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    N D I C E

    Explicao e agradecimentos....................................................................... 3

    I Local de origem da febre-amarela ............................................................... 5

    II A primeira epidemia de febre-amarela no Brasil ......................................... 8

    III A febre-amarela na Bahia ............................................................................ 21

    IV A propagao da doena pelo Pas .............................................................. 27

    V Suspeitas de febre-amarela no Rio de Janeiro ............................................. 31

    VI A primeira epidemia de febre-amarela no Rio de Janeiro ........................... 35

    VII As supostas causas da febre-amarela ........................................................... 44

    VIII D. Pedro II e Louis Pasteur.......................................................................... 52

    IX Os trabalhos de Finlay ................................................................................. 56

    X Walter Reed e seus colaboradores ............................................................... 58

    XI Emlio Ribas ................................................................................................ 63

    XII Misso francesa ........................................................................................... 70

    XIII Prdromos da campanha do Rio de Janeiro................................................. 73XIV Campanhas de Oswaldo Cruz...................................................................... 75

    XV Febre-amarela rural...................................................................................... 95

    XVI A epidemia de 1928-1929, no Rio de Janeiro.............................................. 97

    XVII Contratos entre o Govrno Brasileiro e a Fundao Rockefeller ................ 104

    XVIII Prova de neutralizao................................................................................. 108

    XIX Anatomia patolgica.................................................................................... 110

    XX Viscerotomia................................................................................................ 112

    XXI Febre-amarela silvestre ................................................................................ 120

    XXII Vacinao antiamarlica............................................................................... 127XXIII Erradicao doAedes aegypti do Brasil...................................................... 135

    XXIV Consideraes gerais ................................................................................... 150

    XXV A reinfestao do Estado do Par ................................................................ 151

    XXVI Legislao sbre a febre-amarela................................................................. 156

    XXVII Bibliografia.................................................................................................. 200

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    EXPLICAO E AGRADECIMENTOS

    Um professor americano de Histria da Medicina, em viagem de estudos,procurou-me certa vez em busca de um livro sbre a Histria da Febre-Amarela noBrasil.

    No pude atend-lo totalmente, porque temos em nosso Pas diversos Resumos,Resenhas ou Pequenas Histrias da Febre-Amarela, todos les de muitos mritos,

    porm abrangem restritos aspectos da febre-amarela no Brasil.

    Com isso muito se admirou o ilustre professor, pois em outros pases que visitoue que em anos passados haviam sido assolados por epidemias amarlicas, esta lacuna jhavia sido preenchida.

    Propus-me ento a escrever um livro sbre o assunto.

    Alguns colegas e amigos sabedores do meu intento, entre os quais citoespecialmente os Drs. Joo Tvora Teixeira Leite, Durval M. da Silva Lima, SolonCamargo e Madureira Par, cederam-me livros, relatrios e outros elementos que me

    permitiram ampliar ou esclarecer alguns pontos dste trabalho.

    A todos, os meus agradecimentos.

    Agradeo ainda a Dr. Olympio da Silva Pinto, Substituto do Diretor-Geral doDNERu e a Dr. Antonio Melo de Siqueira, Diretor da Diviso de Cooperao eDivulgao, por tornarem possvel a publicao dste trabalho.

    Rio, dezembro de 1968Dr. Odair Franco

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    HISTRIA DA FEBRE-AMARELA NO BRASIL

    DR. ODAIR FRANCO*

    I LOCAL DE ORIGEM DA FEBRE-AMARELA

    A febre-amarela no era conhecida entre os povos antigos. S depois da descobertada Amrica, foi que passou a figurar nos quadros nosolgicos.

    Afirmou Hillary, em 1759, que no encontrou nenhum trao dste flagelo nasdescries feitas pelos antigos. E Branger-Fraud, que estudou profundamente o

    assunto, confirmou: Na realidade a febre-amarela no foi observada na antiguidade; em vo que se queira pretender que Hipcrates a tenha descrito no seu livro dasepidemias.

    Em 1495, durante a segunda expedio de Cristvo Colombo, os espanhistravaram contra os indgenas a batalha de Vega-Real ou Santo Serro, na ilha Espanhola(Haiti). stes, em grande nmero cem mil, no dizer de alguns historiadores acorreram de tdas as partes, mas foram derrotados e refugiaram-se nas florestas e nasmontanhas, atacando e matando os inimigos que passavam ao seu alcance. Em revide,Colombo viu-se obrigado a organizar numerosas incurses pelo interior da ilha.

    Crca de dois meses depois daquela batalha, irrompeu uma epidemia, tanto entreos europeus como entre os indgenas, fazendo numerosas vtimas.

    Os sintomas descritos, embora incompletos, e a elevada mortalidade, permitirama Branger-Fraud chegar concluso de que se pode admitir sem hesitao que estadoena era febre-amarela.

    A partir de ento que foram aparecendo notas, resenhas, histrias emonografias mais ou menos parecidas umas s outras, descrevendo uma pragaepidmica existente no Nvo Mundo, sem nenhuma semelhana com as enfermidadesconhecidas na Europa.

    Assistente Tcnico do Diretor-Geral do DNERu.Ex-Coordenador do Combate Febre-Amarela no Brasil.

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    Miguel E. Bustamante, em sua obra A Febre-Amarela no Mxico e sua Origemna Amrica, apresentou os resultados de longos anos de laborioso estudo, inclusivedos documentos da civilizao maia, para concluir que, antes dos espanhis chegarem

    pela primeira vez a terras americanas, os maias j haviam registrado a existncia deuma grave enfermidade que denominavam xekik ou seja vmito de sangue,aludindo ao sintoma que maior impresso lhes havia causado. A doena se apresentava

    por surtos epidmicos, parecendo vir do fundo das selvas para invadir as povoaes edizimar seus habitantes.

    Todavia, foi o jesuta Raymond Brton o primeiro a se referir febre-amarelacom relativa preciso, ao relatar a epidemia que ocorreu em 1635 entre os imigrantesfrancses na ilha de Guadalupe e que, ao lado de outros sintomas, provocava doreslombares, ictercia (os doentes ficavam mais amarelos do que marmelos) e vmitos

    negros, sendo que a morte sobrevinha do terceiro ao quinto dia. Brton estabeleceu,ainda, uma ntida relao entre a derrubada de rvores e a doena, ao registrar que medida que cortavam os bosques, a terra arrojava seu veneno.

    O padre Du Tertre que chegou quela ilha cinco anos depois em 1640 quandoainda grassava a doena fz tambm um relato dessa epidemia, e confirmou que as

    pessoas atacadas de golpe de barra estavam ocupadas no corte de matas. Atribuiu afebre aos vapres venenosos que a queda das rvores exalava.

    O nome golpe de barra proveio da dor violenta na regio lombar, e que muitaaflio causava aos pacientes.

    Alguns historiadores consideram os relatos de Brton e Du Tertre como aprimeira descrio aceitvel de uma epidemia de febre-amarela. interessanteressaltarmos que apresenta as caractersticas da forma silvestre da doena.

    Os nativos chamavam-na de pouliccatina, que significa coup de barre nomedado pelos francses doena. A epidemia reapareceu na ilha de Guadalupe em 1648;nesse mesmo ano eclodiu em Yucatan, no Mxico.

    Carter, Scott, Soper e outros admitem que a epidemia de Yucatan foi o primeirosurto possvel de identificar-se, com segurana, como de febre-amarela, porque dessaepidemia frei Diego Lopez de Cogolludo fz uma descrio detalhada.

    O manuscrito maia de Chumayll tambm se referiu a ela quando registrou:

    Ocorreu vmito de sangue comeando a morte para nosso povo no ano de 1648.Porm outro livro dos maias registra a ocorrncia da doena dos vmitos de sangue,trs vzes em pocas anteriores.

    Cogolludo ignorava qual a doena que estava descrevendo; alis os prpriosmdicos no a conheciam. Todavia, hoje ela se nos apresenta como a descrio clarade uma epidemia de febre-amarela. Conta o historigrafo, que a enfermidade comeavacom uma gravssima e intensa dor de cabea e de todos os ossos do corpo, toviolenta, que parecia desconjuntarem-se e que uma prensa os comprimia. Pouco depoissobrevinha um calor intensssimo, que maioria ocasionava

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    delrios, embora no a todos. Em seguida, alguns apresentavam-se com vmitos como desangue podre, e dstes poucos ficavam vivos.

    Cogolludo observou e assim descreveu o perodo de remisso da febre-amarela: Namaioria, no terceiro dia, a febre parecia ceder totalmente; diziam que j no sentiam doralguma, cessava o delrio, conversavam com juzo, porm no podiam comer nem bebercoisa alguma, e assim duravam outro ou outros dias e, dizendo que estavam bons,expiravam.

    Foram muitssimos os que no passaram do terceiro dia; outros morreram entrandono quinto, e muito poucos chegaram ao stimo. Aquela estranha doena aos mancebosmais robustos e saudveis atacava com mais violncia e acabava a vida mais depressa.

    De qualquer forma preciso lembrar, como fz Henry Carter, que o local onde afebre-amarela foi primeiramente identificada, no , necessriamente, o local de origem.

    Outrossim, so conhecidas apenas as epidemias que foram particularmente desastrosas, ouas que encontraram um historiador para descrev-las; apesar disto, a relao dos surtosamarlicos revelados pela histria suficientemente vasta para fazer-nos sentir a suaimportncia.

    Opondo-se origem americana da febre-amarela, existem vrias teorias.

    Assim, em 1686, foi admitida sua procedncia africana, tanto assim que as colniasfrancesas receberam instrues para que fssem tomadas providncias sanitrias, a fim deser evitada a infeco amarlica procedente da frica.

    Esta teoria teve ardorosos defensores. Entre outros, Pym em 1815, Audouard em

    1824, Faget em 1859 e mais recentemente Henry Carter e Harold Scott.Carter acreditava que o vrus era originrio da frica Ocidental. Quando foi feita na

    Amrica a primeira descrio fidedigna da febre-amarela, j havia tempo suficiente paraque ela fsse transportada da frica. O fato da doena ter sido realmente verificada naquelecontinente depois de ser conhecida na Amrica, le justificou com uma srie deargumentos, tais como: o nmero reduzido de expedies frica, a pequena colniaeuropia l existente, a falta de crnicas daquele tempo, a abundncia do impaludismo que

    poderia ser confundido com a infeco amarlica, e a reao, que le acreditava serbenigna, do negro em presena do vrus, o que atribuia ao contato de muitas geraes como agente etiolgico. Porm o seu grande argumento de que o Aedes aegypti, transmissor

    da infeco, no era mosquito americano, desvalorizou-se com a descoberta da modalidadesilvestre da doena.

    Eustquio Duarte deu uma explicao plausvel sbre a teoria da origem africana dafebre-amarela. Segundo le, os que apontavam a procedncia africana da epidemia do

    Nordeste brasileiro, no o fizeram seno baseados no fato anotado por Ferreira da Rosa, deque os primeiros amarelentos vitimados no Recife, estavam a braos com a carga de umnavio chegado da ilha de So Tom.

    Na frica, ela foi identificada, com certeza, smente em 1778, na epidemia de SoLuiz do Senegal, descrita por Schotte.

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    Foi tambm formulada a teoria do desenvolvimento espontneo da febre-amarela nos navios que transportavam escravos para a Amrica. Por absurda que possa

    parecer agora, foi ela renovada e defendida no sculo passado.

