forumninja.org...Nov 09, 2001 · Coautoria com Leonardo Musumecci Filho e Gustavo Polido. 2. ed....
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(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil).
Harada, Kiyoshi
ITBI – doutrina e prática / Kiyoshi Harada. – 2. ed. rev. atual. e ampl.– São Paulo: Atlas, 2016.
Bibliografia.
ISBN 978-85-970-0787-9
1. Direito Financeiro 2. Direito Tributário I. Título.
95-3385 CDU-34.336
OBRAS DO AUTOR
I – LIVROS INDIVIDUAIS
1.Fato gerador. Suas consequências: incidência e não incidência. São Paulo: Resenha Tributária, 1975.
2.Dois temas de direito tributário. São Paulo: Resenha Tributária, 1976.
3.ICM: direito a crédito na isenção e no diferimento. São Paulo: Resenha Tributária, 1979.
4.Sistema tributário na Constituição de 1988: tributação progressiva. 3. ed. Curitiba: Juruá, 2007.
5.ITR e IPTU – ITBI – FINSOCIAL – IVV. São Paulo: Resenha Tributária, 1991. v. 8 (Outros Tributos).
6.Sistema tributário do município de São Paulo. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1993.
7.Compêndio de direito financeiro. São Paulo: Resenha Tributária, 1994.
8.Direito financeiro e tributário. 24. ed. São Paulo: Atlas, 2015.
9.Código tributário nacional. 21. ed. São Paulo: Rideel, 2015.
10.Desapropriação: doutrina e prática. 11. ed. São Paulo: Atlas, 2015.
11.Dicionário de direito público. 2. ed. São Paulo: MP, 2006.
12.Responsabilidade fiscal. São Paulo: Juarez de Oliveira, 2002.
13.Da liminar em matéria tributária. 2. ed. São Paulo: Juarez de Oliveira, 2003.
14.Direito tributário municipal. 4. ed. São Paulo: Atlas, 2012.
15.Prática do direito tributário e financeiro. São Paulo: Juarez de Oliveira, 2004. v. 1.
16.Prática do direito tributário e financeiro. São Paulo: Juarez de Oliveira, 2005. v. 2.
17.Prática do direito tributário e financeiro. São Paulo: Juarez de Oliveira, 2008. v. 3.
18.Direito urbanístico. São Paulo: NDJ, 2005.
19.Aspectos tributários da nova lei de falências. Curitiba: Juruá, 2005.
20.Direito tributário. São Paulo: MP, 2006.
21.ISS: doutrina e prática. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2014.
22.Prática do direito tributário e financeiro. São Paulo: Rideel, 2011. v. 4.
23.Código tributário nacional comentado. Coautoria com Marcelo Kiyoshi Harada. São Paulo: Rideel,
2012.
24.Prática do direito tributário e financeiro. Curitiba: Edição por Demanda, 2012. v. 5.
25.Crimes contra ordem tributária. Coautoria com Leonardo Musumecci Filho e Gustavo Polido. 2. ed.
São Paulo: Atlas, 2015.
26.IPTU: doutrina e prática. São Paulo, 2012.
27.Prática do direito tributário e financeiro. Curitiba: Edição por Demanda, 2013. v. 6.
28.Prática do direito tributário e financeiro. Curitiba: Edição por Demanda, 2014. v. 7.
29.Contribuições sociais: doutrina e prática. São Paulo: Atlas, 2015.
30.Prática do direito tributário e financeiro. Curitiba: Edição por Demanda, 2015. v. 8.
II – OBRAS COLETIVAS
1.Desapropriação em São Paulo (coord. Kiyoshi Harada). São Paulo: Resenha Tributária, 1985. v. I.
2.Desapropriação em São Paulo (coord. Kiyoshi Harada). São Paulo: Resenha Tributária, 1985. v. II.
3.Desapropriação em São Paulo (coord. Kiyoshi Harada). São Paulo: Resenha Tributária, 1986. v. III.
4.Desapropriação em São Paulo (coord. Kiyoshi Harada). São Paulo: Resenha Tributária, 1987. v. IV.
5.Direito penal tributário contemporâneo: estudos de especialistas (coord. Antonio Cláudio Mariz de
Oliveira e outro). São Paulo: Atlas, 1995. p. 63-76.
6.Temas de processo civil (coord. Kiyoshi Harada). São Paulo: Juarez de Oliveira, 2000.
7.Temas de direito tributário (coord. Kiyoshi Harada). São Paulo: Juarez de Oliveira, 2000.
8.IPTU: aspectos jurídicos relevantes (coord. Marcelo Magalhães Peixoto). São Paulo: Quartier Latin,
2002. p. 340-358.
9.IPI: aspectos jurídicos relevantes (coord. Marcelo Magalhães Peixoto e outros). São Paulo: MP, 2003.
p. 239-245.
10.ISS: Lei complementar 116/03 (coord. Marcelo Magalhães Peixoto e outro). Curitiba: Juruá, 2004. p.
619-637.
11.Tributação, justiça e liberdade (coord. Marcelo Magalhães Peixoto). Curitiba: Juruá, 2005. p. 355-370.
12.Processo judicial tributário (coord. Ives Gandra da Silva Martins). São Paulo: Quartier Latin, 2005. p.
229-248.
13.Imunidade tributária (coord. Marcelo Magalhães Peixoto e outro). São Paulo: MP, 2005. p. 205-212.
14.Direito penal tributário (coord. Marcelo Magalhães Peixoto e outros). São Paulo: MP, 2005. p. 211-
220.
15.Princípios constitucionais tributários (coord. Carlos Mário da Silva Veloso e outros). São Paulo: Lex
Editora, 2005. p. 679-691.
16.Parcerias público-privadas (coord. Sérgio Augusto Zampol Pavani e outro). São Paulo: MP, 2006. p.
205-222.
17.Principais aspectos da Lei 11.196/05: A ‘MP do Bem’ (coord. Ives Gandra da Silva Martins e outro).
São Paulo: MP, 2006. p. 109-116.
18.Imposto sobre a renda e proventos de qualquer natureza (coord. Ives Gandra da Silva Martins e outro).
São Paulo: MP, 2006. p. 267-280.
19.Incentivos fiscais (coord. Ives Gandra da Silva Martins e outros). São Paulo: MP, 2006. p. 245-252.
20.Direito imobiliário. (coord. José Roberto Neves Amorim e Rubens Carmo Elias Filho). São Paulo:
Elsevier, 2008. p. 310-22.
21.As grandes transformações do processo civil brasileiro (coord. Carlos Alberto Salles). São Paulo:
Quartier Latin, 2009. p. 457-475.
22.O nikkei no Brasil. Obra coletiva (coord. Kiyoshi Harada). 3. ed. São Paulo: Cadaris, 2013. p. 23-82.
23.Lei de responsabilidade fiscal. 10 anos de vigência – questões atuais (coord. Fernando Facury Scaff e
outro). São Paulo: Conceito, 2010. p. 147-168.
24.Sigilos bancário e fiscal (coord. Oswaldo Othon de Pontes Saraiva Filho e outro). Belo Horizonte:
Fórum, 2011. p. 331-349.
25.Orçamentos públicos e direito financeiro (coord. José Maurício Conti e outro). São Paulo: RT, 2011.
p. 1255-1273.
26.Doutrinas essenciais – Direito tributário (org. Ives Gandra da Silva Martins e outros). São Paulo: RT,
2011, v. V, p. 99-105; 371-381; 511-518; 875-882; 1161-1170.
27.Tratado de direito municipal (coord. Ives Gandra da Silva Martins e outro). São Paulo: Quartier Latin,
2012. v. I, p. 464-480.
28.Direito tributário – artigos selecionados em homenagem aos 40 anos do Centro de Extensão
universitária (og. Ives Gandra da Silva Martins). São Paulo: RT, 2012. v. II, p. 289-302; 373-382.
29.Direito financeiro, econômico e tributário. Homenagem a Regis Fernandes de Oliveira (coord. Estevão
Horvath e outros). São Paulo: Quartier Latin, 2014.
30.10 anos de vigência da lei de recuperação e falência. Obra coletiva (coord. Carlos Henrique Abrão e
outros). São Paulo: Saraiva, 2015. p. 449-469.
31.60 anos de bunkyo: passado, presente e futuro. Obra coletiva (coord. Kiyoshi Harada). São Paulo:
Cadaris, 2015. p. 109-159; 193-199; 285-297 e 319-328.
III – ARTIGOS, MONOGRAFIAS E PARECERES
1. Mais de quinhentos artigos, monografias e pareceres nas áreas do Direito Administrativo, Financeiro e
Tributário, publicados nas diversas Revistas Jurídicas e Boletins especializados.
