01 - UMA DESCRIÇÃO DENSA

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CAPITULO 1 Uma Descrição Densa: Por uma Teoria Interpretativa da Cultura 1 Em seu livro Phiosophy in a New Key, Susanne Langer observa que certas idéias surgem com tremendo ímpeto no panorama intelectual. Elas solucionam imediatamente tantos problemas fundamentais que parecem prometer também resolver todos os problemas fundamen tais, esclarecer todos os pontos obscuros. Todos se agarram a elas como um “abre-te sésamo” de alguma nova ciência positiva, o ponto central em termos conceituais em torno do qual pode ser construído um sisteifia de análise abrangente. A moda repentina de tal grande idée, que exclui praticamente tudo o mais por um momento, deve-se, diz ela, “ao fato de todas as mentes sensíveis e ativas se voltarem logo para explorá-la. Utilizamo-la em cada conexão, para todos os propó sitos, experimentamos cada extensão possível de seu significado pre ciso, com generalizações e derivativos.” Entretanto, ao nos familiarizarmos com a nova idéia, após ela se tornar parte do nosso suprimento geral de conceitos teóricos, nossas expectativas são levadas a um maior equilíbrio quanto às suas reais utilizações, e termina a sua popularidade excessiva. Alguns fanáticos persistem em sua opinião anterior sobre ela, a “chave para o univer so”, mas pensadores menos bitolados, depois de algum tempo, fi xam-se nos problemas que a idéia gerou efetivamente. Tentam apli cá- la e ampliá-la onde ela realmente se aplica e onde é possível ex pandi-la, desistindo quando ela não pode ser aplicada ou ampliada. Se foi na verdade uma idéia seminal, ela se torna, em primeiro lugar, 14 A INTERPRETAÇÃO DAS CULTURAS POR UMA TEORIA INTERPRETATIVA DA CULTURA 15 parte permanente e duradoura do nosso arsenal intelectual. Mas não tem mais o escopo grandioso, promissor, a versatilidade infinita de aplicação aparente que um dia teve.

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CAPITULO 1

CAPITULO 1

Uma Descrio Densa:

Por uma Teoria Interpretativa da Cultura

1

Em seu livro Phiosophy in a New Key, Susanne Langer observa que certas idias surgem com tremendo mpeto no panorama intelectual. Elas solucionam imediatamente tantos problemas fundamentais que parecem prometer tambm resolver todos os problemas fundamen tais, esclarecer todos os pontos obscuros. Todos se agarram a elas como um abre-te ssamo de alguma nova cincia positiva, o ponto central em termos conceituais em torno do qual pode ser construdo um sisteifia de anlise abrangente. A moda repentina de tal grande ide, que exclui praticamente tudo o mais por um momento, deve-se, diz ela, ao fato de todas as mentes sensveis e ativas se voltarem logo para explor-la. Utilizamo-la em cada conexo, para todos os prop sitos, experimentamos cada extenso possvel de seu significado pre ciso, com generalizaes e derivativos.

Entretanto, ao nos familiarizarmos com a nova idia, aps ela se tornar parte do nosso suprimento geral de conceitos tericos, nossas expectativas so levadas a um maior equilbrio quanto s suas reais utilizaes, e termina a sua popularidade excessiva. Alguns fanticos persistem em sua opinio anterior sobre ela, a chave para o univer so, mas pensadores menos bitolados, depois de algum tempo, fi xam-se nos problemas que a idia gerou efetivamente. Tentam apli c-la e ampli-la onde ela realmente se aplica e onde possvel ex pandi-la, desistindo quando ela no pode ser aplicada ou ampliada. Se foi na verdade uma idia seminal, ela se torna, em primeiro lugar,

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parte permanente e duradoura do nosso arsenal intelectual. Mas no tem mais o escopo grandioso, promissor, a versatilidade infinita de aplicao aparente que um dia teve. A segunda lei da termodinmica ou princpio da seleo natural, a noo da motivao inconsciente ou a organizao dos meios de produo no explicam tudo, nem mesmo tudo o que humano, mas ainda assim explicam alguma coi sa. Nossa ateno procura isolar justamente esse algo, para nos des vencilhar de uma quantidade de pseudocincia qual ele tambm deu origem, no primeiro fluxo da sua celebridade.

No sei se exatamente dessa forma que todos os conceitos cientficos basicamente importantes se desenvolvem. Todavia, esse padro se confirma no caso do conceito de cultura, em torno do qual surgiu todo o estudo da antropologia e cujo mbho essa matria tem se preocupado cada vez mais em limitar, especificar, enfocar e con ter. justamente a essa reduo do conceito de cultura a uma dimen so justa, que realmente assegure a sua importncia continuada em vez de debilit-lo, que os ensaios abaixo so dedicados, em suas dife rentes formas e direes. Todos eles argumentam, s vezes de forma explcita, muitas vezes simplesmente atravs da anlise particular que desenvolvem, em prol de um conceito de cultura mais limitado, mais especializado e, imagino, teoricamente mais poderoso, para substi tuir o famoso o todo mais complexo de E. B. Tylor, o qual, embo ra eu no conteste sua fora criadora, parece-me ter chegado ao pon to em que confunde muito mais do que esclarece.

O pantanal conceptual para o qual pode conduzir a espcie de teorizao pot-au-feu tyloriana sobre cultura evidente naquela que ainda ums das melhores introdues gerais antropologia, o Mi ror for Man, de Clyde Kluckhohn. Em cerca de vinte e sete pginas do seu captulo sobre o conceito, Kluckhohn conseguiu definir a cultura como: (1) o modo de vida global de um povo; (2) o legado social que o indivduo adquire do seu grupo; (3) uma forma de pensar, sentir e acreditar; (4) uma abstrao do comportamento; (5) uma teoria, elaborada pelo antroplogo, sobre a forma pela qual um grupo de pessoas se comporta realmente; (6) um celeiro de aprendi zagem em comum; (7) um conjunto de orientaes padronizadas para os problemas recorrentes; (8) comportamento aprendido; (9) um mecanismo para a regulamentao normativa do comporta mento; (10) um conjunto de tcnicas para se ajustar tanto ao am biente externo como em relao aos outros homens; (11) um preci pitado da histria, e voltando-se, talvez em desespero, para as com paraes, como um mapa, como uma peneira e como uma matriz. Diante dessa espcie de difuso terica, mesmo um conceito de cultu ra um tanto comprimido e no totalmente padronizado, que pelo menos seja internamente coerente e, o que mais importante, que te-

nha um argumento definido a propor, representa um progresso (co mo, para ser honesto, o prprio Kluckhohn perspicazmente com preendeu). O ecletismo uma autotrustrao, no porque haja so mente uma direo a percorrer com proveito, mas porque h muitas:

necessrio escolher.

O conceito de cultura que eu defendo, e cuja utilidade os ensaios abaixo tentam demonstrar, essencialmente semitico. Acreditando, como Max Weber, que o homem um animal amarrado a teias de significados que ele mesmo teceu, assumo a cultura como sendo essas teias e a sua anlise; portanto, no como uma cincia experimental em busca de leis, mas como uma cincia interpretativa, procura do significado. justamente uma explicao que eu procuro, ao cons truir expresses sociais enigmticas na sua superflcie. Todavia, essa afirmativa, uma doutrina numa clusula, requer por si mesma uma explicao.

II

O operacionismo como dogma metodolgico nunca fez muito sen tido no que concerne s cincias sociais e, a no ser por alguns cantos j bem varridos o behavorismo skinneriano, os testes de inteli gncia, etc. est agora praticamente morto. Todavia, e apesar disso, ela teve um papel importante e ainda tem uma certa fora, qualquer que seja a fora que sintamos ao tentarmos definir o carisma ou a alienao em termos de operaes: se voc quer compreender o que a cincia, voc deve olhar, em primeiro lugar, no para as suas teo rias ou as suas descobertas, e certamente no para o que seus apolo gistas dizem sobre ela; voc deve ver o que os praticantes da cincia fazem.

Em antropologia ou, de qualquer forma, em antropologia so cial, o que os praticantes fazem a etnografia. E justamente ao compreender o que a etnografia, ou mais exatamente, o que a pr tica da etnografia, que se pode comear a entender o que representa a anlise antropolgica como forma de conhecimento. Devemos fri sar, no entanto, que essa no uma questo de mtodos. Segundo a opinio dos livros-textos, praticar a etnografia estabelecer relaes, selecionar informantes, transcrever textos, levantar genealogias, ma pear campos, manter um dirio, e assim por diante. Mas no so es sas coisas, as tcnicas e os processos determinados, que definem o empreendimento. O que o define o tipo de esforo intelectual que ele representa: um risco elaborado para uma descrio densa, to mando emprestada uma noo de Oilbert Ryle.