    Houve a teoria da origem asitica da doena, puramente especulativa, que teveem Augustin seu principal advogado. le defendeu a sugesto de um autordesconhecido, de que o foco original da enfermidade teria sido em Smirna. E citandoautores francses que diagnosticaram naquele continente, no sculo XVII, o tifomiasmtico ptrido amarelo, identificou-o como febre-amarela. Na realidade, ainfeco amarlica no foi constatada at hoje, na sia.

    Em face de tamanhas dvidas sbre a origem da febre-amarela, naimpossibilidade de desvend-las, foi que o mdico peruano Arosemena Quezadaescreveu em 1868, atribuindo a doena a sres vivos microscpicos: Cual el origen de

    estos seres? Es probable que fueran creados junto con todos los dems de la creacin,pero los que se salvaran de la arca de No fijaron su residencia en las Antillas, en lacosta atlantica de la America, desde Vera Cruz hasta el Brazil, y en la costa pacificadesde la baja California, hasta Guayaquil.

    Havia, pelo menos, assinalado as reas mais duramente assoladas pela febre-amarela. Com efeito, as Antilhas, a Amrica Central, o Golfo do Mxico, o litoral doBrasil, foram com mais freqncia visitados por incurses amarlicas. A Amrica do

    Norte foi repetidas vzes atingida. Segundo Warren, a cidade de Filadlfia sofreu 20epidemias, New York 15, Boston 8, Baltimore 7. Foi em 1905, em New Orleans, queocorreu a ltima epidemia de febre-amarela nos Estados Unidos.

    Ao contrrio do mdico peruano, Henrique Arago, dizendo haver conseguido acontaminao direta de mosquito a mosquito, aventou a hiptese de que esta seria acondio ancestral do vrus, isto , que primitivamente le fra um vrus exclusivo doStegomyia, e que com o decorrer dos tempos se adaptou ao organismo do homemconstantemente sugado pelos insetos naturalmente infetados.

    De nossa parte acreditamos que a febre-amarela seja orginria da AmricaTropical, tendo existido primitivamente entre animais nas selvas, acometendo

    posteriormente o homem.

    Entretanto, em que poca, em que pas ter-se-ia realizado, pela primeira vez, a

    transmisso ao homem? Na verdade, talvez jamais sejam encontradas as respostasdefinitivas para estas indagaes.

    II A PRIMEIRA EPIDEMIA DE FEBRE-AMARELA NO BRASIL

    Quando os conquistadores europeus chegaram s Antilhas, entraram em contato,conforme acabamos de relatar, com uma doena nova para les: a febre amarela.

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    Todavia o mesmo no aconteceu com os colonizadores que vieram para o Brasil.Nas crnicas da poca, no se encontram referncias a qualquer doena que nos permitaidentificar como sendo o mal amarlico. preciso ressaltar ainda, que a molstia, com

    sua dramtica sintomatologia, dificilmente teria passado despercebida aos historiadoresse ela acometesse os indgenas ou os primeiros colonizadores portuguses.

    M. Kinlay, citado na Cronologia de Branger-Fraud, referiu-se, em 1852, ocorrncia de febre-amarela no Brasil em 1640. Entretanto relatou Kinlay apenas que, deacrdo com os documentos consulares de Pernambuco, podia-se admitir que a febre-amarela reinava no Recife naquele ano.

    Esta referncia e outras, tambm igualmente vagas, no passam de merassuspeitas, sem qualquer fundamento que nos permita confirm-las ou que nos autorize aconsiderar aquelas supostas ocorrncias como os primeiros casos observados no Pas.

    Alis, Ferreira da Rosa nos deixou uma observao, pela qual podemos deduzir daimprocedncia daquelas informaes, quando, em 1691, declarou: Em Pernambuco, hsete anos assiste-se uma grave doena, a qual nunca jamais nle se viu.

    Assim, devemos admitir que a primeira epidemia de febre-amarela conhecida noBrasil, foi a que irrompeu no Recife, no ano de 1685.

    O nome e a procedncia do barco que trouxe a febre-amarela para o Recife noficaram esclarecidos. A verso de que foi a nau francesa Oriflamme procedente doGolfo do Sio (sia) no exata, pois nesta viagem smente chegou ao Recife em 1690,isto , cinco anos aps a ecloso da epidemia, dali zarpando para Martinica. Provm

    desta verso o nome de mal de Sio, com que durante muito tempo a doena foiconhecida, embora esta febre fsse desconhecida no Sio.

    Nessa viagem para as Antilhas, segundo o padre Jean Baptiste Labat, oOriflamme transportou a febre-amarela do Recife para aquela ilha.

    Henry Carter admitiu a possibilidade de a febre-amarela haver sido trazida dasilhas de Cabo Verde (frica) pela frota de Gomes Freire de Andrade. Esta frota, que nasua rota para o Brasil perdeu muitos homens, chegou ao Maranho em 1685, seguindomais tarde para o Recife. Todavia Eustquio Duarte, em estudo que fz baseando-se nosdepoimentos existentes, em vista do baixo percentual de mortalidade e da durao domorbo, relativamente longa, concluiu que stes fatos por si s afastam qualquer hiptese

    de identificao da doena com a febre-amarela.Outra suposio que a infeco amarlica tenha sido trazida para o Recife por um

    barco vindo da Africa.

    To convencidos estavam todos da sua procedncia africana que o Governador dePernambuco, Marqus de Montebelo, quando recomendou tdas as cautelas com as

    pessoas acometidas dos males em terra ou a bordo, o fz, sobretudo, para que esta doenano se perpetuasse entre ns, e no se constitussem as povoaes do Recife e Olindaum So Tom. A procedncia africana da infeco tambm no merece ser aceita porfalta de fundamentos. O francs Barbot, que estve na ilha de So Tom entre 1684 e

    1686, escreveu a respeito das doenas que grassavam

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    naquela ilha, porm no se referiu a nenhuma que se parecesse com a febre-amarela. Ahiptese mais plausvel a de que o barco tenha vindo de So Tome (frica) comescala em So Domingos, nas Antilhas, onde grassava a enfermidade, e de onde foi

    trazida para o Brasil.Ao contrrio do que geralmente sucede, no existem referncias sbre a doena

    em algum barco antes da ecloso da epidemia, ou que tenham desembarcado no prtotripulantes ou passageiros doentes. Quando a encontramos j estava na zona porturia,fazendo a sua primeira vtima na pessoa de um empregado que conferia a mercadoriaimportada. De fato, contam as crnicas da poca que, a 28 de novembro de 1685, noRecife, um tanoeiro ao abrir uma das barricas de carne, j podre, procedentes de SoTom, adoeceu sbitamente, passando a doena a quatro ou cinco pessoas quemoravam na mesma casa, na rua da Praia.

    Podemos deduzir da violncia da epidemia, quando Miguel Dias Pimenta (*) nosrelata que, de 25 de dezembro at 10 de janeiro, foram enterrados no Arrecife e emSanto Antnio perto de seiscentas pessoas todos homens brancos, uma dezena demulatos, mui poucas mulheres, poucos negros e menos meninos. Em seguida, diz le,o surto amainou, atingindo preferentemente as pessoas que de fora chegavam cidade.Chamavam-no de males, porque parecia incluir em si todos os males.

    Morava ento em Lisboa o mdico Joo Ferreira da Rosa (nascido em Gafete,Beira-Baixa) e formado em 1684 pela Universidade de Coimbra. Tendo conhecimentoda epidemia que grassava no Brasil, fez uma petio ao rei de Portugal, D. Pedro II, em19 de maro de 1687, para que o autorizasse a servir na sua profisso, na Capitania de

    Pernambuco.O nico mdico que clinicava no Recife havia falecido nos primeiros dias da

    epidemia, vitimado por ela.

    O pedido de Ferreira da Rosa foi deferido e le recebeu a comenda de Santiago,uma penso de vinte mil ris e uma ajuda de custo de cincoenta mil ris, tudo sob acondio de servir por seis anos.

    Chegando ao Brasil foi morar em Olinda, dedicando-se ao combate febre-amarela e ao tratamento dos enfermos.

    A situao era de tal gravidade que, conforme le registrou, quando algum

    chamava o cirurgio, logo ste perguntava se o enfrmo botava ferrugem pela bca, ese lhe dissesse que sim, se escusava de visit-lo, e mandava preparar seu entrro porno lhe considerar esperana de vida.

    O Marqus de Montebelo, que chegara ao Recife a 1 de junho de 1690, adoeceudez dias aps seu desembarque, quando de um dos recrudescimentos que

    (*) Miguel Dias Pimenta, Familiar do Santo Ofcio, mascate de profisso, exercendo a clnica mdica e

    cirrgica entre os escravos, escreveu o livro Notcias do que o Achaque do Bicho, publicado emLisboa no ano de 1708. considerado o terceiro livro escrito em vernculo sbre a medicina no Brasil.

    O Tratado nico das Bexigas e Sarampo (1683) de Simo Pinheiro Mouro , histricamente, oprimeiro, sendo o Tratado nico da Constituio Pestilencial de Pernambuco (1694) de Joo Ferreira

    da Rosa, o segundo.

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    de ordinrio se seguiam chegada da frota. A princpio esteve sob os cuidados domdico Domingos Pereira da Gama que viera com le de Portugal. Porm o doente

    piorava e, no terceiro ou quarto dia da molstia, o prognstico era tremendo: tinha

    vmitos negros e oligria. Se os sintomas persistissem por mais vinte e quatro horaso Marqus morreria. Talvez porque faltasse ao mdico recm chegado o tirocnio dadoena da terra, lembraram-se de chamar Ferreira da Rosa que h uns trs anoslidava com os males.

    Dessa forma ocorreu a aproximao entre o Governador e o mdico.

    No guardou segrdo a respeito do seu cliente. Contou que j haviam aplicadono Marqus muitos remdios de sangrias, purgas, cordiais, clisteres. A sde era tantaque desejava ter mais perto a Serra da Estrla (vinho tinto portugus) para mitigar asua secura. Tinha vmitos e no s lanava os alimentos, mas os cordiais e todo o

    gnero de alexifarmacos de qualquer modo recebidos; vomitava humoresatrabilirios. Urinava com dificuldade, com ardor das guas que por pingasdestilava. E soluando e arrotando sempre, se achava to inquieto como se podeconjeturar de um doente assistido de tantos sintomas e to graves.

    Deu tratos mente e concluiu que o humor do estmago de seu nobre pacienteestava frio e cru. O remdio teria de ser de calor intenso contra a falta de calornatural, para que melhor se pudesse cozer e regular a natureza do humor. E porisso receitou gua de escorcioneira com quanta quentura pudesse sofrer-se,desfazendo-se nela confeio de alquermes.

    Apesar dos protestos do Marqus que preferia gua de neve, o medicamentolhe foi ministrado, inclusive noite, e no dia seguinte le apresentou melhorastomando o Santssimo j sem nenhum receio de vmito.

    O Marqus sarou apesar do tratamento. Nos encontros havidos posteriormenteentre o Governador e o mdico ficou assentado, em 1690, que ste apresentaria arelao das providncias a tomar para a preveno da doena. Da resultou, no anoseguinte, a primeira campanha sanitria posta em prtica, oficialmente, no NvoContinente.