2. Mais de setenta e cinco artigos de cunho jurídico publicados nos principais jornais da Capital.
PREFÁCIO À 2a EDIÇÃO
Cinco anos se passaram desde o lançamento desta obra nos idos de 2010, preenchendo a
lacuna existente na doutrina no que se refere ao imposto sobre “transmissão inter vivos, a qualquer
título, por ato oneroso, de bens imóveis por natureza ou acessão física, e de direitos reais sobre
imóveis, exceto os de garantia, bem como cessão de direitos a sua aquisição”, conhecido pela
sigla ITBI.
Nesta 2.a edição, fizemos não apenas uma revisão de praxe acompanhando a evolução
legislativa e jurisprudencial de nossos tribunais, como também promovemos a sua ampliação com
a incorporação de noções fundamentais no estudo de tributos e a inserção de novos casos
controvertidos na doutrina e na jurisprudência.
Assim, no capítulo concernente a limitações constitucionais genéricas ao poder de tributar,
abordamos o princípio da razoabilidade, pouco lembrado pelos doutrinadores em geral, mas que
é de suma importância na seara do Direito Tributário, à medida que esse princípio se coloca como
um limite à ação do próprio legislador. Esse princípio, apesar de não estar expresso no texto
constitucional, decorre da ordem jurídica global.
A imunidade do ITBI, prevista no inciso I do § 2.o do art. 156 da CF, mereceu um exame
aprofundado separando a imunidade pura (imóvel dado em pagamento de capital subscrito) da
imunidade condicionada nos casos de fusão, incorporação, cisão ou extinção de pessoa jurídica.
A teoria geral do fato gerador da obrigação tributária mereceu um exame crítico à luz da
jurisprudência, demonstrando a necessidade de estudar os seus cinco aspectos ou elementos:
aspecto material, objetivo ou nuclear; aspecto subjetivo ativo e passivo; aspecto quantitativo (base
de cálculo e alíquota); aspecto temporal; e o aspecto espacial, que, analisado com o aspecto
material do fato gerador, determina o município competente para tributar.
A base de cálculo do ITBI foi abordada em profundidade à luz do princípio da reserva legal,
afastando o chamado Valor Venal de Referência.
A questão da solidariedade resultante de pessoas designadas por lei foi examinada à luz dos
arts. 134 e 135 do CTN e da jurisprudência do STF.
Igualmente foi tratado o problema das obrigações acessórias exigidas pelos notários e
registradores à luz de jurisprudência do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo.
Abriu-se um item específico para versar sobre a confessada inconstitucionalidade do ITBI de
São Paulo. Examinou-se, outrossim, a questão da incidência do ITBI na arrematação.
No Capítulo 8, foram acrescidos mais três temas controvertidos: (a) a exigência pelos
notários e registradores da prova de pagamento do ITBI e da certidão negativa do IPTU para a
prática dos atos de ofício; (b) a não incidência do ITBI na lavratura da procuração em causa
própria; (c) a base de cálculo na permuta.
Finalmente, foram incorporadas as súmulas do STF pertinentes ao ITBI e elaborado o índice
alfabético-remissivo para facilitar a localização dos temas.
O Autor
PREFÁCIO À 1a EDIÇÃO
A origem do Imposto sobre Transmissão Imobiliária, conhecido pela sigla ITBI, monta a
1809, quando D. João VI instituiu, por meio de Alvará, a meia sisa (5%) incidente sobre tráfico
de escravos ladinos juntamente com aquele incidente sobre transações com bens de raiz.
A Carta Política de 1824 é omissa a seu respeito, mas o Ato Adicional de 1934 instituiu a
sisa sobre transação com bens de raiz a favor das Províncias e dos Municípios, com exceção para
o Município do Rio de Janeiro.
A partir da Constituição Republicana de 1891, esse imposto passou a ter expressa previsão
constitucional até os dias atuais, variando, ao longo do tempo, a sua base de incidência, bem como
o sujeito ativo do tributo.
Na Constituição de 1988, esse imposto sofreu uma cisão. A transmissão inter vivos e a título
oneroso de bens imóveis e de direitos reais, exceto os de garantia, bem como a cessão de direitos
a sua aquisição, ficaram inseridas na competência impositiva municipal. Ao Estado-membro
coube a transmissão causa mortis, bem como a transmissão inter vivos a título gratuito, incidindo
sobre quaisquer bens ou direitos.
Antes da abordagem da matéria concernente ao título da obra, para melhor compreensão do
leitor, fizemos um breve exame do Sistema Tributário Nacional, analisando as limitações
constitucionais genéricas ao poder de tributar, seguidas das limitações específicas aplicáveis ao
ITBI.
Ao depois, desenvolvemos noções básicas sobre a obrigação tributária, o fato gerador nos
seus cinco aspectos e sobre o crédito tributário, abarcando o exame do lançamento e as hipóteses
de suspensão, extinção e exclusão do crédito tributário.
A obra examina minudentemente o fato gerador do ITBI segundo disposições constitucionais
e legais, comentando cada um dos artigos pertinentes do Código Tributário Nacional. Aborda a
questão da responsabilidade tributária em relação ao ITBI e, ao final, examina 18 casos polêmicos
que têm ocupado espaço na doutrina e na jurisprudência, apontando solução reputada razoável e
certa para cada um desses casos.
Como é do estilo do autor, os textos são escritos de forma simples, clara e objetiva,
procurando conferir à obra o maior pragmatismo possível, poupando o tempo precioso dos leitores
que não mais se dispõem a debruçar sobre tratados de direito para solução de um determinado
caso concreto.
O Autor
SUMÁRIO
1O IMPOSTO SOBRE TRANSMISSÃO DE BENS IMÓVEIS
1.1Evolução histórica
1.2Na Constituição Federal de 1988: arts. 155, I, e 156, II
2SISTEMA TRIBUTÁRIO NACIONAL E O ITBI
3DISCRIMINAÇÃO CONSTITUCIONAL DE IMPOSTOS
3.1Limitações constitucionais ao poder de tributar
3.1.1Limitações constitucionais genéricas ao poder de tributar
3.1.1.1Generalidades
3.1.1.2Princípio da legalidade tributária
3.1.1.2.1Natureza e origem do princípio
3.1.1.2.2A cristalização do princípio
3.1.1.2.3O princípio da legalidade no Brasil
3.1.1.2.3.1Medida provisória em
matéria tributária
3.1.1.2.4Campo de atuação do princípio da
legalidade
3.1.1.2.4.1Considerações gerais
3.1.1.2.4.2O art. 97 do Código
Tributário Nacional
3.1.1.2.4.3A repetição de indébito
3.1.1.3Princípio da anterioridade tributária
3.1.1.3.1O princípio da anualidade na Constituição
de 1946
3.1.1.3.2Os princípios insertos no art. 150, III, da
Constituição de 1988
3.1.1.3.2.1O princípio da
irretroatividade
3.1.1.3.2.2O princípio da
anterioridade
3.1.1.3.2.3O princípio da
nonagesimidade
3.1.1.4Princípio da isonomia tributária
3.1.1.4.1O princípio genérico da igualdade de
todos perante a lei
3.1.1.4.2O princípio da isonomia tributária e o
princípio da generalidade da tributação
3.1.1.4.3A isenção e o princípio da isonomia
tributária
3.1.1.5Princípio da vedação de efeitos confiscatórios
3.1.1.5.1O conteúdo do art. 150, IV, da CF
3.1.1.5.2Como detectar tributo confiscatório
3.1.1.5.3Tributos que comportam efeitos
confiscatórios
3.1.1.6Princípio da imunidade de tráfego interestadual e
intermunicipal
3.1.1.6.1O conteúdo do art. 150, V, da CF
3.1.1.6.2O pedágio e sua deturpação
3.1.1.7Princípio da imunidade recíproca
3.1.1.7.1A razão desse princípio
3.1.1.7.2O conteúdo e alcance do § 3o do art. 150
da CF
3.1.1.7.3O conteúdo e alcance da imunidade
recíproca
3.1.1.8Princípio da imunidade de templos
