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ABANDONO FAMILIAR DOS IDOSOS: PROTEÇÃO JURÍDICA E ALIMENTAR

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ABANDONO FAMILIAR DOS IDOSOS: PROTEÇÃO JURÍDICA E ALIMENTAR

Taynara Scheibel (UEPG) [email protected]

Profa. Orientadora: Mestre Zilda Mara Consalter (UEPG).

Resumo: Utilizando o método dedutivo e a pesquisa documental indireta, o estudo

pretende discutir o desamparo dos idosos por seus familiares causando àqueles

danos psicológicos, sociais e materiais. As causas desse abandono podem ser as

mais diversas como, por exemplo, conflitos geracionais, agravamento da pobreza e

a diminuição da intensidade dos laços familiares no decorrer da vida. Por essas e

outras causas o abandono é fato e, deste modo, o poder judiciário e órgãos

competentes devem assegurar que a família se responsabilize pelos alimentos e

cuidados para a sobrevivência digna do idoso. A Constituição de 1988 e o

microssistema, o Estatuto do Idoso, asseguram que a alimentação, saúde, lazer,

educação, esporte, cultura e habitação são garantias constitucionais do idoso e têm

eficácia plena e aplicabilidade imediata. Sendo dever primeiramente da família o

cuidado e amparo dos seus ascendentes e então cabe a sociedade e ao Estado à

responsabilidade.

Palavras-chave: Família, Garantias constitucionais, Idoso.

Introdução

Este trabalho visa a estudar, com base na Constituição de 1988, Código Civil (Lei nº

10.406 de janeiro de 2002), no Estatuto do Idoso (Lei 10.741 de 1º de outubro de

2003) e na Política Nacional do Idoso (Lei 8.842, de 04 de janeiro de 1994), o

desamparo afetivo e alimentar dos idosos pelos seus familiares cuja proteção está

embasada nos diplomas legais citados. O tema mostra-se relevante, pois o Brasil

vive um período de acelerado envelhecimento demográfico, com importantes

implicações para indivíduos, famílias e sociedade (IBGE, 2003). É momento de focar

em pesquisas para a temática dos idosos (pessoas com mais de 60 anos), várias

áreas ainda estão carentes de discussões. Estatisticamente, o topo da pirâmide

demográfica do Brasil está aumentando consideravelmente em relação ao número

de crianças, jovens e adultos (IBGE, 2003). O aumento da expectativa de vida é

devido as medidas preventivas, protetivas e curativas que atualmente é possível

graças aos avanços na área da medicina, medicina geriátrica, melhor alimentação,

gerontologia, urbanização, cuidados com o bem-estar, controle de doenças etc.

Dessa forma, serão analisadas as obrigações que os filhos devem ter perante os

pais idosos, as consequências do abandono material, o conceito de afeto e a

proteção jurídica desse grupo com base nas decisões dos Tribunais.

Objetivos

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Como objetivo geral, discutir sobre as causas e consequências sociais e jurídicas

decorrentes do abandono.

São objetivos específicos: Apresentar dados demonstrando que a sociedade

brasileira está envelhecendo consideravelmente. Demonstrar doutrinariamente

estudos sobre o abandono afetivo dos idosos. Analisar jurisprudência. Pesquisar

fontes correlatas ao assunto. Aplicar os dispositivos legais ao tema. Embasar as

informações em uma decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ). Apresentar o

conceito de abandono afetivo no direito.

Método e técnicas de pesquisa

O método utilizado para o estudo foi o dedutivo com a análise da Constituição e

então do Código Civil, da Política Nacional do Idoso e do Estatuto do Idoso. De

modo parcial, o método empírico em relação as causas e consequências no seio

familiar referente ao desamparo. Como técnica de pesquisa a documentação indireta

com base em estudos bibliográficos, jurisprudência, anotações em aula e palestras.

