· Web viewMais recentemente Tillmann e Grzybovski (2005) destacaram que a tendência mundial de...

29
INCENTIVO À SUCESSÃO NA AGRICULTURA FAMILIAR: PROGRAMA SUCESSÃO FAMILIAR NO VALE DO TAQUARI/RS INCENTIVE FOR SUCCESSION IN FAMILY AGRICULTURE: SUCCESSION PROGRAM FAMILY IN VALE TAQUARI/RS Resumo A dificuldade de sucessão na agricultura familiar tem se apresentado como um problema na realidade da agricultura. Neste sentido, a Cooperativa X, no Rio Grande do Sul, criou o Programa de Sucessão Familiar visando estimular os jovens a se capacitarem e ficar no meio rural. A presente pesquisa objetiva analisar o Programa Sucessão Familiar, verificando se o programa tem contribuído para a permanência dos jovens na agricultura; e identificar o nível gerencial dos jovens e respectivas unidades de produção agropecuárias. Metodologicamente realizaram-se 43 entrevistas com jovens participantes do Programa , a partir de um roteiro semiestruturado. As entrevistas foram realizadas em 2015, em reuniões com os jovens. Concluiu-se que o programa tem proporcionado, a partir da teoria e da prática, mecanismos que auxiliam os jovens a gerir a propriedade, desenvolvendo dessa forma o interesse pelas atividades agrícolas e pela sucessão, elevando o nível gerencial dos mesmos. Palavras-chave: Propriedade Familiar; Jovens Rurais; Gestão Rural; Transferência de Poder. Abstract The difficulty of succession in family farming has emerged as a problem in the reality of agriculture. In this sense, the Cooperative X, in Rio Grande do Sul, created the Family Succession Program to stimulate young people to empower and stay in rural areas. This research aims to analyze the Family Succession Program, ensuring that the program has contributed to the permanence of young people in agriculture; and identify the managerial level of the young people and their agricultural production units. Methodologically they were held 43 interviews with young participants of the program, from a semi-structured script. Interviews were conducted in 2015 in meetings with young people. It was concluded that the program has provided, from the theory and practice, mechanisms that help young people to manage the property, thus developing interest in agricultural activities and the succession, raising the management level of the same. Keywords : Family Property; Rural young people; Rural Management; Power transfer. 1. INTRODUÇÃO

Transcript of  · Web viewMais recentemente Tillmann e Grzybovski (2005) destacaram que a tendência mundial de...

INCENTIVO À SUCESSÃO NA AGRICULTURA FAMILIAR: PROGRAMA SUCESSÃO FAMILIAR NO VALE DO TAQUARI/RS

INCENTIVE FOR SUCCESSION IN FAMILY AGRICULTURE: SUCCESSION PROGRAM FAMILY IN VALE TAQUARI/RS

ResumoA dificuldade de sucessão na agricultura familiar tem se apresentado como um problema na realidade da agricultura. Neste sentido, a Cooperativa X, no Rio Grande do Sul, criou o Programa de Sucessão Familiar visando estimular os jovens a se capacitarem e ficar no meio rural. A presente pesquisa objetiva analisar o Programa Sucessão Familiar, verificando se o programa tem contribuído para a permanência dos jovens na agricultura; e identificar o nível gerencial dos jovens e respectivas unidades de produção agropecuárias. Metodologicamente realizaram-se 43 entrevistas com jovens participantes do Programa, a partir de um roteiro semiestruturado. As entrevistas foram realizadas em 2015, em reuniões com os jovens. Concluiu-se que o programa tem proporcionado, a partir da teoria e da prática, mecanismos que auxiliam os jovens a gerir a propriedade, desenvolvendo dessa forma o interesse pelas atividades agrícolas e pela sucessão, elevando o nível gerencial dos mesmos.Palavras-chave: Propriedade Familiar; Jovens Rurais; Gestão Rural; Transferência de Poder.

AbstractThe difficulty of succession in family farming has emerged as a problem in the reality of agriculture. In this sense, the Cooperative X, in Rio Grande do Sul, created the Family Succession Program to stimulate young people to empower and stay in rural areas. This research aims to analyze the Family Succession Program, ensuring that the program has contributed to the permanence of young people in agriculture; and identify the managerial level of the young people and their agricultural production units. Methodologically they were held 43 interviews with young participants of the program, from a semi-structured script. Interviews were conducted in 2015 in meetings with young people. It was concluded that the program has provided, from the theory and practice, mechanisms that help young people to manage the property, thus developing interest in agricultural activities and the succession, raising the management level of the same.Keywords: Family Property; Rural young people; Rural Management; Power transfer.

1. INTRODUÇÃO

O Estado do Rio Grande do Sul apresenta condições naturais e culturais favoráveis

ao desenvolvimento das cadeias produtivas do leite, suínos e aves (KRABBE et al., 2016).

Na região do Vale do Taquari, especificamente a região onde a presente pesquisa foi

desenvolvida, essas atividades acontecem de forma intensiva e predominante. Como reflexo

da expansão e expressividade econômica e social de tais atividades na referida região, bem

como a partir da necessidade de estratégias de permanência e reprodução desses

agricultores nas referidas atividades, que surgiram as associações de produtores

(BORGMANN; SINDELAR; BARDEN, 2014). Dentre essas associações, se destacam as

cooperativas agropecuárias como a Cooperativa X1, foco da presente análise.

Cabe destacar que o cooperativismo é a união de pessoas com interesses comuns,

sem objetivar unicamente a lucratividade, tendo como principal finalidade libertar o homem

do individualismo. Além disso, as noções de cooperativismo defendem a coletividade e a

solução dos problemas comuns através da união, auxilio mutuo e integração entre pessoas

(OCERGS, 2008).

Apesar da tendência mundial de produção em grande escala e modernas técnicas de

produção, a agricultura familiar continua a sobreviver em várias regiões do país,

principalmente na região sul. Porém, essa não é a realidade de todas as propriedades

familiares e, algumas destas, não têm condições de acompanhar os avanços tecnológicos e

acabam perdendo competitividade, devido ao alto custo de produção e à baixa

produtividade. Contudo, em alguns setores, como é o caso do leiteiro, suinícola e avícola, ou

seja, em atividade em que há integração vertical entre a indústria e a agricultura, o emprego

de novas técnicas e a especialização dos produtores, fazem com que estes alcancem

índices produtivos semelhantes aos de países desenvolvidos (LAUSCHNER, 1980).