3.1.1.8.1O conteúdo e alcance do art. 150, VI, b,
da CF
3.1.1.8.2Os abusos cometidos pelas diversas seitas
e a necessidade de coibi-los
3.1.1.9Princípio da imunidade do patrimônio, renda ou serviços
de partidos políticos, inclusive suas fundações, das entidades
sindicais dos trabalhadores e das instituições de educação e de
assistência social, sem finalidade lucrativa
3.1.1.9.1Imunidade de impostos
3.1.1.9.2Imunidade de contribuição para a
seguridade social
3.1.1.9.3Outras imunidades
3.1.1.10Princípio da imunidade de livros, jornais, periódicos e
papel destinado a sua impressão
3.1.1.10.1O objetivo da imunidade
3.1.1.10.2Os conceitos de livro e periódico
3.1.1.10.3A dificuldade de detectar a destinação
dada ao papel
3.1.1.11Princípio da uniformidade do tributo federal em todo o
território nacional
3.1.1.11.1O conteúdo do art. 151, I, da CF
3.1.1.11.2A ressalva dos incentivos fiscais
regionais
3.1.1.12Princípio da uniformidade de tributo estadual ou
municipal quanto à procedência ou destino de bens e serviços de
qualquer natureza
3.1.1.12.1A proibição de barreiras tributárias entre
Estados ou entre Municípios
3.1.1.12.2Exceções de alíquotas diferenciadas do
ICMS para operações internas, interestaduais e de
exportação
3.1.1.13Princípio da igualdade de tratamento dos títulos da
dívida pública federal, estadual ou municipal e dos vencimentos
pagos pelas três entidades políticas
3.1.1.14Princípio da capacidade contributiva
3.1.1.14.1A origem do princípio
3.1.1.14.2A finalidade do princípio e a dificuldade
de sua aplicação
3.1.1.15Princípio da imunidade do imposto de renda sobre
proventos de aposentadoria e pensão percebidos por pessoas
com idade superior a sessenta e cinco anos
3.1.1.15.1O conteúdo da imunidade do idoso
3.1.1.15.2A revogação da imunidade do idoso pela
EC no 20/98
3.1.1.16Princípio da vedação de a União decretar isenção de
impostos das entidades periféricas
3.1.1.16.1O conteúdo da norma prevista no inciso
III do art. 151 da CF
3.1.1.16.2A subsistência das isenções resultantes
de tratados e convenções internacionais firmados
antes do advento da Constituição Federal de 1988
3.1.1.16.3O fundamento constitucional dos
tratados e convenções
3.1.1.16.4A questão da hierarquia dos tratados e
convenções
3.1.1.17Princípio da razoabilidade
3.1.1.17.1Introdução
3.1.1.17.2Conceito
3.1.1.17.3Exame da legislação tributária à luz do
princípio da razoabilidade
3.1.1.17.4Posição do STF quanto ao limite das
multas tributárias à luz do princípio da
razoabilidade
3.1.1.18Princípios implícitos
3.1.2Limitações constitucionais específicas do ITBI
3.1.2.1Intributabilidade dos direitos reais de garantia
3.1.2.2Imunidade da integralização do capital social de pessoa
jurídica com bens ou direitos
3.1.2.3Imunidade das transmissões decorrentes de fusão,
incorporação, cisão ou extinção da pessoa jurídica
3.1.2.4Imunidade das transferências de bens imóveis
desapropriados para fins de reforma agrária
3.1.3Reconhecimento, revogação e suspensão da imunidade
3.1.3.1Reconhecimento da imunidade
3.1.3.2Revogação da imunidade
3.1.3.3Suspensão da imunidade
4NOÇÕES SOBRE OBRIGAÇÃO TRIBUTÁRIA
4.1Definição e espécies
4.2Elementos da obrigação tributária
4.2.1Lei e fatos
4.2.2Fato gerador da obrigação tributária
4.2.2.1Aspecto objetivo do fato gerador
4.2.2.2Aspecto subjetivo do fato gerador
4.2.2.3Aspecto quantitativo do fato gerador
4.2.2.4Aspecto espacial do fato gerador
4.2.2.5Aspecto temporal do fato gerador
4.2.3Fatos geradores confrontantes
5NOÇÕES SOBRE CRÉDITO TRIBUTÁRIO
5.1Conceito e natureza jurídica
5.2O lançamento
5.2.1Lançamento direto
5.2.2Lançamento por declaração
5.2.3Lançamento por homologação
5.3Suspensão do crédito tributário
5.4Extinção do crédito tributário
5.4.1Decadência
5.4.2Prescrição
5.5Exclusão do crédito tributário
5.5.1Isenção
5.5.2Anistia
6O FATO GERADOR DO ITBI CONFORME O CTN
6.1A recepção do art. 35 do CTN
6.2Aspecto objetivo ou nuclear do fato gerador do ITBI
6.2.1Conceito de transmissão inter vivo da propriedade imobiliária
6.2.1.1Tributação de atos ilícitos
6.2.2Domínio útil
6.2.3Bens imóveis por natureza e por acessão física
6.2.4Direitos reais sobre imóveis
6.2.4.1A propriedade
6.2.4.2O direito de superfície
6.2.4.3As servidões
6.2.4.4O usufruto
6.2.4.5O uso
6.2.4.6A habitação
6.2.4.7O direito do promitente-comprador do imóvel
6.2.4.8Concessão de uso especial para fins de moradia
6.2.4.9Concessão de direito real de uso
6.2.4.10Direitos oriundos da imissão provisória na posse,
quando concedida à União, aos Estados, ao Distrito Federal, aos
Municípios ou às suas entidades delegadas e respectiva cessão e
promessa de cessão
6.2.5Direitos reais de garantia
6.3O Município competente para instituir o ITBI – art. 41 do CTN
6.4O contribuinte do ITBI – art. 42 do CTN
6.5A base de cálculo do ITBI – art. 38 do CTN
6.6A alíquota do ITBI – art. 39 do CTN
6.7O momento da ocorrência do fato gerador do ITBI
7RESPONSABILIDADE TRIBUTÁRIA EM MATÉRIA DE ITBI
7.1Generalidades
7.2A responsabilidade dos tabeliães, escrivães e demais serventuários de ofício no
campo do ITBI merecem exames específicos a responsabilidade solidária e a
responsabilidade pessoal definidas nos arts. 134 e 135 do CTN, respectivamente
7.3Responsabilidade solidária
7.4Responsabilidade pessoal
8EXAME DE CASOS CONTROVERTIDOS
8.1Desincorporação resultante de redução de capital
8.2Usucapião
8.3Recolhimento prévio do imposto
8.4Compromisso de compra e venda
8.5Anulação da escritura de compra e venda
8.6Progressividade da alíquota
8.7Isenção do ITBI decorrente de tratado e convenção internacional
8.8Confessada inconstitucionalidade do ITBI de São Paulo
8.9Doação com encargo: ITCMD ou ITBI?
8.10Arrematação em hasta pública
8.11Desigualdade na partilha
8.12Cessão de direito à herança
8.13Incidência do ITBI em terreno objeto de compromisso de compra e venda 8.14
Edificação em terreno alheio
8.15Desapropriação
8.16Retrocessão
8.17Retrovenda
8.18Iniciativa de lei em matéria tributária
8.19Instituição obrigatória ou facultativa do ITBI
8.20Exigência pelos notários e registradores da prova de pagamento do ITBI e da
certidão negativa do IPTU para a prática dos atos de seu ofício
8.21Não incidência do ITBI no ato da lavratura da procuração em causa própria
8.22Base de cálculo na permuta
SÚMULAS DO STF PERTINENTES AO ITBI
BIBLIOGRAFIA
1 O IMPOSTO SOBRE TRANSMISSÃO DE BENS IMÓVEIS Esse imposto, no passado conhecido também como Siza, ao longo do tempo variou tanto no
que diz respeito à entidade política tributante (Estado-membro e Município) quanto no que se
refere a sua base de incidência (bens imóveis e bens móveis e imóveis).
1.1EVOLUÇÃO HISTÓRICA
O ITBI surgiu em 1809 sob a denominação de siza. Dicionaristas usam a grafia sisa, o que é
irrelevante. Por meio do Alvará de 3 de junho de 1809, D. João VI instituiu a meia siza (5%)
incidente sobre tráfico de escravos ladinos1 juntamente com a siza incidente sobre a transação de
bens de raiz. A meia siza, que era imposto de caráter geral, perdurou até 13-5-1888, quando
ocorreu a abolição da escravatura.
A Carta outorgada de 1824 é omissa na previsão desse imposto. Pelo Ato Adicional de 1834,
a siza incidente sobre transações com bens de raiz passou das Províncias (Estados-membros) para
os Municípios, com exceção para o Município do Rio de Janeiro.