A discusso de Ryle sobre descrio densa aparece em dois recentes ensaios de sua autoria (ora reimpressos no segundo volume

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de seus Collected Papers) e dirigida ao tema genrico sobre o que, como ele diz, o Le Penseur est fazendo: Pensando e Refletindo e O Pensar dos Pensamentos. Vamos considerar, diz ele, dois garo tos piscando rapidamente o olho direito. Num deles, esse um tique involuntrio; no outro, uma piscadela conspiratria a um amigo. Como movimentos, os dois so idnticos; observando os dois sozi nhos, como se fosse uma cmara, numa observao fenomenalis ta, ningum poderia dizer qual delas seria um tique nervoso ou uma piscadela ou, na verdade, se ambas eram piscadelas ou tiques nervo sos. No entanto, embora no retratvel, a diferena entre um tique nervoso e uma piscadela grande, como bem sabe aquele que teve a infelicidade de ver o primeiro tomado pela segunda. O piscador est se comunicando e, de fato, comunicando de uma forma precisa e es pecial: (1) deliberadamente, (2) a algum em particular, (3) transmi tindo uma mensagem particular, (4) de acordo com um cdigo so cialmente estabelecido e (5) sem o conhecimento dos demais compa nheiros. Conforme salienta Ryle, o piscador executou duas aes

contrair a plpebra e piscar enquanto o que tem um tique nervoso apenas executou uma contraiu a plpebra. Contrair as plpebras de propsito, quando existe um cdigo pblico no qual agir assim signi fica um sinal conspiratrio, piscar. tudo que h a respeito: uma partcula de comportamento, um sinal de cultura e voil! um ges to.

Todavia, isso apenas o princpio. Suponhamos, continua ele, que haja um terceiro garoto que, para divertir maliciosamente seus companheiros, imita o piscar do primeiro garoto de uma forma propositada, grosseira, bvia, etc. Nturalmente, ele o faz da mesma maneira que o segundo garoto piscou e com o tique nervoso do pri meiro: contraindo sua plpebra direita. Ocorre, porm, que esse ga roto no est piscando nem tem um tique nervoso, ele est imitando algum que, na sua opinio, tenta piscar. Aqui tambm existe um c digo socialmente estabelecido (ele ir piscar laboriosamente, supe robviamente, talvez fazendo uma careta os artificios habituais do mmico), e o mesmo ocorre com a mensagem. S que agora no se trata de uma conspirao, mas de ridicularizar. Se os outros pensa rem que ele est realmente piscando, todo o seu propsito vai por gua abaixo, embora com resultados um tanto diferentes do que se eles pensassem que ele tinha um tique nervoso. Pode ir-se mais alm:

em dvida sobre sua capacidade de mmica, o imitador pode praticar em casa, diante de um espelho, e nesse caso ele no est com um ti que nervoso, nem piscando ou imitando ele est ensaiando. Entre tanto, para a cmara, um behavorista radical ou um crente em sen tenas protocolares, o que ficaria registrado que ele est contraindo rapidamente sua plpebra direita, como os dois outros. As complexi

dades so possveis, se no praticamente infindveis, pelo menos do ponto de vista da lgica. O piscador original poderia, por exemplo, estar apenas fingindo, para levar outros a pensarem que havia uma conspirao, quando de fato nada havia, e nesse caso nossas descri es do que o imitador est imitando e o ensaiador ensaiando mudam completamente. O caso que, entre o que Ryle chama de descrio superficial do que o ensaiador (imitador, piscador, aquele que tem o tique nervoso...) est fazendo (contraindo rapidamente sua pl pebra direita) e a descrio densa do que ele est fazendo (prati cando a farsa de um amigo imitando uma piscadela para levar um inocente a pensar que existe uma conspirao em andamento) est o objeto da etnografia: uma hierarquia estratificada de estruturas sig nificantes em termos das quais os tiques nervosos, as piscadelas, as falsas piscadelas, as imitaes, os ensaios das imitaes so produzi dos, percebidos e interpretados, e sem as quais eles de fato no existi riam (nem mesmo as formas zero de tiques nervosos as quais, como categoria cultural, so tanto no-piscadel como as piscadelas so no-tiques), no importa o que algum fizesse ou no com sua pr pria plpebra.

Como tantas historietas que os filsofos de Oxford gostam de inventar para eles mesmos, todo esse piscar, a imitao de piscar, a farsa da imitao do piscar, o ensaio da farsa da imitao de piscar, pode parecer um tanto artificial. Para acrescentar uma nota mais emprica, deixem-me dar, sem preced-lo deliberadamente de qual quer comentrio explicativo, um excerto no pouco tpico do meu prprio dirio de campo, para demonstrar que, mesmo aplainado para propsitos didticos, o exemplo de Ryle apresenta uma imagem extremamente correta do tipo de estruturas superpostas de infern cias e implicaes atravs das quais o etngrafo tem que procurar o seu caminho continuamente:

Os franceses (disse o informante) acabavam de chegar. Eles construram cerca de vinte pequenos fortes entre este local, a ci dade e a rea de Marmusha, no meio das montanhas, colocan do-os em promontrios de forma a poderem pesquisar o campo. Todavia, apesar disso eles no podem garantir a segurana, es pecialmente durante a noite, e assim, a despeito do mezrag, o pacto comercial, ter sido supostamente abolido do ponto de vista legal, na verdade tudo continua como antes.

Uma noite, quando Cohen (que fala berbere fluentemente) estava l em cima, em Marmusha, dois outros judeus que nego ciavam com uma tribo vizinha apareceram para comprar dele algumas mercadorias. Alguns berberes, de uma outra tribo vizi nha, tentaram penetrar na casa de Cohen, mas ele deu uns tiros para o ar com seu rifle. (Tradicionalmente, no era permitido

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aos judeus portarem armas, mas a situao era to nsegura na poca que alguns as adquiriam.) Isso atraiu a ateno dos fran ceses e os invasores fugiram.

Na noite seguinte, porm, eles voltaram, e um deles, disfar ado de mulher, bateu na porta, contando uma histria. Cohen desconfiou e no quis deix-la entrar, mas os outros judeus disseram, ora, est tudo bem, s uma mulher. Eles abriram a porta e todo o bando entrou; mataram os dois judeus visitan tes, mas Cohen conseguiu entrincheirar-se no aposento cont guo. Ele ouviu os ladres planejarem queim-lo vivo na loja, de pois de retirarem suas mercadorias; abriu a porta e, manobran do um cacete, como um louco, conseguiu escapar por uma jane

la.

Foi ento at o forte, para tratar seus ferimentos, e quei xou-se ao comandante local, um certo Capito Dumari, dizendo que queria ser ar, isto , quatro ou cinco vezes o valor da mer cadoria que lhe fora roubada. Os ladres eram de uma tribo ain d no submetida s autoridades francesas e estavam em rebe lio aberta contra elas, portanto ele pedia uma autorizao para ir com o seu portador-mezmg, o xeque tribal Marmusha, cobrar a indenizao a que tinha direito, segundo os regulamentos tradi. cionais. O Capito Dumari no podia dar-lhe uma permisso oficial para faz-lo, uma vez que havia uma proibio francesa para a relao mezrag, mas ele lhe deu uma autorizao verbal dizendo: Se voc for morto, o problema seu.

Assim, o xeque, o judeu e um pequeno grupo de Mar musha, armados, percorreram dez ou quinze quilmetros at a rea rebelde, onde naturalmente no havia franceses, e furtiva mente capturaram o pastor da tribo dos ladres e roubaram seus rebanhos. A outra tribo prontamente veio em sua perseguio, montados a cavalo, armados de rifles e prontos a atacar. Mas quandp viram quem eram os ladres de carneiros, pensaram melhor e disseram, muito bem, vamos conversar. Eles no po diam negar efetivamente o que acontecera que alguns dos seus homens haviam roubado Cohen e matado os dois visitantes e no estavam preparados para comear uma briga sria com os Marmushas, o que a luta com os invasores acarretaria. Assim, os dois grupos falaram, falaram, falaram, ali na plancie, entre os milhares de carneiros, e finalmente decidiram ressarcir os da nos com quinhentos carneiros. Os dois grupos berberes armados alinharam-se em seus cavalos, nos pontos opostos da plancie, com o rebanho de carneiros entre eles, e Cohen, com seu traje negro, chapu-coco e chinelos batendo, percorreu soznho o re

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banho, escolhendo um por um e, inteiramente vontade, os que ele achava melhor como pagamento.

Assim Cohen conseguiu seus carneiros e levou-os de volta a Marmusha. Os franceses, l no seu forte, escutaram-no chegar ainda a alguma distncia. (Ba, ba, ba, dizia Cohen, muito fe liz, relembrando o acontecido) e se perguntaram: Que diabo isso? E Cohen respondeu: Isto meu ar. Os franceses no podiam acreditar que ele fizera o que dizia e acusaram-no de ser espio dos berberes rebeldes, pondo-o na priso e apossando-se do seu rebanho. Na cidade, sua famlia, no tendo notcias dele durante tanto tempo, o julgava morto. Aps algum tempo os franceses soltaram-no e ele voltou para casa, porm sem o reba nho. Dirigiu-se, ento, ao coronel da cidade, um francs encar regado de toda a regio, para queixar-se. Todavia, o coronel res pondeu: Nada posso fazer a respeito. No meu problema.

Citada literalmente, como um recado numa garrafa, essa passa gem indica, como qualquer outra semelhante o faria, um sentido cor reto do muito que existe na descrio etnogrfica da espcie mais ele mentar como ela extraordinariamente densa. Nos escritos et nogrficos acabados, inclusive os aqui selecionados, esse fato de que o que chamamos de nossos dados so realmente nossa prpria construo das construes de outras pessoas, do que elas e seus compatriotas se propem est obscurecido, pois a maior parte do que precisamos para compreender um acontecimento particular, um ritual, um costume, uma idia, ou o que quer que seja est insinua do como informao de fundo antes da coisa em si mesma ser exami nada diretamente. (Mesmo revelar que esse pequeno drama ocorreu nas montanhas do Marrocos central em 1912 e foi novamente con tado aqui em 1968 determinar muito da nossa compreenso dele.) Nada h de errado nisso e, de qualquer forma, inevitvel. Todavia, isso leva viso da pesquisa antropolgica como uma atividade mais observadora e menos interpretativa do que ela realmente . Bem no fundo da base fatual, a rocha dura, se que existe uma, de todo o empreendimento, ns j estamos explicando e, o que pior, explican do explicaes. Piscadelas de piscadelas de piscadelas...