A condição mencionada de permanência e reprodução da agricultura familiar com

boas condições financeiras, é uma realidade presente no Vale do Taquari, como já

destacado. Porém, o sucesso dessas propriedades familiares depende, sobretudo, de um

processo sucessório, que desperte o interesse dos jovens em permanecer no campo e dar

continuidade ao negócio familiar com eficiência e eficácia. Dessa forma, ações de

intervenção no sentido de incentivar a permanência destes na agricultura são

imprescindíveis. As ações podem ser por parte do governo ou mesmo a partir dos atores

locais, como as associações e cooperativas. Como o caso da Cooperativa X que atua no

sentido de investir na formação técnica, incentivando a permanência dos jovens na

propriedade para dar sequência nas atividades exercidas pelos seus pais.

Corroborando com a afirmação acima, sob o aspecto da gestão da empresa rural,

destaca-se que o ideal numa família é haver a possibilidade de escolher, dentre os

sucessores, o mais indicado para dar continuidade às atividades praticadas pela empresa

(LANGUIRU, 2013). Lodi (1986) já acrescentava que o pior dos conflitos existentes entre as

empresas familiares acontece na fase de sucessão, resultado quase sempre de problemas

estruturais da família. Essa estrutura familiar e a própria sucessão será determinada em

longo prazo pela maneira como os pais constituíram e educaram a família.

Mais recentemente Tillmann e Grzybovski (2005) destacaram que a tendência

mundial de empresas familiares é desaparecer ao ingressar a terceira geração, ao menos 1Para fins desta pesquisa a Cooperativa estudada será chamada de Cooperativa X, evitando exposição do nome real da mesma.

que desenvolvam estratégias ordenadas de sucessão, que podem causar mudanças

organizacionais profundas. Dentre essas estratégias, destaca-se a valorização no herdeiro-

sucessor das habilidades humanas que possibilitam gerenciar aspectos de relacionamento

familiar no ambiente do trabalho e as estratégias do negócio junto ao mercado. Os autores

destacam ainda, que as estratégias devem iniciar no período em que o sucessor está sendo

preparado para assumir os negócios da família, ou seja, inicia com a escolha do candidato,

e vai até o momento da consolidação da transição, com o afastamento do sucedido.

A sucessão na agricultura familiar apresenta-se contemporaneamente como um

problema na realidade da agricultura, já que muitas famílias não têm encontrado jovens

dispostos a permanecer na agricultura e dar seguimento aos negócios. O problema se

intensifica quando abordadas questões de gênero, ou seja, as mulheres jovens tem menos

propensão a permanecer no campo e, consequentemente, geram um processo de

masculinização e desestímulo aos jovens do sexo masculinos que não conseguem parceiras

para constituir família (ABRAMOVAY, 1998).

Mello et al., (2003), desenvolveram pesquisas no Oeste de Santa Catarina onde

constataram que a agricultura familiar da região começa a enfrentar problemas que não

existiam até o final dos anos 1960. Anteriormente o filho mais novo ficava com a

propriedade dos pais e aos demais filhos eram viabilizados a partir dos meios materiais

necessários para que se reproduzissem enquanto agricultores. Já a partir do final dos anos

70, não se identifica um padrão alternativo claramente definido e legitimado pelos membros

da família, gerando maiores conflitos durante o processo sucessório. Com isso, na maioria

das famílias rurais não existe uma preparação prévia e organizada das questões

relacionadas à sucessão, o que faz com que não se defina previamente quem fica no

estabelecimento dos pais e nem a forma de remuneração dos irmãos que não serão

sucessores. Além disso, é claro um viés de gênero que exclui as filhas da possibilidade de

serem sucessoras. Todo esse contexto ameaça e coloca em risco a reprodução econômica

e social da agricultura familiar (MELLO et al., 2003).

A partir dessa problemática, programas de incentivo à permanência dos jovens no

meio rural e, consequentemente, para sucessores nos negócios da agricultura familiar têm

se mostrado um imperativo urgente. Alguns exemplos nesse sentido já são encontrados no

Rio Grande do Sul, como é o caso do Programa Sucessão Familiar da Cooperativa X que foi

criado em dezembro de 2014, visando a formação gerencial de sucessores da propriedade

rural. O programa é gratuito e oferecido aos jovens cooperados.

Considerando os objetivos do programa “Sucessão Familiar Languiru” questiona-se

de que forma ele tem contribuído para a permanência dos jovens no meio rural. O programa

auxilia a participação dos jovens no processo gerencial da propriedade? O programa

estimula de fato o desejo de permanência na agricultura?

Para investigar essas questões, o objetivo principal da presente pesquisa é analisar

o Programa Sucessão Familiar da Cooperativa X e seus resultados. Como objetivos

secundários têm-se: a) caracterizar o perfil dos jovens participantes do programa de

sucessão familiar e suas respectivas propriedades rurais; b) identificar o nível gerencial dos

jovens e das unidades de produção agropecuárias participantes do projeto de sucessão.

A fim de responder os objetivos do estudo, metodologicamente realizou-se uma

pesquisa com as 43 famílias que participam do Programa de Sucessão Familiar da

Cooperativa X. As entrevistas foram realizadas no primeiro semestre de 2015, em reuniões

específicas do projeto com os jovens, seguindo um roteiro semiestruturado, no qual

continham questões abertas e fechadas.

2 A SUCESSÃO NA AGRICULTURA FAMILIAR: COMO SE DÁ A PERMANÊNCIA DO JOVEM NO MEIO RURAL?

As dificuldades nos processos de sucessão na agricultura familiar, ou mesmo a

inexistência de sucessores, apresenta-se contemporaneamente como um problema na

realidade, já que muitas famílias não têm encontrado jovens dispostos a dar seguimento nas

atividades realizadas pelos pais. O problema se intensifica quando abordadas questões de

gênero, ou seja, as mulheres jovens tem menos propensão a permanecer no campo que,

consequentemente, gera um processo de masculinização e desestímulo aos jovens do sexo

masculinos que não conseguem parceiras para constituir família (ABRAMOVAY et al.,

1998).

Carneiro (1998) destaca que no contexto de crise da agricultura familiar, bem como

dos processos econômicos recentes, o rural se transforma num local cada vez mais

heterogêneo, diversificado e já não pode ser reconhecido como exclusivamente agrícola.

Nessa realidade, a juventude rural chama a atenção por ser a categoria mais atingida por

essa dinâmica de diluição das fronteiras entre os espaços rurais e urbanos.

A diluição de fronteira entre o rural e o urbano tem desencadeado no que denomina

de “problema da questão sucessória” na agricultura, que acontece quando a formação de

uma nova geração de agricultores perde a naturalidade com que era vivida até então pelas

famílias e pelos indivíduos envolvidos nos processos sucessórios (CARNEIRO, 1998; 2005).

