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A Postura das Conexões Eugênio Berinstein

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A Postura das Conexões Eugênio Berinstein A Postura das Conexões Todos os direitos desta edição reservados ao autor. Publicado por Editco Comercial Ltda. Rua Pedroso Alvarenga, 1046, 9º andar – sala 95 Itaim – 04531-004 – São Paulo-SP Tel: (11) 3706-1492 – Fax: (11) 3071-2567 e-mail: [email protected] Na internet, publicação exclusiva da iEditora: www.ieditora.com.br Eugênio Berinstein São Paulo - 2002

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A Posturadas Conexões

Eugênio Berinstein

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Todos os direitos desta edição reservados ao autor.

Publicado por Editco Comercial Ltda.Rua Pedroso Alvarenga, 1046, 9º andar – sala 95

Itaim – 04531-004 – São Paulo-SPTel: (11) 3706-1492 – Fax: (11) 3071-2567

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Na internet, publicação exclusiva da iEditora:www.ieditora.com.br

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Eugênio Berinstein

A Posturadas Conexões

São Paulo - 2002

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© 2002 de Eugênio BerinsteinTítulo original português:

A Postura das ConexõesIlustração da capa:

Cid Batista de CamposRevisão:

Elina Correa MiottoEditoração eletrônica:

Julio Cesar PortelladaConselho Editorial:

Cid Batista de CamposSimone Mateus

Elina Correa MiottoJulio Cesar Portellada

É PROIBIDA A REPRODUÇÃONenhuma parte desta obra poderá ser reproduzida, copiada, transcrita ou mesmo transmitida por meios eletrônicos ou gravações, assim como traduzida, sem a permissão, por escrito, da autora. Os infratores serão punidos pela Lei nº 9.610/98.

Impresso no Brasil / Printed in Brazil

ISBN 85-87916-14-9

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À G∴D∴ G∴A∴D∴U∴

A todos os incansáveis buscadores da verdade que, mesmo solitários no deserto árido da inquietude, aceitam que a busca já faz parte daquilo que buscam.

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Introdução ......................................................................................... 9Capítulo 1 – O Princípio da Postura ......................................... 15Capítulo 2 – O Caráter Crítico .................................................. 19Capítulo 3 – O Filósofo .............................................................. 23Capítulo 4 – Há Um Grande Filósofo ....................................... 29Capítulo 5 – A Linguagem dos Filósofos ................................. 31Capítulo 6 – Racionais Versus Irracionais ................................ 35Capítulo 7 – Luneta Mental ........................................................ 43Capítulo 8 – Teoria do Conhecimento ...................................... 57Capítulo 9 – Sobre o Princípio Regulador ............................... 81Capítulo 10 – Conexões Cibernéticas ......................................... 87Capítulo 11 – A Cognição Humana ............................................ 95Capítulo 12 – A Consciência ....................................................... 99Capítulo 13 – Consciência e Mundo .......................................... 103Capítulo 14 – Um Novo Conhecimento ................................... 109Capítulo 15 – Uma Nova Linguagem ....................................... 115Capítulo 16 – As Conexões e a Espiritualidade ......................... 119Capítulo 17 – Ética e as Conexões ............................................. 125Capítulo 18 – A Educação e as Conexões ................................. 137Capítulo 19 – Conexões e Sua Perpetuação ............................. 141Conclusão ..................................................................................... 159Bibliografia ................................................................................... 165

Sumário

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Já faz um bom tempo que foi dito aos homens que a razão é a coisa mais bem distribuída no

mundo, e que a causa de seus erros não se encontra na ausência desta faculdade, mas na falta de um método adequado para sua aplicação. Contudo, não obstante o surgimento de vários métodos, os erros mantiveram sua presença na pesquisa da verdade. Pois, embora a razão esteja presente de forma igual em todos os homens, e mesmo ela estando exercitada por um bom método, alguma insuficiência eles viram permanecer na sofrida busca do conhecimento verdadeiro. É desta insuficiência que trata este livro e da maneira pela qual tento dela me ver livre todos os dias de minha vida.

Aos vinte e dois anos me vi egresso de uma faculdade de filosofia, cheio de entusiasmo para aplicar no mundo o humanismo que aprendi nos moldes jesuíticos no seio de uma Ordem; havia aprendido as artes, letras, retórica e um pouco de ciências, o suficiente para convencer o senso comum das verdades adquiridas; sou eternamente grato a essa educação

Introdução

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prenhe de ideais humanos, e se não fosse a falta de liberdade para cultivar e expressar meu próprio pensamento teria neste caminho permanecido. Mas fora deste meio, portanto, percebi que o mundo cultiva ideais que nem sempre podem ser considerados humanos, vendo-me de repente envolvido em conflito, envolto em amarras num mar saturado de preconceitos. Nesta época escrevi algumas páginas sobre aquilo que denomino “prisão sem muros”, quando vi que os homens, embora muitas vezes sem muros ou grades à sua volta, estão presos no seu próprio mundo: sua mente, seus pensamentos, suas paixões, etc. Estas se fizeram na época reflexões imaturas ainda e somente nos últimos anos pude delas fazer uma reelaboração, quando percebi então que estamos todos presos em nossas conexões e que, não podendo delas nos desvencilhar, temos que trabalhar com elas para que sejam ao nosso favor quando o assunto for conhecimento.

Ora, de que conhecimento estou falando?

Do conhecimento humano, enquanto em suas manifestações no campo científico, senso comum, artes, mito e outras, que provêm das relações cibernéticas do homem com o mundo. Não estou aqui confinando o conhecimento em seu aspecto de cientificidade. Digo isto porque muitas vezes considera-se que toda relação humana com o universo se constitui conhecimento, mas que nem todo conhecimento se constitui em conhecimento racional, considerando-se inclusive exemplo de conhecimento racional somente todo e qualquer conhecimento científico, que seja sustentado na experimentação, estabelecido nos rigores lógicos e comunicado preferencialmente em linguagem matemática.

Todavia, sou daqueles que consideram a existência de outros conhecimentos que, embora não fundamentados nos “rigores lógicos”, jamais deixam de ser racionais. O mito, por exemplo,

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presente em muitas culturas como explicação primeira da realidade, não deixa de ser racional. Somente enquanto ser racional e comunicativo pode o homem dar uma explicação à sua realidade, de forma que seja compreensiva aos outros por meio de símbolos, signos e linguagem. O grande problema é que o orgulho do homem civilizado impede-lhe de ver a possibilidade de existência de outras racionalidades que não a sua.

Não obstante, uma das maneiras de trabalharmos as conexões nas quais estamos submersos é usando o conhecimento racional, todavia sem nos escravizarmos a ele. Com o surgimento da filosofia, uma nova postura racional se fez presente nas pesquisas. A partir disto é que falo em postura filosófico-racional: racional, porque supervisionada pelo uso da razão e seus atributos; filosófica, porque reflexiva, auto-avaliadora, sem deixar de buscar a universalidade e a totalidade.

Agora aqui vai um pedido de desculpa. Sim, pois o meu ponto de partida para explicar esta postura é a filosofia, e nada mais fora de moda do que esta disciplina, pelo menos no Brasil. Uma das vítimas do regime militar, procura se reerguer, porque devido às confusões que ocorreram nos tempos de ignorância, coube de tudo no vocábulo “filosofia”. Mas o pedido de desculpas cai bem, pois embora não sendo um livro de filosofia, o leitor se defrontará com ela para presenciar em seu meio a postura filosófico-racional. Além do mais, esta é a minha área de pesquisas. Mesmo assim, será evitado o quanto possível o jargão técnico para que ninguém se desencoraje no caminho; e também para não fazer deste um livro destinado somente a acadêmicos. Este é um livro destinado à humanidade, porque quem o escreve a ela pertence e pretende partilhar com seus pares um pouco de si mesmo. Destina-se, enfim, a todos os que buscam o conhecimento em quaisquer áreas de que se utiliza a humanidade pesquisadora.

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Mas enfim, o que tem a ver filosofia com outras áreas de saber?

Ela está no início dos questionamentos de outras áreas. Desde que um campo da filosofia começa a ser passível de experimentação e controle, eis a formação de uma nova ciência. A psicologia, por exemplo, parte da filosofia até a época moderna, virou ciência com a experiência dos camundongos.

Mas caberia ainda outra objeção: não somos todos filósofos, como dizia Gramsci?

Não compartilho desta opinião. Eu observava muito o comportamento das formigas quando menino e digo que aprendi bastante com este procedimento; mas isto não me fez um cientista (em termos do que isto significa atualmente), no máximo me fez um curioso aprendiz de cientista. Da mesma forma, pensar e lançar frases emotivas num papel, escrever um livro, não faz de ninguém filósofo; pode fazer um pensador ou aprendiz de filósofo. Esta confusão parece provir da má compreensão do que seja filosofia. O ruim é que se acostumou usar o mesmo termo para textos de sabedoria oriental, de auto-ajuda, etc., fazendo com que seja muito fácil compreender tudo. De certa forma isto soa paradoxal: implica que as pessoas acabem valorizando o termo filosofia. Mas para nós filósofos, filosofia é o pensamento racional usado pelos gregos a partir do séc. VI a.C.. Aceito que este pensamento possa ser fruto da sabedoria de outras culturas, principalmente a egípcia e a sumeriana entre outras, mas é um modo novo de pensar, é fenômeno essencialmente grego; fenômeno instigado pelo caráter deste povo inquiridor dos segredos à sua volta, bem como pelo clima político cultivado na Ágora ateniense. Para esta tradição fundada na Grécia fica difícil dizer que todos somos filósofos simplesmente pelo fato de existirmos no mundo. Mister se faz técnica e postura próprias.

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Após seu surgimento na cultura grega, a postura filosófica começou então a ser parâmetro para o conhecimento humano racional, principalmente o científico. E embora nem todos sejam filósofos, todos podem aprender a usufruir desta postura em suas pesquisas nas diversas áreas.

Primeiramente, pretendo dar esclarecimentos sobre os pontos que fazem da filosofia um exemplo da postura filosófico-racional; segundamente, apresento como esta postura pode ser transformada em postura das conexões, ao mesmo tempo em que ela se constitui num instrumento capaz de transmutar a mente das pessoas envolvidas no processo.

Neste livro, o tema vai sendo ampliado no decorrer de suas páginas, iniciando paulatinamente o leitor na postura das conexões. Não é um livro doutrinário; antes, ele pretende encontrar mentes críticas que saibam estabelecer um diálogo coerente e sincero consigo mesmas e com os outros; mentes corajosas o suficiente para estabelecerem mudanças significativas em seu mundo.

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Assim como o cientista se dedica no laborató-rio para decifrar as leis da natureza, compro-

vando ou não suas teorias, também o filósofo debruça-se no laboratório da vida e da natureza, procurando compreensão com suas teorias. Embora muitas invenções procuram aplicar as descobertas científicas no campo tecnológico, não é este o principal objetivo da ciência; o cientista coerente busca a verdade enquanto procura compreender o universo e suas leis. Já o filósofo não se pode dar ao luxo de agradar o meio popular com engenhocas, correndo o risco de se submeter ao utilitarismo.

Podendo estar presente em todos os aspectos da vida humana e nos relacionamentos do homem com o universo e, malgrado o fato de não legar muito aperfeiçoamento tecnológico, a compreensão filosófica torna a vida mais cheia de significado. Se isto não acontece é devido ao fato de que muitos filósofos fizeram da filosofia uma discussão vã, quase chegando a ser devaneios de “loucos” que, longe da realidade e incompreendidos, criaram um Olimpo do saber inacessível aos

Capítulo 1

O Princípio da Postura

“Ao despejar a água da banheira tome cuidado para não despejar também o bebê” (Provérbio Inglês).

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“mortais”. A ciência, ao contrário, a partir do século XVIII foi iniciando mais adeptos em suas fileiras. Embora quantidade não deva significar qualidade, hoje temos consciência de que o saber se desenvolve por discussão crítica e quanto mais pesquisadores estiverem envolvidos no processo maior seleção de teorias poderá haver. Basta observarmos que 85% dos cientistas da história humana viveram no século XX, no qual ocorreram os maiores avanços de que dispomos.

Convém lembrar aqui a distinção que faço entre o historiador de filosofia e o filósofo. O primeiro simplesmente fica na academia ou fora dela relatando e compilando trabalhos sobre a tradição; o segundo, conhecedor também do pensamento de outros, busca dar contribuições criativas e prestimosas à humanidade.

Minha idéia é de que o filósofo de sucesso não se perde em vagas abstrações; ele encarna seu pensamento, aplica-o na sua vida e novas portas lhe são abertas, atingindo o âmago da realidade de um maior número de pessoas. Creio ser esta a razão porque pessoas de diversas áreas conhecem ao menos o básico do pensamento de Platão, Aristóteles, Bacon, Descartes, Marx, etc.; eles filosofaram e ao mesmo tempo traduziram seu pensamento para que chegasse à mente de outros. A evolução racional e moral manifesta ao homem novos aspectos da realidade, antes ocultos por empecilhos como mentalidade enraizada, crenças, hábitos e costumes – um verdadeiro sono hipnótico –, aquilo que tão felizmente chamo de “prisão sem muros”.

O filósofo de que falo, na busca da verdade de todas as coisas em todas as circunstâncias, mesmo que incompreendido despertará uma parcela dos homens de seu sono.

É interessante o caminho da pesquisa filosófica. Primeiro o adepto inicia-se no pensamento e discussões já trabalhadas

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por outros, via leituras ou trabalho de escola, o que facilita a discussão crítica. O problema é que a maioria se detém aqui. Neste primeiro contato cada um recolhe segundo o recipiente que leva: sua educação, suas emoções, caráter, etc.; e o resultado de trabalho tão ardiloso será a formação de uma síntese dos pensamentos mais importantes ou a adesão a uma linha de trabalho. A partir de então, se a primeira iniciação tiver sido intensa e profunda, o adepto passa por uma auto-iniciação, ou seja, passa a buscar respostas próprias aos problemas apresentados ou a burilar as respostas de outros; ou mais ainda, busca formar uma estrutura própria no campo do pensamento filosófico. Está apto a perceber as armadilhas das crenças e dos pensamentos falaciosos. Este iniciado, se moralmente evoluído, devotará sua vida e pesquisas à evolução humana; caso contrário, será o maior dos inimigos de nossa raça e só a morte o deterá. Basta para tanto verificar os fabricantes de ideologias políticas e totalitárias da história, como o fenômeno nazi e outros.

O filósofo, o que passou pela etapa mais profunda, pode pesquisar até o “inferno” de Dante e de lá sair com maior iluminação. E é neste ponto que afirmo minha tese que se apresenta como a divisa do pesquisador, o princípio da postura das conexões:

“NÃO ACREDITAR EM NADA QUE NÃO ESTEJA CONFORME À RAZÃO E NÃO DEIXAR DE LADO NADA ANTES DE SUBMETÊ-LO À RAZÃO”.

Munido deste princípio, o pesquisador não se deixará enganar pelas primeiras impressões de nenhum dado que se lhe apresenta, – precaução que se toma pelo uso do método científico – mas também não considerará nenhum assunto absurdo o suficiente para ser submetido à sua investigação. Fará como aquele cientista que, não acreditando que no

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Triângulo das Bermudas ocorresse fenômeno sobrenatural, pesquisou até chegar à conclusão razoável dos fenômenos das repentinas tempestades de vento e cargas elétricas dos trovões que comumente ocorrem naquela região; e ademais, por este princípio não deve ele ou qualquer outro cientista considerar esta como a última resposta dada ao assunto. Tenho lembrança, igualmente, do biólogo que demonstrou haver muitos chupacabras no mundo: cães e lobos selvagens. O pesquisador não acreditou na história absurda do chupacabras, mas também não deixou de lado o assunto, sem esclarecimento para a população.

Convém então afirmar junto com o amigo da sabedoria: sei o que é, pesquiso o que parece ser e não deixo de aceitar a possibilidade do que pode um dia vir a ser. Melhor para ele nunca esquecer esta divisa, ou então cairá na atitude dogmática (tão destrutiva neste campo) que prende o pensamento a preconceitos. O dogma religioso permite ao fiel segurança no exercício espiritual, mesmo sem ter compreensão do processo envolvido; o dogma científico impede maiores avanços quando se acostuma a ver o mundo com os mesmos olhos; mas o dogma filosófico destrói toda a liberdade no exercício da razão.

O melhor remédio contra possíveis desregramentos vem a ser a atitude crítica, tão cara ao tipo de estudo em questão.

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Posso dizer que desde o início a preparação filosófica deve assumir um caráter essencial-

mente crítico, permitindo debates dos problemas básicos de tal modo que não sejam cerradas as portas da pesquisa às discussões ulteriores. Já salientei antes que com a presença de atitude dogmática não se inicia pesquisa de cunho reflexivo.

Muitos, ao lerem os diálogos Platônicos, percebem a atitude crítica ali presente, como um canto alternado do pró e do contra, não trazendo respostas conclusivas mas incitando os interlocutores (inclusive o próprio leitor) a novas buscas.

Esta atitude filosófica que vem sendo retomada por alguns pensadores após tanto tempo de esquecimento, foi criada na Grécia, no século VI a.C., contrastando ao sistema de outros métodos iniciáticos antigos, nos quais a Tradição era inquestionável, transmitida do Mestre que sabia ao discípulo que não sabia, que por final, ao adquirir a mestria, continuava a ensinar o que foi verdade aos seus predecessores. Para os gregos,

Capítulo 2

O Caráter Crítico

“Os que questionam são sempre os mais perigosos. Responder não é perigoso. Uma única pergunta pode ser mais explosiva do que mil respostas” (Jostein Gardner).

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principalmente depois de Tales de Mileto, o mestre parece se apresentar simplesmente como aquele que pesquisou por mais tempo do que o discípulo e não aquele que sabe mais; tendo ele mais subsídios e conhecendo a amplitude de nossa ignorância, é o que mais tem condições de perguntar e de estimular a crítica. Penso ser por este motivo que a filosofia esteja fora da educação de muitos países antidemocráticos ou em vias de democratização (como é o caso do Brasil da ditadura): a pedagogia antiquada não permite a discussão crítica.

No sistema grego o discípulo, além de poder questionar e criticar o Mestre, podia chegar a tecer uma nova teoria divergindo da tradição transmitida. Neste caminho todos nada mais são do que seu próprio Mestre e Discípulo.

Crítica aqui jamais significa malhar o pau em pessoas ou idéias. Antes de qualquer coisa vem a ser uma análise criteriosa, ou seja, que estabelece critérios permitindo levar qualquer tema à sua profundidade. Para que surta efeitos em riquezas de novas idéias, esta atitude deve estar presente tanto em quem faz a crítica quanto em quem a recebe. Digamos que a atitude crítica limpa as escórias dos terrenos discursivos para que sejam feitas as novas conexões de que falarei mais tarde.

Na primeira etapa do processo iniciático, o aprendiz deve usar a atitude crítica em sua coleta de dados; e por dados entendo problemas levantados e trabalhados por pensadores ao longo da história.

Ao ler os filósofos, ele deve se precaver de dois erros comuns ao neófito apressado, distintos por uma sutil separação: a) o primeiro erro consiste em manter-se passivo, aceitando tudo como se fossem dogmas (literalmente doutrinas fixas), imitando o ganso que engole tudo o que vê; b) o segundo, extremo do primeiro, consiste em criticar demasiado cedo os textos antes mesmo de chegar à sua compreensão. Diante da obscuridade

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de um texto, antes de se aviltar em dizer que o autor errou, deve verificar os véus que ofuscam sua percepção. Creio que vale como antídoto para este caso a Divisa do Pesquisador já mencionada.

Aprendi a ver estas armadilhas em mim mesmo: aos dezesseis anos, julgando-os sem interesse, doei livros que aos trinta procurei avidamente por readquiri-los. Ora, os livros não mudaram, eu é que amadureci em visão.

Já na Segunda etapa do processo iniciático, o caráter crítico deve aparecer em todo o pensamento do filósofo, de outra forma possivelmente tornar-se-á guru de um sistema fechado com qualquer nome seguido de “ismo”. Deve colocar suas teses para serem discutidas criticamente por outros e ter consciência de que seu pensamento nada mais é do que um processo.

Nas duas etapas, portanto, o filósofo deve buscar segurança, porém, cingido de bastante humildade para aprender.

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Quem quer procurar um filósofo nos dias de hoje não deve fazê-lo entre o mofo das

bibliotecas, mesmo que seu amor aos livros tenha tornado-se uma virtude considerável; nem tampouco isolado do meio dos homens. Sua vida deve ser uma alternância entre a meditação silenciosa e o diálogo com os outros, principalmente com seus pares. E é uma pena que durante muito tempo a imagem de filósofo vendida era aquela estampada na capa de alguns livros: um homem sisudo refletindo cabisbaixo ou um barbudo gordo e desleixado. Ao contrário disso, a fina flor da evolução racional e moral da humanidade busca viver em plenitude; fazer a diferença no meio em que vive.

Não raro é vê-lo julgado como o “maluco” que faz algo melhor que passatempo inútil, ocupando-se de sutis controvérsias sobre assuntos onde não é possível conhecimento algum. Que lamentável vermos concepções erradas tanto sobre os fins da vida humana, quanto dos bens que a filosofia busca. Mas é isto que ocorre numa sociedade que supervaloriza o

Capítulo 3

O Filósofo

“Foi dito que para se viver sozinho é preciso ser um deus ou uma besta. Mas há uma terceira possibilidade: ser filósofo” (Niezsche).

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conhecimento que traz efeitos tecnológicos em detrimento da busca da verdade, fato que se apresenta como conseqüência da atitude preconceituosa dos que se intitulam práticos. O homem excessivamente prático muito cuida da sobrevivência do corpo sem muita preocupação e consciência de ser necessário um alimento para seu espírito. A ele só importa o que é útil às necessidades materiais imediatas. Carlyle, conversando com um homem excessivamente prático, que contestava a importância das idéias, lembrou-lhe que certa vez um sonhador publicara um livro composto somente de idéias, chamado O Contrato Social. Os homens ditos práticos da época riram muito dele. No entanto, a segunda edição do livro foi encadernada no período da Revolução Francesa com a pele daqueles que tinham rido da primeira edição1.

Mas... Deixemos o desenvolvimento para a evolução; por enquanto, que os poucos interessados avancem sem medo de morrer, visto que as perseguições agora somente estão ao nível superficial. Muitos filósofos morreram por causa da ignorância e incompreensão humanas, principalmente da incompreensão religiosa.

A verdade definida ou revelada pela autoridade não comporta pesquisas que não venham confirmá-la. Sócrates morreu condenado por perverter a juventude, isto é, por incitá-la a questionar a democracia ateniense. Antes dele, porém, o faraó Akhenaton, no Egito, teve seu império arruinado ao tentar levar seu povo a uma religiosidade racional, sem as superstições dos sacerdotes de Amon. Platão, discípulo de Sócrates, foi exilado de Atenas por motivos políticos. Já seu discípulo, o racional Aristóteles, salvou-se da morte algumas vezes por ser o protegido de Alexandre, o Grande, que havia sido seu aluno na adolescência._____________ .1 O nome do autor deste livro é Jean Jacques Rousseau.

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Cabe aqui meditar se após o ocaso da Civilização Greco-romana a causa do “obscurantismo intelectual” não tenha sido o medo das perseguições. Ou ainda, a formação da algaravia das obras alquímicas com seus símbolos e linguagens obscuros, não foi uma forma de esconder uma corrente de pensamento filosófico por detrás dos véus da fábula? Há estudiosos que afirmam que os filósofos alquimistas evitaram as perseguições colocando diante dos reis e sacerdotes a possibilidade de se conseguir ouro à vontade. É bom lembrar o leitor da antiga máxima: leite para as crianças e carne para os adultos. Podemos citar de passagem as perseguições contra o monge Roger Bacon e a morte de Giordano Bruno e Savonarolla, acusados pela inquisição de desvio das doutrinas dogmáticas. Mas deixemos isto para os historiadores. A nós, cabe lembrar que vivemos em tempos de maior liberdade. Porém, não raro pessoas perdem posições e até empregos por defenderem idéias mais avançadas que sua época. Convém bom senso ao filósofo.

Àqueles, no entanto, que denigrem o valor da filosofia porque esta não chegou a resultados de valor positivo como aos das demais ciências, respondo com a idéia de que a filosofia é a mãe de muitas ciências. Basta um conhecimento tornar-se preciso sobre determinado assunto e eis a fundação de uma nova ciência.

Não obstante, hoje, a filosofia apresenta uma direção a todas as ciências (suas criações) através da epistemologia. O campo científico carecia de uma discussão crítica quanto a métodos, objetivos e veracidade dos conhecimentos. Não é somente o resultado científico mas o próprio conhecimento científico o que também importa. A filosofia, então, busca uma teoria do conhecimento para conseguir um conjunto de princípios que confiram unidade e organização ao saber científico, o que não significa que o papel da filosofia deva se restringir apenas a ser Teoria da Ciência. Concordo em parte com Stephen Hawcking

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ao dizer que a ciência avançou muito e a filosofia não conseguiu acompanhá-la:

“Os filósofos reduziram tanto o escopo de suas indagações, que Wittgenstein, o mais famoso pensador deste século, declarou: ‘a única tarefa que sobrou para a filosofia foi a análise da linguagem’. Que decadência da grande tradição de filosofia de Aristóteles e Kant.”.

Assim sendo, defendo a idéia de que a especulação filosófica esteve presente no trabalho dos grandes nomes da ciência – inclusive no trabalho do próprio Hawking. Grandes filósofos como Newton, Popper e Kuhn foram cientistas.

Vale dizer que os filhos estão voltando ao seio da mãe. Mas vale dizer também que não se faz filosofia hoje sem estudar o saber científico. Esta é a tese que defenderei no capítulo sobre a interdisciplinaridade. No mais, continua a filosofia em seu estudo no que concerne aos problemas que ainda existem, principalmente os de interesse à nossa vida espiritual e mental. O universo tem um plano ou é movido pelo acaso ou a lei das probabilidades? A consciência é parte do Universo? Ou é simplesmente um acidente natural que será destruída juntamente com ele? O mal, tem existência objetiva? Sem falar ainda das clássicas perguntas: quem sou? De onde vim? E para onde vou?

A filosofia não tem a verdade, tanto quanto ela é uma estrutura cibernética de conexões. Cada verdade me parece ser um caminho. E cada vez mais descubro que o caminho para a verdade já faz parte da própria verdade que buscamos.

Na abordagem sistêmica da Teoria de Santiago, viver é conhecer, e conhecer envolve todo o processo da vida na resolução de problemas, desde os seres unicelulares até o homem. Assim sendo, o ser humano desenvolveu as diversas áreas de saber como suporte e auxílio na resolução de seus problemas.

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Partindo deste prisma, vejamos como a filosofia é consid-erada.

Alguns a consideram como (A) uma coisa tal que com a qual ou sem a qual o mundo fica tal e qual, ou seja, ela é nada mais que passatempo inútil que não resolve nenhum problema da humanidade.

Por outros ela é tida (B) como a panacéia que irá curar todos os males da sociedade.

Ora, diante do quadro apresentado, posso dizer que a filosofia (mesmo que esperemos isto dela) não dá soluções finais a nenhum problema, ao contrário, ela “cria” problemas, identifica-os, onde o senso comum e outras áreas se encontram em tranqüilidade. Ou seja, principalmente quando ela não se contenta com as respostas dadas às perguntas.

O filósofo tampouco deve ser um funcionário passivo de estruturas, ou sua filosofia será apenas um instrumento para que elas permaneçam. No mais, podemos dizer juntamente com Husserl: “Somos, em nosso trabalho filosófico, funcionários da humanidade”2. A idéia “Philosophia ancilla Theologiae”3 ruiu por água abaixo. A filosofia não é serva de ninguém (menos ainda de estruturas religiosas), nem mesmo da verdade pois quem pode garantir a sua posse? Um filósofo pode ser um bom religioso, mas um religioso dogmático dificilmente será um bom filósofo sem conflitar com sua religião.