    A primeira campanha profiltica no Brasil

    As recomendaes para a execuo dessa campanha eram numerosas. Antes detudo impunha-se atacar a infeco do ar, purificando-o por meio de quarentena defogo em tdas as ruas.

    O Provedor faria o rol dos moradores de cada rua, atribuindo a cada grupo decinco a obrigao de acender uma fogueira com ervas cheirosas, durante trinta dias.

    Nas fogueiras se lanariam ramos de murta, incenso, almcega, blsamo, leo decopaba e galhos de aroeira e de erva-cidreira.

    Eram aconselhados os estrondos de artilharia porque a violncia do fogo

    uma fera faminta, avidssima e explicvel que tdas as coisas desfaz. Os tirosdeveriam ser disparados na declinao do dia, j nos crepsculos da noite, e tam-

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    bm no fim da noite nos crepsculos do dia, porque seriam sses os instantes maispropcios dissipao dos vapres.

    Purificao das casas, no prazo de oito dias. As janelas seriam abertasesfolhinhando-se (as casas) de tdas as impuridades e teias de aranha. As casas em quetivesse havido mortos seriam caiadas de nvo, lanando-se ao mesmo tempo cal virgem

    pelo cho e gua por cima e, noite, de portas fechadas, queimar-se-iam defumadores,sob pena de multa de dez tostes, dobradas nas reincidncias.

    Seria obrigatria, tambm, a limpeza das ruas, sendo os moradores responsveispela testada de suas casas, e o lixo atirado ao rio. Removidas as imundcias quecotidianamente se acham nas cloacas junto das casas e praias prximas dos edifcios.Multa de uma pataca para quem no observasse a regra, sendo que, para o escravo quedeixasse o lixo noutra parte, cadeia e cincoenta aoites.

    Recomendava ainda a exposio ao ar, por trinta a quarenta dias, dos colches,especialmente as esteiras que serviram aos doentes, mas o melhor era queim-los; alavagem de suas roupas nunca menos de duas ou trs vzes seguidas, e as que no

    pudessem ser lavadas como as colchas de sda, as roupas de damasco e chamalotes quefssem expostos 40 dias ao ar.

    Os doentes deveriam ser segregados longe da povoao. Distantes tambm seriamos sepultamentos, feitos em covas que no poderiam ter menos de cinco palmos de

    profundidade e sbre elas se fariam por trs dias fogueiras a custa das rendas do Senado,mandando em seguida ladrilh-las de modo que no pudessem sair vapres delas.

    Proibia a inumao no interior das igrejas, e ainda mais a de vrios corpos numas sepultura.

    Para o enterramento dos pacientes dos males seria exigido o atestado de bito,com expressa indicao da causa mortis.

    Seria instituda a polcia sanitria do prto, sendo feita a relao e inspeo de tdaa gente de bordo, o internamento dos doentes, e aplicadas penas para os infratores erecalcitrantes.

    Por fim, far-se-ia o rol de tdas as meretrizes para as despejar da terra para dezlguas de distncia caso ofendessem a Deus, e os homens, livres ou escravos, que seachassem com elas em pecado seriam presos, pagando multa e sofrendo degredo, sereincidentes. E, finalmente, proibia que mulher de qualquer qualidade andasse szinhanas ruas, depois das ave-marias. Smente em rde com suas escravas conhecidas; esendo s, se estivesse em companhia do marido ou dos pais. Multa e aoites para quemdesobedecesse a ste artigo.

    Em suma, o regulamento dispunha de quatro ttulos:

    1.) da limpeza das casas, ruas e praias;

    2.) dos que morreram da doena dos males;

    3.) do que se h de praticar nos navios que entram;

    4.) sbre o recolhimento das escravas e mais mulheres de ambas estas povoaesdo Recife e Santo Antonio.

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    Ferreira da Rosa no tinha a menor suspeita de que fsse um mosquito o transmissor dafebre-amarela. Todavia, as medidas que recomendava, tais como acender fogueiras, fazerdefumao das casas, limpeza das ruas, etc., combatiam os mosquitos afugentando-os e

    reduzindo o nmero de focos deAedes aegypti.Trs semanas depois de haver recebido essas recomendaes de Ferreira da Rosa, o

    Governador dirigiu Cmara de Olinda a minuta de um regulamento, patticamenteproposto em nome dos inumerveis mortos e quase infinitos ressuscitados, comunicandoaos senadores o parecer do mdico.

    A severidade de tal regulamento e os gastos que sua execuo iria exigir, foramexcelentes pretextos para que o Senado da Cmara de Olinda se negasse a decret-lo.Porm, os verdadeiros motivos da resistncia campanha sanitria eram osdesentendimentos entre o Governador e os Senadores, a animadverso entre Olinda e

    Recite, pois Governador fra morar, no em Olinda e sim nas trres que tinham sido acasa do Conde Maurcio de Nassau.

    Ento o Marqus de Montebelo, que tinha idias prprias a respeito da doena,decretou, com algumas modificaes, atravs de bandos, a execuo da campanha sobsua inteira responsabilidade, estabelecendo tambm pesadas multas, priso e aoites, paraos infratores. Foi nomeado Superintendente da Sade o Capito Manoel Pinto, que tevequatro auxiliares para fazerem cumprir aqules bandos. Foi ste o primeiro inspetor dehigiene do Brasil.

    Institura-se, dsse modo, atravs dos bandos de Montebelo, uma verdadeiraditadura sanitria em Pernambuco.

    Os ttulos dos quatro bandos da sade do uma idia dos trabalhos que,pontualmente e com todo o rigor, se iam observando, conforme informao do Marqusem carta ao rei de Portugal:

    1. Bando: Sbre o Superintendente da Sade ter cuidado em tomar a rol a gente domar, e os doentes irem para o hospital.

    Para isso, foi construdo um hospital no Recife.

    2. Bando: Para se enterrarem os mortos nas Salinas e se fazerem fogueiras em cimadas covas.

    Santo Amaro das Salinas passou a servir como cemitrio.3. Bando: Sbre fazerem-se fogueiras, limpeza das casas e ruas; e curas dos doentese queima das roupas, e outras particularidades.

    4. Bando: Sbre mulheres pblicas serem tomadas a rol pelo Superintendente daSade, e outros particulares sbre andarem de noite mulheres at as ave-marias smente.

    Nestes quatro bandos, encontravam-se distribudas as principais recomendaes deFerreira da Rosa para uma campanha pioneira e precursora que foi executada pelo Marqusde Montebelo.

    * * *

    Em 1691 regressou do Recife para Portugal a charrua Sacramento e Almas. Durantea viagem morreram cinco tripulantes da mesma molstia da terra.

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    O tripulante Antnio Brebon, de 24 anos, observou, estando ainda no Poo dePernambuco, com desprzo e estranheza que o Cirurgio ora sangrava ora aplicavacusticos com a vacilao prpria do Emprico: evidncia bastante de que no tinha

    teoria alguma acrca da molstia.Era natural de Sinthomenda, na provncia de Atantoes (corruptelas flamengas

    de Saint Amand e Artois). Ao tempo de Brebon a Flandres Meridional j estavaanexada Frana, sendo le, portanto, francs de nacionalidade e flamengo deorigem.

    Seguindo viagem, quando ocorreu o quarto bito, Brebon, que no era mdiconem cirurgio, vendo que de nada valiam os remdios, resolveu com licena docapito, abrir aqule corpo e fazer nle anatomia.

    Iniciou a autpsia pelo trax onde no encontrou leso alguma. E descendo ao

    estmago e regio do ventre, achou o fgado podre na parte inferior o qual estava dediversa cr da natural, e um pedao de fgado que no estava corrupto. O bao e os

    pulmes estavam sos e ilesos. A bexiga do fel estava quase sca e com diferentecr da que devia ter, e achou que a podrido estava no fgado. Prosseguindo oexame, passou ao estmago, onde achou nas membranas dle quantidade de humorviscoso de cr negra a modo de felugem e algumas lombrigas grandes e pequenas,da qualidade das compridas. Nos intestinos encontrou mais lombrigas e humornegro, que poderiam picar no dito fgado. Examinando a bexiga da urina (por verque nos doentes havia queixa de reteno), achou que dentro dela havia assim comoumas palhinhas. E le, Brebon, concluiu que a doena era causada por lombrigas.

    E no se fz mais individual exame por no causar horror na gente daembarcao. Foi essa a primeira autpsia em amarelento, com a particularidade dehaver sido efetuada em alto-mar.

    Antnio Brebon tinha vocao para a medicina e, assim, resolveu tratar dealguns doentes por um processo prprio: Emplastros, a que chamam vesicatrios, nanuca, nos buchos dos braos, e curvas das pernas para divertir as dores que nas

    juntas, cabea e mais partes do corpo, padeciam os enfermos. Contra a verminoseministrava algumas bebidas das quais procedeu lanarem os doentes lombrigas pela

    bca e pela parte inferior.

    Gabava-se de que, com ste tratamento, no faleceu mais ningum, e sperdeu um moo flamengo que j estava doente antes dle usar a nova teraputica.

    To vivamente impressionados ficaram os membros da Crte com adescoberta do tratamento dos males que, pela frota de 1692, Sua Majestade enviou aoGovernador da Bahia, e por le s demais Capitanias, o traslado do juramento deBrebon no qual se publicou descobridor da cura dste contgio.

    E assim Brebon, apesar das queixas de Ferreira da Rosa contra os imperitosque cometem tantos erros quantas vzes visitam os doentes, foi mandado de volta aoRecife, onde praticou durante trs anos no Hospital Real e obteve, em 1700, o

    diploma de Cirurgio. * * *

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    6 Qual deve ser a precauo desta Constituio, quanto causa comum?

    7 Quais devem ser os remdios para os que ainda no tiveram ste contgio?

    8 Quais so as virtudes do leo de copaba?9 Se h algum remdio, simples, infalvel, contra a peste.

    A segunda Disputada intitula-se: Damos notcia do mtodo com que tratamosesta Constituio pestilencial, assim dos remdios grandes, como regimento, e dosalexifarmacos e atemperantes. Compe-se das dez Dvidas seguintes:

    1 Que regimento se deve guardar das coisas no naturais.

    2 Se convm sangrar.

    3 Se convm sangria no brao, ou no p.

    4 Se convm minorar?

    5 De que remdios devemos usar para temperar, proibir podrido, e opugnarqualidade pestilente?

    6 Se devemos usar sanguessugas.

    7 Se convm aplicar pombos, ou em lugar dles outros remdios.

    8 Se convm aplicar ventosas?

    9 Quando se deve aplicar as ventosas, e em que parte?

    10 Se se deve usar vesicatrios?

    Na terceira Disputada trata-se dos sintomas mais freqentes nesta Constituio,

    dos quais se deve ter grande vigilncia, porque muitas vzes so mais perigosos que amesma causa. Nisso o Autor se estendeu por oito Dvidas:

    1 Que se deve fazer na dor de cabea, vigia e delrio?

    2 Que se deve fazer no sono profundo?

    3 Se no letargo convm aplicar ventosas na cabea.

    4 Que devemos fazer na sde e secura da bca?

    5 Que se deve fazer no fastio, nusea, dor, soluo e vmito?

    6 Que se far nos desmaios.

    7 Que se deve fazer nas cmaras.8 Como nos devemos haver nas partidas?

    * * *Comparando, de incio, o clima de Pernambuco a uma suavssima primavera,

    contou que se assistia a uma grave doena, que estava causando tanta mortandade queem seus princpios quase o deixou deserto. Calculou em crca de dois mil o nmerode mortos no Recife, acabando a vida os mais em seis dias, e quando tarde em nove, amuitos em dois, e alguns (mas poucos) no duraram mais de vinte e quatro horas.Todavia o nmero de doentes foi muito elevado, pois na expresso quase escandalizadado Autor, chegou a ponto de no haver homens

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    para acompanhar o Santssimo Sacramento; e se presumiu que o gentio queriasenhorear, o que milagrosamente se preveniu.