Resultados

Envelhecer é um processo inerente ao ser humano. Dispõe o artigo 8º do Estatuto

do Idoso, ‘‘o envelhecimento é um direito personalíssimo e a sua proteção um direito

social, nos termos desta Lei e da legislação vigente’’. Várias concepções ao longo

do tempo foram sendo idealizadas por filósofos, sociólogos e escritores sobre o

significado de envelhecer. Os gregos entendiam que a vida é natural e fazemos

parte da natureza, já para os iluministas envelhecer significava sabedoria, e quanto

mais velhos mais eruditos, mais felizes. Para os religiosos todos as pessoas são

iguais e a vida é um ritual de passagem, pois haverá vida após a morte (FORBES,

2015). No contexto atual, a velhice não é aceita na maioria das vezes pelo próprio

idoso e inclusive pela família. A sociedade nunca foi tão velha e não sabe lidar com

esse fenômeno. Há uma necessidade de atenção e estudos para esse grupo. No

contexto de transformações e mudanças de paradigmas o idoso sofre com diversas

situações que acarretam o abandono afetivo pela família, foco desse estudo. São

eles os conflitos geracionais, falta de afetividade das famílias pelo excesso de

compromissos, a diminuição dos laços familiares no decorrer da vida, pelo

agravamento da pobreza, surgimento de patologias que geram um maior grau de

dependência e a inserção dos filhos no mercado de trabalho o que torna a figura do

idoso sinônimo de incômodo. Calderon e Guimarães (apud ESPITIA; MARTINS,

2006, p. 53) afirmam:

Nos últimos tempos, o que vem contribuindo intensamente para isso é a

dificuldade no convívio entre gerações e a sociedade, pois diante da

acelerada industrialização, da nuclearização crescente da família e de

salários insuficientes para mantê-la, a classe trabalhadora vê-se

impossibilitada de abrigar os idosos.

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Cotidianamente, depara-se com situações de abandono e descaso constantemente.

A rejeição pela família, em maior grau pelos filhos, se deve por este grupo não ser

mais economicamente ativo e resultar somente em gastos à família, conforme o

pensamento capitalista que vivemos. Mas o dever dos filhos em amparar seus pais

na velhice está assegurado nos dispositivos legais citados. Como afirma o artigo 229

da Constituição:

Art.229 – Os pais têm o dever de assistir, criar e educar os filhos menores, e

os filhos maiores têm o dever de ajudar e amparar os pais na velhice,

carência e enfermidade. (grifos nossos).

E o Estatuto do idoso assegura no artigo 3º, caput e inciso V do parágrafo único,

Art. 3º – É obrigação da família, da comunidade, da sociedade e do poder

público assegurar ao idoso, com absoluta prioridade, a efetivação do direito

à vida, à saúde, à alimentação, à educação, à cultura, ao esporte, ao lazer,

ao trabalho, à cidadania, à liberdade, à dignidade, ao respeito e à

convivência familiar e comunitária.

Parágrafo único. A garantia de prioridade compreende:

V – Priorização do atendimento ao idoso por sua própria família, em

detrimento do atendimento asilar, exceto dos que não a possuam, ou

careçam de condições de manutenção da própria sobrevivência. (grifos

nossos)

Disposto está o atendimento preferencial do idoso pela família, mas antes de

tornarem-se dispositivos legais, é um dever ético cuidar e respeitar a pessoa idosa.

Por isso a necessidade de intervenção do Estado em garantir que as obrigações

para com o zelo e proteção a esse grupo vulnerável, fragilizado pelo tempo seja

assegurada. O abandono afetivo caracteriza-se por desamparar alguém que exige

um grau de dependência de outrem pela impossibilidade de manter-se sozinho. Não

há como exigir alguém de amar, porém pode-se exigir que ocorra a manutenção

material, amparo, zelo, carinho, atenção, possibilitando um envelhecimento tranquilo

e saudável.

Com sábias palavras, a Ministra Nancy Andrighi do Superior Tribunal de Justiça, em

voto de um Recurso Especial nº 1.159.242 - SP (2009/0193701-9), elucida o

significado de afeto nesta frase: ‘‘amar é faculdade, cuidar é dever’’.