A anlise , portanto, escolher entre as estruturas de significao

o que Ryle chamou de cdigos estabelecidos, uma expresso um tanto mistificadora, pois ela faz com que o empreendimento soe mui to parecido com a tarefa de um decifrador de cdigos, quando na verdade ele muito mais parecido com a do crtico literrio e deter minar sua base social e sua importncia. Aqui em nosso texto, tal es colha comearia com o diferenar os trs quadros desiguais d inter-. pretao, ingredientes da situao o judeu, o berbere e o francs e passaria ento a mostrar como (e por que), naquela ocasio, naquele

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1u sua co-presena produziu uma situao na qual um desentendi mento sistemtico reduziu uma forma tradicional a uma farsa social. O que levou Cohen a fracassar, e com ele todo o antigo padro de re laes sociais e econmicas dentro do qual ele funcionava, foi uma confuso de idiomas.

Voltarei a este aforismo demasiado compacto mais tarde, bem como aos detalhes sobre o prprio texto. O ponto a enfocar agora somente que a etnografia uma descrio densa. O que o etngrafo enfrenta, de fato a no ser quando (como deve fazer, naturalmente) est seguindo as rotinas mais automatizadas de coletar dados uma multiplicidade de estruturas conceptuais complexas, muitas de las sobrepostas ou amarradas umas s outras, que so simultanea mente estranhas, irregulares e inexplcitas, e que ele tem que, de algu ma forma, primeiro apreender e depois apresentar. E isso verdade em todos os nveis de atividade do seu trabalho de campo, mesmo o mais rotineiro: entrevistar informantes, observar rituais, deduzir os termos de parentesco, traar as linhas de propriedade, fazer o censo domstico... escrever seu dirio. Fazer a etnografia como tentar ler (no sentido de construir uma leitura de) um manuscrito estranho, desbotado, cheio de elipses, incoerncias, emendas suspeitas e co mentrios tendenciosos, escrito no com os sinais convencionais do som, mas com exemplos transitrios de comportamento modelado.

I

A cultura, esse documento de atuao, portanto pblica, como uma piscadela burlesca ou uma incurso fracassada aos carneiros. Embora uma ideao, no existe na cabea de algum; embora no fisica, no uma identidade oculta. O debate interminvel, porque no-terminvel, dentro da antropologia, Sobre se a cultura subjeti va ou objetiva, ao lado da troca mtua de insultos intelectuais (idealista! materialista! ; mentalista! behavorista!; im pressionista! positivista!) que o acompanha, concebido de rorma totalmente errnea. Uma vez que o comportamento humano visto como ao simblica (na maioria das vezes; h duas contraes)

uma ao que significa, como a fonao na fala, o pigmento na pin tura, a linha na escrita ou a ressonncia na msica, o problema se a cultura uma conduta padronizada ou um estado da mente ou mes mo as duas coisas juntas, de alguma forma perde o sentido. O que se deve perguntar a respeito de uma piscadela burlesca ou de uma in curso fracassada aos carneiros no qual o seu status ontolgico. Representa o mesmo que pedras de um lado e sonhos do outro so coisas deste mundo. O que devemos indagar qual a sua importn cia: o que est sendo transmitido com a sua ocorrncia e atravs da

sua agncia, seja ela um ridculo ou um desafio, uma ironia ou uma zanga, um deboche ou um orgulho.

Isso pode parecer uma verdade bvia, mas h inmeras formas de obscurec-la. Uma delas imaginar que a cultura uma realidade superorgnica autocontida, com foras e propsitos em si mesma, isto , reific-la. Outra alegar que ela consiste no padro bruto de acontecimentos comportamentais que de fato observamos ocorrer em uma ou outra comunidade identificvel isso significa reduzi-la. Todavia,embora essas duas confuses ainda existam, e sempre conti nuaro conosco, sem dvida, a fonte principal de desordem terica na antropologia contempornea uma opinio que se desenvolveu em reao a elas e que hoje largamente difundida a saber, a cul tura (est localizada) na mente e no corao dos homens, para citar Ward Goodenough, talvez seu proponente mais famoso.

Chamada diversamente de etnocincia, anlise componencial ou antropologia cognitiva (hesitao terminolgica que reflete uma in certeza profunda), essa escola de pensamento afirma que a cultura composta de estruturas psicolgicas por meio das quais os individuos ou grupos de indivduos guiam seu comportamento. A cultura de uma sociedade, para citar novamente Goodenough, desta vez numa passagem que se tornou o locus classicus de todo o movimento, con siste no que quer que seja que algum tem que saber ou acreditar a fim de agir de uma forma aceita pelos seus membros. A partir dessa viso do que a cultura, segue-se outra viso, igualmente segura, do que seja descrev-la a elaborao de regras sistemticas, um algorit mo etnogrfico que, se seguido, tornaria possvel oper-lo dessa ma neira, passar por um nativo (deixando de lado a aparncia fisica). Desta forma, um subjetivismo extremo casado a um formalismo ex tremo, com o resultado j esperado: uma exploso de debates sobre se as anlises particulares (que surgem sob a forma de taxonomias, paradigmas, tabelas, genealogias e outras inventivas) refletem o que os nativos pensam realmente ou se so apenas simulaes inteli gentes, equivalentes lgicos, mas substantivamente diferentes do que eles pensam.

J que, num primeiro relance, essa abordagem pode parecer su ficientemente prxima da que est sendo desenvolvida aqui para ser tomada por ela, til ser bem explcito quanto ao que as separa. Dei xando de lado, por um momento, nossas piscadelas e carneiros, se to mamos, por exemplo, um quarteto de Beethoven como uma amostra de cultura, muito especial, mas suficientemente ilustrativa para estes propsitos, acredito que ningum o identificaria com os seus arran jos musicais, com a habilidade e o conhecimento necessrio para to c-lo, com a compreenso dele que tm seus instrumentistas ou ou vintes, nem, para levar em conta en passan: os reducionistas e os reifi

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cadores, com uma execuo particular do quarteto ou com alguma entidade misteriosa que transcende sua existncia material. Talvez a expresso ningum aqui utilizada seja demasiado forte, pois sem pre h os incorrigveis. Todavia, o fato de um quarteto de Beethoven ser uma estrutura tonal desenvolvida temporalmente, uma seqncia coerente de sons modulados em suma, uma msica e no o conhe cimento ou a crena de qualquer pessoa em algo, inclusive como exe cut-la, uma proposio com a qual, aps refletir, concordar a maioria das pessoas.

Para tocar violino necessrio possuir certos hbitos, habilida des, conhecimento e talento, estar com disposio de tocar e (como piada) ter um violino. Mas tocar violino no nem o hbito, a habili dade, o conhecimento e assim por diante, nem a disposio ou (a no o que os crentes na cultura material aparentemente seguem) o prprio violino. Para fazer um tratado comercial em Marrocos voc tem que fazer certas coisas, de uma certa maneira (entre outras, en quanto canta em rabe Quranic, cortar a garganta de um cordeiro ante os membros masculinos adultos, no-aleijados, de sua tribo reu nidos) e possuir certas caractersticas psicolgicas (entre outras, um desejo de coisas distantes). Mas um pacto comercial no nem cortar a garganta nem o desejo, embora este seja bastante real, conforme descobriram sete parentes do nosso xeque Marmusha quando, numa ocasio anterior, foram por ele executados em seguida ao rou bo de uma pele de rneiro esfarrapada e praticamente sem valor pertencente a Cohen.

A cultura pblica porque o significado o . Voc no pode pis car (ou caricaturar a piscadela) sem saber o que considerado uma piscadela ou como contrair, fisicamente, suas plpebras, e voc no pode fazer uma incurso aos carneiros (ou imit-la) sem saber o que roubar um carneiro e como faz-lo na prtica. Mas tirar de tais verdades a concluso de que saber como piscar piscar e saber como roubar um carneiro fazer uma incurso aos carneiros revelar uma confuso to grande como, assumindo as descries superficiais por densas, identificar as piscadelas com contraes de plpebras ou in curso aos carneiros com a caa aos animais langeros fora dos pas tos. A falcia cognitivista de que a cultura consiste (para citar um outro porta-voz do movimento, Stephen Tyler) em fenmenos men tais que podem (ele quer dizer poderiam) ser analisados atravs de mtodos formais similares aos da matemtica e da lgica to destrutiva do uso efetivo do conceito como o so as falcias beha vorista e idealista, para as quais ele uma correo mal conclu- da. Como seus erros so mais sofisticados e suas distores mais su tis, talvez seja ainda mais do que isso.