Assim, neste processo, ajustada com o agravamento da situação da falta de perspectivas

para os que vivem da agricultura, no cenário socioeconômico, os jovens são os mais

afetados.

Segundo Carneiro (2005; 1998), deve-se considerar que os jovens procuram

afirmações para o seu futuro e aspiram à construção de seus projetos, geralmente

vinculados ao desejo de inserção no mundo moderno. Neste sentido, a questão da

sucessão vem passando por mudanças e isso ocorre devido às modificações estruturais na

sociedade em geral, afetando o meio rural e o modo de vida das famílias. Por conseguinte, a

escolha da profissão passa a ser livre, o fato de um jovem ser filho de agricultores não

significa que ele deva ser um agricultor também (SILVESTRO et al., 2001).

Conforme Spanevello (2008), a dinâmica sucessória na agricultura familiar vem

ganhando destaque já que a maioria dos estabelecimentos permitem a instalação de apenas

um filho para evitar a inviabilidade econômica da unidade produtiva. Ou seja, a permanência

dos jovens no campo está atrelada as condições econômicas e sociais oferecidas. A partir

destas condições o agricultor pode ou não contar com os filhos para a sucessão. (BRUMER,

et al., 2000). Tem permanecido no campo aquele que tem espaço para para gerir e viver em

condições semelhantes aos jovens urbanos, com renda e tecologia.

Redin (2009) destaca as tecnologias como fator condicionante para permanência do

jovem no campo, à exemplo das máquinas e equipamentos que facilitem a realização das

atividades agrícolas. Somado a isso, o fortalecimento de grupos locais, pois a organização é

uma forma de buscar conjuntamente alternativas para as dificuldades, além de impulsionar

iniciativas e atividades voltadas para a área de lazer, através de encontros que propiciem

trocas de experiências, jogos recreativos, indo além da socialização.

Também analisando os fatores que motivam a permanência ou a saída dos jovens

do meio rural, Troian et al., (2009; 2011) constataram, em estudo realizado em localidades

agrícolas de Santa Rosa, no estado do Rio Grande do Sul, que permanecem no campo os

jovens que possuem propriedades desenvolvidas e rentáveis, tendo como principal forma de

integração os grupos de jovens vinculados a igreja. Observa-se, portanto, que a presença

de atividades integradoras, que estimulam os jovens em seu trabalho e em atividades de

lazer, fazem com que estes se interessem pelo meio em que vivem, e busquem a

continuidade das atividades rurais.

Neste sentido, segundo Brumer et al., (2000), as perspectivas da permanência dos

filhos na atividade agrícola dependem principalmente das condições internas das famílias,

tanto econômicas quanto sociais. Dentre elas, os autores elencam a viabilidade econômica

da propriedade, a qualificação para a entrada de novos mercados, as estratégias de

obtenção de rendas complementares, a relação entre pais e filhos, a questão de gênero e a

escolha profissional. Esses fatores evidenciam a complexidade na decisão entre ficar ou sair

do meio rural, em dar ou não continuidade nas atividades agrícolas realizadas pelos pais.

3 METODOLOGIA

A presente pesquisa caracteriza-se como qualitativa, tendo como método, o estudo

de caso. A pesquisa qualitativa compreende um conjunto de diferentes técnicas

interpretativas que visam descrever os componentes de um sistema complexo de

significados. Tem por objetivo traduzir e expressar o sentido dos fenômenos do mundo

social, reduzindo distâncias entre teoria e dados, bem como entre contexto e ação (PLICK,

2009).

O Estudo de Caso, por sua vez, objetiva analisar a fundo uma unidade de estudo.

Para Godoy (1995) um estudo de caso examina detalhadamente um ambiente, um sujeito,

ou mesmo uma situação em particular.

Como instrumentos de pesquisa foram utilizados a entrevista com roteiro

semiestruturado, composto de questões abertas e fechadas. Também se fez uso da não

participante e de dados secundários provenientes do banco de dados da Cooperativa X,

bem como pesquisa (revisão) bibliográfica.

Para a coleta dos dados, foi elaborado um roteiro de entrevistas baseando-se em

Spanevello (2008)2 e um roteiro de observação. Tais instrumentos foram aplicados durante

três encontros mensais do programa de sucessão e os entrevistados representaram a

totalidade dos participantes no referido Projeto de Sucessão Familiar no primeiro semestre

de 2015, ou seja, 43 jovens. A observação constituiu num instrumento relevante no

processo de coleta de dados empíricos. A partir da observação não participante foi possível

identificar aspectos não contemplados nas entrevistas.

O processo de análise dos dados deu-se mediante a organização, tabulação,

descrição e análise propriamente dita das entrevistas o observações realizadas. Para tanto,

utilizou-se o programa computacional PSPP (Public Social Private Partnership)3.

3.1 Caracterização do Vale do TaquariO Vale do Taquari é composto por 36 municípios, localiza-se em média a 150

quilômetros da capital Porto Alegre. Ocupa uma área de 4.826,7 km² de área (1,79% da

área do RS), onde vivem 348.435 pessoas (3,11% da população do RS) (FEE/RS 2014). A

população da região é composta por diversas etnias, destacando-se as de origem alemã,

italiana e açoriana.

No meio rural, sobressai as pequenas e médias propriedades, caracterizando-se

como uma região de agricultura familiar. A região também conta com atividades ligadas à

indústria e ao setor de serviços e comércio, tem como forte característica a produção de

alimentos e praticamente 80% da sua atividade produtiva gira em torno do agronegócio. O

2 “A Dinâmica Sucessória na Agricultura Familiar”

3 O PSPP é considerado um software para análises estatísticas sobre matrizes de dados que consente gerar relatórios tabulados, utilizados na realização de análises descritivas e inferências a respeito de correlações entre variáveis. O programa é uma espécie de substituto gratuito e se assemelha ao SPSS com poucas diferenciações, sendo que não existem prazos de validade, não existe nenhum limite artificial do número de dados ou variáveis nos quais se pode trabalhar (PSPP, 2016).

Vale do Taquari é conhecido pela produção de erva-mate, tabaco, criação de suínos,

frangos, bem como pelos frigoríficos e abate de frangos e suínos. A Figura 1 busca

demonstrar a localização da região em que se desenvolveu a pesquisa.

Figura 01- Mapa do Brasil com destaque para o Rio Grande do Sul e Vale do Taquari

Fonte: Adaptado do google imagens.