A Constituição Republicana de 1891 conferiu aos Estados-membros a competência para
instituir impostos “sobre transmissão de propriedade” (art. 9o, III). Na Constituição de 1934, esse
imposto é mantido na competência estadual, porém, com a divisão entre causa mortis e inter
vivos (art. 8o, I, alíneas b e c). Interessante notar que o imposto inter vivos incidia, inclusive, na
transmissão para o fim de incorporação ao capital da sociedade e a transmissão causa
mortis alcançava os bens incorpóreos (§ 4o do art. 8o). Na Constituição de 1937, nada mudou (art.
23, I, alíneas b e c). O mesmo aconteceu com o advento da Constituição de 1946 (art. 19, II e III).
Com a Emenda Constitucional no 5, de 1961, ocorreu o desmembramento desse imposto. O
imposto de transmissão inter vivospassou para competência impositiva municipal (art. 29, III), ao
passo que o imposto de transmissão causa mortis continuou na esfera de competência tributária
dos Estados-membros (art. 19, I e §§ 1o e 2o).
A Emenda Constitucional no 18, de 1965, reunificou os impostos de transmissão causa
mortis e inter vivos, mantendo a competência impositiva dos Estados-membros (art. 9o e §§ 1o a
4o).
A Constituição de 1967 atribuiu aos Estados-membros a competência para decretar o
imposto sobre “transmissão, a qualquer título, de bens imóveis por natureza, acessão física, e de
direitos reais sobre imóveis, exceto os de garantia, bem como sobre direitos à aquisição de
imóveis” (art. 24, I). O § 2o, com a redação conferida pelo Ato Complementar no 40, de 30-12-
1968, fixou a competência impositiva do Estado-membro onde se situa o bem imóvel, limitando-
a à alíquota máxima fixada por Resolução do Senado Federal e prevendo o direito de dedução do
montante pago por ocasião da apuração e pagamento do imposto de renda oriundo da transação
imobiliária. A Emenda no 1, de 1969, apesar de manter o mesmo texto da Carta Política anterior
(art. 23, I e § 2o), suprimiu a previsão constitucional de dedução do imposto pago a esse título
para efeito de pagamento de imposto de renda.
1.2NA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988: ARTS. 155, I, E 156, II
Finalmente, a Constituição de 1988 voltou a dividir esse imposto em transmissão causa
mortis e transmissão inter vivos.
O lobby dos governantes estaduais e municipais junto ao Congresso Constituinte resultou na
cisão do imposto sobre transmissão, cabendo, ao Estado-membro tanto a transmissão causa
mortis, como também a transmissão inter vivos, a título gracioso, incidindo sobre quaisquer bens
ou direitos (art. 155, I, da CF), retornando ao sistema de 1946, quando era tributada pelos Estados-
membros a transmissão de quaisquer bens corpóreos ou incorpóreos (art. 19 e §§ 1o e 2o da CF de
1946). Ao Município restou apenas a transmissão inter vivos a título oneroso, conforme se
depreende do art. 156, II, da CF:
“Art. 156. Compete aos Municípios instituir impostos sobre:
[...]
II – transmissão inter vivos, a qualquer título, por ato oneroso, de bens imóveis, por natureza
ou acessão física, e de direitos reais sobre imóveis, exceto os de garantia, bem como cessão de
direitos a sua aquisição.”
1 Escravos nascidos no Brasil ou aqueles não comprados de negociantes de escravos (tráfico externo).
2 SISTEMA TRIBUTÁRIO NACIONAL E O ITBI O Capítulo I do Título VI da Constituição Federal dedica 19 artigos (arts. 145 a 162) sob a
denominação de Sistema Tributário Nacional.
Sistema Tributário significa um conjunto de normas constitucionais de natureza
tributária1 inserido no Sistema Jurídico Global, formado por um conjunto unitário e ordenado de
normas subordinadas aos princípios fundamentais, reciprocamente harmônicos, que organiza os
elementos constitutivos do Estado, que outra coisa não é senão a própria Constituição.
Deve-se entender, portanto, que o que existe é um sistema parcial (Sistema Constitucional
Tributário) inserido no Sistema Global (Sistema Constitucional).
A existência de um Sistema Tributário Nacional feriria o princípio federativo segundo o qual
Estados-membros e Municípios, no gozo de suas autonomias político-administrativas, elaboram
os respectivos Sistemas Tributários, ainda que com base em princípios constitucionais comuns,
conforme se depreende da lição de Geraldo Ataliba:
“Há um sistema tributário brasileiro, sem dívida, mas, ao contrário do francês e do
italiano, por exemplo, não reúne as condições para ser considerado nacional.
E o fato de haver normas constitucionais voltadas para todas as pessoas políticas –
que sempre houve aqui e em todas as federações – não chega, por si só, a dar tal caráter
ao sistema.
Para que este pudesse ser reputado nacional, seria necessário que o legislador que
o plasma também se revestisse da mesma qualidade, o que não acontece. Pelo contrário,
temos uma multiplicidade de legisladores a contribuir na modelagem do Sistema
Tributário.”2
De fato, em um Estado Federal, onde convivem três esferas políticas autônomas, não é
possível cogitar um Sistema Tributário Nacional nos moldes existentes nos países unitários.
Contudo, forçoso reconhecer que o legislador constituinte modelou o Sistema Tributário de
forma cabal e definitiva, nada deixando à eventual contribuição do legislador infraconstitucional.
Logo, tributos federais, estaduais e municipais e, por conseguinte, os respectivos
legisladores, estão vinculados aos princípios constitucionais tributários, não podendo ampliar,
nem reduzir as limitações ao poder de tributar.
Por tais razões, pode-se denominar de Sistema Tributário Nacional ao conjunto de tributos
federais, estaduais e municipais, como, aliás, admite Amílcar de Araújo Falcão.3
O ITBI integra, pois, o Sistema Tributário Nacional e, por força do princípio da
discriminação de rendas tributárias, foi inserido no âmbito de competência impositiva dos
Municípios.
1 A seção VI, concernente à repartição das receitas tributárias, está inserida no Capítulo I por razões de ordem
prática, mas, na realidade, a questão de repartição das receitas tributárias insere-se no âmbito do Direito
Financeiro.
2 Sistema constitucional tributário brasileiro. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1968, p. 223-224.
3 Impostos concorrentes na Constituição de 1946. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1964, p. 35.
3 DISCRIMINAÇÃO CONSTITUCIONAL DE IMPOSTOS Imposto é espécie do gênero tributo. É destinado essencialmente à captação de recursos
financeiros. Representa a fonte regular de abastecimento do Tesouro para que o Estado possa
cumprir a sua finalidade de implementar o bem comum. É conhecido como tributo desvinculado
de qualquer atuação do Estado, ao contrário de outras espécies tributárias que são exceções
vinculadas à atuação estatal. No que se refere às taxas de serviços e às contribuições de melhoria,
por exemplo, serão os sujeitos ativos desses tributos os entes políticos que tiverem prestado os
serviços públicos específicos e divisíveis e aqueles entes políticos que tenham executado a obra
pública que valorize os imóveis circunvizinhos, respectivamente.
No que se refere ao imposto, exatamente, por ser um tributo desvinculado da atuação estatal,
o legislador constituinte discriminou aqueles cabentes a cada entidade política para afastar os
conflitos entre esses entes federados, juridicamente parificados, e ao mesmo tempo assegurar
recursos financeiros próprios para o gozo de suas autonomias político-administrativas.
Daí a outorga de competência privativa à União dos sete impostos previstos no art. 153 da
CF; da outorga de competência privativa aos Estados-membros dos três impostos previstos no art.
155 da CF; e da outorga de competência privativa aos Municípios dos outros três impostos
previstos no art. 156 da CF.
A discriminação constitucional de impostos gera duplo efeito: efeito positivo, à medida que
confere à entidade política contemplada a exclusividade de tributação; efeito negativo, à medida
que veda à entidade política não contemplada o exercício da competência tributária. A Carta
Política veda, pois, a bitributação jurídica, ressalvada a eventual exceção prevista no próprio texto
constitucional.
Daí por que a discriminação de impostos é um dos importantes princípios limitadores do
poder de tributar ao lado de outros princípios adiante examinados.
3.1LIMITAÇÕES CONSTITUCIONAIS AO PODER DE TRIBUTAR
A Constituição Federal inscreveu diversos princípios tributários, visando à preservação do
regime político adotado, à saúde da economia e ao respeito aos direitos fundamentais.
Aliomar Baleeiro denomina esses princípios de limitações constitucionais ao poder de
tributar.
Examinemos, primeiramente, os princípios genéricos, aplicáveis aos tributos em geral e, ao
depois, os princípios constitucionais específicos, aplicáveis apenas ao ITBI.
