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UNIVERSIDADE DO EXTREMO SUL CATARINENSE UNESC PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM EDUCAO PPGE MESTRADO EM EDUCAO

MARIA SALETE SALVARO

PROCESSO DE TRABALHO DOCENTE: RELAO ENTRE O SER E O ADOECER

CRICIMA, 2009

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MARIA SALETE SALVARO

PROCESSO DE TRABALHO DOCENTE: RELAO ENTRE O SER E O ADOECERDissertao apresentada ao Programa de Psgraduao em Educao da Universidade do Extremo sul Catarinense UNESC, como pr-requisito para a obteno do ttulo de Mestre em Educao. Orientadora: Prof Dra. Janine Moreira

CRICIMA, 2009

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Dedico a todas as mulheres que, assim como eu, sabem das dificuldades e alegrias encontradas na busca do conhecimento: trabalhar durante o dia e ter um lar para voltar ao chegar da noite.

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AGRADECIMENTOS

Agradeo primeiramente a Deus, pela sua Luz, seu amor e por ter me dado Sabedoria para entender o mundo, a cincia e a mim mesma. Agradeo a minha famlia, dentre os quais destaco meu companheiro, que muito me incentivou a desenvolver esta pesquisa. Grandes foram os momentos ausentes da famlia, dos filhos, momentos de pouco ou nenhum lazer, sem a presena da me. Dividir espao entre a academia e a vida familiar, especialmente quando na presena de crianas muito pequenas, tornou-se o primeiro e grande desafio para mim. Inmeras foram as horas noturnas de trabalho dispensado no desenvolvimento desta dissertao, pois o peso da famlia muitas vezes necessitava estar presente, deixando para as horas noturnas as horas de estudo e aprofundamento. Quero agradecer tambm s pessoas que me ajudaram a desenvolver o aprendizado neste mestrado, especialmente as professoras Janine e Giani, pela pacincia e carinho. Com vocs aprendi que o conhecimento lento, gradativo, mas contnuo. s minhas colegas de trabalho do curso de Enfermagem Luciane Ceretta, e Mgada Tessmann, que me socorreram nos momentos de indeciso e de tristeza. Vocs sabem. Fao minhas as palavras de um grande profeta: Admoestai-vos e suportaivos mutuamente, porque o verdadeiro amor vem de Deus.

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O homem s adoece na totalidade. Mesmo se a doena for localizada, o ser humano expressa: eu estou doente. Renato del Santi

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RESUMO

Neste estudo objetivo compreender a relao entre o processo de trabalho docente e o surgimento de doenas nos professores. A relao entre o processo de trabalho docente, as reais condies sob as quais ele se desenvolve e o possvel adoecimento constitui um desafio e uma necessidade para se entender o processo sade-doena do trabalhador docente. Nesta reflexo, incorporo a perspectiva de gnero, uma vez o magistrio ser uma categoria social que sofreu um processo intenso de feminizao. O estudo emprico, exploratrio, de abordagem qualitativa. Os sujeitos do estudo foram os docentes do ensino fundamental da rede pblica de ensino da cidade de Cricima que apresentaram atestados mdicos nos anos de 2006 a 2008. A amostra constituiu-se de dez docentes que apresentaram maior nmero de dias de afastamento, destes, nove eram mulheres. Para compreender o processo de trabalho docente, o caracterizo como tendo sofrido um processo de precarizao, e analiso este processo de trabalho com as categorias condies de trabalho e ambiente de trabalho. As doenas, compreendidas como multifacetadas, encontradas como causas dos afastamentos dos docentes foram: Sndrome do Escrivo, Estresse, Paralisia Obsttrica Degenerativa, Tendinite, Hrnia de Disco, Hipertenso Arterial Sistmica, Depresso, Acidente Vascular Enceflico, Cncer de Mama e Depresso Puerperal. Constatamos que o trabalho docente sofre um processo de precarizao, presente no rebaixamento salarial, na sua desqualificao, na perda do controle do processo de trabalho. As anlises deste estudo mostram um quadro onde os docentes assumem variadas atividades intra e extraescolares, pois exigida do docente uma jornada dupla ou at tripla de trabalho, culminando num processo de desgaste e, muitas vezes, de adoecimento. A questo de gnero ficou evidenciada, uma vez grande parte desta dupla ou tripla jornada de trabalho se referir s atividades com os filhos e com a casa, realizadas pelas professoras. Ainda que no se possa afirmar que as doenas desenvolvidas pelos docentes sejam em decorrncia de seu processo de trabalho, pode-se, sim, fazer uma aproximao de ambos na grande maioria dos casos. Porm, para uma concluso mais pontual, so necessrios mais estudos sobre o tema, que possam enfocar cada histria de vida em particular. Em mbitos gerais, existe a necessidade da rede pblica de ensino fundamental refletir sobre os motivos pelos quais o processo de trabalho docente pode estar contribuindo para os afastamentos e a consolidao de doenas nos professores, motivos localizados nas condies e no ambiente de trabalho. Palavras-chave: Processo de Trabalho Docente. Adoecimento. Feminizao do Magistrio.

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ABSTRACT

This study aims at understanding the relationship between teachers working process and their health problems. That relationship, the real conditions on which teachers work and their health-illness process is a challenge and a necessity to be understood. Gender perspective is also incorporated since teachers belong to a social category that has been suffered an intense process of feminization. This is an empirical, exploratory study with a qualitative approach. The subjects participating in the study were teachers from public elementary school in the city of Cricima / SC, who presented medical certificates from 2006 to 2008. The sample was constituted by 10 teachers who had the greatest number of days on leave, and among them 9 teachers were women. Considering that the teachers working process has suffered a kind of precariousness, such as salary low, disqualification and working process control loss, the analysis was done under two categories: working conditions and working environment. The illnesses, considered as multifaceted ones, which were found as the causes of teachers leaves were: clerk syndrome, stress, degenerative obstetric paralysis, tendonitis, herniated disk, systemic high blood pressure, depression, cerebral vascular accident, breast cancer, puerperal depression. Results show that the teachers take responsibility for a number of intra- and extra-school activities, as they have to work for two or three periods during the day, what leads to a process of stress or even of a disease. Here, the matter of gender is evident since, besides school work, women also have to take care of their house and children. Even if it is not possible to affirm that the illnesses suffered by teachers are really a consequence of their working process, it is still possible to make a close relationship between both in most of the cases. Therefore, further research is necessary with a focus on each particular history. In general, concerning public elementary schools, there is the necessity of a reflection on the reasons why teachers working process can be contributing to their leaves and illnesses, detected in working conditions and environment.

Keywords: Teachers working process. Ilnesses. Teaching feminization.

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LISTA DE QUADROS

Quadro 1: Diagnstico dos docentes pesquisados..............................................49 Quadro 2: Diagnsticos dos docentes pesquisados............................................89

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SUMRIO

1 INTRODUO ........................................................................................................9 1.1 PERCURSO METODOLGICO ........................................................................13 2 PRECARIZAO DO TRABALHO DOCENTE....................................................21 2.1 PRECARIZAO DO MAGISTRIO.................................................................24 2.2 CONDIES DE TRABALHO...........................................................................35 2.2.1 SOBRECARGA DE TRABALHO....................................................................38 2.2.2 FALTA DE MATERIAIS E EQUIPAMENTOS.................................................43 2.2.3 LOCAL DE PERSEGUIO POLTICA .....................................................44 2.2.4 PERDAS DE DIREITOS TRABALHISTAS.....................................................46 2.3 AMBIENTE DE TRABALHO..............................................................................47 2.3.1 AMBIENTES DE COMPETIO, EXCLUSES POLTICAS, DE GRUPINHOS ISOLADOS, SEM NOVIDADES, DE MGOAS E FOFOCAS, DE PUXAR O TAPETE .................................................................................................................48 2.3.2 RISCO, INSEGURANA ................................................................................50 2.3.3 RELAO ENTRE TRABALHO E PROBLEMAS FAMILIARES...................52 3 FEMINIZAO DO MAGISTRIO........................................................................56 3.1 INSERO DA MULHER NA EDUCAO ......................................................59 3.2 TRAJETRIA DAS DOCENTES .......................................................................66 4 ADOECIMENTO NA DOCNCIA .........................................................................71 4.1 ESTRESSE ........................................................................................................74 4.2 DEPRESSO .....................................................................................................77 4.3 TENDINITE, HRNIA DE DISCO.......................................................................79 4.4 DOENA DEGENERATIVA OBSTTRICA .....................................................81 4.5 SNDROME DO ESCRIVO ..............................................................................81 4.6 CNCER DE MAMA ..........................................................................................85 4.7 HIPERTENSO ARTERIAL SISTMICA ..........................................................86 4.8 ACIDENTE VASCULAR ENCEFLICO ............................................................88 5 CONSIDERAES FINAIS ..................................................................................93 REFERNCIAS........................................................................................................98 APNDICE 1 ..........................................................................................................108 APNDICE 2 ..........................................................................................................109

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1 INTRODUO

A busca por pesquisar o processo de trabalho docente nasceu de minha experincia enquanto enfermeira educadora. Meu cotidiano esteve por longo tempo cercado por professores envolvidos por aquilo que chamamos de especificidade do trabalho docente que, ao meu entender, envolve o professor enquanto aquele profissional que planeja suas atividades, que corrige provas, que necessita estar sempre se atualizando, preparando contedos para estudar e explicar. As frias so para preparar material didtico, escrever artigos cientficos, entre outros. Em

contrapartida, observo docentes doentes, insatisfeitos, preocupados, estressados com as responsabilidades do dia-a-dia do seu magistrio. notvel tambm perceber, mesmo que de forma emprica, que as dificuldades relatadas pelos professores no que tange ao desenvolvimento de suas atividades escolares cotidianas possam ter relao com seu processo de trabalho. O que acontece muitas vezes no cotidiano docente que este no se permite olharse, isto , perceber seu cotidiano escolar e constatar de que forma realiza suas atividades escolares, bem como de que maneira vive seu processo de trabalho, no obtendo satisfao, mas sim frustrao, angstias e, porque no dizer, doenas. Anteriormente ao processo de modernizao capitalista, a atividade de ensino era vista como uma funo de alto valor social. A partir de ento, o professor foi gradativamente sendo desqualificado, perdendo completamente seu sentido anterior. O que tenho observado e vivenciado que ns enquanto docentes comeamos a produzir como qualquer mercadoria, como uma empresa, dentro de determinadas condies de trabalho, ritmo, horas; a introduo de novas tecnologias tem sido utilizada mais para explorar o professor em relao ao seu trabalho do que tem ajudado em sua trajetria. Muitos necessitam terminar seus estudos superiores, possuem sua vida familiar, sua dupla ou tripla jornada de trabalho. Observo ento uma sobrecarga de trabalho, que muitas vezes se torna impossvel de ser carregada por este profissional. Constato ainda em minha prxis que pouco ou nenhum espao possibilitado ao docente para que ele possa discutir essas questes que atingem o seu cotidiano.