Concluo este ponto dizendo que a Contemplação Filosófica leva o homem para além do círculo de seus interesses pessoais como família e amigos; ela o torna um cidadão do Universo e não apenas dos muros nacionalistas. Esta contemplação amplifica _____________ .2 HUSSERL, E. La crise des ciences européenes, p.1423 A filosofia é serva da teologia. Divisa usada pela Igreja no medievo e que ainda persiste em certo sentido, visto que o Papa atual a preconiza em sua obra Fides et Ratio.

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não só os pensamentos bem como a ação e afetos humanos. Como cidadão do mundo ele é livre das falsas esperanças e dos medos, frutos da mesquinhez humana que atravanca o progresso individual e coletivo.

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Já quando cursava a graduação nos anos 80, percebi que a história da filosofia pode ser

comparada a um grande filósofo que vai descobrindo novas respostas às suas perguntas. De início, esta comparação parecia me levar à impressão de que o conhecimento cresce de forma cumulativa, quer dizer, cada resposta vem sobrepor-se à outra que se torna então obsoleta. Quando uma teoria é afirmada, outro pensador a rebate com uma nova versão teórica que acaba por ser considerada a nova verdade. Nem o próprio conceito verdade escapou a este processo. Todavia, com o tempo percebi que cada filósofo não está nem totalmente certo nem totalmente errado. Esta contradição aparente – como qualquer contradição levada a sério – me deixou em desespero por falta de solução; existia apenas uma vaga esperança de um dia achar uma síntese explicativa para tudo isto.

Novos questionamentos chegaram: a verdade é relativa, é objetiva ou algo subjetiva? Ou ainda, existe algo chamado verdade?

Capítulo 4

Há um Grande Filósofo

“Somos protagonistas (podemos ser) de nós mesmos, mas ainda assim somos os extras ou os figurantes de algum drama maior” (Frederich Flach).

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Com estas perguntas a filosofia retirou o chão “seguro” que havia sob meus pés e demorei muito tempo para reencontrar o caminho da pesquisa. Não obstante, prossegui com estudos em busca de ordenamento para meus pensamentos. Somente nos últimos anos descobri algumas soluções ao impasse.

À luz de novas descobertas científicas, de longe podemos dizer que o conhecimento humano é cumulativo. Ele parece mais um processo aberto a novas direções sempre. No caso dos filósofos e suas verdades, é como se a realidade tivesse várias facetas em sua manifestação; um percebe uma face, outro percebe outra; outros percebem relações entre estas faces, etc.

De acordo com o método de observação, quer dizer o ponto de vista do observador, o objeto observado se transforma à sua frente. Mas sobre isto falarei ainda. Neste ponto quero apenas chamar a atenção de quem quer se embrenhar pelos caminhos da pesquisa filosófica, no que concerne à interação que existe no campo das doutrinas, que observe o seu desenrolar pela história como se fosse obra de um único pensador, que aprende com suas tentativas, com seus erros e acertos. Que observe não o ângulo dos fragmentos mas o ângulo da interação, despertando para a possibilidade de que a verdade seja um movimento do Espírito em direção ao todo4.

Sem a prisão das estruturas fixas mas atentando-se ao movimento, chega-se ao desaparecimento do desespero, e a pesquisa torna-se dinâmica e possível.

_____________ .4 A evolução do conhecimento filosófico não segue diferente da evolução de todo o mundo da cultura. No que concerne a este tema remeto o leitor ao meu estudo realizado sobre a teoria dos três mundos de Karl Popper, que será exposto no capítulo 19.

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Às vezes chegamos à conclusão de que o problema da maior parte das idéias

apresentadas sob o rótulo “filosofia” é que poderiam simplesmente ser expressas em língua estrangeira, visto que os não-filósofos não entendem de qualquer maneira. Quando se busca compreensão por trás de todo aquele palavreado, na caça de uma idéia luminosa e profunda, geralmente depara-se com uma idéia simplíssima. O resto acaba por parecer apenas elemento decorativo, camuflagem para impressionar os que não foram iniciados.

Verdade é que o senso comum tem o costume inevitável de colorir a linguagem simples com as experiências cotidianas, mitos e superstições, o que pode vir a ser o motivo principal pelo qual os filósofos nem sempre usam linguagem acessível. Não obstante isto, considero que não há necessidade de exacerbar

Capítulo 5

A Linguagem dos Filósofos

“Podemos, através da fala e da pena, tornar os homens mais esclarecidos e melhores” (Voltaire).

“Se eu concordo com Derrida nalguma coisa é nisto: que a filosofia é escrever, e que deve aprender agora a ser uma escrita cuja autoridade está sempre a ser reconquistada, não herdada ou ganha por ser filosofia” (Hilary Putnan).

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vocábulos técnicos, demonstrando profundidade no assunto. Ao contrário, o profundo conhecedor encontra meios de transmitir por meio da simplicidade. No mais, podemos deixar os termos complexos para nossos encontros e congressos e conquistar um maior número de adeptos à nossa causa. Mas vale o aviso para aquele que quiser aprofundar-se: terá que enfrentar as complexidades do jargão da filosofia.

Tomemos um exemplo do livro “The Linguage of Time”, de Richard M. Gale, da p.107: Para apresentar a centralidade conceitual da verdade analítica de que uma causa presente não pode ter um efeito passado, procuraremos imaginar um exemplo anticonvencional desta verdade e observaremos quais reformas conceituais correspondentes temos de realizar.

O texto pode ser reescrito assim:

Para apresentar a idéia central da análise de que uma causa presente pode ter um efeito passado, imaginaremos um exemplo incomum e observaremos que mudanças quanto a isto temos que realizar em nossos conceitos.

O leitor escolhe qual das opções é a mais clara e acessível. Tudo depende também do destinatário do texto, para quem o autor pretende escrever, se é a um público especializado ou se ao público em geral, de diversas áreas. Se o filósofo pretende que suas obras não sirvam de alimento aos carunchos numa biblioteca municipal, que siga os passos de Platão, Descartes, Bacon, Hume, Russel e outros, que escreveram com idéias claras e distintas. Se não for assim, o leitor de obras filosóficas terá que entrar no jogo das palavras como se vê no seguinte adágio:

Sei que você pensa que entende o que você pensou que eu disse mas não tenho certeza de que o que você ouviu foi o que eu quis dizer.

E ainda para valorizar a simplicidade, dou a palavra ao Sr. Einstein:

“Quanto maior for a simplicidade das premissas, mais impressionante

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é a teoria, maior o número de coisas diferentes com as quais se relaciona e mais extensa sua área de aplicação”. (Notas autobiográficas, p. 38).

Porém, que fique esta lembrança à guisa de observação: na maioria das vezes é difícil transmitir aos outros em forma de argumentação lógica o que a nós se impôs com uma evidência quase ofuscante.

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Qualquer pessoa bem informada e munida de bom senso hesitará em afirmar a

racionalidade humana. O homem demonstra, em muitos aspectos, ser altamente irracional: as manchetes e uma auto-análise bem o atestam. Mas de minha parte vejo que desde que a luz da razão manifestou seu brilho aos humanos primitivos o homem vem procurando realizar sua racionalidade, ou seja, estabelecer-se como um ser racional no verdadeiro sentido da palavra. O esforço científico é uma destas belas tentativas e, digo en passant, com enorme sucesso, nem por isto devendo ser considerado como o detentor da verdade.

O homem foi definido como animal racional e viu nisto sua glória perante as coisas; sua racionalidade o alçava às alturas e ao mesmo tempo com ela criava coisas que o colocavam fora do equilíbrio natural. Todavia, eu não tenho a petulância de definir

Capítulo 6

Racionais Versus Irracionais

“Todos os homens são suficientemente loucos para se acreditarem racionais” (Erasmo de Roterdã).“Qual a importância do racional em filosofia? Digo, ela é essencial. A razão não é tudo, porque não é ela que dará o ponto de partida de nossa filosofia, mas é ela que permitirá estruturá-la. Não há filosofia sem estruturação” (Chaïm Perelman).

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o homem: não o vejo como animal ou como racional. E não sei até que ponto posso considerar como razoável o dito de Bacon: “Os homens não são animais eretos, mas deuses imortais”. O homem para mim é um mistério, apresentando aspectos de animalidade e aspectos de racionalidade e ainda outros aspectos que não posso no momento vislumbrar.

Enquanto ser racional, e seja qual for o significado deste termo, o homem, para exercer a postura das conexões, deve também prestar alguma atenção aos princípios da lógica. Não devem ser esquecidos os princípios racionais, por exemplo. Princípios porque sem eles não se faz raciocínios seguros; racionais porque são o fundamento do exercício da racionalidade humana. Deve-se lembrar também dos dois modos de raciocinar do homem: pela indução e pela dedução. O raciocínio não é um só ato intelectual, mas vários atos intelectuais intimamente conectados entre si, formando um processo de conexões cognitivas. Conexões pressupõem conexões.

Pelos processos racionais da dedução e da indução parte-se do já conhecido ao que ainda não o é, ou seja, adquire-se novos conhecimentos a partir dos conhecimentos já adquiridos.

Pela dedução parte-se do que já está estabelecido como verdade ou como princípio geral para que a isto sejam submetidos todos os casos demonstrados em seguida. Ou seja, parte-se do geral para que ele se aplique a todos os casos particulares iguais. O esquema pode ser demonstrado assim:

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A Postura das Conexões

Vejamos com um exemplo: temos as leis da física newtoniana e um caso particular a ser estudado como o tempo e a velocidade de um astro para efetuar o movimento de rotação ao redor de seu eixo; aplica-se as leis gerais da física newtoniana a este ou outros casos particulares iguais, obtendo resultado verdadeiro ou não. Isto pode ser expresso também de uma forma lógica simples:

Todos os X são Y (Teoria geral)

A é X (caso particular)

Logo, A é Y (dedução)

Mas como chegar à teoria geral ou Verdade, para que se proceda a dedução? Alguns optam pelo caminho mais curto que é se ater, por exemplo, à revelação de alguém, que por sua vez pode ser um profeta honesto ou vigarista.

No entanto, há também o procedimento racional da indução. Por ela procede-se de forma inversa ao da dedução; parte-se de casos particulares iguais para se chegar à teoria geral que explica todos esses casos particulares. Verificando que o ferro conduz eletricidade, que o cobre o faz da mesma forma, o ouro, igualmente, induzo disto que os metais (gênero a que pertencem os compostos citados) conduzem eletricidade. O esquema pode ser exposto pela seguinte figura:

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O filósofo Charles Sanders Peirce aventou uma outra modalidade de inferência racional denominada de abdução. Segundo ele, ela é uma espécie de intuição que não se dá de uma só vez, chegando-se a uma conclusão seguindo passo a passo. Ele oferece como exemplo o modo como os detetives formam uma teoria para o caso que investigam após coletarem indícios e sinais afins. Faz-se uma construção teórica, oposta à mera indução dos casos referidos.

A forma mais usada pela ciência em suas buscas é a indução, principalmente preconizada por Francis Bacon e levada ao extremo por Hume. Entretanto a indução tem sido também alvo de muitas críticas da parte de certos filósofos. Mas com toda a razão: as premissas não fornecem uma boa evidência para a conclusão. Explico-me de forma mais detalhada.

É impossível comprovar empiricamente uma teoria universal utilizando-se de casos particulares qualquer seja o número deles; basta-lhe uma única exceção para desabar toda a estrutura. Todos os cisnes são brancos (T); ora, não tenho condições de dizer que todos os cisnes foram observados, e bastará um cisne cinza ou preto para falsear a teoria geral (T). Este é um dos grandes problemas da filosofia que ainda se encontram sem solução. Popper, em seu “Conhecimento Objetivo”, diz “Assim penso ter resolvido o problema da indução”, mas verificando atentamente vemos que ele só pensou que havia resolvido mas não o fez.

Não vamos parar de adquirir conhecimentos por meio da indução e a ciência não deve ser impedida de seu uso pelo simples fato de haver aí um problema filosófico sério. O que se pede ao pesquisador é cautela na formulação da teoria ou princípio geral no caso da indução e cautela no caso da dedução quando for comprovar uma teoria geral e sua veracidade por meio de casos particulares.

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Como me direciono também aos pesquisadores de diversas áreas vejo a necessidade de apresentar os princípios racionais tão conhecidos dos filósofos. Os três primeiros princípios foram enunciados por Aristóteles já no séc. IV A.C., considerados como leis do raciocínio à medida em que é impossível raciocinar desobedecendo-lhes; respeitamo-los ou desrespeitamo-los até mesmo quando não conhecemos o que são e quais são.

A) Princípio de Identidade

Seu enunciado pode ser: “A é A” ou “O que é, é” ou “p=p”.

O princípio de identidade, podemos dizer, é a condição do pensamento, pois sem ele não podemos pensar.

Traduzindo em palavras ao leigo: “Dado um enunciado, ele é sempre igual a si mesmo”. P=P.

B) Princípio da não contradição

Seu enunciado é: “X é X e é impossível que seja, ao mesmo tempo e na mesma relação, não-X”.

Ou ainda, nas palavras de Aristóteles:

“É impossível que o mesmo atributo pertença e não pertença, ao mesmo tempo e sob a mesma relação, ao mesmo sujeito” (Aristóteles, “Metafísica”, livro 620): ~(p. ~P).

Exemplo: é impossível que minha caneta seja e não seja caneta ao mesmo tempo.

C) Princípio do terceiro excluído

Seu enunciado é: “Ou L é X ou é Y e não há terceira hipótese”.

Dado um enunciado ou ele é verdadeiro ou ele é falso. Não existe terceira hipótese. (pv~p).

Ou este homem é Paulo ou não é Paulo.

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D) Princípio da razão suficiente

Segundo este princípio podemos dizer que “tudo o que existe e tudo o que acontece tem uma razão (causa ou motivo) para existir ou acontecer, possível de ser racionalmente conhecido”.

Se ocorrer A necessariamente ocorrerá B e se tenho B necessariamente houve A. p→q

Ex.: se se fizer a água atingir cem graus em CNTP, ela ferverá.

Numa abordagem rápida, munida de senso comum, pode-se levianamente dizer que estes princípios são óbvios e sem merecimento de maiores atenções; porém, basta um olhar atento para nossos pensamentos e para os pensamentos dos outros a fim de verificarmos que muitas vezes erramos por falharmos contra esses princípios.

Convém algumas observações quanto a este capítulo.

Hoje sabemos que o conhecimento racional-científico não é tudo. Ele nos evita os desvios dos ímpetos imediatos, mas sozinho não nos leva ao âmago da compreensão do real. Muitas misérias advieram do endeusamento desse tipo de saber como única forma de conhecimento; quantos conhecimentos foram rechaçados sob rótulo de metafísica barata. Porém, não esqueçamos quanto sucesso obtivemos ao exercermos com ele a racionalidade, buscando eliminar as inquisições, os totalitarismos e outras criações de nossa sociedade com fundamentos irracionais. Não penso ser salutar cairmos no outro extremo do pêndulo, isto é, rechaçarmos a razão como a inimiga da vez em favor de fantasias. O que penso é haver necessidade de nos expormos aos diversos modos de conhecer, sem que nenhum modo se sobreponha como o único e melhor.

Proponho, isto sim, a postura filosófica racional para o

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sujeito conhecedor. Racional, porque supervisionada pelo uso da razão e seus atributos; filosófica, porque reflexiva, auto-avaliadora, sem deixar de buscar a universalidade e a totalidade.

Com esta postura, escapar-se-á da tirania das atitudes irracionais sem deixar de lado nenhuma forma de relação cibernética que se constitui conhecimento. É isto o que a torna uma postura de conexões. E mais, este livro todo acaba sendo uma insistência para que esta postura filosófico-racional realmente torne-se uma postura de conexões.

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No que concerne às nossas atitudes mentais em relação às coisas, parece que elas

tornam-se óculos coloridos pelos quais olhamos o mundo. Mais ainda. Quando as atitudes mentais se enraízam assemelham-se a muros invisíveis que nos aprisionam no reino dos preconceitos. Ficamos presos na “prisão sem muros”. Acabamos por imitar o sapo da anedota indiana que incessantemente queria compreender a extensão do Oceano com os critérios de um poço.

Certa vez havia um sapo num poço, e quando um amigo informou-lhe da existência do Oceano, ele perguntou-lhe:

“O que é o Oceano?”

“Ele é um vasto poço de água”, replicou o amigo.

“Mas qual o seu tamanho? É duas vezes o tamanho deste

Capítulo 7

Luneta Mental

“Olhos cada vez mais perfeitos em um mundo em que há sempre mais a ser visto” (Pierre Teilhard de Chardin).“O pouco que vemos é devido ao pouco que somos” (Jacques Bergier e L. Pawells).“A descoberta consiste em ver o que todo mundo viu e em pensar o que ninguém pensou” (Szent-Gyorgy).

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poço?”

“Não. Muito maior.”

“Quantas vezes maior?”, insistiu.

E assim prosseguiu o sapo com seus cálculos, mesmo sem ter adquirido as mínimas condições de entender a vastidão do Oceano.

Alguém que nunca saiu de sua tribo corre o risco de pensar que sua tribo é o mundo todo. As civilizações americanas dos Incas, Maias e Astecas parecem ter sofrido dessa patologia quando consideraram, por meio de suas lunetas mentais, os espanhóis invasores como deuses salvadores montados em carruagens. Não atentaram para a possibilidade de haver uma outra cultura, com avanços tecnológicos diferentes, porém, bárbaros ainda em muitos aspectos.

Como bem o afirma Willian James, há inúmeras verdades dentro de uma só realidade, isto é, percebemos o mundo em relação à nossa mente carregada de suas conexões.

Podemos dizer que ao buscador não convém confiar em doutrinas especiais, jamais confinando sua maneira de pensar a uma teoria dogmática. Ele deve estar sempre pronto a revisar os fundamentos de seu conhecimento, frente a uma nova experiência, seja ela de vida ou científica. Uma das razões da ocorrência desta patologia é que a estrutura do pensamento humano parece ser determinada, da infância à juventude, por idéias e sentimentos que tivemos ou recebemos durante o processo de formação, principalmente pela influência de personalidades fortes que nos rodeiam. Sem dúvida, tudo isto vai se constituindo na “luneta mental” pela qual observamos as coisas.

Outra razão é que pertencemos a uma comunidade – a uma sociedade. Esta sociedade encontra sua coesão também na

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comunhão de idéias, além de valores éticos e fatores lingüísticos. A sociedade também se divide em grupos. Tanto ela como um todo ou os grupos, na manutenção de sua estrutura, tornam-se muitas vezes repressivos no tocante a novas idéias que surgem em seu bojo.

É famosa a citação do filósofo Aristóteles de que “o homem é um animal social”, exposta em seu livro A Política, reiterando ainda que para se viver sozinho é preciso ser ou um animal (uma besta) ou um deus. Realmente, ninguém é muita coisa sozinho. Até mesmo no sentido material nada se consegue sem a ajuda dos outros. Imaginem só se para poder comer meu pão de manhã eu tivesse que plantar o trigo, moê-lo, preparar a farinha e mexer a massa sozinho; comeria pão uma vez por ano?

Na dimensão psicológica também percebemos a necessidade dos outros.

É conhecido dos cientistas o caso dos “meninos-lobos”, crianças que foram criadas na selva, tendo alguns animais como referências psicobiofísicas; elas apresentavam maneiras de ser peculiares aos animais, inclusive certos grunhidos para comunicação entre si.

Como a programação cerebral se dá em sua maior parte durante os primeiros anos de vida, ficou difícil torná-las sociáveis entre os homens. Este caso serviu como prova aos cientistas de que o ser humano precisa do referencial de outros de sua mesma espécie para que estruture sua própria personalidade.

Conheço também o caso de um fazendeiro que por motivos de sobrevivência teve que acostumar uma ovelhinha a tomar leite de vaca e a conviver com o gado bovino. Encontrando-se saudável e já maior, a ovelha foi colocada novamente no meio de sua espécie e, para espanto geral, manifestou crise de identidade.

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Assim, igualmente nos identificamos com as idéias que fundamentam a vida mental do grupo. Esta identificação pode trazer segurança ao grupo e qualquer idéia que venha colocar esta segurança em perigo é considerada herética. É por isto que apoio então o dizer de Bernard Shaw:

“Todas as grandes idéias começam por ser heresias”

A necessidade que temos dos outros é a principal causa da formação dos diversos grupos sociais. Mas aí surge a seguinte questão: se esta necessidade de viver em sociedade é a causa dos grupos sociais, por que encontramos as sociedades divididas em classes diferentes?

No caso individual, a “luneta da mente” muitas vezes leva o pesquisador ao fechamento, ao dogmatismo, ou ainda, ele acaba unindo-se a um grupo de pessoas afins, que continuarão a perpetuar e defender a “verdade” doutrinal como se fosse um catecismo. Muitos autores pregam, seguindo o pensamento de Popper, que as nossas teorias devem ser postas à refutação, para que sejam testadas e confirmadas. Mister se faz tomar cuidado para que o método dialógico tão caro à pesquisa filosófica, não acabe por se tornar uma técnica retórica dos novos sofistas.

Mas proponho a necessidade de que o processo de exposição a críticas deva ser iniciado já na mente do cientista, analisando sua luneta, seus óculos de ver a realidade, abandonando o que vem a ser excrescências.

Posso citar como exemplo o que aconteceu na física. Quando Einstein se defrontou, face à experiência de Michelson-Morley, com a ineficácia da mecânica de Newton para resolver o problema da Luz, teve que introduzir uma nova suposição teórica que se reconciliasse com os fatos experimentais. Fato semelhante acontece hoje com as novas descobertas da mecânica quântica, que vieram explicar outros aspectos da realidade dantes

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não explicados nem pela teoria newtoniana nem pela teoria da relatividade. No campo científico denominaram este processo de mudança de paradigmas.

O termo paradigma hoje é muito conhecido do público devido à sua divulgação pelos autores e conferencistas do mundo da “autoajuda”. É explicado como padrões mentais do indivíduo, pelos quais ele interpreta a realidade. Mas para os discípulos da ciência e da filosofia a compreensão do termo se dá um pouco diferente, após ser introduzido pelo cientista e historiador da ciência Thomas Kuhn.

A teoria epistemológica que Kuhn pretendeu superar acredita, entre outras coisas, que a observação é a principal origem da produção de conhecimento científico, e que este se dá principalmente por indução. Este conhecimento cresce por acumulação linear e quando estabelecido é tomado por definitivo.

Ao contrário, Kuhn teoriza que a observação aparece antecedida por teorias e que não há justificação lógica para o método indutivo. O saber daí advindo não se apresenta como definitivo, mas carregado de caráter inventivo e construtivo. Este caráter inventivo constitui o fundamento do que se chama então de paradigma.

Embora cheio de ambigüidade, pois Kuhn utilizou-o em sua obra, Estrutura das revoluções científicas, de vinte e duas maneiras diferentes, o termo geralmente é empregado para designar todo o conjunto de compromissos de pesquisas de uma comunidade científica: seus valores, suas crenças, técnicas, etc.

Após um período de ciência normal, de tranqüilidade no qual um grupo de cientistas adere a um determinado paradigma, ocorre uma crise e este paradigma não serve para resolver antigos problemas. Daí então acontece o que se chama de revolução científica, quando um cientista, geralmente novo na academia

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ou mais jovem, consegue romper com o antigo paradigma e apresentar novidades.

Num primeiro momento, a comunidade científica tal qual um concílio episcopal não aceita a nova revolução. Somente quando novos cientistas crescem acostumados com a nova luneta mental é que muita coisa se esclarece.

O termo paradigma se encaixa bem para explicar as revoluções que ocorrem na história da ciência. No entanto, nisto há algo mais do que paradigmas. Na evolução do conhecimento científico cabe também outros elementos que levam o cientista às teorias.

Todavia, como na teoria do conhecimento temos que compreender como o cientista chegou a suas teorias e compreender igualmente a validade de seu conhecimento, não vamos causar confusões acrescentando novas explicações ao termo “paradigma”. Assim sendo, ao nosso conceito de “lunetas mentais”, vou acrescentar, isto sim, além dos paradigmas (entendidos segundo a história da ciência), os padrões mentais do indivíduo e os pressupostos filosóficos.

Tomo primeiro a questão dos pressupostos filosóficos.

Muitas vezes as revoluções científicas passam, mudam-se os paradigmas, mas certos pressupostos filosóficos permanecem. É preciso aprender a identificá-los.

Estes pressupostos fundamentam a vida do senso comum, a literatura, a organização social, a evolução tecnológica e não raro, de maneira sutil, até a ciência. Na literatura, por exemplo, temos a lista de “ismos” influenciados por correntes filosóficas, como o romantismo, o naturalismo, etc. Na economia tivemos o liberalismo econômico preparado pelas idéias de Locke (com seu Estado Natural), Adam Smith (com o princípio da mão invisível) e outros; o pragmatismo de nossa evolução tecnológica

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é outro exemplo. Outrossim, como a ciência hoje goza de status elevado junto ao público, é por meio dela que muitos pressupostos chegam a influenciar a sociedade.

Um caso bem claro disso é a chamada “partição cartesiana”.

René Descartes, que viveu na primeira metade do século XVII, foi o primeiro grande filósofo do novo período da ciência iniciado com Galileu. Sua preocupação inicial foi com a validade do conhecimento humano e, suas idéias, apresentadas no seu Discurso sobre o Método, dizem respeito ao desenvolvimento do método científico.

Ele parte alicerçado na dúvida e no raciocínio lógico, tentando encontrar uma base completamente nova para erigir um sistema filosófico. Seu método começa com a dúvida metódica, levantando suspeitas sobre aquilo que nos contam os sentidos. É famosa sua sentença “cogito ergo sum”, isto é, “penso, logo existo”, que na verdade parece ser uma paráfrase da sentença de Santo Agostinho: “se duvido, logo existo”5. No caso de Descartes é o mesmo que afirmar ser a única certeza que tenho de minha existência o fato de estar pensando.

A partir de então, Descartes estabelece a relação entre o “Eu” e o mundo através da polaridade entre “res cogitans” (coisa pensante) e “res extensa” (coisa extensa), favorecendo a separação dos três conceitos fundamentais para a época, ou seja, Deus, mundo e Eu. Deus ficou então separado tanto do Eu quanto do Mundo, alçado bem alto, acima do mundo e dos homens. Ocorreu também a separação entre matéria e espírito, entre alma e corpo, perdendo-se de vista o ideal dos antigos gregos que tentaram achar uma ordem, na infinita variedade de coisas e fenômenos, procurando algum princípio fundamental de unificação, ao contrário do que fez Descartes procurando _____________ .5 “Se me engano, chego à conclusão que existo, pois aquele que não existe não se pode enganar, e, precisamente porque me engano, sinto que existo”.

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estabelecer a ordem por meio de uma divisão fundamental.Não convém atribuir-lhe a culpa de dar uma nova direção

ao modo de encarar o mundo. Na verdade ele apenas formulou de maneira sólida os pressupostos subjacentes no pensamento humano, que já eram sentidos na Renascença Italiana e na Reforma, após terem sido lançados pela filosofia de Platão na Grécia. O Platonismo, aproveitado por algumas religiões, acabou disseminando a dicotomia existente entre matéria e espírito no pensamento ocidental. Se esta dicotomia fundamentou diversos alicerces de nossa vida, por que razão nosso espírito científico escaparia de seu campo de ação?

Parecia haver também, na época de Descartes, uma premente necessidade histórica de separação entre ciência e religião. Devido talvez aos abusos das proibições, sanções e perseguições da parte do poder religioso estabelecido, não só em Descartes, mas também em todos os filósofos do iluminismo que fundaram o pensamento da modernidade, encontramos uma busca desta separação. Penso que esta busca muito influiu na fragmentação que se iniciou no pensamento moderno e que procuramos abandonar nestes últimos tempos.