3.1.1Limitações constitucionais genéricas ao poder de tributar
3.1.1.1Generalidades
A nossa Constituição Federal, ao contrário das Constituições de outros países, estruturou e
modelou o Sistema Tributário de forma completa. Procedeu à partilha da competência tributária
deferindo competência comum relativamente às taxas, contribuições de melhoria e contribuição
social do servidor público e deferindo competência privativa no que tange a impostos,
discriminando-os em seus arts. 153, 155 e 156. Essa discriminação, por si só, já é uma limitação
ao poder de tributação, na medida em que a outorga de competência privativa a uma entidade
política implica, ipso facto, a vedação do exercício dessa competência por outra entidade política
não contemplada. Além disso, a Carta Política prescreveu inúmeros outros princípios tributários,
visando à preservação do regime político adotado, à saúde da economia, ao respeito aos direitos
fundamentais e à proteção dos valores espirituais. E ao lado dos princípios expressos existem
outros, implícitos, que decorrem do regime e dos princípios adotados pela Carta Política, ou dos
tratados internacionais em que o Brasil seja parte (§ 2o do art. 5o da CF).
Aliomar Baleeiro estuda cada um desses princípios, adiante analisados, em sua obra
intitulada Limitações constitucionais ao poder de tributar.
3.1.1.2Princípio da legalidade tributária
3.1.1.2.1Natureza e origem do princípio
Esse princípio tem origem política. Está diretamente ligado à luta dos povos contra a
tributação não consentida.
São conhecidas as resistências dos povos contra a tributação não consentida, desde a Idade
Média. Aliomar Baleeiro narra o que ocorreu com as três grandes civilizações, conforme
passaremos a resumir adiante.
Na Espanha, as grandes assembleias de classes denominadas “Cortes” concediam tributos
extraordinários solicitados pela Coroa. As Cortes de Leão, de 1188, estabeleceram o princípio de
que os impostos deveriam ser votados pelos delegados dos contribuintes. Portugal convocava as
Cortes de Lamengo em 1413 para obter os impostos necessários. A assembleia convocada após a
Revolução de 1820 contou com deputados do Brasil, os quais foram hostilizados, contribuindo
para acelerar o movimento emancipador.
Na França, representantes da nobreza, clero e povo reuniam-se em Etais Généraux e nos
“Estados Provinciais” quase sempre para obtenção de tributos, desde o início do século XVI até
que os monarcas absolutistas, Francisco I, Henrique IV e Luís XIV, prescindiram dessas
assembleias. Com o final da era de Luís XIV celebrizado pela fórmula “O Estado sou eu”, Luís
XVI convocou, para obtenção de tributos, os Estados Gerais, os quais se converteram na
Constituinte, de cuja fermentação surgiria a Revolução Francesa de 1789.
Na Inglaterra, a luta dos barões contra “João sem Terra” culminou com o advento da Carta
Magna de 1215, na qual ficou consignado o princípio de que nenhum tributo ou scutage (resgate
em dinheiro da obrigação do serviço militar) poderia ser cobrado sem o consentimento do
conselho do reino, salvo os de costume, para resgate do rei, elevação de seu filho mais velho a
cavalheiro ou dote da filha mais velha.
Assinala, ainda, Aliomar Baleeiro que os princípios da representação política e do
consentimento expresso para o imposto já estavam implícitos nas práticas vetustas que se
observavam há quase mil anos na Espanha e Portugal, passando este último para o Brasil-Colônia
através das Câmaras Municipais. Algumas dessas Câmaras não consentiam facilmente na
tributação. A do Rio de Janeiro depôs o governador Salvador Correia de Sá e Benevides, em 1660,
encabeçando motins graves, conforme assinala o citado autor.1
O estudo histórico não deixa margem de dúvida de que a tributação foi a causa direta ou
indireta de grandes revoluções ou grandes transformações sociais.
Entre nós, como assinala Paulo Roberto Cabral Nogueira, o mais genuíno e idealista dos
movimentos de afirmação da nacionalidade, a Inconfidência Mineira, teve como fundamental
motivação a sangria econômica provocada pela metrópole com o aumento da derrama.2
3.1.1.2.2A cristalização do princípio
Thomas Jefferson, ao redigir a Declaração da Independência das colônias americanas (1776),
dentre outros abusos do Rei da Grã-Bretanha, cita expressamente o “lançamento de taxas sem
nosso consentimento”.
A Constituição dos Estados Unidos da América que se segue à Declaração da Independência,
de 1787, dispõe em seu art. I, Seção 7, inciso 1:
“Todo projeto de lei relativo ao aumento da receita deve se iniciar na Câmara dos
Representantes; o Senado, porém, poderá apresentar emendas, como nos demais
projetos de lei.”
Por sua vez, a Seção 8, inciso 1, do mesmo artigo prescreve:
“Será da competência do Congresso: lançar e arrecadar taxas, direitos, impostos e
tributos, pagar dívidas e prover a defesa comum e o bem-estar geral dos Estados Unidos;
mas todos os direitos, impostos e tributos serão uniformes em todos os Estados Unidos;”
Finalmente, reza a 16a Emenda Constitucional:
“O Congresso terá competência para lançar e arrecadar impostos sobre a renda,
seja qual for a proveniência desta, sem distribuí-los entre os diversos Estados ou levar
em conta qualquer recenseamento ou enumeração.”
A Constituição de 1946, do longínquo país do extremo oriente, a do Japão, também, preceitua
em seu art. 84:
“Nenhum imposto novo será criado, nem modificados os já existentes, exceto em
virtude de lei ou nas condições que esta prescrever.”
Demais países democráticos, também, vêm inscrevendo em suas Cartas Políticas o princípio
da legalidade tributária, alguns deles sob a forma de princípio genérico.
3.1.1.2.3O princípio da legalidade no Brasil
Entre nós, desde a primeira Constituição Republicana de 1891 vem sendo consignado o
princípio da prévia instituição legal do imposto (art. 72, § 30). A própria Carta outorgada de 1824,
em seu art. 36, I, prescrevia a iniciativa privativa da Câmara dos Deputados sobre impostos.
A Carta de 1988, como se não bastasse a disposição do art. 5o, II, segundo o qual “ninguém
será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei”, prescreveu em
seu art. 150, I:
“Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado
à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:
I – exigir ou aumentar tributo sem lei que o estabeleça”.
As palavras iniciais do art. 150, inseridas na Seção II, que cuida “Das Limitações do Poder
de Tributar”, só vêm a confirmar o que dissemos anteriormente, isto é, que os princípios
constitucionais tributários não se esgotam naqueles elencados na Constituição.
Como se sabe, a Carta Política não cria tributos, pois limita-se a repartir o poder de tributação
pelo mecanismo da competência tributária.
É a lei ordinária de cada poder tributante que vai instituir o tributo de sua competência
impositiva. Somente a lei em sentido estrito pode criar, modificar ou extinguir tributos.
No regime da Emenda no 1/69, os tributos federais podiam ser criados ou alterados através
de decreto-lei, figura substituída pela medida provisória, contemplada no art. 62 da Constituição
vigente, que atua em qualquer campo, limitada apenas à relevância e urgência da matéria, segundo
o exclusivo juízo político do Presidente da República, a quem cabe o exercício do poder cautelar
geral. Daí a proliferação de medidas provisórias, umas aprovadas, outras rejeitadas, outras, ainda,
mediante projetos de conversão, aprovadas com emendas modificativas ou supressivas, causando
efeitos jurídicos díspares, criando um cipoal de confusões no ordenamento jurídico.
Muitos juristas sustentavam que o decreto-lei não era lei, ou que não tinha a mesma força de
lei, e que, portanto, não poderia dispor sobre matéria submetida ao princípio da estrita legalidade,
como é o caso da instituição de tributo, ou a sua majoração.
A grande verdade é que a Constituição anterior conferia ao Chefe do Poder Executivo da
União o poder de expedir decreto-lei em matéria tributária, nos termos do art. 55 que assim
dispunha:
“Art. 55. O Presidente da República, em casos de urgência ou de interesse público
relevante, e desde que não haja aumento de despesa, poderá expedir decretos-leis sobre
as seguintes matérias:
I – segurança nacional;
II – finanças públicas, inclusive normas tributárias”.
3.1.1.2.3.1Medida provisória em matéria tributária
Estando a medida provisória encartada no elenco do art. 59 da CF, que cuida do processo
legislativo, não há dúvida tratar-se de uma espécie normativa, ainda que de natureza peculiar.