    No se juntavam j os cidados nas praas porque receavam de se juntarem nastumbas; no assistiam os ministros nos tribunais, porque temiam ouvir ali a sentena desua morte; os campos se trocavam em sepulturas, porque eram sem nmero os quemorriam, deixando ermas as casas e as famlias de Olinda e do Recife.

    Estudando as causas daquela constituio pestilencial, o mdico portugusconsiderou, entre outras, de muita importncia para sua ocorrncia: o ar que pode seviciar pelos astros e principalmente pelos eclipses do sol e da lua (em 10-12-1685houve eclipse da lua); podia o ar receber inquinamento ou sordcie, ou qualidadecontagiosa dos astros, do eclipse do sol ou da lua ou de diversos quaisquer aspectos deestrlas ou planetas. O ar tambm podia viciar-se com os putridinosos vapres dasguas dos lagos fechados e imveis; dos corpos que nas guerras ficam sem sepultura;

    poos de muito tempo fechados, e depois abertos; de carnes podres; de frutoscorruptos, e de ruins alimentos em tempo de fome.

    Importantes teriam sido tambm os vapres das carnes podres das barricasvindas de So Tom.

    Perigoso o costume de receberem os corpos mortos pela pestilencial qualidadenas igrejas, dentro da povoao, e a abertura, incautamente, de covas, que alm de noserem fundas se enterravam, na mesma cova, cinco ou seis corpos e tanto superfcieque emanava um vapor ou uma mistura elaborada, fazendo assim o efeito do

    contgio, provocando grande podrido da massa sangunea ou mostrando a suanatureza que uma infeco que passa de uma parte a outra.

    E apontou ainda outra causa, esta de mais difcil remoo: os pecados doshomens. E irada a justia divina de nossa contumcia, prosseguir ste contgioenquanto se no reformarem nossos pssimos costumes. E mais adiante confirmou:Esta doena particularmente castigo de Deus pelos pecados dos homens.

    Joo Ferreira da Rosa foi quase completo na descrio do quadro sintomtico:dores de cabea logo no princpio, estupefao, calor grande e queixas grandes; pulsosfreqentes e com langor, sinal patognomnico da febre de m qualidade; h sde a qual maior que o calor; dores em todo o corpo e de cadeiras; respirao como dosoprimidos e dilacerados, afrontao na bca do estmago; tremor nas mos e na lngua,grande fastio, insupervel sinal nesta constituio; nuseas, vmitos, soluos, nsias etristeza de corao; h grandes vigias, passando os doentes noites inteiras sem dormir,e se dormem alguma coisa, com grande desinquietao, e com tais delrios que selevantam e saem pelas ruas despidos se no tm dles vigilncia, fato que viu sucedera um mancebo da frota de 1692; em alguns casos guas grossas, em outros quasenaturais; h um certo sinal dos excrementos porque uns tm diarrias s vzes, outrosno; em uns negrido e aspereza da lngua, v-

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    mitos e humores podres, vmitos de atrabilis (*). Sbre todos os sinais, h doistremendos que so a ictercia e supresso das urinas. Aqule um presgio trabalhosoe miservel vindo antes do 7. dia. ste sinal mortfero de que no vi nem ouvi que

    se livrasse doente algum, inquirindo ste negcio com tda a diligncia, e informando-me de cirurgies, barbeiros, e de todo o povo; e nunca achei quem dissesse queescapou algum doente.

    Quanto ao prognstico le observou: Em os dois primeiros anos a maior parteperigava dos que adoeciam; mas sempre foi a menos ste estrago porque ainda que digualmente a muitos, apenas perigava uma dcima parte; e hoje j est em trmos quequase todos livram, sendo tratados com cincia. E citando Hipcrates concluiu, queno h prognstico certo para doenas agudas.

    Renovou as recomendaes profilticas e fz outras, tais como, viver em casas

    no trreas por ser o ar mais lquido e puro; ao sair da casa pela manh, esfregar osdentes com triaga-magna, e os rsticos que os esfreguem com alhos. Recomendavafazer um pomo aromtico para andar com le nas mos; o uso de pedras preciosas nosanis, de modo que cheguem carne do dedo pela parte de baixo. Mandava beber amelhor gua que houvesse ou us-la fervida, para que com o fogo ficasse mais pura; elavar as mos e a cara com vinagre rosado.

    Entre os muitos defumadores que indicava, estavam as flhas de erva-cidreira,de alecrim, de arruda, de losna, tudo sco, e em p, com incenso, enxfre e mirra.

    Louvava tambm a bebida de sumo de limo com quanto baste de acar, eoutras bebidas frescas porque o clima muito quente. O po devia ser cozido comgua e bem fermentado. Nada havia a temer das hortalias porque no eram usadas.Porm as carnes deviam ser boas, ovos brandos, no convindo os lacticnios nem ascoisas azdas.

    Evite-se o muito enchimento do comer, porque melhor ficar com algumarelquia de fome, que com suspeitas de fartura, aconselhava le. Tambm noconvinha muito movimento porque esquentando-se os corpos ficavam mais capazes dereceber o contgio.

    Conversao de coisas agradveis porque assim se recreava o esprito.

    Contra a insnia recomendava a msica suave que tinha a propriedade de

    facilitar a quietao dos sentidos, mas no se devia dormir logo depois de comer.Tinham de ser evitadas as paixes da alma: cogitaes fortes, melancolia, dio,tristeza, ira, temor da morte e dos mortos da pestilncia.

    Porm, aconselhava sbiamente que quem puder viver sem vir as povoaesinfetadas, toma mais seguro conselho, e os que se puderem retirar, vivero mais a seusalvo. E concluindo seus preceitos profilticos, encomendava os doen-(*) Os vmitos de atrabilis eram vmitos prtos. Dr. Teixeira de Souza em excelente estudo que fz sbre a

    medicina colonial, deixou bem claro sse ponto, baseando-se no depoimento das testemunhas inquiridas emLisboa, no sumrio mandado fazer pelo Rei, ouvindo os oficiais e tripulantes do barco Sacramento e Almas

    partido de Pernambuco em agsto de 1691, e a bordo do qual grassou durante a viagem a mesma doena doRecife.

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    tes a todos os Santos, e particularmente aos advogados da peste, So Sebastio e SoRoque.

    stes e mais os Santos Cosme e Damio eram j advogados da peste desde apraga que no sculo VI afligira Bizncio.

    Se apesar de tdas estas cautelas fsse contrada a doena, o tratamento erarigoroso.

    Iniciava-o com recomendaes dietticas, alertando o doente para que no sedeixasse dominar pelo fastio. Aconselhava bebidas, tais como agua fervida com raiz deescorcioneira ou semente de cidra, ou tambm com cevada descascada. Melhor quetdas era gua em que se meter ouro-vermelho ao fogo e, assim ferrada muitasvezes.

    Contraindicava o vinho devido a sua quentura que faz mover e excitar oshumores. Porm havendo grande debilidade se dar algum no forte e no aguado.

    A sangria, para a qual havia amplas indicaes, seria feita preferentemente nobrao, exceto em alguns casos em que dava preferncia sangria no p.

    Achava conveniente a aplicao cotidiana de clisteres emolientes base dematapasto, e registrou vrias frmulas.

    Sbre o emprgo das purgas fz detalhados comentrios, aconselhando-as noscasos em que era preciso poupar sangue ao paciente. E nos deixou um vasto receituriode purgas lenitivas, minorativas, drasticas e catrticas.

    Entre os auxlios revulsrios, admitia o uso de pombos nas plantas dos ps,abertos vivos pelo espinhao e aplicados com seu calor, conservando-os 5 ou 6 horas erepetindo-os.

    Estes emplastros de pombos esto ligados antiga arte de curar dos egpcios,assrios, hindus e caldeus, na poca em que os sacrifcios simblicos dominavam ocampo da medicina.

    Quanto s sanguessugas, s as que vinham ao Reino, pois as da Capitania nopegavam, convindo principalmente nas complicaes melanclicas, porque se faz adescarga suave pelas sanguessugas, pouco a pouco, e sem perda de fras. Emseguida, tapar o local com teia de aranha, hemosttico usado desde tempos remotos.

    As ventosas eram consideradas utilssimas quando as fras no permitiam asangria, e deu explicaes sbre o emprgo das ventosas scas e sarjadas.

    Embora reconhecendo no haver nenhum medicamento infalvel contra aquelapestilncia, achava que o leo de copaba era um grande remdio melhor do que asflhas de arruda, cinzas de caranguejo queimado, ou dentes de alho assados.

    Entre as suas mltiplas aplicaes, Ferreira da Rosa julgava-o notvel para asupresso da urina, untando as virilhas, o cano intersemneo e ventre com aqule leo.

    Encontrava-se a copaibeira nas proximidades do Recife e le observou comtristeza: de notar que sendo to fcil de tirar tanta a preguia no Brasil, que

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    pouco se acha, e se vem algum vender, custa qualquer vidro dle uma moeda deouro.

    Ainda se estendeu por longas pginas prescrevendo remdios para dor decabea interna ou externa, sono profundo que passa a letargo, secura da bca,nuseas, dor de estmago, soluos, vmitos, desmaios, cmaras e partidas.

    Como partidas, queria referir-se parotidite. Durante os dez anos queFerreira da Rosa permaneceu em Pernambuco, observou 3 casos de febre-amarelacom inflamao das partidas. Para sses casos a teraputica consistia na aplicaolocal de um emplastro base de estrco de pombos.

    Rosa nos deixou conselhos muito curiosos. Damos como exemplo a prova dosovos frescos que ensina como proceder nos casos suspeitos e evitar a propagao dadoena: Batidos os ovos e deixados no quarto do enfrmo corromper-se-iam com

    grande fervor dentro de vinte e quatro horas, nos casos positivos. sses mesmosovos batidos deixados entre o doente e as visitas, serviriam de anteparo a estasltimas, interceptando a comunicao do morbo e absorvendo-o.

    * * *A 4 de abril de 1695, Ferreira da Rosa e Pereira da Gama comunicaram em

    certificado conjunto, firmado no Recife :

    Costumando todos os anos, no tempo do inverno, alterar-se mais stecontgio, h dois anos a esta parte se experimentava j muito diminuto; e ste

    presente ano o achamos mais aumentado.

    Atriburam sse recrudescimento ao eclipse total do sol, observado em 16 dedezembro do ano anterior.

    Esta comunicao veio provar que, dez anos depois do seu incio, a febre-amarela ainda permanecia no Recife, no tendo portanto a durao de seis a sete anossmente, como se encontra comumente descrito.

