-lo com as perspectivas mais atuais, o que exigiria uma exposio no superfcial do autor. Antes, esta apreciao importante por ser sintomtica da articulao revisionista, conforme pretendo demonstrar. interessante, assim, que Jorge Ferreira, expondo a ambiguidade presente em Weffort no a apresenta seno como uma esquizofrenia argumentativa5. Isto porque, na forma de 1REIS,Daniel Aaro.EstadoeTrabalhadores:opopulismoemquesto.IN:Locus.RevistadeHistria.v.13, n.12. Juiz de Fora, 2007. p. 99 e 96.2A expresso de Aaro (2007), que assim se refere jocosamente aos que fazem uso do conceito.3WEFFORT, Francisco O Populismo na Poltica Brasileira. Rio de Janeiro. Paz e Terra, 1980. p. 62-3.4Idem. p.75-65FERREIRA,Jorge.Onomeeacoisa:opopulismonapolticabrasileiraIN:FERREIRA,Jorge(org.)O Populismo e sua Histria: debate e crtica. Rio de Janeiro, Civilizao Brasileira, 2001. p. 77-9AutoresPopulistas:EpistemologiaeTeoriadaHistrianaCrticaaoConceitodePopulismo Wesley Rodrigues de CarvalhoCaminhos da Histria, Vassouras, v. 7, Edio Especial,p. 201-210, 2011203pensar de Ferreira, o elemento satisfao dos trabalhadores, ou a idia de interlocuo, seriam incompatveis e estariam sempre em oposio de manipulao ou dominao6. Osdoisopostosestariamemextremidadesdiferentesdeumabalana,deformaque seumpesamais,ooutronecessariamentepesamenos. Achamadaambiguidadeem Weffortseriaentoumacontradio,masnonosentidodialticocontempladorde uma complexidade do real, e sim como erro de leitura do socilogo. Diante do quadro, FerreiralamentaentoqueWeffort,tendoabertoduaspossibilidadesdecompreenso, tenha frutifcado apenas a negativa: ou seja, no aquela que apontava para uma aliana, mas a que consolidou a manipulao. este mesmo raciocnio que conduzir Ferreira a uma rejeio a Gramsci, associando-o aumretrocessonoconceitodepopulismodeWeffort,poissignifcariaimposiode dominao7ondeasatisfaodaclassetrabalhadoranoterialugartericoseno como efeito de persuaso. Mas isto foi feito s custas de um desvirtuamento do intelectual sardo, conforme j explicou Mattos, pois para Gramsci, as relaes de dominao numa sociedade complexa, implicam concesses da(s) classe(s) dominante(s) aos trabalhadores, o que no signifca que a dominao deixe de se efetivar ou que, atravs do Estado, seja possvel atender aos interesses fundamentais da classe trabalhadora, pois as concesses tm limites reais muito claros. Ou seja, a teoria do populismo, engendrada por Weffort e ancorada em Gramsci, excede em muito a caracterizao de mestre (Estado, lder) e marionete (sociedade, trabalhadores-termos que por vezes so entendidos como sinnimos). O revisionismo procura colaps-lanasintencionalidadesmaquiavlicasdosatoreshistricos,oqueapenasuma reproduo de um entendimento mais ordinrio e jornalesco do termo e uma construo que lhe permite um descarte rpido. Note-se, portanto, que o conceito forado em um sentido subjetivista (mesmo quando atribudo ao Estado, que algo mais abstrato) que no representa o pensamento de seus principais formuladores. Diantedacatstrofehistoriogrfca(e,comoveremos,poltica)queseriaoconceito depopulismo,asoluotericaeempricaapresentadapelorevisionismotomardois caminhos que compartilham o mesmo carter do diagnstico. O primeiro, de expresso bemmenoremseustrabalhos,seriaapontarqueaslideranasouoEstadonoeram engabeladoresemanipuladoresmal-intencionados.Afguraprincipalnessesentido JooGoulart,entendidocomogenuinamentecomprometidonaconstruodoEstado deBem-EstarSocialenoatendimentodasquestestrabalhistasquelhechegavam. Assim,emblematicamente,umdoscaptulosdeFerreiradedicadoa,comosempre, golpearovelhoconceito,temporttuloOministroqueconversava:JooGoulartno MinistriodoTrabalho.Ali,Ferreiraapontaqualidadespessoaisdoentoministro, comosuaacessibilidadeepacinciainterminvel.Muitoemboratenhasidouma fgura centralizadora