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    UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL FACULDADE DE ARQUITETURA

    PROGRAMA DE PESQUISA E PS-GRADUAO EM ARQUITETURA

    PROPAR

    GASPARD MONGE E A SISTEMATIZAO DA REPRESENTAO NA

    ARQUITETURA

    ELIANE PANISSON

    Orientador FERNANDO FREITAS FUO

    Porto Alegre, 2007

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    ELIANE PANISSON

    GASPARD MONGE E A SISTEMATIZAO DA REPRESENTAO NA

    ARQUITETURA

    Tese apresentada ao Programa de Pesquisa e Ps-graduao em Arquitetura da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, como requisito parcial para a obteno do ttulo de Doutor em Arquitetura.

    Orientador FERNANDO FREITAS FUO

    Porto Alegre, 2007

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    ELIANE PANISSON

    GASPARD MONGE E A SISTEMATIZAO DA REPRESENTAO NA

    ARQUITETURA

    Banca Examinadora:

    Professor Doutor Fernando Freitas Fuo PROPAR - UFRGS Orientador

    Professora Doutor Adriane Almeida Borda da Silva UFPel Examinadora

    Professor Doutor Airton Cattani PROPAR - UFRGS Examinador

    Professor Doutor Underla Bruscato Portella UNISINOS Examinadora

    Porto Alegre, 2007

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    H um longo tempo tenho me dedicado ao ensino de geometria descritiva em cursos de Arquitetura. A posio de docente me permitiu a observao privilegiada do intrincado processo de representao e compreenso do espao arquitetnico por parte dos estudantes. Tenho buscado refletir sobre os fundamentos em que se apiam estes saberes, em especial no que se refere representao mongeana. Apresento nesta pesquisa os escritos que configuram a tese intitulada Gaspard Monge e a sistematizao da representao na arquitetura. Apresentar este trabalho na Universidade Federal do Rio Grande do Sul me leva a feliz coincidncia de ter nesta Universidade um local acolhedor ao estudo crtico da geometria descritiva, para a qual tenho me dedicado, uma vez que na sua Escola de Engenharia, no ano de 1955, ocorreu o I Simpsio Nacional de Geometria Descritiva.

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    Dedico estes escritos especialmente aos alunos de arquitetura, razo de ser deste trabalho. Para tanto, assumo a humildade de Vitruvius, o primeiro arquiteto a escrever sobre arquitetura, que chega at ns no seu livro I justificando:

    Assim, o Csar, eu suplico a ti e a quantos leiam o meu livro, que se alguma coisa no est explicada com adequao [...], que me seja perdoado, uma vez que no sou um grande filsofo, nem um eloqente orador, nem um excelente gramtico, mas um modesto arquiteto, que se empenhou em escrever estas coisas que no lhe so estranhas.

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    Agradeo aos Professores e Amigos

    que participaram na trajetria deste trabalho, em especial ao meu

    Orientador, pelo companheirismo e pelas sbias e minuciosas observaes

    feitas durante a investigao.

    Agradeo aos meus filhos,

    Jlia, Maria, Pedro e Thereza

    que comigo se envolveram

    para o meu crescimento

    neste trabalho que trata do instigante tema da representao.

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    D-se, geometria descritiva, a noo de um tranqilo lago onde preguiosamente se banha, quando necessrio, o desenho. Como toda gua parada passvel de deteriorao, est a descritiva relegada quele estado de decomposio que repugna naturalmente a todo esprito sequioso de investigao. (ANDRADE, 1955, p. XXII).

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    PANISSON, Eliane. Gaspard Monge e a sistematizao da representao na arquitetura. 2007. Tese (doutorado em arquitetura) Programa de Pesquisa e Ps-Graduao em Arquitetura, UFRGS, Porto Alegre, 2007.

    Esta tese trata da contextualizao da geometria descritiva como sistema de representao na arquitetura. Desenvolve-se a partir da desconstruo da Gomtrie descriptive de Gaspard Monge, publicada em 1799, acompanhando a exposio de seu autor desde o contedo da capa at a sua ltima pgina, de onde so destacadas partes a serem estudadas entre os textos, desenhos e a prpria apresentao da obra.

    Desconstruir a teoria mongeana apresenta-se relevante neste estudo por investigar sobre as lies dadas por Monge em 1799, que coexistem at o momento com outras representaes, entretanto sem um questionamento e entendimento epistemolgico.

    Considerando que existem distores na exposio original das lies mongeanas em obras subseqentes Gomtrie descriptive e que conceitos de representao determinam limites de compreenso do espao que implicam na prpria arquitetura, este estudo d abertura de resignificao teoria original de Monge no ensino de arquitetura.

    Palavras chave: ensino de arquitetura, Gaspard Monge, geometria descritiva, representao na arquitetura.

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    PANISSON, Eliane. Gaspard Monge e a sistematizao da representao na arquitetura. 2007. Tese (doutorado em arquitetura) Programa de Pesquisa e Ps-Graduao em Arquitetura, UFRGS, Porto Alegre, 2007.

    This thesis is about the descriptive geometry contextualization as an Architecture representation system. It was developed after Gaspard Monges Gomtrie descriptive deconstruction, published in 1799, accompanying its author exposition since its cover content until its last page, form where parts are detached to be studied among the texts, draws and the own handiwork presentation.

    To deconstruct Monges theory is relevantly presented in this study for investigate Monges lessons taught in 1799 that coexists until this moment with different representations, without any question and epistemology understanding.

    Considering that there are distortions in the original Monge lessons exposition in Gomtrie descriptive following handiwork and that its representation concepts determinate limits to the space comprehension that imply the Architecture itself, this study gives opening to Monges original theory resignification in the Architecture teaching.

    Key-words: Architecture teaching, Gaspard Monge, descriptive geometry, Architecture representation.

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    Figura 1.1 Representao das ordens das colunas dos estudos de Vitruvius de Cesare Cesariano (1521) .....................................................................................................................................................62 Figura 1.2 Mtodo de construo da perspectiva exposto no De Pictura, do sculo XVI, de Leon Battista Alberti. .......................................................................................................................................64 Figura 1.3 Construo das projees de um cubo em posio genrica (Figuras LIII e LIV que ilustram De prospectiva pingendi). .........................................................................................................67 Figura 1.4 Construo das projees e das sees horizontais de uma cabea humana (Figuras LXIII e seguintes que ilustram De prospectiva pingendi). ......................................................................68 Figura 1.5 Desenhando o alade, gravura extrada da maneira de medir da obra Under Weysung der messung mit dem Zirckel und richt/Scheyt, edio de 1525. ..........................................................69 Figura 1.6 Desenhando a mulher nua, gravura extrada da maneira de medir da obra Under Weysung der messung mit dem Zirckel und richt/Scheyt, edio de 1538. ..........................................70 Figura 1.7 Representao em perspectiva com mtodo prtico, extrada do Le premier tome de lArchitecture (DE LORME, 1567)..........................................................................................................70 Figura 1.8 Carta da Holanda de 1575, sugerindo a compreenso do espao com o conhecimento da axonometria, revelada na posio do observador que se coloca dentro de um espao em representao axonomtrica..................................................................................................................72 Figuras 1.9 Assentamento de peas dos arcos, ilustrao de lOrme (1561, p. 8). ...........................74 Figuras 1.10 Assentamento de peas dos arcos, ilustrao de lOrme (1561, p. 11). .......................74 Figuras 1.11 Determinao de crculos alongados, ilustrao de lOrme (1561, p. 13). ..................74 Figuras 1.12 Outra maneira de determinar crculos alongados, ilustrao de lOrme (1561, p. 14).74 Figura 1.13 Representao para determinar tamanhos reais das partes de uma abboda, ilustrao de lOrme (1576).....................................................................................................................................75 Figura 1.14 Ponte de Vicenza, representao de Palladio.................................................................75 Figura 1.15 Exemplo de traado da perspectiva inventado por Desargues, extrado de um pequeno folheto de doze pginas publicado com o ttulo de Lexemple de lune des manires universelles du S.G.D.L., em Paris (1636). .....................................................................................................................77 Figura 1.16 e 1.17 Perspectiva e fachada com os princpios tericos sobre o corte das pedras, propostos por Desargues (1640)............................................................................................................77 Figura 1.18 - Representao da soluo de problema construtivo, apresentada por Jousse (1642, p.51). ......................................................................................................................................................78 Figura 1.19 Interpretao grfica (em perspectiva e projees ortogonais) da idia de Descartes, explicada sem desenho ilustrativo em um pargrafo da sua obra La Gomtrie (1664,p.64) ..............79 Figura 1.20 Representaes apresentadas por Bosse (1643, p. XLII, esquerda e p. XLUV, direita).....................................................................................................................................................80 Figura 1.21 Teorema sobre a projeo ortogonal de linhas curvas no espao. (FRZIER, 1737, tomo I, livro II, prancha 16).....................................................................................................................82 Figura 1.23 e 1.24 Projees ortogonais e axonometria. ...................................................................90 Figura 1.25 Habitaes coletivas de Le Corbusier em Bordeaux-Pessac..........................................93 Figura 2.1 Newton de Blake (1795). .................................................................................................163 Figura 2.2 Cenotfio de Newton de tienne Louis Boule. Essai sur lart. ......................................174