É minha opinião de que com Descartes a divisão penetrou mais facilmente no pensamento científico, todavia não vejo necessidade de imputar-lhe a culpa de um desastre epistemológico. Lendo suas obras encontramos muitas vezes a presença de um conjunto coeso, e a fragmentação como uma forma didática apenas; os discípulos que se intitularam cartesianos exageraram por demais esta divisão. Os animais, por conseguinte, foram considerados como máquinas e não foi difícil pensar o mesmo a respeito dos homens. E ainda, visto que “coisa pensante” e “coisa extensa” eram consideradas como sendo completamente diversas e separadas em essência, não parecia admissível que uma agisse sobre a outra. Portanto, a mente foi considerada como sendo determinada no exercício de

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sua função por princípios que correspondiam às leis da física e da química.

Esse pressuposto filosófico, digo, esta “luneta mental”, teve grande receptividade nos meios da ciência natural. A mecânica de Newton juntamente com as partes da física clássica, construídas segundo seu modelo, sofreram influência sutil deste pressuposto, quando pretenderam descrever o mundo sem fazer menção ao espírito e às realidades humanas.

Um outro exemplo de pressuposto mental que ultrapassou gerações e ainda emite sombras veio com a teoria de Darwin: tanto o darwinisno como o neodarwinismo rezam que os organismos, sob pressão da seleção natural, gradualmente se adaptam ao seu meio ambiente até atingir o ajuste suficiente para a sobrevivência e reprodução; mais, levou ao senso comum a idéia de evolução por meio da competição existente na natureza – a lei do mais forte. Hoje, esse pressuposto dá lugar à idéia de cooperação no processo evolutivo – a vida evolui por meio de redes.

Ainda do pensamento darwiniano nos veio o pressuposto do “princípio oculto”. Darwin, para escapar (penso eu) de tocar no assunto criação ou transcendência e ao mesmo tempo não precisar responder a pergunta “qual é a causa?”, fala em muitas páginas de seu Origem das espécies: “a natureza fez, seleciona, etc...”. Mas então a natureza tem vontade, objetivos? Por que então não dar logo o nome de Deus? Alguns preferem atribuir a causa aos genes, tipo “o gene egoísta”, mas aposto que o gene não concordaria com isto. Outros, embora abertos ao pensamento sistêmico, nem percebem que professam o princípio oculto, como Fritjof Capra:

“Na nova visão sistêmica, ao contrário, a mudança evolutiva é vista como resultado da tendência inerente da vida para criar novidade, a qual pode ou não ser acompanhada de adaptação às condições

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ambientais em mudança” 6.

Neste caso o princípio oculto foi atribuído à vida.

Paradigmas foram mudando e alguns pressupostos perma-necendo.

Todavia, com o advento da teoria quântica, percebemos que a ciência não se restringe simplesmente a descrever ou explicar a natureza, mas que ela própria é resultado de nossa interação com a natureza. Durante toda a história da ciência, a maneira como pensamos o funcionamento da natureza foi influenciada pelas ferramentas utilizadas para investigá-la. Assim tivemos o relógio, o máximo da tecnologia na época de Isaac Newton e Descartes, que acabou estimulando conexões mecanicistas do sistema solar, influenciando igualmente a filosofia e mesmo idéias teológicas. Tivemos ainda a máquina a vapor, que foi emblema da primeira revolução industrial; dela advieram modelos termodinâmicos que ressaltam o trabalho, eficiência e perda de calor, morte final do universo em expansão. Temos agora os computadores, capazes de processamento de dados e manipulação de informações. Como os cientistas utilizam estas máquinas numa variedade de aplicações, desde a criação de modelos de tempestades e estrelas binárias até sistemas humanos, pergunta-se muitas vezes – embora para alguns isto já seja verdade indiscutível – se os sistemas naturais não são, num certo sentido, sistemas de processamento de informação.

A nossa descrição do mundo é revelada pelo nosso método de questionar. E nosso método de questionar está imerso num contexto de conexões.

Vamos supor a existência de uma raça fora de nossa galáxia e totalmente diversa da nossa. Embora inteligente, essa raça manteria um firme preconceito contra o inobservável. Acreditaria _____________ .6 CAPRA, F. Teia da vida,, p.182.

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somente em coisas observáveis, tocáveis, etc., consistir-se-ia numa raça de positivistas lógicos. Não acreditaria em deuses ou coisas do gênero. Quanto ao observável, seria tão científica e até mais “racional” do que a humana, não sendo guiada erroneamente por “preconceitos metafísicos”. Tal raça poderia até desenvolver uma geometria para além do nível prático dos egípcios (nas medições de terras, por exemplo); consideraria sem sentido a noção de uma linha reta sem espessura alguma, ou a noção de um ponto sem quaisquer dimensões. Sequer especularia sobre átomos a fervilhar no vazio, sobre a origem da vida ou coisa assim. E, o que é ainda mais estupendo, não desenvolveria a física e a matemática como são por nós conhecidas7. A teoria de que nossa descrição do mundo é revelada pelo nosso método de questionar está rompendo com o antigo modo de pensar, porém, para que um novo pressuposto venha suplantar o obsoleto, será necessária a elaboração de novos estudos filosóficos.

O antigo modo de pensar baseia-se na organização da ciência moderna, na qual aparece a separação entre o subjetivo e o objetivo, apoiada na idéia de observação, de experimentação, onde o fenômeno observado será sempre o mesmo, obedecendo às mesmas leis independentes do sujeito observador. No entanto, sabemos pela teoria de Einstein que o tempo é a quarta dimensão e que, na velocidade da luz, há um encurvamento do espaço, dilatando-se ou contraindo-se de tal modo a afetar o tempo.

Um sujeito à velocidade da luz pode atravessar um espaço imenso num tempo mínimo, ao passo que a velocidades menores o mesmo espaço seria atravessado numa duração de tempo mais longa. Disto advém a conseqüência de que nossa física é tal como é porque depende necessariamente da posição do observador, isto é, do sujeito do conhecimento. Um sujeito do conhecimento _____________ .7 Para esta metáfora, fiz uma adaptação de Hilary Putnam, em Realismo de rosto humano, p.233-34.

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imerso em conexões diversas das nossas (em Marte, Vênus, ou Saturno, por exemplo), produzirá conhecimento de física diferente. Muitos já deduziram esta conseqüência da teoria einsteiniana sem explicar o porquê disso.

Ora, sabemos pela teoria epistemológica de Kant que o sujeito integra seus conhecimentos que lhe vêm por meio dos sentidos através das categorias, principalmente as de espaço e tempo. Ora, o tempo se tornando a quarta dimensão, estando esta conexão espaço-tempo como categoria, temos que modificando o espaço-tempo modificaremos também as conexões cognitivas.

Mas Kant considerava, junto com muitos filósofos, as categorias de tempo e espaço como absolutas e independentes. Não dá mais para pensar assim pós-Eisntein: fato que comprova mais uma vez que se torna impossível fazer filosofia sem levar em consideração os avanços da ciência. Pode-se dizer, no entanto, que criou-se um novo absoluto: espaço-tempo. O tempo, mesmo sendo de natureza diferente das três dimensões do espaço aparece fundido intimamente com elas em recíproca independência. Surge então uma realidade a quatro dimensões parecendo representar a totalidade dos acontecimentos físicos. Muitos físicos consideram que assim o é. No entanto, digo: “parecendo”.

A nossa mente objetiva não consegue imaginar algo que se realize em quatro dimensões; ora, os nossos sentidos, em especial os olhos, percebem apenas as três dimensões espaciais. Estando sujeitos às baixas velocidades da vida comum vemos o tempo deformar as três dimensões do espaço, por conseguinte não vemos o tempo.

Será que um sujeito morando numa superfície que viaja à velocidade da luz terá se habituado a ver o tempo e a imaginar eventos em quatro dimensões? Por enquanto somente com um

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raciocínio lógico e mediante fórmulas matemáticas conseguimos descrever modelos do universo com esta estranheza.

O processo chamado “Luneta Mental” é tão poderoso que até mentes brilhantes como a de Einstein não escaparam de suas peias, quando teve que entender e aceitar a interpretação de Copenhague da Teoria Quântica. O que é um paradoxo, pois em termos filosóficos, a Relatividade nos leva a buscar maior compreensão dos fenômenos da física quântica, responsável por nos fazer intuir a presença de um princípio de indeterminação. Einstein também estava em sua prisão sem muros: preso à sua teoria determinista do mundo. Não obstante este pormenor, ele tentou e conseguiu estabelecer para si e para outros, novas lunetas mentais de visão da realidade. Segundo biógrafos como Clark e Abraham Pais, ele demonstrou ter facilidade de passar do mundo real para o mundo mental. Ele parecia ter a habilidade de pensar sem palavras. Com esta índole, desde cedo buscou pensar de maneira independente e conseguiu nos mostrar um novo caminho, como somente um intelecto brilhante sabe fazer em momentos cruciais da história.

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Uma das formas que o homem possui para se relacionar com o mundo se dá através do

conhecimento. É deveras importante averiguarmos a veracidade dos frutos desta relação.

Se os atributos do mundo me assombram, me assombra mais ainda o fato de eu poder conhecê-los. E chega a inquietar o fato de saber que posso um dia vir a conhecer o próprio processo do conhecimento.

Assim, percebo que é muito importante entender o processo do conhecimento humano, os mecanismos através dos quais a ele chegamos, os métodos usados, a fim de que possamos cada vez mais nos relacionar com o mundo de forma satisfatória, ou mais, para que possamos viver em plenitude.

Temos a capacidade de conhecer, isto é, a posse ad esse valet illatio: se conheço, logo sou capaz de conhecer. Ocorre mais ou menos como a criança que ao caminhar, demonstra que é capaz de tal empresa.

Capítulo 8

Teoria do Conhecimento

“O que é verdadeiro acerca de toda a organização também o é acerca da organização do conhecimento: quanto mais complexa for, mais apta está para acolher e integrar a desordem” (Edgar Morim).

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No mundo daquilo que chamamos o primórdio do pensamento racional no Ocidente, entre os gregos do século IV a.C., o primeiro a se preocupar de forma sistemática com a questão de como se chega ao conhecimento foi Platão. Ele nasceu em Atenas em 428-7 a.C., um ano após a morte de Péricles, período áureo para o florescimento da cultura grega. A vida deste filósofo transcorreu durante a fase áurea da democracia ateniense, no qual o pensamento era alimentado pelo clima de liberdade e exposição a críticas. No entanto, o grande momento da vida de Platão foi seu encontro com Sócrates, que o adotou como discípulo. Ele admirava muito seu mestre, a ponto de considerá-lo “o mais sábio e o mais justo dos homens”, como escreverá mais tarde em seu diálogo chamado Fédon.

Se é difícil não admirarmos o mundo grego, é muito mais difícil deixarmos de admirar a figura de Platão neste mundo. Muitos pensadores, aliás, consideram-no como o pensador original de todos os problemas filosóficos posteriores. Entre os temas tratados por ele encontra-se o problema do conhecimento humano. Sua epistemologia está no fundamento da paidéia que preconiza ao seu Estado Ideal, exposto magistralmente na República. Para compreendermos os problemas políticos devemos buscar seu fundamento que está na natureza do homem, pois, como nos diz Platão, “tal homem, tal Estado”.

Há uma necessidade de reorientarmos as forças da alma, resumidas, segundo Will Durant em: desejo, emoção e conhecimento. Estas forças e qualidades estão em cada indivíduo, mas em graus variados. Existem homens que não passam da personificação do desejo; outros que são templos de sentimento e coragem; e por último há os que se deleitam com a meditação e a compreensão. Ora, o povo, a turba, deve ser guiado pelo conhecimento, e não pelas outras forças8._____________ .8 DURANT, W. A História da Filosofia, 1996.

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Desde o seu início, a filosofia grega se apresenta como um saber que se afasta da opinião (doxa) e se aproxima do conhecimento (episteme). O pensamento mitológico está permeado de opiniões. Mas a epistemologia platônica vai além disto. Não é apenas um sair da doxa, mas também um processo de purificação (Katarsis), uma libertação da tirania do desejo, da emoção desregulada e ainda dos vícios e paixões. Um processo não confinado no tempo breve de uma vida, visto que a alma se reencarna várias vezes até a última libertação, quando atinge o Sumo Bem.

Esta característica de orientação das faculdades da alma em sua teoria do conhecimento, pode ser exposta com as palavras de Platão:

“Não se cogita de lhe dar a faculdade de enxergar que ela tem; somente seu órgão não está bem orientado, não se volta para onde deve voltar e isto é o que cumpre corrigir” 9.

Esta epistemologia encontra seu fundamento na Teoria das Idéias de Platão, que pode ser resumida da seguinte forma:

Para ele, existe o Mundo Inteligível, perfeito, original, no qual existe o Bem; e existe o Mundo Sensível, imperfeito e que é a cópia do Mundo Inteligível. No entanto, a imperfeição do Mundo Sensível não tem a conotação negativa de maldade; sua imperfeição se apresenta como ausência de perfeição. Não obstante este triste quadro da miséria humana, onde muitas vezes há constatação de acomodação, na teoria de Platão a alma encarnada no mundo sensível da matéria e da imperfeição pode se elevar mediante “grande esforço” para o mundo perfeito.

Para aqueles que se interrogam sobre a possibilidade de tal empresa, Platão responde de forma clara com o seu Mito da _____________ .9 Rep. cap. VII

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Caverna, ou Alegoria da Caverna, como alguns preferem chamar este texto, que exponho a seguir.

No Mito da Caverna, metáfora do mundo sensível e do corpo humano ao mesmo tempo, Platão aplica sua idéia principal de Paidéia: educar a alma é educar o homem.

Ele descreve no mito homens vivendo numa caverna subterrânea que se abre para a luz por uma galeria. Os moradores desta caverna vivem presos desde a infância, sem poderem sequer movimentar o pescoço, só sendo-lhes permitido olhar para frente. Por cima de suas cabeças arde uma fogueira que ilumina a parede do fundo da caverna. Os clarões desta fogueira projetam sombras das pessoas e objetos que passam por detrás da parede, fazendo com que os prisioneiros tomem as sombras por realidade, inclusive começando a conversarem sobre o que estão vendo. A partir de então Platão descreve a libertação de um prisioneiro: este reconhece o engano em que permanecera, descobrindo a encenação a que estava encerrado, e começa a contemplar a verdadeira realidade. Aos poucos, aquele que fora habituado à sombra, vai podendo olhar o mundo real. Primeiramente olha para as coisas que refletem a Luz para em seguida olhar diretamente para o Sol, fonte de toda Luz e realidade. Este liberto, levado pelo desejo de retribuir ao Estado Ideal que lhe proporcionou esta Paidéia libertadora, esta formação, volta ao mundo das sombras para instruir seus companheiros.

Podemos ver nesta alegoria uma representação da ascese dialética do conhecimento humano rumo à perfeição. Este processo do conhecimento está representado na progressiva passagem das sombras e imagens obscuras ao luminoso universo das Idéias.

No primeiro plano temos nada mais que opinião (doxa) ou crença (pistis). No segundo plano já nos deparamos com a

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primeira etapa do conhecimento inteligível que é o conhecimento discursivo (diánoia) que faz as ligações racionais, típicas das matemáticas; na alegoria da caverna esta etapa se dá quando eles passam ao diálogo entre si.

Deve-se chegar à evidência puramente intelectual (noesis) das idéias, quando o prisioneiro, agora liberto, contempla a realidade das coisas e os reflexos; enfim, chega-se ao cume do mundo das idéias, a superessência do Bem que dá sustentação a todo o edifício das formas puras e incorpóreas.

Segundo Platão, quem alcança tal conhecimento é o Filósofo, o único capaz de tal empresa hercúlea. Não obstante ser melhor manter-se nas ilhas paradisíacas do Mundo Inteligível, o filósofo se encontra chamado a atuar no mundo dos homens, como forma de retribuição à comunidade pela Paidéia recebida10. Platão recebeu muitas críticas por ter dito que o filósofo é o único que pode atingir a meta do conhecimento supremo. Penso que se torna muito necessário interpretarmos ou reinterpretarmos o sentido que tinha a filosofia no contexto grego da época: ela era uma busca de sabedoria, uma postura de sabedoria diante das coisas e não O saber acima de todos os outros; a filosofia não era uma disciplina acadêmica entre outras burocratizadas como está hoje, era a postura sábia que reunia todos os saberes em coesão.

Vejo neste mito uma alusão a todos os grandes pensadores da humanidade que morreram em nome da verdade que buscavam. O próprio Platão faz alusão a Sócrates, condenado por tentar levar os homens à verdade.

Afirmo que a epistemologia platônica expressa no Mito da Caverna encontra-se como uma Paidéia, pois traça um caminho de conhecimento, um processo racional, sendo que é a razão que conduz o homem para fora do mundo das sombras (caverna), longe das impressões dos sentidos que o enganam. Aquele que _____________ .10 cf. JAEGER, Paidéia: 1986, p.614.

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abraça a dialética como verdadeira via do conhecimento se esforça por atingi-lo pelo próprio pensamento, sem contaminação com os dados sensíveis. Platão considerava sua epistemologia tão importante como uma Paidéia que estabeleceu-a como a base da educação dos governantes do Estado Ideal de sua República, a educação dos Reis-Filósofos. Mas por quê? O que há nela de especial?

Segundo esse filósofo, a dialética faz com que o homem compreenda a essência de cada coisa e saiba dar conta dela; com ela o homem discerne a idéia do Bem dentre tudo o mais, rompendo caminho através de todas as refutações.

Esta dialética também encontramo-la presente quando Platão faz com que Sócrates (seu personagem principal na maioria de seus diálogos) estabeleça sua maiêutica11 com seus interlocutores. Muitos, ao lerem os diálogos Platônicos, percebem a atitude crítica ali presente, como um canto alternado do pró e do contra, não trazendo respostas conclusivas mas incitando os interlocutores a novas buscas.

Ademais, acrescento a isto as palavras de Jaeger:

“A verdadeira força desta Paidéia que ensina a perguntar e a responder cientificamente é o perfeito estado de vigilância que instala na consciência” 12

A partir do Mito da Caverna, Platão estabelece a doutrina da “anamnesis”, segundo a qual todo o conhecimento humano não passa de recordação do que há no mundo das idéias, mundo da perfeição.

Para aceitarmos o núcleo da teoria platônica devemos aceitar o pressuposto das idéias inatas13. Por causa da doutrina do _____________ .11 Método socrático, consistindo em fazer com que as pessoas cheguem a verdade por si próprias, após serem submetidas a perguntas complexas.12 JAEGER, op. Cit., p.625).

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inatismo, que fundamentou a filosofia por muitos anos após os gregos, Platão foi duramente criticado. Mas hoje, como veremos, pode-se dizer que ele não errou por completo. Platão parece ter intuído o que chamo de totalidade das conexões, ou seja, a consciência total cósmica, quando diz que se pode atingir o Mundo das Idéias.

Uma outra reflexão ainda pode ser considerada: a caverna, o estágio inicial das sombras, permite ver sob a forma vaga das sombras, o que lá fora ofuscaria a visão dos prisioneiros num repente; ela pode ser vista como uma forma de proteção para aqueles olhos que devem acostumar-se aos poucos com a luz. Em se tratando de conhecimento, os estágios primitivos de percepção protegem o ser racional para que não se aniquile o equilíbrio do espírito ao perceber mais sem a devida compreensão. Muitos perceberam o “mais” e ao traduzirem esta percepção numa linguagem compreensível ao nível racional se envolveram em fantasias e causaram muita confusão ao mundo. Temos exemplos disso principalmente no campo religioso e místico. Tomo como principais os casos de Paulo e Gautama (o Buda), homens que viram e viveram realidades elevadas (ao nível de percepção), e que procuraram auxiliar os seres humanos com o seu senso de moral elevado. Arrebatados pelo fulgor místico pareceram não mais controlar o que os unia ao humano, e tudo que é humano pareceu-lhes maligno. Paulo foi levado pela grandiosidade e glória do novo estado a subestimar o que ele chama de “carne”, sem perceber que foram as experiências travadas com e na “carne” o que lhe propiciou a nova percepção. O mesmo podemos dizer de Gautama quando desdenha o mundo de Maya (ilusão). Muitos homens que os seguiram deixaram de lado a escada que os levaria ao cume: ao negar sua “carne”, as forças da natureza e as realidades do mundo. A escada é apenas um instrumento, mas só pode ser abandonada depois de atingida a _____________ .13 Doutrina segundo a qual as idéias já vêm com as pessoas ao nascerem.

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altura almejada. Segundo o médico Dr. Richard M. Bucke, os males que provieram da doutrina de que uma parte do homem é boa e deve ser cultivada, enquanto uma outra é má e se possível deve ser extirpada, são incalculáveis e às vezes nos fazem esquecer mesmo os benefícios (maiores por sinal) que estes seres supracitados outorgaram à espécie humana. Não foram os únicos responsáveis por esta situação, mas sua influência em seus seguidores foi grande14.

Há o caso na matemática, do genial George Cantor, cujos trabalhos ainda são discutidos pelos matemáticos, entre os quais alguns julgam serem as idéias de Cantor indefensáveis. De forma rápida, sua idéia pode ser assim resumida: imaginemos dois pontos sobre esta folha de papel: A e B, distando um cm um do outro. Podemos traçar um segmento X que une A e B. Quantos pontos há sobre este segmento? Cantor demonstra que há mais do que um número infinito. Para preencher completamente o segmento X é necessário um número de pontos maior que o infinito: o número Aleph: um número transfinito. Não é à toa que Cantor morreu louco.

Mas voltemos à teoria do conhecimento.

Após Platão, durante os séculos seguintes, o conhecimento, interpretado pelo cristianismo como revelação divina, acabou não sendo mais alvo de muitas críticas. Foi assim até a chegada de Descartes com suas idéias já expostas nesta obra. No entanto, algumas dificuldades do cartesianismo foram logo percebidas e tornaram-se ponto de partida para o empirismo filosófico, desembocando em seguida no positivismo.

Os três filósofos que podem ser considerados representantes dos primórdios do empirismo filosófico foram os ingleses Locke, Berkeley e Hume.

_____________ .14 cf. Bucke, Consciência Cósmica, p.267.

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Locke se opôs ao pensamento de Descartes com a tese de que todo conhecimento baseia-se na experiência dos sentidos, contida em sua famosa frase: “Nihil est in intellectu quod non prius fuerit in sensu”15. Esta experiência pode ser a sensação ou percepção de uma atividade de nossa mente. Assim o conhecimento fica sendo a percepção do acordo ou desacordo entre duas idéias. O passo além veio com Berkeley, segundo o qual nosso conhecimento provém da experiência, mas disso ele derivou que se de fato todo nosso conhecimento provém da percepção, não há sentido algum em se afirmar que as coisas realmente existem. A concepção idealista de Berkeley admite que a matéria existe somente nos espíritos. Por causa desta sua conclusão, Berkeley é por muitos considerado um idealista e não um empirista. Digamos que ele defende o idealismo com fundamentos da filosofia empírica.

David Hume trabalhou mais detalhadamente a questão de que nosso conhecimento se dá somente através das percepções que temos. Conhecemos o mundo externo somente por meio das impressões, sendo que as impressões fortes são as percepções e as impressões fracas são as idéias. Nas mãos do ceticismo radical as idéias de Hume foram levadas ao abalo das bases de toda a ciência empírica. Por isto acho de muito valor expor detalhadamente a idéia deste autor.

Hume, à moda dos astrônomos que provaram, com base nos fenômenos, os verdadeiros movimentos dos corpos celestes; ao modo do filósofo (Newton) que determinou as leis e as forças que governam e dirigem a revolução dos planetas, pretende delinear as leis que governam a mente, ou ainda, na opinião de alguns comentadores, pretende ser o Newton da filosofia moral.

Hume, na Seção I da Investigação sobre o entendimento humano, _____________ .15 “Nada há no intelecto que já não tenha estado nos sentidos”

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segue o projeto filosófico exposto em sua obra mais completa, Tratado da natureza humana, ou seja, desbancar os raciocínios metafísicos portanto abstrusos, por serem cultivados sem fundamentação; eles revelam admissão cega de princípios, deduções de conseqüências insatisfatórias, falta de coerência e acima de tudo, falta de evidência. No meio disso tudo, Hume acusa que a eloqüência, o palavreado, ganha mais terreno do que a razão. Esse quadro gera um preconceito geral contra os raciocínios metafísicos. Devemos buscar pelo caminho do esforço, visto que mesmo os gênios falharam apesar de extremos esforços.

Uma vez que as ciências estão sob o domínio do conhe-cimento humano, nada mais certo do que examinar a força e a extensão do entendimento humano, explicando a natureza das nossas idéias e das operações realizadas pela mente, pois na Investigação Hume retoma o projeto sistemático (lógico) presente no Tratado, a fim de descrever o funcionamento da mente e chegar até os princípios por meio dos quais ela opera. Ele tece argumentos que podem ser apresentados em três momentos: sobre a origem das idéias, sobre a causalidade e sobre a existência do mundo externo.

Sobre a origem das idéias

Ao tratar da origem do conhecimento Hume trata da origem de nossas idéias. Para ele as percepções da mente humana se resumem em dois gêneros distintos: impressões e idéias. Apenas as impressões são originárias; as idéias são somente “cópias das nossas impressões”, reflexos atenuados das nossas sensações no espelho dos nossos pensamentos. Até este ponto de chegada Hume já foi além da frase célebre do empirismo, usada por Locke mas já presente em Aristóteles: “Nihil est in intellectu quod non prius fuerit in sensu”, ou seja, não há nada no intelecto que não

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tenha antes passado pelos sentidos.

As impressões são percepções fortes e nítidas, por exemplo, a sensação de calor; já as idéias são percepções fracas e apagadas, por exemplo, a idéia de calor.

Em suma, Hume se importa com a tese de que as idéias são cópias das impressões.

“Ou para expressar-me melhor em linguagem filosófica, todas as nossas idéias ou percepções mais fracas são cópias de nossas impressões, ou percepções mais vivas”16.

Hume apresenta dois argumentos para sustentar esta proposição geral. O primeiro se fundamenta no fato de que quando analisamos nossos pensamentos ou idéias (mesmo que complexos), descobrimos que se traduzem em idéias simples, e que estas, por sua vez, nada mais são do que cópias de uma sensação anterior17. O segundo argumento ele usa para provar que a única maneira pela qual as idéias são introduzidas em nós, dá-se através da sensação presente - único acesso ao intelecto; ele consiste no fato de que, se há um defeito em qualquer órgão receptor dos sentidos, ocorre a incapacidade de se formar idéias correspondentes, como no caso do cego que não pode fazer idéia das cores e do surdo que não o faz dos sons.

“Se sucede que, por um defeito do órgão, um homem não é suscetível de determinada espécie de sensação, verificamos sempre que ele é igualmente incapaz de formar idéias correspondentes”18.

Hume divide então as percepções em simples e complexas. As simples são aquelas que não se dividem (a cor, por exemplo), ao passo que as complexas são distinguíveis em partes (a maçã, pois tem as qualidades de cor, gosto, cheiro, etc.)._____________ .16 “Nada há no intelecto que já não tenha estado nos sentidos”17 ibidem, p.141 (13).18 ibidem, p.141

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Ainda na questão da origem das idéias, Hume retrata como elas se associam entre si por meio de três princípios de conexão, a saber: a semelhança, a contigüidade de tempo ou lugar, e a causalidade. Pela causalidade associamos a ferida à dor; pela contigüidade associamos o sino ao campanário por causa da contigüidade espacial dos dois; pela semelhança, associamos um retrato ao seu original por causa da semelhança que existe entre os dois.