no PTB, sua determinao e entrega para a resoluo dos interesses 6Idem. P. 79 e 85-6.7A expresso de Mattos, autor crtico da tendncia revisionista. MATTOS, Marcelo. Domesticao e estigmatizao dedoismarxistas:ThompsoneGramscinodebatehistoriogrfcobrasileirorecentesobreopopulismo.No publicado.AutoresPopulistas:EpistemologiaeTeoriadaHistrianaCrticaaoConceitodePopulismo Wesley Rodrigues de CarvalhoCaminhos da Histria, Vassouras, v. 7, Edio Especial,p. 201-210, 2011204dostrabalhadoresmarcaramumaprofundainovaonapolticabrasileira,oquelhe evidenciaria o carter profundamente democrtico da reinveno da tradio trabalhista iniciada por Marcondes Filho.Certamente, caractersticas pessoais e aes individuais tem eventualmente peso explicativo e no devem ser desmerecidas pelo historiador da poltica. Mas para a continuidade da nossa argumentao, no necessrio que entremos no mrito da generosidade de Goulart para com sua causa trabalhista, seus enfrentamentos contra a burguesia, sua utopia de um capitalismosadio,etc.Ointeressanteapontaraproblemticaoperaotericado revisionismo. O paragrafo transcrito abaixo especialmente notvel: Em diversas interpretaes, ele [Joo Goulart] teria patrocinado uma espcie dejogoduplo,emqueaintegraodostrabalhadoresnavidapolticado pasfoisimultaneamenteacompanhadapelacooptaoestatal.Como comumdizer,tratar-se-iadaastciatpicadospolticospopulistas:acada ponto nas concesses aos assalariados haveria o n do controle poltico sobre eles.Embora,estainterpretao,detodifundida,sejaaceitapraticamente semquestionamentos,possvelpensardeoutramaneira.Mobilizaro movimentosindical,incentivaraslideranasautnticasdosoperrios, aproximar-sedasesquerdasepatrocinaraparticipaodostrabalhadores nosnegciosdoEstadonecessariamentenoseanulavamouentravamem contradio, com a poltica de cooptao, de distribuio de empregos e de prticas fsiolgicas. Para compreender o sucesso do trabalhismo na poltica brasileiraseriacontraproducenteelogiarumadessasdimenseselamentar aoutraoudenunciarosupostojogoduplo.ComolembraMariaCelina DArajo, o nacionalismo no PTB no foi incompatvel com o empreguismo, nem o reformismo foi anttese de clientelismo ou de atrelamento ao Estado. Ao contrrio, foi bem-sucedido no partido e nas urnas quem conseguiu unir essas estratgias.8 Ou seja, ainda que o empreguismo perpetrado por Joo Goulart exera cooptao e tenha sentido (Ferreira no usou a palavra) corporativista, a pureza dos intentos de esquerda do ministro preservada. Ou seja, o conceito de populismo, que para Ferreira entenderia um poltico astuto fazendo concesses para os trabalhadores para lhes exercer controle, no vale porque...Joo Goulart simplesmente no esse poltico! de mesmssima natureza a segunda resposta do revisionismo ao erro que o conceito de populismo signifcaria: assim como Jao Goulart no manipulava, a classe trabalhadora no era enganada em seus interesses. sobretudo neste ponto que o revisionismo clama ter trazido contribuio emprica sufciente para soterrar a velha e supostamente hegemnica formadepensarapolticadaqueleperodo.Observandoprincipalmenteoqueseriaa cultura da classe trabalhadora, seus valores e tradies, o revisionismo chegou concluso de que ela participou ativamente da poltica brasileira, que identifcou interesses comuns com o Estado. O grande projeto poltico estatal implementado, chamado de trabalhismo 8FERREIRA, Jorge. O imaginrio trabalhista: getulismo, PTB e cultura poltica popular 1945-1964. Rio de Janeiro, Civilizao Brasileira, 2005. p.111AutoresPopulistas:EpistemologiaeTeoriadaHistrianaCrticaaoConceitodePopulismo Wesley Rodrigues de CarvalhoCaminhos da Histria, Vassouras, v. 7, Edio Especial,p. 201-210, 2011205ou nacional-estatismo, no era exterior classe, mas uma profunda expresso sua. Dessa forma, como argumento contra o populismo, Aaro