O ataque generalizado s teorias de significado constitui, desde Husserl, chegando a Wittgenstein, parte to integrante dopensamen to moderno que no necessrio desenvolv-lo aqui mais uma vez. O que necessrio verificar se as notcias a respeito chegam antro pologia; e em particular esclarecer que dizer que a cultura consiste em estruturas de significado socialmente estabelecidas, nos termos das quais as pessoas fazem certas coisas como sinais de conspirao e se aliam ou percebem os insultos e respondem a eles, no mais do que dizer que esse um fenmeno psicolgico, uma caracterstica da mente, da personalidade, da estrutura cognitiva de algum, ou o que quer que seja, ou dizer ainda o que tantrismo, a gentica, a forma progressiva do verbo, a classificao dos vinhos, a Common Law ou a noo de uma praga condicional (como Westermarck definiu o conceito do ar em cujos termos Cohen apresentou sua queixa de da nos). O que impede a ns, que crescemos piscando outras piscadelas ou cuidando de outros carneiros, de entender corretamente, num lugar como Marrocos, que o que pretendem as pessoas no a ignorncias sobre como atua a cognio (mas principalmente porque, presume- se, ela atua da mesma maneira que entre ns, e seria bem melhor se pudssemos passar tambm sobre isso) como a falta de familiaridade com o universo imaginativo dentro do qual os seus atos so marcos determinados. Como j invocamos Wittgenstein, podemos muito bem transcrev-lo:

Falamos... de algumas pessoas que so transparentes para ns. Todavia, importante no tocante a essa observao que um ser humano possa ser um enigma completo para outro ser humano. Aprendemos isso quando chegamos a um pas estranho, com tradies inteiramente estranhas e, o que mais, mesmo que se tenha um domnio total do idioma do pas. Ns no compreen demos o povo (e no por no compreender o que eles falam entre si). No nos podemos situar entre eles.

IV

Situar-nos, um negcio enervante que s bem-sucedido parcialmen te, eis no que consiste a pesquisa etnogrfica como experincia pes soal. Tentar formular a base na qual se imagina, sempre excessiva mente, estar-se situado, eis no que consiste o texto antropolgico como empreendimento cientfico. No estamos procurando, pelo menos eu no estou, tornar-nos nativos (em qualquer. caso, eis uma palavra comprometida) ou copi-los. Somente os romnticos ou os espies podem achar isso bom. O que procuramos, no sentido mais amplo do termo, que compreende muito mais do que simplesmente

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falar, conversar com eles, o que muito mais dificil, e no apenas com estrannos, do que se reconhece habitualmente. Se falar por al gum parece ser um processo misterioso, observou Stanley Caveil, isso pode ser devido ao fato de falar a algum no parecer de manei ra alguma misterioso.

Visto sob esse ngulo, o objetivo da antropologia o alargamen to do universo do discurso humano. De fato, esse no seu nico ob jetivo a instruo, a diverso, o conselho prtico, o avano moral e a descoberta da ordem natural no comportamento humano so ou tros, e a antropologia no a nica disciplina a persegui-los. No en tanto, esse um objetivo ao qual o conceito de cultura semitico se adapta especialmente bem. Como sistemas entrelaados de signos in terpretveis (o que eu chamaria simbolos, ignorando as utilizaes provinciais), a cultura no um poder, algo ao qual podem ser atri buidos casualmente os acontecimentos sociais, os comportamentos, as instituies ou os processos; ela um contexto, algo dentro do qual eles podem ser descritos de forma inteligvel isto , descritos com densidade.

A famosa absoro antropolgica com oextico (para ns) os cavaleiros berberes, os negociantes judeus, os legionrios franceses , assim, praticamente um artificio para deslocar o senso de familiari dade embotador com o qual o mistrio da nossa prpria habilidade em relacion-los compreensivelmente uns aos outros se esconde de ns. Procurar o comum em locais onde existem formas no-usuais ressalta no, como se alega tantas vezes, a arbitrariedade do compor tamento humano (no h nada especialmente arbitrrio em tomar o roubo de carneiros como insolncia no Marrocos), mas o grau no qual o seu significado varia de acordo com o padro de vida atravs do qual ele informado. Compreender a cultura de um povo expe a sua normalidade sem reduzir sua particularidade. (Quanto mais eu tento seguir o que fazem os marroquinos, mais lgicos e singulares eles me parecem.) Isso os torna acessveis: coloc-los no quadro de suas prprias banalidades dissolve sua opacidade.

E essa manobra, a que se referem habitualmente, com uma ca sualidade excessiva, como ver as coisas do ponto de vista de ator, ou muito livrescamente como a abordagem verstelien, ou muito tecnicamente como anlise mica, que tantas vezes leva noo de que a antropologia uma variedade de leitura da mente a longa dis- tncia ou uma fantasia da ilha dos canibais e que, para algum ansio 50 em navegar por sobre o naufrgio de uma dzia de filosofias, deve ser executada com o mximo de cuidados. Nada mais necessrio para compreender o que a interpretao antropolgica, e em que grau ela uma interpretao, do que a compreenso exata do que ela se prope dizer ou no se prope de que nossas formulaes dos

sistemas simblicos de outros povos devem ser orientadas pelos atos.

Isso significa que as descries das culturas berbere, judaica ou francesa devem ser calculadas em termos das construes que imagi namos que os berberes, os judeus ou os franceses colocam atravs da vida que levam, a frmula que eles usam para definir o que lhes acon tece. O que isso no significa que tais descries so elas mesmas berbere, judia ou francesa isto , parte da realidade que elas descre veyn ostensivamente; elas so antropolgicas isto , partem de um sistema em desenvolvimento de anlise cientfica. Elas devem ser en caradas em termos das interpretaes s quais pessoas de uma deno minao particular submetem sua experincia, uma vez que isso o que elas professam como descries. So antropolgicas porque, de fato, so os antroplogos que as professam. Normalmente, no ne cessrio ressaltar de forma to laboriosa que o objeto de estudo uma coisa e o estudo uma outra. Est bastante claro que o mundo fisico no a fsica e que A Skeleton Key lo Finnegans Wake no o Finnegans Wake. Todavia, como no estudo da cultura a anlise pe netra no prprio corpo do objeto isto , comeamos com as nossas prprias interpretaes do que pretendem nossos informantes, ou o que achamos que eles pretendem, e depois passamos a sistematiz-las , a linha entre cultura (marroquina) como um fato natural e cultura (marroquina) como entidade terica tende a ser obscurecida. Isso ocorre ainda mais na medida em que a ltima apresentada sob a forma de uma descrio do ator das concepes (marroquinas) de to das as coisas, desde a v a honra, a divindade e a justia, at a tribo, a propriedade, a patronagem e a chefia.

Resumindo, os textos antropolgicos so eles mesmos interpreta es e, na verdade, de segunda e terceira mo. (Por definio, somen te um nativo, faz a interpretao em primeira mo: a sua cultu ra.) 2 Trata-se, portanto, de fices; fices no sentido de que so ai 1 No apenas outros povos: a antropolo pode ser treinada no exame da cultura da

qual ela prpria parte e o d maneira crescente. Esse um fato de profunda im portncia, mas, como d origem a alguns problemas especiais de ordem secundria e um tanto complicados, deix-lo-ei parte no momento.

2 O probema da ordem, novamente, complexo. Trabalhos antropolgicos baseados em outras obras antropolgicas (Lvi-Strauss, por exemplo) podem ser at de quarta mo ou mais, e mesmo os informantes freqentemente, at mesmo habitualmente, fa zem interpretaes de segunda mo o que passou a ser conhecido como modelos nativos. Nas culturas mais adiantadas, onde a interpretao nativa pode alcanar nveis mais elevados com referncia ao Maghreb, temos que pensar apenas cm tbn Khaldun; quanto aos Estados Unidos, em Margaret Mead esses temas se tornam, na verdade, muito intrincados.

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go construdo, algo modelado o sentido original defictio no que sejam falsas, no-fatuais ou apenas experimentos de pensamen to. Construir descries orintadas pelo ator dos envolvimentos de um chefe berbere, um mercador judeu e um soldado francs uns com os outros no Marrocos de 1912 e claramente um ato de imaginao, no muito diferente da construo de descries semelhantes de, di gamos, os envolvimentos uns com os outros de um mdico francs de provncia, com a mulher frvola e adultra e seu amante incapaz, na Frana do sculo XIX. Neste ltimo caso, os atores so representa dos como hipotticos e os acontecimentos como se no tivessem ocorrido, enquanto no primeiro caso eles so representados como verdadeiros, ou pelo menos como aparentemente verdadeiros. Essa no uma diferena de pequena importncia: precisamente a que Madame Bovary teve dificuldade em apreender. Mas a importncia no reside no fato da histria dela ter sido inventada enquanto a de Cohen foi apenas anotada. As condies de sua criao e o seu enfo que (para no falar da maneira e da qualidade) diferem, todavia uma tanto uma fictio uma fabricao quanto a outra.

Nem sempre os antroplogos tm plena conscincia desse fato:

que embora a cultura exista no posto comercial, no forte da colina ou no pastoreio de carneiros, a antropologia existe no livro, no artigo, na conferncia, na exposio do museu ou, como ocorre hoje, nos fil mes. Convencer-se disso compreender que a linha entre o modo de representao e o contedo substantivo to intravel na anlise cultural como na pintura. E este fato, por sua vez, parece ameaar o status objetivo do conhecimento antropolgico, sugerindo que sua fonte no a realidade social, mas um artificio erudito.