A medida provisória surgiu na Carta Política de 1988 (art. 62 e seu parágrafo único) como
sucedâneo à extinção do antigo decreto-lei, previsto para as hipóteses do art. 55 da Emenda
no 1/69. Ela é editada pelo Presidente da República, com força de lei, obedecidos tão só os
requisitos da relevância e urgência, para ser imediatamente submetida ao Congresso Nacional.
Ao invés de abolir esse instrumento normativo, desestabilizador da ordem jurídica, a Emenda
Constitucional no 32, de 11-9-2001, deu nova feição à medida provisória mediante a alteração do
art. 62 da CF e introdução de 12 novos parágrafos. Para aplacar o clamor popular contra o seu uso
indiscriminado, o § 1o enumerou os casos em que não podem ser objetos de disciplinação por
meio dela, elencando as matérias, como as previstas nos incisos III e IV que, pela sua própria
natureza, já estão fora do seu alcance. Mediante sutil alteração da redação do art. 246 da CF, que
proibia o uso da medida provisória para regulamentação de dispositivo constitucional alterado por
emenda promulgada a partir de 1995, alargou-se o campo de atuação desse singular instrumento
legislativo. Agora, os dispositivos da Carta Magna, que vierem a ser alterados por emendas
promulgadas a partir de 12 de setembro de 2001, poderão ser regulamentados por meio de
medidas provisórias. Em outras palavras, anulou-se a conquista representada pela Emenda no 6,
de 15-8-1995, que introduziu a proibição ora revogada.
Pelas novas regras, as medidas provisórias perderão eficácia ex tunc se não forem convertidas
em lei, no prazo de sessenta dias, prorrogável uma única vez, por idêntico prazo, desde que ainda
não tenha encerrado sua votação nas duas Casas do Congresso Nacional (§§ 3o e 7o). Não cabe
reedição, na mesma sessão legislativa, de medida provisória que tenha sido rejeitada ou que tenha
perdido sua eficácia por decurso de tempo (§ 10). Na hipótese de perda de eficácia ou rejeição
das medidas provisórias cabe ao Congresso Nacional, no prazo de sessenta dias, disciplinar, por
meio de decreto legislativo, as relações jurídicas delas decorrentes, sob pena de conservação dos
efeitos até então produzidos (§§ 3o e 11). Na hipótese de aprovação do projeto de lei de conversão,
alterando o texto original da medida provisória, esta continuará integralmente em vigor até que
seja sancionado ou vetado o projeto (§ 12). Finalmente, nas hipóteses de instituição ou majoração
de impostos, a medida provisória só produzirá efeitos no exercício financeiro seguinte se houver
sido convertida em lei até o último dia daquele em que foi editada, ressalvados os impostos que,
por expressa previsão constitucional, não se submetem ao princípio da anterioridade (§ 2o).
No nosso entender, a medida provisória não pode ser veiculada em matéria tributária. Não
preenche o requisito indispensável do princípio constitucional da legalidade tributária. Esse
princípio pressupõe prévio consentimento da sociedade no quantum da tributação, por meio do
órgão de representação popular, o que inexistirá no caso de instituição de tributo por medida
provisória. Incogitável, outrossim, a hipótese de o tributo, depois de criado ou majorado, sujeitar-
se ao desaparecimento com efeito ex tunc ao cabo de sessenta ou cento e vinte dias, se rejeitada
ou cessada a eficácia da medida provisória, que instituiu ou majorou o tributo. O que é pior, a
omissão do Congresso Nacional em disciplinar, no prazo de sessenta dias, as relações jurídicas
decorrentes da medida provisória rejeitada ou caducada, beneficiará o Poder Executivo que a
editou, pois, nesse caso, os efeitos já produzidos serão conservados, isto é, não dará ensejo à
repetição de indébito, fato que poderá levar o Executivo a cometer abusos. E mais, relativamente
aos impostos sujeitos ao princípio da anterioridade a medida provisória só poderá surtir efeitos a
partir do exercício seguinte, se convertida em lei até o último dia daquele em que foi editada (§
2o do art. 62). Ora, isso esvazia o conteúdo do requisito constitucional da urgência para sua edição.
Não teria sentido algum lançar mão de medida provisória, por exemplo, em janeiro de 2008, sob
alegação de urgência, para vigorar a partir de janeiro de 2009, se convertida em lei até 31 de
dezembro de 2008.
Como se vê, a nova versão da medida provisória agrava a sua incompatibilidade no trato com
a matéria tributária. Yoshiaki Ichihara também entende que as medidas provisórias não servem
como regra para instituir ou aumentar tributos, cabendo a elas todas as restrições levantadas em
relação ao decreto-lei do sistema anterior, o que é possível apenas em casos excepcionais.3 A
jurisprudência do TRF da 3a Região é no sentido de que a medida provisória não pode legislar
sobre criação ou aumento de tributos, sobre matéria penal e sobre processo civil, entendimento
esse firmado antes da Emenda no 32/01.4
A veiculação de matéria tributária por meio de medida provisória afronta em bloco os direitos
e garantias fundamentais de aplicação imediata, porque frutos da soberania popular, consagrados
na Carta Política.
Não há dúvida de que a sua utilização no campo tributário implica um arranhão no princípio
da legalidade tributária, destinado a conferir segurança jurídica a todos os contribuintes. Para
prevenir abusos como os perpetrados pela MP no 232/04, conhecida como “tsunami tributário”,
felizmente rejeitada pelo Congresso Nacional, foi apresentada a PEC no371/05 proibindo a
utilização de medida provisória em matéria tributária. Porém essa PEC sofreu emendas e
atualmente tramita no Congresso a PEC no511/06 que remove a proibição apontada, porém,
suprimindo o trancamento da pauta do Congresso Nacional, flexibilizando o atual § 6o do art. 62
da CF.
Na prática, a medida provisória tem sido utilizada de forma desvirtuada sem atendimentos
dos pressupostos constitucionais.
Prescreve o art. 62 da CF:
“Em caso de relevância e urgência, o Presidente da República poderá adotar
medidas provisórias, com força de lei, devendo submetê-las de imediato ao Congresso
Nacional.”
A expressão em caso de urgência e relevância está a indicar um acontecimento fático que
pela sua importância está a exigir imediata regulamentação normativa, incompatível com o
processo legislativo normal.
“Relevante”, como está no Dicionário Aurélio, é a realidade que sobressai ou ressalta. É,
portanto, um fato, um acontecimento anormal. A sua não regulação por um instrumento legal
poderá afetar a ordem social. E essa normatização deve ser feita de imediato (urgência), o que
torna inviável o processo legislativo normal.
E quem pode, em um primeiro plano, avaliar o que é relevante e ao mesmo tempo urgente é
o Presidente da República, que detém o poder cautelar geral. Por isso, em princípio, os conceitos
de relevância e de urgência decorrem do juízo de oportunidade inserindo-se no campo da
discricionariedade de atuação do Presidente da República. Nesse sentido decidiu o STF:
“Avanço para dizer que o pressuposto constitucional para essa investidura do
Presidente da República em função normativa primária está na ocorrência de um caso,
um fato, um acontecimento do mundo do ser (Kelsen) que se revista ao mesmo tempo de,
relevância e urgência. Mas um fato urgente e relevante, frise-se no sentido de requerer
uma pronta resposta normativo-estatal [...]. É a medida provisória, portanto, uma
regração que o Presidente fica autorizado a baixar para o enfrentamento de certos tipos
de anomalia tática. Um tipo de anormalidade – este o ponto central da questão –
geradora de instabilidade ou conflito social que não encontra imediato equacionamento
nem na Constituição, diretamente, nem na ordem legal já estabelecida. Por isso que
demandante de uma resposta normativa que não pode aguardar as formas
constitucionais de tramitação dos projetos de lei” (Adin-MC no 3.964-DF, Rel. Min.
Carlos Britto, DJE no 65, de 10-4-2008).
Acontece que a maioria das medidas provisórias editada pelo Executivo cuida de “n”
assuntos ao mesmo tempo como se tantos casos de urgência e relevância tivessem ocorridos no
mundo do ser. A MP no 449/08, convertida na Lei no 11.941, de 27-5-2009, por exemplo, cuidou
de cerca de inúmeros assuntos diferentes que não guardam relação de dependência entre si. A
citada medida provisória regulou quase 40 situações decorrentes de “acontecimentos fáticos
anormais” a evidenciar o desvio de finalidade.