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    Figura 2.3 Capa da obra de DURAND..............................................................................................175 Figura 2.4 Estudos das propores das colunas, extrado de Lidea della architettura universale, de Vicenzo Scamozzi de 1615. .................................................................................................................176 Figura 2.5 Correo tica extrada do Trattato sopra gli errori degli architetti de Teofilo Gallaccini, 1767......................................................................................................................................................177 Figura 2.6 Composio de edifcios a partir do quadrado de Jean-Nicholas-Louis Durand do seu livro Prcis de leons darchitecture.....................................................................................................178 Figura 2.7 Grelhas e traados da marche suivre dans la composition de Jean-Nicholas-Louis Durand do seu livro Prcis de leons darchitecture. ...........................................................................178 Figura 2.8 Superfcies retilneas de revoluo, cnica, cilndrica e hiperbolide.. ...........................181 Figura 2.9 Concepo medieval representando Cristo que utiliza um compasso, metaforicamente a geometria para reconstruir o mundo a partir do caos original. ............................................................184 Figura 2.10 Pedra tumular de Huges Libergier (Caisse Nationale des Monuments historiques). ....186 Figura 2.11 Modelo de universo segundo a concepo ptolomaica da edio de 1539 da Cosmografia de Pietro Apiano. ............................................................................................................200 Figura 2.12 Modelo de universo apresentado na primeira edio (1543) do De Revolutionibus Orbium Coelestium de Nicolau Coprnico. ..........................................................................................201 Figura 2.13 Representao da estrutura dos vrtices de Descartes em 1644.................................202 Figura 2.14 Estudos sobre lugar geomtrico propostos por Fourier.................................................208 Figura 2.15 Representao ideal da tabuleta e do espelho na experincia de Brunelleschi. ..........211 Figura 2.16 Projeo ortogonal de uma reta, colocando em evidncia as linhas de projees de cada ponto.(MONGE, 1799, planche I, fig. 1) ......................................................................................215 Figura 2.17 Representao das projees do ponto. .......................................................................215 Figura 2.18 Projeo ortogonal de uma reta, colocando em evidncia as linhas de projees de cada ponto.(MONGE, 1799, planche I, fig. 2 e 3) ................................................................................216 Figura 2.19 Representao do cubo atravs de mudanas de planos de projeo..........................222 Figura 2.20 Representao de poliedro em sistema didrico a partir de fundamentos de geometria plana.....................................................................................................................................................224 Figura 2.21 Villa composta por trs cubos extrada de Lectures on architecture, 2 edio de 1759...............................................................................................................................................................225 Figura 2.22 Os elementos dos edifcios e o mtodo a seguir no projeto de um edifcio qualquer, extrados dos fascculos do curso de Durand na cole Polytechnique. ..............................................226 Figura 2.23 Aritmtica. ......................................................................................................................229 Figura 2.24 Geometria. .....................................................................................................................229 Figura 2.25 Capa da obra La Nova Scientia (1550) de Nicol Tartaglia. .........................................231 Figura 2.26 - Ilustrao da idia de Monge, sobre as geraes das superfcies cilndricas. ..............233 Figura 2.27 - Ilustrao da idia de Monge, sobre sees em superfcies utilizando recursos de informtica. ...........................................................................................................................................237 Figura 2.28 Aplicao da idia de gerao de superfcies de Monge aplicada soluo de um problema de arquitetura . .....................................................................................................................238

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    INTRODUO..........................................................................................................14 1 PROBLEMTICA........................................................................................................................17 2 JUSTIFICATIVA.........................................................................................................................30 3 HIPTESE..................................................................................................................................35 4 OBJETIVOS................................................................................................................................36

    4.1 Objetivo Geral .....................................................................................................................36 4.2 Objetivos Especficos ..........................................................................................................36

    5 METODOLOGIA.........................................................................................................................37 6 ESTRUTURA DA TESE .............................................................................................................40

    DESVELANDO A REPRESENTAO ARQUITETNICA......................................42

    CONTORNANDO CONCEITOS E HISTRIA DA REPRESENTAO EM ARQUITETURA ........44 1.1 DELIMITAES CONCEITUAIS SOBRE REPRESENTAO ARQUITETNICA ..............45 1.2 UMA TEORIA DE REPRESENTAO DESCRITIVA? ..........................................................53 1.3 DELINEANDO A HISTRIA DA REPRESENTAO ARQUITETNICA..............................57

    1.3.1 EXPERIMENTANDO E OBSERVANDO COM O APOIO DA MATEMTICA.................58 Do sculo XV ao final do sculo XVIII.......................................................................................58 1.3.2 A COMPREENSO CIENTFICA ....................................................................................86 Do final do sculo XVIII at o presente.....................................................................................86

    PONTUANDO A REPRESENTAO MONGEANA........................................................................95 2.1 TRABALHOS DE MONGE ......................................................................................................97 2.2 CONTEXTO DA SISTEMATIZAO DA TEORIA MONGEANA ...................................101 2.3 GASPARD MONGE O PAI DA GEOMETRIA DESCRITIVA?...........................................108 2.4 GEOMETRIA DESCRITIVA, UMA HERANA DA MATEMTICA OU DO DESENHO? .....112 2.5 REPERCUSSO DA OBRA DE MONGE .............................................................................115

    2.6 REPERCUSSO NO BRASIL ..........................................................................................119

    DESCONSTRUINDO A TEORIA MONGEANA......................................................128

    DESCOBRINDO A TEORIA MONGEANA .....................................................................................130 1.1 A CAPA..................................................................................................................................131 1.2 O NDICE...............................................................................................................................134 1.3 A ADVERTNCIA..................................................................................................................147 1.4 O PROGRAMA ......................................................................................................................150

    1.4.1 O PENSAMENTO MODERNO E O ILUMINISMO.........................................................151 1.4.2 REPRESENTAO E PODER......................................................................................152 1.4.3 REPRESENTAO, LINGUAGEM, VERDADE............................................................160

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    1.4.4 REPRESENTAO E PROGRESSO ...........................................................................168 1.4.5 REPRESENTAO NAS ARTES INCLUINDO A ARQUITETURA ..............................170 1.4.5.1 DURAND....................................................................................................................174 1.4.5.2 QUATRMRE..........................................................................................................179

    1.4.6 IMPRIMIR E SURTIR EFEITO.......................................................................................182 1.4.7 UM MUNDO REPRESENTADO COM RGUA E COMPASSO....................................184 1.4.8 NECESSIDADE DE APLICAO..................................................................................187 1.4.9 MAIS UMA VEZ: ENSINAR PARA AUMENTAR O PODER NACIONAL ....................192

    REPLICANDO A TEORIA MONGEANA.........................................................................................194 2.1 A GEOMETRIA DESCRITIVA ...............................................................................................195 TEM DOIS OBJETIVOS ..............................................................................................................195 2.2 A POSIO DE UM PONTO NO ESPAO..........................................................................197

    2.1.3 REFERNCIA ................................................................................................................203 2.1.4 PROJEO ORTOGONAL ...........................................................................................209 2.1.7 PROJEO DE UMA RETA..........................................................................................214 2.1.8 PLANOS DE PROJEO ............................................................................................218

    2.1.9 VERDADEIRA GRANDEZA DE UMA RETA .................................................................220 2.1.10 POLIEDROS ................................................................................................................222 2.1.11 GEOMETRIA DESCRITIVA & LGEBRA....................................................................227 2.1.12 CLASSIFICAO DAS SUPERFCIES.......................................................................232 2.1.13 SUPERFCIES CURVAS .............................................................................................234 2.1.14 INTERSECO DAS SUPERFCIES CURVAS..........................................................236 2.1.15 APLICANDO SUPERFCIES CURVAS .......................................................................237 2.1.16 APROFUNDANDO O ESTUDO DAS SUPERFCES CURVAS .........................238 2.1.17 ADIES .....................................................................................................................239 Ainda, um depois da tese........................................................................................................244

    REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS........................................................................246

    ANEXO 1..................................................................................................................257

    ANEXO 2..................................................................................................................261

    ANEXO 3......269

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    Conceitos de representao utilizados na arquitetura e no ensino dela moldam-se em determinados limites, nos quais a compreenso do espao absorvida segundo particularidades. As possibilidades de compreenso do espao por meio do que representado nem sempre esgotam todo entendimento possvel a seu respeito, em decorrncia dos limites de cada teoria da representao.

    O que ultrapassa os limites de cada teoria pode vir a ser considerado no saber, entendido como irrepresentvel. A geometria descritiva, por exemplo, pode ser entendida como uma teoria que coloca a representao do espao em cdigos previamente definidos e cuja decodificao esta previamente delimitada.

    A teoria da representao de Gaspard Monge, denominada por ele mesmo de geometria descritiva, deriva do contexto histrico do Iluminismo. uma teoria que se doutrina na Modernidade durante a Revoluo Francesa. Entendemos aqui a expresso Modernidade como o perodo em que h uma grande crena na racionalidade, no qual a normatizao est focalizada. Nesse enfoque, trata-se de uma teoria datada que tem como pressuposto epistemolgico uma matriz terica da representao do espao estruturada no cartesianismo estabelecendo a experincia prpria interpretada luz da razo.

    Na sistematizao da representao proposta por Gaspard Monge na obra Gomtrie descriptive de 1799 revela-se o desejo da exatido absoluta atravs da abstrao matemtica. Este sistema coloca a possibilidade do objeto ser representado por uma seqncia de operaes geomtricas independentes da

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    preexistncia do objeto a ser representado, com aplicabilidade a um grande nmero de artes.

    No presente estudo, partimos do princpio de que a representao e a compreenso do espao preconizadas por Monge na geometria descritiva em 17791 coexistem at o momento com outras possibilidades de representao, resistindo a rupturas inerentes aos sistemas de representao ocorridas no contexto da Modernidade. A representao do espao em que se insere a geometria descritiva como um empreendimento matemtico adequava-se ao projeto do Iluminismo por presumir a existncia de um mundo controlado e organizado de forma racional como nico modo correto de represent-lo. O sistema de representao foi reconhecido, somente, no incio do sculo XIX, quando passou a ser utilizado no desenvolvimento de tecnologias industriais e na engenharia. Entretanto, ainda no incio do sculo XIX, contestaes ao pensamento Iluminista subsidiavam uma crescente nfase na diversidade de representaes do espao, amparadas pela quebra da unidade da linguagem matemtica com a descoberta das geometrias no-euclidianas. Passava ento o espao a ser representado pelas axomometrias, pela topologia, pelas influncias do dadasmo, surrealismo, cubismo, realismo, entre outras maneiras de represent-lo, contudo sem o desaparecimento da representao mongeana.

    Em sntese, neste estudo tambm buscamos esclarecer como representado e compreendido o espao a partir da geometria descritiva sistematizada por Gaspard Monge at a atualidade no campo da arquitetura.