coloca que o nacional-estatismo seria tradioenraizadanasociedadebrasileirae,inclusive,persistenteatosdiasatuais. TalseriaafeioqueoPartidodos Trabalhadoresfoiassumindoporsepopularizar,e teria sido justamente este um dos motivos pelo qual o partido sobreviveu ao escndalo do mensalo e cresceu na eleio posterior9. O caminho para se solucionar o imbrglio argumentativo que o populismo seria, ento, observar as aes da classe trabalhadora e o que esta pensava e tal estudo apenas revelaria que o trabalhismo foi por ela acolhido e construdo, muitas vezes de forma subordinada, mas sempre de maneira consciente e entusiasmada10. Ao contrrio do que clamaria o populismo, a sociedade brasileira, e no umEstadoburgussuper-poderoso,teriaconstrudosuaprpriahistria.11Mesmoem regimes totalitrios, seria um erro pensar que a sociedade no tivesse gerncia sobre as questes polticas e delas no participasse de forma ativa12.Este engajamento acadmico na valorizao positiva do perodo tomar dimenses ainda maioresnaobradeJorgeFerreira,cujaapologianotermuitasmediaes.Oautor procurou mostrar, por exemplo, o alto grau de popularidade de Getlio Vargas, ao reunir vrios registros que manifestam a gratido, o louvor, o amor e o apoio dos trabalhadores ao Pai dos Pobres. Pretende evidenciar, assim, que os trabalhadores estavam engajados no projeto varguista e encontravam no e com o Estado seus interesses. Em texto sobre operodo1946-1964,oautorexaltaasvirtudesamplamentedemocrticasqueteriam vivenciadoostrabalhadoreseaconsequentetorpezadoconceitodepopulismo,que desqualifcaasociedadebrasileiraparaoexercciodademocracia.Nesseperodoos partidosseriamidentifcadoscomoeleitorado,queeraemancipadopoliticamentee, diantedeumaimprensaplural,formavasuaprpriaopinio13.Nestetexto, especialmente notvel que o fato de o Partido Comunista ter sido lanado ilegalidade noconstituamanchaconsistentedemocracia.Eparatalconsiderao,ohistoriador usa um argumento inusitado: nos EUA, a maior democracia ocidental, os comunistas tambmforamperseguidos.Omesmosedeuna Alemanhaecomonemporissotais pasesforamconsideradoscomonodemocrticos,oBrasiltambmdeveriaestar ausente de uma caracterizao negativa. Elementos como estrutura sindical corporativista e polcia poltica, criados na ditadura e mantidas nesse perodo, no tomam relevncia na caracterizao de Ferreira. Emoutrosmomentosnosedeixardelembrararepressoaostrabalhadorescujos projetossedesviavamdohegemnico.Porm,seaviolnciaestatalreconhecida, oapenasenquantoexistentemasnoincorporadadeformamaisfundamental compreensohistrica.Tendocomotarefaprimordialdizerqueostrabalhadoresse realizaram politicamente, e que com o Estado concordavam e se aliavam, os revisionistas 9Reis, op. cit. p. 10710REIS,DanielAaro.OcolapsodocolapsodopopulismoIN:FERREIRA,Jorge(org.)Opopulismoesua histria: debate e crtica. Rio de Janeiro. Civilizao Brasileira, 2001.11Reis, 2007, op. cit.12Ferreira, 2001, op. cit.13FERREIRA, Jorge. Apresentao IN: Revista Tempo. Vol. 14. Nmero 28. Niteri: EdUFF, 2010.AutoresPopulistas:EpistemologiaeTeoriadaHistrianaCrticaaoConceitodePopulismo Wesley Rodrigues de CarvalhoCaminhos da Histria, Vassouras, v. 7, Edio Especial,p. 201-210, 2011206tomam a excluso e a represso fsica como aspectos laterais. Talvez porque a violncia estivessedestinadaapenasaumaparcelaminoritriadaclassetrabalhadora,pois,e lembremos que essa a principal mensagem revisionista, a maioria da populao estava de forma consciente e entusiasmada participando do projeto e da relao poltica que vigoravam. Esta viso sobre a classe contestvel empiricamente. A alterao do status de no-sujeito da classe trabalhadora foi preocupao de uma srie de estudos que surgiram a partir dos anos80semquesegerasseumasnteseconciliatriaeharmnicadasociedade.Neste curto espao, entretanto, deixemos