    Acreditamos que o equvoco decorra do fato de Ferreira da Rosa quandoescreveu o seu tratado, haver dito, na parte referente primeira Dvida, que umagrave doena h sete anos grassava em Pernambuco. Mas, aps a publicao do livroa doena continuou, sob a forma endmica, a fazer vtimas ainda por longos anos.

    Porm no morava mais em Pernambuco o severo Marqus de Montebelo.Fra substitudo em 1693 no Govrno da Capitania por Caetano de Melo e Castro,que afroxou as medidas profilticas de seu antecessor, conseguindo, em 1698,autorizao do Rei para tornar a fazer sepultamento nas igrejas.

    Ferreira da Rosa permaneceu dez anos no Brasil, e segundo Sacramento Blake,casou com D. Ana Maria, filha de Manoel Martins Viana homem distinto da Praado Recife e de D. Lcia de Albuquerque Melo, retirando-se depois para Portugalcom sua famlia onde morreu deixando descendncia.

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    Porm sua fama perdurou. Tanto assim que, em carta de 1713, o GovernadorFlix Jos Machado, filho do Marqus de Montebelo, se referia a Ferreira da Rosacomo a um dos maiores mdicos que houve em Pernambuco.

    * * *Na velha igreja de So Cosme e So Damio, em Igarassu (Pe), existe um painel

    com uma legenda de carter histrico:

    Um dos especiais favores que tem recebido esta freguezia de Igarassu dos seuspadroeiros So Cosme e So Damio, foi o de a defenderem da peste que chamarammales que infestaram a todo Pernambuco, e duraram muitos anos, comeando em 1685e ainda que passaram a Goiana e outras freguezias adiante, s a tda esta Igarassudeixaram intata, porque se bem 2 ou 3 pessoas os trouxeram do Recife nelas sefindaram sem passar a outra, o que tudo notrio. E para memria se ps ste quadro

    no ano de 1729 e o deu de esmola Manuel Ferreira de Carvalho.Esta legenda insuspeita confirma que a febre-amarela em Pernambuco no ficou

    limitada ao Recife e Olinda, mas que se alastrou para o interior, e que certamente,naqueles dias longnquos no havia o vetor urbano da doena em Igarassu.

    III A FEBRE-AMARELA NA BAHIA

    Em 1686, aos quatro dias andados do ms de abril, surgiu o tifo icteride naBahia. Deram-lhe o nome de bicha, pelo voraz e apressado do seu golpe e porque a

    todos mordia.Narra o historiador Rocha Pitta, com vivas cres, as desgraas causadas pelaepidemia.

    Os primeiros feridos do achaque foram dois homens que jantavam com umameretriz e que morreram em vinte e quatro horas. A mulher fugiu ante a suspeita deque em um prato de mel lhes disfarara o azibar de veneno. Ao surgirem, porm,outros casos, ficou evidenciado que foi dsse contgio que les faleceram.

    A epidemia continuou com alguma pausa, mas com tal intenso e fra que erao mesmo adoecer que em breves dias acabar, lanando pela bca copioso sangue.

    Numa afirmativa possvelmente exagerada, disse que se contavam os mortos pelosenfermos, havendo dias em que caam duzentos e no escapavam dois, sendo que ossintomas do mal eram os prprios na Bahia que em Pernambuco.

    As casas ficaram cheias de moribundos, as igrejas de cadveres, as ruas detumbas, sendo inteis para os doentes, pela oculta causa, os remdios que lhesaplicavam os mdicos. Entre stes morreram trs e outros tantos cirurgies, todosinsignes nas suas faculdades, mostrando que se no acertaram a cura dos enfermos,tambm erraram a sua.

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    Rocha Pitta considerou matria digna de reflexo o fato de no enfermaremdste contgio segundo le os negros, mulatos, ndios e mesclados, parecendohaver nles qualidades secretas, se no foi decreto superior.

    Era, ento, Governador da Bahia e Capito-Geral do Brasil, Antnio Luiz deSouza Tello de Menezes, Marqus das Minas, que viera de Portugal, em 1684. Nohorror da confuso procurou atender populao da melhor maneira que lhe pareceu,mostrando o preo e fineza dos quilates do seu alento e da sua generosidade.Ordenou a um boticrio que desse, por sua conta, aos pobres, todos os medicamentosque lhe pedissem. Visitava os enfermos; nas casas dos pobres deixava esmolas debaixodos travesseiros, e acompanhava sepultura os que eram de maior distino.

    Vivia naquele tempo na cidade D. Francisca de Sande rica viva do hericomestre Nicolau Aranha Pacheco, um grande nome da guerra holandesa e do sertanismo

    matrona das principais da Bahia, que fazendo luzir a sua piedade e seu cabedal decura dos enfermos, abriu em sua casa um hospital mandando vir a le os doentes queno cabiam no da Misericrdia e recolhendo outros que voluntriamente escolhiam oseu, onde lhes ministrava pelas suas mos os remdios receitados pelos mdicos,dando-lhes cama, roupas e alimentos, dispendendo considervel soma.

    Vendo a medicina impotente para debelar o mal, a populao desesperadaacorreu em massa igreja do Colgio dos Jesutas, implorando a interveno de SoFrancisco Xavier, o bem-aventurado Apstolo do Oriente, e levando-o, a 1. de maiode 1686, em procisso solene pelas principais praas e ruas da cidade.

    Uma relquia dela escreveu Pedro Calmon encastoada no seu escrniocom a forma de um busto de prata damasquinada, e que figurava o apstolo do Japo eda ndia de barbas encaracoladas e olhar oblquo, possuia o Colgio de Jesus. A 1. demaio foi o santo transportado, em andor, sbre os ombros da nobreza, pelas praas eruas, onde o povo, de joelhos, rezava e chorava. Nunca se vira procisso assim, quecarregasse aps si a Bahia tda, e pusesse de rastros o que ali havia de mais opulento e

    poderoso.

    Entretanto Rocha Pitta, na sua Histria da Amrica Portugusa, publicada emLisboa, em 1730, registrou outra data para a procisso. Nessa opresso conta ohistorigrafo recorreu a Bahia ao patrocnio do glorioso So Francisco Xavier indo o

    povo busc-lo no Colgio dos Padres da Companhia levando-o a 10 de maio de 1686,em procisso solene pelas principais praas e ruas da cidade. E Deus ouvindo assplicas suspendeu o brao de Sua justia, irado justamente contra nossos pecados, efoi perdendo a fra o mal, de forma que ou j no feria ou quase todos escapavam.

    Como um preito de gratido, as pessoas mais gradas da cidade, com o aplausodo povo, requereram ao Senado da Cmara, a 10 de maio, que So Francisco Xavierfsse oficialmente considerado padroeiro da Capital da Amrica Portugusa.Atendendo ao pedido, os edis se dirigiram a El-Rei, a 20 de julho, para que con-

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    Da forma pela qual tem sido repetida esta afirmativa, poder-se-ia deduzir queSouthey foi um mdico que estve no Brasil e observou aqules casos. Nada disto.Robert Southey foi um poeta e escritor nascido na Inglaterra em 1774 e falecido em

    1843. Nunca veio ao Brasil. Indo a Portugal no ano de 1800, interessou-se de talforma pela literatura, histria e outros assuntos ligados quele pas e s suas colnias,que acabou escrevendo uma Histria do Brasil, obra, alis, valiosa e de alto mrito.

    Explicando as duas razes que o levaram a escrever a sua Histria do Brasil,Southey alegou, primeiramente, que a nica Histria do Brasil que existia era aAmrica Portugusa, de Sebastio da Rocha Pitta, obra magra e mal alinhavada,que s na falta de outra tinha podido passar por valiosa. A segunda razo foi haverrecebido, de um tio e amigo que residiu trinta anos em Portugal, uma coleo demanuscritos no menos copiosa do que interessante, o que lhe permitiu suprimir

    outra lacuna histrica.No que se refere febre-amarela, Southey baseou-se nas informaes deRocha Pitta, conforme honestamente registrou.

    Branger-Fraud fz referncias a numerosas epidemias ocorridas aps o surtode 1685, na Amrica do Norte, na Amrica Central (especialmente nas Antilhas) e naAmrica do Sul. Quanto ao Brasil fz o seguinte registro: Em 1823 (Gouy, Thse deParis, 1884), o capito de um navio foi atingido pela febre-amarela na Bahia, Brasil,entretanto no se falava nesta enfermidade no pas, naquela ocasio.

    Houve, assim, um longo perodo de silncio no Pas, com relao infecoamarlica.

    * * *

    A 30 de setembro de 1849, chegou a Salvador (Bahia) o navio americanoBrazil, procedente de New Orleans onde grassava a febre-amarela, havendoescalado em Havana, prto tambm infetado. Entretanto, como apresentou carta desade limpa, embora houvesse perdido, na viagem, dois homens da tripulaovitimados pela febre-amarela, foi logo admitido livre prtica pelas autoridadesmartimas locais. Houve apenas um protesto, infelizmente tardio.

    No Correio Mercantil de 2 de outubro, foi publicada uma carta annimaverberando o procedimento desleal das autoridades por no aplicarem, como cumpria

    faz-lo, as medidas indispensveis ao navio procedente de portos onde grassava afebre-amarela.

    Naquela poca, com receio do clera-morbo, as medidas de vigilnciaporturia eram severas, mas visavam especialmente os navios procedentes da Europa.

    A verso corrente de que no ms de outubro, trs pessoas j haviam falecidocomo suspeitas de febre-amarela e, em novembro, a epidemia alastrou-se pela cidade,sendo que no dia 3, o Dr. John Ligertwood Paterson teria feito o diagnstico clnicoda doena.

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    Edmond Gouy, mdico francs que estve por duas vzes em nosso Pasestudando a febre-amarela, escreveu, em 1884, uma pequena Histria da Febre-Amarela no Brasil. Segundo seu depoimento, o primeiro diagnstico de febre-

    amarela conhecido na Bahia, quando eclodiu a segunda epidemia, foi feito por Dr.Fairbanks no dia 12 de novembro de 1849; tratava-se de um estudante que era seucliente. No dia 28, a doena teria sido registrada entre a equipagem de navios no

    prto, e smente a 30 de novembro um menino, tratado por Dr. Paterson, faleceuapresentando sintomas da infeco.

    De outra forma relatou Paterson: Os primeiros casos que vi em terra e foramos primeiros observados, ocorreram em pessoas de uma casa estrangeira (GeorgesSanvill), moradores no Garcia, onde freqentava e dormia o capito do navio(Brazil), que introduziu aqui a febre-amarela, ou ao menos a bordo do qual tinham

    morrido, na sua viagem de Cuba para c, pessoas de vmito negro; e antes dachegada do qual navio, ningum aqui tinha observado ou falado em febre-amarela.

    De incio, o diagnstico de febre-amarela provocou protestos veementes derenomados clnicos, que no acreditavam na reintroduo da doena na capital daProvncia.

    A 4 de dezembro, o Presidente da Provncia, Conselheiro Francisco GonalvesMartins, futuro Visconde de So Loureno, enviou um ofcio ao Conselho deSalubridade Pblica, solicitando parecer acrca da febre reinante, em que dizia:

    At hoje a opinio dos facultativos est em oposio com a de alguns mdicosestrangeiros, querendo stes que seja a febre-amarela maligna e contagiosa que reinana atualidade, e grande parte daqueles em ser uma febre epidmica sem contgio nemcarter essencial de malignidade.