Essa ameaa existe, na verdade, mas ela superficial. A exign cia de ateno de um relatrio etnogrfico no repousa tanto na ca pacidade do autor em captar os fatos primitivos em lugares distan tes e lev-los para casa como uma mscara ou um entalho, mas no grau em que ele capaz de esclarecer o que ocorre em tais lugares, para reduzir a perplexidade que tipos de homens so esses? a que naturalmente do origem os atos no-familiares que surgem de am bientes desconhecidos. Isso naturalmente levanta alguns problemas srios de verificao ou, se verificao uma palavra muito forte para uma cincia to soft* (por mim eu preferiria avaliao) de que maneira diferenar um relato melhor de um pior. Todavia, essa tambm a sua melhor virtude. Se a etnografia uma descrio densa

e os etngrafos so aqueles que fazem a descrio, ento a questo determinante para qualquer exemplo dado, seja um dirio de campo sarcstico ou uma monografia alentada, do tipo Malinowski, se ela separa as piscadelas dos tiques nervosos e as piscadelas verdadeiras das imitadas. No precisamos medir a irrefutabilidade de nossas ex plicaes contra um corpo de documentao no-interpretada, des cries radicalmente superficiais, mas contra o poder da imaginao cientfica que nos leva ao contacto com as vidas dos estranhos. forme disse Thoreau, no vale a pena correr o mundo para contar os gatos de Zanzibar.

v

Ora, essa proposio, de que no do nosso interesse retirar do com portamento humano justamente as propriedades que nos interessam antes de comear a examin-lo, tem sido, por vezes, dimensionada numa grande alegao: a saber, de que uma vez que so apenas essas propriedades que nos interessam, no precisamos nos preocupar com o comportamento, a no ser superficialmente. A cultura tratada de modo mais efetivo, prossegue o argumento, puramente como stema simblico (a expresso-chave , em seus prprios termos), pelo isolamento dos seus elementos, especificando as relaes internas en tre esses elementos e passando ento a caracterizar todo o sistema de uma forma geral de acordo com os smbolos bsicos em torno dos quais ela organizada, as estruturas subordinadas das quais uma expresso superficial, ou os princpios ideolgicos nos quais ela se baseia. Embora se trate j de uma melhoria acentuada em relao s noes de comportamento aprendido e fenmeno mental do que a cultura e fonte de algumas das idias tericas mais poderosas da antropologia contempornea, essa abordagem hermtica das coi sas parece-me correr o perigo de fechar (e de ser superada cada vez mais por ela) a anlise cultural longe do seu objetivo correto, a lgica informal da vida real. H pouca vantagem em se extrair um conceito dos defeitos do psicologismo apenas para mergufh-lo, imediatamen te, nos do esquematismo.

Deve atentar-s para o comportamento, e com exatido, pois atravs do fluxo do comportamento ou, mais precisamente, da ao social que as formas culturais encontram articulao. Elas en contram-na tambm, certamente, em vrias espcies de artefatos e vrios estados de conscincia. Todavia, nestes casos o significado emerge do papel que desempenham (Wittgenstein diria seu uso) no padro de vida decorrente, no de quaisquer relaes intrnsecas que mantenham umas com as outras. o que Cohen, o xeque e o Ca pito Dumari estavam fazendo quando tropeavam nos objetivos

* No original, sofi science, em oposiio s hard sciences, de base matemtica, consi deradas mais exatas.

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uns dos outros fazendo o comrcio, defendendo a honra, estabele cendo a dominao que criou nesse drama pastoral, e sobre isso que o drama surgiu, portanto. Quaisquer que sejam, ou onde quer que estejam esses sistemas de smbolos em seus prprios ter mos, ganhamos acesso emprico a eles inspecionando os aconteci mentos e no arrumando entidades abstratas em padres unificadps.

Outra implicao que a coerncia no pode ser o principal tes te de validade de uma descrio cultural. Os sistemas culturais tm que ter um grau mnimo de coerncia, do contrrio no os chamara mos sistemas, e atravs da observao vemos que normalmente eles tm muito mais do que isso. Mas no h nada to coerente como a iluso de um paranico ou a estria de um trapaceiro. A fora de nossas interpretaes no pode repousar, como acontece hoje em dia com tanta freqncia, na rigidez com que elas se mantm ou na segu rana com que so argumentadas. Creio que nada contribuiu mais para desacreditar a anlise cultural do que a construo de represen taes impecveis de ordem formal, em cuja existncia verdadeira praticamente ningum pode acreditar.

Se a interpretao antropolgica est construindo uma leitura do que acontece, ento divorci-la do que acontece do que, nessa ocasio ou naquele lugar, pessoas especficas dizem, o que elas fa zem, o que feito a elas, a partir de todo o vasto negcio do mundo divorci-la das suas aplicaes e torn-la vazia. Uma boa interpre tao de qualquer coisa um poema, uma pessoa, uma estria, um ritual, uma instituio, uma sociedade leva-nos ao cerne do que nos propomos interpretar. Quando isso no ocorre e nos conduz, ao con trrio, a outra coisa a uma admirao da sua prpria elegncia, da inteligncia do seu autor ou das belezas da ordem euclidiana , isso pode ter encantos intrnsecos, mas algo muito diferente o que a ta refa que temos exige descobrir o que significa toda a trama com os carneiros.

A trama com os carneiros a tapeao do roubo, a transferncia reparadora, o confisco poltico deles (ou foi) essencialmente um discurso social. mesmo que tenha sido feito, como sugeri anterior mente, em diversos idiomas e tanto em ao como em palavras.

Ao reclamar o seu ar, Cohen invocou o pacto comercial; reco nhecendo a alegao, o xeque desafiou a tribo dos ofensores; aceitan do a responsabilidade, a tribo dos ofensores pagou a indenizao; ansioso por demonstrar tanto aos xeques como aos negociantes quem estava no poder, o francs mostrou a mo dominadora. Como em qualquer discurso, o cdigo no determina a conduta, e o que foi dito no precisava s-lo, na verdade. Dada a sua ilegitimidade aos olhos do Protetorado, Cohen no precisava ser escolhido para pres sionar sua queixa. Por motivos semelhantes, o xeque poderia tla re

cusado. A tribo dos ofensores, ainda resistentes autoridade france sa, poderia considerar a incurso como verdadeira e lutar em vez de negociar. Os franceses, se fossem mais habiles e menos durs ( como ocorreu de fato, mais tarde, sob a tutelagem senhorial do Marechal Lyautey), poderiam permitir a Cohen conservar seus carneiros, con cordando como dizemos com a continuao do padro de comr cio e suas limitaes autoridade deles. E h ainda outras possibili dades: os Marmushas podiam ver a atuao dos franceses como um insulto muito grande, e entrar em dissidncia entre eles; os franceses poderiam tentar no apenas apertar Cohen, mas impor medidas mais drsticas ao prprio xeque; e Cohen poderia ter concludo que entre os renegados berberes e os soldados Beau Oeste no valia mais a pena fazer negcio na regio montanhosa do Atlas, e retirar-se para o recinto da cidade, melhor governada. Alis, foi mais ou menos o que aconteceu, um pouco mais tarde, quando o Protetorado avanou para uma soberania genuna. Entretanto, o ponto aqui no descre ver o que aconteceu ou no no Marrocos. (A partir desse simples in cidente, pode chegar-se a complexidades enormes de experincia so cial.) Isso apenas para demonstrar em que consiste um tipo de in terpretao antropolgica: traar a curva de um discurso social; fix lo numa forma inspecionvel.

O etngrafo inscreve o discurso social: ele o anota. Ao faz-lo, ele o transforma de acontecimento passado, que existe apenas em seu prprio momento de ocorrncia, em um relato, que existe em sua ins crio e que pode ser consultado novamente. O xeque j est morto h muito tempo, assassinado no processo de pacificao como o chamaram os franceses: o Capito Dumari. seu paci ficador, mora no Sul da Frana, aposentado juntamente com suas lembranas: e Cohen foi no ano passado para casa, para Israel, em parte como refugiado, em parte como peregrino e em parte como pa triarca moribundo. Todavia, no meu sentido amplo, o que eles dis seram uns aos outros, h sessenta anos, nos planaltos do Atlas embora longe da perfeio est conservado para estudo. Paul Ri coeur, de quem foi emprestada e um tanto distorcida toda a idia da inscrio da ao, pergunta, O que a escrita fixa?

No o acontecimento de falar, mas o que foi dito, onde com preendemos, pelo que foi dito no falar, essa exteriorizao in tencional constitutiva do objetivo do discurso graas ao qual o sagen o dito torna-se Aus-sage a enunciao, o enunciado. Resumindo, o que escrevemos o noema (pensamento, con tedo, substncia) do falar. o significado do acontecimen to de falar, no o acontecimento como acontecimento.

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Isso no est muito bem dito se os filsofos de Oxford re correm a historietas, os fenomenolgicos empregam frases longas. De qualquer forma, isso nos leva a uma resposta mais precisa nossa indagao: O que faz o etngrafo? ele escr Isso tambm pode parecer uma descoberta um tanto surpreendente e talvez at im plausvel para quem est familiarizado com a literatura corrente. Entretanto, como a resposta padro nossa questo tem sido ele observa, ele registra, ele analisa uma espcie de concepo de veni, tidi, vinci do assunto ela pode ter conseqncias bem mais profun das do que na aparncia, sendo que talvez a menor delas, a de distin guir essas trs fases da busca de conhecimento, pode no ser normal mente possvel, na verdade, e de fato, como operaes autnomas elas podem nem sequer existir.