    A abordagem que apresentamos neste trabalho acerca dessa teoria da representao uma acepo crtica. Utilizando os saberes aplicados a partir desta teoria, cotejados com outros saberes referentes representao do espao - os diferentes tipos de perspectivas, por exemplo - como referencial, podemos obter resultados que servem de base aos trabalhos que utilizam a representao na arquitetura.

    inegvel a contribuio desta anlise crtica a esse sistema representativo no mbito pedaggico por tratarmos da teoria de Monge, que foi exposta com

    1 MONGE, G., Gomtrie Descriptive. Paris: Baudoin, 1799.

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    carter didtico e ainda permanece no meio acadmico. Dessa maneira, desconstruirmos a teoria mongeana implica desestruturarmos o prprio ensino da representao na arquitetura. Tal contribuio comparece oportunamente, considerando que essa teoria convive no ensino da arquitetura com outras teorias da representao, carecendo de questionamento e entendimento epistemolgico.

    Investigarmos a teoria mongeana do ponto de vista epistemolgico necessariamente trata de entender como se implanta e se sustenta esse conhecimento de representao na arquitetura. Isto , considerarmos que por baixo da especializao prpria de cada campo de conhecimento fluem certas correntes subterrneas que transferem idias de um mbito a outro.

    O tema central da tese singular: a teoria da representao de Monge. Entretanto, em sua abordagem abrangemos outros saberes prximos, desenvolvendo-a com referncia em diversas cincias, entre as quais se destacam a filosofia, a matemtica e o desenho. Contribui neste estudo a filosofia como suporte reflexivo que abarca a natureza de todas as coisas e suas relaes entre si. A matemtica e o desenho se enlaam como campos do conhecimento no qual se insere a representao mongeana, uma cincia matemtica expressa atravs do desenho. Nesta tese buscamos expor pensamentos que reflitam sobre a teoria da representao proposta pela geometria descritiva. Ao mesmo tempo, traamos possibilidades de compor um quadro epistemolgico da representao do espao como questo da arquitetura. No aprofundamento dessa abordagem devemos trazer em discusso repercusses da representao arquitetnica sobre os conceitos e a prpria filosofia do projeto arquitetnico. Definimos esta investigao pelo propsito de ser reconstrutiva, embora parta da deconstruo de uma teoria.

    A idia de estudarmos a obra de Monge numa tese de doutorado em arquitetura enquadra-se na histria e compreenso da representao do espao para a arquitetura, visto que grande parte dos estudos sobre a obra de Monge foi realizada por matemticos, no por especialistas de representao grfica ou arquitetura. Moldamos o carter da tese ento nesta perspectiva subsidiada pela obscuridade ou encobrimento que a geometria descritiva, cujas origens se encontram na matemtica, mantm com a produo arquitetnica, carecendo de um questionamento epistemolgico com enfoque na arquitetura. O desenvolvimento da

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    tese requer, por isso, uma busca da fundamentao epistemolgica da representao arquitetnica e a realizao de um minucioso estudo crtico na obra Gomtrie descriptive (1799) de Gaspard Monge. Pretendemos no perder a historicidade da teoria proposta na obra na medida em que buscamos sua contextualizao e significao no processo de representao arquitetnica.

    Assim, uma das partes deste estudo est prxima das cincias exatas ao passo que na outra a natureza do desenvolvimento assemelha-se aos problemas filosficos. A arquitetura mantm intervenincias com ambas. Trata-se de uma unio de reas do conhecimento que se apiam, enquanto os enunciados da teoria da representao de Monge ultrapassam os limites que lhe deram origem.

    1 PROBLEMTICA

    O cenrio da projetao e ensino da arquitetura se desenvolvendo em instncias distintas a arquitetura construda leva a uma reflexo sobre a natureza da sua forma de representar. Em relao representao arquitetnica, o discurso grfico historicamente tem sofrido variaes, colocando-a numa pluralidade de possibilidades que obrigam os arquitetos a fazerem suas escolhas.

    Na origem dessa pluralidade de representaes arquitetnicas aparece o prprio conceito de espao arquitetnico, com a diversidade no seu entendimento alimentando tais possibilidades. Valldecabres (1983) nos diz que falar de espao arquitetnico dar a entender que se est fazendo meno a duas acepes: do espao que alguns chamam de espao topolgico, conceitualizado, e do espao experimentado ou sensitivo, sem estabelecer diferenas entre eles. O espao topolgico fsico pode definir-se e quantificar-se matematicamente, ao passo que o espao perceptivo mantm sua interpretao em funo das condies perceptivo-culturais do leitor-receptor.

    A noo do espao que rodeia o homem intervm nos processos de representao, entretanto qualquer representao grfica, porquanto fiel realidade, proporcionada e precisa nos pormenores, particularizada em cada uma das suas partes, sempre uma interpretao e, por isso, uma tentativa de explicao da prpria realidade (MASSIRONI, 1982, p. 69). A referncia para essas

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    representaes est no corpo de quem as realiza, no modo como esse corpo apresenta a realidade, mantendo deslocamentos conceituais que apresentam a representao do espao entre a percepo sensvel e a abstrao inteligvel.

    No Renascimento, por exemplo, a representao em perspectiva registrava a percepo sensvel na qual o corpo que registra uma realidade, necessariamente, se encontrava em determinado espao, num determinado momento, com uma atitude de presena, onde o olhar que v a realidade a reproduz. Portanto, o corpo de quem registra est presente e a medida deste corpo serve de referncia representao.

    Dos atelis dos pintores e escultores do Renascimento, em especial os italianos, nasceram academias de arte que se constituram em novas escolas de formao de arquitetos. A Academia de Arquitetura de Paris foi fundada em 1671, inspirada no Renascimento italiano. Essas novas escolas substituam o canteiro de construo que, de fato, por excelncia, se constitua o lugar do aprendizado do ofcio de construir, a verdadeira escola de arquitetura. At esta poca, historicamente, tudo que dizia respeito construo enquadrava-se no campo da arquitetura. (GRAEFF, 1995)

    Mais recentemente, com as tecnologias digitais, o sujeito que representa no necessariamente se faz presente no espao a ser representado; o que impera a mente coordenando a representao de um espao absoluto. Para Dorfman (2003), estamos entrando na era do nmero, na qual o computador pode ligar pontos por segmentos, com linhas contnuas e at mesmo extrapolar uma funo matemtica.

    Sobre essas tentativas de explicar a realidade atravs da representao, Reyes (2004, p. 390) conclui: Antes, a representao pela via sensvel era captada pelo inteligvel atravs dos seus mtodos de correo; agora, o inteligvel que tenta se aproximar do sensvel atravs das realidades virtuais.

    Marcando um ponto de ruptura entre os conceitos de representao do espao sensvel e inteligvel que a representao mongeana comparece como

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    sistema de representao2, um sistema de representao que se afasta do espelhamento do que j existe, da realidade existente, enquanto liberta o imaginrio para a criao de novos objetos.

    Desde o nascimento da cincia moderna, com Galileu e Kepler, a relao entre realidade e conhecimento, sua origem, seu mtodo, seus limites, tem sido sempre complexa. Esta relao to varivel ao longo das diversas pocas tem levado sempre em sua natureza uma disputa, uma discusso irreconcilivel, em que o conhecimento parece ganhar sempre a batalha, porm a realidade permanece sempre alguns passos adiante, sem deixar-se atrapalhar. [...] o mundo real, no se adapta inteiramente a nossos modelos, no que por muito que estreitemos a trama da rede, a realidade sempre encontra um buraco pelo qual escapar. Esta relao entre modelo e realidade no ocorreu, exclusivamente, no campo da cincia e, tambm, tem sido um debate de importncia para a arte. Debate que, em ambos os casos, esta inserido a um inevitvel vnculo temporal, se pensarmos que cada poca tem suas prprias preocupaes, que no existe conhecimento se no foi formulada antes uma pergunta, se no existe um questionamento ao que dar resposta. Este questionamento aponta e dirige as buscas e tem, inevitavelmente, uma relao direta com as inquietudes da poca em que se formula. (GUTIRREZ, 2003, p. 15-16, traduo nossa)3

    Estabelecermos relao entre os questionamentos e as buscas que foram feitas no mbito da teoria mongeana constitui interesse nesta investigao, no sentido de investigarmos o como a teoria mongeana se sustenta na representao da realidade que ela mesma contribui na construo. E mais, entendermos o que essa teoria da representao buscava solucionar em cada poca, desde a sua publicao, considerando que cada poca tem suas inquietudes especficas.

    2 Comenta-se sobre sistemas de representao na parte I, captulo 1 deste trabalho, o qual

    dedicado ao delineamento conceitual de representao na arquitetura. 3 Desde el nacimiento de la ciencia moderna, con Galileo y Kepler, la relacin entre realidad y

    conocimiento, su origen, su mtodo, sus lmites, ha sido siempre compleja. Esta relacin tan variable a lo largo de las diversas pocas ha llevado siempre en su naturaleza una disputa, una discusin irreconciliable en la que el conocimiento parece ganar siempre la batalla, pero donde la realidad permanece siempre unos pasos por delante sin dejarse atrapar. [...] el mundo real, no se adapta enteramente a nuestros modelos, en el que por mucho que estrechemos la trama de la red, la realidad siempre encuentra un hueco por el que escapar.

    Esta relacin entre modelo y realidad no se ha dado exclusivamente em el campo de la ciencia, sino que tambin ha sido un debate de importancia para el arte. Debate que, en ambos casos, est atado a um inevitable vnculo temporal si pensamos que cada poca tiene sus propias preocupaciones, que no existe conocimiento si no se h formulado antes una pregunta, si no existe un interrogante al que dar respuesta. Este interrogante marca y dirige las bsquedas y tiene, ineludiblemente, una relacin directa con las inquietudes de la poca em que se formula.

  • 20

    No mbito da sistematizao mongeana, o papel da razo alimentava discusses e polmicas. Essas inquietaes culturais, constitudas em fundamentos das novas exigncias requeridas para a arquitetura, que necessariamente era tratada como cientfica e tcnica, rebatiam a sua viso academicista de manifestao de arte-plstica. Nesse contexto, no final do sculo XVIII, ocorre o fechamento da Academia de Arquitetura e a criao da Escola Politcnica de Paris cujo programa de ensino foi, conforme Graeff (1995, p. 58), elaborado por diversos homens de cincia sob a liderana do famoso matemtico Gaspard Monge.