    O Conselho, aps uma reunio, respondeu nos seguintes trmos:

    1) Que a molstia que est reinando nesta cidade uma epidemia das quecostumam aparecer nos pases intertropicais.

    2) Ataca de preferncia os centros nervosos e vicia a hematose.

    3) Que esta epidemia nada tem em si de contagiosa nem de assustadora e queos casos graves e fatais so devidos predisposio dos doentes s molstiasanlogas ou aos sustos de que os doentes se tm deixado apoderar ou finalmente atratamentos contrrios razo. de aconselhar a cessao dos dobres de sinos queno nimo dos doentes incutem idia de morte que muito agravam seu estado e emmuita circunstncia podem por si ss caus-la em indivduos nervosos. Em 12-12-1849. as.) Dr. Manoel Maurcio Rebouas.

    Diante dessa divergncia de opinies, relata Caldas Coni, o Presidente daProvncia convocou os principais facultativos da cidade, tanto nacionais comoestrangeiros, para uma reunio em Palcio, esperando que lhe indicassem as medidas

    prticas de combater o mal. Nulos foram, entretanto, os resultados daquele pequenocongresso.

    Foram travadas discusses acaloradas entre contagionistas e infeccionistas. Osprimeiros representados por Wucherer, Alexandre e John Paterson; os segun-

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    dos, pelos mdicos nacionais, que insistiam em dizer que a epidemia era oriunda decausas locais. A imprensa leiga tomando conhecimento destas discusses, d seu apoioaos mdicos brasileiros, acusando os estrangeiros de infundirem o terror entre a

    populao da Bahia. Entretanto, a 17 de novembro havia se apresentado a Wucherer aoportunidade, ansiosamente esperada, de praticar a autpsia de uma vtima de febre-amarela. Mas smente no dia 17 de janeiro recebeu o resultado do exameanatomopatolgico, confirmando seu diagnstico clnico.

    Publicou, ento, pela imprensa, um protesto veemente contra a opinio doConselho de Salubridade. Wucherer relatou o fato em 1857, nestes trmos, na RevistaSchmids Iahrbucher:

    No dia 17 de janeiro de 1850, afirmamos, em virtude de nossa primeiraautpsia, que a atual doena era a febre-amarela.

    Meus colegas, os irmos Paterson, publicaram, por minha iniciativa, no CorreioMercantil, um protesto contra o Conselho de Salubridade, pois declara le que amolstia leve e no contagiosa. Neste protesto, declaramos que a febre-amarela muitssimo perigosa e contagiosa e, chamamos a ateno do Govrno para anecessidade de medidas preventivas relativamente s outras provncias do Pas. Nomesmo dia recebemos um convite do Presidente para tomar parte numa reunio demdicos em Palcio, no dia 18 de janeiro. Nessa reunio fomos acusados comveemncia de ter divulgado um pnico sem necessidade. Como queria esquecer muitascousas l ouvidas, se as nossas opinies tivessem sido aceitas; mas isso aconteceusmente mais tarde, quando o Maranho se defendeu contra a febre-amarela com

    medidas de quarentena durante meses.Em uma segunda reunio, Wucherer falou baseado no resultado da autpsia que

    havia praticado, e viu que alguns mdicos baianos, entre os quais Remdios Monteiro,Francisconi e Joo Batista dos Anjos, passavam a partilhar de sua opinio.

    Enquanto prosseguiam estas discusses acadmicas, os hospitais tornaram-seinsuficientes para abrigar os enfermos. Nesta contingncia, Otto Wucherer, que setornaria famoso pelas suas pesquisas sbre filariose e ancilostomose, improvisou emsua prpria casa uma enfermaria onde recolheu alguns doentes.

    Conta Silva Lima: Durante a epidemia, o Dr. Wucherer teve na sua prpria

    casa, em um cmodo pouco espaoso, uma pequena enfermaria para marinheirosafetados da molstia, e como lhe morressem quase todos, seno todos, e ainda a sua

    primeira espsa, resolveu no tratar mais doente algum e vir trat-los a bordo dosnavios. Mas a instncias da colnia alem acedeu abrir, em melhores condies deespao e comodidades, uma nova enfermaria, em bairro mais afastado do centro dacidade.

    Ainda Silva Lima relata a forma lacnica pela qual Wucherer participou-lhe morte de sua primeira espsa:

    Fechei a minha casa, onde tinha enfermaria. Entraram l 20 doentes de febre-

    amarela e sairam 21 cadveres, incluindo o de minha espsa.

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    Todavia os mdicos Magalhes, Monteiro e Souto afirmaram haver observado,anteriormente, alguns casos com sintomatologia idntica, mas no os haviamdiagnosticado como de febre-amarela. Da a contestao feita por alguns autores,

    diminuindo a responsabilidade da importao do vrus pelo navio norte-americanoBrazil, na ecloso daquela epidemia.

    A triste realidade que de Salvador ste surto se propagou para o Norte e parao Sul do Pas.

    curiosa a notcia, evidentemente exagerada, que Edmond Gouy transcreveudo jornal Times de Londres, de 14 de fevereiro de 1850: Dos 140.000 habitantesexistentes na Bahia em 1849, crca de 135.000, isto , 96% da populao teve febre-amarela.

    Adrio Rebelo fz a estatstica dos amarelentos recebidos no Hospital de

    Monte Serrate no perodo de 1853 a 1859, dando o total de 1.837 doentes. E SilvaLima dizia em 1869, que a febre-amarela reaparecia anualmente, sendo maisfreqente nos meses de maro, abril e maio.

    E a procisso de So Francisco Xavier?

    J. da Silva Campos, que realizou interessantes pesquisas sbre essa procisso,disse que ela foi celebrada com regularidade at 1828. Seguiram-se anos de ingratoolvido, at que em 1855, irrompeu na Bahia uma epidemia de clera.

    Viveram dias de desespro prosseguiu Silva Campos semanas deimpiedosa ceifa de vidas. Nesta conjuntura angustiosa, o povo voltou-se novamente

    para o padroeiro da cidade, e foi restabelecida a procisso anual a 10 de maio, vindoa cair lentamente no esquecimento. At que em 1944, o culto de So FranciscoXavier foi de nvo revigorado pelo Prefeito de Salvador, Dr. Elsio Carvalho Lisba,que reassumiu o dever de realizar todos os anos aquela procisso, sob o encargo daPrefeitura.

    IV A PROPAGAO DA DOENA PELO PAS

    Os males ou bichas j tinham um nome definitivo: febre-amarela. GriffithHughes, quando escreveu a Histria Natural de Barbados, em 1750, empregou ste

    nome no sentido atual. A denominao, que foi logo aceita e adotada, era usadanaquela ilha para designar a infeco amarlica.

    No Brasil, os anos de 1849 a 1861 foram particularmente infaustos no quetange febre-amarela. Durante sse perodo a doena se propagou do norte ao sul doPas, eclodindo em quase tdas as Provncias do Imprio e levando-lhes a desolaoe o luto.

    Na sua propagao no obedeceu marcha contnua, conforme veremos aoestudar seu aparecimento. Invadiu primeiramente os portos martimos, seguindo, comraras excees, o caminho da navegao martima.

    Assim, no dia 18 de dezembro de 1849, chegou ao Recife, procedente daBahia, o brigue francs Alcyon. Perdera dois homens durante a travessia e

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    trouxera um doente que foi recolhido a um hospital particular, porm, quando foidiagnosticada sua enfermidade como febre-amarela, transportaram-no de volta para o

    barco. Providncia intil, pois outros casos de febre-amarela surgiram entre as

    tripulaes dos navios ancorados no prto e, em seguida, a epidemia espalhou-se pelacidade, causando 2.800 mortes.

    Do Recife propagou-se para o interior, sendo constatada, naquela ocasio, emPaudalho, Nazar, Vitria e Goiana.

    A 28 de dezembro do mesmo ano, procedente tambm da Bahia, a febre-amarelafoi diagnosticada no Rio de Janeiro. Encontrando condies propcias, permaneceu nacapital do Pas durante 59 anos, tornando-se, no dizer de Oswaldo Cruz, a tnica de

    Nessus que nos degradava e humilhava, ou segundo Manoel Vitorino, o pano negroque envolvia a grandeza do Brasil futuro.

    Quase ao mesmo tempo atingiu a cidade de Niteri, e logo se alastrou pordiversas localidades da Provncia do Rio de Janeiro, chegando, ento, at Campos.Martins Costa, referindo-se a essa Provncia, disse que a febre-amarela apareceu pela

    primeira vez em Niteri, em dezembro de 1849. Depois, perdendo o carter epidmico,a doena tomou a forma endmica e assim reinou, com maior ou menor intensidade,at o vero de 1861, quando quase se extinguiu.

    Em janeiro de 1850, um surto amarlico eclodiu no Par. No dia 24 aportara emBelm, vinda do Recife, a barca dinamarquesa Pollux, e dois dias depois a charruaPernambucana, da mesma procedncia, tambm com doentes a bordo.

    Disse Arthur Vianna que, naquela ocasio, ainda ignoravam no Par quehouvesse febre-amarela em Pernambuco. Por esta razo as autoridades sanitrias nopuseram dificuldades para que as embarcaes fundeassem e se comunicassem com aterra. O comandante da Pollux, para evitar a quarentena, informou que nada havia deanormal no prto do Recife.

    Quanto charrua Pernambucana, que o Govrno mandara ao Par a fim detransportar madeira para construo naval, tinha limpa a carta de sade, pelo que semmais demora teve franqueada sua entrada no prto.

    Entretanto, dois marinheiros haviam chegado doentes na barca dinamarquesa, eforam levados para um hospital de caridade, onde faleceram.

    Quando foi feito o diagnstico de febre-amarela, as autoridades obrigaram aPollux a partir dentro de 24 horas, enquanto que a Pernambucana foi mandada

    para o Lazareto de Tatuoca. Estas providncias de nada valeram, pois a molstia jestava desembarcada.

    Em relatrio oficial o Presidente da Provncia contou os fatos de maneiradiferente, procurando, sem dvida, atenuar sua responsabilidade. Registrou que denada valeram as medidas preventivas, tanto as de polcia do prto, quanto as daquarentena, que haviam sido estabelecidas.

    De qualquer maneira, com ou sem quarentena, a febre-amarela instalou-se em

    Belm. No incio a morbidade foi grande e a mortalidade pequena. S de maro

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    em diante, segundo consta do relatrio, a mortandade diria apresentou um quadroaflitivo de consternao e de dor; e o terror e o susto foi geral.

    Ficaram paralizados os negcios pblicos e particulares; ocupavam-se todos emsepultar os mortos e cuidar dos enfermos. A partir de maio, entretanto, diminuiu aintensidade do flagelo e, em julho, j estava restrito aos indivduos procedentes dointerior ou de fora da Provncia.

    Os dados estatsticos que possumos revelam ter sido muito elevada amorbidade, durante aqule surto. Assim, em uma populao de 16.000 habitantes, teriahavido 12.000 doentes e 593 bitos. Estas cifras representam o elevadssimo ndice demorbidade de 75%, e um baixo coeficiente de letalidade de 4,9%.