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Muitos dos professores, especialmente os do ensino fundamental, no se percebem como sujeitos do processo de trabalho que os aflige. Optam por carregar esse fardo pesado de forma isolada, ou tendo que adaptar-se a ele em consequncia, muitas vezes, de no possurem suficiente tempo para discutir, ou de presses internas e externas escola. Note-se que a maioria do corpo docente do ensino fundamental constitudo por mulheres, o que sugere uma especificidade a ser considerada. Neste sentido, o presente trabalho pretende discutir algumas questes relativas s especificidades do trabalho docente e ao surgimento de doenas nestes profissionais. Passo, ento, a conceituar os termos Sade e Doena, para deixar claro de onde falo quando me proponho a fazer esta relao. Durante muito tempo, a sade foi entendida como sendo o estado de ausncia de doena, tendo o mdico como seu agente central, e sua atuao privilegiada em um hospital. Neste modelo, o centro das atenes era a patologia em si. O controle de sua evoluo e o retorno ao estado de no-doena eram os objetivos de todas as atividades neste ambiente. Aos aspectos fsicos, ou biolgicos, foram sendo agregados os psicolgicos e os sociais, igualmente reconhecidos como causas de doenas. Desta forma, a sade, de um simples estado de ausncia de doena, passou a ser entendida como sendo o estado de mais completo bem-estar fsico, mental e social, e no apenas a ausncia de enfermidade, segundo a Organizao Mundial da Sade (OMS). Este conceito entrou em vigor em 07 de abril de 1947. No Brasil, este entendimento de sade, considerado idealizado afinal, o que seria o mais completo bem-estar? - foi modificado pela 8 Conferncia Nacional de Sade de 1986 (BRASIL). Em seu sentido mais abrangente, podemos considerar a sade como resultante das condies de habitao, alimentao, educao, renda digna, trabalho, transporte, emprego, lazer, liberdade, dignidade, respeito, entre outros, enfim, tudo aquilo que dignifica a pessoa humana. A 8 Conferncia Nacional de Sade props ainda que:

O direito sade significa a garantia, pelo Estado, de condies dignas de vida e de acesso universal e igualitrio a servios de promoo, proteo e recuperao de sade, em todos os seus nveis, a todos os habitantes do territrio nacional, levando ao desenvolvimento pleno do ser humano em sua individualidade.

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A sade passou a ser um processo de cidadania, e dentro deste enfoque ocorre e consequncia de aes realizadas em toda a sociedade. Isto no exime o Estado, o mdico e outros profissionais de sade de suas responsabilidades, mas agrega uma varivel fundamental de respeito ao indivduo, doente ou sadio, atravs do compromisso social solidrio na consecuo do objetivo maior de garantir condies dignas de vida a cada ser humano. Segundo Claudia Moreschi (s/d), sade o resultado da inter-relao entre variveis determinantes das condies de sade. A multideterminao e multifatorialidade favorecem o surgimento de doenas ou proporcionam sade. importante lembrar que sade e doenas esto dentro de um dinamismo nico. Vrios podem ser os fatores que podem desencadear o surgimento de doenas e/ou estimular a sade de uma pessoa. Munida deste entendimento de sade e doena, posso afirmar que h uma relao multicausal no processo de trabalho docente que est favorecendo o surgimento de doenas. preciso levar em considerao ento o trabalho docente tambm numa dimenso como foi citada acima, multifacetria. Neste sentido, discuto este trabalho com o vis da precarizao. Pode-se entender a precarizao do trabalho docente segundo a perspectiva de lvaro Hyplito (1997, p. 86) acerca deste trabalho:[...] ao ingressar no mercado de trabalho o trabalhador do ensino tem muitas vezes um choque com a realidade. Durante sua vida acadmica recebeu formao para desenvolver com desempenho sua funo docente. No entanto, na prtica, torna-se um assalariado e, ao vender sua fora de trabalho por salrio e ver-se submetido a um processo de trabalho, ele acaba percebendo que no possui controle sobre seu prprio trabalho. H uma tecnologia educacional imposta como meio de trabalho, entende-se em sentido amplo como capitalista, objetivada nos materiais instrucionais, nos equipamentos, nas tcnicas de ensino, nos livros didticos etc... que determina a prtica a ser desenvolvida.

Desta forma, irei, neste trabalho, compreender o adoecimento docente como um processo consequente do trabalho, aqui entendido como precarizado. E ainda irei buscar entender este adoecimento e esta precarizao do trabalho levando em conta a questo de gnero. Gnero aqui, segundo Guacira Louro (1996), no pretende significar o mesmo que sexo, ou seja, enquanto sexo se refere identidade biolgica de uma

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pessoa, gnero est ligado sua construo social como sujeito masculino ou feminino, nas relaes estabelecidas entre si na sociedade. A mulher penetra no trabalho fora do domiclio, a escola. Inicia-se aqui o processo de feminizao do magistrio. A partir desse momento, passa a ser me e mulher, necessitando estar dividindo-se entre o trabalho da escola e seu domiclio, bem como toda educao dos filhos e responsabilidades domsticas. neste contexto de mltiplas atividades que irei localizar a situao vivida pelas docentes sujeitos deste estudo. A produo referente atividade do docente relacionada com o seu adoecimento ainda escassa. Estudos quantitativos com grandes amostras como em Codo e Batista (1999), Moura 000, apud Jorge SARRIERA e Katia ROCHA, 2006) foram investigados. Nestes estudos, apareceu fortemente a necessidade do desenvolvimento de pesquisas buscando compreender quais variveis individuais e de contexto podem estar influenciando o adoecimento destes docentes, a fim de buscar estratgias que possam contribuir na melhora do seu ambiente de trabalho. Acredito que o adoecimento dos docentes s adquire determinado sentido quando analisado no contexto do seu processo de trabalho. Entendo, ento, que problemas de sade possuem componentes amplos e inter-relacionados, que no podem ser avaliados e tratados de forma isolada, devendo-se, no caso, levar-se em conta a complexidade e a dinmica em que esto inseridos estes docentes. Deve-se considerar ento, um carter multifacetado dos processos de trabalho. Partindo desta ideia, acredito que sade e doena no so estados ou condies estveis, mas sim conceitos vitais, sujeitos a constante avaliao e mudana. Para que as pessoas tenham sade, segundo Srgio Carvalho (2004), necessrio que sejam capazes de identificar e realizar aspiraes, satisfazer necessidades e transformar o meio. Contrapondo esta viso ao modelo biomdico, procuro reconstruir o papel dos determinantes sociais no processo sade-doena no qual esto inseridos os docentes. Dessa forma, o processo sade-doena visto como a permanente interao/tenso entre o biolgico, o psicolgico e o social, no qual entram em jogo determinantes relacionados s condies de vida e trabalho. A partir desta realidade nasce o Problema desta Pesquisa: Qual a relao entre o processo de trabalho docente e o surgimento de doenas nos professores? Diante do exposto, procuro cercar o problema no pelo vis da casualidade e/ou da generalizao, mas procuramos entend-lo na perspectiva da

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integralidade, isto , vendo e compreendendo este docente como um ser integral. Volto a me questionar: o que possui esta realidade que poderia estar possibilitando o surgimento de doenas? Acredito que exista algo no processo de trabalho deste/a docente que esteja favorecendo tal aparecimento. Tomo ento, este processo como ponto de partida. Para mim, nisso consiste o fascnio desta pesquisa: ela fala de ns mesmos enquanto educadores no cotidiano do trabalho escolar. Assim, o objetivo geral desta dissertao : Compreender a relao entre o processo de trabalho docente e o surgimento de doenas nos(as) professores(as).

Seus objetivos especficos so:

Caracterizar a precarizao do trabalho docente; Analisar o trabalho docente em uma perspectiva de gnero; Analisar o significado que o(a) professor(a) d a seu trabalho; Identificar as dificuldades encontradas pelos(as) docentes em seu processo de trabalho; Identificar as doenas que mais acometem os(as) docentes.

1.1 PERCURSO METODOLGICO Tipo de pesquisa

Pautei-me no que Maria mtodo. Para ela,

Teresa Leopardi (2002, p. 187) diz sobre o

Mtodo o caminho pelo qual se chega meta, sendo a essncia da descoberta e do fazer cientfico e representa o aspecto formal da pesquisa, o plano pelo qual se pem em destaque as articulaes entre os meios e os fins, por meio de uma ordenao lgica de procedimentos.

Esta pesquisa exploratria, de abordagem qualitativa e emprica. Segundo Antnio Carlos Gil (1996, p. 45), a pesquisa exploratria tem como objetivo proporcionar maior familiaridade com o problema, com vistas a torn-lo mais

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explcito ou a construir hipteses. Pode-se dizer que esta pesquisa tem como objetivo principal o aprimoramento de ideias ou a descoberta de intuies. A pesquisa qualitativa, para Maria Cecilia Minayo (2003, p. 21), lida com uma realidade que no pode ser quantificada, trabalhando com um "[...] universo de significados, aspiraes, crenas, valores e atitudes, o que corresponde a um espao mais profundo das relaes, dos processos e dos fenmenos que no podem ser reduzidos operacionalizao de variveis". Local da Pesquisa

Escolas de Ensino Fundamental da Rede Municipal de Cricima. Populao e amostra

A Rede Municipal de Ensino da cidade de Cricima composta por 62 escolas do ensino fundamental, 13.433 alunos e aproximadamente 1.100 docentes. Os sujeitos do estudo foram os docentes do ensino fundamental da rede pblica de ensino que apresentaram atestados mdicos nos anos de 2006 2008. Foram 10 (dez) sujeitos pesquisados, nmero estabelecido previamente pesquisa. A amostra foi intencional, como explicado abaixo. Coleta de dados

O procedimento para coleta, registro e anlise de dados foi efetuado conforme descrio abaixo: 1 momento Delimitao dos sujeitos da pesquisa

De acordo com o que preconiza a abordagem qualitativa, esta no se baseia nos nmeros de sujeitos pesquisados, e sim na profundidade do estudo dos sujeitos, a partir de suas percepes, histrias de vida, crenas, cultura e valores sociais. A abordagem qualitativa permite o estudo com poucos sujeitos, para possibilitar a anlise de questes subjetivas, o que demanda maior tempo do que aspectos objetivos. Por isso delineei o estudo em 10 sujeitos.