3.2. A Cooperativa X e o Programa “Sucessão Familiar”

A Cooperativa X localiza-se Vale do Taquari no estado do Rio Grande do Sul, sendo

a sede no município de Teutônia. É uma das maiores cooperativas da região e desde que foi

fundada, em 1955, tem suas bases na ajuda mútua, esforço, responsabilidade, democracia,

igualdade e solidariedade norteiam o trabalho de todos que fazem parte da organização

(LANGUIRU, 2013).

Atualmente a coperativa atua nos segmentos de aves, suínos, embutidos, laticínios,

rações e varejo. A cooperativa tem ainda a função de interlocutora e extensora das

tecnologias e informações para os agricultores cooperados, bem como presta assistência

técnica. A assistência técnica ocorre a partir da transmissão do conhecimento, visando a

fidelização de seus cooperados.

Quando da realização da pesquisa a cooperativa contava com um quadro social de

aproximadamente 5.900 associados, dos quais, 2.500 produtores de leite, de frango e\ou

suínos. No quadro de funcionários a empresa possuia cerca de 2.500 colaboradores.

Visando envolver os jovens rurais nas atividades ligadas a agropecuária,

capacitando-os para que tenham interesse e competência para se tornarem os sucessores

das propriedades dos pais, a Cooperativa X desenvolve ações especificas para este público,

destacando-se o Programa Sucessão Familiar.

O referido programa iniciou em dezembro de 2014, quando contava com 118

inscritos e tinha como foco a formação gerencial dos jovens a fim de contribuir com a

manutenção das atividades nas propriedades. O programa é dividido em módulos e concilia

teoria e prática. Os encontros aconteceram mensalmente com visitas sistemáticas nas

propriedades e a implementação de sistemas informatizados de gestão.

O programa foi formatado como um curso em que a grade curricular abordou: a) A

produção agropecuária e as características de gestão; b) Tecnologias de informações

gerenciais para a agropecuária; c) Gestão patrimonial, gestão de custos, gestão de

resultados, gestão de projetos, gestão financeira, gestão de pessoas; d) Sucessão rural; e)

Associativismo, cooperativismo e alianças estratégicas. Estas atividades permitem a análise

da realidade econômico-financeira, gestão de custos de produção, gestão do patrimônio,

desenvolvimento de projetos e de planejamento financeiro (BAYER, 2014).

A operacionalização do Programa Sucessão Familiar se deu a partir de visitas às

propriedades geradoras de informações gerenciais, instalação das ferramentas,

levantamento patrimonial, controle e planejamento dos gastos da propriedade, custos por

atividade, receitas e dados da produção por atividade, montagem de projetos, sucessão

familiar na propriedade e avaliação final do projeto.

4 OS JOVENS RURUAIS DO VALE DO TAQUARI: O PAPEL DA GESTÃO NA PERMANÊNCIA NO MEIO RURAL

Nesta seção serão apresentados os principais resultados da pesquisa acerca do

Programa de Sucessão Familiar desenvolvido pela Cooperativa X. Para tanto, se inicia

apresentando o perfil dos jovens entrevistados, em seguida discute-se o nível gerencial dos

jovens e de suas respectivas unidades produtivas. Por fim, apresentam-se as motivações

dos jovens para permanência e saída da agricultura.

4.1 Perfil dos jovens participantes do programa de sucessão familiar

A Cooperativa atua em 24 municípios, dos quais 11 foram abordados pela pesquisa,

sendo que a maioria dos jovens entrevistados é de Teutônia, 11, seguido de oito de

Wesfália, cinco de Estrela e três de Colinas. Em Poço das Antas e Arroio do Meio foram

entrevistados dois jovens de cada; nos municípios de Crissiumal, Imigrante, Cruzeiro do Sul,

Santa Clara do Sul e Bom Retiro do Sul, apenas um jovem de cada localidade.

Por ser uma região basicamente composta por agricultores familiares e com uma

topografia acidentada, a Região do Vale do Taquari adota a diversificação de atividades

produtivas, sendo que os produtores intensificam sua produção integrando duas ou mais

atividades, como pode ser visualizado posteriormente na Figura 02.

A disponibilidade reduzida do fator produtivo terra, faz com que os proprietários,

estrategicamente, passem a investir nas cadeias avícola, suinícola e na atividade leiteira, as

quais são intensivas em capital e mão de obra. A disponibilidade de terras das propriedades

inseridas na pesquisa fica disposta conforme a Figura 2.

Figura 2. Quantidade de terras em ha¹ das propriedades.

até 10 ha¹ 10 a 20 há¹ 20 a 40 há¹ 40 a 60 há¹05

1015202530354045

32,6%

39,5%

20,9%

7,0%

Fonte: Elaborado pelos autores com base nos dados da pesquisa.

Tendo em vista a questão sucessória, buscou-se investigar a composição das

famílias dos jovens entrevistados. A maior parte dos entrevistados, 19 (44%) possui família

composta por três membros. Já 14 entrevistados (32%) têm família composta por quatro

integrantes. Por fim, destaca-se que 10 entrevistados (24%) têm família com cinco ou mais

integrantes, sendo que as famílias maiores geralmente incluem os idosos que ainda estão

presentes no quadro familiar, já que os filhos acabam casando e morando junto com os pais,

podendo conter até sete integrantes na família.

Como exposto anteriormente, a região em questão destaca-se pela intensificação de

três atividades principais: avicultura de corte, suinocultura e bovinocultura de leite. Assim,

evidenciam-se, na Figura 03, as principais atividades agrícolas desenvolvidas e grau de

relevância econômica delas para a propriedade.

Figura 03. Gráfico das atividades agrícolas desenvolvidas e seu grau de relevância econômica

1° lugar 2° lugar 3° lugar0

5

10

15

20

25

30

35

Aves Suínos creche Leite Soja Milho Prestação de serviço

Fonte: Elaborado pelos autores com base nos dados da pesquisa.

A Figura 03 evidencia a expressiva participação da atividade leiteira entre as

atividades desenvolvidas. No entanto, cabe ressaltar que os produtores, na maioria,

conciliam a bovinocultura de leite com suinocultura e avicultura, além das atividades

agrícolas como a produção de milho em grão e silagem, a produção de soja e a prestação

de serviços a terceiros.

4.2 Nível gerencial nas unidades de produção agropecuárias

As propriedades relacionadas aos jovens que fizeram parte da presente pesquisa,

em sua maioria, encontram-se sob o poder gerencial dos pais, os quais ainda tomam as

decisões mais importantes frente ao andamento dos negócios, mas sem desconsiderar a

influência e participação dos jovens. A pesquisa questionou qual a porcentagem de jovem

que auxiliam no gerenciamento da propriedade como um todo, e na tomada de decisões

frente aos negócios. Destaca-se que 38 entrevistados auxiliam no gerenciamento, enquanto

somente cinco jovens mencionaram não auxiliar.