    O naturalista ingls Henry Walter Bates chegou a Belm em 1851, encontrandoa cidade, dantes salubre e alegre, desolada por terrveis epidemias. Grassavam na

    cidade a febre-amarela e a varola. O mal amarlico ainda se prolongava depois de tervitimado quase cinco por cento da populao. Registrou que entre as medidassanitrias tomadas pelo Govrno, havia uma muito singular, de dar tiros de canho nasesquinas das ruas para purificar o ar. Bates ouviu de algumas pessoas que durantevrias tardes sucessivas, antes de irromper a febre, a atmosfera era densa, e que umescuro nevoeiro acompanhado de forte bodum, ia de rua. ste vapor foi chamado moda peste, e era intil procurar persuadi-las da convico de que le fsse precursor da

    pestilncia.

    A febre-amarela instalou-se em Belm, a permanecendo durante mais de meiosculo. De acrdo com a estatstica feita por Arthur Vianna, no perodo de janeiro de1850 a 30 de junho de 1906, morreram desta doena 5.205 pessoas na cidade deBelm.

    De Belm, a infeco amarlica passou a Soure, depois a Vigia, Cintra, SoCaetano de Odivelas, prosseguindo pela costa rumo ao Maranho, seguindo o trajetodos barcos a vela que faziam a navegao costeira.

    Quase na mesma ocasio em que eclodiu no Par, a febre-amarela surgiu emAlagoas. O Presidente daquela Provncia tambm relatou que no obstante as cautelastomadas com as embarcaes que chegavam, mandando-as ficar de quarentena, emmeados de janeiro de 1850 algumas pessoas comearam a ser acometidas de febres

    que mais tarde se revelaram malignas. A epidemia assumiu grandes propores,sendo ento designados dois mdicos para atenderem aos pobres.

    De Macei, a febre-amarela logo se propagou a So Miguel, onde causouhorrveis estragos, a Penedo e a Passo do Camaragibe.

    No acreditando nas medidas profilticas que, conforme os relatrios oficiais,teriam sido intilmente postas em prtica em Belm e em Macei, Pereira do Rego, daAcademia Imperial de Medicina, assim se expressou: Sempre se fizeram quarentenasentre ns; depois do mal estar conosco.

    Em fevereiro daqule ano, a infeco penetrou na Provncia da Paraba,

    transportada de Pernambuco, onde continuava a ceifar muita gente no mar, pormpouca em terra. Alguns anos mais tarde vamos encontr-la no interior, como

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    revela o relatrio que, em 1859, o Dr. Firmino Vital de Oliveira apresentou aoPresidente da Provncia, tratando longamente de um surto de febre-amarela que haviairrompido na Serra do Pontes, pertencente Vila de Campina Grande.

    Ainda em 1850 foi diagnosticada em Sergipe, inicialmente na cidade deItabaiana, uma febre igual da Bahia.

    No Rio Grande do Sul, segundo apontamentos existentes no Livro de PessoasLivres, foi sepultado a 6 de abril de 1850, no Campo Santo do Cemitrio de Azenha, ocadaver de J. D. por se dizer que tinha morrido de febre-amarela.

    J a 18 de maio de 1850, a doena havia atingido o prto de Santos, na Provnciade So Paulo, transportada por um navio que chegara do Rio. Tomou logo um carterepidmico e o Provedor de Sade daquela cidade informava que ela se propagara entoa Iguape e Ubatuba. Smente a 20 de maio de 1852 iria eclodir mais para o Sul, no

    prto de Paranagu. A cidade de Santos tornou-se o principal foco de febre-amarela doEstado. Dali se propagou atravs de levas de imigrantes e de pessoas residentes nointerior, e que indo quele prto contraam a doena e a levavam para suas casas.

    Smente a partir de setembro de 1850, que a doena foi registrada no RioGrande do Norte, em Natal, Ass e outras localidades do interior.

    A Provncia do Esprito Santo foi assolada pela febre-amarela em novembro de1850, provvelmente importada de Campos, onde grassava com intensidade.

    Quanto ao Maranho, no h informes exatos sbre a data em que surgiram osprimeiros casos de febre-amarela. Relatou Castro Carreira que smente em maro de

    1851 as autoridades sanitrias de Fortaleza tiveram notcias do aparecimento da doenaem So Luiz, e acrescentou: notcia esta que s se vulgarizou muito depois de suaexistncia, porque os mdicos daquela cidade ocultaram por longo tempo de seushabitantes o verdadeiro carter da molstia, para os familiarizar com seu terrvelhspede.

    Trs meses depois era a febre-amarela diagnosticada no Cear. No ficou bemesclarecida a forma como penetrou nessa Provncia.

    Atriburam-na a um passageiro doente que chegou a Fortaleza no dia 4 de junhode 1851, no vapor So Sebastio, procedente do Norte. Castro Carreira, entretanto,contestou esta verso, afirmando que no dia primeiro do ms, j havia atendido adoentes com vmitos prtos. Porm, s depois que se multiplicaram os casos, que foifeito o diagnstico de febre-amarela.

    O surto epidmico teve incio no centro da cidade; da se alastrou para ossubrbios e, mais tarde, para o interior sendo confirmada em Aquiraz, Soure,Maranguape, Quixaramobim, Aracati, Cascavel, So Bernardo, Baturit, Ic e Sobral.

    Pela estatstica apresentada por Castro Carreira, a populao de Fortaleza eraento de 41.400 habitantes, dos quais 28.490 adoeceram e 919 faleceram no perodo de1851 a 1852.

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    Aqule mdico, que era um fervoroso adepto da homeopatia, tratou 2.286 doentesna capital e em vrias cidades do interior, afirmando que a letalidade entre stes foi deapenas 2 a 4%, enquanto que a registrada nos hospitais, onde era ministrado o tratamento

    aloptico, foi de 10 a 12%.Em maio de 1852, mais uma Provncia seria infetada: a de Santa Catarina. Com

    efeito, naquele ano o navio Imperador transportou a febre-amarela do Rio paraFlorianpolis. Todavia aqule primeiro surto epidmico teve pequenas propores,causando apenas 31 bitos, o que foi atribudo sua chegada na estao fresca.

    O Amazonas, ao que parece, ficou livre do flagelo at 1856, sendo que o primeirocaso diagnosticado foi o de um ndio, menor, na cidade de Manaus. Sbre esta epidemiaficou registrado, ao contrrio do que sucedeu nas outras Provncias, que a doena era demaior gravidade e, conseqentemente, era maior a mortalidade entre os aclimatados do que

    entre os estrangeiros.A Provncia do Piau foi visitada pela primeira vez pela febre-amarela, em setembro

    de 1861, na cidade de Parnaba.

    S mais tarde a infeco amarlica iria atingir Minas, Gois e Mato Grosso, que nodispunham de comunicaes fceis com os portos martimos, ainda redutos preferidos pelovrus, e que eram ento os focos de irradiao da doena.

    Nos anos subseqentes, numerosas epidemias de febre-amarela foram assinaladasem pontos diversos do Pas. E depois de quase um sculo de luta, quando finalmente ovrus foi expulso das cidades, encontraram-no radicado nas selvas, onde se acha at hoje.

    V SUSPEITAS DE FEBRE-AMARELA NO RIO DE JANEIRO

    Houve quem afirmasse haverem ocorrido surtos de febre-amarela no Rio, antes daepidemia de 1849. Todavia no encontramos fundamentos para confirmar esta assero.

    Febres grassaram no Rio, nos tempos antigos. Assim no incio do sculo XIXquando o Prncipe Regente D. Joo se refugiou no Brasil, as febres eram a molstia maisfreqente e geral na cidade do Rio de Janeiro; prem pouco se sabe sbre elas mngua dedocumentos, e porque, conforme salientou Torres Homem, os estudos se ressentiam doserros e das lacunas que pesavam sbre a medicina de eras to remotas.

    Em 1811, ocorreu na Crte um surto de febre com extravaso biliosa, que osmdicos e leigos deram o nome de ictercia preta, sem que, entretanto, disse PereiraRgo, nenhum dos distintos e antigos prticos aqui existentes a considerasse como febre-amarela. Todavia houve quem a chamasse de febres-amarelas devido amarelido geralque provocavam nos pacientes.

    Em 1813, surgiram as febres biliosas e as hepatites.

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    parava um Dicionrio de Plantas Usuais e Medicinais do Brasil, que, infelizmente, nochegou a concluir.

    Em meio de tanta atividade, ficara cansado e doente. E no dia 10 de outubro de1856, faleceu aos 60 anos de idade, depois de longa enfermidade.

    Na obra que lhe deu renome internacional, h um captulo sbre a febre-amarela,no qual esto descritos os casos por le diagnosticados como sendo de febre-amarelaespordica, ocorridos no Rio, antes da epidemia de 1849.

    Numa tentativa de elucid-los, procuramos conhecer os histricos daquelescinco doentes, que damos, resumidamente, a seguir:

    1. caso.Foi o de um francs dado a excessos de trabalho e de mesa que, no dia12 de janeiro de 1828, sentiu fortes dores na cabea, nas costas e no hipocndriodireito; em seguida teve calafrios, epistaxes e vmitos cr de chocolate. Chamado omdico, ste praticou-lhe abundante sangria no brao. No dia seguinte continuaram afebre, os vmitos escuros e as epistaxes; j era visvel a ictercia e sobrevierammeteorismo e supresso da urina. O tratamento, nesse dia, consistiu em afuses degua fria sbre a fronte, banho geral, vesicatrios nas pernas, lavagens purgativas,aplicao de sanguessugas sbre o hipocndrio direito e nus, frices aromticas,alm da administrao de sulfato de quinina e de bebidas gasosas. A noite, mais umasangria geral.

    Na manh do dia 14, houve um momento de melhora e logo redobraram-se osvmitos, acentuou-se a ictercia e sobrevieram delrios, convulses, e noite de 14

    para 15 faleceu.A apario sbita desde o como da doena concluiu Sigaud de epistaxes,ictercia, vmitos achocolatados, a continuidade da febre, a supresso da urina fizeram-me admitir a suspeita de uma febre-amarela espordica.

    Diante dessa suspeita, Sigaud, na presena de Drs. Cuissard e Faivre, praticou anecropsia, realizando apenas o exame macroscpico.

    Encontrou o fgado hipertrofiado, tendo o lobo superior, em tda a superfcie daconvexidade correspondente ao diafragma, no primeiro grau de degeneraogordurosa. O lobo esquerdo frivel, esponjoso, infiltrado de sangue. A vesculacontinha bile de cr escura, semelhante do sangue alterado. O estmago, aumentadode volume, tinha na sua grande curvatura uma placa de cr plumbea, de uma polegadae meia de superfcie; o piloro estava rodeado de placas da mesma cr. Encontroualgumas onas de um lquido achocolatado no interior do duodeno, inflamado em tdaa extenso da mucosa; ste lquido viscoso achava-se em maior quantidade no resto docanal intestinal que, a intervalos, apresentava alguns pontos fortemente injetados.Havia hipertrofia gordurosa do epploo gastroheptico. Os rins no estado normal e a

    bexiga quase vasia.

    Outros detalhes no interessam ao caso.

    2. caso.No dia 1. de maro de 1828 chamaram Dr. Sigaud para ver um francs

    que viera transportado de 15 lguas de distncia do Rio. Encontrou-o moribundo, dacr do aafro e delirando. No tinha vmitos, mas evacuava um

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    lquido escuro com grumos de sangue negro. No fim de 24 horas faleceu em meio deconvulses tetnicas.