Sabe-se que para exigir a manutenção material dos idosos pelos filhos é preciso que

o trinômio necessidade-possibilidade-proporcionalidade convirjam e não ocorrendo

as hipóteses deve o Estado se responsabilizar pelo idoso. Discorrendo sobre o

trinômio na obrigação alimentar Maria Berenice Dias (2011, p. 552-553) afirma,

Tradicionalmente, invoca-se o binômio necessidade-possibilidade, ou seja,

perquirem-se as necessidades do alimentando e as possibilidades do

alimentante para estabelecer o valor da pensão. No entanto, essa

mensuração é feita para que se respeite a diretriz da proporcionalidade. Por

isso se começa a falar, com mais propriedade, em trinômio:

proporcionalidade-possibilidade-necessidade. O critério mais seguro e

equilibrado para a definição do encargo é o da vinculação aos rendimentos

do alimentante.

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E ainda, o artigo 1.695, caput, do Código Civil e os artigos 12 e 14 da Lei 10.741/03

dispõem que,

Art. 1.695. São devidos os alimentos quando quem os pretende não tem

bens suficientes, nem pode prover, pelo seu trabalho, à própria mantença, e

aquele, de quem se reclamam, pode fornecê-los, sem desfalque do

necessário ao seu sustento.

Art. 12. A obrigação alimentar é solidária, podendo o idoso optar entre os

prestadores. (grifos nossos)

Art. 14. Se o idoso ou seus familiares não possuírem condições econômicas

de prover o seu sustento, impõe-se ao Poder Público esse provimento, no

âmbito da assistência social.

Entende-se pelos artigos citados que a obrigação material ou alimentar do idoso tem

natureza solidária fundada no princípio da solidariedade social e familiar. A

obrigação alimentar é um direito personalíssimo, pois respeita a dignidade humana e

mais ainda o direito à vida. O direito aos alimentos inclui a alimentação, remédios,

vestuário, consultas médicas, lazer, educação e gastos que assegurem uma vida

digna que o idoso possa beneficiar-se de acordo com os rendimentos dos seus

descendentes sem prejuízos significativos a estes. Pelo alargamento do conceito de

alimentos, os doutrinadores classificam esse direito em naturais e civis como faz

Silvio Rodrigues (apud Maria Berenice Dias 2011, p.515):

Alimentos naturais são os indispensáveis para garantir a subsistência, como

alimentação, vestuário, saúde, habitação educação etc. Alimentos civis

destinam-se a manter a qualidade de vida do credor, de modo a preservar o

mesmo padrão e status social do alimentante.

A seguir, um caso julgado no Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, como

relatora a Desª. Isabel de Borba Lucas na Apelação, crime nº 70047707666, diz

respeito ao filho que abandonou a mãe em instituição asilar e ainda se apropriou

indevidamente dos valores referentes aos benefícios do INSS, dando destinação

diversa ao dinheiro para benefício próprio:

APELAÇÃO CRIME. ESTATUTO DO IDOSO. ARTIGOS 98 E 102 DA LEI

10.741/2003. ABANDONO E APROPRIAÇÃO INDÉBITA DE IDOSO.

PROVA. CONDENAÇÃO MANTIDA. A materialidade e a autoria restaram

suficientemente comprovadas pela prova produzida nos autos, que confirma

que o acusado abandonou sua mãe, pessoa idosa, em entidade de longa

permanência, deixando de prover suas necessidades básicas, quando

obrigado juridicamente. Além disso, também demonstrada a apropriação

indébita dos valores referentes ao benefício do INSS da vítima, pelo

acusado, que, ao invés de repassá-los à entidade em que a mãe se

encontrava, dava-lhes destinação diversa, usando ele próprio o dinheiro,

impondo-se, assim, a condenação, como está na sentença. (Apelação

Crime Nº 70047707666, Oitava Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do RS,

Relator: Isabel de Borba Lucas, Julgado em 18/07/2012).

Diante do exposto, percebe-se a importância legislativa e jurídica do Estatuto do

Idoso. Os danos causados pela falta de tolerância, solidariedade e desamor do filho

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para com sua genitora são passiveis de punições mais severas graças as medidas

protetivas que o Estatuto proporciona.

A sociedade brasileira, principalmente as famílias devem superar o pensamento

individualista, pois o trato com o idoso é dever ético. Como sujeito de direito e

cidadão, o idoso merece ser tratado com respeito e dignidade.