A situao ainda mais delicada porque, como j foi observado, o que inscrevemos (ou tentamos faz-lo) no o discurso social bruto ao qual no somos atores, no temos acesso direto a no ser margi. nalmente. ou muito especialmente, mas apenas quela pequena parte dele que os nossos informantes nos podem levar a compreender. Isso no to fatal como soa, pois, na verdade, nem todos os creten ses so mentirosos, e no necessrio conhecer tudo para poder en tender uma coisa. Todavia, isso torna a viso da anlise antropolgi ca como manipulao conceptual dos fatos descobertos, uma recons truo lgica de uma simples realidade, parecer um tanto incomple ta. Apresentar cristais simtricos de significado, purificados da com plexidade material nos quais foram localizados, e depois atribuir sua existncia a princpios de ordem autgenos, atributos universais da mente humana ou vastos, a priori, Weltanschauungen, pretender uma cincia que no existe e imaginar uma realidade que no pode ser encontrada. A anlise cultural (ou deveria ser) uma adivinhao dos significados, uma avaliao das conjeturas, um traar de con cluses explanatrias a partir das melhores conjeturas e no a des 3 Ou mais uma vez, mais exatamente, inscreve. Alis, a maior parte da etnografia

encontrada em livros e artigos, em vez de filmes, discos, exposies de museus, etc. Mesmo neles h. certamente, fotografias, desenhos, diagramas, tabelas e assim por diante. Tem feito falta antropologia uma autoconscincia sobre modos de represen tao (para no falar de experimentos com elas).

4 Na medida em que reforou o impulso do antroplogo em engajar-se com seus in formantes como pessoas ao invs de objetos, a noo de observao participante foi uma noo valiosa. Todavia, ela se transforma na fonte mais poderosa de m f quan do leva o antroplogo a bloquear da sua viso a natureza muito especial, culturalmen te enquadrada, do seu prprio papel e imaginar-se algo mais do que um interessado (nos dois sentidos da palavra) temporrio.

coberta do Continente dos Significado e o mapeamento da sua pai-

sagem incorprea.

VI

Assim, h trs caractersticas da descrio etnogrfica: ela interpre tativa; o que ela interpreta o fluxo do discurso social e a interpreta o envolvida consiste em tentar salvar o dito num tal discurso da sua possibilidade de extinguir-se e fix-lo em formas pesquisveis. O kula desapareceu ou foi alterado, mas, de qualquer forma, Os Argo nautas do Pac(flco Ocidental continua a existir. H ainda, em adita mento, uma quarta caracterstica de tal descrio, pelo menos como eu a pratico: ela microscpica.

Isso no significa que no haja interpretaes antropolgicas em grande escala, de sociedades inteiras, civilizaes, acontecimentos mundiais e assim por diante. Alis, justamente essa extenso de nossas anlises a contextos mais amplos que, juntamente com suas implicaes tericas, as recomenda ateno geral e justifica nosso empenho em constru-las. Ningum se preocupa mais, nem mesmo Cohen (bem... pode ser que ele), com os carneiros como tal. A hist ria pode ter seus pontos crticos discretos, muito barulho por na da, e certamente essa pequena comdia no foi um deles.

para dizer, simplesmente, que o antroplogo aborda caracte risticamente tais interpretaes mais amplas e anlises mais abstratas a partir de um conhecimento muito extensivo de assuntos extrema mente pequenos. Ele confronta as mesmas grandes realidades que os outros historiadores, economistas, cientistas polticos, socilogos enfrentam em conjunturas mais decisivas: Poder, Mudana, F, Opresso, Trabalho, Paixo, Autoridade, Beleza, Violncia, Amor, Prestgio. Mas ele as confron.ta em contextos muito obscuros luga res como Marmusha vidas como as de Cohen para retirar deles as maisculas. Essas constncias demasiado humanas, essas palavras altissonantes que assustam a todos, assumem uma forma domstica em tais contextos caseiros. Mas essa justamente a vantagem; j exis tem suficientes profundidades no mundo.

Entretanto, o problema de como retirar de uma coleo de mi niaturas etnogrficas a respeito da nossa estria de carneiros um conjunto de observaes e anedotas uma ampla paisagem cultural da nao, da poca, do continente ou da civilizao, no se faz facil mente passando por cima com vagas aluses s virtudes do concreto e da mente comum. Para uma cincia nascida em tribos indgenas, ilhas do Pacfico e linhagens africanas, e subseqentemente apro priada a grandes ambies, isso tornou-se um importante problema metodolgico, na maior parte das vezes muito mal manuseado. Os

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modelos que os prprios antroplogos elaboraram para justificar a mudana de verdades locais para vises gerais tm sido, de fato, to responsveis em minar o esforo como qualquer coisa que seus crti cos socilogos obcecados com tamanhos de amostragem. psiclo gos com medidas ou economistas com outras medidas foram capa zes de inventar contra eles.

Desses, os dois principais foram: o modelo microcsmico Jo nesville--os Estados Unidos: e o modelo experimento natural a Ilha de Pscoa--um-caso-de-teste. Ou o paraso num gro de areia ou os pontos mais afastados da possibilidade.

A alcia Jonesville--a-Amrica em ponto pequeno (ou a Am rica--Jonesville em ponto grande) to bvia que a nica coisa que exige explicao como as pessoas conseguiam acreditar nisso e le var outros a acreditarem tambm. A noo de que se pode encontrar a essncia de sociedades nacionais, civilizaes, grandes religies ou o que quer que seja. resumida e simplificada nas assim chamadas pe quenas cidades e aldeias tpicas um absurdo visvel. O que se en contra em pequenas cidades e vilas (por sinal) a vida de pequenas cidades e vilas. Se os estudos localizados, microscpicos, fossem real mente dependentes de tais premissas para sua maior relevncia se pudessem capturar o mundo amplo no pequeno eles no teriam qualquer relevncia.

Todavia, isso no ocorre realmente. O locus do estudo no o objeto do estudo. Os antroplogos no estudam as aldeias (tribos, ci dades, vizinhanas...), eles estudam nas aldeias. Voc pode estudar diferentes coisas em diferentes locais, e algumas coisas por exem plo, o que a dominao colonial faz s estruturas estabelecidas de ex pectativa moral podem ser melhor estudadas em localidades isola das. Isso no faz do lugar o que voc est estudando. Nas remotas provncias do Marrocos e da Indonsia eu lutei com as mesmas ques tes com que outros cientistas sociais lutaram em lugares mais cen trais por exemplo, por que as alegaes mais insistentes dos ho mens em favor de humanidade so feitas em termos de orgulho gru pai? e chegamos quase que mesma concluso. Pode acrescentar-se uma dimenso especialmente necessria no atual clima de levante- se-e-resolva da cincia social , mas isso tudo. Se voc tiver que dis correr sobre a explorao das massas, h um certo valor em ter visto um meeiro javans revolvendo a terra durante um temporal tropical ou um alfaiate marroquino bordando kaftans luz de uma lmpada de 20 watts. Mas a noo que isso lhe d (e que o coloca numa situa o moral vantajosa, de onde voc pode olhar para os menos privile giados eticamente) no seu todo uma idia que somente algum que ficou muito tempo no mato pode ter, possivelmente.

A noo de laboratrio natural tem sido igualmente pernicio sa, no apenas porque a analogia falsa que espcie de laboratrio esse onde nenhum dos parmetros manipulvel? mas porque ela leva noo de que os dados obtidos com os estudos etnogrficos so mais puros, ou mais fundamentais, ou mais slidos, ou menos condicionados (a palavra favorita elementar) do que aqueles conseguidos atravs de outras espcies de pesquisa social. A grande variao natural de formas culturais , sem dvida, no apenas o grande (e desperdiado) recurso da antropologia, mas o terreno do seu mais profundo dilema terico: de que maneira tal variao pode enquadrar-se com a unidade biolgica da espcie humana? Mas no se trata, mesmo metaforicamente, de uma variao experimental, uma vez que o contexto na qual ela ocorre varia simultaneamente com ela e no possvel (embora haja aqueles que tentam) isolar os ys dos xs para escrever a funo adequada.

Os famosos estudos que se propuseram mostrar que o complexo de dipo funcionava ao contrrio nas ilhas Trobriand, que os papis do sexo estavam invertidos em Tchambuli e que faltava agressividade aos ndios Pueblo ( caracterstico que todos eles eram negativos mas no no Sul), qualquer que seja a sua validade emprica, so hi pteses no testadas e aprovadas cientificamente. So interpreta es, ou interpretaes errneas, como tantas outras, a que chega mos da mesma maneira que tantos outros, e to inerentemente in conclusivas como tantas outras, e a tentativa de investi-las da autori dade da experimentao fisica no passa de uma prestidigitao me todolgica. Os achados etnogrficos no so privilegiados, apenas particulares: um outro pas do qual se ouve falar. V-los como qual quer coisa mais (ou qualquer coisa menos) do que isso distorce a am bos e s suas implicaes para a teoria social, muito mais profundas que o simples primitivismo.

Um outro pas do qual se ouviu falar: o motivo por que essas descries alongadas sobre distantes incurses aos carneiros tm uma relevncia geral (e um etngrafo realmente bom chegaria a pon to de dizer que espcie de carneiros eram) est no fato de fornecerem mente sociolgica material suficiente para alimentar. O que im portante nos achados do antroplogo sua especificidade complexa, sua circunstancialidade. justamente com essa espcie de material produzido por um trabalho de campo quase obsessivo de peneira mento, a longo prazo, principalmente (embora no exclusivamente) qualitativo, altamente participante e realizado em contextos confina dos, que os megaconceitos com os quais se aflige a cincia social con tempornea legitimamente, modernizao, integrao, conflito, ca risma, estrutura... significado podem adquirir toda a espcie de atualidade sensvel que possibilita pensar no apenas realista e con

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cretamente sobre eles, mas, o que mais importante, criativa e imagi nativamente com eles.