Estes são, diríamos, princípios ou parâmetros pelos quais a mente organiza os conteúdos provenientes das percepções.

Sobre a causalidade

A teoria de Hume tem implicações em nossa compreensão da relação entre causa e efeito. Antes de tudo podemos dizer que Hume prova que a relação entre causa e efeito não pode ser conhecida a priori, isto é, pelo simples exame dos conceitos implicados na relação, mas somente pela experiência. Diante de um objeto novo, ninguém está em condições de descobrir as suas causas e os seus efeitos abstraindo-se da experiência e apenas raciocinando sobre ele.

Por exemplo, mesmo que se admita que as faculdades de Adão fossem perfeitas, ele não poderia deduzir da fluidez e da transparência da água, que ela poderia sufocá-lo, ou da luz e do calor do fogo, que ele poderia queimá-lo. Logo, segundo Hume, podemos dizer que a relação da causalidade nasce da experiência.

Mas então, qual é a natureza desta experiência da qual nasce o nexo causal? Segundo Hume, o nexo causal não nasce de uma experiência cognitiva, mas instintiva, mostrando que da simples repetição das impressões passadas não pode nascer nenhuma idéia nova como seria a do nexo necessário. A experiência de

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caráter instintivo a que se refere Hume é denominada de Hábito: o hábito de ver dois objetos sucedendo-se sempre do mesmo modo faz surgir em nós a expectativa para crer que, aparecendo o primeiro, aparecerá também o segundo19.

Pode-se concluir disto que ao colocar Hume o hábito como o grande guia da atividade humana, no que concerne ao conhecimento e uso do princípio de causalidade, homens e animais se encontram no mesmo plano.

Sobre a existência do mundo externo

Segundo já expus do pensamento de Hume, a única realidade da qual temos certeza é aquela constituída pelas percepções; as únicas inferências possíveis são as que se fundam na relação entre causa e efeito, verificada somente entre percepções. Assim, uma realidade que seja diferente das percepções e exterior a elas não pode ser afirmada nem com base nas impressões dos sentidos, nem com base na relação causal.

A questão pode ser colocada da seguinte forma: por que atribuímos uma existência contínua aos objetos quando não estão mais presentes aos sentidos e por que supomos que eles têm uma existência distinta da mente e percepções? Em outras palavras: estando longe de casa, por que atribuo a ela existência mesmo sem minha presença?

Hume então passa a analisar se a origem destas atribuições encontra-se nos sentidos, na razão ou na imaginação.

Esta origem não pode ser creditada aos sentidos, pois estes não nos oferecem nada além das impressões: “o espírito, excetuando-se as percepções, jamais tem algo que lhe é presente, e ele não pode, indubitavelmente, vislumbrar qualquer experiência de sua conexão _____________ .19 cf. id., p.151 (36).

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com os objetos”20; também não pode ser creditada à razão, visto que as crianças e os camponeses e a maior parte da humanidade manifestam-na sem perder-se em elucubrações filosóficas ou exercícios da razão; enfim, cabe à imaginação, auxiliada pelo hábito e pelo costume, nos dar a idéia de continuidade e de existência das coisas.

Entre os principais méritos da filosofia de Hume devem ser lembradas a importância dada à experiência e a referência ao hábito, ao instinto e à associação como fatores determinantes da aceitação dos primeiros princípios da atividade humana.

Outro merecimento importante da pesquisa de Hume pode ser o de ter mostrado a quais conclusões pode levar a filosofia que só reconhece como fonte de conhecimento a experiência sensível. Realmente, a leitura de Hume às vezes nos leva ao desespero quando nos mostra a situação humana em relação ao conhecimento. A filosofia de Hume parece deixar muito poder somente ao mundo exterior quando o assunto é o conhecimento. Seu ceticismo desemboca então numa confiança irracional na natureza, como divindade laicizada.

Ao falar do empirismo, a crítica do físico Heisenberg esbarra em Hume:

“Essa linha de argumentação foi então estendida a um ceticismo extremo por Hume, ao negar os processos de indução e causação, o que levou a conclusões que, se aceitas, conduziriam à destruição das bases de toda ciência empírica”21.

No entanto, ao meu ver, o objetivo de Hume jamais foi o de destruir pura e simplesmente o trabalho dos cientistas, mas endereçar sua análise e sua crítica sobre os fundamentos do conhecimento humano às concepções metafísicas enraizadas na _____________ .20 id., p.139.21 HEISENBERG, W. Física e Filosofia, 1987, p.66

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tradição filosófica.

Resumindo, o objetivo de Hume foi alcançado: esclareceu o que vem a ser conhecimento (i); estudou sua origem (ii); determinou os limites da razão humana no que concerne ao conhecimento (iii). Respectivamente, conhecimento é crença justificada (i), tendo sua origem na experiência, fundamentada pelo hábito e pelo costume (ii) e nada mais podemos afirmar com certeza além das impressões sensíveis (iii).

E arremato o dito acima com as palavras de Hume:

“Quando persuadidos destes princípios, passamos em revista as bibliotecas, que devastação não faremos? Se tomamos nas mãos um volume qualquer de Teologia e Metafísica escolástica, por exemplo, perguntemos: este livro contém algum raciocínio abstrato sobre quantidade ou número? Não. Contém algum raciocínio experimental sobre questões de fato ou de existência? Não. Para o fogo com ele, pois outra coisa não pode encerrar senão sofismas e ilusões.”22.

Sinto comoção quando leio esta citação de Hume, dura, é verdade, mas propícia para a época, pois Hume também fez parte do tempo que já citei alhures, no qual buscava-se a separação entre o conhecimento e a Igreja; buscava-se a depuração da metafísica que chegava ao ridículo de discutir o sexo dos anjos. Contudo, os discípulos de Hume não deviam exagerar tanto seu seguimento ao mestre, pois nem toda reflexão metafísica é pura ilusão.

A postura das conexões, após ter refletido sobre a teoria de Hume, não descartará o conhecimento metafísico, mas o depurará dos excessos de fantasia. Ela saberá reconhecer o papel do hábito, do costume e, principalmente, da imaginação na busca da verdade._____________ .22 HUME, op. Cit., p.204 (132).

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Não fará como “essas pessoas que, ao falarem do mar, só falam do enjôo” (Chesterton).

Enfim, chegamos a Immanuel Kant.

Após este grande filósofo ter escrito sua Crítica da razão Pura o dogmatismo em terreno filosófico entrou em crise. A partir da crítica kantiana toda a filosofia deve iniciar com a discussão de seus pressupostos. Eu, nesta obra, proponho a necessidade de que se descubra os pressupostos filosóficos que há nas arestas de todo pensamento humano e principalmente nas teorias científicas, indo além da proposta kantiana.

À guisa destas apresentações, quem quer se embrenhar no estudo do conhecimento deve colocá-lo primeiramente em questão segundo duas linhas: primeiro, examinando se o homem é deveras apto para conhecer qualquer coisa e segundo, estabelecendo o método para proceder no estudo do conhecimento. A partir do projeto desta obra, proponho a terceira linha: trabalhar com os pressupostos.

Mesmo não aceitando a idéia de que nosso conhecimento procede de revelação divina, fica difícil abandonar, destruir nossos pressupostos de forma radical. Percebi isto quando deparei-me com Descartes, no início de sua primeira Meditação assim:

“Agora me empregarei, seriamente e com liberdade, numa destruição geral de todas as minhas opiniões antigas”.

Descartes destruiu todas as suas opiniões? Duvido muito. Pelo menos uma sobrou: a da verdade evidente e cognoscível.

Eu inicio minha primeira Meditação assim:

“Agora me empregarei, seriamente e com liberdade de escolha, a analisar a fonte de todas as minhas opiniões e com elas trabalhar”.

Sendo obrigado a carregar os pressupostos, tenho que

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trabalhar com eles, transformá-los, fazê-los ponte para novas conexões.

Kant, desde sua Crítica da Razão Pura, busca demarcar os limites dentro dos quais ocorre a possibilidade do conhecimento humano. Para ele, o conhecimento é sempre conhecimento através de conceitos, correspondendo estes necessariamente a uma intuição sensível e a uma referência advinda da experiência. Para qualquer conhecimento, deve corresponder uma experiência, ou seja, só posso conhecer aquilo que provém de uma intuição sensível. Neste sentido, no pensamento kantiano, Deus, liberdade e imortalidade da alma, por exemplo, não atendendo a condição de serem conceitos (provindos de uma experiência sensível correspondente) não podem ser objeto de conhecimento. Deus, liberdade e imortalidade da alma, são postulados que possibilitam o conhecimento humano. Neste ponto Kant segue Hume, considerando que para cada conhecimento deve dar-se uma impressão correspondente. Assim sendo, não posso ter conhecimento de Deus, liberdade e imortalidade da alma, visto não ter deles uma intuição sensível.

A noção kantiana de filosofia difere daquela tomada pelos filósofos clássicos. Para a tradição, a filosofia preocupa-se com as causas primeiras e com o conhecimento dos elementos universais que dão unidade à multiplicidade dos conhecimentos adquiridos pelo senso comum. Para Kant, antes de se aventurar a conhecer qualquer coisa, a razão deve verificar as condições que tornam possível o conhecimento, sendo este o verdadeiro papel da filosofia.

A filosofia, então, fica sendo um conhecimento que se dá a partir de conceitos, um processo argumentativo perene, pondo sob discussão os pressupostos do conhecimento – é o que ele chama de filosofia transcendental.

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“Denomino transcendental todo conhecimento que em geral se ocupa não tanto com objetos, mas com nosso modo de conhecer objetos na medida em que este deve ser possível a priori. Um sistema de tais conceitos denominar-se-ia filosofia transcendental”.

Podemos dividir em dois momentos a revolução epistemológica da modernidade: no primeiro momento considerou-se que conhecemos por intuição intelectual, nosso próprio pensamento, a atividade da consciência enquanto atividade intelectual; no segundo momento considerou-se que conhecemos o mundo dos fenômenos que nos é transmitido pelas impressões sensíveis.

De um lado, essa divisão desenvolve um pressuposto subjetivista, dando ênfase ao sujeito que conhece, à sua atividade cognitiva, retornando a uma metafísica idealista, fazendo surgir o idealismo subjetivista de Descartes, o subjetivismo. De outro lado, ela desenvolve o subjetivismo empirista, dando ênfase ao conhecimento do sujeito, mas limitando-o ao aspecto fenomenal.

O primeiro momento foi desenvolvido por nomes como Descartes, seguido por Leibniz, Espinoza, Malebranche, Wolff. O segundo, por Locke, Berkeley e Hume.

Esse processo desembocou mais tarde no desenvolvimento da ciência, construída sobre as bases do empirismo. É um conhecimento realizado pelo sujeito, mas lidando apenas com os fenômenos, tratados minuciosamente cada vez mais com a utilização de instrumentos que aperfeiçoam e sofisticam os órgãos dos sentidos.

No entanto, o próprio Kant afirma ter sido despertado de seu sono hipnótico pela leitura de Hume; no mais, ele questiona a afirmação veemente dos empiristas, porque houve um Newton, cuja física tem alguns princípios (como a força,

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por exemplo) que não podem ter sido derivados simplesmente da experiência. Kant procurou sintetizar esses dois caminhos (o idealismo e o empirismo) num só, considerando as dimen-sões teóricas e empíricas do conhecimento. Segundo ele, o conhecimento procede das impressões sensíveis, como queriam os empiristas, mas para que seu conteúdo seja conhecido, precisa ser ordenado e organizado na consciência, isto é, a forma que o conteúdo assume é fornecida pela subjetividade de quem conhece. Para que o conhecimento seja efetuado, mister se faz os dados vindos dos sentidos por meio da experiência, mas também uma estruturação lógica, que ordene o conteúdo livre e independente da experimentação.

Para demonstrar o processo cognitivo Kantiano exemplifi-carei com passos para o conhecimento de uma mesa.

Inicialmente recebo o bombardeio de milhares de impressões sensíveis. Meus olhos e meu sistema nervoso entrarão em ação de acordo com os mecanismos fisiológicos necessários. Recebo impressões formadas por pequenos pontos instantâneos e caóticos, quer dizer, sem transmitir nenhuma ordem ou seqüência lógica. A partir daí as impressões são catalogadas segundo as formas “a priori” da sensibilidade que são o espaço e o tempo, que para Kant não são propriedades objetivas das coisas mas estruturas subjetivas a priori, ou seja, anteriores e independentes da experiência sensível.

Mas posso já objetar: e o caso das crianças pequenas, nas quais as noções de espaço e tempo ainda não se fixaram em toda sua amplitude? Como nelas se processa o conhecimento?

Então temos a intuição sensível, a imagem sensível da mesa, o que ainda não é o conhecimento do objeto, até que esta intuição sensível seja enviada ao entendimento e submetida às formas a priori – as doze categorias já citadas também por Aristóteles – que para o filósofo de Königsberg pertencem ao mundo

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subjetivo e constituem-se nas intuições como fenômenos. E o conhecimento então se completa, com a representação do fenômeno sob a forma de conceito.

Nunca podemos chegar ao conhecimento da essência das coisas (ao Númenon) e sim ao conhecimento dos dados que nos vêm dos sentidos e catalogados (fainúmenon).

Por meio da razão posso pensar as essências das coisas, baseando-me nas categorias que são apenas ideais, lógicas e formais.

Kant considera de suma importância para a teoria do conhecimento a chamada Revolução Copernicana: a partir de Copérnico, o cientista não observa a natureza para descobrir seus segredos; ele vai em direção a ela para forçar uma resposta desejada com todo o aparato de seu conhecimento.

Não quero fazer parte das querelas que agitam o jogo dos “idealistas versus empiristas”, tanto para ser coerente com a tese de que todo filósofo parece acertar e obscurecer de forma concomitante ao divulgar uma idéia. Kant, na época, mostrou-se brilhante ao tentar a unificação dos dois modos de conhecer; porém o tempo passou e novas conexões foram estabelecidas, proporcionando-me a oportunidade de dizer neste novo tempo que a solução kantiana tornou-se insatisfatória: ela não explica a origem das formas a priori (subjetivas) do conhecimento; reduz este conhecimento a priori a meras estruturas lógicas e parece levar o conhecimento a parecer simplesmente fruto do uso da razão. E também pode-se colocar a seguinte questão: muito do que foi relegado como metafísica, na verdade, funcionou como leimotiv nas construções de muitas teorias científicas. Então é também um conhecimento válido e não simples estrutura lógica. Usemos uma metáfora: o conhecimento é como a linguagem e a lógica como um idioma; ora, por que confundir a linguagem com o idioma? Kant, na verdade, não repudia o valor da metafísica

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(novamente os discípulos se mostraram mais intransigentes do que o mestre); quer simplesmente que ela seja arejada e renovada pela argumentação crítica em seus fundamentos, para que não sejam criados sonhos e sistemas fantasiosos como tantos que houve na história do pensamento. Não penso que Kant tenha usado o termo metafísica no sentido pejorativo como muitos assim o fazem. Quando menos criticou ele os excessos feitos em nome desta disciplina23.

Minha idéia é de que o conhecimento se dá por conexões cibernéticas. A consciência padroniza o que vem do exterior de acordo com as experiências de interações vividas desde os tempos imemoriais em que começou a experienciar, por meio dos instintos. Talvez por isto o ego aprende coisas que vão além da mera observação: a consciência passa por todos os estágios da evolução natural até chegar ao homem.

Mas... E sempre vem o mas, os eventos observados pelo físico atônito nos leva a reconsiderar as formas a priori de Kant, como por exemplo, a de causalidade. No laboratório chega aos seus sentidos uma cadeia causal de eventos, pela qual chega ele ao conhecimento do evento atômico. Poderia ele saber alguma coisa sobre o evento atômico se não fosse causal essa cadeia?

Palavras e conceitos estão longe de ser o toque último nas explicações do mundo pelo homem. Eles foram cunhados no decorrer da evolução cognitiva, frutos das conexões cibernéticas da mente humana, da interação do homem com o mundo. No entanto, sua aplicabilidade pode ter limites que insuspeitamos ou começamos a suspeitar, quando nos deparamos com o conceito de existência, espaço e tempo. Parece difícil chegarmos a um conhecimento seguro pela razão pura e abstrata; mas de repente, antes do que da razão pura, é da relação cibernética de todo _____________ .23 “A metafísica, assim chamada em seu sentido mais estrito, consiste na filosofia transcendental e na fisiologia da razão pura” (Crítica da Razão Pura)

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o nosso ser com o universo que vem o conhecimento. Os conceitos, mesmos que herdados, são partes integrantes dos métodos científicos e neste sentido é que eles podem ser considerados como a priori.

Postulo que a filosofia não deve ter a pretensão, por exemplo, de dizer o que é Deus, visto que isto excede às suas forças, mas ela tem condições de refletir sobre a idéia que temos de Deus, ou sobre outras idéias mais que têm implicações sobre nossa vida. Ademais, penso que a filosofia não deve ficar confinada em refletir apenas sobre as condições do conhecimento, ela pode, imbuída do conhecimento científico, refletir sobre o mundo, ou pelo menos aplicar a postura das conexões em busca de maior compreensão sobre o que há.

Após Kant, a filosofia desdobrando-se demasiadamente sobre si mesma, sobre seu método de proceder, correu o risco de muitas vezes tornar-se inócua, isto é, deixou de tratar dos grandes problemas da humanidade para se preocupar consigo mesma. Falou-se da importância da filosofia como se houvesse a certeza de que para o público ela de fato havia tornado-se desinteressante, enquanto se discutia a linguagem e o problema cognitivo, enquanto ela permanecia distante daqueles que podiam realizar algo de útil em prol da humanidade.

Paira ainda sobre nossas cabeças a crítica ao positivismo: alienaram-se num jogo algébrico de palavras tornando-se bem mais abstratos que os filósofos tradicionais por eles condenados. Auxiliaram na seriedade da linguagem científica, mas tornaram-se o grupo mais desligado dos problemas do homem e da sociedade e tentaram levar esterelidade ao conhecimento científico.

A conclusão que muitos tiraram da epistemologia kantiana é a de que só o conhecimento científico tem sustentação, enquanto que outras formas de saber (inclusive a filosofia) ficam sem garantia. Encontramos assim a base do positivismo radical e

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do materialismo que fundamentaram nossa era pós-científica na organização social, na educação e nas pesquisas até agora. Estamos tentando sair de suas peias. Outros conhecimentos não científicos foram simplesmente relegados como metafísica barata ou simples fantasia.

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Começo este ponto citando uma crença teológica circulada no início da era moderna,

endossando a idéia de que se alguém encontrar um relógio, sem nunca haver visto um antes, após um rápido exame, chegaria à conclusão que este objeto fora construído por um artesão inteligente e hábil e que, ao fazê-lo, tinha em mente um objetivo específico desconhecido para ele que sequer sabe o que significa o achado. Por analogia, esta teologia pretende mostrar que se olharmos para a complexidade e sofisticação da natureza, concluiremos ser ela obra de um hábil criador: o “Deus relojoeiro”, ou como a expressão que muitos preferem: o deus ex machina - aquele que está fora do mundo que criou. Para corroborar esta idéia cito o dizer de Voltaire, extraído da sátira intitulada As Cabalas:

“O universo desconcerta-me e não posso supor que esse relógio exista e não haja relojoeiro”24.

Capítulo 9

Sobre o Princípio Regulador

“Na verdade, o homem se banha num universo começado e acabado desde sempre. O círculo foi traçado completamente. O homem deve fazer a experiência deste universo” (Raymond Bernard).

_____________ .24 (cit. in Tratado da Metafísica, p.63)

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O encontro com o relógio pode até revelar que há uma inteligência por trás de tudo, mas não revela a consistência desta inteligência e a forma em que se dá o funcionamento da estrutura que aparece como uma escrita ilegível. A partir daí a analogia acaba por se tornar pobre. Tanto que o relógio não possui a inteligência do relojoeiro e muito menos se transforma sozinho em algo mais complexo. Para a complexificação do mecanismo do relógio há necessidade de intervenção do mestre-relojoeiro e intervenções desta natureza não encontramos no mundo, a menos que interpretemos os milagres de forma supersticiosa.

Façamos o seguinte experimento mental.

O que chamamos de universo, o que vemos e o que não vemos por estar distante de nós, o que mal se conhece e o que ainda não se conhece, inteligências ou acaso, o tempo-espaço, nós, enfim tudo, que denominaremos de “O Todo”, funciona como se fosse uma casa-arquiteta, com todo o requinte inimaginável; ela é a planta e a construção ao mesmo tempo. Esta planta é autoconsciente e tem as possibilidades infinitas dentro de si. A planta é perfeita e já está toda concluída. A armação da casa está pronta, a arquitetura (a inteligência, o espírito) molda os cômodos e a decoração, começa a experimentar o Templo desde os pontos mais baixos: os elementos-partículas.

Mas esta analogia também é frágil. Ora, se eu quebro uma parede da casa, ela fica incompleta, e esta parede desmanchada não será mais nada para a casa. No universo, ao contrário, tudo parece se encaixar. As explosões, por exemplo, se encaixam no esquema. Isto nos faz lembrar da teoria do universo holográfico de David Bohm, segundo a qual cada parte do universo contém o todo. Mais tarde Bohm cunhou o termo Holomovimento como base de manifestação, para explicar a dinâmica do mundo.

Não coloquemos a transcendência na superconsciência ou

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noutra coisa qualquer que dá o primeiro impulso ao conjunto: cairíamos no processo ad infinitum. Avento a hipótese de que ocorre o seguinte: existe a totalidade das conexões; esta totalidade, enquanto sistema autoregulador constitui-se numa consciência, pois por um processo natural começa a perceber-se a si mesma. As conexões existem. Algumas são manifestas e outras não. O Todo das conexões, em si, pode ter sido criado ou ter sempre existido, ou ainda ser a única coisa que existe, todavia, penso que a mente humana não pode dar conta deste processo de forma satisfatória. Por isto o experimento que proponho inicia-se a partir daí: do Todo das conexões que existe. O todo, ao experienciar um aspecto seu, uma conexão, manifesta-a, age como “um acender a luz”. Muitos preferem chamar isto de criação. Prefiro ver nisto uma ordenação das coisas; ou como afirma Platão, seguindo a doutrina pitagórica, Deus geometriza, ou seja, apresenta-se como O Geômetra das formas ideais. O homem racional apresenta-se, digamos, como início da percepção que o Todo tem de si mesmo. E não temos idéia onde este processo vai dar.

O Todo, então, vem a ser como que uma superconsciência que é o total das possibilidades infinitas, que vai manifestando-se e vai experimentando nas manifestações estas mesmas possibilidades. Quando se diz que na evolução houve a sobrevivência do mais apto, pode se estar equivocando. Nada nos impede de vermos esta situação com outros olhos: pode ser a autoconsciência experimentando, em obediência ao seu próprio conjunto, novas formas para manifestar-se. Não está havendo criação ou composição de algo novo – está havendo conscientização das infinitas possibilidades: conexões.

Desta forma pode-se afirmar que a evolução ainda não se completou. Como manifestações da superconsciência na esfera do ego, nós humanos, ao atingirmos o pensamento, vemos diante de nós um mundo que espera que repensemos as

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diligências instintivas da natureza para aperfeiçoá-las. Isto quer dizer que podemos melhorar a nossa raça através da eugenia e outras práticas ainda desconhecidas. Na verdade é isto o que vimos fazendo da célula até o dia de hoje. Existe, por exemplo, uma prática simples para aumentar o volume do cérebro humano, apenas copiando algumas ações da natureza. Porém, esta obra não é o local adequado para este assunto.

No todo do teclado musical composto por notas e oitavas, infinitas melodias podem se manifestar. Novas melodias podem ser compostas com o mesmo conjunto de notas e oitavas. Só que ao nos transportarmos da analogia para a realidade devemos nos recordar que nesta última o conjunto é dinâmico e autoconsciente. Ninguém o toca. Ele próprio é o músico, o instrumento, a sinfonia e o auditório. Ao se experimentar, o conjunto faz com que as partes se conformem ao todo. Por isto muitas vezes temos a ilusão de que existe um princípio inteligente implícito que organiza o esquema, teoria que cada vez mais é abandonada com as novas pesquisas, principalmente no campo da biologia.

Estas idéias de forma alguma levam ao ateísmo. Levam, isto sim, ao abandono das concepções infantis que se tem sobre Deus: o deus relojoeiro, o deus ex machina, uma inteligência manipuladora que está fora ou dentro do mundo organizado. No que concerne às idéias supracitadas, a melhor resposta sobre a presença de Deus no Cosmos nos vem do sábio Moisés, quando ao solicitar a Adonai quem este era, durante a peregrinação do povo hebreu pelo deserto, recebeu como resposta Eu sou o que sou. O princípio regulador simplesmente É.

O dinamismo subjacente que impulsiona a organização, que levou muitos a pensarem que a estrutura vem pronta do empíreo platônico, parece continuar durante a passagem das etapas. Este dinamismo não pode ser a causa do término e do começo das

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etapas no plano biológico – como por exemplo, ao término da etapa do homem sapiens, o dinamismo continuará no começo da etapa do homo cósmico ou homo eletrônico.

É este dinamismo que podemos denominar a experienciação da totalidade.

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Alguns anos antes da última grande guerra, ao redor de uma mesa em Boston, um grupo

de cientistas reunia-se para jantar e discutir temas científicos sob iniciativa do fisiólogo Rosenblueth. Eram discussões interdisciplinares. Vou dizer que estes pesquisadores estavam imbuídos da postura das conexões: tratavam de física, de matemática, de biologia, de psicologia, de sociologia, etc. Todos compreendiam a necessidade de comunicação recíproca entre os vários saberes, saindo um pouco dos limites de sua própria especialização.

Certo dia foi convidado para estas reuniões o... digamos gênio Norbert Wiener. Sim, gênio. Porque se entre nós existem mutantes, gênios, Wiener é um caso bem especial: com dezoito meses de idade já sabia ler (só aprendi a ler aos três anos de idade); com sete anos já tinha lido Darwin, conhecendo igualmente teorias matemáticas e física; enfim, com quatorze anos licenciou-se em ciências e mais tarde trabalhou com filosofia. A presença de Wiener fê-los ver que estavam descobrindo um

Capítulo 10

Conexões Cibernéticas

“Temos de pensar a respeito de nós mesmos e do nosso meio ambiente como um mosaico evolutivo de vida microcósmica” (Lym Margulis).

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princípio fundamental, que deveria constituir a base da estrutura de tudo o que existe. Esta descoberta fez nascer o que depois se denominou cibernética.

A guerra chegou e Wiener, por designação do governo americano, teria que formar um grupo de cientistas para estudar um problema que era a aplicação prática do que havia intuído. Eis o problema: como é possível prever os movimentos de um avião em pleno vôo a fim de poder atingi-lo com um projétil? Faz parte do senso comum de qualquer caçador saber da dificuldade em disparar contra um animal em movimento. É preciso avaliar muitas variáveis envolvidas, como velocidade, direção, possíveis trajetórias, etc. Os progressos da cibernética felizmente não pararam apenas neste tipo de aplicação; inclusive o próprio Wiener afastou-se deste tipo de projeto usado pelos militares, pois sempre soube ser um gênio de princípios e caráter.

De origem grega, a palavra cibernética (direção do navio, arte de pilotagem), reaparece em 1948, quando Wiener expõe suas teorias em um livro intitulado Cibernética: controle e comunicação no animal e na máquina.

A cibernética está ligada ao princípio de feed-back, cuja tradução em português ficou sendo “princípio de retroação”. Para explicar este princípio vou tomar o regulador centrífugo da máquina a vapor de Watt. Este regulador era um dispositivo para regular a velocidade, usado nas antigas caldeiras de vapor, com chaminés altas e com uma grande roda que, por meio de uma longa correia, acionava as colhedeiras de cereais. Era uma armação feita com barras e ferro, com duas grandes esferas metálicas nos vértices laterais. O princípio de feedback (C a partir de agora) está no seguinte: quando a força exterior exercida sobre a roda diminui, esta tende a se acelerar, mas a aceleração faz girar mais rapidamente a armação com as duas esferas e estas, pela força centrífuga, afastam-se levantando um

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anel preso à válvula. Por sua vez, esta válvula diminui assim a entrada de vapor e reduz a velocidade da roda. Embora não conhecendo a cibernética na época, Watt aplicou perfeitamente o princípio C.