    Havia a suspeita de que sse homem j tivesse contrado a febre-amarela ha 12anos, em Filadlfia.

    Branger-Fraud registrou que, em 1816, foram assinalados alguns casos defebre-amarela em Filadlfia e Nova York. A doena j vinha ocorrendo naquelacidade, todos os anos, desde 1813.

    3. caso. Sem a data da ocorrncia. Um comerciante portugus, aps umalibao com vinho do Prto, o que fazia com freqncia, teve vmitos escuros.Seguiram-se febre, epistaxes, ictercia e delrios. Smente no fim da terceira semanaentrou em convalescena; a ictercia, no entanto, permaneceu por longo tempo.

    4. caso.Em maio de 1839, Sigaud foi chamado para ver o capito de um navioamericano. Estava no quarto dia da doena. Nada pde fazer, pois le morreu nomesmo dia. No descreveu os sintomas apresentados pelo paciente. Dr. Lee, mdicoque o assistiu, fz o diagnstico de pirexia ictrica.

    5. caso. Um ourives dinamarqus apanhou, em 1842, uma febre ictercia.Havia suspeita de que sofresse de uma doena do peito, e alm disso, tinha umabcesso a margem do nus. Teve febre, epistaxes freqentes e poucos vmitos cr dechocolate. Restabeleceu-se da febre, porm no sabemos aps quantos dias.

    Em que pese nossa admirao e respeito pelo ilustre mdico, devemos confessarque no encontramos, na descrio daqueles casos, elementos que nos permitam

    concluir que fssem de febre-amarela.Alm disso, como admitirmos a permanncia do vrus amarlico, durante longos

    anos, junto a uma populao altamente receptiva e na presena doAedes aegypti, semque a doena se propagasse? Logo depois que foram realmente constatados os

    primeiros casos, ela se propagou com rapidez alarmante pela cidade, atingindo a maisda metade da populao.

    Alis, o prprio Sigaud no parecia seguro dsses diagnsticos, tanto assim queos justificou alegando que os fatos descritos eram pouco concludentes devido exigidade dos detalhes. Sua inteno principal, e por sinal muito louvvel, foidespertar a ateno dos mdicos para a possibilidade da ocorrncia do mal amarlico nacapital do Pas.

    Os clnicos do Rio, na primeira metade do sculo XIX, ainda no haviam sefamiliarizado com a febre-amarela. A trgica experincia iriam ter smente a partir dedezembro de 1849.

    Ainda hoje nem sempre fcil o diagnstico clnico da febre-amarela, que sepresta a confuso com vrias outras enfermidades. No so raros os casos assimdiagnosticados, que o exame histopatolgico do fgado no confirma.

    Na pgina 168 do seu livro, Sigaud negou que fsse de febre-amarela a epidemiadescrita por Joo Ferreira da Rosa, no clebre Tratado nico da ConstituioPestilencial de Pernambuco. Acreditava o medico francs que fsse uma disenteriaepidmica.

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    So estas as suas palavras: En 1686, une maladie epidmique se declara auRecife; elle moissonna plus de deux mille personnes. Les Portugais donnrent a cettemaladie le nom de bicha. Je crois que la maladie n'tait autre que la dyssenterie.

    Lpidmie se propagea dOlinda Bahia, ou elle enlevait de vingt a trente blancspar jours, surtout parmis les marins.

    Podemos deduzir por estas palavras de Sigaud, negando fatos que hoje nosparecem evidentes, que naquela poca era bastante inseguro o diagnstico da febre-amarela, quando a patognese da infeco no estava suficientemente esclarecida,quando supunham que a ictercia e o vmito negro fssem sintomas iniciais, aindaeram incertos os conhecimentos sbre a evoluo da doena e a anatomia patolgica.

    VI A PRIMEIRA EPIDEMIA DE FEBRE-AMARELA

    NO RIO DE JANEIRO

    Na segunda quinzena de novembro de 1849 partiu, com 9 homens detripulao, de Salvador (Bahia) para o Rio de Janeiro onde chegou a 3 de dezembro,aps doze dias de viagem, a barca norte-americana Navarre. Nada constando sobreo surto de febre-amarela que estava grassando naquela cidade, teve o navio livre

    prtica no prto. A notcia da epidemia chegou ao Rio smente a 13 de dezembro,pelo navio-de-guerra D. Afonso. Alguns dias depois, o consignatrio da barcaNavarre vendeu-a, amedrontado com a enfermidade que grassava a bordo. A

    tripulao dispersou-se, sendo que alguns foram morar na hospedaria de umamericano chamado Frank, na rua da Misericrdia.

    A 28 de dezembro, quando o mdico alemo Roberto Cristiano BertoldoLallement fazia a visita habitual na enfermaria dos estrangeiros no Hospital da SantaCasa, sua ateno voltou-se para dois doentes, os marinheiros Anderson e Enquist,que estavam febris, ictricos, vomitando um lquido escuro; tinham soluos oligria.Um morreu noite; o outro, no dia seguinte. O sueco Anderson, ex-tripulante doNavarre, morava na hospedaria de um tal Frank; o finlands Enquist, que viera no

    brigue russo Wolga, hospedara-se numa casa da ladeira do Castelo, que ficavaatrs daquela hospedaria, e era freqentador da estalagem de Frank.

    Diante da sintomatologia apresentada, Lallement diagnosticou os casos comosuspeitos de febre-amarela. Seu diagnstico foi considerado imprudente pelos colegase le mesmo j comeava a compartilhar dessa opinio; quando nos dias 4, 5 e 7 de

    janeiro, deram entrada na Santa Casa mais trs marinheiros com sintomas da mesmadoena, e que moravam na rua da Misericrdia.

    Investigando a procedncia dos doentes, Lallement foi casa de Frank e aliteve conhecimento de que havia mais quatro doentes naquela hospedaria, sendo quedois dstes haviam chegado pelo vapor D. Pedro, tambm da Bahia.

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    Aquela classe de estabelecimentos, constituda por um misto de hospedaria etaberna, era chamada ,public-house, denominao que o povo abrasileirou para"pubiicaus.

    A public-house de Frank tomada, geralmente, como ponto de partida daepidemia porque nela se hospedava am dos dois primeiros doentes a serem vistos, e aliforam encontrados outros doentes no incio da epidemia.

    Pedro Nava, em 1948, procurou localizar o quarteiro onde nasceu a febre-amarela e de onde ela investiu sbre o Rio de Janeiro. Aqule quarteiro eracircunscrito pela rua de So Jos, pela ladeira do Castelo, pela rua do Cotovelo e pelarua da Misericrdia; Encontrou-o quase completamente arrasado para dar lugar asobras de urbanizao.

    No dia seguinte, 8 de janeiro de 1850, o mdico alemo, convencido da

    existncia do mal amarlico no Rio de Janeiro, julgou do seu dever notific-lo aoProvedor da Santa Casa. Este oficiou ao Ministro do Imprio, sendo ento convocada aAcademia Imperial de Medicina para pronunciar-se sobre a notificao de Lallement.Com exceo de Dr. Noronha Feital que relatou o casa de um doente que falecera nodia 29 de dezembro no Hospital da Marinha, com sintomas de febre-amarela, todos osdemais membros da Academia opinaram pela no confirmao da existncia destadoena no Rio de Janeiro.

    Um dos membros da Academia Imperial de Medicina, Jose Pereira Rgo, assimjustificou, mais tarde, a atitude daquela Casa:

    Os fatos conhecidos pela Academia eram ainda muito poucos para que pudesseela logo dar uma opinio quer a respeito da sua semelhana com a da Bahia, quer arespeito de sua ndole especial.

    Enquanto isso, os casos se multiplicavam. Adoeceram quase todos os inquilinosda hospedaria de Frank, os moradores de duas estalagens de marinheiros que ficavam

    prximas e algumas pessoas que estiveram nessas casas. Lallement diagnosticou maisdezoito casos do ms de janeiro.

    No era possvel desconhecer, par mais tempo, a existncia da febre-amarela noRio. S ento, em sesso da Academia Imperial de Medicina realizada em princpio defevereiro, foi oficialmente admitida sua existncia na capital do Pais.

    Ela j se havia instalado na rua da Misericrdia e adjacncias, nascircunvizinhanas das praias dos Mineiros e do Peixe, e j surgia para as bandas daPrainha e da Sade, de modo que a molstia conforme observou Pereira Rego

    pareceu desenvolver-se com pouca diferena de tempo, por trs pontos diversos,colocados na parte litoral da cidade.

    Desses trs pontos se propagou da seguinte maneira:

    O foco da Misericrdia seguiu pelas ruas So Jos, Assemblia, Guarda Velha eAjuda, onde se bifurcou para a Lapa, Catete, chegando zona sul e indo at a LagoaRodrigo de Freitas e, por outro lado seguiu para a Tijuca pelas ruas do Riachuelo e

    Haddock Lobo.

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    O foco das Praias dos Mineiros e do Peixe ganhou a rua 1. de Maro e da ocentro da cidade.

    O foco da Prainha e Sade caminhou para a zona norte, chegando a Inhama eIraj.

    Essa a forma descrita de como se deu a invaso da febre-amarela no Rio deJaneiro. Evidentemente passvel de crtica, mas nos d uma idia de como foi acidade tomada pelo vrus amarlico.

    O Govrno, compartilhando do terror que invadiu a populao, ps de ladoconsideraes de qualquer ordem e tendo em mira a defesa da sade pblica, comeoua submeter a quarentena todos os navios que se pudessem considerar como focos deinfeco, estabeleceu a visita diria dsses navios feita por dois mdicos, proibiu quefssem removidos para os hospitais da cidade os indivduos acometidos pela febre-

    amarela, instalou um lazareto provisrio na Ilha do Bom Jesus dos Frades, distante dacidade, e para le iam diretamente os doentes que enfermavam a bordo, determinou avisita diria dos hotis, hospedarias e tavernas pela polcia, etc. etc.

    Apesar de tdas essas medidas a epidemia foi tomando vulto, cada vez maior,invadindo quase tda a cidade. Nessas condies viu o Govrno que era preciso agircom mais energia, determinando providncias de outra natureza e outro alcance.

    Foi ento constituda pelo Ministro de Estado dos Negcios do Imprio,Visconde de MontAlegre, uma Comisso Central de Sade Pblica composta de um

    presidente e de nove membros, a qual da por diante deveria ser consultada em tdas as

    questes que dissessem respeito a epidemia.O Presidente era Dr. Cndido Borges Monteiro, sendo os demais componentesDrs. Manoel de Valado Pimentel, Roberto Jorge Haddock Lbo, Antonio FelixMartins, Jos Maria de Noronha Feital, Jos Bento da Rosa, Jos Pereira Rgo, LuizVicente de Simoni, Jos Francisco Xavier Sigaud e Joaquim Jos da Silva.

    Aps algumas reunies a Comisso Central recebeu o seguinte Aviso:

    Aviso N. 10 de 14 de fevereiro de 1850

    Manda observar as providncias organizadas para prevenir e atalharo progresso da febre-amarela

    Sendo presente a Sua Majestade o Imperador o trabalho da Comisso Central deSade Pblica, que acompanhou o ofcio de V. S. de 12 do corrente: Houve por bemdeterminar que