O problema metodolgico que a natureza microscpica da etno grafia apresenta tanto real como crtico. Mas ele no ser resolvido observando uma localidade remota como o mundo numa chvena ou como o equivalente socilogo de uma cmara de nuvens. Dever ser solucionado ou tentar s-lo de qualquer maneira atravs da com preenso de que as aes sociais so comentrios a respeito de mais do que efas mesmas; de que, de onde vem uma interpretao no de termina para onde ela poder ser impelida a ir. Fatos pequenos po dem relacionar-se a grandes temas, as piscadelas epistemologia, ou incurses aos carneiros revoluo, por que eles so levados a isso.

VII

O que nos leva, finalmente, teoria, O pecado obstruidor das abor dagens interpretativas de qualquer coisa literatura, sonhos, sinto mas, culturas que elas tendem a resistir, ou lhes permitido resis tir, articulao conceptual e, assim, escapar a modos de avaliao sistemticos. Ou voc apreende uma interpretao ou no, v o pon to fundamental dela ou no, aceita-a ou no. Aprisionada na imedia o de seu prprio detalhe, ela apresentada como autovalidante ou, o que pior, como validada pelas sensibilidades supostamente desen volvidas da pessoa que a apresenta; qualquer tentativa de ver o que ela em termos diferentes do seu prprio vista como um travesti como etnocntrico, o termo mais severo do antroplogo para o abu so moral.

claro que isso no serve para um campo de estudo que, embo ra timidamente (embora eu no seja timido quanto ao assunto, em absoluto), afirma-se como cincia. No h qualquer razo para que seja menos formidvel a estrutura conceptual de uma interpretao cultural e, assim, menos suscetvel a cnones explcitos de aprovao do que, digamos, uma observao biolgica ou um experimento flsi co nenhuma razo, exceto que os termos nos quais tais formulaes podem ser apresentadas so, se no totalmente inexistentes, muito prximos disso. Estamos reduzidos a insinuar teorias porque falta- nos o poder de express-las.

Ao mesmo tempo, deve admitir-se que h uma srie de carac tersticas de interpretao cultural que tornam ainda mais dificil o seu desenvolvimento terico. A primeira a necessidade de a teoria conservar-se mais prxima do terreno do que parece ser o caso em cincias mais capazes de se abandonarem a uma abstrao imaginati va. Somente pequenos vos de raciocnio tendem a ser efetivos em antropologia: vos mais longos tendem a se perder em sonhos lgi

cos, em embrutecimentos acadmicos com simetria formal. O ponto glbal da abordagem semitica da cultura , como j disse, auxiliar- nos a ganhar acesso ao mundo conceptual no qual vivem os nossos sujeitos, de forma a podermos, num sentido um tanto mais amplo, conversar com eles. A tenso entre o obstculo dessa necessidade de penetrar num universo no-familiar de ao simblica e as exigncias do avano tcnico na teoria da cultura, entre a necessidade de apreender e a necessidade de analisar, , em conseqncia, tanto ne cessariamente grande como basicamente irremovvel. Com efeito, quanto mais longe vai o desenvolvimento terico, mais profunda se torna a tenso. Essa a primeira condio para a teoria cultural: no seu prprio dono. Como no se pode desligar das imediaes que a descrio minuciosa apresenta, sua liberdade de modelar-se em ter mos de uma lgica interna muito limitada. Qualquer generalidade que consegue alcanar surge da delicadeza do suas distines, no da amplido das suas abstraes.

A partir da, segue-se uma peculiaridade no caminho: como sim ples tema de fato emprico, nosso conhecimento da cultura... cultu ras... uma cultura... cresce aos arrancos. Em vez de seguir uma curva ascendente de achados cumulativos, a anlise cultural separa-se numa seqncia desconexa e, no entanto, coerente de incurses cada vez mais audaciosas. Os estudos constroem-se sobre outros estudos, no no sentido de que retomam onde outros deixaram, mas no senti do de que, melhor informados e melhor conceitualizados, eles mer gulham mais profundamente nas mesmas coisas. Cada anlise cultu ral sria comea com um desvio inicial e termina onde consegue che gar antes de exaurir seu impulso intelectual. Fatos anteriormente descobertos so mobilizados, conceitos anteriormente desenvolvidos so usados, hipteses formuladas anteriormente so testadas, entre tanto o movimento no parte de teoremas j comprovados para ou tros recm-provados, ele parte de tateio desajeitado pela compreen so mais elementar para uma alegao comprovada- de que algum a alcanou p a superou. Um estudo um avano quand mais incisi vo o que quer que isto signifique do que aqueles que o precede ram; mas ele se conserva menos nos ombros do que corre lado a lado, desafiado e desafiando.

por essa razo, entre outras, que o ensaio, seja de trinta pgi nas ou trezentas, parece o gnero natural no qual apresentar as inter pretaes culturais e as teorias que as sustentam e porque, algum procura tratados sistemticos na. rea, logo se desaponta, principal mente se encontra algum. Mesmo artigos de inventrio, so raros aqui e, de qualquer forma, apenas de interesse bibliogrfico. As prin cipais contribuies tericas no esto apenas nos estudos especficos

- o que verdade em praticamente qualquer rea , mas muito difi

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cii abstra-las desses estudos e integr-las em qualquer coisa que se poderia chamar teoria cultural como tal. As formulaes tericas pairam to baixo sobre as interpretaes que governam que no fa zem muito sentido ou tm muito interesse fora delas. Isso acontece no porque no so gerais (se no so gerais, no so tericas), mas porque, afirmadas independentemente de suas aplicaes, elas pare cem comuns ou vazias. Pode-se, e isso de fato como a rea progride conceitualmente, assumir uma linha de ataque terico desenvolvida em ligao com um exerccio de interpretao etnogrfica e utiliz-la em outro, levando-a adiante a uma preciso maior e maior relevn cia, mas no se pode escrever uma Teoria Geral de Interpretao Cultural Ou se pode, de fato, mas parece haver pouca vantagem nisso, pois aqui a tarefa essencial da construo terica no codificar regularidades abstratas, mas tornar possveis descries minuciosas; no generalizar atravs dos casos, mas generalizar dentro deles.

Generalizar dentro dos casos chamado habitualmente, pelo menos em medicina e em psicologia profunda, uma inferncia clni ca. Em vez de comear com um conjunto de observaes e tentar su bordin-las a uma lei ordenadora, essa inferncia comea com um conjunto de significantes (presumveis) e tenta enquadr-los de for ma inteligvel. As medidas so calculadas para as previses tericas, mas os sintomas (mesmo quando mensurados) so escrutinados em busca de peculiaridades tericas - isto , eles so diagnosticados. No estudo da cultura, os significantes no so sintomas ou conjuntos de sintomas, mas atos simblicos ou conjuntos de atos simblicos e o objetivo no a terapia, mas a anlise do discurso social. Mas a ma neira pela qual a teoria usada investigar a importncia no- aparente das coisas a mesma.

Somos levados, assim, segunda condio da teoria cultural: ela no , pelo menos no sentido estrito do termo, proftica. O diagnos ticador no prediz o sarampo; ele decide que algum o tem ou, no mximo, antecipa que algum pode t-lo em breve. Mas essa limita o, que bem real, tem sido habitualmente mal compreendida e, ao mesmo tempo, exagerada, uma vez que foi assumida como signifi cando que a interpretao cultural apenas posi facto: que, como o campons na antiga histria, primeiro fazemos os buracos ria cerca e depois pintamos os olhos do touro em torno deles. dificil negar que existe muito disso em torno de ns, s vezes em lugares importantes. Todavia, deve negar-se que seja esse o resultado inevitvel de uma abordagem clnica ao uso da teoria.

verdade que no estilo clnico da formulao terica a concei tualizao dirigida para a tarefa de gerar interpretaes de assuntos j sob controle, no para projetar resultados de manipulaes experi mentais ou para deduzir estados futuros de um sistema determinado.

Todavia, isso no significa que a teoria tenha apenas que se ajustar a realidades passadas (ou, mais cautelosamente, a gerar interpretaes convincentes); ela tem que sobreviver sobreviver intelectualmente

s realidades que esto por vir. Embora formulemos nossa inter pretao de uma srie de piscadelas ou um caso de incurso aos car neiros aps a sua ocorrncia, s vezes muito tempo depois, o arca bouo terico em termos dos quais feita tal interpretao deve ser capaz de continuar a render interpretaes defensveis medida que surgem novos fenmenos sociais. Apesar de se iniciar qualquer esfor o para uma descrio minuciosa, alm do bvio e do superficial, a partir de um estado de confuso geral a respeito do que, diabo, est acontecendo tentando colocar os ps no cho ningum comea (ou no deveria) intelectualmente vazio. As idias tericas no apare cem inteiramente novas a cada estudo; como j disse, elas so adota das de outros estudos relacionados e, refinadas durante o processo, aplicadas a novos problemas interpretativos. Se deixarem de ser teis com referncia a tais problemas, deixam tambm de ser usadas e so mais ou menos abandonadas. Se continuam a ser teis, dando luz novas compreenses, so posteriormente elaboradas e continuam a ser usadas.