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Primeiramente, colhi na Secretaria Municipal de Educao uma listagem com os respectivos endereos dos docentes que compem a Rede Municipal de Ensino que apresentaram atestados mdicos de janeiro de 2006 a outubro de 2008. Esta data deve-se ao fato de que somente a partir deste perodo a Secretaria de Educao passa a registrar os afastamentos dos professores para tratamento.

Posteriormente, contatei cada docente em seu respectivo domicilio para realizao da entrevista. Os nmeros de atestados variam entre 395 (trezentos e noventa e cinco) e 246 (duzentos e quarenta e seis) dias. Este valor resultado do somatrio de todos os dias em que o docente esteve afastado. Posteriormente, desta lista, elenquei 10 (dez) docentes que apresentaram maior somatrio de dias de atestados. Destes 10, 9 (nove) foram mulheres. Em seguida, junto Secretaria Municipal de Educao, colhi os endereos destes docentes e as escolas onde estavam alocados. Por ltimo procurei junto s escolas os respectivos profissionais. Noventa por cento dos docentes no se encontravam em seus respectivos locais de trabalho, mas em seus domiclios, pois ainda estavam em licena mdica. As entrevistas ocorreram no ms de maro de 2009. 2 momento Realizao da entrevista semiestruturada

A entrevista semiestruturada parte de tpicos relacionados ao tema da pesquisa. Constatam Mercedes Trentine e Paim (1999, p. 95) que nela o

pesquisador j acredita que acontece algo e busca saber o que acontece e como acontece, a partir de conversao, descries e informaes que so aprendidas em processo. Augusto Trivios (1987, p. 148) salienta que a entrevista semiestruturada parte de certos questionamentos bsicos e so resultados no s da teoria que alimenta a ao do investigador, mas tambm de toda a informao que ele j recolheu sobre o fenmeno social pesquisado. O roteiro da entrevista constitui o Apndice 1. Em consequncia de que 90% dos sujeitos da pesquisa no se encontravam nas escolas por ainda estarem de licena mdica, 100% foram entrevistados em seus domiclios. Assim, alm de buscar os dados atravs da

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entrevista, eu tive a oportunidade de conhecer um pouco das realidades familiares dos sujeitos da pesquisa. Muito mais que compreender as respostas fornecidas pelos docentes, direcionei-me no sentido de compreend-los em seu contexto familiar. Como a entrevista foi realizada no domiclio, conhecer a famlia do professor era uma conseqncia. Percebi sentimentos de alegria nas falas e nos semblantes destes docentes quando se reportavam s aulas, os alunos que conseguiram alfabetizar. Para os entrevistados, essa realidade era estampada em seus rostos. Outra

realidade visvel foi de alguns docentes mostrarem sentimentos enquanto relatavam as doenas por eles sentidas e vividas. A famlia de muitos dos docentes permanecia junto quando eles reconstruam sua trajetria escolar. Realidade marcada tambm por rancores, tristeza de alguns professores quando se reportavam s atividades que j no poderiam ser exercidas por eles, em consequncia ou de uma depresso ou por uma dor crnica de uma tendinite. Muitos dos familiares tambm se emocionavam ao ver o docente relatando suas trajetrias de vida e de doena. Em alguns casos, necessitei parar a entrevista por alguns momentos, pois a memria do docente ao falar de sua doena e de seu afastamento da escola lhe causava uma grande dor. Percebia que quando o professor falava, ele revivia toda sua trajetria novamente. Para Ecla Bosi (1994), lembrar no reviver, mas re-fazer. No nosso caso, a partir das lembranas passadas vividas pelos docentes, eles trazem a memria, esta se mistura com as percepes atuais, refazendo, ressignificando, de certa forma, suas trajetrias. As entrevistas apresentaram em mdia uma hora e meia. Ao iniciar a entrevista, procurava ver cada docente na sua individualidade, como se cada um representasse um santurio, no sentido de ser ouvido e respeitado na sua singular experincia. No incio da entrevista, sentia um certo desconforto, pois ao falar sobre o tema e os objetivos da pesquisa parecia que os entrevistados no mostravam interesse. Alguns deles perguntavam: Mas por que eu? H tantos outros professores doentes aqui na vila, por que eu? Senti que alguns no se sentiam vontade para falar em afastamento por motivo de doena. Aps uma conversa informal,

lentamente penetrava nas questes. Alguns docentes perguntaram: No serei

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prejudicado por isso? No me prolongaro meus dias de atestados? O INSS no cortar meu aposento? As entrevistas foram gravadas e transcritas na ntegra. No uso das transcries na dissertao, foi respeitada a expresso original, apenas corrigindose aspectos da linguagem oral para a escrita. 3 momento Anlise de Dados

Para Heloisa Szymanski et al (2004), anlise o processo que permite a compreenso do fenmeno pelo pesquisador. A anlise dos resultados das entrevistas foi realizada pelo estabelecimento de categorias. A palavra categoria se refere:[...] a um conceito que abrange elementos ou aspectos com caractersticas comuns ou que se relacionam entre si. Essa palavra est ligada idia de classe ou srie. As categorias so empregadas para se estabelecer classificaes. Nesse sentido, trabalhar com elas significa agrupar elementos, idias ou expresses em torno de um conceito capaz de abranger tudo isso. (GOMES, 2002, p. 70).

Segundo a autora, as categorias podem ser estabelecidas antes do trabalho de campo seriam as categorias gerais ou aps a coleta de dados seriam as categorias especficas ou concretas, de agrupamento das respostas encontradas. Nesta pesquisa, as categorias estabelecidas previamente ao trabalho de campo foram as seguintes: Categoria 1: Significado do ser docente Categoria 2: Gnero e Docncia Categoria 3: Condies de Trabalho Categoria 4: Ambiente de Trabalho Categoria 5: Adoecimento na Docncia

Na categoria Condies de Trabalho foram elencadas as seguintes subcategorias aps as entrevistas:

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sobrecarga de trabalho falta de materiais e equipamentos local de perseguio poltica perda de direitos trabalhistas.

Na categoria Ambiente de Trabalho foram elencadas as seguintes subcategorias aps as entrevistas:

ambientes de competio, excluses polticas, de grupinhos isolados, sem novidades, de mgoas e fofocas, de puxar o tapete risco e insegurana relao entre trabalho e problemas familiares.

Na categoria Adoecimento na Docncia foram elencados os seguintes diagnsticos, que procedem dos docentes e no dos pronturios. Aceitei aqui os diagnsticos citados pelos docentes, pois, por motivo de tica da pesquisa, no se pode ter acesso aos pronturios sem o consentimento dos sujeitos. E, pelo objeto da pesquisa, no julguei necessria uma contraposio entre o diagnstico falado e o diagnstico registrado no pronturio. Assim, as subcategorias elencadas aps as entrevistas foram: Sndrome do Escrivo Estresse Paralisia Obsttrica Degenerativa Tendinite, Hrnia de Disco Hipertenso Arterial Sistmica Depresso Acidente Vascular Enceflico Cncer de Mama Depresso Puerperal

Pelo fato de esta pesquisa fazer referncia a uma questo de gnero (ainda que gnero seja tratado como categoria de anlise e no discutido teoricamente), adotei o que recomendado em estudos desta natureza em relao

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indicao dos autores, que identific-los por extenso na primeira vez que forem referendados, justamente para que se possa identificar se so homens ou mulheres. Em relao aos sujeitos da pesquisa, no entanto, no segui o mesmo critrio, referendando-os no masculino sempre que foram tratados de forma genrica. Tambm sua identidade foi preservada: como trata-se de um assunto delicado, optou-se em utilizar para cada docente um nome de flor. Abordagem tica e procedimento para coleta de dados

A aplicao dos instrumentos de coleta de dados foi precedida pelo Consentimento Livre e Esclarecido. O projeto de pesquisa teve a aprovao do Comit de tica em Pesquisa da UNESC.

Esta dissertao est assim organizada em seus captulos:

Precarizao do trabalho docente Nesse captulo discuto o conceito de trabalho para, em seguida, abordar a

precarizao do trabalho docente, como ele tem se configurado na profisso. Posteriormente, apresento as condies e o ambiente de trabalho dos docentes entrevistados. Em seguida, exploro aspectos da trajetria profissional destes profissionais, isto , como eles percebem e vivenciam suas condies e ambientes de trabalho. Pensar no trabalho docente me faz penetrar na realidade das condies e do ambiente em que esto inseridos estes profissionais. E tambm inserir este trabalho no contexto da precarizao.

Feminizao no magistrio A perspectiva de gnero faz parte das anlises interpretativas deste trabalho,

pois o magistrio uma categoria social que sofreu um processo intenso de feminizao. Nesse captulo, analiso esse fenmeno de feminizao do magistrio, estabelecendo algumas relaes entre gnero e docncia, uma vez que essa profisso exercida em grande escala por mulheres. Por fim, descrevo a trajetria das docentes entrevistadas, no esforo de dividir suas vidas entre a escola e o domiclio. Adoecimento na docncia

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Esse captulo objetiva compreender o processo de adoecimento propriamente dito. Apresento primeiramente os diagnsticos mdicos dos docentes levantados nas entrevistas. Em seguida, abordo cada diagnstico de forma individualizada. Parto do suposto de que quando as situaes desfavorveis de trabalho se prolongam, so capazes de gerar um sofrimento para este docente, associado, inclusive, ao desenvolvimento de certas patologias. Procuro relacionar de forma multifacetada as respostas obtidas pelos entrevistados com as categorias apresentadas, procurando estabelecer uma relao no linear entre elas. O adoecimento surge aqui como resultado de um processo de trabalho no condizente com as reais possibilidades para que o docente desenvolva suas atividades. Os dados empricos da pesquisa esto discutidos na interioridade dos captulos apresentados. Inicia-se, ento, a trajetria do trabalho docente, refletindo sobre a precarizao deste trabalho e, por fim, a trajetria das condies e os ambientes de trabalho docente.

