014ABANDONO FAMILIAR DOS IDOSOS: PROTEÇÃO JURÍDICA E ALIMENTAR
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ABANDONO FAMILIAR DOS IDOSOS: PROTEÇÃO JURÍDICA E ALIMENTAR
Taynara Scheibel (UEPG) [email protected]
Profa. Orientadora: Mestre Zilda Mara Consalter (UEPG).
Resumo: Utilizando o método dedutivo e a pesquisa documental indireta, o estudo
pretende discutir o desamparo dos idosos por seus familiares causando àqueles
danos psicológicos, sociais e materiais. As causas desse abandono podem ser as
mais diversas como, por exemplo, conflitos geracionais, agravamento da pobreza e
a diminuição da intensidade dos laços familiares no decorrer da vida. Por essas e
outras causas o abandono é fato e, deste modo, o poder judiciário e órgãos
competentes devem assegurar que a família se responsabilize pelos alimentos e
cuidados para a sobrevivência digna do idoso. A Constituição de 1988 e o
microssistema, o Estatuto do Idoso, asseguram que a alimentação, saúde, lazer,
educação, esporte, cultura e habitação são garantias constitucionais do idoso e têm
eficácia plena e aplicabilidade imediata. Sendo dever primeiramente da família o
cuidado e amparo dos seus ascendentes e então cabe a sociedade e ao Estado à
responsabilidade.
Palavras-chave: Família, Garantias constitucionais, Idoso.
Introdução
Este trabalho visa a estudar, com base na Constituição de 1988, Código Civil (Lei nº
10.406 de janeiro de 2002), no Estatuto do Idoso (Lei 10.741 de 1º de outubro de
2003) e na Política Nacional do Idoso (Lei 8.842, de 04 de janeiro de 1994), o
desamparo afetivo e alimentar dos idosos pelos seus familiares cuja proteção está
embasada nos diplomas legais citados. O tema mostra-se relevante, pois o Brasil
vive um período de acelerado envelhecimento demográfico, com importantes
implicações para indivíduos, famílias e sociedade (IBGE, 2003). É momento de focar
em pesquisas para a temática dos idosos (pessoas com mais de 60 anos), várias
áreas ainda estão carentes de discussões. Estatisticamente, o topo da pirâmide
demográfica do Brasil está aumentando consideravelmente em relação ao número
de crianças, jovens e adultos (IBGE, 2003). O aumento da expectativa de vida é
devido as medidas preventivas, protetivas e curativas que atualmente é possível
graças aos avanços na área da medicina, medicina geriátrica, melhor alimentação,
gerontologia, urbanização, cuidados com o bem-estar, controle de doenças etc.
Dessa forma, serão analisadas as obrigações que os filhos devem ter perante os
pais idosos, as consequências do abandono material, o conceito de afeto e a
proteção jurídica desse grupo com base nas decisões dos Tribunais.
Objetivos
Como objetivo geral, discutir sobre as causas e consequências sociais e jurídicas
decorrentes do abandono.
São objetivos específicos: Apresentar dados demonstrando que a sociedade
brasileira está envelhecendo consideravelmente. Demonstrar doutrinariamente
estudos sobre o abandono afetivo dos idosos. Analisar jurisprudência. Pesquisar
fontes correlatas ao assunto. Aplicar os dispositivos legais ao tema. Embasar as
informações em uma decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ). Apresentar o
conceito de abandono afetivo no direito.
Método e técnicas de pesquisa
O método utilizado para o estudo foi o dedutivo com a análise da Constituição e
então do Código Civil, da Política Nacional do Idoso e do Estatuto do Idoso. De
modo parcial, o método empírico em relação as causas e consequências no seio
familiar referente ao desamparo. Como técnica de pesquisa a documentação indireta
com base em estudos bibliográficos, jurisprudência, anotações em aula e palestras.
Resultados
Envelhecer é um processo inerente ao ser humano. Dispõe o artigo 8º do Estatuto
do Idoso, ‘‘o envelhecimento é um direito personalíssimo e a sua proteção um direito
social, nos termos desta Lei e da legislação vigente’’. Várias concepções ao longo
do tempo foram sendo idealizadas por filósofos, sociólogos e escritores sobre o
significado de envelhecer. Os gregos entendiam que a vida é natural e fazemos
parte da natureza, já para os iluministas envelhecer significava sabedoria, e quanto
mais velhos mais eruditos, mais felizes. Para os religiosos todos as pessoas são
iguais e a vida é um ritual de passagem, pois haverá vida após a morte (FORBES,
2015). No contexto atual, a velhice não é aceita na maioria das vezes pelo próprio
idoso e inclusive pela família. A sociedade nunca foi tão velha e não sabe lidar com
esse fenômeno. Há uma necessidade de atenção e estudos para esse grupo. No
contexto de transformações e mudanças de paradigmas o idoso sofre com diversas
situações que acarretam o abandono afetivo pela família, foco desse estudo. São
eles os conflitos geracionais, falta de afetividade das famílias pelo excesso de
compromissos, a diminuição dos laços familiares no decorrer da vida, pelo
agravamento da pobreza, surgimento de patologias que geram um maior grau de
dependência e a inserção dos filhos no mercado de trabalho o que torna a figura do
idoso sinônimo de incômodo. Calderon e Guimarães (apud ESPITIA; MARTINS,
2006, p. 53) afirmam:
Nos últimos tempos, o que vem contribuindo intensamente para isso é a
dificuldade no convívio entre gerações e a sociedade, pois diante da
acelerada industrialização, da nuclearização crescente da família e de
salários insuficientes para mantê-la, a classe trabalhadora vê-se
impossibilitada de abrigar os idosos.