    Assim, a Revoluo Francesa interfere na fundao da Escola Politcnica e na dicotomia arquitetura-engenharia, legando ao ttulo de arquiteto a perda de valor de status e distino luz dos critrios oficiais e, de certa maneira, tambm, opinio pblica. Esse fato e suas conseqncias na arquitetura do sculo XIX no se restringem Frana, uma vez que, nesse contexto revolucionrio, a Frana determinava rumos na cultura. O mais provvel que entre os criadores da Politcnica tivesse crdito a idia da engenharia, com base na tecnologia cientfica, ocupar e dominar o campo da arquitetura ou de, depois da revoluo tecnolgica, a arquitetura passar a constituir apenas um ramo especializado da engenharia. Essa idia vigorou entre educadores da engenharia at fins da dcada de 50, pelo menos no Brasil. (GRAEFF,1995)

    Nos interessa, neste trabalho, abordar as relaes existentes entre arquitetura e engenharia, no que diz respeito a teoria mongeana. O como ocorre a transposio de um saber sistematizado com viso tecnicista para a arquitetura. Portanto, tratamos a insero das lies de geometria descritiva ao ensino da arquitetura do final do sculo XVIII e incio do sculo XIX.

    Avanando no problema de como se relaciona a teoria mongena com a arquitetura, alm da sua insero nas instituies de ensino, apresentamos o como esta influencia a construo dos novos espaos da sociedade. Ferro (2005, p. 99) afirma que

    a geometrizao e homogeinizao do espao de representao so fenmenos dependentes do predomnio de valor, do tempo e do trabalho abstratos, [...] so fundamentais para medir-lhe e dar-lhe cho. A regularidade de mtodos e procedimentos, a sistematizao do espao, [...] auxiliam nas condies epistemolgicas e operacionais que o mantm.

  • 21

    Com algumas adaptaes, as tendncias mais eficazes do desenho industrial penetram, durante o sculo XIX, na manufatura da construo. As adaptaes so principalmente redutoras e imobilizantes. Afastados das mquinas mais complexas e da acuidade crescente, o canteiro, constitudo sempre por trabalhadores em colaborao e seus instrumentos elementares, no suportaria tipos mais elaborados de representao.

    Ao tratarmos de representao grfica, habitual que se faa referncia como geometria descritiva aos diferentes sistemas de representao, entre os quais o didrico, o cnico, o axonomtrico e o cotado. Geometria descritiva, originalmente, o sistema didrico, somente. Entretanto, inegvel que em todos esses sistemas de representao, em contraponto representao por desenho livre, encontramos um denominador comum, identificado como um grau de racionalidade, decorrente de um maior ou menor uso da geometria. Sobre esses sistemas de representao auxiliados pela geometria, o debate faz transposies que vo das matemticas que apiam os sistemas atividade criadora que neles se apresenta, nas estratgias de sua utilizao.

    Contribuem com a delimitao original do sistema de representao didrico reconhecido como geometria descritiva, as consideraes de Cabezas (1997,p.167-168):

    Por razes histricas, que tem que remontar a genial colocao de Gaspard Monge, o sistema didrico ou de dupla projeo, que tambm se chamou de sistema de Monge, tem sido considerado de maior utilidade e com uma categoria cientfica superior a outros sistemas; por contraste, as conotaes artsticas de carter subjetivo que haviam marcado historicamente a perspectiva, lhe excluram da posio superior que alcanou o sistema didrico desde os primeiros momentos de sua formulao. O prprio carter de "metassistema" outorgado ao didrico se justificava pela possibilidade de desenvolver, desde ele mesmo, a perspectiva como uma aplicao deste sistema de dupla projeo; deste modo no infreqente ler nos ndices dos tratados de geometria descritiva uma parte que tenha por ttulo aplicao a perspectiva. (traduo nossa)4

    4 Por razones histricas, que hay que remontar a la genial aportacin de Gaspard Monge, el sistema

    didrico o de doble proyeccin, que tambin se ha dado en llamar sistema de Monge, se ha considerado de mayor utilidad y con una categora cientfica superior a la de los otros sistemas; por contraste, las connotaciones artsticas de carcter subjetivo que haban marcado histricamente a la perspectiva, la marginaron del rango superior que alcanz el sistema didrico desde los primeros momentos de su formulacin.

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    Na exigncia de uma atitude crtica com o uso da cincia, delimitamos, como geometria descritiva, a teoria da representao exposta por Monge, ou seja, o sistema didrico e suas aplicaes. Assim, a preciso conceitual delimita o campo de estudo, evitando equvocos ou amplitude de interpretaes que possam distorcer as idias da representao mongeana que interessa a este trabalho.

    Monge publicou as lies de geometria descritiva, aps consider-las como partes resolvidas de uma teoria da representao no final do sculo XVIII. A geometria descritiva em si pode ser considerada como algo estabilizado em seus contedos cientficos, em especial depois da reviso crtica de toda geometria ao longo do sculo XIX. Com a geometria descritiva, tal como pode suceder hoje com qualquer disciplina praticamente concluda, a renovao parece possvel por algumas vias principais de fatores externos a ela, destacados do mundo profissional ou mesmo dos planos de estudo. Hoje, difcil no questionarmos a evidncia de que o substrato terico da geometria descritiva apresente alguma fissura na sua relao, em especial com a representao utilizando sistemas informatizados.

    Quanto a essa questo, que acompanha o desenvolvimento deste estudo na aplicabilidade em que se encontra ainda a geometria descritiva como mtodo de representao do espao, convivendo com novas concepes de representao, Cardone (1999, p.9) comenta:

    Gaspard Monge, talvez o primeiro a ter plena conscincia sobre o que elaborou o plano de formao do engenheiro contemporneo, fundado sobre um harmnico e orgnico estudo dos modelos matemticos e grficos do espao tridimensional. Nesta tica vem luz a geometria descritiva. O prepotente difundir-se da informtica que gerou uma nova linguagem, tanto quanto fundamental para os tcnicos est impondo uma profunda atualizao deste modelo de informao, sobrevivente quase dois sculos, com variaes insignificantes como testemunho da sua eficcia e de seu alcance. (traduo nossa)5

    El propio carcter de metasistema otorgado al didrico se justificaba por la posibilidad de plantearse, desde l mismo, la perspectiva como una aplicacin del sistema de doble proyeccin; de este modo no es infrecuente leer os ndices de los tratados de geometra descriptiva un apartado que lleve por ttulo aplicacin a la perspectiva. 5 Gaspard Monge stato forse il primo ad averne piena consapevolezza, sulla quale elabor il piano

    di formazione dellingegnere contemporneo, fondado su un armonico e orgnico studio dei modelli matematici e di quelli grafici dello spazio tridimensionale. In quest ottica vide la luce anche la geometria descrittiva.

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    Mesmo com todo desenvolvimento que a representao tem alcanado com os meios digitais, inegvel que fundamentos da representao mongeana que possibilitam representar o espao em duas dimenses persistem no sistema informtico atravs da capacidade deste sistema de receber e dar toda a informao que processa analiticamente em sua correspondente forma grfica em duas dimenses. Nesse aspecto o sistema tradicional de representao da geometria descritiva e o sistema informtico so anlogos.

    Borda (2001) afirma que, na representao grfica do objeto arquitetnico, as bases conceituais e tecnolgicas da geometria descritiva e dos sistemas da informtica ora se superpem, ora se distanciam. Na geometria descritiva, com o recurso da geometria das projees, as imagens bidimensionais no s representam o objeto como se comportam como os elementos que o determinam. Nos sistemas de informtica, recorrendo integralmente ao tratamento analtico, as imagens bidimensionais so resultados da maquete virtual construda em trs dimenses. A geometria descritiva difere das tcnicas de computao no controle grfico do objeto. Na primeira o controle verifica-se a partir da imagem ao passo que nas segundas, o controle grfico do objeto feito a partir da informao tridimensional diretamente armazenada em dados analticos.

    O fato que o advento da computao grfica substituiu significativos paradigmas acerca das nossas formas de perceber e representar o mundo. Tratarmos, pedagogicamente, a computao grfica como mais uma tcnica separada e parte das tcnicas de representao tradicionais aumentarmos a indesejada fragmentao do conhecimento. Precisamos integrar transdisciplinarmente e na justa medida todos estes processos, mesmo que isto nos exija significativos esforos no sentido de reavaliar e reaprender tudo o que sabemos sobre os mtodos de representao/expresso da forma e do espao. A computao grfica e em especial as ferramentas CAD (Computer Aided Design) 3D podem se tornar grandes parceiros se encarados como software resolvedores de

    Il prepotente diffondersi dellinformatica che ha generato un nuovo linguaggio, altrettanto fondamentale per i tecnici sta imponiendo un profondo aggiornamento di questo modello di formazione, sopravvissuto quasi due secoli, com varianti tutto sammato insignificanti, a testimonianza della sua efficacacia e della sua lungimiranza.

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    geometria descritiva e de sistemas de projeo mais eficazes e no apenas como meros recursos modernos de desenho eletrnico. (SOARES, 2006)

    Contra a reserva inicial, que a representao digital implicava no desaparecimento do desenho manual e da maquete, foi entendido, depois, que a representao digital estabelece relaes com o analgico. Ela no somente no compromete as prticas vinculadas ao projeto de desenho manual e maquete, como as potencializa ao permitir que aumentem sua capacidade e complexidade representativa. (PORTELLA, 2006)

    Com os sistemas de representao manuais, entre os quais se inseria a representao mongeana, estvamos limitados s capacidades do olho e da mente de distorcerem a realidade atravs da imaginao, o que nos permitiu utilizar nossas capacidades imaginativas. Nos sistemas digitais parece que nossas capacidades imaginativas deixam de ser exercitadas, pela transferncia que fazemos ao utilizar as capacidades da mquina para a representao. Nesse sentido, a prtica da representao mongeana justifica um exerccio adequado formao da compreenso do espao, na qual a representao extenso do que controlado mentalmente, ainda que essa formao seja associada s representaes pelos sistemas digitais.