Discussão

O abandono afetivo dos idosos pela família, em especial pelos filhos, causa àqueles

danos psicológicos, sociais, materiais e morais irreversíveis se mantidos por longos

períodos. Esse abandono pode ter como causa primeira, o conflito de gerações

dentro da família onde o idoso se encontra, fazendo-o se sentir desconfortável com

a situação, causando-lhe sofrimento.

A situação de sofrimento pode ocorrer pela perda dos laços afetivos entre os

membros que gerou um afastamento e então um esquecimento por parte dos filhos

em visitar e cuidar dos pais idosos, como também pelo agravamento da situação

financeira onerando as despesas familiares, pelo surgimento de doenças e que

consequentemente gerou um grau de dependência e disposição de tempo integral

para os cuidados com o idoso, ou ainda, o abandono afetivo pode ter ocorrido pelo

afastamento dos filhos pois entes inseriram-se no mercado de trabalho em lugares

fora de onde os pais se encontram.

Todavia, essas causas não devem ser consideradas quando o direito ao respeito à

dignidade humana do idoso como ser humano fragilizado pelo tempo e que

necessita de cuidados e amparo da família, está em discussão.

Os filhos e outros membros da família quando impossibilitados de cumprir seu papel

e devidamente comprovados pelo Poder judiciário, deve o Estado arcar com a

responsabilidade e alocar os idosos em instituições asilares com estrutura adequada

para o acolher e atender.

Considerações Finais

Percebeu-se pelo aumento da expectativa de vida da população e do número de

idosos, a necessidade de discutir o tema neste trabalho. Com foco no abandono

afetivo e material, observou-se que os brasileiros, na grande maioria, não sabem

lidar com a velhice, o que acomete em descaso ao idoso por seus familiares. Há um

despreparo das famílias frente a essa nova realidade colocada, e por isso a

necessidade da tutela jurídica pela proteção do idoso e seus alimentos.

A Constituição de 1988 já menciona e protege o idoso, e com maior rigor, elaborou-

se o microssistema do Estatuto do Idoso, com finalidades protetivas e elucidativas

quanto aos direitos e garantias fundamentais.

As discussões em relação a temática ainda não são expressivas. É uma área para

explorar com o intuito de amenizar possíveis conflitos e sofrimentos causados pelo

abandono dos idosos.

Referências

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BIRCHAL, Alice de Souza. A relação processual dos avós no Direito de Família:

direito à busca da ancestralidade, convivência familiar e alimentos. In: AFETO,

ÉTICA, FAMÍLIA E O NOVO CÓDIGO CIVIL. Anais do IV Congresso Brasileiro de

Família. Belo Horizonte: Del Rey, 2004. p. 54

BRASIL. Código Civil. 18. ed. São Paulo: Saraiva, 2012.

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil: promulgada em 5 de

outubro de 1988. 25. ed. São Paulo: Saraiva, 2004.

BRASIL. Lei n. 10.741, de 1º de outubro de 2003. Dispõe sobre o Estatuto do Idoso

e dá outras providências. Diário Oficial da União, Brasília, 3 out. 2003. Seção 1, p.

1.

BRASIL.. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial n° 1159242/SP, julgado

em 24/04/2012. Disponível em:

<http://www.stj.jus.br/SCON/jurisprudencia/toc.jsp?tipo_visualizacao= null

&livre=abandono+afetivo&b=ACOR#DOC1>. Acesso em 5 jul. 2015.

DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias. 8. ed. rev. São Paulo:

Revista dos Tribunais, 2011.

ESPITIA, Alexandra Zolet. MARTINS, Josiane de Jesus. Relações afetivas entre

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http://www.acm.org.br/revista/pdf/artigos/355.pdf >. Acesso em 4 jul. 2015

FORBES, Jorge. Velhice, para que te quero? Entrevista ao Café Filosófico.

Disponível em <https://www.youtube.com/watch?v=U51jRqgWFYc>. Acesso em 4

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IBGE. Transição da estrutura etária no Brasil: oportunidades e desafios para a

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<http://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/livros/liv93322.pdf>. Acesso em 4 jul.

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