No caso das operações em que o caçador tenta abater a ave em pleno vôo, o princípio C consiste em que devem elas se basear num número grande de feedbacks organizados em complexidade.

Dessas pesquisas seguiu-se uma revolução tecnológica. Tudo se tornou automático; desde os aparelhos domésticos até os ônibus espaciais, que se orientam sozinhos sob governo de cérebros eletrônicos.

Aplicando este pensamento ao caso do experimento mental, quando a consciência tomar experiência total de si mesma, aí não só o que passou nos estágios, mas conhecerá igualmente ou estará apta a conhecer instantaneamente o Todo.

Tudo isto nos remete às implicações epistemológicas da cibernética. Como este princípio se aplica à lei íntima da estrutura e da realidade de todas as coisas, pode muito bem nos auxiliar a ver o mundo de outra maneira. Desde as partículas subatômicas até às sociedades humanas vê-se a ação dos princípios da cibernética. Ora, por quê, no que se refere às operações intelectuais, não dizer que a reflexão consiste-se em feedback? Nas pesquisas realizadas nesta direção nos últimos tempos, foram introduzidos conceitos como informação, sinais, memória, programa, que usados comumente quando se falava de elaboradores ou computadores eletrônicos, passaram a ser usados a aplicações lingüísticas e sociais.

O princípio C está presente na relação de todos os seres que resultam da união de outros (com progenitores e descendentes), nas complexificações orgânicas. É ele que acaba fazendo as coisas existirem dentro de um significado, porque dentro de um

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contexto. O ato de reflexão é o princípio de retroação agindo quando se estabelece uma relação entre duas ou mais coisas. Por sua vez, este ato de reflexão faz com que a ação recíproca seja modificada, estabelecendo condições à cadeia de sucessão. É assim que o conhecimento humano torna-se uma relação cibernética de conexões. Cada conhecimento adquirido, posto sob crítica pelo ato da reflexão consciente, pode transformar-se, ou melhor, transforma-se realmente. Uma reflexão profunda, por exemplo, pode transformar a mente.

A partir do que foi tematizado sobre as conexões cibernéticas, passo a expor o porquê de uma nova teoria, a da autoconsciência a experimentar-se.

Um dos termos que mais deve ser estudado e entendido é o da complexidade. Segundo este princípio, a termodinâmica nos diz que um sistema físico entregue a si mesmo evolui para a máxima desordem, isto é, para a entropia máxima, significando que ele evolui para a máxima complexidade. Nas palavras de Atlan, encontra-se que a “complexidade” é uma desordem aparente onde tem-se razões para se presumir uma ordem oculta, ou ainda, a complexidade é uma ordem cujo código não se conhece25. Acrescento que a complexidade, ou a desordem aparente como queira, leva-nos a presumir uma ordem desconhecida porque se manifesta em conformidade com o Todo. Caso contrário, a desordem seria irreversível. Talvez esta idéia mais se aproximaria da teoria do Atrator Universal.

Segundo um ensinamento hebraico, o fim de uma realização é começo no pensamento, isto é, o fim de qualquer coisa já está presente no começo, o que em filosofia chama-se de causa final. Como sair então do absurdo existencial? Onde o ser já aparece determinado? E se determinado, onde se encaixa a liberdade humana? _____________ .25 cf. ATLAN, Entre o cristal e a fumaça, p.67.

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Uma boa explicação encontrei nesta conformidade para com o Todo.

Isto tudo traz implicações epistemológicas sérias. “Nihil volitum, nisi praecognitum”, ou seja, nada é desejado se não for antes conhecido de alguma forma26. Ou ainda: “não me procurarias se não me tivesses já encontrado”. Muitas vezes a busca termina com a resposta antecipadamente desejada, o que nos remete ao problema dos pressupostos já estudado. No entanto, trabalhando com os pressupostos, prestando atenção, é possível encontrar uma coisa diferente do que se procurava.

O verdadeiro significado emerge do contexto envolto em conexões. As diversas facetas da realidade somente fazem sentido num contexto. Para detectar o significado deve-se aprender a ver a relação entre as coisas. Neste ponto encontra-se então a questão dual: fragmentação versus contextualização/síntese.

Desde o início da ciência moderna sofremos o encanto da fragmentação no conhecimento: a idéia de que só podemos conhecer fragmentando a realidade e isolando o objeto de estudo do todo de que faz parte. Mas de uns anos para cá muitos estão percebendo a necessidade também de se fazer a síntese, a contextualização, articulando os saberes fragmentados, estabelecendo as relações do todo com suas partes.

Arnold Toynbe, em a Sociedade do Futuro, também escreve nesta direção quando diz:

“A combinação ideal seria, pois, especialização num campo particular e cultura geral sobre todos os campos. Uma certa especialização dá àquele que generaliza um certo nível e um pouco de generalidade impede que o especialista fique fora de foco”27._____________ .26 Adágio filosófico latino27 TOYNBE, A. A sociedade do futuro, 1979, p. 97.

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Havia, no mundo da ciência antiga, o seguinte princípio: “separar para unir”. A filosofia aristotélica nos demonstra isto, quando atribui uma causa para cada efeito. Para determinar a causa tudo tinha que ser fragmentado em sub-partes. Assim, quanto mais as coisas são selecionadas, separadas ou fragmentadas, mais fácil fica determinar as causas. Mas o próprio Aristóteles nos ensina que o Todo é muito mais do que a soma das partes. A ciência moderna, por sua vez, demonstrou-se exímia em separar. Mas não em unir. É a nós que cabe esta tarefa; porque os elementos do mundo só parecem ser compreendidos em termos de totalidade.

“A natureza é uma unidade maravilhosa. (...) Ela não está dividida em física, química, mecânica quântica...” (Albert Szent Gyorgyi).

Muito desta questão dual pode ser compreendida a partir do conhecimento dos hemisférios cerebrais. Os dois hemisférios cerebrais, esquerdo e direito, interagem o tempo todo, embora cada um tenha suas funções próprias. No entanto, a maioria das pessoas tende a usar mais um hemisfério do que o outro.

O hemisfério esquerdo controla essencialmente a palavra; adiciona, mede, arquiva e cronometra. É o arquivista, oficial da fragmentação.

Se realmente for tomado como certo o conhecimento sobre este assunto, pode-se dizer então que:

O hemisfério direito, por sua vez, é contextual, relacional; pensa em imagens, vê o todo e detecta padrões; ele dá à linguagem uma inflexão emocional.

O esquerdo lida com as experiências presentes compa-rando-as com as experiências anteriores, classificando-as; o direito responde à novidade, liga os opostos, é o que completa (holístico). É como se o esquerdo tirasse fotografias e o direito assistisse a filmes. É por isto que vejo a necessidade de se treinar

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a harmonia entre os dois hemisférios. Contextualizar é preciso. Mas a escola ainda não deu conta disso.

Por lhe faltarem algumas conexões, muitas descobertas ficaram escondidas aos antigos; todavia, por fazerem algumas conexões diferentes das nossas, nos surpreenderam com alguns resultados semelhantes aos nossos ou totalmente sem sentido para nós, mas que nos assombram pela eficiência e simplicidade. Posso citar como exemplo a máquina de predizer as marés, criada em 1893, por Lorde Kelvin, composta por roldanas e pedaços de barbante. Esta máquina, de onde partiram nossos calculadores analógicos e nossa cibernética, poderia muito bem ter sido construída pelos sumérios, egípcios ou gregos.

Descartes estabeleceu seu método para o racionalismo moderno: “Aquele que procura a verdade, deve tanto quanto possível duvidar de tudo”. Ora, durante anos esqueceram de atentar às palavras de Aristóteles no segundo livro da Metafísica: “Aquele que procura instruir-se deve em primeiro lugar duvidar, pois a dúvida do espírito conduz à verdade”.

É ainda de Descartes o Cogito Ergo Sum já citado nessa obra: “Penso, logo existo”. Mas em plena Idade Média vemos Santo Agostinho afirmar: “se me engano, chego à conclusão que existo, pois aquele que não existe não se pode enganar, e precisamente por que me engano, sinto que existo”.

Mas então por que o racionalismo moderno não foi estabelecido pelos antigos? Uma das razões penso ser o fato de que as conexões feitas por mentes brilhantes não encontraram respaldo em seus semelhantes na época, que muitas vezes estavam preocupados com as guerras (a sobrevivência ainda era difícil e a imprensa não existia); outra razão é que muitos pesquisadores da posteridade não tiveram a postura de fazer a devida conexão com o passado, relegando o conhecimento dos antigos como infrutífero.

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A interpretação histórica do passado longínquo está cheia dessas influências. Por exemplo, afirma-se que os antigos gregos acreditavam nos amores de Júpiter e os egípcios adoravam como deuses vivos e reais o cinocéfalo e o gavião. É o mesmo que daqui a mil anos, estando as religiões atuais desfiguradas ou transformadas ou extintas, alguém chegasse a sustentar que os cristãos adoravam um tríplice Deus, composto de um velho, um supliciado na cruz e uma pomba. Nós, que vivemos esta realidade, sabemos que não é bem assim. A interpretação dos símbolos também não escapa às conexões circunscritas a eles.

Aristóteles fala da esfericidade da terra no tratado De Caelo. E Sexto Empírico diz-nos que Demócrito recebera a teoria atômica por intermédio de Moschus, o Fenício, e que este afirmava ser o átomo divisível. É por esta e outras razões que muitas vezes se afirma que o novo é simplesmente o retorno daquilo que um dia foi esquecido.

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A nova maneira de fazer filosofia não pode deixar de acompanhar as novas abordagens

da neurociência e as novas descobertas no campo da biologia. A cognição está sendo identificada com o próprio processo da vida, interagindo com percepções, emoções e comportamento. Não se trata mais de simples transferência de informações e tão pouco de representações mentais do mundo exterior. Estas descobertas estão intimamente ligadas aos dois pesquisadores da famosa teoria de Santiago, Humberto Maturana e Francisco Varela. O conhecimento então é fruto das conexões com toda a Vida, incluindo a própria vida interior. Isto vai além dos dados a priori de Kant e dos dados a posteriori dos empiristas.

Quando estudante, lembro que meditei muito sobre a frase de Aristóteles – Anima quodomodo Omnia (a alma de certo modo é tudo). Concluí que se a mente conhece o mundo é porque faz parte do mundo e tem algo dele em si. Lembro-me também de que quando tornei pública esta conclusão a amigos, fui rotulado de “alguém que está entrando em terreno místico”.

Capítulo 11

A Cognição Humana

“Tudo o que é compreendido está certo” (Oscar Wilde).

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Tudo bem, agora. A palavra está com a ciência que comprova as conexões feitas até pelos microorganismos. É aceito que até mesmo as bactérias podem “perceber” certas características do seu meio como calor, luz e em alguns casos até campos magnéticos. Demonstram sentir diferenças químicas quando nadam em direção ao açúcar e se afastam da região ácida.

Os autores de Santiago deixam entrever que ocorre uma criação de um mundo no ato da cognição. Vejo que é bom aprimorar isto para não dar a entender que a mente cria a matéria, o contrário de ser a plasmadora da energia material, ordenadora das possíveis conexões, como se verá adiante. Digamos que ela cria um sentido para o fenômeno corrente. O farol vermelho indica que se deve parar e respeitar a passagem de outros carros e pedestres; um indivíduo de uma cultura diferente da nossa não criará este sentido ao ver o sinal vermelho de nossos cruzamentos.

A capacidade cognitiva vem tornando-se mais complexa desde os seus primórdios com os seres unicelulares até os dias de hoje. A cognição não depende de cérebros e sistema nervoso complexos, mas o adequar-se à complexidade exige estes aparatos biológicos. Pode ser que com o estado atual em que se encontra a evolução na terra surja a exigência de outras manifestações cognitivas.

A mente do aprendiz neste caso de longe deixa de ser uma tábua rasa como comumente se pensa, ou para usar uma linguagem atualizada, um winchester de computador que recebe a programação. A mente pode até suportar estes mecanismos para fazer inferências, no entanto, sempre envolvida em conexões, com talento e novidade. É um processo de vida que está envolvido na cognição humana e suas conexões. Para Maturana e Varela isto equivale a dizer: “Viver é conhecer”28. Desde o _____________ .28 cf. Maturana e Varela, A árvore do conhecimento.

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momento em que estamos envolvidos no processo-vida, estamos conhecendo. Quem não conhece alguma coisa? Poder-se-ia dizer que quem nada conhece vegeta. Mas dentro dos novos pressupostos até o vegetal manifesta aspectos de cognição.

Então na Vida sempre se conhece alguma coisa.

Porém, a criança que repete as horas que o pai lhe ensinou tem conhecimento das horas? Digo que ela não conhece as horas mas já faz conexões com os elementos mentais e lingüísticos necessários para o entendimento posterior. Conhecer é um processo de conexões. Assim, a vida em seu processo de pesquisa para solucionar problemas passa dos problemas antigos para a descoberta de novos problemas. A cognição às vezes parece se confundir com a manifestação da vida. E amar também não deixa de ser uma forma de conhecer.

Exponho a necessidade de se estudar a base cosmológica do conhecimento.

“É fácil para o pessimista repartir esse período extraordinário em civilizações que desmoronam uma após a outra. Não é, porém, muito mais científico reconhecer, mais uma vez, por sob essas oscilações sucessivas, a grande espiral da Vida a se elevar irreversivelmente, por revezamentos, segundo a linha mestre de sua evolução? Susa, Mênfis, Atenas podem morrer. Uma consciência cada vez mais organizada do Universo passa de mão em mão; e o seu fulgor aumenta” 29.

Penso que sob este prisma, retomando o ponto em que estava no experimento mental, o todo “conhece” por meio do indivíduo. Encontra-se esta expressão no filósofo judeu Maimônides: “Eu sou, ao mesmo tempo, o conhecedor, o conhecido e o conhecimento”. Segundo Henri Atlan, o conhecimento que qualquer sistema auto-organizador tem de si mesmo seria, por esse ponto de vista, um conhecimento divino30._____________ .29 ATLAN, op. cit., p.227.30 id., p.84.

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No que concerne ao momento da humani-zação no processo evolutivo na terra, o

que muitos atribuem à linguagem (para escapar do problema da transcendência do homem), eu atribuo à consciência. O verdadeiro momento da humanização ocorreu quando houve manifestações dos fatos relativos à autoconsciência do espírito na evolução orgânica e psíquica da linhagem humana. E pode ser que este momento esteja intrinsecamente relacionado à descoberta do fogo. De um lado, para ser descoberto, exigiu um esforço consciente e por outro, após sua manifestação, sua descoberta estimulou os centros adjacentes à consciência humana.

A consciência, no sentido filosófico mais aceito, é a capacidade de “perceber-se a si mesmo”, saber que sabe, é uma autoconsciência.

Capítulo 12

A Consciência

“Significa que quando Deus decidiu, num tempo que já se perdeu no passado, ‘lançar os fundamentos da terra’, todo o esquema da vida foi estabelecido com vistas à criação do seu gênero mais sublime: a consciência de Deus e por extensão o ser humano à semelhança de Deus - o Filho de Deus” (Savitri Devi)

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No entanto, não pode ser deixado de lado um outro aspecto da questão. A palavra consciência tem sua raiz no latim cum scire (conhecer junto, com) e isto já nos indica seu caráter de fenômeno essencialmente social, conjunto.

Mas a consciência é um fenômeno que vem de dentro ou de fora? Onde e quando surgiu? Ela pode ser fruto de um órgão finito como o cérebro?

Perguntas como estas continuam em nossas cabeças, humildes pesquisadoras. Quem sabe mentes jovens consigam fazer uma verdadeira revolução neste campo nos próximos anos.

Por enquanto parece que a consciência é uma só para todos e o que muda são as informações que cada um acrescenta ao conjunto.

Continuando minhas pesquisas neste campo percebi que a evolução da Vida nada mais é que a evolução da Consciência. Ou seja, a Vida amplia a percepção de si mesma com o ego consciente se formando no seio humano.

Não vejo com bons olhos o pensar do tipo: a consciência surgiu depois, veio antes ou coisa parecida. Caímos na mesma discussão de quem veio antes: o ovo ou a galinha?

Pierre Simon, o famoso Marquês De Laplace, estabeleceu a teoria de uma supermente que é capaz de prever o futuro de todas as entidades do universo. No dizer de Laplace:

“Um intelecto que, num dado instante, conheça todas as forças que estejam atuando na natureza, e as posições de todas as coisas das quais o mundo é constituído – supondo-se que o dito intelecto fosse grande o suficiente para sujeitar esses dados à análise – abraçaria, na mesma fórmula, os movimentos dos maiores corpos do universo e o dos menores átomos; nada seria incerto para ele, e o futuro, assim como o passado, estaria presente aos seus olhos”.

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Já li muitos autores que rapidamente encontram nesta citação a “Supermente determinista de La Place”. Não a vejo desta forma. A Supermente de La Place abraçaria o Universo, conheceria o Todo, mas não determinaria as coisas. O que percebo de estranho nesta teoria é que a Supermente aparece como uma entidade distante das outras no universo, que as dirige como suas marionetes. Para a postura das conexões a supermente é o conjunto de todas as conexões possíveis. Não há determinismo neste processo. Visto que há n possibilidades de conexões, a Supermente pode fazer n conexões sobre seu conjunto. É um processo aberto sempre.

A teoria de Laplace, mesmo levando alguns a entenderem-na como determinista, não deixa de ser tão ousada a ponto de estimular nossas mentes.

O conhecimento que se tem do mundo parece caminhar no sentido exatamente inverso da lógica comum das coisas. Tem-se que partir do que já está feito, pronto, e analisando-o (literalmente dissecando-o), para se chegar ao como foi feito.

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Penso que o ideal seria antes de tudo procurar elevar a mente (o ego consciente) para a

superconsciência (o conjunto de todas as possíveis conexões), a fim de compreendermos o mundo que se nos apresenta. Mas neste processo jamais devemos abandonar o mundo, pois é ele que nos estimula às conexões cada vez mais vivazes.

O Todo, a superconsciência, então, é o conjunto de todas as infinitas possibilidades, de todas as conexões possíveis.

Ao meu ver, é aí que se encontra a chave para o entendimento dos problemas do mundo do muito pequeno e das partículas e dos quanta. No mundo das partículas e dos quanta, tudo aquilo que é “permitido” (não é proibido) pela lógica, não só pode existir como de fato existe.

Entra-se aqui no terreno das conexões possíveis que o

Capítulo 13

Consciência e Mundo

“O universo começa a parecer mais um grande pensamento do que uma grande máquina” (Sir James Jean)

“A matéria é o absorvente da iniqüidade” (Orígenes)

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pesquisador pode aventar usando a lógica como ferramenta. A conexão aventada, constituindo a superconsciência, torna-se fácil de ser realizada pela percepção do ego do pesquisador. Nota-se isto mais ainda quando devido ao princípio de indeterminação (mundo das possibilidades) trata-se as partículas como se fossem seres conscientes e livres, vinculados a necessidades e proibições. Alguns filósofos da natureza (e também cientistas) julgam que este princípio esteja relacionado com o princípio de liberdade e espontaneidade no que concerne à pessoa humana.

O ego-consciência (nível menor) deve aprender bem o fun-cionamento da superconsciência (nível maior). Como imaginar o que pode ocorrer a alguém que consiga atingir esta meta?

Pode-se dizer que várias entidades unidas em feedback, segundo relações (conexões), dão origem a um conjunto, um todo (melhor é dizer que dão origem à percepção de um conjunto, pois o todo já constitui as conexões possíveis).

Há uma ampla liberdade, diria infinita, para que se faça novas conexões no seio do todo.

“Percebemos o mundo em relação à nossa mente, já o disse, que é por sua vez apenas uma parte do “eu” total; assim sendo o mundo é ilusório apenas no sentido de uma relatividade; é uma parte do nosso eu, a mente, que percebe uma parte do universo; à medida que nos aprofundamos e alcançamos níveis subliminais, subconscientes e superconscientes é que a realidade nos aparece de modo cada vez mais amplo”31.

Isto é, vamos ampliando a percepção das conexões.

Consciência animal e consciência humana – qual a diferença? Ora, a consciência é o conjunto das conexões, tanto no homem quanto no animal. Para a conformidade em relação ao Todo32, são elaborados o cérebro e o sistema nervoso complexos para _____________ .31 WEIL, P. , Consciência Cósmica, p.82.

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Ele experienciar seus momentos internos – o que dá o surgi-mento do que chamo de autoconsciência. É um nível de infância ainda e, neste nível, quem não sabe se conformar ao todo de forma satisfatória causa muitos estragos.

As ações de uma organização psicobiofísica superior aparecem a si mesma, em seus inícios, sempre bárbaras em relação às ações das organizações precedentes. A Luz da Razão ainda não desenvolvida plenamente (e mal integrada) causa realmente estragos. Afinal, muitas vezes se diz que o homem faz coisas piores que os animais. E esta parece ser a condição humana desde o surgimento da razão até os dias atuais. Devo concordar com os pensamentos de Pascal de que “O homem é juiz de todas as coisas, verme imbecil, depositário do verdadeiro, cloaca de incertezas e de erros”. Isto é, cheio de riquezas mas envolto em misérias.

Mas é o preço a ser pago pelo aprendizado. Quiçá chegará o momento da Suprema Experiência e findará a sensação de separabilidade e sensação de que a autoconsciência e a superconsciência sejam diferentes.

Poder-se-ia fazer a seguinte objeção: desta forma o homem não passa de um autômato nas “mãos” do Todo que se experimenta. Esta objeção só pode ser feita por quem não entendeu o processo. O homem apresenta-se como a percepção que o Todo vai fazendo de si mesmo. Ou seja, é o Todo se experimentando de forma quase que consciente as n conexões possíveis. Que grandiosa vocação pode-se vislumbrar para o homem, por conseguinte. O coletivo é o que importa. Mas o coletivo consciente e harmonioso só se realiza completamente quando os indivíduos se realizam plenamente como tais. Porque, o Todo é mais do que simplesmente a soma de suas partes. A _____________ .32 Joga-se brinquedos numa caixa vazia. Eles se conformam à forma da caixa, o que poderia lhes causar uma ilusão de um ato inteligente caso estes brinquedos fossem conscientes.

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natureza apresenta esta característica de forma inconsciente nos animais abaixo do homem. Temos um exemplo disto quando algumas formigas se sacrificam, morrendo ao fazerem uma ponte de formigas que se afogam agarradas umas às outras, para que as operárias possam chegar até o bolo protegido pela água.

O que os animais fazem inconscientes, movidos pela força da natureza, o homem deve fazer conscientemente - ou se sucumbirá. Estamos vendo crescer em muitos uma preocupação para com o coletivo da humanidade, principalmente no que tange à sobrevivência de nosso planeta. Isto pode ser uma resposta ao impulso da natureza em direção à preservação do coletivo.

Ao tocar na questão da “consciência e mundo”, esbarro também no problema corpo-alma. Há aí toda uma complexidade de substâncias. Se se disser que existe apenas uma, a resposta será considerada monista. Se se disser que existem duas substâncias – a resposta será considerada dualista.

Primeiro, deixemos de lado as substâncias. O que se tem são as conexões e o conjunto de todas as conexões possíveis é a consciência. Esta superconsciência, digamos, percebe-se a si mesma. Ao nível humano, por exemplo, esta percepção experimenta seu próprio início com o ego. Por meio do ego, esta consciência experiencia e está sujeita às contingências e limitações próprias deste nível. Uma das limitações mais drásticas é a sujeição às mesmas leis de mudança do nível chamado material, o que resulta ao ego a experiência daquilo que comumente se chama de morte. O que permanece neste caso? O que permanece é a experiência daquela conexão que foi o ego. A superconsciência, digamos, é a alma, e o ego, uma personalidade-alma.

Vou usar aqui a analogia citada pelo Dr. Harvey Spencer Lewis (este grande filósofo desconhecido) em “As Mansões da

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Alma”. A alma (universal) corresponderia à corrente elétrica que circula numa casa e cada uma das personalidades-alma corresponderia às lâmpadas espalhadas pela casa.

O problema do dualismo hoje se afigura insolúvel, mas podemos clarificá-lo: o universo parece alternar-se entre uma e duas realidades. A supermente está além desta alternância - o que nos remete a uma terceira realidade. A experiência consciente inicia-se no nível primário com a formação do “indivíduo” (individualização), mas na seqüência das manifestações da Vida não é sobretudo o indivíduo que aparece como sendo o mais importante – o homem passa de centro, a ser considerado um elo, um intermediário. Parece existir, mas simplesmente transmite.

Manifesta-se existindo, porém, parece nada mais que um canal para passagem a níveis maiores de percepção.

A vida, realista como sempre, segue seu curso.

Mas e quando ocorre o fim do indivíduo? Sendo que a superconsciência faz a experiência de si mesma, cada consciência individualizada permanece quando ocorre a reintegração, pois a primeira mantém a experiência vivida da segunda.

A conseqüência disto, pode-se dizer, é considerar que tudo o que foi e tudo o que virá a ser existe o tempo todo e num único “espaço”. É nossa consciência que dá a sensação de passagem, de história, de tempo que passa.

E mais, pode-se passar por profundas mudanças de percepção. Qualquer pessoa pode fazer uma avaliação de sua própria vida ao longo dos anos e ver que em hipótese alguma suas percepções são as mesmas do passado: realmente podemos nascer de novo todos os dias se assim o desejarmos e tivermos a coragem de morrer naquilo que é velho e arraigado.

Estuda-se como alcançar um estado novo de consciência,

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no qual um novo entendimento se torna possível. Como disse William James:

“Nossa consciência desperta normal, ou consciência racional como também é chamada, nada mais é senão um tipo especial de consciência, enquanto em torno a ela, dela separada pela mais tênue das telas, existem formas potenciais de consciência inteiramente diferentes. Podemos passar a vida toda sem suspeitar de sua existência, mas, aplicados os requisitos necessários, a um toque lá estão elas em toda a suas grandeza... Nenhuma avaliação do Universo em sua totalidade pode ser definitiva se essas formas de consciência não forem levadas em consideração”.

A postura das conexões, ao pretender um conhecimento do universo, deve levar em consideração os possíveis outros estados de consciência e sua aplicação a uma nova visão do que há.

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Partindo da conclusão fornecida no ponto anterior, convém dizer aqui que ela traz

implicações epistemológicas não pouco intrigantes. Por meio de um desenvolvimento psíquico adequado, por meio do estudo e disciplina, o que leva a uma maior conscientização, o sujeito pode intuir novas conexões a partir de sua situação (que já é fruto de outras conexões).

Posso demonstrar isto fazendo uma analogia com o teclado de um computador: os caracteres, as letras, estão expostos ali de forma desconexa. Se alguém começa a digitar seguindo a ordem da colocação das teclas comporá um conjunto de letras em desconexão na tela. Somente a partir de um trabalho de conexão inteligente entre as letras algum trabalho poderá obter resultado.

As letras do teclado podem ser combinadas de forma tal a ter condições de fornecer-nos um conjunto quase infinito de informações, porém sozinhas, em si mesmas, não dizem quase nada. Podemos ter “qwerty” ou “zxcvbn”, ou algo mais sem

Capítulo 14

Um Novo Conhecimento

“Eu sou, ao mesmo tempo, o conhecedor, o conhecido e o conhecimento” (Maimônides).