    Na representao arquitetnica existem precedentes analgicos sobre o que se sustentam as experimentaes digitais. Desde princpios do sculo XX, investigaes em geometria e cincias naturais, assim como na arte, representam objetos formalmente complexos que se antecipavam em vrias dcadas ao desejado por arquitetos que, hoje, experimentam encontrar esses resultados com representaes digitais. (EMMER, 2003 (no publicado) apud PORTELLA, 2006)

    notvel que Gaspard Monge ao publicar Gomtrie descriptive em 1799 tenha apresentado um trabalho coerente com a cincia do seu tempo. Nesta obra estabelecem-se leis de representao do espao considerado infinito por colocar o observador no infinito, bem adequadas ao entendimento dominante pelos intelectuais no sculo XVIII, que se perguntava sobre as cincias do homem, considerando-o uma maravilhosa maquina pensante capaz de conceber leis para o universo infinito. Tratamos de um perodo histrico em que se acreditava numa nova

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    era da humanidade, como reflexo da Revoluo Industrial inglesa, quando tcnicas milenares estavam sendo substitudas por novas mais eficientes e econmicas.

    A condio de que a geometria descritiva representa o espao afasta o observador da possibilidade de perceb-lo como real, concebendo o espao como rigorosamente euclidiano e produzindo imagens ilusrias da realidade. Isso nos possibilita apresentar a geometria descritiva como uma linguagem matemtica de representao do espao. Ribinikov (1991) diz que a cada ano se amplia o campo de aplicao dos mtodos matemticos na cincia e na atividade prtica do homem, e o progresso disso depende da possibilidade de abstrao do objeto de estudo, da eleio do esquema lgico dos conceitos abstratos que mais ou menos refletem exatamente o contedo real dos processos e fenmenos considerados.

    Monge desenvolveu seu trabalho numa abordagem plural na rea da matemtica. Sobre isso, Taton (1951) afirma que a riqueza do pensamento de Monge no se concentrou jamais num nico setor da matemtica, mas abarcou simultaneamente, os diversos aspectos de cada questo que ele estudou. Dessa maneira, necessariamente precisamos compreender no desenvolvimento deste trabalho sobre a geometria descritiva as interfaces que esta cincia mantm na complexidade dos estudos de Gaspard Monge.

    Tratarmos a geometria descritiva como uma cincia autorizada pela sua tradio pode ser questionvel quanto a referncias feitas nos mbitos das realidades culturais, tecnolgicas, sociais, profissionais e de ensino. Nesse sentido, utilizamos a histria da geometria descritiva na reviso crtica que busque a colocao desta cincia na sua verdadeira (re)contextualizao e (re)significao.

    Sabemos que a geometria descritiva produto de uma poca histrica particular que assumiu o papel de uma proposta utpica de transformao da realidade. Na sua sobrevivncia aos tempos que lhe permite chegar ao incio do terceiro sculo de existncia, primeiro foi apresentada como expresso simblica de algumas circunstncias particulares e, mais tarde, consolidou-se num poder acadmico comprometido ideologicamente com um determinado modelo de sociedade. (CABEZAS, 19??)

    Estudarmos a geometria descritiva como sistema de representao do espao arquitetnico necessariamente demanda a contextualizao da sua

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    utilizao como sistema de representao na prtica arquitetnica. Dessa maneira, a amplitude do nosso estudo dever entender a insero da geometria descritiva como sistema de representao aplicado, desde o ensino da arquitetura at sua prtica profissional.

    A geometria descritiva apresenta-se como uma teoria, intimamente, estruturada com a arquitetura. Essa natureza dos vnculos entre esta teoria da representao que busca a exatido6 e a prtica arquitetnica explicitada por Diego (2003, p. 33):

    A idia de conhecimento como representao exata, leva a entender que certas classes de representaes, certas operaes, so bsicas, privilegiadas e tem carter de fundamento, porm, o certo que no podemos analisar elementos como bsicos sem ter um conhecimento anterior de toda estrutura na qual esto esses elementos; por isso impossvel a noo de representao exata; a eleio dos elementos estar baseada na nossa compreenso da prtica, em vez de que a prtica esteja legitimada por uma reconstruo racional a partir dos elementos (traduo nossa).7

    Nas buscas deste trabalho nos deslocamos na amplitude de uma problematizao epistemolgica envolvendo a teoria mongeana. Tais estudos encontram-se a descoberto, como revela Jantzen (2001, p.7), pois muitos dos contedos que esto nos currculos de arquitetura tm mais de duzentos anos, como o caso da Geometria Descritiva, por exemplo, enquanto o Desenho auxiliado por computador mal chega a uma dcada. A convivncia dessas matrias num currculo, embora eu no v tratar desse assunto aqui, tampouco , no presente, objeto de um questionamento epistemolgico [...].

    Desenvolvemos a tese como uma discusso no mbito epistemolgico da teoria da representao do espao, especificamente, no que diz respeito a uma pesquisa histrico-crtica, abordando a geometria descritiva sistematizada por

    6 Monge apresenta, no programa de sua obra (1799, p.2), a geometria descritiva como uma cincia

    para representar com exatido os objetos. 7 La idea del conocimiento como representacin exacta, lleva a entender que ciertas clases de

    representaciones, ciertas operaciones, son bsicas, privilegiadas y tienen carcter de fundamento, pero lo cierto es que no podemos analizar elementos como bsicos sin tener un conocimiento anterior de toda la estructura en la que estn esos elementos; por eso es imposible la nocin de representacin exacta; la eleccin de los elementos estar basada en nuestra comprensin de la prctica, en vez de que la prctica est legitimada por una reconstruccin racional a partir de los elementos.

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    Monge no final do sculo XVIII. Este trabalho nos conduz necessariamente ao entendimento de outros sistemas de representao que mantenham vnculos com o sistema de representao de Monge como referenciais concordando com Diego (2003, p. 32): Construir uma epistemologia encontrar a mxima quantidade de terreno comum com os outros: a suposio de que se pode construir essa epistemologia a suposio de que existe este terreno, e insinuar que no existe, parece que colocar em perigo a racionalidade. (traduo nossa) 8

    Seria oportuno nos perguntar se o desenho prospectivo e o desenho com projees mongeanas tm duas gramticas diferentes, ou se no ser o caso de considerarmos o desenho no seu conjunto como um cdigo com procedimentos de codificao particulares que mereceriam ser analisados profundamente. Neste segundo caso seria regulado por normas bastante vinculadas e, o que mais importante, nunca estveis mas que se vo formalizando em tempos sucessivos. (MASSIRONI , 1982)

    Sabemos que, com a geometria descritiva, cincias e artes delimitaram-se em campos diferenciados do conhecimento, uma vez que sua concepo como cincia objetivava o raciocnio rigoroso. Entretanto, para que seja possvel compreendermos a dimenso da teoria, faz-se necessrio que se conhea o contexto em que foi concebida. Nesse sentido, sua aplicao como representao, que vem sendo utilizada desde a sua publicao por Monge, exige tambm uma compreenso global dos sistemas de representao com os quais esta teoria ainda convive para que seja entendido seu papel ao longo de sua durao.

    Sobre revises crticas acerca da geometria descritiva, Cabezas (19??) esclarece que as relaes entre desenho tcnico e transformaes culturais das vanguardas do sculo passado no influenciaram os tratados tradicionais de geometria descritiva e que, nos ltimos tempos, a necessidade de reviso da geometria descritiva pelos especialistas tem chegado a inovaes limitadas a um carter exclusivamente tcnico.

    8 Construir uma epistemologia es encontrar la mxima cantidad de terreno comn com otros: la

    suposicin de que se puede construir esa epistemologia es la suposicin de que existe ese terreno, e insinuar que no existe, parece que es poner en peligro la racionalidad.

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    Entretanto, a problemtica no apontada acima por Cabezas localiza-se justamente no contedo dos prprios tratados tradicionais de geometria descritiva. Nessa abordagem, o problema se desdobra do ponto de vista da fidedignidade com a teoria original de Monge e da sua insero no contexto de representao em arquitetura.

    Em grande parte de trabalhos publicados sobre a representao mongeana encontra-se uma manualstica e tratados interessados em expor a teoria desta representao. Contudo, h carncia de estudos que perguntem e respondam questo de como se contextualiza esse saber com outros da representao arquitetnica e em que bases se justificam sua sobrevida. Nesta abordagem, inevitavelmente, devemos entender limites dos sucessivos sistemas de representao arquitetnica que cooexistiram em paralelo representao mongeana. Ainda conceitos de espao associados varivel tempo nos paradigmas da representao contempornea devem comparecer no estudo.

    Ao tratarmos de uma manualstica e de tratados que apresentam a geometria descritiva posteriormente exposio de Monge, o problema amplia-se em torno da sistematizao da representao arquitetnica a partir da teoria mongeana. Isto porque no se apresentam numerosos estudos que verifiquem a fidedignidade entre essas publicaes e os objetivos de Monge na sua exposio original. Entretanto, os estudos de Gani (2004, p.11) examinam obras nesse sentido e revela divergncias, concluindo: pelo exposto, observamos que as publicaes didticas destinadas ao ensino da Geometria descritiva nas Artes e Engenharias9 procuraram minimizar o contedo terico e se depararam com a dificuldade de representar aquilo que se desconhece. Para compensar tanta abstrao, faziam consideraes de Geometria geral .

    No contraste existente entre a geometria descritiva proposta por Monge e por outros autores subseqentes, a origem do problema encontra-se no no simples conhecer o mtodo de representao de Monge, mas sim na sua utilizao.

    9 A partir da Gomtrie descriptive, publicada em 1799, a manualstica e tratados posteriores sobre a

    teoria mongeana, de modo geral, so produzidos sem fazer meno especfica ao seu uso para o ensino da arquitetura.