Cotidianamente, depara-se com situações de abandono e descaso constantemente.
A rejeição pela família, em maior grau pelos filhos, se deve por este grupo não ser
mais economicamente ativo e resultar somente em gastos à família, conforme o
pensamento capitalista que vivemos. Mas o dever dos filhos em amparar seus pais
na velhice está assegurado nos dispositivos legais citados. Como afirma o artigo 229
da Constituição:
Art.229 – Os pais têm o dever de assistir, criar e educar os filhos menores, e
os filhos maiores têm o dever de ajudar e amparar os pais na velhice,
carência e enfermidade. (grifos nossos).
E o Estatuto do idoso assegura no artigo 3º, caput e inciso V do parágrafo único,
Art. 3º – É obrigação da família, da comunidade, da sociedade e do poder
público assegurar ao idoso, com absoluta prioridade, a efetivação do direito
à vida, à saúde, à alimentação, à educação, à cultura, ao esporte, ao lazer,
ao trabalho, à cidadania, à liberdade, à dignidade, ao respeito e à
convivência familiar e comunitária.
Parágrafo único. A garantia de prioridade compreende:
V – Priorização do atendimento ao idoso por sua própria família, em
detrimento do atendimento asilar, exceto dos que não a possuam, ou
careçam de condições de manutenção da própria sobrevivência. (grifos
nossos)
Disposto está o atendimento preferencial do idoso pela família, mas antes de
tornarem-se dispositivos legais, é um dever ético cuidar e respeitar a pessoa idosa.
Por isso a necessidade de intervenção do Estado em garantir que as obrigações
para com o zelo e proteção a esse grupo vulnerável, fragilizado pelo tempo seja
assegurada. O abandono afetivo caracteriza-se por desamparar alguém que exige
um grau de dependência de outrem pela impossibilidade de manter-se sozinho. Não
há como exigir alguém de amar, porém pode-se exigir que ocorra a manutenção
material, amparo, zelo, carinho, atenção, possibilitando um envelhecimento tranquilo
e saudável.
Com sábias palavras, a Ministra Nancy Andrighi do Superior Tribunal de Justiça, em
voto de um Recurso Especial nº 1.159.242 - SP (2009/0193701-9), elucida o
significado de afeto nesta frase: ‘‘amar é faculdade, cuidar é dever’’.
Sabe-se que para exigir a manutenção material dos idosos pelos filhos é preciso que
o trinômio necessidade-possibilidade-proporcionalidade convirjam e não ocorrendo
as hipóteses deve o Estado se responsabilizar pelo idoso. Discorrendo sobre o
trinômio na obrigação alimentar Maria Berenice Dias (2011, p. 552-553) afirma,
Tradicionalmente, invoca-se o binômio necessidade-possibilidade, ou seja,
perquirem-se as necessidades do alimentando e as possibilidades do
alimentante para estabelecer o valor da pensão. No entanto, essa
mensuração é feita para que se respeite a diretriz da proporcionalidade. Por
isso se começa a falar, com mais propriedade, em trinômio:
proporcionalidade-possibilidade-necessidade. O critério mais seguro e
equilibrado para a definição do encargo é o da vinculação aos rendimentos
do alimentante.
E ainda, o artigo 1.695, caput, do Código Civil e os artigos 12 e 14 da Lei 10.741/03
dispõem que,
Art. 1.695. São devidos os alimentos quando quem os pretende não tem
bens suficientes, nem pode prover, pelo seu trabalho, à própria mantença, e
aquele, de quem se reclamam, pode fornecê-los, sem desfalque do
necessário ao seu sustento.
Art. 12. A obrigação alimentar é solidária, podendo o idoso optar entre os
prestadores. (grifos nossos)
Art. 14. Se o idoso ou seus familiares não possuírem condições econômicas
de prover o seu sustento, impõe-se ao Poder Público esse provimento, no
âmbito da assistência social.
Entende-se pelos artigos citados que a obrigação material ou alimentar do idoso tem
natureza solidária fundada no princípio da solidariedade social e familiar. A
obrigação alimentar é um direito personalíssimo, pois respeita a dignidade humana e
mais ainda o direito à vida. O direito aos alimentos inclui a alimentação, remédios,
vestuário, consultas médicas, lazer, educação e gastos que assegurem uma vida
digna que o idoso possa beneficiar-se de acordo com os rendimentos dos seus
descendentes sem prejuízos significativos a estes. Pelo alargamento do conceito de
alimentos, os doutrinadores classificam esse direito em naturais e civis como faz
Silvio Rodrigues (apud Maria Berenice Dias 2011, p.515):
Alimentos naturais são os indispensáveis para garantir a subsistência, como
alimentação, vestuário, saúde, habitação educação etc. Alimentos civis
destinam-se a manter a qualidade de vida do credor, de modo a preservar o
mesmo padrão e status social do alimentante.