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sentido. Mesmo assim, após milhares de tentativas podemos ter, ao acaso, alguma palavra que venha ter algum significado na interpretação. No entanto, se dirigirmos nossa atenção de uma tecla para outra, de forma ordenada, obedecendo aos ditames de uma lei maior que o processo - neste caso a consciência - podemos fazer conexões tendo como resultado um texto cheio de significado.

Não fiquemos apenas nisso: o mesmo teclado pode ser utilizado várias vezes seguidas para originar novas conexões significativas. É o foco de atenção (mente) que parece importar no processo.

Na sua infância, nos inícios de sua manifestação no homem, a tomada de consciência da mente começa aprendendo mais por meio da experiência e dos sentidos; mas quando começa a aprender por si mesma, novas possibilidades se aventam como fonte de conhecimento. Para além do racional, sem suplantá-lo, pode o homem mudar o seu estado de percepção para conhecer o mundo com outros olhos. O que chamo de Supraracionalidade.

Quando percorremos o rol dos grandes nomes da ciência ocidental, encontramos na maioria a presença de um fundamento metafísico em suas descobertas, como se mantivessem, a exemplo de Sócrates, uma relação harmoniosa com seu daimom, a sua interioridade, o seu self.

Quem diria que um dos fundadores do racionalismo científico moderno, René Descartes, foi iniciado no caminho dos ideais da ciência por um anjo que lhe apareceu em sonho, dizendo que a conquista da natureza seria conseguida através da medida e do número, na experiência mística de 1619?

Houve também o caso de Kekulé, descobridor do anel benzênico, que entendeu a solução de um problema de estrutura molecular, quando sonhou com o símbolo urobórico - símbolo

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da eternidade, no qual uma cobra morde a própria cauda.

Deixando de lado os arquétipos usados no processo, entrevejo nestes casos algumas intromissões mentais inconscientes no campo pluridimensional das possibilidades conectivas.

Einstein deixa entrever em seus escritos não científicos, que sua teoria é mais fruto da intuição do que resultado de cálculos. Intuição em termos filosóficos, nada tem a ver com o sexto sentido atribuído às pessoas místicas ou espiritualistas. É a percepção imediata, sem intermediários, ou quase sem intermediários. Alguns dicionários a definem como “rápida percepção da verdade sem atenção consciente ou raciocínio”, “conhecimento de dentro para fora”, “conhecimento instintivo ou associado com uma visão nítida e concentrada”. O termo deriva, apropriadamente, do latim intuere, “saber espontanea-mente”, “saber interior”.

Os cientistas estão familiarizados com a súbita compreensão da natureza de um problema. Muitas vezes a compreensão surge sem que sejam resolvidos todos os passos lógicos do processo. É a repentina visão intuitiva que permite o voltar e completar a posteriori todos os detalhes lógicos. Somente a partir daí é que se prepara a publicação em periódicos, formalizando sentenças do tipo: “se isso acontece, então isso também e o resultado é...”

Este processo é também muito conhecido dos matemáti-cos. Muitas vezes eles apresentam suas experiências a partir da compreensão súbita de um problema. É preciso salientar que este não é um processo mágico, oculto, que dispensa o esforço e a pesquisa. O “insight” só advém a partir de um longo processo de pesquisa e labor mental. As conexões pressupõem conexões. Só encontra aquele que um dia procurou.

Por vezes, como diz Morin, “é precisamente no grande sabat onírico que nasce a idéia em vão procurada durante duras vigílias”33. Mas vou insistir sempre: é preciso as duras vigílias. E mesmo

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apoiando o dizer de Einstein “penso noventa e nove vezes e nada descubro; deixo de pensar, mergulho no silêncio e a verdade me é revelada”, afirmo que é preciso pensar as noventa e nove vezes.

Este processo foi estudado e esquematizado pelos neuroci-entistas, como funcionamento relacionado entre os hemisférios direito e esquerdo do cérebro. Ou ainda como estudo sobre os estados alterados de consciência.

Quando se fala em intuição como um estado de consciência mais elevado e mais abrangente, não se quer dizer juízo moral ou de valor, como disse Viktor Frankl:

“Uma dimensão mais alta é tão-somente uma dimensão mais abrangente. Se, por exemplo, tomarmos um quadrado bidimensional e o deslocarmos verticalmente, de modo a que se torne um cubo tridi-mensional, poder-se-á dizer que o quadrado está incluído no cubo... dado que o mais alto inclui o mais baixo”.

Muito pode ser feito a partir do trabalho dos pioneiros.

No entanto, para nortear este modo alternativo de obter conhecimento mister se faz aplicar a postura das conexões.

O cérebro humano funciona como máquina aritmética: de forma binária, isto é, classifica, aceita e recusa usando o sim, não, de acordo ou desacordo, verdadeiro ou falso. É este processo que faz de nossas ciências um esforço de classificação.

Mas existem também as máquinas analógicas: faz as devidas conexões com o todo do problema envolvido.

Vou dar um exemplo na construção de uma ponte:Se se deseja estudar suas condições de segurança e resistência,

coleta-se os dados observados a respeito de todo o plano de construção. Em seguida, fornece-se os dados à máquina que irá estabelecer todas as conexões possíveis entre as existentes e, _____________ .33 Morin, I, p.311.

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enfim, dará seu veredicto.

É isto o que precisamos fazer com o edifício do conhecimento: fazer conexões de forma analógica. O hemisfério direito pode fazer isto. Deve-se atentar para que em nosso processo educativo seja valorizada a síntese tanto o quanto é valorizada a análise.

Mas como, se o nosso cérebro sofre a lentidão do sistema eletro-químico?

Não descarto a possibilidade de um dia o homem descobrir um meio de desenvolver sistemas de conexões mais rápidos, como o eletromagnético, por exemplo. Mas por enquanto, vejo que uma grande saída seja fazer as conexões por meio dos contatos interdisciplinares. O diálogo deve ser fundamentado em descobertas científicas atuais e permeado de muita humildade. Os antigos filósofos tentaram estabelecer a interdisciplinaridade em seus diálogos mesmo sem terem a sustentação científica atual, porém, contando com um volume de informações bem menor na época, muitas vezes exageraram nas especulações fora da realidade de nosso universo.

Sem dúvida, a tecnologia da informação hoje pode auxiliar a aceleração da pesquisa neste processo. O computador pode auxiliar nestas pesquisas rápidas e cada vez mais com maior eficiência. E não vejo o porquê das preocupações de alguns quanto a isto. O ser humano não deve se sentir diminuído por ser superado em rapidez pela máquina de calcular, da mesma forma que ele não se sente inferior porque precisa do avião para voar. Sem dúvida alguma, os milhares de anos que temos a frente do computador nos dá algumas vantagens.

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Tenho o costume de estimular meus alunos provocando-os com os enganos que fazemos

na prática do senso comum.

Imaginemos alguém que nunca teve noções de astronomia e viveu afastado da civilização ocidental. Ao observar a trajetória do sol do nascente ao poente, será levado a concluir facilmente que é o sol que gira em torno da terra e não esta em torno daquele. Este é um hábito próprio do senso comum. E nossa linguagem está contaminada por hábitos dessa espécie.

Então chegamos a dizer “fulano, levante-se antes do sol nascer”. Esta frase é aceita e compreendida na linguagem cotidiana. Porém, no laboratório ou na academia filosófica esta linguagem falha ao ser usada para explicar os fenômenos.

Ora, primeiro, o sol não nasce, chegamos a vê-lo ou não devido ao movimento de rotação da terra; segundo, não temos certeza de que o veremos amanhã em seu zênite e, se assim acreditamos, é pelo hábito de ver a ocorrência do fenômeno

Capítulo 15

Uma Nova Linguagem

“Nossa linguagem é limitada pela nossa percepção bipolar do mundo” (Marcelo Gleizer).

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todos os dias até hoje. Mas então, como escaparmos desse impasse?

A resposta muitos a vêem na matemática. Por meio dela pode-se explicar realidades complexas e inadmissíveis à mente comum. A matemática é uma linguagem formidavelmente boa para descrever, discutir e imaginar coisas que são realmente complicadas.

Por muitos a linguagem é considerada como uma das grandes conquistas dos ser humano. Alguns, como Popper, a consideram como o marco da evolução do homem, tese que penso já ter refutado em ponto anterior. A linguagem se desenvolveu através da necessidade de partilhar experiências, ao nível de complexidade compreensível ao senso comum, mas inadequada para a compreensão da complexidade do universo, tanto do macro quanto do micro.

O paradigma usual, digo, é de que a matemática se consiste num código de leis que descrevem o universo.

É prudente não exagerar; nossa experiência com exageros já nos trouxe muitos problemas. Embora particularmente boa para descrever estruturas complicadas, a matemática pode ser considerada uma simples extensão da linguagem ordinária. Digamos que ela tem mais sucesso que sua predecessora. As idéias matemáticas encontram-se escondidas por trás de símbolos, que a maioria não pode penetrar. Esses símbolos se referem ao que os matemáticos de verdade tomam como intuições visuais.

Mas paro por aqui. É imprudente prosseguir “vendendo peixe dos outros”. Não tenho conhecimento de matemática suficiente para dar continuidade. Estou estudando, pois pode haver neste campo grandes possibilidades. O esboço acima serve como reflexão sobre nossas limitações quando o assunto se refere à linguagem apropriada para explicar os fenômenos

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complexos. Ou ainda, serve para compreendermos que a matemática nos auxilia a descrever nossas conexões feitas conscientemente. Penso que para o matemático Roger Penrose existem conexões entre matemática e consciência:

“A verdade matemática não é algo que comprovamos usando meramente um algoritmo. Acredito, ainda, que a consciência é um ingrediente vital na compreensão da verdade matemática”34.

_____________ .34 Penrose: 1989, p.418.

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Capítulo 16

As Conexões e a Espiritualidade

“Se constitui um grande problema descobrir o autor e pai do Universo, é impossível, depois de descobri-lo, dá-lo a conhecer a toda a gente” (Platão - Timeu).

“Ciência sem consciência é apenas ruína da alma” (Rabelais).

“A mais profunda emoção que podemos experimentar é inspirada pelo senso do mistério. Essa é a emoção fundamental que inspira a verdadeira arte e a verdadeira ciência. Quem despreza esse fato, e não é mais capaz de se questionar ou de se maravilhar; está mais morto do que vivo, sua visão, comprometida. Foi o senso do mistério - mesmo se misturado com o medo - que gerou a religião... (...) É esse conhecimento e emoção que constituem a verdadeira religiosidade; nesse sentido, e nesse sentido apenas, eu sou um homem profundamente religioso” (Einstein in Ideas and Opinions, p.11).

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A princípio concordo com os empiristas, pois não há como falarmos racionalmente sobre

algo a priori; não temos experiência externa de Deus. Mas os empiristas se prendem em seu reducionismo quando tomam como válida somente a experiência externa. Não posso negar que o homem tem uma experiência interna de Deus. Dessa experiência posso falar. Posso refletir no Deus que o homem criou à sua imagem e semelhança (o Deus antropomórfico), no Deus que ele imaginou (super poderoso e misericordioso), na experiência do sentido absoluto dentro de si, no sentimento de unidade cósmica, nos arquétipos de sua psique, ou no conceito de Deus que surgiu do medo dos fenômenos naturais.

O que realmente importa é que o Todo das conexões acaba fazendo eco nos corações humanos, causando o vazio, a fome do absoluto. Pode-se falar da experiência humana com o absoluto, embora muito cautelosamente. Esbarramos, penso eu, no maior dos mistérios, e assim deve permanecer no íntimo do homem. Talvez Deus não deva ser intelectualmente conhecido, mas sim experimentado.

Respondendo ao absoluto o homem criou diversas formas de se relacionar com este arquétipo. E vimos a formação de diversos caminhos religiosos.

Uma religião, ao meu ver, tem três aspectos estruturais inseparáveis: o mistério, a instituição e a cultura. Quanto ao mistério, já expus acima, é questão de experimentar a um certo grau o absoluto; quanto à instituição, falo dos mecanismos materiais que permitem sua existência na sociedade humana, inclusive o dinheiro, que pelo visto nenhuma das grandes religiões conseguiu levar o homem ao céu sem ele; quanto à cultura, falo dos aspectos sócio-culturais que se cristalizam no decorrer de sua estruturação como proibições de certos hábitos alimentares, prazeres e ensino de código moral.

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A Postura das Conexões

No que concerne à instituição, penso que ela é a porta pela qual os “males mundanos” tão combatidos pelas religiões, acabam penetrando em seu seio. As religiões têm seus bancos e acabam fazendo ligações como o dinheiro mafioso. Procura-se manter a pureza, mas por causa desta porta aberta surgem muitos escândalos e muitas vezes a concorrência pelo poder acaba desviando as energias que deviam ser canalizadas para assuntos espirituais. Ao meu ver, este é o maior fator que causa o desencanto das religiões organizadas em todo o mundo.

No que concerne ao aspecto cultural, penso que é o elemento que mais dificulta o ecumenismo, hoje. Ele favorece o florescimento de tendências nacionalistas, preconceitos arraigados e demonstra a ignorância humana. Um considera a vaca sagrada porque Deus assim o diz, enquanto outro come sua carne em suntuosos banquetes após cerimônias religiosas, porque Deus também assim o diz. Então, quer dizer que Deus muda de opinião causando dissenso entre seus filhos? Eu, particularmente, penso que Deus não tem muito a ver com os hábitos alimentares dos homens. Pode-se perguntar sobre a proibição da carne de porco exposta nas Escrituras. Proibição cultural, pura e simples. Moisés, sábio como sempre e estudado nas ciências egípcias (que incluía a medicina da época),não teve outra escolha no clima do deserto: o porco, animal cuja natureza o leva a comer coisas do chão (a limpar a lama), possuía o “sangue sujo”, causando principalmente doenças de pele em quem ingeria sua carne. Como o objetivo era a constituição de um povo sadio e mais apto, foi melhor evitar esta e outras carnes “proibidas”. Hoje, o porco é tratado em granjas com ração e já não apresenta tanto os mesmos perigos.

Mesmo assim, pessoas há que continuam apegadas ferrenhamente a este costume (porque Deus o disse) e cerram qualquer possibilidade de diálogo. Assim ocorre com outros elementos culturais, como por exemplo, o dia de Sábado.

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Duvido muito que no período da formação do mundo existia esta denominação de dias como Domingo, Sábado; são designações humanas, elaboradas com o surgimento de cálculos matemáticos.

Mas tudo bem, discutiremos anos e, neste assunto, não chegaremos longe, pois é difícil libertar a mente humana presa na superstição. Mesmo lendo estas reflexões, bem sei que poucos passarão a meditar no assunto livre de paixões, mesmo porque eu, que escrevo estas linhas, não tive um nascimento milagroso conhecido por todos e sou um comedor de feijão como qualquer outro. A massa coletiva na maioria das vezes tem maior simpatia para com a loucura do que para com a razão. Aliás, o apóstolo Paulo, maior responsável pela disseminação da doutrina cristã na época das primeiras comunidades, tanto que alguns chamam o cristianismo católico de paulismo, já dizia em suas cartas: “Quoniam non cognovissent per sapientiam Deum, placuit per stultitiam proedicationis salvos facere credentes”35. Querem mais claro que isto?

A princípio, percebo que se conseguiu - com a loucura da fé - apenas manter o homem dentro de um padrão moral, mas não muito próximo de Deus. Não pretendo fazer julgamentos; talvez, na época de Paulo, realmente foi o melhor a ser feito. No entanto, por que não tentarmos de novo a via da razão ou outras vias?

A solução pode vir do terceiro elemento: o mistério. O Judeu na presença de Adonai, o Cristão na de Cristo, o Muçulmano na Glória de Alá, o índio na intuição do Grande Espírito, todos, sem exceção, comungam do Mistério, do Absoluto. Tanto é, que os grandes místicos destas correntes religiosas conseguem falar a mesma linguagem do espírito.

Mahatma Gandhi, que muitas vezes lia a Bíblia, em suas atitudes parecia mais cristão do que muitos ocidentais. São João _____________ .35 “Como não conseguimos levar os homens a Deus pela razão, aprouve-nos levá-los pela loucura da fé”.

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da Cruz, podia ser considerado como uma iluminado budista, sem problemas.

Podíamos imaginar esta cena: Jesus, Maomé, Moisés, Buda e outros grandes místicos numa mesma sala em conferência; amigavelmente conversam e se entendem, porque experimentaram o absoluto e o que lhes importa é o mistério que vivenciam.

Agora imaginemos esta outra cena: coloquemos os discípulos destes mesmos mestres numa sala em conferência; é mais certo que ficarão discutindo mais ao nível da cultura e da instituição do que ao nível do mistério.

Mas enfim, o que tem a ver o aspecto religioso com a Postura das Conexões? Ora, sabe-se que as instituições religiosas ainda detêm muito poder sobre as massas. Mas aquilo que era positivo em refrear as paixões humanas desenfreadas, virou negativo em refrear os vôos humanos às alturas do conhecimento. Conheço muitos clérigos, por exemplo, que gostariam que voltasse a fogueira da inquisição; aliás, ao tomar conhecimento de muitas atitudes da Igreja e de outras denominações religiosas na atualidade, afirmo que elas só não queimam pessoas em praça pública, porque a civilização conseguiu fazer evoluir suas instituições jurídicas e sociais separadas da religião. A possibilidade de um clima de terror neste sentido ainda paira sobre nossas cabeças, visto que aumenta o número e poder de muitas seitas pentecostais, fomentadoras de idéias radicais contra o livre pensamento.

O Papa João Paulo II inovou tanta coisa na Igreja – inclusive pediu perdão a Galileu trezentos anos depois, reconhecendo o erro cometido na história – que devia inovar nisto também: acabar com a Igreja enquanto instituição, fazendo-a voltar ao que era antes de se macular com aspectos estatais; reconhecer que os textos sacros foram alterados por pura conveniência na

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época; que a obrigação do celibato não tem muito a ver com seguir Cristo; que ela se uniu ao poder estatal para suprimir outras seitas cristãs em seus primeiros tempos; que ela queimou pessoas e tem vontade de queimar em nome de Deus; que teve muita culpa na supressão da cultura dos maias, incas e astecas e que carregou para a biblioteca do Vaticano textos sagrados dos povos conquistados; que ela se omitiu diante do nazismo, etc.

No entanto, se ele fizer isto, no outro dia estará morto, mas a humanidade o terá por santo e protetor e a Igreja voltará a ser o que os Apóstolos queriam: a pedra fundamental de Cristo.

Assim sendo, enquanto a humanidade evolui, vamos continuar com a “loucura da fé” até que tenhamos coragem de fazer algo melhor.

Continuo a vida na mais ampla tolerância na mais irrestrita independência. Dialogo com o Papa, com o Rabino, com o Muçulmano e com quem mais quiser dialogar sobre nossas experiências do Mistério, porque será o mesmo mistério e haverá consenso. Mas evito discussões sobre instituição e aspecto cultural das religiões, pois isto só nos divide.

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A Postura das Conexões

É importante quando se fala em ética reportar-nos à origem grega deste conceito. Ele tem

sua fonte em duas palavras: éthos, significando costume e êthos, significando morada habitual, caráter. Partindo desta origem, ética trata do caráter, dos hábitos e dos costumes. Porém, prefiro a definição mais ampla de ética: é o estudo do uso que o homem faz de sua liberdade para atingir determinados fins por meio da ação.

Tento lembrar-me que estou tratando de assunto delicado. Há muitas discussões sobre isto hoje e inclusive é tema de minhas pesquisas no momento. É evidente que fica bem mais fácil falar de ética quando fundamentada na religião, no caso em que é a divindade que permite ou proíbe algo e ponto final. Mas o homem está mais exigente e quer explicações racionais para a ética. E o problema maior que encontra o pesquisador

Capítulo 17

Ética e as Conexões

“Portanto, somente uma pessoa totalmente insensata poderia deixar de perceber que as disposições de nosso caráter são o resultado de uma determinada maneira de agir” (Aristóteles).

“Deus criou-nos o menos possível. A liberdade, esse poder de ser causa, essa faculdade do mérito, quer que o homem se refaça a si próprio” (Jacques Bergier e L. Pauwells).

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neste campo é o da fundamentação da moral. Ela deve ser fundamentada na razão, na vontade, na emoção, ou no útil?

Penso que se fundamentarmos a ética apenas na vontade, sem reflexão racional, teremos um homem vítima do jogo dos apetites egoístas. Se fundamentarmos apenas no que é útil, teremos a projeção ao coletivo dos interesses egoístas dos indivíduos isolados. É necessária uma reflexão racional para o agir ético.

Para Kant, até mesmo as pessoas que se guiam pela razão vulgar, diante das contradições e equívocos a que são lançadas, acabam desviando para a busca de fundamentos mais consistentes de sua ação36, ou seja, agir a partir de normas objetivas. Isto quer dizer que mesmo por meio da razão vulgar busca-se fundamentos mais consistentes para o agir moral; há um sentimento de que deve-se agir por meio de normas objetivas. Mas... as atitudes humanas acabam sendo incompatíveis com a moralidade. Para tanto, Kant tem um lenitivo: as leis objetivas que constituem elas próprias o imperativo hipotético.

O Imperativo Hipotético tem um caráter prático ao estabelecer uma regra para a realização de um fim, como por exemplo: “se você quiser ter credibilidade, cumpra suas promessas”. Segundo Kant, o Imperativo Hipotético é a base de todas as éticas antigas, embasadas na busca da felicidade, como as éticas do período helenístico, como a estóica e a epicurista. Mas para Kant, a noção de busca da felicidade é insuficiente como fundamento da moral, porque o conceito de felicidade é variável, dependendo de valores subjetivos, psicológicos, ao passo que a lei moral é invariante, universal, tendo como seu fundamento o dever.

Daí então a necessidade da formulação do Imperativo Categórico._____________ .36 cf. Fundamentação da metafísica dos costumes, p.38.

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Segundo Kant, tudo na natureza age conforme leis e somente um ser racional tem a capacidade de agir conforme a representação das leis e, como possuidor de uma vontade, agir segundo princípios. Se a vontade humana não se encontra em conformidade com a razão, as ações que objetivamente são reconhecidas como necessárias, apresentam-se como contingentes subjetivamente e a determinação desta vontade torna-se obrigação. Assim chegamos ao mandamento da razão e à fórmula do mandamento chamado Imperativo. Nas palavras de Kant:

“A representação de um princípio objetivo, enquanto obrigante para uma vontade, chama-se um mandamento (da razão), e a fórmula do mandamento chama-se Imperativo”37.

O dever consiste na obediência a uma lei que se impõe universalmente a todos os seres racionais. Segundo Kant todos os imperativos se exprimem pelo verbo dever (sollen) (cf. ibidem).

Daí o sentido do Imperativo Categórico:

“Age apenas segundo uma máxima tal que possas ao mesmo tempo querer que ela se torne lei universal ”38.

Não vou fazer falsa promessa, por exemplo, pois se “fazer promessa falsa” tornar-se lei universal, com o tempo ninguém mais acreditaria em ninguém e qualquer relação humana tornar-se-ia impossível.

Ao contrário das éticas antigas, a kantiana propõe a universalidade, não fundamentada mais na autoridade ou na fé, mas no fato de que a lei deve ser entendida e seguida por todo ser racional. É neste fundamento que vamos encontrar _____________ .37 F: p.124. Usaremos F para abreviação do título Fundamentação da Metafísica dos Costumes.38 F: p.129.

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o princípio da ação moral racional. As ações concretas dos homens só podem ser aceitas enquanto podendo exprimir uma vontade universal, ou serem desejadas como lei universal.

Para Kant, então, uma norma só se legitima na medida mesmo de sua capacidade de universalização. Qualquer norma só pode reivindicar validade, portanto, tornar-se critérios de máximas de ação, quando diz respeito a todo e qualquer ser racional, quando enfim rompe as barreiras da pura subjetividade, da esfera da particularidade, na direção da universalidade, dentro da problemática da justificação das normas. É uma conquista fundamental na explicação da tarefa específica da ciência do ético.

Mas qual o fundamento para a presença de tal imperativo categórico? Seu fundamento baseia-se nas regras do contratualismo, pois não queremos que uma máxima imoral se torne lei para todos. Praticamente bom é o que determina a vontade por intermédio da razão, não por causas subjetivas, mas objetivamente por razões que são válidas para todo ser racional. Percebe-se assim que para Kant o agir ético deve ser fruto de muita reflexão racional.

Todavia, Kant não é ingênuo de achar que esta reflexão se dá sem esforço. É com esforço que ele vê o homem saindo de seu estágio que ele chama de menoridade. Na obra Resposta à pergunta o que é o Esclarecimento?, de 1783, vemos a análise das razões que mantêm o homem na menoridade.

“Esclarecimento (Aufklärung) é a saída do homem de sua menoridade, da qual ele próprio é culpado. A menoridade é a incapacidade de fazer uso de seu entendimento sem direção de outro indivíduo. O homem é o próprio culpado dessa menoridade se a causa dela não se encontra na falta de entendimento, mas na falta de decisão e coragem de servir-se de si mesmo sem a direção de outrem. Sapere aude! Tem a coragem de fazer uso de teu próprio

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entendimento, tal é o lema do esclarecimento (Aufklärung)”39.

Saliento no trecho acima dois aspectos: a) Kant atribui ao próprio ser humano, desde que não venha a apresentar alguma debilidade mental, a responsabilidade pela própria ignorância (o não querer saber), proporcionando-lhe a situação de mediocridade em que se encontra. Ele acentua ainda o caráter moral presente nessa opção que o homem faz pela menoridade ou pela maioridade, fazendo desse tema objeto de estudo da ética.

“A preguiça e a covardia são as causas pelas quais uma tão grande parte dos homens, depois que a natureza de há muito os libertou de uma direção estranha (naturaliter maiorennes), continuem de bom grado menores durante toda a vida. São também as causas que explicam por que é tão fácil que os outros se constituam em tutores deles. É tão cômodo ser menor” (ibidem).

Outro aspecto b) é que Kant deixa transparecer nesta citação acima um conceito de razão, ou seja, ele a vê como uma capacidade (vermögen), e como tal, pode ser desenvolvida. A menoridade, então, é posta como a incapacidade (unvermögen) de se fazer uso da razão; usá-la implica o desenvolvimento de uma capacidade que todo ser humano apresenta, embora nem todos necessariamente desenvolvem-na de modo pleno, pois, “por preguiça ou covardia”, pode optar em se acomodar e transferir para tutores a direção de sua vida. A razão assim entendida, deve se estabelecer numa dimensão de liberdade e ela própria deve assegurar a continuidade desta dimensão; com ela somos livres para construirmos nossa vida ou não; livres para a usarmos ou abdicarmos de seu uso. No entanto, Kant constata que é mais fácil para a maioria das pessoas permanecer na abstenção do uso desta liberdade.

_____________ .39 Kant: Resposta à pergunta o que é o esclarecimento? 1985, p.100.

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“A imensa maioria da humanidade (inclusive todo o belo sexo)40 considera a passagem à maioridade difícil e além do mais perigosa, porque aqueles tutores de bom grado tomaram a seu cargo a supervisão dela. Depois de terem primeiramente embrutecido seu gado doméstico, e preservado cuidadosamente estas tranqüilas criaturas a fim de não ousarem dar um passo fora do carrinho para aprender a andar, no qual as encerraram, mostram-lhe em seguida o perigo que as ameaça se tentarem andar sozinhas” (idem, p.102).

Malgrado esta situação humana, Kant acredita que uma coletividade possa superar a mediocridade, desde que lhe seja garantido um mínimo de liberdade, possibilitando expressão pública de pensamento individual - é a passagem da menoridade para a maioridade.