  • 29

    Conhecer o mtodo no significa utiliz-lo sem interferncias conceituais. Envolvendo essa questo encontramos a dicotomia teoria-prtica ou, em outras palavras, se a representao mongeana a partir de sua publicao por Monge foi utilizada com nfase terica ou prtica.

    No entanto, constatamos que a Geometria descritiva seguiu, a partir da sua concepo, duas vertentes distintas de desenvolvimento, como cincia pura e como cincia aplicada. A primeira foi praticada por matemticos e gerou grandes aquisies, entre as quais a Geometria projetiva. [...] A segunda, direcionada para a aplicao nas Artes e Engenharias, tendeu para a sistematizao do mtodo, separando-o da teoria matemtica.

    [...] a evoluo do texto da disciplina, desencadeada por esta ltima vertente, contribuiu para tornar pouco til o seu ensinamento. Embora parea contraditrio, a nfase dada utilizao do mtodo, com objetivos estritamente prticos, culminou em uma total abstrao da cincia. (GANI, 2004, p.9)

    Avanando na problemtica decorrente das publicaes de geometria descritiva posteriores publicao mongeana, Gani (2004, p.12 ) diz que:

    [...] esta cincia que tem como objetivos imediato resolver sinteticamente os problemas da Geometria do espao, representar essa soluo em uma superfcie de duas dimenses e deduzir, a partir da, a forma e posio de tudo que puder ser inferido das posies relativas dos elementosperdeu a sua motivao primordial.

    [...] no difcil concluir que, ao invs de servir para resolver os problemas do espao tridimensional, a Geometria descritiva passou a ser, ela prpria, um grande problema. E por mais incrvel que possa parecer, um problema essencialmente plano.

    Diante do que foi exposto, no se mostra prematuro sugerirmos um estudo da geometria descritiva na formao da representao arquitetnica baseado na exposio original de Monge que, como referimos, tem como objetivo resolver os problemas da geometria do espao. Abrimos ento lacuna para estabelecer entendimentos sobre vnculos existentes entre as formas analtica e a sinttica de tratar o espao tridimensional especficas dessa cincia matemtica. Sendo assim, envolvemos o nosso estudo no problema de delinear contornos de uma matriz disciplinar para o projeto arquitetnico, o que, segundo Oliveira (1992), implica esclarecer sobre a natureza dos operadores que definem relaes analgicas entre objetos e suas condies de transposio a novos objetos que antes no existiam, atravs de um processo de abstrao na ao projetual.

    O problema est em colocarmos em discusso as lies da geometria descritiva na exposio feita pelo prprio Monge, que busca dar mtodos de

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    representar o espao de trs dimenses em duas dimenses e, a partir disso, reconhec-lo descrevendo com exatido suas formas e deduzindo todas as verdades resultantes de suas formas e posies respectivas. Tambm, pretendemos nessa discusso estabelecer implicaes dessa teoria na representao arquitetnica desde a sua publicao at a atualidade. Tratamos de acompanhar com cunho epistemolgico cada uma de suas lies expressas na Gomtrie descriptive de 1799.

    2 JUSTIFICATIVA

    Desde o final do sculo XVIII, com a geometria descritiva de Gaspard Monge, viabilizou-se a descrio e anlise da realidade objetiva atravs da abstrao o que diferente de fornecer uma imagem semelhante da realidade concreta. Historicamente, esta teoria aparece atrelada ao pensamento mecanicista, que procurava conjugar a observao sistemtica da realidade com hipteses geomtrico-matemticas.

    Num trabalho de arqueologia cultural que trate das fases de representao cientfica do espao, torna-se possvel entender que a geometria descritiva aparece depois de um longo percurso em que a representao apoiava-se no reconhecimento dos objetos existentes, quando a geometria intervinha de maneira marginal nas elaboraes grficas. Na teoria da representao de Monge o objeto real a ser representado dispensvel no momento de sua representao baseada no pensamento geomtrico. Segundo Massironi (1982), o pensamento geomtrico formula os seus problemas alcanando a soluo com jogos de imaginao.

    A geometria descritiva apresenta-se como uma teoria adequada e utilizada para a representao nos projetos de arquitetura, no necessitando do contato direto com o objeto para sua representao e, conforme Monge (1799), visando ao conhecimento dos objetos que exigem exatido.

    Sobre o desenho como suporte na reflexo projetual, na explicao de Massironi (1982, p. 10):

    A nova tcnica de transferir para o papel mediante o desenho, as lbeis evolues de uma reflexo puramente mental, constitui um salto [...].

  • 31

    Tinham-se projetado para o exterior, com utenslios vrios, diversas prteses do corpo humano, mas no tnhamos prteses cerebrais capazes de realizarem a nossa capacidade de projetar. As coordenadas cartesianas e a geometria analtica, primeiro, as projees ortogonais com a abstrao do ponto no infinito, depois, tornaram-se a lgica conseqncia deste conhecimento baseado num suporte que mais geomtrico figurativo do que matemtico ou verbal.

    Nesse sentido, confirmamos a relevncia da geometria descritiva como teoria da representao em arquitetura, sem exclu-la do mbito matemtico de representao do espao, como preconizava Monge buscando a exatido dos objetos. Vasconcelos (1997) diz que o mtodo bi-projetivo mongeano o sistema de representao mais utilizado para embasar desenhos de arquitetura e de outras reas como a engenharia, artes plsticas, desenho industrial e desenho mecnico, entre outros.

    No conceito de projeto de Oliveira (1991, p.4), justifica-se o possvel enlace entre geometria descritiva e projeto: [...] o ato de projetar estabelece uma ligao dinmica entre esquemas operativos de abstrao e concretizao de imagens, amplamente interdependentes como partes do mesmo evento.

    A abstrao e a concretizao de imagens possibilitadas pela geometria descritiva constituem-se em operadores da atividade projetual centrada na imitao e na inveno no campo conceitual do pensamento arquitetnico. O projeto - entendido como uma atividade que se apia na imitao uma idia ampla que vem sendo exposta a partir da noo de mmesis, introduzida por Aristteles. Ganha corpo na formao do pensamento arquitetnico com o primeiro grande tratado de arquitetura De reaedificatoria , publicado por Alberti, no sculo XV10. Este , na sua teoria clssica da imitao, retomado por Quatremre de Quincy, no sculo XIX. A concepo natural que via na mmeses a emulao da natureza ultrapassada por Quincy, que a define como um processo de abstrao, remetendo o problema para um quadro epistemolgico que se mantm ainda hoje em plena validade (OLIVEIRA, 2001).

    10 O tratado de arquitetura, do gnero criado por Alberti, ser definido [...] [4] Tem por objeto um

    mtodo de concepo, a elaborao de princpios universais e de regras generativas que permitam a criao, no a transmisso de preceitos ou receitas. (CHOAY, 1980, p.16)

  • 32

    Uma vez estabelecida a aplicao da geometria descritiva na atividade projetual, salientamos a importncia do estudo da geometria descritiva como transmisso de saber, um saber que se aplica. No ensino de arquitetura institucionalizado, seu estudo aparece de forma geral como disciplina dos primeiros semestres, servindo de alicerce para o resto da formao. Cabe perguntar, diante da sobrevivncia da geometria descritiva por mais de duzentos anos como suporte de representao para a arquitetura: Quantos mtodos mais podem ter existido, ou existem ou podero existir? Este estudo no tem a pretenso de responder a essa pergunta, porm, com base do que foi exposto sobre a geometria descritiva em interface com o projeto arquitetnico, num campo de aplicao de um saber que permeia a prtica arquitetnica desde o incio da formao acadmica, delineamos o interesse em abordar nesta investigao uma reflexo epistemolgica sobre a geometria descritiva.

    Seremos epistemolgicos onde compreendemos o que est ocorrendo, porm queremos codificar-lo para ampliar-lo, ou buscar-lhe uma base [...]. Em nosso caso se pode ser epistemolgico para falar de Geometria Descritiva [...] DIEGO (2003, p.31, traduo nossa)11 Neste sentido, o estudo nos foi motivado pela superviso cultural que deve revisar a insero da geometria descritiva na representao em arquitetura.

    As discusses advindas desta reflexo devem afastar as possibilidades desta teoria continuar a ser utilizada como um instrumento dcil12, do qual todos podem se servir, sem um maior amadurecimento das implicaes representativas que a diferenciam de outros mtodos de representao. Desmontarmos o mecanismo do mtodo de representao mongeano mostra-se pertinente na compreenso dos sistemas de representao em arquitetura.

    11 Seremos epistemolgicos donde comprenamos lo que est ocurriendo, pero queramos codificarlo

    para ampliarlo, o buscarle una base [...]. En nuestro caso se puede ser epistemolgico para hablar de Geometra Descriptiva [...]. 12

    No sentido que Gani (2004,p.7) problematiza a desvalorizao sofrida pela geometria descritiva no ensino, dizendo que partimos da suposio de que o conceito peculiar Geometria descritiva perdeu-se entre as diferentes aplicaes do mtodo, separando, literalmente, os fundamentos dos seus respectivos produtos.

  • 33

    Escolher um sistema de representao para a arquitetura envolve critrios diversos balizados no tipo de problema representativo que se quer solucionar. Por essa razo, "alm da coerncia e plena madurez da geometria descritiva, havero de voltar a considerar-se outros argumentos de funcionalidade prtica e esttica dos sistemas, assim como o equilbrio entre a preciso grfica e a preciso matemtica, chaves sobre as que voltaremos e que manifestam as diferenas substantivas entre cada um dos sistemas" (CABEZAS, 1997,p. 160). (traduo nossa)13

    Corona Martinez (2000) destaca a relevncia da relao entre representao e arquitetura, o que justifica os objetivos deste trabalho. Afirma que arquitetura e representao esto muito mais ligadas do que arquitetura e construo e ainda mais ligadas que arquitetura e uso da arquitetura. Assim, o projeto mantm vnculos com uma tradio geomtrica muito mais antiga que a preciso da geometria descritiva. Entretanto, Martnez ainda adverte que a representao tem variadas virtudes, mas entre elas no est a neutralidade, a inocncia.