Na realidade analisada a participação dos jovens frente aos negócios rurais

familiares é expressiva. Estes começam participar desde cedo nas ações gerenciais através

do processo sucessório que se dá por meio da transferência de poder de pai para filho. Em

se tratando de idade, é importante preparar os jovens desde cedo para assumir o comando

dos negócios e se tornar sucessor, como destacam Tillmann e Grzybovski (2005).

A Figura 04 apresenta a distribuição dos jovens entrevistados por faixa etária.

Observa-se que a maioria (37%) dos entrevistados encontram-se na faixa etária entre 19 a

22 anos. Porém, a pesquisa apontou que o número de jovens sucessores já atuantes na

gestão das propriedades é maior nas faixas etárias mais avançadas, que vão dos 23 a mais

de 30 anos. Isso ocorre em função dos pais passarem a confiar a gestão da propriedade

aos filhos quando estes demonstram maturidade, adquirida a partir do conhecimento e da

idade mais avançada. A Figura 04 mostra ainda que em cada uma das faixas etárias de 23 a

26 anos; de 27 a 30 anos e mais de 30 anos têm 18,6% dos jovens entrevistados, sendo

que nessa última faixa etária que os jovens são considerados pelos patriarcas mais

preparados para assumirem o negócio familiar.

Figura 04: Faixa etária dos jovens entrevistados.

até 18 anos de 19 a 22 anos de 23 a 26 anos de 27 a 30 anos mais de 30 anos 0

5

10

15

20

25

30

35

40

7,0%

37,2%

18,6% 18,6% 18,6%

Fonte: Elaborado pelos autores com base nos dados da pesquisa.

A escolaridade dos jovens é outro fator determinante no processo sucessório. O

estudo em níveis mais elevados, ao mesmo tempo que é imprescindível para o bom

desempenho dos negócios, muitas vezes pode ser um entrave no processo sucessório.

Destaca-se isto, já que na busca pelo estudo, muitos jovens precisam sair do meio rural e,

depois de formados, a chance de retornarem é menor, pois sonham com oportunidades

melhores no meio urbano, especialmente econômicas.

Segundo Carneiro (1998), a educação escolar é considerada com uma condição

para que o indivíduo se torne alguém na vida, apresentando-se como uma alternativa à

atividade agrícola, como uma espécie de “passaporte”. Isso ocorre com maior

representatividade entre as jovens do sexo feminino, já que as moças são incentivadas, na

maioria das vezes, a buscarem conhecimento através do estudo (ABRAMOVAY et al.,

1998). Para Troian (2014), em grande parte devido à invisibilidade de seu trabalho, as

mulheres tendem a deixar as áreas rurais em maior proporção do que os homens e os

jovens emigram em maior proporção que os adultos.

Com relação à escolaridade, entre os entrevistados, a maioria, sendo 69,8%, está

na busca por uma melhor formação e conhecimento, através do ensino superior. Salienta-se

que a busca por uma formação profissional está relacionada a agricultura, sendo os estudos

direcionados para o desenvolvimento da propriedade, adquirindo conhecimento e

capacitação para darem continuidade, ou mesmo ampliar os negócios agrícolas da família.

Na média brasileira, entre a população urbana de 25 a 34 anos, 52,5% têm ensino médio ou

superior, já no meio rural esse percentual é de apenas 17% (FERNADES, 2011), ou seja, o

caso estudado apresenta uma média superior a média nacional.

Figura 05: Escolaridade dos jovens.

Anafabeto Fundamental Incompleto

Fundamental Completo

Ensino Médio Ensino Superior0

1020304050607080

0% 2,3%9,3%

18,6%

69,8%

Fonte: Elaborado pelos autores com base nos dados da pesquisa.

Também é importante ressaltar que, além do ensino formal via escolas e

universidade, os jovens têm buscado capacitação através de palestras, cursos e

treinamentos oferecidos pela Cooperativa X e demais organizações dos municípios.

Conforme os dados empíricos da pesquisa, a importância destes eventos na formação dos

jovens é alta, pois além de transmitir conhecimento, ter acesso à tecnologia e inovação,

incentiva os jovens na participação das atividades e negócios junto com os pais, à frente dos

comércios voltados às atividades desenvolvidas em cada unidade de produção.

Quanto ao grau de controle das finanças e gerenciamento das atividades

desenvolvidas dentro das propriedades, foi possível observar que tem propriedades que não

fazem anotação alguma referente aos custos das atividades, simplesmente porque não

possuem o hábito de controlar as finanças. Ao mesmo tempo em que se encontraram

propriedades que tem total controle sobre entradas e saídas de dinheiro, o que lhes garante

conhecimento acerca das atividades exercidas, auxiliando na tomada de decisão mais

eficiente.

Neste sentido, o Programa Sucessão Familiar, foi criado como uma forma de

incentivo a gestão e tomada de decisão, uma vez que, segundo Ahlert (2013), proporciona

aos jovens capacitação no processo de gerenciamento, além de disseminação de sistemas

informatizados de gestão de custos, ampliando a visão para os negócios.

Alguns instrumentos podem facilitar no gerenciamento, como é o caso do

computador e do acesso à Internet, de forma a buscar conhecimento e informação, bem

como podem funcionar como ferramentas gerenciais. Dessa forma, auxiliam na identificação

e solução de problemas acerca de irregularidades existentes junto as atividades. O hábito

do uso destes instrumentos nas propriedades estudadas está expresso na Tabela 1.

Tabela 1- Uso do computador e internet pelos jovens no gerenciamento das unidades de produção agropecuárias.

Variáveis Uso do Computador (%) Uso da Internet (%)Nunca 18,6 11,6

Raramente 20,9 14,0Medianamente 18,6 30,2

Com frequência 34,9 34,9Sempre 7,0 9,3

Fonte: Fonte: Elaborado pelos autores com base nos dados da pesquisa.

Ao analisar a Tabela 1, observa-se que há uma parcela significativa de jovens que

admite usar ambos os instrumentos - computador e internet - com frequência. Considera-se

isso um ponto positivo, já que a partir destes as famílias passam a ter um melhor

conhecimento acerca dos custos das atividades agropecuárias desenvolvidas em suas

propriedades, assim como facilita o acesso a programas de controle e sistemas

informatizados de gestão de custos de produção. Por outro lado, deparou-se com

agricultores que preferem fazer suas anotações relacionadas a custos em um caderno.

Dentre as formas de acesso ou conhecimento das novas tecnologias e novas

atividades produtivas, destacam-se as reuniões técnicas com a Emater, com a Cooperativa

X, entre outras, como pode ser visualizado na Tabela 2.