Lamentavelmente, há falta de interesse político para limitar, de verdade, o uso da tão
“combatida” medida provisória, inclusive, em matéria tributária em que a ofensa ao princípio da
legalidade mostra-se patente. Já ficou incorporado ao nosso processo legislativo o hábito de os
parlamentares inserirem textos estranhos à matéria versada na medida provisória, a fim de
aproveitar o rito privilegiado para a aprovação do instrumento legislativo. A simbiose entre os
Poderes Executivo e Legislativo resulta na burla ao processo legislativo estabelecido para a
discussão e aprovação de lei ordinária e não tem fundamento constitucional.
3.1.1.2.4Campo de atuação do princípio da legalidade
3.1.1.2.4.1Considerações gerais
O princípio da legalidade tributária não se resume, apenas, na vedação da cobrança ou
majoração do tributo sem a prévia previsão legal. De há muito extrapolou o velho princípio donde
se originou – nullum crimen sine lege – para passar a reger as mais diferentes situações
relacionadas com a tributação, objetivando a formulação de uma ordem jurídico-tributária cada
vez mais justa.
Diz Alberto Pinheiro Xavier:
“O princípio da legalidade no Estado de Direito não é já, pois, mera emanação de
uma ideia de autotributação, de livre consentimento dos impostos; antes passa a ser
encarado por uma nova perspectiva, segundo a qual a lei formal é o único meio possível
de expressão da justiça material. Dito em outras palavras: o princípio da legalidade
tributária é o instrumento – único válido para o Estado de Direito – de revelação e
garantia da justiça tributária.”5
De fato, o princípio da legalidade, só para citar, preside a política de incentivos fiscais, a
concessão e revogação de isenção, a repartição de tributo pago indevidamente etc.
3.1.1.2.4.2O art. 97 do Código Tributário Nacional
O art. 97 do CTN enumera as matérias submetidas à esfera de atuação exclusiva da lei, nos
seguintes termos:
“Art. 97. Somente a lei pode estabelecer: I – a instituição de tributos, ou a sua
extinção;
II – a majoração de tributos, ou sua redução, ressalvado o disposto nos arts. 21, 26,
39, 57 e 65;
III – a definição do fato gerador da obrigação tributária principal, ressalvado o
disposto no inciso I do § 3o do art. 52, e do seu sujeito passivo;
IV – a fixação da alíquota do tributo e da sua base de cálculo, ressalvado o disposto
nos arts. 21, 26, 39, 57 e 65;
V – cominação de penalidade para as ações ou omissões contrárias a seus
dispositivos, ou para outras infrações nela definidas;
VI – as hipóteses de exclusão, suspensão e extinção de créditos tributários, ou de
dispensa ou redução de penalidade.
§ 1o Equipara-se à majoração do tributo a modificação de sua base de cálculo, que
importe em torná-lo mais oneroso.
§ 2o Não constitui majoração de tributo, para os fins do disposto no inciso II deste
artigo, a atualização do valor monetário da respectiva base de cálculo.”
Os incisos I e II configuram a repetição do que está no art. 150, I, da CF vigente e que estava
nas Cartas anteriores. Representam princípio da legalidade em sua concepção tradicional.
Os incisos III e IV dizem respeito à formulação da hipótese de incidência tributária,
abrangendo o elemento nuclear ou objetivo do fato gerador da obrigação tributária, bem como os
seus aspectos subjetivo e quantitativo.
O inciso V só impõe, de forma clara, a atuação exclusiva da lei quando se tratar de definir
“outras infrações”, como se depreende de sua parte final. A primeira parte do citado inciso, apesar
de exigir a lei para a fixação de penalidade (nulla poena sine lege), não prescreveu igual
orientação para definição de infrações decorrentes de ações ou omissões contrárias aos
dispositivos da lei tributária, distanciando-se do princípio nullum crimen sine lege.
Como penalidade é matéria que se insere no campo do direito punitivo, é necessário que o
aplicador da lei tributária observe os princípios gerais do direito penal, principalmente aquele
princípio secular, estatuído no art. 1o do Código Penal. Aliás, o próprio Código Tributário
Nacional transpôs para o campo do direito tributário algumas das regras fundamentais do direito
criminal, como se pode ver de seus arts. 106, 112 e 137.
O inciso VI aborda matérias concernentes à exclusão (art. 175), à suspensão (art. 151) e à
extinção de créditos tributários (art. 156), além de casos de dispensa ou redução de penalidades.
E aqui convém fazer breves considerações em torno da isenção tributária.
A isenção não pode prescindir de lei porque a Constituição, ao conferir às entidades políticas
a competência impositiva, pelo mecanismo da partilha tributária, conferiu-lhes também o poder
de isentar.
No dizer de Seabra Fagundes, “a competência constitucional para tributar supõe a opção
entre criar tributos ou não, e implica, por igual, a faculdade de isentar da incidência tributária
determinadas pessoas, coisas ou situações”.6
Outrossim, consoante a doutrina unânime, de regra, o poder de isentar é corolário do poder
de tributar.7 Logo, se há necessidade de lei para tributar, há também para isentar.
Por derradeiro, como a isenção é hipótese de exclusão do crédito tributário (art. 175, I, do
CTN), resta claro a incidência inafastável do princípio da legalidade na elaboração de norma
isentiva, que, aliás, na maioria das vezes, está contida na própria lei instituidora do tributo.
O § 1o, para evitar que o princípio da legalidade seja burlado através de manobras visando ao
agravamento da base de cálculo do tributo, de antemão prescreveu a equiparação de tais manobras
ou artifícios à majoração do tributo.
Finalmente, o § 2o ressalva da proibição de majorar tributos a mera atualização do valor
monetário da sua base de cálculo.
Esse dispositivo parece-nos ocioso, abundante. A atualização do valor monetário, como o
próprio nome está a indicar, visa apenas atualizar o poder aquisitivo da moeda, anulando o
impacto do galopante processo inflacionário. Nada tem que ver com o aumento real ou com a
majoração do tributo, campo de atuação privativa da lei.
Por causa desse dispositivo acendeu-se uma acirrada discussão doutrinária e jurisprudencial
acerca da elevação do valor venal do IPTU, por ato do Executivo: uns entendendo que o decreto
pode apenas proceder à atualização monetária do valor venal dos imóveis; outros entendendo que,
por se tratar de tributos avaliáveis, compete ao Executivo fixar, anualmente, o valor venal dos
imóveis, pouco importando se aquém ou além do que resultaria da correção monetária do valor
venal anteriormente estabelecido. A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal acabou
entendendo que somente a lei pode majorar o valor venal do imóvel para fins do IPTU.8
3.1.1.2.4.3A repetição de indébito
Finalmente, outra questão diretamente ligada ao princípio da legalidade, pouco lembrada
pelos estudiosos, é a que diz respeito à repetição de indébito tributário.
Grande parte da doutrina e da jurisprudência busca o fundamento da repetição de tributo pago
indevidamente na velha parêmia de Pompônio, de inegável conteúdo ético e moral – o princípio
do locupletamento indevido. Tal posicionamento acabou por semear a confusão do aspecto
jurídico com o aspecto econômico da tributação, com reflexo, inclusive, na determinação do
sujeito ativo da ação de repetição.
Na verdade, o tributo indevido, exigido ou pago voluntariamente deve ser restituído em
virtude do princípio da legalidade tributária. Esse princípio impõe a reposição do solvens no statu
quo ante sempre que constatado o pagamento sem fundamento na lei. Obrigação tributária
é obligatio ex legisconsoante doutrina indiscrepante, pelo que deve ser cumprida nos estritos
termos da lei, inclusive no que tange ao quantum debeatur. Se pago a mais do que devido por lei,
o contribuinte tem o direito de repetir o pagamento, acrescido de juros e correção monetária; se
pago a menos do que determina a lei, o contribuinte tem a obrigação de completar o pagamento,
acrescido de juros, correção monetária e multa, ressalvada quanto a esta última a hipótese do art.
138 do CTN.
Daí por que a legitimidade para propor a ação só poderia ter quem foi parte na relação jurídica
tributária, e não o consumidor final (também conhecido como contribuinte de fato ou contribuinte
econômico) que suportou o encargo financeiro do tributo, o qual, nenhuma obrigação tem perante
o fisco, e, consequentemente, nenhum direito tem perante a Fazenda Pública, que sequer o
conhece.
Dispõe o art. 165 do CTN:
“Art. 165. O sujeito passivo tem direito, independentemente de prévio protesto, à
restituição total ou parcial do tributo, seja qual for a modalidade do seu pagamento,
ressalvado o disposto no § 4o do art. 162, nos seguintes casos:
I – cobrança ou pagamento espontâneo de tributo indevido ou maior que o devido
em face da legislação tributária aplicável, ou da natureza ou circunstâncias materiais
do fato gerador efetivamente ocorrido;
II – erro na identificação do sujeito passivo, na determinação da alíquota aplicável,
no cálculo do montante do débito ou na elaboração ou conferência de qualquer
documento relativo ao pagamento;
III – reforma, anulação, revogação ou rescisão de decisão condenatória.”