    Cada arquitetura traz as marcas dos meios pelo que foi projetada, isto , do sistema de representao utilizado. Como exemplo, a perspectiva do Renascimento possibilitou controlar com exatido aspectos internos dos espaos, implicando na soluo de interiores como perspectivas com ponto de vista central. Mais tarde, com a geometria descritiva, a grelha mongeana de origem cartesiana implica na substituio das propores utilizadas no Renascimento pela repetio da unidade mtrica introduzida arquitetura. Esses entre tantos outros exemplos. Cada concepo arquitetnica possvel, [...] ser prisioneira da linguagem dos meios que a formulamos; essa priso no o prprio meio a arquitetura, o espao -, mas sua representao sintetiza Martnez (2000).

    A representao grfica como instrumento de definio e comunicao do pensamento, meio de anlise da realidade visvel e invisvel, linguagem privilegiada para a expresso tcnica, vive um novo e fecundo momento. Nesse mbito, a teoria

    13 "Ms all de la coherencia y plena madurez cientfica de la geometra descriptiva, han de volver a

    considerarse otros argumentos de funcionalidad prctica y esttica de los sistemas, as como el equilibrio entre la precisin grfica y la precisin matemtica, claves sobre las que volveremos y que manifiestam las diferencias substantivas entre cada uno de los sistemas."

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    de representao mongeana, fundada sobre um harmnico e orgnico estudo do modelo matemtico e grfico do espao tridimensional, est passando por uma profunda atualizao com a difuso da informtica. Desse modo, [...] a geometria descritiva est finalmente reconduzida a sua correta dimenso de disciplina fundamental para a definio do modelo geomtrico do espao, que a base de qualquer modelo grfico descritivo (CARDONE, 1999, p. 9, traduo nossa)14

    Antes ainda, Massironi (1982), afirmava que o desenvolvimento da informtica representa outra razo para a importncia em compreender e clarificar a funo do desenho, se considerarmos que grande parte das informaes vem a ser elaborada e transmitida de forma grfica no contexto da arquitetura.

    A relao entre geometria descritiva e representao arquitetnica constitui-se num tema relevante na atualidade se considerarmos que seu uso se d h mais de duzentos anos sem maiores crticas. No momento em que a representao incrementada pelo uso da gerao de imagens no computador, de extrema pertinncia discutirmos a sobrevida dessa representao. Sobre isso Medeiros (2002, p.170) comenta que o ensino clssico do desenho j no goza mais do prestgio de antes, porm, o desenvolvimento do pensamento visual indispensvel para as interaes cada vez mais presentes com imagens computadorizadas e animaes.

    As tcnicas grficas computacionais so consideradas como chave para tecnologia e novas tendncias liberadas pela cultura informtica. Trata-se de um momento de se presenciar um caminho novo e radical para o pensamento, a ao e o trabalho. Essas tcnicas requerem constantemente um grau de abstrao e aplicao de um aprendizado elementar de geometria e desenho como requisito de primeira ordem. Se antes da era da informtica passava inclume pela escola aquele que no sabia desenhar ou que no dominava um conhecimento regular sobre formas e geometria, nessa atual era estes saberes so exigncias determinantes para que o usurio passe a pertencer grande rede. (KOPKE, 2006)

    14 (...) la geometria descrittiva stata finalmente ricondotta alla sua corretta dimensione di disciplina

    fondamentale per la definizione dei modelli geometrici dello spazio, che sono alla base di qualsiasi modello grafico descrittivo.

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    A concepo de representao do espao de Gaspard Monge conseguiu resistir no contexto do saber arquitetnico, mesmo nos perodos em que foram aparecendo outros tipos de representao espacial na arquitetura. Um exemplo dessa situao reconhecido por Monedero (1996, p. 109, traduo nossa) que explica:

    Um desenho cubista uma tcnica de representao na qual intervm a memria e o movimento. Fechar um olho e desenhar a imagem que v o olho aberto imvel, como se fosse uma imagem plana outra tcnica de representao. Ambas podem colocar-se, at certo ponto, em relao com sistemas, os sistemas de projeo ortogonal e cnico, respectivamente, que abarca a geometria descritiva. 15

    Nessa permanncia da geometria descritiva como sistema de representao na arquitetura, interessa verificarmos onde ocorreram fissuras e quais so suas implicaes em relao exposio desta teoria por Monge. Isso se justifica, uma vez que buscamos nesta pesquisa compreender a teoria mongeana na sistematizao da representao na arquitetura e possveis desvios encontrados na teoria original de Monge, conforme foi apontado na problemtica deste estudo, que podem ter contribudo com distores na sua aplicabilidade no campo do saber arquitetnico.

    Estudos a respeito da teoria mongeana de representao do espao, de forma geral, limitam-se sua aplicao, sem anlise crtica. Assim, justificamos este trabalho por buscar suprir uma lacuna no estudo desta teoria que, como foi exposto, fundamental para a descrio do modelo geomtrico do espao servindo de matriz operativa na atividade projetual e que est passando por atualizaes com utilizao das ferramentas da informtica.

    3 HIPTESE

    Os arquitetos esquecem que a geometria descritiva tem bases matemticas e a interpretam somente como desenho. Apesar de todas as crticas, a geometria

    15 Um dibujo cubista s uma tcnica de representacin em la que intervienen la memoria y el

    movimiento. Cerrar um ojo y dibujar la imagen que el abierto ojo inmvil, como si fuera uma imagen plana es otra tcnica de representacin. Ambas podem poner-se, hasta cierto punto, em relacin com sistemas, los sistemas de proyeccin ortogonal y cnico, respectivamente, que abarca la geometra descriptiva.

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    descritiva consegue abarcar vrias representaes espaciais e se manter como mtodo de representao potente na arquitetura at os dias atuais. Temos por hiptese que este fato verifica-se por ela apresentar suas bases de representao na rea da matemtica.

    4 OBJETIVOS

    4.1 Objetivo Geral

    Desconstruir a teoria da representao e compreenso do espao proposta pela geometria descritiva de Gaspard Monge no sculo XVIII, verificando suas implicaes at a atualidade, especificamente, no campo da arquitetura.

    4.2 Objetivos Especficos

    Busco as devidas contribuies para alcanar o objetivo geral desta proposta de estudo atravs dos objetivos especficos, que so:

    1 Decompor e analisar a teoria de Gaspard Monge, buscando os fundamentos nos seus conceitos bsicos no que interessa a arquitetura.

    2 Compreender o processo de construo e reelaborao de conhecimentos a partir da geometria descritiva apresentada em tratados, estudos e publicaes dedicados arquitetura.

    3 Investigar as diferentes possibilidades de estabelecer vnculos entre a geometria descritiva com a matemtica, com a filosofia e com outras reas no que interessa a arquitetura.

    4 Entender o papel da geometria descritiva na arquitetura diante de regras de construo e leitura da representao do espao decorrentes de diferentes momentos culturais.

    5 Estabelecer relaes entre a geometria descritiva e outros sistemas de representao, como, a axonometria, as projees cotadas e a perspectiva na arquitetura.

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    6 Compreender relaes entre geometria descritiva e tecnologias de produo de imagens grficas e visuais na arquitetura.

    5 METODOLOGIA

    O processo de investigao cientfica implica dedicao sistemtica e reflexo crtica, com vistas a descobrir os aspectos ocultos da realidade. Isso permite ao pesquisador no perder de vista a historicidade do objeto e sua conseqente (re)contextualizao que, certamente, possibilita sua (re)significao.

    Neste estudo, buscamos a possibilidade de reflexo acerca da teoria da representao e compreenso do espao proposta por Gaspard Monge no sculo XVIII, em sua geometria descritiva, bem como a verificao das implicaes desta teoria na formao do arquiteto at a atualidade, atravs do estudo minucioso de sua obra Gomtrie descriptive.

    Essa investigao parte da certeza de que o conhecimento se forma de uma maneira complexa e a teoria de representao mongeana conseqncia de uma trama em que se inter-relacionam muitos fatores. Embora parea a princpio que a sistematizao de uma teoria da representao determina de maneira direta como ser representada a realidade, sabemos muito bem que a realidade por sua vez modifica o sistema de representao pelo qual esta vai ser representada. certo, por um lado, que um sistema de representao est condicionado pelas crenas e valores da poca em que foi criado, no algo puramente utilitrio. uma concepo de mundo, considerando-se que, na concepo de um sistema cientfico aparentemente objetivo so inmeras e determinantes as questes transcientficas que lhe do origem e que so de vrios mbitos: poltico, religioso, econmico ou mesmo social. Por outro lado, o autor do sistema tambm impe suas condies: quer concretizar sua experincia e generalizar sua razo.

    Assim, sem negar a profundidade que pode abarcar um conhecimento, podemos afirmar que o sistema de representao mongeano d conta da realidade que representa parcial e ocultamente. Representa a realidade fragmentada com caractersticas que foram eleitas na prpria configurao do sistema. Oculta a

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    realidade que no foi depurada pelo estabelecimento do prprio sistema, isto , define os limites desse sistema de representao.

    Ainda tendo em conta que certas especificidades do sistema de representao mongeano so devidas ao interesse que sobre Monge exerceram determinados conhecimentos, mais por adequao s inquietudes da sua poca do que por apresentar a realidade, reconhecemos que a geometria descritiva condicionou de maneira irreversvel o desenvolvimento da tcnica e a criao da linguagem.

    Ao longo desta investigao, a considerao de todas estas questes resulta complexo acompanharmos a linearidade do discurso de Monge. Entretanto, realizamos a desconstruo da Gomtrie descriptive acompanhando a exposio da obra desde o contedo da capa at a sua ltima pgina. Consideramos na desestruturao da obra seus textos, desenhos e apresentao, dos quais devem ser destacadas partes a serem estudadas.