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2 PRECARIZAO DO TRABALHO DOCENTE

Neste captulo, farei

primeiramente uma abordagem sobre trabalho no conceito de precarizao do trabalho

docente. Na segunda etapa, adentro

docente, como este tem refletido na vida profissional e o que ele tem acarretado aos profissionais. Na terceira etapa descrevo a trajetria dos docentes no tocante s condies e aos ambientes de trabalho, como estes tm se configurado no processo de trabalho atual e as evidncias de precarizao. A discusso sobre o trabalho docente no Brasil, segundo Irene Carvalho (1996), tem se desenrolado em torno de duas coordenadas principais, que ora se complementam, ora se alternam: de um lado aparece a escola como organizao burocrtica e, de outro, procura-se fazer uma anlise da atividade docente a partir do conceito marxista de trabalho. Embora no me tenha orientado nesta ltima matriz terica, a considero importante nesta discusso. Motta (1990 apud ADRIAN ESTRADA, 2008, p. 3-4) traz a conceituao de organizao burocrtica:A organizao burocrtica o tipo de sistema social dominante nas sociedades modernas, sendo apresentada como uma estratgia de administrao e de dominao. As organizaes burocrticas tm, como uma de suas principais funes, a reproduo do conjunto de relaes sociais determinadas pelo sistema econmico dominante, ou seja, constituem uma categoria histrica inserida na histria dos modos de produo.

Este conceito faz referncia escola burocrtica, isto , escola hierarquizada, tendo a diviso do trabalho como pressuposto para o seu funcionamento. Isso remete natureza do trabalho pedaggico do professor, tendo como referncia as categorias marxistas de trabalho produtivo. Para Karl Marx, trabalho :[...] um processo de que participam homem e natureza, processo em que o ser humano, com sua prpria ao, impulsiona, regula e controla o intercmbio material com a natureza. Defronta-se com a natureza como uma de suas foras. Pe em movimento as foras naturais do seu corpo braos, pernas, cabea e mos, a fim de aproximar-se dos recursos da natureza, imprimindo-lhes forma til vida humana. Atuando assim sobre a natureza externa e modificando-a, ao mesmo tempo modifica sua prpria natureza (MARX, 2001, p. 211).

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Para Fernando Fernandes (1984, p. 156), o trabalho sob relaes de dominao se impe ao homem como simples meio de existncia, isto , como uma atividade que tem como nico sentido o de garantir a sobrevivncia fsica. Mas, segundo o mesmo autor, a atividade vital humana tanto a responsvel ou a base para prover as condies materiais de existncia quanto engendradora da vida genrica do homem. Isso quer dizer que, alm de produzir os meios necessrios para a existncia fsica, a atividade vital humana produz, ao mesmo tempo, a humanizao do gnero humano. Tendo-se como base a teoria de Marx, no sistema capitalista o trabalhador, ao empregar sua fora de trabalho, produz mais-valia, concorrendo para o processo de reproduo e expanso do capital. Cabe lembrar aqui que mais-valia o nome dado por Marx diferena entre o valor produzido pelo trabalho e o salrio pago ao trabalhador, que seria a base da explorao no sistema capitalista, na configurao do lucro dos donos dos meios de produo. Para Marx, trabalho produtivo aquele referente ao processo de produo capitalista, ou seja, trabalho que produz mais-valia e, consequentemente, capital. Assim:A produo capitalista no apenas produo de mercadoria, essencialmente produo de mais-valia. O trabalhador produz no para si, mas para o capital. No basta, portanto, que produza em geral. Ele tem de produzir mais-valia. Apenas produtivo o trabalhador que produz mais-valia para o capitalista ou serve autovalorizao do capital. [...] O conceito de trabalho produtivo, portanto, no encerra de modo algum apenas uma relao entre a atividade e efeito til, entre trabalhador e produto do trabalho, mas tambm uma relao de produo especificamente social, formada historicamente, a qual marca o trabalhador como meio direto de valorizao do capital. Ser trabalhador produtivo no , portanto, sorte, mas azar. (FERNANDES, 1984, p. 105-6).

Segundo Denise Pires (1999 p. 29)O trabalho em sade, assim como tambm o consideramos na educao, um trabalho essencial para a vida humana e parte do setor de servio. um trabalho da esfera da produo no material, que se completa no ato de sua realizao. No tem como resultado um produto material, independente do processo de produo e comercializvel no mercado. O produto indissocivel do processo que o produz, a prpria realizao da atividade.

Neste mesmo sentido podemos localizar o trabalho em educao, onde o professor no vende o seu produto, quando comparado com uma fbrica de sapatos, por exemplo, onde o produto final do trabalhador vendido. O docente no

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vende seu produto, neste sentido improdutivo, o docente possui uma finalidade especfica dentro do magistrio e este, dentro da sociedade. a prpria prestao da assistncia em educao que produzida no mesmo momento em que consumida. bem verdade que se discute atualmente que a educao, assim como a sade, virou uma mercadoria a ser vendida, mas esta outra discusso. O que estamos fazendo aqui a discusso da natureza do processo de trabalho docente. Tambm para Marx, no sistema capitalista aparece o trabalho alienado. A alienao um dos conceitos centrais do pensamento do autor. Marx refere-se ao trabalho como sendo a essncia humana, mas aqui aparece o trabalho alienado. Marx afirma que a alienao do trabalho apresenta-se como resultado da alienao com relao ao objeto produzido. O operrio produz, mas concluda a produo, entrega o objeto produzido a um terceiro, em troca de um salrio, e sem se apropriar do fruto de seu trabalho, sem conseguir ver a totalidade de seu trabalho. Este trabalho alienado, na educao, consistiria em somente repetir o j pr-determinado pela escola, engessando o docente. Ele apenas participa do processo por obrigao, segue os contedos fixados nos planos de ensino, nos currculos, no vai alm destes, no v sua parcela laboral na totalidade do trabalho da escola e do sistema educacional. Na alienao, a finalidade do trabalho docente no reconhecida, o mesmo consiste em uma mera mercadoria do capitalismo (aqui considerando-se a funo que a educao adquire em uma sociedade capitalista e no a natureza do processo de trabalho docente enquanto produtivo); desta forma, no contribui para humanizar quem o realiza. A precarizao como resultado do processo de proletarizao, est presente nas condies de trabalho, no rebaixamento salarial, na desqualificao profissional, na perda do controle do processo de trabalho. A sade do docente muitas vezes afetada devido as suas condies precrias de trabalho, tais como as tendinites, entre outras. A precariedade tambm visvel quando o docente necessita intensificar seu trabalho no mesmo perodo de tempo. o caso das turmas multisseriadas. O que pode-se observar nos entrevistados que dois deles trabalham com sries multisseriadas, tendo o professor que responder a diferentes demandas s exigncias de cada srie em que o aluno se encontra, sobrecarregando ainda mais este docente. No Brasil, segundo Maria das Mercs Sampaio e Alda Marin

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(2004, p. 1213), verifica-se uma queixa constante dos professores quanto a esse aspecto. Tambm h uma desvalorizao generalizada do trabalho em termos econmicos, isto , o desprestgio social, o que veremos seguidamente. Por outro lado, pude observar que a Constituio da Repblica Federativa do Brasil de 1988, em seu captulo III, especialmente na seo I - artigos 205 a 214 afirma que a valorizao do magistrio condio necessria para garantir o padro de qualidade da educao pblica brasileira. Nas condies capitalistas de produo, a proletarizao do magistrio apresenta marcas crescentes de precarizao. Vejamos, ento, o que vem a ser este trabalho docente precarizado. 2.1 PRECARIZAO DO MAGISTRIO

Quando penso a profisso docente, no posso deixar de realizar uma reflexo sobre a complexidade do processo de trabalho que caracteriza esse ofcio. Entendo no ser possvel discutir o trabalho docente sem penetrar, de fato, na organizao do trabalho escolar, sua materializao no interior da escola e da sala de aula. Somente assim ser possvel entender como o processo de trabalho docente repercute na vida deste. Entre outras questes que emergem neste captulo, pergunto-me: Quais so as condies de trabalho e o ambiente de trabalho docente? O objetivo deste captulo fornecer elementos para essa questo. Para tanto, necessitamos refletir estas condies e ambiente de trabalho no mbito da chamada precarizao. Inicialmente, defino o que precarizao do trabalho docente. Segundo o Sindicato dos Metalrgicos (2009, s/p):A precarizao do trabalho docente pode ser definida como consequncia do contexto neoliberal - globalizao, novas tecnologias de informao e comunicao, nova reordenao do processo de automao em nvel internacional, que modificam a estrutura produtiva e a organizao do trabalho. O termo precarizao no trabalho um conceito construdo socialmente, nesse sentido, pode variar de acordo com o tempo, contexto, e com o resultado da correlao de foras entre os atores sociais, notadamente capital e trabalho. Nesse sentido, precarizao no um conceito esttico. No Brasil, o conceito de precarizao do trabalho foi cunhado num contexto em que a tenso entre capital e trabalho expressiva, sobretudo quando o trabalho exercido em condies caracterizadas pela ausncia de dispositivos institucionais de garantia de direitos, pelo enfraquecimento dos sindicatos, pelo desemprego estrutural e pelo acirramento da concorrncia.

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As mudanas ocorridas nas relaes de trabalho e emprego tm na atualidade se caracterizado pela ameaa de um fenmeno considerado por alguns autores como sendo uma precarizao das relaes de trabalho. So relativas s atividades intrnsecas ao processo de trabalho docente. Como j visto na Introduo desta dissertao, segundo Hyplito (1997, p. 86),[...] ao ingressar no mercado de trabalho o trabalhador do ensino tem muitas vezes um choque com a realidade. Durante sua vida acadmica recebeu formao para desenvolver com desempenho sua funo docente. No entanto, na prtica, torna-se um assalariado e, ao vender sua fora de trabalho por salrio e ver-se submetido a um processo de trabalho, ele acaba percebendo que no possui controle sobre seu prprio trabalho. H uma tecnologia educacional imposta como meio de trabalho, entende-se em sentido amplo como capitalista, objetivada nos materiais instrucionais, nos equipamentos, nas tcnicas de ensino, nos livros didticos etc... que determina a prtica a ser desenvolvida.