Convém ressaltar a importância da esfera pública no exercício da razão, visto que para Kant (se levarmos em conta a Fundamentação da metafísica dos costumes) o conhecimento não é algo que se realiza de modo neutro e desinteressado, mas num contexto social. E este contexto social não é somente do especialista e dos políticos, mas de todos, responsáveis pela esfera pública. Talvez é desta necessidade de participação racional e democrática de todos no âmbito social, que partiu a idéia apresentada em Paz perpétua: “A constituição civil de todo Estado será republicana, e a guerra só será declarada por um plebiscito de todos os cidadãos”41.

Aliás, esta admiração do exercício racional do homem que se liberta já é encontrada nos antigos. Aristóteles, na magistral obra Ética a Nicômaco, expõe esta admiração ao dizer que as pessoas que usam e cultivam sua própria razão são as mais queridas dos deuses porque são as mais úteis aos assuntos humanos.

Percebo que a razão, então, passa a ser um mecanismo para _____________ .40 Infelizmente a época de Kant era mais machista que a nossa.41 Paz Perpétua, p.76

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que as ações sejam fruto de laboriosas reflexões. Habermas, filósofo contemporâneo que entre outros problemas estuda a relação entre ética e razão, retoma a razão universal de Kant, mas retira o seu centro do sujeito e o coloca na intersubjetividade, no diálogo (sujeito-sujeito) para que a ação ética seja fruto de um consenso, realizado entre pessoas de fala livres e responsáveis.

Porém, percebe-se que o projeto habermasiano exige igualmente esforço. Nem todos querem dialogar e mesmo entre os que ao diálogo se submetem, há aqueles que usam a razão para justificações e distorções. A questão é que tanto Habermas como outros buscam um novo conceito de racionalidade, no entanto, embasados no mesmo pressuposto racional do iluminismo, de que a razão já vem com o homem em todo o seu potencial, bastando desenvolvê-la. Foi em alguns excertos de Freud que encontrei um racionalismo que vai mais longe que o do iluminismo; este último se limitava a dizer que o homem já era, de saída, racional e, desconhecendo os limites da razão, deixava o homem indefeso diante da desrazão. Freud descobriu isto e nos indicou pistas: a razão não é um ponto de partida, mas um ponto de chegada. “A voz da inteligência é pouco audível”, diz ele, “mas não repousa enquanto não for escutada. (...) O primado da inteligência está, é certo, num futuro distante, mas provavelmente não num futuro muito distante. (...) Nosso deus, logos, não é dos mais poderosos. (...) Mas acreditamos que a ciência pode lograr algum conhecimento sobre o mundo real, graças ao qual será possível aumentar nosso poder sobre a natureza e organizar melhor nossa vida”.

Partindo deste prisma, vejo que a razão não é “algo” já existente, uma capacidade cognitiva, coisa assim; como tudo, ela é um conjunto de conexões, que se amplia quanto mais conexões forem feitas. No passado, alguns sábios ampliaram seu conjunto de conexões enquanto a maioria se prendia na barbárie; por meio da educação, comunicação e outros mecanismos como a transmissão genética, maior número de pessoas foram

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ampliando seu conjunto. Uma criança de dez anos hoje faz as mesmas reflexões de um Sócrates há dois mil e quinhentos anos. Mas, como Kant já salientou, nem todos desejam despender esforços para ampliar seu conjunto de conexões ou fazer uso do que já possui para fazer reflexões. Ainda por muito tempo alguns terão de carregar o fardo das decisões racionais nos ombros. E também não temos condições de saber se um dia isto terá fim.

É de se pressupor que os que sejam sábios conduzam os que não atingiram a amplitude das conexões ou preferem permanecer na menoridade. Todavia, como saber se este ou aquele atingiu a sabedoria? E ainda, pessoas que vivem uma vida de conhecimento vão querer se imiscuir em problemas políticos, isto é, ficar como tutores das pessoas que estão na menoridade por escolha própria?

Portanto, vamos seguindo o curso da evolução, refletindo sobre nosso agir ético, sabendo, outrossim, que a ética, sendo fruto das conexões, manifesta-se relativa ao tempo e ao espaço.

Relativismo! Palavrão que assusta muitas pessoas que preferem que as decisões venham de uma autoridade (religiosa ou ideológica) imposta de cima para baixo; caso algo dê errado, elas permanecem fora da responsabilidade, esquecendo que em questões sociais a responsabilidade é algo conjunto. Somos levados pelo curso da história (às vezes até por meio do sofrimento) a assumirmos nossa responsabilidade histórica individual ou coletivamente.

Os valores, embora sempre direcionados para a elevação do homem, mudam de acordo com a interpretação que se tem deles. E ética é a reflexão sobre o uso que o homem faz de sua liberdade para atingir determinados fins relacionando-se com os valores.

Façamos um experimento mental:

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Um cavaleiro das cruzadas que por qualquer mecanismo do tempo aparecesse em nossa época, perguntaria imediatamente por que motivo não se utiliza a bomba atômica contra os infiéis. Provavelmente ficaria menos assombrado com nossa tecnologia do que pelo fato de os infiéis ainda possuírem metade do Santo Sepulcro, estando a outra, de posse dos judeus. Perguntaria ainda por que não são todas as riquezas desta civilização consagradas ad majorem Dei Gloriam42, sendo que esta glória, na sua concepção, muitas vezes comporta o extermínio de pessoas. Este cavaleiro faz parte de outras conexões éticas que não as nossas, e não passou pela transformação que se sucederam quanto aos valores. É bom que estas passagens do tempo de nosso experimento mental fiquem fechadas para sempre. Contudo, há um fio tênue que liga todas estas transformações, pois algumas pessoas ainda neste século se coadunam mais com as conexões do cavaleiro das cruzadas do que com as contemporâneas.

Quando trabalho ética com meus alunos, não deixo de apontar-lhes o que se chama de componentes da ação ética: consciência, vontade, responsabilidade e liberdade. Explico-me melhor: para qualquer ação ser considerada ética deve haver um agente consciente (consciência), um ser dotado de capacidade para controlar e orientar desejos e impulsos (vontade), que o agente reconheça-se autor da ação, tendo condições de avaliar seus efeitos (responsabilidade), e por fim, deve haver liberdade na ação, sem coação direta.

Mas não sejamos ingênuos: o homem tem livre-arbítrio, porém, não é totalmente livre. A maioria das vezes em que pensa estar agindo livremente nada mais faz do que obedecer a senhores (instintos, cultura, modas sociais, etc.). Não passa de agir como a flecha no pensamento de Tagore: “A flecha, solta no ar, exclama cheia de alegria: ‘Por Allah! Sou livre, sou livre’. Engana-se! _____________ .42 Para a maior Glória de Deus. Divisa usada pela Companhia de Jesus.

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Já tem o seu destino marcado pela pontaria do atirador”. Contudo, o homem tem livre-arbítrio, isto é, liberdade de fazer escolhas, e tem a razão para refletir sobre essas mesmas escolhas. E fazer escolhas é fazer conexões. O homem deve construir sua liberdade, porque, liberdade chama responsabilidade; quem não é responsável não sabe ser livre e naturalmente deve seguir a fatalidade dos senhores supracitados, até que levante seu espírito do meio das águas e deixe a luz entrar. Buscar ser livre é realizar todos os dias a sofrida busca da sabedoria.

Ainda um outro ponto importante quando o assunto é ética: a igualdade. Perdoem-me os que se apegam a idéias românticas de igualdade entre os homens. Lutamos e devemos lutar sempre pela igualdade dos direitos básicos da existência, direito às condições de se ser Humano – é uma conquista inalienável possibilitada pela época das Luzes. No entanto... Lembremos que os homens não são iguais quando o assunto é desenvolvimento daquilo que a natureza lhes deu. Temos uma maioria que ainda prefere viver na mediocridade, na menoridade.

Você não está sendo democrático, dirão! A natureza também não o é. Dos seres supraracionais aos animais, dos mais fortes da cadeia alimentar aos mais fracos, o que vemos é a desigualdade estabelecida em graus. A democracia é uma invenção humana, possibilitada pela razão e comunicação, para diminuir a fatalidade que manifesta-se na seleção da natureza. Mas muitos entendem no senso comum que democracia é ditadura da maioria; no aprendizado para serem democráticos, muitas vezes o que os homens fazem com a democracia é acobertar uma tirania.

Algumas civilizações do passado estabeleceram uma cadeia de graus no nível político e fracassaram, pois a maioria dos que concorriam ao poder público eram moralmente fracos e recorriam à força para manutenção de seu status quo. Ao lado deste fato, nessas mesmas civilizações, alguns filósofos e seres

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supraracionais tentaram estabelecer uma cadeia de ensino por graus, a fim de que os discípulos, ao crescerem moralmente, pudessem influenciar a vida pública. Verificaram que havia um número ínfimo de homens iniciáveis a esses projetos e que muitos dos que já palmilhavam o caminho deixaram se corromper. É só lembrar do caso de Alexandre Magno, educado por Aristóteles, exemplo de coragem, mas também de orgulho e soberba; respeitava a cultura por onde passava, mas tiranizava os povos. O poder, sempre o poder.

“O poder corrompe e o poder absoluto corrompe absolutamente”43.

É possível que uma cadeia de ensino desta espécie tenha atravessado os séculos, mas sem imiscuir-se em política, ao menos diretamente. E assim deve ser até que um maior número de homens seja moralmente forte. Se alguém duvidar desta possibilidade, que medite sobre a duração da escola de Platão, chamada por ele de Academia, que durou cerca de oitocentos anos, e cujas idéias continuaram a exercer influência com o neoplatonismo.

Enfim, qual o fundamento do agir ético para um ser que atingiu a supraracionalidade? A razão fará uma base reflexiva, mas contando somente com a razão ele ainda poderá justificar a necessidade de uma tirania para roubar e matar; ao contrário, um ser desta espécie refletirá racionalmente com a postura das conexões – isto é, com o maior número de conexões possíveis – e com todo o seu ser saberá que não pode prejudicar os outros sem prejudicar a si mesmo, pois já não sendo apenas um indivíduo, é humanidade em si. Este pensamento foi bem expresso por um homem desconhecido, o que não tira o valor de suas palavras:_____________ .43 Esta frase é atribuída a Voltaire, mas segundo Arnoldo Toymbee, in “A sociedade do futuro”, ela é atribuída a Lord Acton: “Todo poder corrompe e o poder absoluto corrompe totalmente”.

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“Não posso mais proteger a mim mesmo da realidade da inanição, fingindo que os que têm fome são estranhos sem nome e sem rosto. Eles são exatamente como eu, mas estão famintos. Não posso mais fingir que a coleção de acordos políticos a que chamamos de “países” me separe da criança que chora de fome no outro lado do mundo. Nós somos um e um de nós tem fome”44.

_____________ .44 Citado em Conspiração Aquariana, p.101.

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Outro tema importante quando o assunto é a postura das conexões é o da educação. Toda

sociedade, para se perpetuar, deve transmitir às futuras gerações o saber acumulado e necessário para sua continuidade. Aliás, a própria natureza – como sistema auto-regulador – encontra meios para transmitir as informações necessárias à continuidade das espécies. O homem, além de contar com o auxílio das informações genéticas para perpetuar sua espécie, conta igualmente com o mundo da cultura por ele criado (o mundo três de Popper), a fim de que as conexões feitas perdurem para além do curto período de sua vida. E dentro do mundo cultural houve a criação do mecanismo educativo para a transmissão do conhecimento adquirido. Todavia, isto é um processo aberto, pois que, além de se perpetuar, a sociedade humana se transforma com as novas conexões feitas neste e por este mecanismo. A tendência em manter tudo como está, implícito nas atitudes da maioria, funciona como uma segurança que a sociedade usa contra as rupturas bruscas. Volta o caso

Capítulo 18

A Educação e as Conexões

“Que erro presumir que temos que começar a mudança com as escolas. As escolas são um efeito da maneira como pensamos - e podemos mudar a maneira como pensamos”. (Edgar Morin)

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dos prisioneiros da caverna platônica, seguros no mundo das sombras contra a forte luminosidade do mundo externo. Concomitantemente, esta segurança social permite o escopo necessário para que alguns (um número bem ínfimo) possam dar vazão ao impulso, também natural, de avançar além. Isto pode parecer um paradoxo, mas não é. São tendências diferentes que servem ao mesmo propósito. É como o automóvel que precisa do impulso e dos freios. É algo análogo ao famoso paradoxo da pomba em Kant: a resistência do ar que dificulta seu vôo é o que permite a ela manter-se nas alturas e alçar-se para mais alto. É só assim que lentamente evoluímos como sociedade - por intermédio destes dois princípios.

Educar, então, é um processo que envolve duas fases importantes distintas, porém complementares: 1) transmitir ao neófito o resultado das conexões feitas até o momento presente pelo todo da humanidade; 2) ao mesmo tempo, oportunizando a ele realizá-las por si próprio se necessário for, estimulando e favorecendo que o educando faça suas próprias conexões em novidade.

Eliminar uma destas fases do processo educativo é faltar com a lógica e o bom senso.

Não acredito que haja correntes pedagógicas que postulem o que vou dizer a seguir, mas já encontrei pessoas envolvidas com educação – inclusive uma supervisora pedagógica que tive – pregando que os alunos devem, eles próprios, construírem seu saber e que o professor torne-se apenas um monitor em sala de aula. Não raro já ouvi esta frase: “desde o primeiro dia de aula, perguntem o que os alunos querem aprender”. Isto é uma inversão do processo educativo. É hilário, até, pois imaginem o professor perguntando “o que vocês querem aprender?” e recebendo dos alunos como resposta: “nada”. Se tivéssemos somente pessoas que assim pensassem com o tempo não

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teríamos mais sociedade.

Imaginem a situação: um mestre de obras está para começar o ensino de um pedreiro numa construção nova. Ele pergunta ao aprendiz: o que você quer aprender hoje? Se o aprendiz for sensato o suficiente responderá que não tem nem idéia do que deve aprender. É evidente que ele deve começar a fazer as conexões desde os primeiros degraus da técnica de construção.

Este era o sistema adotado no medievo pelas Guildas ou Corporações de Ofício. Nelas haviam três graus: o aprendiz, o oficial e o mestre. O aprendiz auxiliava nos trabalhos gerais e aprendia os rudimentos da técnica; o oficial, já trabalhava no ofício propriamente dito e tornava-se mestre ao montar uma oficina própria com um grupo de servidores.

A Corporação de Ofício melhor organizada e mais forte da época era a dos pedreiros (maçons, em francês), que durante muito tempo mantiveram em desenvolvimento as técnicas de construção mais tarde incorporadas nas faculdades de engenharia45.

Estas corporações mantinham a tradição e o conhecimento por meio da educação dos neófitos, porém, sem deixar de instigar a descoberta de novas técnicas. Não havia ultrapassagem dos graus e enquanto não se estivesse hábil no seu grau, o indivíduo não passava ao grau seguinte. Na minha opinião, o equivalente a este processo ocorre hoje nos níveis de Mestrado, Doutorado e Pós-doutorado. O preparo é longo e o resultado tem que ser fruto de criatividade.

Contudo... Nos níveis abaixo a coisa muda muito. No Jardim de Infância as conexões correm soltas e a criança evolui. Na fase de primeira a quarta série, se a escola for bem estruturada, o _____________ .45 Esta Corporação se transformou mais tarde na Franco-Maçonaria, não mais preocupada em construção civil, mas na construção da sociedade de homens livres e de bom caráter.

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aprendizado se dá bem e a criatividade individual é estimulada. O problema começa com a quinta série. A criança perde a vontade de aprender e reproduzir as conexões dos antigos e, pior ainda, não cria mais como no nível anterior.

Mas por quê? Arrisco uma hipótese, não como pedagogo (para não correr o risco de virar pedabobo), pois não sou versado nesta disciplina, mas arrisco-a como um professor que tem experiências com alunos desde as séries iniciais até à Universidade. A questão é que do jardim à quarta série, a escola não conseguiu impor o modelo industrial que vigora nos outros níveis. A professora tem maleabilidade quanto aos horários; muitas vezes um assunto “legal” é realizado em horas de atividades, ao passo que outro menos interessante passa por pouca durabilidade; a partir da quinta série a escola vira uma fábrica: toca o sinal e entra o professor de história, toca o sinal, sai o de história e entra o de matemática, lanche, etc., é a cópia da fábrica, e se muitos falam hoje em construção do conhecimento só faltam falar também de construção do conhecimento em série.

Enquanto não mudarmos esta estrutura industrial incutida na escola, não adianta tentar novidades pedagógicas, estaremos remendando roupas velhas. Podemos fazer experiências com escolas pilotos, modificando estruturas, testando, mas sem envolver escolas públicas para testes como muitos fazem por aí. Um erro na educação prejudica gerações.

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A Postura das Conexões

Até o ponto em que nos encontramos neste capítulo tivemos a citação de duas formas

para perpetuação das conexões: a genética e a cultural. Isto faz lembrar dos três mundos de Popper, teoria por ele elaborada quando buscava uma solução ao problema da evolução do conhecimento e solução ao não menos importante problema da dualidade mente-corpo.

O ponto de partida para explicação do problema se resume na teoria da existência de três mundos que se interagem.

A teoria pode ser exposta da seguinte forma:

O mundo um é constituído pelos objetos físicos e estados físicos, sendo a matéria, a energia, os seres vivos e artefatos construídos pelo homem (máquinas, ferramentas, livros, obras de arte, etc.). É o mundo dos objetos da física e podemos também incluir aí os mundos da química e da biologia.

O mundo dois é constituído pelos estados mentais subjetivos ou pelas experiências subjetivas, pelo conhecimento subjetivo,

Capítulo 19

Conexões e sua Perpetuação

“Para se chegar a estas leis elementares (da natureza), nenhum caminho a elas conduzia, só a intuição, apoiada num contato íntimo com a experiência” (Einstein).

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incluindo os estados de consciência, percepções, emoções, disposições psicológicas e os estados inconscientes. É o mundo dos objetos da psicologia, estudado por pesquisadores do espírito humano, mas também pelos pesquisadores do espírito dos animais.

Já o mundo três é constituído pelos conteúdos de pensamento ou pelo o que Popper costuma chamar de conhecimento objetivo: toda a cultura, compreendendo os mitos, as teorias científicas, etc. É o mundo dos produtos da mente humana que passam a ter existência independente de seus criadores. O autor denomina-o também de mundo dos enunciados em si mesmos. Os processos mentais de um homem (Mundo dois) não podem contradizer os de outro, nem podem contradizer seus próprios processos mentais em outra ocasião. No entanto, os conteúdos dos seus processos mentais, isto é, os enunciados em si mesmos, podem evidentemente contradizer os conteúdos de processos mentais de outro homem46.

Esclareço com um exemplo:

JB vê um quadro X exposto num museu (situação um) e pensa: “ele é lindo” (situação dois); logo em seguida escreve em suas anotações: O quadro X não é expressão do Romantismo como havia demonstrado meus professores, mas expressão do Surrealismo (situação três).

Quanto à situação um não há dúvidas, refere-se ao quadro físico, portanto, ao Mundo 1; quanto à situação dois, refere-se ao Mundo 2, pois expressa um conteúdo subjetivo, um estado mental; quanto à situação três, ao ocorrer a expressão de um conteúdo mental objetivo, um enunciado em si mesmo, refere-se ao Mundo 3.

Com o intuito de fornecer ao leitor maiores esclarecimentos _____________ .46 cf. Autobiografia Intelectual , p.190.

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sobre o assunto, vou expor outros elementos importantes da teoria popperiana, como a realidade, o conhecimento objetivo e a autonomia do Mundo 3.

A realidade do Mundo 3

Segundo ele, “que se diga que algo existe ou que é real se e só se puder interagir com membros do Mundo 1, com corpos duros, físicos.” (ibidem).

Desse modo o Mundo um (M1 a partir de agora) torna-se exemplo padrão de realidade e o Mundo três (M3 a partir de agora) fica sendo considerado real enquanto interage com ele. Estudemos esta interação.

Nosso autor argumenta:

“(...) os objetos do Mundo 3, tais como as teorias, interagem de facto fortemente com o Mundo 1 físico. Os exemplos mais simples são os modos como fazemos alterações no Mundo 1 quando construímos, digamos, reactores nucleares, bombas atômicas, arranha-céus ou aeródromos de acordo com planos do Mundo 3 e com teorias que muitas vezes são altamente abstractas”. (idem, p.118).

O M1 não se torna padrão somente ao que concerne à realidade dos outros mundos, mas também enquanto exerce controle aos objetos do M3.

Segundo a teoria popperiana, os problemas podem ser descobertos, e ainda que as teorias acerca do mundo material possam ser produtos do espírito humano, não são simplesmente construções nossas; é que sua verdade ou falsidade depende inteiramente da sua relação com o M1, relação que, em todos os casos importantes, nós não podemos alterar.

Mas então, como um mundo de objetos abstratos, imateriais, pode agir sobre rochas, edifícios e outros objetos físicos?

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Através do mundo mental dois (M2), responde ele.

Sua tese é de que o M1 interage com o M2 e este, por sua vez, interage com o M3. Todavia, os Mundos Um e Três só se interagem por intermédio do M2.

Conhecimento objetivo do M3

A teoria dos três mundos resvala também no problema do conhecimento objetivo. Popper considera errônea a abordagem subjetiva, segundo a qual o conhecimento só se dá com a presença de um sujeito conhecedor, pois se aceita, teremos o fato de que um livro nada é sem a presença de um leitor; caso contrário nada mais é que papel com sinais em tinta preta. Para ele, os livros de uma biblioteca não precisam ser lidos para que permaneçam seus conteúdos como “conhecimento objetivo” do M3.

Ele esclarece o que pensa por objetividade por meio de uma demonstração pessoal. Muitas vezes ele tenta expor num papel uma certa “linha” de raciocínio usando termos de palavras, enunciados, registrando por escrito suas idéias; porém, percebe que, em muitos casos supõe erroneamente que conseguiu apreender de modo claro o pensamento; tenta dar-lhe forma escrita e de repente se dá conta de que não o alcançou. Esse “o”, esse algo que não conseguiu alcançar, que não pôde apreender antes de tê-lo escrito ou traduzido claramente em linguagem, de modo a ser exposto a críticas, é o que entende Popper por objetivo47.

Aceito o conceito de “objetivo” em Popper enquanto se coaduna com o que se veicula tecnicamente na Tradição. Tecnicamente, objetivo compreende o que constitui um objeto, uma realidade subsistente “por si própria”, quer dizer, _____________ .47 cf. Autobiografia, p.192.

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independente de qualquer conhecimento ou idéia; oposto ao subjetivo48.

Comte, por exemplo, desenvolveu um outro sentido (o sentido Kantiano deste termo), aceitando-o como “a exata representação do mundo real”.

Às vezes o termo aparece opondo-se ao termo subjetivo, quando este aparece no sentido de consciente, mental. Segundo este ponto de vista há duas ordens de verdades ou de noções, umas conscientes interiores ou subjetivas, outras, relativas ao mundo objetivo ou exterior e devem ser da ordem da observação e da experiência.

Fica difícil aceitarmos conhecimento objetivo enquanto conhecimento sem sujeito conhecedor. Um objeto, uma realidade pode subsistir por si próprios, independentes de qualquer conhecimento ou idéias; mas o conhecimento em si, mesmo aquele formulado logicamente de forma lingüística, precisa de um sujeito para interpretar seu significado.

Não querendo discutir aqui o termo conhecimento, pois fugiria muito do tema deste capítulo, dizemos que a tese popperiana de que os livros de uma biblioteca não precisam ser lidos para que permaneçam seus conteúdos como “conhecimento Objetivo” é um tanto insatisfatória. Existem muitas tabuinhas nos museus famosos, com escrita, com informações, mas que não trazem nenhum conhecimento para nós, pois não podemos lê-las. Popper parece confundir informação com conhecimento.

Esta obra que o leitor tem em mãos sem dúvida alguma se apresenta contendo um conteúdo de conhecimento objetivo. Objetivo enquanto entendido por um conhecimento expresso por meio das funções da linguagem descritiva e argumentativa e não objetivo no sentido de ser um conhecimento sem _____________ .48 cf. Lalande, Vocabulário técnico e crítico da filosofia: 1996

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um sujeito conhecedor. Sem a presença de uma razão para trabalhar as conexões pertinentes a ela, esta obra apresentará um conhecimento expresso com sinais lingüísticos e que, depois de abandonada aos carunchos de uma estante qualquer, conterá um conhecimento abandonado, o que não significa sem um sujeito conhecedor.

Autonomia do M3

Popper vai além em sua teoria. Levando em consideração seu argumento de que a linguagem, as conjecturas, as teorias e argumentos são, além dos elementos mais importantes do que chama conhecimento objetivo, também ao mesmo tempo produto amplamente autônomo, declara a autonomia do M3.

Em sua obra O Futuro está aberto, defende a idéia de que o M3 possui “certa” autonomia, ou uma autonomia parcial. E damos ênfase às palavras “certas” e “parcial”. Porém, já em outra obra anterior, ele expõe a autonomia como idéia central em seu sistema de mundos:

“A idéia de autonomia é central em minha teoria do terceiro mundo: embora o terceiro mundo seja um produto humano, uma criação humana, ele cria por sua vez, como o fazem outros produtos animais, seu próprio domínio de autonomia” 49.

Ele evoca o exemplo do que aconteceu na matemática, principalmente na questão dos números naturais, para comprovar o argumento da autonomia.

O homem criou os números naturais que, por sua vez, geraram uma série de problemas não antecipados por ele. Uma destas gerações de problemas se referem à distinção entre números pares e ímpares, uma conseqüência inevitável da criação _____________ .49 Popper: 1975, Conhecimento Objetivo, p.119

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dos números naturais. Outro caso é o dos números primos, que também não foram antecipados pela mesma teoria. Há o chamado problema de Euclides: há um número primo superior a todos os outros?

Todos estes problemas expostos acima foram descobertos muito depois da criação do conjunto dos números naturais, embora eles existissem objetivamente no contexto da teoria; mesmo sem terem sido percebidos por alguém, ou seja, sem fazer parte do Mundo Dois faziam parte do Mundo Três.

Transportando e aplicando a questão para os problemas científicos, se seguirmos a risca o pensamento de Popper, teremos que admitir a ocorrência desta autonomia nas teorias científicas em relação aos seus criadores. O exemplo típico seria a Teoria Geral da Relatividade de Einstein, que não previu problemas do tipo buracos negros e o que ocorre hoje com as questões às vezes desconcertantes que aparecem como conseqüências da física quântica.

Para esclarecer melhor este ponto cito os exemplos do próprio autor, dois momentos especiais, usados como experiências de pensamento, que serão criticados depois.

Primeiramente, ele considera uma situação (1) em que todas as máquinas e equipamentos são destruídos por um cataclismo qualquer, desaparecendo assim os nossos recursos tecnológicos. Também é destruído todo o nosso aprendizado, nosso conhecimento subjetivo sobre as máquinas e equipamentos. Mas por um motivo feliz sobrevivem ao episódio as bibliotecas e a capacidade dos homens de aprenderem com elas. Segundo ele, depois de muito esforço a civilização poderá retomar seu caminho progressivo a partir do ponto interrompido.

Segundamente, ele considera a situação (2) em que, como antes, as máquinas e equipamentos são destruídos, bem como o conhecimento subjetivo de como lidar com eles. Só que

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desta vez, por um motivo infeliz, todas as bibliotecas também foram destruídas, tornando inútil à capacidade dos homens de aprender com as fontes escritas. Segundo ele, neste caso, por muito tempo a civilização não poderá retomar seu itinerário do ponto em que foi interrompido (cf. idem, p. 109-110).

Passo agora à exposição da análise que faço dos dois experimentos mentais, identificando os elementos.