    A compreenso da obra necessita ser fiel quilo que o texto expressa, entretanto a sua interpretao, entre os limites de no ser determinada e de no ser livre, apresenta-se guiada pelo prprio texto. Neste estudo as buscas visam desconstruo do texto, o que implica, necessariamente, sabermos como se encontra construdo. Cada interveno da desconstruo tem um carter irredutivelmente singular, vinculada como ela mesma conjuntura do texto. A desconstruo no um mtodo em si nem o tem, mas, antes, um acontecimento histrico, defende Derrida (2001). A leitura por si s j implica uma desconstruo desvelando camadas do texto, o que significa, na verdade, compreender determinadas estruturas e reconstru-las sob uma nova interpretao, nesse sentido o pensamento do pensamento da obra. Desconstruirmos o texto de Monge trata de fazermos uma interpretao que abre espao para algo novo, uma compreenso distante dos conceitos cartesianos com os quais foi produzido, constituindo-se numa verdadeira imerso na obra.

    Gruszynski (2000, p. 78) explica que a desconstruo no pretende ser um mtodo de aplicao sistemtica, nem uma forma de anlise crtica a decompor o todo, nem um anti-sistema de destruio. A desconstruo antes de tudo um acontecimento. A cada ocorrncia, mantm-se singular. Ao desfazer e reconstruir um objeto (tradio cultural, filosfica, literria, cientfica...),

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    adota um caminho especfico tomando elementos marginais, traos esquecidos, dados estranhos ou marcas heterogneas que permitam desconstruir as constries cristalizadas de pensamento e poder.

    Neste trabalho a deconstruo do texto de Monge remete s dobras de Deleuze. As teorias das dobras de Deleuze e da desconstruo de Derrida aproximam-se e estabelecem vnculos mtuos. Deleuze (1991) explica que as dobras so como um labirinto que se dobra de muitas vezes e de maneiras diferentes como uma folha de papel, sem que o corpo se dissolva em pontos. Na filosofia de Deleuze o objetivo principal a redescoberta do sensvel e temporal como uma crtica ao mecanicismo cartesiano.

    Se poderia dizer que uma [...] crtica ou uma desconstruo da representao resultaria, dbil, v e sem pertinncia se levasse a algum tipo de reabilitao da imediatez, da simplicidade originria, da presena sem repetio nem delegao, sem induzir-se a uma crtica da objetividade calculvel, da cincia, da tcnica ou da representao poltica. (Derrida, 1999, p.95, traduo nossa)16 Portanto, argumentarmos sobre uma teoria da representao expressa num texto, torn-la transparente, caracteriza uma tese.

    Desenvolvermos uma trama de possibilidades de aproximao da teoria de representao exposta por Monge com a arquitetura, tecendo um pano antes ainda no exposto em cena, igualmente, sustenta uma tese. Nesta tese sinalizamos uma trajetria sobre a teoria da representao mongeana, visualizando seus limites, ao mesmo tempo em que estabelecemos as bordas de outras representaes. Nesse sentido, marcamos um percurso e indicamos o ponto inicial de prximos, representando um convite a novas investigaes.

    16 Se podra decir [...] que una crtica o una deconstruccin de la representacin resultara dbil, vana

    y sin pertinencia si levasse a algn tipo de rehabilitacin de la imediatez, de la simplicidad originaria, de la presencia sin repeticin ni delegacin, si indujese a una crtica de la objetividad calculable, de la ciencia, de la tcnica o de la representacin poltica.

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    6 ESTRUTURA DA TESE

    Na introduo da tese apresentamos a temtica do estudo seguida da problematizao, da justificativa e da relevncia, que envolvem o estudo. Cumprimos tambm os requisitos de uma tese ao lanarmos as hipteses e enumerarmos os objetivos a serem alcanados. Na justificativa evidenciamos a originalidade do trabalho desconstrutivo a partir de uma teoria da representao que utilizada h mais de duzentos anos sem questionamentos epistemolgicos prximos ao expostos neste trabalho. Ainda, a metodologia utilizada no desenvolvimento do trabalho e a estrutura geral do texto que compe a tese fazem parte da introduo.

    A reviso bibliogrfica apresentamos de maneira diluda nos captulos da tese, buscando contextualizar a reviso terica ou estado atual da arte, como preferem alguns autores, de acordo com a pertinncia e requisio dos temas abordados nos captulos.

    Apresentamos a tese em duas partes:

    Parte I DESVELANDO A REPRESENTAO ARQUITETNICA Parte II DESCONSTRUINDO A REPRESENTAO MONGEANA Na primeira parte, em sntese, descortinamos a viso para os pontos

    centrais enunciados no ttulo desta tese: representao arquitetnica e teoria mongeana. Compem esta primeira parte dois captulos principais. No primeiro captulo, Contornando conceitos e histria da representao na arquitetura, tratamos das questes conceitual e histrica da representao na arquitetura nos limites que interessam como fundamentao para esta tese. No segundo captulo, Pontuando a representao mongeana, apresentamos a obra Gomtrie descriptive de Gaspard Monge, de 1799, quanto a seus antecedentes histricos e sua repercusso atravs de tradues em diferentes pases. Com o segundo captulo buscamos inserir a teoria mongeana no contexto da representao em arquitetura.

    Dedicamos a segunda parte, deconstruo da obra Gomtrie descriptive. Nessa parte revelamos os pensamentos de seu autor e sobre esses, reconstruimos

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    outros para, a partir de enlaados, alcanarmos os objetivos desta tese. Organizamos a segunda parte em dois captulos. No captulo um, com o ttulo Descobrindo a teoria mongeana, discutimos a parte inicial da obra de Monge, o contedo da capa e o que se encontra exposto na advertncia e no programa desta obra. Neste captulo damos enfoque exposio da teoria mongeana, estabelecendo relaes com o corpo social e com o corpo poltico. No captulo dois, Replicado a teoria mongeana, entramos em discusso sobre os cinco captulos principais da obra de Monge, os quais compem o corpo terico da geometria descritiva, segundo este autor. Nesse debate, apresentamos pontos, retas e planos, em dupla projeo, num didrico cenrio, esclarecendo-se sobre a representao, com exatido, na construo do espao arquitetnico, e sobre a deduo das verdades das formas e suas posies respectivas.

    Com as concluses sintetizamos aspectos abordados sobre a teoria da representao de Monge e validamos ou no as hipteses levantadas, destacando questes relevantes desenvolvidas no decorrer dos captulos da tese.

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    DESVELANDO A REPRESENTAO ARQUITETNICA

    A premissa transcendental de qualquer cincia da cultura reside, no no fato de considerarmos valiosa uma cultura determinada ou qualquer, mas sim, nas circunstncias de sermos homens de cultura dotados da capacidade e da vontade de assumirmos uma posio consciente face ao mundo, e de lhe conferirmos um sentido.

    (WEBER, 1986, p.97)

    Representao no contexto da arquitetura j se tornou uma expresso inflacionada, quer seja pela sua desvalorizao por excesso de uso, quer seja por ser operada de modo instrumental sem entrar no mrito de sua estrutura constitutiva intervindo no saber arquitetnico.

    Consideramos a representao na arquitetura mantendo imbricados vnculos com o propor idias em arquitetura. Desta observao entendemos que no deve ser considerada como uma expresso inflacionada e sim, devemos desvelar a viso sobre a representao arquitetnica ocupando-nos em analisar e examinar exaustivamente a questo da representao na arquitetura atravs de um olhar crtico que a coloque na sua devida importncia no saber arquitetnico.

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    Primeiro abordamos o prprio termo representao, delineando contornos ntidos, o que nos leva a estabelecer limites na abrangncia que este estudo vir abarcar. Em um segundo momento, investigamos sobre a representao na arquitetura vasculhando as alteraes que sofreu em diferentes contextos histricos, para que com o pluralismo de possibilidades com que se apresenta na arquitetura seja possvel pontuar a representao mongeana, identificando sua estrutura particular e suas relaes com outros sistemas de representao. Tratamos de, no conjunto das representaes, estabelecer diferenas e aproximaes que estas mantm entre si, identificando a representao mongeana neste contexto. Isso interessa a este trabalho para que na sua segunda parte seja feita com fundamentao a descontruo das lies de representao de Monge.

    Relativamente ao que apresentamos nesta parte, trs anexos no final deste trabalho contribuem como uma espcie de ndice. Um expe em ordem cronolgica e resumida antecedentes histricos representao mongeana acompanhada de referncia a seus principais nomes. Outro apresenta capas de obras consultadas para esta pesquisa sobre as quais comentamos no desenvolvimento desta investigao. O terceiro tambm em ordem cronolgica descreve a trajetria das publicaes sobre representao mongeana, no que diz respeito a primeiras tradues e primeiras obras a partir da publicao de Gomtrie Descriptive de 1799 e escritos anteriores que compe a obra.

    Ao intitularmos esta parte o termo desvelar nos pareceu oportuno, pela traduo literal do termo, mas antes, pela conotao que mantm com o velo da perspectiva. (Des)velar nos remete a entender representao vinculada ao projeto desde as suas origens na perspectiva at incluir na seqncia a representao mongeana como sistema de representao na arquitetura.

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    CONTORNANDO CONCEITOS E HISTRIA DA REPRESENTAO EM

    ARQUITETURA

    O que arquitetura? Defini-la-ei, do mesmo modo que fez Vitrvio como a arte de edificar? No. H nessa definio um grosseiro erro. Vitrvio toma o efeito pela causa. preciso conceber para efetuar. Nossos primeiros pais s construram suas cabanas aps ter concebido sua imagem. Essa produo do esprito, essa criao, o que constitui a arquitetura, a qual, em conseqncia, podemos definir como a arte de produzir e levar a perfeio qualquer edifcio.

    Boulle

    Tratarmos sobre o conceito de representao arquitetnica, para circunscrev-lo com contorno ntido no sentido que ser usado nesta pesquisa, requer que sejam abordadas delimitaes e crticas sobre suas interpretaes. Nesse sentido cabe fazer um inventrio sobre o conceito de representao e neste fazer os recortes etimolgicos e epistemolgicos. Ao inventariar a diversidade de interpretaes para o conceito de representao, centramos as buscas em dicionrios, arquitetos e filsofos que escrevem sobre representao. Entre esses autores destacam-se Cabezas, Cattani, Daz, Ferro, Foucault, Fuo, Oliveira, Jantzen, Senz e Monedero.

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    Ainda sobre o conceito de representao tratamos de aprofundar o seu entendimento escre