Lembro que h uma desvalorizao da profisso docente, ou uma tendncia para tal realidade no ensino em termos econmicos (salariais). No somente o salarial, mas a precarizao visvel, como j afirmei, nas turmas multisseriadas. Estas turmas esto sob a responsabilidade de um nico professor, o que aumenta a taxa de explorao do trabalho docente, intensificando a atividade a ser realizada. Considero que problemas ligados precarizao do trabalho escolar no so recentes no pas, mas constantes e crescentes, eles abrangem as condies de formao e de trabalho dos professores, as condies materiais de sustentao do atendimento escolar e a organizao do ensino. Hyplito (1997) afirma que o profissional do ensino, no decorrer do processo de construo e consolidao de uma instituio da sociedade

especialmente dedicada educao sistematizada no Brasil, viu-se submetido a variadas formas de estrutura e organizao escolar. Essa forma de organizao da escola imps um jeito de ser e agir ao profissional do ensino, que foi historicamente sendo construda e formada nas relaes sociais pelos docentes no interior de seu processo de trabalho. Assim, o trabalho de ensinar no perodo colonial passou a se constituir desde aquela atividade exercida nas igrejas pelo clero, religiosos e posteriormente pelos leigos.

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A categoria dos profissionais docentes foi construda socialmente, modificando-se, desde uma situao de mestre de ensinar, para de trabalhador do ensino empregado. Ele passa a ser assalariado e tambm a ser controlado pelo Estado. Notadamente a partir dos anos 70 do sculo XX, acentua-se no pas o agravamento das condies econmicas e a deteriorao do sistema pblico de ensino, a par de sua expressiva expanso, repercutindo com efeitos desastrosos no funcionamento das escolas, especialmente nos grandes centros urbanos VANILDA PAIVA et al, 1998. Braverman (1987, apud HYPLITO, 1997, p. 78) mostra que o trabalhador do setor tercirio sofre um processo de proletarizao, provocado pela

racionalizao, pela organizao e pelo controle do trabalho nos moldes do setor fabril. No trabalho docente, pode-se dizer que o mesmo perde o controle sobre o processo de trabalho, isto , perde a noo de integridade do processo, sendo mero executor das atividades escolares, passando a executar apenas uma parte dele, alienando-se. O docente trabalha num contexto fragmentado, sabe somente, s vezes, o que ensina, no participa do processo de construo do saber, alheio a essa construo, ou seja, avana para um processo de desprofissionalizao; em conseqncia, o processo de trabalho docente fica prejudicado quanto aos seus objetivos e fins. O trabalho j no pertence ao trabalhador, e isso caracteriza o processo de alienao. A tarefa executada pelo docente no lhe pertence, e nem lhe permite desenvolver-se plenamente. Segundo Denise Lemos (2006, p. 3), o trabalho alienado torna estranho ao homem seu prprio corpo, a natureza fora dele, sua essncia espiritual, sua essncia humana. Em se tratando de trabalho alienado, reporto-me ao conceito de profissionalizao, pois entendo que no seu contexto que o trabalho alienado se concretiza. Segundo Hyplito (1997), a profissionalizao docente no pode ser entendida separadamente das dinmicas de classe, raa, sexo. No possvel entender a profissionalizao de forma homognea, enquanto os sujeitos desse processo esto imersos em relaes desiguais de raa, sexo e classe social. Basta reconstruir um pouco da trajetria da mulher na educao, e hoje como essas relaes tm sido vivenciadas, para vermos que, muitas vezes, as atividades de administrao da escola ficam a cargo de um homem, enquanto todas

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as outras atividades

ficam sob responsabilidade da professora.

A questo de

gnero ser vista no prximo captulo desta dissertao. Ainda Hyplito (1997) refere-se ao profissionalismo, afirmando que este passa pela melhoria do trabalho profissional, e tambm pela melhoria da qualidade do ensino. No tocante ao processo de trabalho docente, Hyplito (1997, p. 92) afirma que:Profissionalizao tem um significado preso formao de qualidade, condio de trabalho que favorea um trabalho reflexivo, ao controle sobre os processos de ensinar e aprender e democratizao da organizao escolar A luta pela profissionalizao tem sido uma das estratgias adotadas pelos movimentos docentes para contestar e resistir s formas de controle, tanto tcnico quanto ideolgico, que historicamente tm significado uma negao da autonomia profissional.

A profissionalizao deste docente proletrio parte do ponto de vista de que o professor um trabalhador assalariado, que passa por um processo de desqualificao, no qual se identifica perda do controle sobre o processo de trabalho e perda de prestgio social. Pensando-se o vis do controle do processo de trabalho, segundo Demerval Saviani (1989), na pedagogia tradicional a iniciativa do processo de ensino-aprendizagem cabia ao professor, que era, ao mesmo tempo, o sujeito do processo, o elemento decisrio. J na pedagogia nova a ateno se volta para o aluno. Mais tarde, a partir dos anos 70 do sculo XX, ser o momento da pedagogia tecnicista:

Na pedagogia tecnicista, o elemento principal passa a ser a organizao racional dos meios, ocupando professor e aluno posio secundria, relegados que so condio de executores de um processo cuja concepo, planejamento, coordenao e controle ficam a cargo de especialistas habilitados. (SAVIANI, 1988, p. 24).

O trabalho docente no atual momento histrico resultado de modificaes importantes ocorridas na organizao do trabalho escolar. s vezes, parece que a escola no mudou, mas a lgica do capitalismo penetrou na escola de forma acelerada. O tecnicismo foi a entrada do capitalismo na escola. Este mesmo trabalhador ainda parte de uma engrenagem, isto , possui horrios de trabalho,

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tempo de trabalho, ritmo de trabalho, tudo visando a uma maior produtividade deste trabalhador. No podemos esquecer que este docente um proletrio, vive do seu sustento. Segundo Maria Lcia Aranha (2006, p. 258):As escolas podem ser consideradas empresas especializadas em produzir instruo. A adaptao do ensino mentalidade empresarial tecnocrtica exige o planejamento e a organizao racional do trabalho pedaggico, a operacionalizao dos objetivos e o parcelamento do trabalho com a devida especializao das funes e a burocratizao.

Desta forma, parece que tudo se mercantiliza, at as relaes, o lucro e os resultados rpidos tm prioridade sobre o ser humano. A escola uma empresa, e como toda empresa necessita estar constantemente em crescimento econmico. Este processo privilegia as prticas administrativas, que encontram na pedagogia tecnicista um campo frtil, j que esta privilegia as funes de planejar, organizar, dirigir e controlar, o que, segundo Aranha, intensifica a burocratizao que leva diviso do trabalho. Os tcnicos tornam-se ento responsveis pelo planejamento, os professores reduzem-se a simples executores e o diretor da escola o intermedirio entre eles. Com isso, o plano pedaggico submete-se ao administrativo. Por outro lado, sei que docentes so chamados a participar da elaborao do Projeto Poltico Pedaggico (PPP) das escolas, dentre outras atividades, caracterizando assim o professor no como um mero executor das atividades escolares, mas partcipe do processo. As pedagogias que vieram em contraposio ao tecnicismo, no intento de reconstruir a complexidade do processo pedaggico, tambm se instalaram na escola. Mesmo assim, o tecnicismo no desapareceu dela. E nem, tampouco, o nico responsvel pela precarizao do trabalho docente. A sociedade moderna capitalista tem imposto uma velocidade de vida e uma instabilidade de trabalho que afetam o mundo laboral como um todo. De maneira geral, os contedos apresentam-se fragmentados,

categorizados, hierarquizados (o que tambm caracteriza a pedagogia tradicional), devendo o professor cumprir as normas e certificar-se de que elas estejam sendo passadas de forma precisa, objetiva. H um tempo exigido para o cumprimento dos planos de ensino. Os trabalhadores e os estudantes, em geral, no so chamados a

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intervir nos processos produtivos e educacionais de que participam, o que prprio do tecnicismo. H a cobrana por efetividade. Segundo Schafranski (2005, p. 105):O ato de aprender/ensinar tornou-se uma questo meramente tcnica. A tecnocracia instalada no interior das escolas, utilizando-se do discurso da racionalidade e da eficincia, separou o saber do fazer, desperdiando o potencial mais nobre do homem, que a sua capacidade de pensar e de criar. Alm disso, este paradigma mostrou-se ineficiente, colocando no mercado um profissional incapaz de agir e de sobreviver face s exigncias da sociedade emergente.

Embora no tenha sido objeto de nossa anlise, consideramos importante ressaltar a questo da profissionalizao, uma vez que se ouve em vrios ambientes escolares que muitos problemas das escolas seriam resolvidos com uma boa profissionalizao, isto , com uma formao mais slida dos docentes. Aqui, no entanto, estou entendendo profissionalizao em um sentido mais amplo do que o da formao. De acordo com Moacir Gadotti, (2000, p. 3)A proposta neoliberal de uma desprofissionalizao da docncia, buscando-se alternativas na terceirizao, contratando-se docentes atravs de concorrncia pblica, como trabalho temporrio, docentes no formados para form-los em servio, rapidamente. Para a concepo neoliberal, os docentes no precisam ter conhecimento cientfico. Seu saber intil. Por isso, no precisam ser consultados. Eles s precisam receber receitas, programas instrucionais. No limite, eles podem ser substitudos por um computador bem programado. Por isso, encontramos uma proliferao em larga escala de classes superlotadas e, cada vez mais, a promoo do ensino a distncia a baixo custo.