A seguir, um caso julgado no Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, como
relatora a Desª. Isabel de Borba Lucas na Apelação, crime nº 70047707666, diz
respeito ao filho que abandonou a mãe em instituição asilar e ainda se apropriou
indevidamente dos valores referentes aos benefícios do INSS, dando destinação
diversa ao dinheiro para benefício próprio:
APELAÇÃO CRIME. ESTATUTO DO IDOSO. ARTIGOS 98 E 102 DA LEI
10.741/2003. ABANDONO E APROPRIAÇÃO INDÉBITA DE IDOSO.
PROVA. CONDENAÇÃO MANTIDA. A materialidade e a autoria restaram
suficientemente comprovadas pela prova produzida nos autos, que confirma
que o acusado abandonou sua mãe, pessoa idosa, em entidade de longa
permanência, deixando de prover suas necessidades básicas, quando
obrigado juridicamente. Além disso, também demonstrada a apropriação
indébita dos valores referentes ao benefício do INSS da vítima, pelo
acusado, que, ao invés de repassá-los à entidade em que a mãe se
encontrava, dava-lhes destinação diversa, usando ele próprio o dinheiro,
impondo-se, assim, a condenação, como está na sentença. (Apelação
Crime Nº 70047707666, Oitava Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do RS,
Relator: Isabel de Borba Lucas, Julgado em 18/07/2012).
Diante do exposto, percebe-se a importância legislativa e jurídica do Estatuto do
Idoso. Os danos causados pela falta de tolerância, solidariedade e desamor do filho
para com sua genitora são passiveis de punições mais severas graças as medidas
protetivas que o Estatuto proporciona.
A sociedade brasileira, principalmente as famílias devem superar o pensamento
individualista, pois o trato com o idoso é dever ético. Como sujeito de direito e
cidadão, o idoso merece ser tratado com respeito e dignidade.
Discussão
O abandono afetivo dos idosos pela família, em especial pelos filhos, causa àqueles
danos psicológicos, sociais, materiais e morais irreversíveis se mantidos por longos
períodos. Esse abandono pode ter como causa primeira, o conflito de gerações
dentro da família onde o idoso se encontra, fazendo-o se sentir desconfortável com
a situação, causando-lhe sofrimento.
A situação de sofrimento pode ocorrer pela perda dos laços afetivos entre os
membros que gerou um afastamento e então um esquecimento por parte dos filhos
em visitar e cuidar dos pais idosos, como também pelo agravamento da situação
financeira onerando as despesas familiares, pelo surgimento de doenças e que
consequentemente gerou um grau de dependência e disposição de tempo integral
para os cuidados com o idoso, ou ainda, o abandono afetivo pode ter ocorrido pelo
afastamento dos filhos pois entes inseriram-se no mercado de trabalho em lugares
fora de onde os pais se encontram.
Todavia, essas causas não devem ser consideradas quando o direito ao respeito à
dignidade humana do idoso como ser humano fragilizado pelo tempo e que
necessita de cuidados e amparo da família, está em discussão.
Os filhos e outros membros da família quando impossibilitados de cumprir seu papel
e devidamente comprovados pelo Poder judiciário, deve o Estado arcar com a
responsabilidade e alocar os idosos em instituições asilares com estrutura adequada
para o acolher e atender.
Considerações Finais
Percebeu-se pelo aumento da expectativa de vida da população e do número de
idosos, a necessidade de discutir o tema neste trabalho. Com foco no abandono
afetivo e material, observou-se que os brasileiros, na grande maioria, não sabem
lidar com a velhice, o que acomete em descaso ao idoso por seus familiares. Há um
despreparo das famílias frente a essa nova realidade colocada, e por isso a
necessidade da tutela jurídica pela proteção do idoso e seus alimentos.
A Constituição de 1988 já menciona e protege o idoso, e com maior rigor, elaborou-
se o microssistema do Estatuto do Idoso, com finalidades protetivas e elucidativas
quanto aos direitos e garantias fundamentais.
As discussões em relação a temática ainda não são expressivas. É uma área para
explorar com o intuito de amenizar possíveis conflitos e sofrimentos causados pelo
abandono dos idosos.
Referências
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direito à busca da ancestralidade, convivência familiar e alimentos. In: AFETO,
ÉTICA, FAMÍLIA E O NOVO CÓDIGO CIVIL. Anais do IV Congresso Brasileiro de
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BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil: promulgada em 5 de
outubro de 1988. 25. ed. São Paulo: Saraiva, 2004.
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1.
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ESPITIA, Alexandra Zolet. MARTINS, Josiane de Jesus. Relações afetivas entre
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