essa questo de lado para observarmos o signifcado epistemolgico da crtica revisionista.O que prejudicaria a anlise dos autores populistas? Ou seja, o que os impediria de ver a to evidente e fartamente documentada verdade de que os trabalhadores em to grande medida tinham comunho com a situao estabelecida? A resposta est nos engajamentos polticosdosautorespopulistas,cujospreceitosdistorceriamaleituradaclasse trabalhadora e, consequentemente, da histria brasileira. Assim, nas palavras de Aaro, em Ianni estariam subjacentes as referncias de um certo marxismo-leninismo, segundo o qual os trabalhadores apenas agem conscientemente ou, em outras palavras, somente se constituem como classe quando formulam propostas socialistas revolucionrias. Enquanto, seistonoocorre,somassa,instrumentosdeoutraclasses,estassim,conscientesde seusinteresses.14.Osautorespopulistas,assimcomoosrevolucionrioshistricos, acreditam que os trabalhadores encarnam, por destinao histrica, um ser revolucionrio e,quandoestesernoseconcretizasse,caberiaexplicaroporqu15.Oconceitoseria, ento, uma recusa da realidade da classe trabalhadora baseado em preceitos polticos de seus autores. O sujeito do conhecimento estaria infado diante de seu objeto e desvirtuando arealidadesocialparaqueseencaixeemseumodelo-algoprpriodomarxismoque suporia um modelo de classe trabalhadora com determinada conscincia16. Ento, caberia perguntar Como que uma classe considerada a mais revolucionaria do mundo, destinada emancipar a humanidade, pode ser assim to estpida para votar sempre em traidores, algo est errado nesse arcabouo terico.17 Uma vez que os autores populistas lamentavam um maldito atraso na confgurao poltica da classe trabalhadora, Aaro pergunta em que livros sagrados, em que desvos da histria, estavam guardadas as perspectivas da classe operria?18.Assim,arrogando-sesabermelhordosinteressesdostrabalhadoresqueosprprios,os autores populistas incorreriam em um paternalismo, e ameaariam a prpria democracia. Ora,osrevisionistasnuncadeixamdelembrarqueoconceitodepopulismosempre 14Aaro, 2001, p. 353-415Aaro, 2007, p.9216Ferreira, 2001,p.6217Aaro, 2007, p.107 . Ver tambm: Ferreira, 2001, p. 9718 Aaro, 2001, p. 373AutoresPopulistas:EpistemologiaeTeoriadaHistrianaCrticaaoConceitodePopulismo Wesley Rodrigues de CarvalhoCaminhos da Histria, Vassouras, v. 7, Edio Especial,p. 201-210, 2011207contribuiria para articulao de foras obscuras e reacionrias19. Estaproblemticaqueorevisionismolevantaseriasolucionada,comojvimos,pela abordagem da classe trabalhadora como sujeito. Entretanto, como tambm j sublinhei, este foi interesse tambm de perspectivas historiogrfcas que entendiam os trabalhadores emumaposiodesubalternosedominados.Cabe-nosobservarmelhor,ento,oque signifca,nopensamentoreivisionista,essaclasseentendidaapartirdesiprpriae suarelaocomosujeitodoconhecimento.Pois,seosautorespopulistas,enquanto cognoscentes, foram acusados em seus marxismos, leninismos e revolucionarismos, os revisionistas no puseram a si prprios em problematizao.Talvez, essa ausncia se d por uma negativizao da ontologia, entendida sobretudo como construo autoral, artifcial. Como sublinha Demian Melo, em Congresso realizado em 2004, os revisionistas buscaram apresentar-se como pesquisadores distanciados, no envolvidos nas paixes polticas que supostamente impediriam uma maior objetividade na anlise. (Melo, 2006, p.114). Neste sentido, Ferreira, que coloca a mesma caracterstica naapresentaodesuarecentebiografasobreJooGoulart,buscaabrigotericoem Geertz,afrmandoquesoasprpriassociedadesquedevemfornecerostermosde suaexplicao20.Parece-me,ento,queomovimentodesseafrevisionista,deopora verdade do objeto ao preconceito poltico, seja a interdio do historiador (e no somente do autor populista) para que a