Tabela 2 - Formas de acesso a novas tecnologias e novas atividades produtivas ou ao conhecimento pelos jovens participantes da pesquisa.

Variáveis Acesso à capacitação (%)

Reuniões técnicas da EMATER 25Reuniões técnicas da cooperativa local 43

Dias de campo 26Excursões, feiras, exposições

agropecuárias 33

Reuniões fora do município com técnicos de outros locais 11

Fonte: Fonte: Elaborado pelos autores com base nos dados da pesquisa.

Abordando acerca do processo gerencial, os jovens foram questionados acerca da

sua auto análise enquanto administradores da propriedade. Como resultado, 27 (65,5%) dos

jovens se caracterizaram como bons administradores, 13 (32,6%) se consideram medianos,

dois (4,7%) como ótimos e um (2,3%) se autodenominou como ruim administrador.

Ainda analisando o processo gerencial, destaca-se que a maioria, 40 entrevistados,

considera-se entre organizado e medianamente organizado, 22 (51%) e 16 (37%),

respectivamente. Considerando-se pouco organizados deparou-se com três (7%) dos

entrevistados e considerando-se muito organizados deparou-se com penas dois (4%)

jovens. A organização tanto das atividades quanto das finanças é peça fundamental para o

sucesso de qualquer propriedade agrícola.

A Figura 06 mostra, portanto, o gosto dos jovens relacionado ao gerenciamento de

suas unidades produtivas. Ou seja, busca demonstrar se os jovens participantes da

pesquisa visualizam positivamente a tarefa de gerenciar as propriedades rurais, se gostam

de desenvolver essa atividade.

Figura 06: Gosto acerca do gerenciamento da propriedade.

Não gosto Gosto pouco Gosto mais ou menos

Gosto Gosto muito0.0

10.0

20.0

30.0

40.0

50.0

60.0

2,3% 2,3%

25,6%

55,8%

14,0%

Fonte: Fonte: Elaborado pelos autores com base nos dados da pesquisa.

Outra questão que foi abordada no questionário foi acerca do grau de controle

econômico\financeiro das atividades desenvolvidas em cada uma das propriedades

envolvidas, assim como o grau de organização das mesmas, o qual pode ser comparado na

Tabela 3.

Tabela 3- Grau de controle e organização das finanças relacionadas às atividades desenvolvidas nas propriedades dos jovens participantes da pesquisa.

VariáveisControle econômico/financeiro

(%)Organização das finanças

(%)

Nenhum (a) 0 2,3

Baixo (a) 7 2,3

Médio 39,5 30,2

Bom 46,5 58,1

Ótimo (a) 7 7

Fonte: Fonte: Elaborado pelos autores com base nos dados da pesquisa.

A organização das finanças relacionadas às atividades é ferramenta importante para

que se tenha o controle das mesmas. Ao analisar a Tabela 3, observa-se um percentual

baixo de jovens que admitem ter um bom controle sobre as finanças, ou seja, isso deve

melhorar quando se trata de propriedades com sucessores definidos, e com jovens em

plena participação no programa de sucessão.

Os jovens que se dizem organizados quanto ao controle econômico\financeiro

representam 46% (20 entrevistados), e os que possuem médio controle somam 39% (17

entrevistados) dos jovens. Já no que se refere ao grau de organização perante as finanças,

destaca-se que apenas 7% afirmam serem muito organizados, 58% organizados, e 30% dos

jovens medianamente organizados quanto às finanças relacionadas às atividades

agropecuárias. Por mais que o Programa Sucessão vem dando incentivo, trabalhando na

formação gerencial de sucessores, permitindo uma análise da realidade econômico-

financeira, gestão de custos e do patrimônio e planejamento financeiro, a pesquisa

demonstra que o nível gerencial dos jovens ainda é insuficiente.

No que se refere ao gerenciamento das finanças que envolvem as atividades

desenvolvidas nas propriedades, a pesquisa buscou investigar se os jovens têm

conhecimento sobre os custos e acerca do lucro líquido que cada atividade agropecuária

gera para a propriedade. As respostas a estas perguntas encontram-se na Tabela 4.

Tabela 4- Conhecimento dos jovens sobre o custo e o lucro líquido das atividades agropecuárias desenvolvidas nas propriedades.

Variáveis Custos (%) Lucro líquido (%)

Não sabe 0 0

Tem noção 4,7 4,7

Medianamente 20,9 27,9

Sabe mas tem

dúvidas44,2 41,9

Conhece todos os

custos/lucros30,2 25,6

Fonte: Fonte: Elaborado pelos autores com base nos dados da pesquisa.

Com base na Tabela 4, pode-se observar certa semelhança de conhecimentos

acerca das variáveis custos e lucros. A semelhança ocorre já que estes fatores estão

diretamente relacionados quando se trata de controle das atividades que competem a uma

propriedade rural. De acordo com a pesquisa, observa-se que 13 (30%) dos jovens afirmam

conhecer todos os custos e lucros das atividades agropecuárias desenvolvidas na

propriedade. Por outro lado, seis (14%) jovens afirmam não conhecer os lucros, ou seja, tem

apenas uma noção ou conhecem medianamente.

A partir dos dados, ou seja, das respostas dos entrevistados, evidencia-se que a

gestão dos custos e lucros, embora venha sendo discutido no Programa Sucessão Familiar,

precisa ser melhor assimilado entre os jovens rurais. A agricultura está cada vez mais

complexa e dinâmica, exigindo dos agricultores conhecimentos que vão além da produção,

como também gerenciais, de mercados, das políticas públicas ente outros.

4.4 Motivações dos jovens para permanência na agricultura

Para que haja a permanência dos jovens no campo, especialmente na agricultura

familiar e para que estes possam dar sequência nas atividades até então exercidas pelos

pais, é fundamental que haja uma preparação que é passada de pai para filho. Também é

fundamental a existência do desejo dos mesmos em assumir o posto de sucessor junto à

propriedade familiar, dando continuidade às atividades e participando constantemente dos

negócios da família.

Baseado nisso, a presente pesquisa buscou conhecer o desejo dos jovens em

permanecer ou sair do meio rural. Os resultados mostram que a maioria, 38 jovens

entrevistados tem interesse em permanecer na agricultura e suceder os pais nas atividades

agrícolas desenvolvidas. Para três jovens perdura a dúvida entre sair ou ficar, embora estes

participem do projeto ofertado pela cooperativa e apresentam relativo interesse pelas

atividades realizadas na propriedade dos pais. Apenas dois jovens não manifestaram desejo

de permanecer na agricultura e serem os sucessores de seus patriarcas.