O capitalismo necessita de poucas pessoas e bem preparadas, s vezes basta uma mquina e algumas pessoas que possam manipul-la. A escola exerce funo importante na manuteno do capitalismo, ela que forma pessoas para, digamos, operar a mquina, isto , para o fazer. E, na maioria das vezes, sem criticidade, reflexo e conhecimento tcnico da realidade que o cerca. V-se que o importante para a escola, em geral, formar indivduos competentes e produtivos para o mercado de trabalho, isto , dentro dos princpios do capitalismo. Segundo Antnio Nvoa (1991, p. 20), essa precarizao citada acima provoca um mal-estar nos professores, cujas conseqncias "esto vista de todos,

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desmotivao pessoal, elevado ndice de absentesmo, de abandono, insatisfao profissional traduzida numa atitude de desinvestimento e de indisposio constante". Segundo Flavins Lapo (2002), o abandono, entendido aqui no apenas como a simples renncia ou desistncia de algo, mas como o desfecho de um processo para o qual concorrem insatisfaes, fadigas, descuidos e desprezos com o objeto abandonado, significa o cancelamento das obrigaes assumidas com a instituio escolar, quando o professor pede exonerao do cargo ou, de maneira mais abrangente, no cancelamento das obrigaes profissionais, quando deixa de ser professor. Esse cancelamento, visto como a ruptura total dos vnculos necessrios ao desempenho do trabalho, pode ser decorrente da ausncia parcial e/ou do enfraquecimento dos vnculos com a escola. H um fator que se pode considerar que muitas vezes pode estar dificultando a ruptura definitiva, que a importncia que a remunerao recebida pelo trabalho representa para a pessoa. Muitas vezes o professor no consegue outra atividade rentvel que garanta sua sobrevivncia e a de sua famlia, esta realidade faz com que ele no deixe seu trabalho, embora esteja insatisfeito com ele. Segundo Lapo e Belmira Bueno (2003), de modo geral, os abandonos temporrios e especiais tornam-se ineficientes ou insuficientes, ocorrendo o abandono definitivo. Os abandonos temporrios so antecipados por desnimos, doenas e o desencanto do professor com a profisso docente. Os abandonos temporrios se concretizam atravs de faltas, licenas curtas e licenas sem vencimentos. O que pude observar nos docentes entrevistados que eles permanecem afastados por tempo prolongado, alguns deles por at cinco anos. Observando os pequenos afastamentos anuais, eles parecem temporrios, mas quando unidos todos os afastamentos de um ano, o tempo total torna-se demasiadamente prolongado, restando apenas, segundo eles, aguardar a aposentadoria. Ainda citando os docentes entrevistados, foi possvel observar em suas falas que eles solicitam afastamentos geralmente porque os sintomas de dor fsica, relacionado a uma tendinite, ou a uma artrose, se agravam. Em afastamento observavam pequena melhora do seu quadro, ento voltavam a trabalhar, at a espera do aparecimento dos prximos sintomas.

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Encapei uma caixinha para a professora, parecia que estava tudo bem, mas chegava em casa e noite vinha a dor. (Margarida)

Esta professora portadora de tendinite, hrnia de disco e artrose. At o momento da realizao da pesquisa encontrava-se afastada, possui 26 anos de magistrio e 46 anos de idade. Refere que mesmo em afastamento deslocava-se seguidamente para a escola, a fim de visitar suas colegas; l, conforme ela, realizava pequenas ajudas s colegas docentes. Segundo Oliveira e Gonalves (2008, p. 9):A atual precarizao tambm evidenciada pela sade do trabalhador. Como demonstram alguns estudos realizados em distintos pases da Amrica Latina e do Caribe, o exerccio da docncia tem se transformado em uma atividade insalubre. As enfermidades laborais como estresse, sndrome de Burnout, doenas psico-neurolgicas, cardacas, entre outras, tm se tornado bastante freqentes no cotidiano destes professores e apresentam correlao positiva com a precarizao das condies de trabalho.

Hoje, o quadro de precarizao do trabalho docente caracteriza fortemente as condies de trabalho dos professores, causando grande prejuzo para eles, no que tange sade. Os docentes entrevistados, aps alguns anos de magistrio, necessitam permanecer em afastamento por motivos de doena, tais como: depresso, tendinites, artrose, cncer de mama, estresse, hrnia de disco, presso arterial sistmica, paralisia obsttrica degenerativa, acidente vascular cerebral, sndrome do escrivo, os quais exploraremos em profundidade no terceiro captulo desta dissertao. Ainda autores como Sampaio e Marin (2004) relatam que uma das questes bem visveis da precarizao do trabalho do professor refere-se ao salrio recebido pelo tempo de dedicao s suas funes, sobretudo quando se focaliza a imensa maioria, ou seja, os que atuam nas diversas escolas da rede pblica. O professor, como os demais trabalhadores, tambm vende sua fora de trabalho em troca de salrio. O professor trabalhador assalariado, como j destacamos.

Segundo Ftima Bizarro e Rosa Braga e (2005, p. 19),Exige-se-lhes que ofeream qualidade de ensino, dentro de um sistema massificado, baseado na competitividade, muitas vezes com recursos materiais e humanos precrios, com baixos salrios e um aumento

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exacerbado de funes, o que contribui para um crescente mal-estar entre os professores.

De acordo com

Marlucy Zacchi (2004), uma pesquisa do Fundo das

Naes Unidas para Educao e Cultura (UNESCO) e da Organizao para Cooperao e Desenvolvimento Econmico (OCDE), por exemplo, revelou que os trabalhadores em educao do Brasil tm um dos piores salrios entre 32 pases de economia equivalente, o que prova que a situao de penria dos educadores no um problema, para usar palavras simples, de "pobreza da nossa economia", mas da falta de polticas pblicas que insiram a educao como uma prioridade dentro de um projeto. Dados de 1997 informam que o clculo bruto da mdia salarial dos docentes da Educao Brasileira era de R$529,92, numa escala que variava de R$221,22 (na Paraba) a R$1.364,30 (no Distrito Federal). Alm disso, de se questionar a poltica salarial dos rgos pblicos quando se comparam as mdias entre o mbito federal (R$ 1.527,01), a dependncia administrativa estadual (R$584,76) e a municipal (R$376,67), sem levar em conta as mdias das redes privadas, s vezes consideradas melhor pagadoras, porm no generalizadas nem to mais elevadas, o que significa tambm desconsiderao pela funo docente neste mbito. (MARIN E SAMPAIO, 2004) Os dados apresentados por Siniscalco (2003, apud SAMPAIO e MARIN, (2004) atestam a dureza da realidade salarial do professor brasileiro em comparao com outros pases, inclusive queles com piores condies sociais e econmicas: o Brasil est acima apenas da Indonsia e quase empata com o Peru. Todos os demais oferecem salrios mais elevados na educao primria. Na educao secundria, tambm um dos sete piores do mundo. Essa realidade de piores salrios no foi percebida em nvel municipal, local da realizao desta pesquisa, ainda que dois docentes entrevistados tenham relatado que o municpio possui salrios inferiores quando comparados com outros municpios. Diante desta afirmao, sinto necessidade de fazer um levantamento dos onze municpios que compem a Associao dos Municpios da Regio Carbonfera (AMREC), para conhecer os salrios pagos por eles aos docentes alocados quarenta horas, com contratao temporria e graduados. Os dados levantados apresentam o municpio de origem da pesquisa como terceiro lugar em

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ordem decrescente, dentre os onze municpios. Isto no significa, todavia, que o valor recebido escape realidade nacional acima colocada, apenas que, comparativamente em sua regio, Cricima paga o terceiro maior valor aos professores. A situao salarial, segundo Oliveira e Gonalves (2007), melhora um pouco com o passar dos anos de atividade docente, por meio dos incentivos dados como trinio, adicionais por tempo de servio ou de qualificao. Comentando ainda sobre a precarizao do trabalho docente, Oliveira e Gonalves (2007, p. 7) descrevem: Entre outros aspectos denunciados recorrentemente pelos movimentos sindicais de professores brasileiros, os patamares salariais indicam a precarizao sofrida pelo trabalho docente no Brasil. Gomes d outros matizes para a precarizao (2002, p. 50):O carter precrio do trabalho docente condio que afeta o processo de trabalho em sua estrutura e, em termos subjetivos, causa direta do malestar e da autodesqualificao. Os elementos constitutivos do processo de trabalho esto precarizados: a fora de trabalho desvalorizada, em termos salariais e de qualificao por capacitao e atualizao, os instrumentos de trabalho so escassos, inexistentes ou fornecidos pelo prprio trabalhador.

Neste sentido, em minha pesquisa foi citada uma situao que merece destaque: a escola aparece como um local nem sempre apropriado para o ensino. Assim relata uma docente.Na escola aparece gente para vender ovos, po, joias, perfumes, roupas, pratas e todo tipo de coisas. (margarida)

Perguntamos: Que escola essa? Que lugar ocupa a escola na atualidade? Em que momento deixa de ser um espao privilegiado para o conhecimento e passa a ser um espao de compras e vendas? Em relao qualificao por capacitao e atualizao citada por Gomes, quando questionada sobre seu ambiente escolar, uma entrevistada reportase ao aperfeioamento constante. Interessante observar que ela j se encontra aposentada h um ano. Lembra dos cursos que fazia e da necessidade do aperfeioamento para a profisso docente. Fica clara na fala da docente a necessidade de sempre buscar aperfeioamento, mesmo, segundo ela, que aconteam nas frias, sacrificando-as para capacitar-se.

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Fazer o melhor para as crianas, fazer cursos de aperfeioamentos, nas frias sempre tinha, quanto mais, melhor. Ter mais superviso para orientar o professor na sala de aula pra gente se aperfeioar melhor.(cravina)

Segundo Mirian Narvaz (2005, p. 2):O professor que busca aperfeioar-se est sempre aberto s mudanas, acredita na pesquisa e na reconstruo do conhecimento, pois isto influencia diretamente na sua prtica pedaggica. Este empenho com a aprendizagem faz com que o professor busque, organize, crie estratgias para desempenhar melhor sua funo, favorecendo o trabalho em equipe e o comprometimento com a escola como um todo, transformando-se em mediador para que o aluno no se perca na vastido de informaes. Desta forma necessita o docente estar preparado para enfrentar os desafios dirios da profisso, isto implica em constante aprimoramento.