nica voz autorizada seja a da classe trabalhadora que se estuda (sempre, conforme j indicado, questionavelmente selecionada). Com isso, todo omundo(passado)queohistoriadorpretendeconhecerseriaeclipsadopeladimenso deexpresseserepresentaesdoobjetoqueaclassetrabalhadora.Chega-seassim aumcontorcionismopositivista:ohistoriadorrevisionistaseescondeatrsdaclasse trabalhadoracomoseeleprprionofossesujeitodoconhecimento,eapenasdali, disfaradamente,forneceossentidosevaloresqueatribuiprpriahistria.Temos estabelecido,portanto,umprofundolimitecompreensodasdinmicassociaisque estejam alm das performances individuais (ainda que tomadas em conjunto), e de seus entendimentos. AquestofoiformuladaporJorgeFerreiraemumafrasequeexpressa muito claramente sua refexo forando-a ao limite: Compreendido como um conjunto deexperinciaspolticas,econmicas,sociais,ideolgicaseculturais,otrabalhismo expressou uma conscincia de classe, legtima porque histrica21Podemos desdobrar um questionamento lgico aqui: se histrico tambm foi o nazismo, e tambm como um conjunto de experincias polticas, econmicas, sociais, ideolgicas e culturais, acaso teria expressado uma conscincia de classe tambm legtima? Dado o conjunto do quadro terico do revisionismo, a pergunta no tem fundo sofsta e impe a necessidade de refexo sobre a marca poltica que o historiador invariavelmente imprime em sua produo. 19Aaro, 2007,p.108.20Ferreira, 2005, p.26.21Ferreira, 2001.AutoresPopulistas:EpistemologiaeTeoriadaHistrianaCrticaaoConceitodePopulismo Wesley Rodrigues de CarvalhoCaminhos da Histria, Vassouras, v. 7, Edio Especial,p. 201-210, 2011208 curioso, ento, que ao tentar resolver politicamente a situao da classe trabalhadora diante do Estado, pela sua dinmica prpria ou atravs dos olhares e sensibilidades dos atores histricos22, o revisionismo acabeporenredar-senamesmapolarizaopolticadapoca,emborano plo oposto, ao defender abertamente os argumentos usados pelos acusados de populistas, ou seja, de que na verdade eram legtimas lideranas populares e progressistas, acusados por uma elite conservadora que no se conformava com a entrada dos trabalhadores na cena poltica23Assim, se o (autor) populista sempre o adversrio, o Outro e nunca o Mesmo24, talvez o revisionismo possa receber sua prpria mensagem de forma invertida.22Ferreira, 2005, p. 15.23MATTOS,MarceloBadar.Oshistoriadoreseosoperrios:umbalanoINGreveserepressopolicialao sindicalismo carioca. Rio de Janeiro: APERJ/FAPERJ, 2003.24Ferreira, 2001, p.124 AutoresPopulistas:EpistemologiaeTeoriadaHistrianaCrticaaoConceitodePopulismo Wesley Rodrigues de CarvalhoCaminhos da Histria, Vassouras, v. 7, Edio Especial,p. 201-210, 2011209RefernciasFERREIRA,Jorge.ApresentaoIN:RevistaTempo.Vol.14.Nmero28.Niteri: EdUFF, 2010_____________-.Oimaginriotrabalhista:getulismo,PTBeculturapolticapopular 1945-1964. Rio de Janeiro, Civilizao Brasileira, 2005._____________. O nome e a coisa: o populismo na poltica brasileira IN: FERREIRA, Jorge(org.)OPopulismoesuaHistria:debateecrtica.RiodeJaneiro,Civilizao Brasileira, 2001MATTOS,Marcelo.Domesticaoeestigmatizaodedoismarxistas:Thompsone Gramsci no debate historiogrfco brasileiro recente sobre o populismo. No publicado______________. Os historiadores e os operrios: um balano IN Greves e represso policial ao sindicalismo carioca. Rio de Janeiro: APERJ/FAPERJ, 2003 MELO, Demian. A misria da historiografa. Outubro, n.14.,2006.REIS, Daniel Aaro. O colapso do colapso do populismo IN: FERREIRA, Jorge (org.) O populismo e sua histria: debate e crtica. Rio de Janeiro. Civilizao Brasileira, 2001. ___________. Estado e Trabalhadores: o populismo em questo. IN: Locus. Revista de Histria.v.13, n.12. Juiz de Fora, 2007WEFFORT, Francisco O Populismo na Poltica Brasileira. Rio de Janeiro. Paz e Terra, 1980