A pesquisa se preocupou em buscar identificar as motivações dos jovens para

permanência ou saída da agricultura, compreender os principais determinantes para estes

deixarem o meio rural e irem à busca de outra ocupação no meio urbano. Com base nas

respostas das entrevistas realizadas, foi possível identificar que entre as dificuldades para a

permanência dos jovens no meio rural, destaca-se: a) o preço recebido pelo produto, que

nem sempre é “justo” segundo a avaliação dos entrevistados, sendo que justo pra eles seria

o preço que cobrisse os custos de produção e garantisse margem de lucro; b) a dificuldade

em programar e usufruir de férias; c) a impossibilidade de desfrutar de forma plena dos

finais de semana, entre outros.

Ou seja, quando os jovens comparam as atividades rurais com as atividades

urbanas, o que mais se destaca como ponto negativo no meio rural é a dificuldade de

organizar momentos de lazer de forma despreocupada com as atividades agropecuárias, as

quais dependem diariamente e o ano todo do trabalho do agricultor. Neste sentido,

corrobora-se com Troian (2014), quando destaca que para os jovens permanecerem no

meio rural, é necessário oferecer condições para que eles desejem ficar. É necessário:

educação de qualidade voltada à realidade rural, oportunizar condições de acesso a lazer,

cultura, trabalho, geração de renda para que os jovens tenham condições de realizar a

opção de dar continuidade ou adquirir a sua propriedade no meio rural.

Outro fator condicionante para a saída dos jovens é a dificuldade de conseguir

espaço para suas ideias junto à seus patriarcas, participação nas decisões acerca de

atividades agropecuárias e investimentos, bem como autonomia financeira para gastos

pessoais. Os entrevistados afirmam que os pais não dão espaço para novas ideias, não

permitem que os filhos tomem decisões que competem à propriedade e às atividades lá

desenvolvidas. Para Brumer (2004) os jovens se inserem nas atividades da unidade familiar,

geralmente de modo subalterno, pois trabalham lado a lado com os adultos e dependem de

sua boa vontade para a obtenção de recursos para o lazer e a compra de objetos pessoais.

Ainda, de acordo com Weisheimer (2009) os jovens rurais, oriundos da agricultura

familiar, em alguns aspectos, amadurecem socialmente mais cedo que os jovens que se

inserem em outras atividades produtivas devido a certas responsabilidades vinculadas ao

processo de trabalho. Porém, eles tendem a atrasar sua autonomia social em função do

caráter patriarcal que caracteriza esta atividade.

A questão de gênero também implica significativamente nos problemas sucessórios

no campo, já que os estímulos para a permanência no campo são orientados principalmente

para os jovens do sexo masculino, não restando outra opção para as moças a não ser irem

a busca de estudo ou de um emprego na cidade (MENASCHE et al., 1996; ABRAMOVAY et

al., 1998, BRUMER, 2004).

Baseado nessas constatações se investigou o que poderia ser feito para favorecer a

permanência dos jovens e para que as jovens se sentissem atraídas pelo meio rural.

Segundo os entrevistados, uma das alternativas para o desejo de permanência seria o

reconhecimento do importante papel do agricultor na economia.

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

O Programa de Sucessão Familiar objetiva a formação na área técnica e gerencial

dos jovens associados na cooperativa. Na busca por uma melhor formação dos jovens, a

Cooperativa X através do Programa de Sucessão Familiar vem proporcionando

oportunidades e transmitindo conhecimentos os jovens participantes. Dessa forma, pode-se

dizer que o programa contribui para a manutenção das atividades nas propriedades dos

associados, trabalhando com os jovens na prática a partir de programas de software que

auxiliam no controle de entradas e saídas junto à propriedade, o que garante um melhor

controle da produção.

Quanto ao nível gerencial dos jovens, pode-se verificar, além do conhecimento já

existente entre os agricultores em relação às finanças, que eles estão em busca de melhorar

este aspecto junto às propriedades. Visualizou-se ainda, que a busca pelo conhecimento e

capacitação ocorre através da participação em palestras, cursos, viagens e a participação

nos programas ofertados pela cooperativa.

Percebeu-se que o programa tem proporcionado, a partir da teoria e da prática,

mecanismos que auxiliam os jovens a gerir a propriedade, sobretudo as atividades

agropecuárias desenvolvidas. Além do mais, o programa possibilita o aprendizado acerca de

como elaborar e executar projetos viáveis economicamente, trazendo perspectivas de

desenvolvimento para a propriedade, cooperativa, e também para a economia regional

como um todo.

Visualizaram-se as dificuldades que envolvem a transferência de poder de pai para

filho, bem como a falta de incentivo por parte do governo para que haja a permanência

destes jovens no campo. Apesar de dificuldades identificadas, na presente pesquisa, a

maior parte dos jovens entrevistados estão dispostos a dar sequência às atividades

desenvolvidas por seus pais em suas respectivas propriedades rurais.

Por outro lado cabe destacar que entre as motivações para os jovens desejarem sair

do meio rural estão: o excesso de paternalidade, na dificuldade em aceitar ideias novas

propostas pelos mais novos, na resistência pela mudança por parte dos mais velhos, além

da dificuldade de planejar e usufruir de momentos de lazer como as férias e os finais de

semana. Situações semelhantes vêm sendo observadas em outros estudos (ABRAMOVAY

et al., (1998), WASHEIMER, 2004; 2009; TROIAN et al., 2011, entre outros)

REFERÊNCIAS

ABRAMOVAY, R. Agricultura familiar e serviço público: novos desafios à extensão rural. Brasília. Cadernos de Ciência & Tecnologia. Brasília, v. 15, n.1, p.132-152, jan./abr. 1998.

ABRAMOVAY, R. “Juventude rural: ampliando as oportunidades”, Raízes da Terra: parcerias para a construção de capital social no campo. Secretaria de Reordenamento Agrário do Ministério do Desenvolvimento Agrário. Brasília – DF, v. 1, n. 1, abril de 2005.

ABRAMOVAY, R. et al. Juventude e agricultura familiar: desafios dos novos padrões sucessórios. Brasília: UNESCO, 1998.

ADACHI, P. Família S.A.: Gestão de Empresa Familiar e solução de conflitos. São Paulo. Editora Atlas, 2006.

AHLERT, Lucildo. Projeto do Programa de Sucessão Familiar. Lajeado, 2013.

BANDEIRA, M.D. A fecundidade no Rio Grande do Sul e no Brasil. Carta de Conjuntura-FEE, Porto Alegre, n.2, p.7, fev. 2002. Disponível em : <http://www.fee.tche.br/sitefee/pt/content/publicacoes/pg_boletins_carta.php>. Acesso em: 13 abr. 2015.