Tal viso de como a teoria funciona numa cincia interpretativa sugere que a diferena, relativa em qualquer caso, que surge nas cin cias experimentais ou observacionais entre descrio e explica o aqui aparece como sendo, de forma ainda mais relativa, entre inscrio (descrio densa) e especificao (diagnose) entre anotar o significado que as aes sociais particulares tm para os atores cujas aes elas so e afirmar, to explicitamente quanto nos for possvel, o que o conhecimento assim atingido demonstra sobre a sociedade na qual encontrado e, alm disso, sobre a vida so cial como tal. Nossa dupla tarefa descobrir as estruturas concep tuais que informam os atos dos nossos sujeitos, o dito no discurso

5 Admito que isso parece uma idealizao. Como as teorias raramente so decisiva- mente desaprovadas no uso dlinico, tornando-se apenas crescentemente canhestras, improdutivas, deslocadas ou vazias, muitas vezes elas persistem depois que todos per dem o interesse nelas, exceto um punhado de pessoas (embora estas sejam sempre mui to passionais). Com efeito, no que concerne antropologia, 6 quase sempre um problema maior conseguir idias j exauridas na literatura do que conseguir nela idias produtivas e, desta forma, grande parte da discusso terica mais critica do que construtiva, mais do que se poderia desejar, e carreiras inteiras se tm devotado a apressar a morte d noes moribundas. medida que o campo avana, seria de espe rar que essa espcie de controle intelectual de ervas daninhas se tornasse uma parte monos proeminente de nossas atividades. Todavia, no momento, continua sendo ver dade que as antigas teorias tendem menos a morrer do que ir para segundas edies.

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social, e construir um sistema de anlise em cujos termos o que ge. nrico a essas estruturas, o que pertence a elas porque so o que so, se destacam contra outros determinantes do comportamento huma no. Em etnografia, o dever da teoria fornecer um vocabulrio no qual possa ser expresso o que o ato simblico tem a dizer sobre ele mesmo isto , sobre o papel da cultura na vida humana.

parte alguns detalhes de orientao, ligados a assuntos mais de apoio, dessa maneira que a teoria funciona nos ensaios aqui co- lecionados. Um repertrio de conceitos muito gerais, feitos-na- academia e sistemas de conceitos integrao, racionalizao, smbolo, ideologia, ethos, revoluo, identidade, met fora, estrutura, ritual, viso do mundo, ator, funo sagrado e, naturalmente, a prpria cultura se entrelaani no corpo da etnografia de descrio minuciosa na esperana de tornar cientificamente eloqentes as simples ocorrncias. 60 objetivo tirar grandes concluses a partir de fatos pequenos, mas densamente en trelaados; apoiar amplas afirmativas sobre o papel da cultura na construo da vida coletiva empenhando-as exatamente em especifi caes complexas.

Assim, no apenas a interpretao que refaz todo o caminho at o nvel observacional imediato: o mesmo acontece com a teoria da qual depende conceptualmente tal interpretao. Meu interesse na estria de Cohen, como o de Ryle nas piscadelas, surgiu na verdade de algumas noes muito gerais. O modelo da confuso de linguas

a viso de que o conflito social no algo que acontece quando, a partir da fraqueza, da indefinio, da obsolescncia ou da negligncia, as formas culturais cessam de funcionar, mas, ao contrrio, algo que acontece quando, como as piscadelas imitadas, tais formas so pres sionadas por situaes no-usuais ou intenes no-habituais de operar de formas no-usuais no uma idia que me surgiu com a histria de Cohen. Foi uma idia que adptei a ela, instrudo por cole gas, estudantes e predecessores.

Esse recado numa garrafa, de aspecto to inocente, mais do que um retrato das estruturas de significado dos negociantes judeus, dos gurreiros berberes e dos procnsules franceses, ou mesmo da sua interferncia mtua. um argumento no sentido de que remode lar o padro das relaes sociais reordenar as coordenadas do mun

6 O grosso dos capitulos seguintes refere-se Indonsia e aio ao Marrocos, pois eu

havia justamente comeado a examinar meu material sobre a frica do Norte recolhi do mais recentemente, em sua maioria. O trabalho de campo na Indonsia foi levado a

efeito em 1952-1954, 1957-58 e 1971; no Marrocos, foi feito em 1964, 1965-1966, 1968-

1969 e 1972.

do experimentado. As formas da sociedade so a substncia da cultu

ra.

VIII

H uma histria indiana pelo menos eu a ouvi como indiana - sobre um ingls a quem contaram que o mundo repousava sobre uma pla taforma apoiada nas costas de um elefante, o qual,, por sua vez, apoiava-se nas costas de uma tartaruga, e que indagou (talvez ele fos se um etngrafo; a forma como eles se comportam), e onde se apia a tartaruga? Em outra tartaruga. E essa tartaruga? Ah, Sahib; de pois dessa so s tartarugas at o fim.

De fato, essa a situao das coisas. No sei at quando seria proveitoso meditar sobre o encontro de Cohen, do xeque e de Du mari (talvez o perodo j tenha sido excedido), mas sei que, por mais que tenha feito, no cheguei nem perto do fundo da questo. Alis, no cheguei prximo do fundo de qualquer questo sobre a qual tenha escrito, tanto nos ensaios abaixo como em qualquer outro local. A anlise cultural intrinsecamente incompleta e, o que pior, quanto mais profunda, menos completa. uma cincia estranha. cujas afirmativas mais marcantes so as que tm a base mais trmula, na qual chegar a qualquer lugar com um assunto enfocado intensi ficara suspeita, a sua prpria e a dos outros, de que voc no o est encarando de maneira correta. Mas essa que a vida do etngrafo, alm de perseguir pessoas sutis com questes obtusas.

H uma srie de caminhos para fugir a isso transformar a cul tura em folclore e colecion-lo, transform-la em traos e cont-los, transform-la em instituies e classific-las, transform-la em estru turas e brincar com elas. Todavia, isso so fugas. O fato que com prometer-se com um conceito semitico de cultura e uma abordagem inserpretativa do seu estudo comprometer-se com uma viso da afirmativa etnogrfica como essencialmente contestvel, tomando emprestada a hoje famosa expresso de W. B. Gailie. A antropolo gia, ou pelo menos a antropologia interpretativa, uma cincia cujo progresso marcado menos por uma perfeio de consenso do que por um refinamento de debate. O que leva a melhor a preciso com que nos irritamos uns aos outros.

Isso muito dificil de constatar quando a ateno de algum monopolizada por apenas uma das partes do argumento. Os mon logos tm pouco valor aqui, pois no h concluses a serem apresen tadas; h apenas uma discusso a ser sustentada. Alis, se os ensaios aqui reunidos tm alguma importncia, menos pelo que dizem do que pelo que testemunham: um enorme aumento no interesse, no s na antropologia como nos estudos sociais em geral, no papel das for-

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mas simblicas na vida humana. Isso significa que aquela pseudo- o essencial da antropologia interpretativa no responder s nos- entidade impalpvel e mal-definida, que mais de uma vez nos conten- sas questes mais profundas, mas colocar nossa disposio as res tamos em deixar a cargo dos filsofos e crticos literrios remexer, postas que outros deram apascentando outros carneiros em outros voltou ao cerne da nossa disciplina. At mesmo os marxistas citam vales e assim inclu-las no registro de consultas sobre o que o ho agora Cassjrer. e at os positivistas citam Kenneth Burke. mcm falou.

Em meio a tudo isso, minha prpria posio tem sido tentar re istir ao subjetivismo, de um lado, e ao cabalismo de outro, tentar nanter a anlise das formas simblicas to estreitamente ligadas quanto possvel aos acontecimentos sociais eocasies concretas, o mundo pblico da vida comum, e organiz-la de tal forma que as co nexes entre as formulaes tericas e as interpretaes descritivas no sejam obscurecidas por apelos s cincias negras (mgicas). Nunca me impressionei com o argumento de que, como impossvel uma objetividade completa nesses assuntos (o que de fato ocorre), melhor permitir que os sentimentos levem a melhor. Conforme ob servou Robert Solow, isso o mesmo que dizer que, como imposs vel um ambiente perfeitamente assptico, vlido fazer uma cirurgia num esgoto. De outro lado, tambm no me impressionaram as ale gaes de que as lingUsticas estruturais, a engenharia de computa o, ou qualquer outra forma avanada de pensamento possibilitar- nos- compreender os homens sem conhec-los. Nada concorrer mais para o descrdito de uma abordagem semitica da cultura do que permitir que ela deslize para uma combinao de intuio e al quimia, no importa quo elegantemente se expressem essas intui es ou quo moderna a alquimia se apresente.

Na busca das tartarugas demasiado profundas, est sempre pre sente o perigo de que a anlise cu1tural perca contacto com as su perficies duras da vida com as realidades estratificadoras polticas e econmicas, dentro das quais os homens so reprimidos em todos s lugares e com as necessidades biolgicas e fsicas sobre as quais re pousam essas superfcies. A nica defesa contra isso e, portanto, con tra transformar a anlise cultural numa espcie de esteticismo socio lgico primeiro treinar tais anlises em relao a tais realidades e tais necessidades. por isso que eu escrevi sobre nacionalismo, vio lncia, identidade, a natureza humana, a legitimidade, revoluo, et nicismo, urbanizao, status, a morte, o tempo e, principalmente, sobre as tentativas particulares de pessas particulares de colocar es sas coisas em alguma espcie de estrutura compreensiva e significati va.

Olhar as dimenses simblicas da ao social arte, religio, ideologia, cincia, lei, moralidade, senso comum no afastar-se dos dilemas existenciais da vida em favor de algum domnio emprico de formas no-emocionalizadas; mergulhar no meio delas. A voca

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