Outra questo relacionada precarizao so as horas-atividade de uso coletivo nas escolas, para o preparo das aulas. Segundo dados obtidos junto Secretaria de Educao do municpio pesquisado, o docente que possui uma jornada de trabalho correspondente a quarenta horas semanais tem direito a quatro horas para o desenvolvimento de hora-atividade, sendo duas horas destinadas participao de reunies, preparao de aulas, entre outras, isto , atividades consideradas dentro da escola, e duas horas livres, ou seja, para proveito de interesses particulares dos docentes. Por outro lado, o professor possuidor de uma jornada de vinte horas semanais tem a seu dispor duas horas semanais. Uma hora para atividades internas escola, como mencionado anteriormente, e uma hora que o docente utilizaria conforme suas necessidades pessoais. Essas horas so planejadas no interior da escola no incio do ano letivo, no tocante aos dias e s horas que sero destinadas hora-atividade. Segundo a Lei N 5.272, de 21 de maio de 2009 do Poder Executivo do Governo Municipal:Art. 9 - Sero concedidos 50% (cinqenta por cento) das horas-atividades s quais fazem jus os membros do magistrio municipal, a serem usufrudas livremente pelos mesmos, desde que no usem das mesmas para outro vnculo empregatcio, devendo as direes escolares organizar suas utilizaes. (CRICIMA, 2009)

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No entanto, dadas as condies reais de trabalho na escola, quase impossvel que o professor consiga realizar todas as atividades descritas anteriormente no perodo em que est na escola, fora de sala. As quatro horas, ou duas horas, na forma de horas-atividade, no so suficientes para que o professor d conta de seu trabalho dentro de sua jornada contratual, seja ela de dez, vinte, trinta ou quarenta horas semanais. Na realidade, as correes de trabalhos dos alunos consomem e extrapolam a hora-atividade do professor. Por isso, h necessidade de levar trabalho para casa e o professor fica sem possibilidades de usufruir livremente de seu tempo, como garantido em lei. importante lembrar neste contexto a importncia das associaes sindicais na mobilizao e luta contra a precarizao do trabalho docente, que proclamem a necessria reflexo tica em favor de polticas educacionais fundamentadas em melhores condies de trabalho, de salrios, de segurana na escola, entre outras. Passo a descrever abaixo duas categorias distintas, mas que se entrelaam para compreendermos o processo de trabalho docente. So elas as condies de trabalho e o ambiente de trabalho. Acredito que, a partir delas, poderemos compreender de forma concreta como os docentes vivenciam no seu dia-a-dia o seu processo de trabalho, aparecendo, em grande medida, sua precarizao.

2.2 CONDIES DE TRABALHO

A pretenso neste item refletir acerca das condies de trabalho sob as quais o professor vem exercendo a docncia. Chamo de condies de trabalho as circunstncias objetivas sob as quais o trabalhador realiza seu trabalho. Seriam os recursos fsicos, materiais e humanos (no sentido de equipe para realizar um trabalho, no no sentido de encarar o humano como recurso) para que o trabalho docente se efetive. Estas envolvem, alm das exigncias especficas da profisso, o conjunto da organizao do trabalho. Isto , em que contexto est inserido o trabalho docente, buscado a partir de como o docente se percebe dentro das condies que lhe so oferecidas, quais suas reais necessidades e dificuldades.

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As categorias elaboradas a partir da anlise das entrevistas que compem as condies de trabalho foram: sobrecarga de trabalho, falta de materiais e equipamentos, risco e insegurana, local de perseguio poltica e perda de direitos trabalhistas. Para Gomes (2002), o trabalho algo organizador da vida social, tambm espao de dominao e submisso do trabalhador pelo capital, mas, igualmente, de resistncia e de constituio do fazer histrico. Nesse sentido, os docentes so sujeitos da histria. So seres humanos, polticos, capazes de refletir sobre o seu processo de trabalho. No so meros receptores de decises prestabelecidas, mas sujeitos ativos. Segundo Martinez et al 1997, apud RAYMUNDO LIMA, 1998, na dcada de 80 do sculo vinte vrios autores centram suas reflexes sobre a educao, chamando a ateno para a figura do docente, e buscam decifrar os efeitos que podem sofrer pelo trabalho. A rapidez e a complexidade das transformaes do trabalho, como as constantes atualizaes exigidas dos docentes; o conhecimento e o manuseio de tecnologias como a internet, computadores; as mudanas de paradigmas do modo de ensinar e aprender, entre outros, fazem parte das transformaes ocorridas, que so visveis a toda sociedade. Percebe-se como essa mesma sociedade tem sido fonte geradora de tenses e sobrecarga fsica e mental, no somente da totalidade dos trabalhadores das indstrias, mas tambm de outro pblico muito vulnervel, o professor. A partir desta realidade passa a ser uma necessidade deste trabalho entender quais so os determinantes que afetam o processo de trabalho docente, relacionando-os com o surgimento de doenas, procurando fazer uma reflexo das tenses vividas na escola; identificar como so as condies de trabalho docente vividas dentro e fora da escola, trazendo tona os desgastes sofridos pelos profissionais no exerccio da profisso a partir do seu cotidiano escolar. Dejours 1982, apud ITACY BASSO, 1998 refere que as condies de trabalho interferem diretamente no trabalho e na sade do trabalhador. Condies essas entendidas desde a forma como realizada a atividade docente at as prprias condies fsicas em que est inserido este professor. O conceito apresentado por Vieira 1993 apud JORGE SILVA e SOLANGE SOUZA, 2004 refere que as condies de trabalho englobam tudo o que influencia o

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prprio trabalho, como o posto, o ambiente, os meios, a jornada, a organizao, a alimentao, o transporte, a moradia, a relao entre a produo e o salrio. Nesta pesquisa trabalho docente concebido como uma unidade, isto , considerado em sua totalidade, como afirma Basso (1998), que no se reduz soma das partes, mas sim em suas relaes essenciais, em seus elementos articulados, responsveis pela sua natureza. Basso (1998) ressalta:A anlise do trabalho docente, assim compreendido, pressupe o exame das relaes entre as condies subjetivas - formao do professor, e as condies objetivas, entendidas como as condies efetivas de trabalho, englobando desde a organizao da prtica - participao no planejamento escolar, preparao de aula, etc, at a remunerao do professor.

Em minha pesquisa, estou considerando as condies subjetivas das quais fala o autor na categoria de ambiente de trabalho, analisada a seguir, compreendendo as relaes de trabalho vivenciadas pelo docente com alunos, gestores, pais, comunidade. A formao do professor no foi considerada. Ento, as condies subjetivas estaro agrupadas na categoria ambiente de trabalho e as condies objetivas na categoria condies de trabalho. Passo a relatar o fruto do viver cotidiano dos docentes do ensino fundamental da rede municipal de ensino. Primeiramente, como esses vivem e compreendem suas condies seu trabalho e, posteriormente, seu ambiente de trabalho. Para nos situar na pesquisa, passo a contextualizar os professores 10

quanto ao seu perfil. Os dados analisados demonstram que 9 do total de

docentes so do sexo feminino e casados, tm idade entre 30 e 69 anos, 8 do total de 10 docentes possuem entre 20 e 29 anos de magistrio. Quanto existncia de outro vnculo empregatcio, 9 afirmam no ter outro emprego. Trs docentes, inclusive, so aposentados. Quanto aos turnos de trabalho, 8 trabalham 40 horas semanais, apenas 2 trabalham somente um turno, 6 possuem duas turmas, o que compreende uma turma pela manh e outra turma tarde. Para facilitar a relao dos docentes com seus diagnsticos, abaixo apresentamos um quadro sntese. Esclareo que estes diagnsticos foram os fornecidos pelos docentes pesquisadora quando da ocasio das entrevistas.

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Quadro 1: Diagnstico dos docentes pesquisados DOCENTES DIAGNSTICOS CONDIO FUNCIONAL Docente 1 Sndrome do Escrivo e Depresso Docente 2 Docente 3 Estresse Paralisia Degenerativa Docente 4 Docente 5 Tendinite, Hrnia de Disco Hipertenso Sistmica Docente 6 Docente 7 Depresso e Estresse Acidente Enceflico Docente 8 Docente 9 Docente 10 TOTALFonte: Elaborao da autora

Em Licena

Aposentada Obsttrica Aposentada

Em Licena

Arterial Aposentada

Em Licena

Vascular Em Licena

Cncer de Mama Depresso Puerperal Cncer de Mama 10 docentes

Ativa Ativa Em Licena 10 docentes

Comeo ento, a caracterizar as condies de trabalho a partir dos docentes entrevistados.

2.2.1 Sobrecarga de trabalho H uma presso enorme exercida sobre os trabalhadores docentes em aumentar suas atividades dentro das quarenta horas. Segundo Vieira (1993, apud SILVA e SOUZA, 2004), h a ideia de que os docentes necessitam ser mais produtivos, relacionando a produo como se vai a uma loja onde se compra determinados produtos. So elas: aulas, orientaes, publicaes, projetos, entre outros. Essa realidade o autor denomina de condies de trabalho. Muitos docentes necessitam assumir vrios empregos, gerando uma sobrecarga de trabalho que os impede, muitas vezes, de refletir sobre seu processo

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de trabalho docente. O tempo gasto com o preenchimento de relatrios, o aumento de horas de aula dos professores, as adaptaes constantes aos projetos polticos e os problemas das distncias que o docente necessita percorrer at o trabalho so condies de uma grande parte dos docentes entrevistados. As condies de trabalho evidenciadas atravs da pesquisa com os professores da rede municipal do ensino fundamental nos fazem refletir sobre as reais condies a que esto submetidos. Possuem uma jornada de trabalho que se prolonga at o seu domiclio, no deixando tempo disponvel para a preparao das aulas, a correo dos trabalhos e a atualizao, bem como poucas oportunidades de discusso coletiva para solucionar os problemas do cotidiano escolar. Muitas vezes realizam um trabalho sem muitos objetivos, comprometendo assim a prpria qualidade de ensino. A intensificao do trabalho quotidiano nas escolas tem levado os docentes a desempenhar um nmero cada vez maior de funes que lhes tiram o tempo necessrio para um exerccio mais refletido da sua profisso. Por exemplo, quando questionados sobre suas condies de trabalho, observo questes

relacionadas sobrecarga, s vrias jornadas de trabalho assumidas, s turmas multisseriadas sob responsabilidade de um nico docente e falta de materiais didticos, como na fala a seguir.So essas turmas multisseriadas que esgotam o professor e pouco assessoramento, o professor tem que estar escrevendo no quadro, que nem livro a gente tinha pro aluno, da era s quadro, quadro, mesmo pouco material didtico, slide, nada, no tinha estas coisas. Tnhamos que fazer com o que dava.(rosa)

Trata-se de uma docente aposentada h seis meses. Permaneceu afastada por sete meses, anteriormente sua aposentadoria. Trabalhava com turmas multisseriadas, alm de exercer outras atividades, como ser merendeira, substituir o diretor na sua ausncia, o que lhe causava uma sobrecarga de trabalho. O motivo do seu afastamento tem como diagnstico Tendinite e Hrnia de Disco. Ao ser interrogada sobre suas condies de trabalho, ela relaciona as turmas multisseriadas s condies desfavorveis de trabalho. Esta a realidade de muitas escolas municipais pesquisadas. Esta docente trabalha em uma escola pequena, onde h poucos alunos existentes na localidade.