BARNES, L.B., HERSOHON, S.A. Transferindo o poder em empresas familiares. São Paulo. 1976.

BAYER, D. Caminhos da Recuperação da Cooperativa Languiru. Porto Alegre. SESCOOP/RS. 2014.

BORGMANN, D. B.; SINDELAR, F C. W.; BARDEN, Júlia Elisabete. Análise da produção de aves, suínos e bovinos no Vale do Taquari no período de 1940 a 2006. X Semana de Extensão, Pesquisa e Pós-graduação – SEPesq Centro Universitário Ritter dos Reis. Anais... Semana de Extensão, Pesquisa e Pós-graduação SEPesq – 20 a 24 de outubro de 2014.

BRUMER, A., ROSAS, E. N. L., WEISHEIMER, N. Juventude rural e divisão do trabalho na unidade de produção familiar. In: Anais... CONGRESSO INTERNACIONAL RURAL SOCIOLOGY ASSOCIATION (IRSA), 10., 2000, Rio de Janeiro, Rio de Janeiro: IRSA, 2000.

BRUMER, A. Gênero e agricultura: a situação da mulher na agricultura do Rio Grande do Sul. Estudos Feministas, Florianópolis, v. 12 n. 1, p. 205-227, 2004.

CARNEIRO, Maria.J. Camponeses, Agricultores e pluriatividade. Rio de Janeiro: Contra capa, 2001.

CARNEIRO, M.J. O ideal rurbano: campo e cidade no imaginário de jovens rurais. In: SILVA, F.C.T., SANTOS, R., Costa, L.F.C. (Org.). Mundo Rural e Política: ensaios interdisciplinares. Rio de Janeiro: Campus, 1998.CARNEIRO, M.J. Juventude rural: projetos e valores. In: ABRAMO, H., BRANCO, P. P. M. Retratos da juventude brasileira: análises de uma pesquisa nacional. São Paulo: Fundação Perseu Abramo, 2005.

EMATER. Juventude e Sucessão. Disponível em: <http://www.emater.tche.br/site/social/publicos-assessorados/juventude-e-sucessao.php>Acesso em: 20 mai, 2015.

FERNANDES, E. Desigualdades em campo. In: Revista Educação, agos. 2011.Disponível em: < http://revistaeducacao.uol.com.br/textos/163/artigo234867-1.asp>. Acesso em : 07 de jan de 2016.

FUNDAÇÃO DE ECONOMIA E ESTATÍSTICA – FEE. Perfil socieconômico.2014. Disponívelm em: http://www.fee.rs.gov.br/. Acesso em : 12 ago. 2015.

GODOY, A. S. Introdução à Pesquisa Qualitativa e suas Possibilidades. Revista de Administração de Empresas, v.35, n.2, p. 57-62.mar.\abr., 1995.

KRABBE, E. L. et al. Cadeias produtivas de suínos e aves. Dispónível em: http://ainfo.cnptia.embrapa.br/digital/bitstream/item/96729/1/final7180.pdf. Acessado em: 22 fev. 2016.

LANGUIRU. Banco de Dados da Cooperativa Languiru Ltda. Teutônia, 2013.

LAUSCHNER, R. Agroindústria como fator de fortalecimento do setor rural. CEDOPE UNISINOS: São Leopoldo, 1980.

LODI, J.B. A empresa familiar. São Paulo, Pioneira, 1986.

OCERGS. Disponível em: www.ocergs.com.br. Acesso em: 29 Mar. 2015.

MELLO, M. A. de. et al. SUCESSÃO HEREDITÁRIA E REPRODUÇÃO SOCIAL DA AGRICULTURA FAMILIAR. Revista de Economia Agrícola. v. 50, n. 1, 2003.

MENASCHE, R. TORRES, J.C.S., ESCHER, M. S. BARGUIL, S.R . Gênero e agricultura familiar: cotidiano da vida e trabalho no leite. DESER/CEMTR/PR, Curitiba, 1996.

PLICK, U. Qualidade na pesquisa qualitativa. Artmed Editora. Porto Alegre, 2009.

PSPP. O PSPP. Disponível em: http://pspp.verkn.com.br/o-pspp/. Acessado em: 22 fev. 2016.

REDIN, E. O Jovem Rural Conquistando o Seu Espaço: Um [re[olhar sobre as Questões Sociais. Revista Brasileira de Agroecologia, v.4 n.2, 2009.

SILVESTRO, M., ABRAMOVAI, R., MELLO, M.A., DORIGON, C., BALDISSERA, I.T. Os impasses sociais da sucessão hereditária na agricultura familiar. Florianópolis: Epagri; Brasília, 2001.

SPANEVELLO, R.S. A dinâmica sucessória na agricultura familiar. 2008. Tese (Doutorado em Desenvolvimento Rural). Programa de Pós Graduação em Desenvolvimento Rural, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2008.

STROPASOLAS, V. O mundo rural no horizonte dos jovens: o caso dos filhos de agricultores familiares de Ouro\SC. 2002. Tese (Doutorado em Ciências Humanas)- Programa de pós-graduação Interdisciplinar em Ciências Humanas, Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis. 2002.

TILLMANN, C; GRZYBOVSKI, D. Sucessão de dirigentes na empresa familiar: estratégias observadas na família empresária. o&s- v.12, n.32 – jan./mar- 2005.

TROIAN, A, Percepções e projetos de jovens rurais produtores de tabaco de Arroio do Tigre / RS. 2014. Tese (Doutorado em Desenvolvimento Rural), Univeridade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2014.

TROIAN, A.; DALCIN, D.; OLIVEIRA, S. V. De. Estudo da participação e permanência dos jovens na agricultura familiar na localidade de Dr. Pedro e Mirim em Santa Rosa-RS. In: Anais... Congresso Sociedade Brasileira de Economia, Administração e Sociologia Rural. Porto Alegre, 2009.

TROIAN, A.;DALCIN. D;OLIVEIRA, S.V.;TROIAN, A. Jovens e a tomada de decisão entre permanecer ou sair do meio rural: um estudo de caso. Revista de Extensão e Estudos Rurais, v. 1, p. 349-374, 2011.TROIAN, A. Percepções e projetos de jovens rurais produtores de tabaco de Arroio do Tigre / RS. 2014. Tese (Dutorado em Desenvolvimento Rural), Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2014.

WEISHEIMER, N. A situação juvenil da agricultura familiar. 2009. Tese (Doutorado em Sociologia). Programa de Pós-Graduação em Sociologia, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2009.