No caso (1):

• São destruídos os equipamentos;

• Desaparece o conhecimento subjetivo de lidar com os equipamentos;

• Sobrevivem as bibliotecas;

• Sobrevive a capacidade dos homens de aprenderem com elas;

• Há reconstrução da civilização;

Ora, o conhecimento subjetivo é o que produziu o conhecimento objetivo das bibliotecas. Elas contêm conteúdos do conhecimento subjetivo transformados para forma objetiva. Os homens podem interpretar estes conteúdos por meio de sua capacidade de aprender com eles somente se tiverem sido preservadas as informações do mundo subjetivo nos registros das bibliotecas. Pode ter sobrevivido a capacidade intelectual de aprendizagem; mas digo que só a capacidade sem as conexões anteriores não garante a produção dos mesmos resultados conseguidos. A capacidade dos homens de aprenderem propicia a reconstrução da civilização com elementos das bibliotecas interpretados pelo conhecimento subjetivo.

No caso (2):

• São destruídos os equipamentos;

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• Desaparece o conhecimento objetivo de lidar com eles;

• São destruídas as bibliotecas;

• Sobrevive a capacidade dos homens de aprenderem com elas;

• Há demora na reconstrução da civilização;

Neste caso concordo que sem a presença dos conteúdos das bibliotecas e sem o conhecimento subjetivo fica difícil para os homens reconstruírem a civilização somente com a capacidade de aprender.

Para melhor elucidar nossa refutação a (1) vamos fornecer um contra-exemplo mental:

Suponhamos que, capazes de realizar viagens à velocidade da Luz e que sejam verdadeiras as conseqüências da Teoria Geral da Relatividade, tenhamos enviado ao espaço um casal humano no ano de 1900; tendo permanecido em viagem durante dez anos retornam eles; aqui na terra a civilização deixada se encontra dizimada no ano de 2002, isto levando em consideração a contração do tempo ocorrida nas viagens à velocidade da Luz. A destruição dos equipamentos e o desaparecimento do conhecimento subjetivo são fatos. Porém, o casal percebe que as bibliotecas permaneceram, contendo informações sobre o desenrolar da civilização durante sua ausência, e decidem reconstruí-la. Ao meu ver, é razoável achar difícil retomar o caminho progressivo a partir do ponto interrompido sem haver o conhecimento subjetivo sobre os equipamentos, por exemplo. Ou seja, não há reconstrução da civilização sem haver o conhecimento subjetivo. Do meu ponto de vista, no que concerne a (1), Popper esquece sua tese sobre a relação entre os três mundos: de que o M1 interage com o M2 e este, por sua vez, interage com o M3. Todavia, os Mundos Um e Três só se

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interagem por intermédio do M2.

Pretendo, a partir das colocações acima, expor algumas reflexões sobre a questão da autonomia na teoria popperiana dos três mundos. Verificando que o autor não dá uma definição própria de autonomia, resta-me adotar o significado a ela aplicado pela tradição filosófica. Começando pela definição nominal vê-se que a palavra autonomia vem do grego autos, o próprio e nómos, lei, ou seja, propriedade de se reger a si próprio. Algo tem autonomia quando se desenvolve por si mesmo, obedecendo a leis internas próprias.

Desta forma, adotando o significado corrente da palavra em questão, fico em dúvida quanto à autonomia do M3. Ora, como pode ele ser autônomo, isto é, desenvolver-se por si mesmo, se para tal empresa necessita da intermediação do mundo mental dois?

Identifico três sentidos de autonomia, pelos quais viabiliza-se uma análise do conceito de autonomia em Popper:

I) autonomia ontológica (ou seja, causal, de criação);

II) autonomia epistêmica (justificacional; podendo avaliar os seus produtos);

III) autonomia axiológica (de definição de critérios e padrões de avaliação).

Começo minha análise partindo dos exemplos corroborados por Popper para explicação do processo de autonomia: (A) dos problemas implícitos nas teorias dos números naturais e (B) na Teoria Geral da Relatividade. Tanto em (A) como em (B) não houve antecipação por parte dos autores de uma série de problemas implícitos nas teorias. No entanto, isto não quer dizer que haja um mecanismo ou lei inerentes às teorias que façam emergir o que está implícito. Um cientista não pode dar conta da plena significação de sua teoria. O próprio Popper afirma

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que numa teoria há uma infinidade de enunciados não triviais imprevisíveis. Não é possível conhecer ou compreender todas as implicações de uma teoria ou sua plena significação50. Não é fácil também aceitar o argumento popperiano de que os problemas implícitos já existiam objetivamente no contexto da teoria e que não sendo alvos da percepção de alguém, faziam parte do M3 sem fazerem parte do M2.

Ora, se são problemas dignos de atenção de um sujeito racional, devem, por conseguinte ser considerados problemas reais; viu-se que a realidade do M3 só é possível enquanto interagir com o M1; ora, sendo que a interação entre M3 e M1 só é realizada por intermédio de M2, como poderão fazer parte de M3 sem fazer também parte de M2 e ainda assim continuarem reais?

Ao meu ver aqui Popper força um conceito de autonomia, deixando de lado que as teorias de M3 estão em conexão com conteúdos mentais de M2. Os tais problemas implícitos nas teorias são problemas reais enquanto interagem com o M1 estando em conexão com os conteúdos mentais de M2. Assim sendo os problemas de (A) e (B) não devem ser suficientes para justificação da autonomia do M3.

Levando em consideração estes raciocínios, parece não haver autonomia no sentido ontológico, causal. O M3 não tem autonomia para criar problemas ou a capacidade de fazer emergir de si mesmo questões implícitas ocultas.

Aplicando estas reflexões a respeito da autonomia a um caso real, ao menos que algum estudioso se interesse pelo assunto procurando dar-lhe continuidade, a realização desta obra apenas contribuiu com o acúmulo de papel no mundo. Em caso de final feliz, no qual ela é encontrada e apreciada, é um fato que não posso dar o nome de autonomia ao processo que pode _____________ .50 cf. Autobiografia, p.34.

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ser realizado por um pesquisador ao trabalhar com as conexões envolvidas neste texto, mesmo aquelas que fugiram à minha percepção.

Poder-se-ia falar em autonomia, ou seja, que o conteúdo apresentado aqui criará novas teorias sobre o M3 de Popper, se fossem aceitas forças ocultas nestas palavras. Como isto não faz parte da filosofia e principalmente da filosofia como entendida hoje; e para não deixar que os “gurus” das crenças fáceis tragam mais confusões ao mundo, não aceito a autonomia popperiana sem a presença do sujeito conhecedor.

Porém, fora de mim, não nego que o conteúdo deste livro estimulará outros eus, visto que terão o conhecimento subjetivo para dar-lhe respaldo.

A autonomia ocorre a partir do mundo dois; ademais, é a parir do M2 que vemos surgir a terceira forma de perpetuação das conexões, que por falta de nome melhor chamo-a de mental-psíquica. As conexões não se perdem, ficam na memória universal. Memória universal é o nome que dou ao registro que a consciência – conjunto das conexões que se observa – faz de suas experiências. Mas, então, como são transmitidas estas conexões? Este é o grande detalhe. Não há bem uma transmissão mas compartilhamento, troca, um ir e vir constante. O Todo experiencia e aproveita seus registros para outras conexões. Os materialistas, seguindo Popper, dirão que o conhecimento subjetivo (do M2) só se conserva e se desenvolve enquanto perdura o conhecimento objetivo (do M3). Para a postura das conexões o M2 também conserva e desenvolve o conhecimento, todavia, sempre respaldado pelos M1 e M3.

Sim, ao meu ver a cultura é uma das formas de perpetuação das conexões, tirando fora é claro, esta idéia de autonomia de Popper.

O M3 exerce uma certa pressão no M2. As teorias, todo

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o conhecimento acumulado e perpetuado mnemonicamente no M3, estimulam a criatividade no M2, fazendo desta interação uma força propulsora ao desenvolvimento não só de ambos, mas dos três mundos. Construímos casas, edifícios e máquinas com os conteúdos das bibliotecas produzidos por M2. Mas a interação vai além disso: penso que o M3 é um dos fatores mais importantes na responsabilidade pelo desenvolvimento da consciência (que é o conjunto das conexões que se percebe a si mesmo) e da personalidade. O ego faz a percepção de si mesmo mas respondendo sempre aos estímulos da cultura e do meio físico.

Este é o assunto que consome a maior parte das minhas reflexões, pois percebo que a educação poderia ser muito melhor se soubéssemos como resgatar de forma eficiente as conexões arquivadas mnemonicamente pela terceira forma de perpetuação. A educação, sendo uma oportunidade para a continuidade das conexões passadas e ao mesmo tempo ambiente para novas conexões, deve trabalhar com as três formas de compartilhamento.

A condição genética é suprida pela natureza e a escola só pode manter em boa conservação as conexões envolvidas no suporte coletivo. Quanto ao aspecto cultural é inegável o papel desempenhado pela educação, principalmente quando as pessoas rompem as barreiras e praticam a criatividade.

Inicialmente tem-se o suporte físico coletivo, que é responsável pela transmissão genética; em seguida tem-se a cultura e todo o seu aparato de complexidade, responsável pela perpetuação dos conteúdos objetivos do M3. Somente depois é que tem-se o desenvolvimento do Mundo Subjetivo. Este último, ao desenvolver-se, por sua vez, enriquece ainda mais o M3. Assim sendo, fica exposto que o M3 é o formador do M2, e que este, por sua vez, transforma, enriquece e influencia o M3.

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Primeiro ocorre o desenvolvimento do suporte físico de forma coletiva para que haja perpetuação das espécies e raças; depois: pelo convívio coletivo ocorre uma relação de troca na busca pela sobrevivência, começando o desenvolvimento e perpetuação da cultura; depois: começa a ocorrer o pleno desenvolvimento do M2 em germe nas etapas anteriores. No primeiro caso temos a perpetuação do tipo A; no segundo caso, a perpetuação do tipo B; e no terceiro caso, temos a perpetuação do tipo C.

Não é difícil perceber esta interação no decorrer da evolução dos seres vivos, até mesmo entre as bactérias. Pelo tipo A, espécies de bactérias se perpetuam e mantêm seu suporte coletivo; pelo tipo B, procedimentos tornam-se padrões (uma espécie de cultura rudimentar) e as novas bactérias são influenciadas; pelo tipo C, pela força da cultura as bactérias começam a ser “indivíduos” de forma bem primitiva e perpetuam esta característica em seu mental-psíquico, este igualmente bem primitivo.

Pode-se dizer que o mesmo ocorre na evolução humana. Primeiro temos a determinação de um tipo biofísico capaz de se perpetuar (suporte físico) pelo tipo A; temos em seguida grupos do mesmo tipo biofísico reunidos e agindo, estabelecendo procedimentos padrões (cultura), estabelecendo também meios novos de tipo B, com a criação de utensílios deixados à posteridade, bem como de gravações de seus feitos; temos por último o desenvolvimento, pela força da cultura, de características individuais, com o Indivíduo tornando-se consciente de ser alguém no grupo, perpetuando-se pelo tipo C. A consciência, a percepção de si mesmo é que faz a grande diferença. Mas até aqui não ficou muito claro como é que o desenvolvimento do mental-psíquico pode se perpetuar e em que consiste realmente esta perpetuação do tipo C.

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Deveras, uma parte dos conteúdos subjetivos são perpetuados ao serem transformados em forma objetiva na cultura. Mas, por exemplo, nem todos entram em contato com o que está escrito, ou com o aspecto refinado de uma cultura, e mesmo assim parece haver perpetuação de conexões individuais. E mais ainda, nem todos os conteúdos subjetivos são transformados em forma objetiva no M3.

A minha tese é de que a perpetuação do conteúdo mental-psíquico se dá principalmente de forma mnemônica, ou seja, são gravados na memória universal do Todo. O Todo, ao se experienciar nas estâncias universais, e mais ainda, ao fazer a experiência do “experienciar” por meio do ego humano, tomando percepção de si mesmo e tornando-se cada vez mais indivíduo e mais consciente, possui memória. Porque parece haver esta lei no universo: quem experimenta de alguma forma memoriza o que experimentou. O Todo se utiliza das experiências passadas para experienciar coisas novas. Se houver uma boa perpetuação física, se houver uma cultura bem desenvolvida, e se houver entre ambas uma adequada interação, haverá evidentemente um resgate, uma verdadeira encarnação das experiências adquiridas pelo Todo em todos os seus egos que existiram, e haverá novas conexões que serão por sua vez registradas na memória universal.

Quanto mais a cultura for estruturada objetivamente de forma clara, fornecerá maiores condições para que um maior número de indivíduos possam desenvolver-se subjetivamente, harmoniosamente em todas as suas faculdades. Por sua vez, quanto mais indivíduos estiverem subjetivamente desenvolvidos, maior pressão coletiva será exercida na cultura. O processo é recíproco em retroalimentação.

O suporte físico deve ser mantido pela saúde, bem-estar e alimentação adequada. O suporte cultural, pela produção mental

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e manifestação criativa. O suporte mental-psíquico deve ser mantido pela melhor interação entre os dois primeiros, bem como pela manutenção do equilíbrio psíquico.

Busquei na história alguns exemplos de povos que exerceram consciente ou inconscientemente os três tipos de perpetuação.

Olhemos um instante para a civilização grega e paremos para admirar a Paidéia, sua prática educativa, formativa do cidadão, que objetivava realizar e perpetuar todas as formas de conexões. Trabalhavam com a perpetuação do tipo A através da prática esportiva e expressão corporal; com a perpetuação do tipo B através dos registros das conexões realizadas e da partilha da informação adquirida, via ciência, arte e política; com a perpetuação do tipo C através da prática filosófica e do exercício da criatividade (teatros, lazer, vida pública) e, principalmente, espírito coletivo – o cidadão grego era consciente de seu papel na coletividade. Sem dúvida, com os gregos o conjunto consciente (o Todo) fez profunda experiência de si mesmo e compartilhou este tesouro com as outras experiências realizadas depois por meio de outros ego-consciências. Inclusive, muito da postura das conexões é partilha das conexões gregas.

Vamos além no tempo e encontremos os egípcios, um dos mestres culturais dos gregos. Porém, deste particular pouco podemos dizer, visto que pisamos em terreno envolto em mistérios e esoterismos que complicam as pesquisas. Quanto ao tipo A, cuidavam muito bem do biofísico, tendo-se já encontrado restaurações dentárias em algumas múmias, registros de trepanação do crânio, prática de eugenia e outras coisas incompreensíveis; quanto ao tipo B, dispensa-se comentários, visto que foi uma das culturas mais belas que já existiu; quanto ao tipo C, o alto desenvolvimento mental-psíquico que alguns indivíduos alcançaram foi atribuído muitas vezes à presença do fenômeno da reencarnação, ou seja, a forma como eles

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interpretaram o registro mnemônico das conexões realizadas pelo indivíduo. As conexões egípcias ainda fazem pressão em nós até hoje.

E prestemos atenção ao caso excepcional dos judeus, exemplo completo da presença dos três tipos de conexões.

No que concerne à perpetuação do tipo A, podemos afirmar que houve um cuidado especial com o tipo biofísico, quando se prescrevia uso de certa alimentação, a prática do jejum, hábitos higiênicos e a prática da eugenia ao se evitar a mistura com outros povos. O suporte genético foi mantido e ainda por demais reforçado com todas estas práticas. No que concerne à perpetuação do tipo B, basta lançarmos um olhar para o desenvolvimento da cultura e sua perpetuação nas comunidades judaicas. Desde Moisés, o estudo da Torá e sua interpretação nas comunidades são práticas constantes, juntamente com a transmissão oral das experiências vividas nos tempos antigos. Esta prática exerceu influência na formação de indivíduos altamente qualificados pelo seu mental-psíquico, haja vista a lista de gênios judeus que legaram obras-primas no campo do conhecimento. Este fenômeno levou muitos anti-semitas a verem uma conspiração judaica levada a cabo nos quatro cantos do mundo, o que não procede, visto que muitos destes autores e suas teorias se opunham claramente e na maioria das vezes eram autores que não se conheciam pessoalmente. Habermas, filósofo contemporâneo, fez um estudo interessante sobre os intelectuais judeus e como eles transferem sua cultura para a confecção de suas teorias em diversos campos. A explicação mais razoável pode ser encontrada na força da cultura coletiva exercida sobre o indivíduo. O indivíduo nasce com uma missão na comunidade, inclusive portando um nome significativo e simbólico de sua natureza essencial. No que concerne à perpetuação do tipo C, o indivíduo judeu tem consciência de que deve muito do que é a seus antepassados; a cultura judaica

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reverencia seus ancestrais como se eles estivessem presentes nos indivíduos atuais.

A questão não está se foi realmente Moisés, ou alguém antes dele que estabeleceu o projeto mosaico do povo escolhido. O que importa é o sucesso que se obteve com este projeto e como um conhecimento desta espécie esteve presente na antigüidade. A manutenção de um suporte genético psicobiofísico especial, fazendo com que surja indivíduos altamente qualificados que possam influenciar ou causar grande impacto no Todo. Pela influência cultural destes indivíduos, outros povos se beneficiam e evoluem. Com o tempo, inevitavelmente, haverá cruzamentos, o que será também um grande benefício. O projeto parece comportar a idéia de que, embora mantendo-se um tronco de pureza genética, deve haver uma transmissão deste suporte para o todo da humanidade. Penso que seja esta a parte do projeto que alguns judeus (principalmente os radicais conservadoristas) não entenderam ou, se entenderam, não quiseram aceitar. E esta parte, queiram eles ou não, acaba se realizando na história, como foi o caso em que os Cristãos-novos, os judeus convertidos em época de perseguições, acabaram transmitindo este suporte e foi quando vimos um grande crescimento em diversas áreas humanas nas mais variadas regiões do globo.

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Nem sempre é fácil transmitir aos outros em forma de argumentação lógica aquele

pensamento que a nós se impôs com uma evidência quase que ofuscante. Após longo período de intensa pesquisa e de profundas reflexões concentradas num tema único, para o qual respostas são avidamente procuradas, a Luz do conhecimento se faz presente pela intuição filosófica, e só então passamos à elaboração de argumentos lógicos a fim de que nossa compreensão se faça também a outros.

Conclusão

“Isto tudo eu, Sinuhe, o Egípcio, escrevi; e apenas para mim. Não escrevi para os deuses nem para os homens; e nem para imortalizar o meu nome. Apenas para dar paz ao meu coração cuja cota está agora servida de vez. (...) Sim, pois eu, Sinuhe, sou um ser humano. Vivi em todos aqueles que viveram antes de mim, e viverei nos que vierem depois de mim. Viverei nas lágrimas e nos risos humanos, no medo e na mágoa humana, na bondade e na torpeza humana, na justiça e no erro, na fraqueza e na força. Não desejo oferendas na minha sepultura e nem imortalidade para o meu nome. Isto tudo foi escrito por Sinuhe, o egípcio, que viveu sozinho todos os dias de sua vida” (Mika Waltari, in O Egípcio)

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Este livro resume cinco anos de pesquisas, embora seja fruto de reflexões de uma vida a respeito de todos os setores do conhecimento, desde as fronteiras da ciência às tradições populares. Desde criança tenho feito reflexões sobre os mistérios que inquietam a mente humana: a vida, o mundo, Deus, continuação da existência pessoal e os mistérios do conhecimento humano. Tenho registrado na memória lembranças da época em que passava horas a olhar o céu noturno em busca de respostas que ninguém as tinha para me fornecer. Penso em meu íntimo que as idéias mais iluminadoras que nos chegam na maturidade, são aquelas reflexões do tempo de meninice levadas ao seu mais alto grau de clareza. Penso ainda que os homens seriam verdadeiros gênios, caso se permitissem continuar perquirindo, investigando o que está a sua volta com a mesma intensidade e curiosidade dos tempos de infância. É uma lástima constatá-lo, mas para a maioria das pessoas o mundo se torna simplesmente “normal”. E para mim, as pessoas que estão sob a falsa segurança da normalidade, simplesmente se parecem “mortas”, embora respirando e a esperar o dia da sepultura.

Somos impelidos a irmos adiante, sempre. Embora o caminho esteja repleto de riscos e armadilhas. Embora possamos errar e cair no ridículo perante aqueles que nunca tentaram. Espero, e isto desejo de todo o meu coração, estar contribuindo para que haja maior esclarecimento sobre a posição cognitiva do homem no mundo. Não obstante o desejo sincero de contribuir para o melhor, pode ser que eu esteja simplesmente espalhando confusão aonde não haja mais espaço para tal. Mas o tempo sabe ser um excelente juiz e me exponho ao seu julgamento. O risco, em assuntos deste tipo, funciona muitas vezes como um tempero ao paladar final. E mesmo havendo risco de se quebrar a perna, não se deve deixar de andar. À primeira vista as possibilidades são maiores do que o risco.

Fruto de longos e árduos anos de trabalho, a pesquisa sobre

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a Postura das Conexões fez parte de minha evolução pessoal; tanto que, na medida do possível, faço a aplicação de seus princípios em todos os instantes e instâncias de minha vida. Não sou tão “acadêmico” a ponto de expor uma teoria com tanto entusiasmo sem tê-la sequer aplicado a mim mesmo.

Contudo, a pessoa profundamente imbuída dos princípios da Postura das Conexões, deve estar preparada até mesmo a abandoná-la caso perceba que ela não lhe traz benefício algum.

Como vimos, a Postura das Conexões é a postura filosófico-racional levada a sua mais ampla aplicação. Ela é supervisionada pela razão e seus atributos, além de ser amplamente reflexiva, auto-avaliadora, considerando o universal e a totalidade. É uma postura eminentemente holística, no verdadeiro sentido da palavra grega hólon, que significa “o todo”, todavia sem deixar-se cair no superficialismo que acompanha certas doutrinas que se pretendem holísticas. Ela torna o pensamento “encarnado” na vida, transformando as experiências desta na medida em que realisticamente elas sejam confrontadas.

A estrutura de uma das relações cibernéticas do homem com o universo, o conhecimento, não se encontra fundamentada somente na base biológica da evolução humana, mas também na base cosmológica que inclui todas as outras.

Assim sendo, a Postura das Conexões fundamenta-se na Teoria das Conexões. Esta teoria é uma hipótese de trabalho, segundo a qual todas as coisas são conexões. As conexões presentes pressupõem conexões passadas. O conhecimento, dessa forma, fica sendo um conjunto de conexões das estruturas cibernéticas umas com as outras ou destas com o Todo.

Por sua vez, a Teoria das Conexões fundamenta-se no experimento mental que elaborei: há um Todo, o conjunto de todas as conexões possíveis; ele, como um conjunto e

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um sistema, é auto-regulador; ele reflete-se a si próprio, faz a percepção de si mesmo, dando origem ao que chamo de Consciência Universal. Percebendo-se a si próprio, o Todo experiencia suas “n” conexões, todas as estruturas do Universo. Ao experienciar, ocorre a “manifestação” (Luz) de uma realidade. Ao experimentar o nível humano como o conhecemos, o Todo tem experiência do “experimentar-se a si próprio”, começando com níveis primitivos até chegar ao nível cósmico.

Sob este prisma, pode-se dizer que o homem é verdadeiramente um microcosmo. É fruto da evolução universal e um universo em miniatura.

As conexões universais são mnemonicamente registradas na memória universal do Todo. Os registros mnemônicos das conexões são feitos de três maneiras, visto que há três espécies de conexões. As espécies de conexões são: as do tipo A, as de suporte físico, desde energias fundamentais das partículas ao nível material visível; as do tipo B, que consistem nas relações cibernéticas de todas as conexões do tipo A entre si e entre elas e o Todo, fazendo com que um conjunto qualquer tenha “personalidade”, que haja padrões em certos comportamentos da estrutura; as do tipo C, do tipo mental-psíquico, possibilitadas pela presença das conexões dos tipos anteriores. O conjunto todo das conexões apresenta-se nestas três espécies conectivas, não havendo separação espaço-temporal entre elas, que se interpenetram umas nas outras.

A perpetuação, o registro mnemônico das conexões se dá de três formas, consoante às três espécies conectivas. A ocorrência destas três formas de perpetuação torna-se mais compreensível ao nível de evolução dos seres vivos, embora ela se manifesta em toda a estrutura universal.

A perpetuação do tipo A favorece a manutenção das espécies vivas e de seu suporte coletivo; pelo tipo B, procedimentos

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tornam-se padrões (uma espécie de cultura rudimentar) e os novos seres das espécies são influenciados, tanto para o fortalecimento coletivo quanto para um maior desenvolvimento de cada uma das partes; pelo tipo C, pela força da cultura, os seres, antes participantes apenas da consciência grupal, começam a ser “indivíduos” de forma bem primitiva e perpetuam esta característica em seu mental-psíquico.

Desta forma, a fim de ser levado a manter-se na Postura das Conexões, deverá o pesquisador estar cônscio de que faz parte de um esquema cósmico de conhecimento, que não se restringe apenas à evolução dos seres vivos. Este esquema de conhecimento, sendo um esquema de conexões, é um processo aberto sempre, visto que podem ser feitas “n” conexões.

Na verdade, a Postura das Conexões leva o pesquisador a um novo “olhar” em relação ao que há. O mundo não pode mais ser conhecido somente pela representação, como foi antes pensado principalmente depois de Kant, ao mostrar que toda experiência é organizada pela mente segundo categorias do nosso pensamento, ou seja, nossos modos de pensar sobre espaço, tempo, matéria, substância, causalidade, contingência, necessidade, universalidade, particularidade, etc. Se minha mente consegue apreender algo do universo quântico não é simplesmente porque ela organiza a experiência segundo categorias, mas principalmente porque meu ser também possui conexões quânticas, visto que ele, como o universo, também é feito de partículas.

Mesmo abordando a questão das partículas atômicas, que constituem toda a matéria, por caminhos diferentes, a relatividade e a teoria quântica concordam no fato de que ambas implicam a necessidade de olhar para o mundo como um todo indiviso. Ao tratar da questão com a Postura das Conexões, deve-se levar em consideração que o mundo das partículas e dos quanta

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é também o mundo do homem. Ora, o olhar do homem é uma das causas da fragmentação do mundo. Quem pode garantir que um novo “olhar” também não dará origem a novos fragmentos? Se somos capazes de perceber que há fragmentos, somos levados então a admitir que algum ponto em nós está livre da fragmentação. A Postura das Conexões, ao buscar um novo “olhar” em relação ao mundo, analisa os pressupostos e busca encontrar este ponto de Arquimedes.

Contudo, pode ser que a Postura das Conexões também seja uma forma de fragmentação. Assim sendo, e fiéis a tal Postura, o abandono dos princípios aqui apresentados será salutar a qualquer espírito ao primeiro sinal de tal patologia em sua aplicação.

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Eugênio [email protected]

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Postura das Conexões é uma obra que inicia o leitor numa nova maneira Ade olhar o mundo. No que concerne às nossas atitudes mentais em

relação às coisas, parece que elas tornam-se óculos coloridos pelos quais

olhamos o mundo. Mais ainda. Quando as atitudes mentais se enraízam

assemelham-se a muros invisíveis que nos aprisionam no reino dos

preconceitos. A Postura das Conexões é a postura filosófico-racional levada a

sua mais ampla aplicação. Ela é supervisionada pela razão e seus atributos,

além de ser amplamente reflexiva, auto-avaliadora, considerando o universal e

a totalidade. É uma postura eminentemente holística, no verdadeiro sentido da

palavra grega hólon, que significa "o todo", todavia sem deixar-se cair no

superficialismo que acompanha certas doutrinas que se pretendem holísticas.

Ela torna o pensamento "encarnado" na vida, transformando as experiências

desta na medida em que realisticamente elas sejam confrontadas. Tudo isto

porque a estrutura de uma das relações cibernéticas do homem com o

universo, o conhecimento, não se encontra fundamentada somente na base

biológica da evolução humana, mas também na base cosmológica que inclui

todas as outras. Eugênio Berinstein, mais conhecido como Prof. Eugênio,

licenciado pleno em Filosofia, é Especialista em Epistemologia e atualmente

faz pesquisa em Ética e Filosofia Política, em nível de Mestrado pela UFSC.

AP

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