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Diante desse insuficiente nmero de alunos, explica a professora, que tiveram que unir as turmas, mas, segundo ela, constituir uma turma nica, isto , muitos alunos em uma nica sala, em torno de trinta a quarenta alunos dividindo o mesmo espao fsico, caracteriza uma sobrecarga de trabalho, pois necessrio trabalhar simultaneamente vrios contedos e atividades diversas para diferentes alunos. Alm de atender a demanda dos diferentes nveis de alunos, ela relatou que a Diretora da escola possui reduzida carga horria para atender a escola. Na ausncia da diretora, a docente respondia a outras necessidades, como atender pais, alunos, pessoas que chegavam escola; at para solicitar um documento de transferncia de um aluno, era ela mesma quem realizava. Essa realidade gera tambm uma fragmentao do trabalho do professor. Destaco aqui a sobrecarga de atividades que so destinadas aos educadores, obrigados a atuar na administrao, programao, avaliao, orientao aos alunos, atendimento aos pais e participao em reunies, entre outros. Esta sobrecarga de trabalho acaba resultando, segundo Apple (1995) e Hargreaves (1998), apud Maria Emanuela GARCIA e SINOME ANADON, 2009, p. 69-70, em intensificao do trabalho docente. Para o autor acima:[...] intensificao, em termos gerais, caracteriza-se pela crescente demanda de novas atribuies pela falta de tempo para as atividades mais bsicas da vida humana e pelo sentimento de cansao crnico dos trabalhadores intelectuais em funo do excesso de trabalho.

A forma como est organizada a escola faz com que o professor deva aprender a realizar uma srie de outras tarefas, alm da docncia propriamente dita. Os professores, de certo modo, fazem as vezes dos pais, assumindo diversas tarefas, e educando ao mesmo tempo. Assim, observa-se que os professores esto sobrecarregados de trabalho, sendo obrigados, muitas vezes, a realizar uma atividade fragmentria, atendendo simultaneamente uma tal quantidade de elementos diferentes que se torna impossvel realiz-los com eficincia. Alm de atender a vrias demandas simultaneamente, a falta de apoio e de valorizao docente por parte dos pais e da prpria Secretaria de Educao, segundo uma docente, tambm uma realidade:

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Eu fui e pedi na Secretaria de Educao (auxlio de outra professora), e s respondiam: vamos ver, vamos ver, s que o tempo foi passando e eu me acabando, me esgotando.(rosa)

Esta docente possui hrnia de disco e tendinite. Trabalha com turmas multisseriadas, possui vinte e nove anos de magistrio, est afastada da sala de aula, realizando tratamento mdico para as patologias referidas acima. Refere que inmeras foram as vezes que solicitou junto Secretaria de Educao uma professora auxiliar para o desenvolvimento das atividades em sala de aula mas, segundo ela, nunca foi atendida. Outra docente relata:Eu tinha de resolver pepino com os pais, pepino com as crianas, problema com a merenda, ento tudo eu tinha que responder, e ainda eu estava com cinco turmas na escola.(petnia)

A docente, diante das variadas demandas da escola, necessita responder a exigncias que esto alm de sua funo. Muitas vezes, como afirma Noronha (2001), apud DALILA OLIVEIRA, (2004), esses profissionais so obrigados a desempenhar funes de agentes pblicos, psiclogos, enfermeiros, assistentes sociais, entre outras. Tais exigncias contribuem para um sentimento de desprofissionalizao, de perda de identidade profissional, da constatao de que ensinar, s vezes, no o mais importante. O trabalho docente no definido mais apenas como atividade em sala de aula, ele tambm compreende a gesto da escola no que se refere dedicao dos professores ao planejamento, elaborao de projetos, discusso coletiva do currculo e da avaliao. Por outro lado, isto mostra participao, no s trabalho. Participar exige trabalho. De acordo com Martinez (1997, apud GOMES, 2002), a carga de trabalho est relacionada com a quantidade de alunos por escola e uma varivel de peso na anlise das condies e meio ambiente do trabalho docente. Apesar de a

afirmao do autor no condizer com a realidade pesquisada, constato que as turmas multisseriadas no ultrapassam trinta alunos. Quero afirmar com este dado que o docente no trabalha com nmero acima de trinta alunos em sala de aula, estando ou no trabalhando com turmas

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multisseriadas. Mas a turma multisseriada exige do docente a diversidade de tarefas e contedos trabalhados simultaneamente num mesmo espao fsico, exigindo maior intensidade de trabalho. A mesma docente entrevistada acima continua retratando de forma objetiva a realidade do seu trabalho e apresenta outros aspectos referentes sobrecarga de trabalho:

Sobrecarga de trabalho, primeira coisa, era o estresse, eu fiquei com tanta bronca da escola que eu no posso ver nenhuma criana uniformizada.(Petnia)

Reporto-me ao contexto da fala da docente, ela foi diretora da escola onde trabalhava por aproximadamente seis anos. Em uma determinada data, seu cargo de diretora foi colocado disposio. Segundo esta professora, sua vida ento perdeu o sentido. Comeou a desenvolver suas atividades por obrigao, pois no conseguia mais trabalhar com liberdade, afirmou, pois se sentiu tolhida. Outro fator se deve, segundo ela, s transformaes ocorridas no interior da escola. Transformaes na forma de ensinar e de aprender. A entrevistada relata que at alguns anos ela era a autoridade da escola, entendia que sua tarefa era, alm de ensinar, a de corrigir, mostrar ao aluno o que era certo e o que era errado. Foi ento que deu incio ao afastamento, pois seu brao direito j no lhe ajudava no desenvolvimento de suas atividades e sentia intensas dores. Para esta docente, hoje aposentada, ver na rua uma criana uniformizada lhe causa certo desconforto emocional. Em se tratando das condies de trabalho docente, outra realidade aparece no cenrio da pesquisa. So as atividades extraclasse realizadas pelos professores, que consistem em ler, corrigir provas, preparar aulas, se atualizar, fazer cursos, atividades inerentes sua funo.Preparava noite, no saa nos finais de semana para preparar as aulas.(cravina)

Essa a vida do professor. O que se observa que as tarefas laborais vo aos poucos invadindo o seio familiar, trazendo dificuldades para o interior deste

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ambiente. A falta de tempo para a famlia vai, s vezes, gerando conflitos e desestimulando o docente para uma prtica laboral feliz. O que o docente necessita de condies para fazer seu trabalho, tempo para preparar a aulas, para conhecer seus alunos e para que estes conheam o professor. Mas, na verdade, no essa realidade que muitas vezes vemos. O que vejo professor fatigado, cansado, estoura com facilidade com seus colegas com palavras indelicadas, docentes com semblante desfigurado pela dor da tendinite, da hrnia na coluna, da voz rouca, da depresso, enfim, so muitas as situaes que podem ser lidas no semblante, no olhar, no corpo do docente atravs da comunicao no verbal. 2.2.2 Falta de materiais e equipamentos Vrios dos docentes entrevistados apontam que a ausncia de recursos materiais dificulta seu trabalho. Dentre a falta de materiais, os docentes citam: falta de computadores, falta de xerox, moblia inadequada, falta de pessoas para trabalhar, dentre outros.S com quadro, giz e o mimegrafo, era maquininha que tem me ajudado para degenerar meu brao.(rosa)

A fala acima expressa por uma docente que est em afastamento de fevereiro de 2007 at fevereiro de 2009. Est afastada com diagnstico de Hrnia de Disco em coluna cervical e Tendinite e atribui sua doena falta de materiais na escola. Atualmente ela encontra-se em seu domiclio, dependente que o esposo realize as atividades domsticas, bem como a auxilie nas atividades de banho, nas refeies, dentre outras. Encontra-se aparentemente com sobrepeso, pois, conforme relata, no consegue realizar as caminhadas preconizadas pelo seu mdico, por conta da patologia citada anteriormente. Muitas vezes o aparecimento da dor fsica o indicador de afastamento do docente. Quando a dor o impossibilita de ir ao trabalho, aparecem ento, os dias de afastamento. Muitas vezes exigido que o docente oferea qualidade de ensino, mas os recursos materiais no condizem com as exigncias de um ensino de qualidade,

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os recursos materiais e humanos esto cada vez mais precarizados. A precarizao dos materiais, muitas vezes, coloca em risco a sade do professor.

o professor que tem menos apoio, material de educao fsica, por exemplo, uma ou duas crianas que coloca o p na bola, leva mais trs, quatro minutos para botar de novo. Essa a escassez de bola na escola.(cravo)

Aqui, a fala de um docente acusando dificuldades em realizar seu trabalho devido falta de materiais. 2.2.3 Local de perseguio poltica As condies de trabalho docente muitas vezes esto marcadas por aquilo que os professores chamam de perseguies polticas. Trata-se de excluso de docentes que no participam do partido poltico na instncia municipal. Alm disso, quando o gestor municipal muda, aniquila os projetos trabalhados pelos profissionais at ento, no se tendo uma continuidade coerente, como se o passado no existisse.Mas eu noto assim, tipo, no era a diretora, era uma coisa, foi para a direo, mudou. Muda completamente.(margarida)

A docente acima relata que sua diretora quando era uma simples professora apresentava um comportamento, quando tornou-se diretora mudou completamente suas atitudes e postura. comum, ao se realizarem as trocas de gestores municipais, tambm se realizarem transferncias de docentes, bem como muitos dos projetos trabalhados por estes so quebrados e fragmentados, merc destas transformaes ocorridas normalmente nas vitrias partidrias. O professor fica, dessa forma, perdido no processo pedaggico. A fala de uma das entrevistadas reflete a