Como se vê, o direito à restituição foi conferido exclusivamente ao sujeito passivo da
obrigação tributária, isto é, ao contribuinte de direito (art. 121, parágrafo único, I), ou ao
responsável tributário (art. 121, parágrafo único, II, c/c o art. 128 do CTN), em respeito à própria
teoria geral do direito. O direito de restituição do tributo indevido é, pois, o exercício do direito
subjetivo material público de quem pagou sem fundamento na lei (art. 5o, XXXVI, c/c o art. 150,
I, da CF, e art. 97 do CTN).
Por isso Brandão Machado, com habitual clareza lapidar, assevera a respeito do art. 165 do
CTN:
“Em todas essas hipóteses, o fundamento jurídico da restituição é sempre o direito
público subjetivo do pagante de ser tributado exatamente como prescreve a lei. É
evidente, portanto, que a violação desse direito ocorrerá em todas as hipóteses
enumeradas; se o quantum exigido for maior do que o previsto na lei; se a pessoa taxada
não realizou o pressuposto legal do tributo; se a alíquota aplicada, no caso concreto,
não é a indicada pela lei; se, finalmente, a decisão reformada desatendeu as prescrições
legais” [...] “Não tem, assim, razão de ser a enumeração das hipóteses nos incisos do
art. 165 do Código, que pretendeu distinguir entre erro de direito e erro de fato, quando
na verdade, em qualquer hipótese, o que ocorre é sempre ofensa ao princípio da
legalidade.”9
Entretanto, a jurisprudência de nossos tribunais – buscando o fundamento da ação de
repetição no vetusto princípio pomponiano, e buscando subsídios teóricos na lição dos
economistas, que, por sua vez, lastreados nos ensinamentos de fisiocratas do século passado,
como Quesnay e Stuart Mill, classificam os tributos em diretos e indiretos, conforme tenha havido
absorção ou repercussão do tributo – vem criando obstáculos à restituição do tributo pago sem
base legal. O próprio Supremo Tribunal Federal, excessivamente preocupado com o aspecto ético
e moral da questão, viu-se embaralhado no meio de confusões de noções jurídicas e noções
econômicas. Primeiramente, editou a Súmula 71, vedando a restituição do chamado “tributo
indireto”, posteriormente mitigada pela de número 546, que corresponde às exigências do art. 166
do CTN.
De fato, dispõe o art. 166 citado:
“A restituição de tributos que comportem, por sua natureza, transferência do
respectivo encargo financeiro somente será feita a quem prove haver assumido o referido
encargo, ou no caso de tê-lo transferido a terceiro, estar por este expressamente
autorizado a recebê-la.”
Esse dispositivo de cunho moralista e inspirado na lição dos fisiocratas do século passado,
que classificaram os tributos em diretos e indiretos, sem rigor científico algum, padece de graves
defeitos, a começar pela extrapolação do âmbito da matéria específica. Não resolveu a questão do
enriquecimento ilícito que motivou a sua formulação.
Não há que se falar em “tributos que comportem, por sua natureza, transferência do
respectivo encargo financeiro”, pois isso depende do dificultoso exame, caso a caso.
O fenômeno da repercussão econômica do tributo é tão versátil quanto imprevisível, de sorte
a não se prestar como elemento norteador da classificação de tributos em diretos e indiretos.
Realmente, a repercussão do tributo depende de lei de formação de preços e de outros
inúmeros fatores, até de natureza conjuntural. Assim, o mesmo tributo poderia ser direto ou
indireto, conforme tenha sido, de fato, suportado, ou não, pelo consumidor. Hoje, é comum a
repercussão dos próprios tributos de natureza pessoal: profissionais existem que variam o preço
do serviço prestado segundo a exigência, ou não, do recibo pelo tomador. Em relação aos
chamados tributos reais, por exemplo, existe até contrato-padrão atribuindo ao locatário a
responsabilidade pelo pagamento de “todos os impostos e taxas que recaiam sobre o imóvel
locado”.
Por isso, falar-se em tributos diretos e indiretos, baseado no fenômeno da repercussão,
atualmente, soa como pilhéria.
Mas o pior está na parte final do art. 166 do CTN, que exige a autorização do consumidor no
caso de este ter suportado o encargo financeiro do tributo.
A finalidade é evitar o locupletamento indevido do contribuinte. Porém, a matéria já está
regulada pelo direito comum. Aquele que suportou o ônus financeiro do tributo poderá pleitear
do contribuinte a importância que este receber de volta. É assunto que diz respeito aos interesses
de particulares e entre particulares, absolutamente estranho à obrigação tributária.
A exigência legal supra pode provocar a perpetuação da retenção indevida do tributo pelo
sujeito ativo, violando o princípio constitucional da legalidade tributária, pois nem sempre é
possível comprovar que suportou o ônus financeiro do tributo, ou, no caso de sua repercussão,
obter a autorização de consumidores, que podem ser milhares. Por isso, preleciona o renomado
tributarista, Ives Gandra da Silva Martins, que “o artigo 166 do CTN consagra o princípio da
ilegalidade tributária como fonte de receita do sujeito ativo, gerando – para a maior parte dos
tributos – condição de impossível repetição”.10
Portanto, além de criar uma situação de inconstitucionalidade, não resolveu a questão que
teve em mira, ou seja, o locupletamento indevido perdurará em mãos do Estado até de forma
agravada, conforme bem salientou Aliomar Baleeiro, em seu voto vencido, perante a Suprema
Corte:
“Mas não se pode negar a nocividade do ponto de vista ético e pragmático, duma
interpretação que encoraja o Estado mantenedor do direito a praticar, sistematicamente,
inconstitucionalidades e ilegalidades na certeza de que não será obrigado a restituir o
proveito da turpitude de seus agentes e órgãos. Nada pode haver de mais contrário ao
progresso do Direito e à realização da ideia-força da Justiça.”11
Graças à introdução desnecessária do art. 166 no CTN, que nada tem que ver com o direito
tributário, mesmo após a implantação da Reforma Tributária não foi possível aos tribunais
desvencilharem-se de noções pré-jurídicas, interpretando as leis de conformidade com os
subsídios teóricos ministrados pelos economistas, fato, aliás, que encontra explicação, também,
no chamado dirigismo econômico (leis dirigindo cada vez mais a economia do país).
Muita tinta tem sido gasta pelos juízes e tribunais na busca de elementos probatórios,
configuradores dos requisitos aí exigidos: o sujeito passivo suportou, ou não, o encargo financeiro
do tributo; em caso de tê-lo transferido está, ou não, autorizado por todos os consumidores.
E o que é pior: por causa da autorização do consumidor que a lei exige como condição para
o exercício da ação de repetição pelo sujeito passivo, na hipótese de repercussão, já se está
ensejando o nascimento de uma outra confusão: a legitimidade do consumidor de pleitear
diretamente a ação de repetição, baseado no falso pressuposto de que quem pode autorizar pode
ingressar com a ação. Se a tese vincar no Judiciário estará instaurado o caos jurídico e liquidado
o princípio da economia processual. Milhares e milhares de consumidores, que nenhuma relação
jurídica tributária têm com o sujeito ativo do tributo, estarão ingressando com a ação no lugar do
sujeito passivo da obrigação tributária.
A correta fundamentação da ação de repetição de indébito tributário no princípio da
legalidade tributária, elevado ao nível constitucional, resolve todas as dificuldades hoje existentes.
O sujeito passivo que efetuar pagamento de tributo sem base legal – não praticou o fato típico;
base de cálculo levada em conta não corresponde à previsão legal; a alíquota aplicada é maior do
que a estatuída na lei etc. – terá direito à repetição independentemente de ter suportado ou não o
respectivo encargo financeiro. O problema do consumidor que, de fato, assumiu o ônus financeiro,
pelo fenômeno da repercussão, é matéria de natureza privada que não interessa à Fazenda Pública,
a qual não pode nem deve posicionar-se como tutora do contribuinte econômico, principalmente
se o direito comum já prevê a sua solução. O tributo indireto, assim como as despesas com
salários, alugueres, matérias-primas, consumo de energia elétrica etc. integram o custo das
mercadorias e serviços.
Finalmente, como a prescrição e a decadência extinguem o crédito tributário (art. 156, V, do
CTN), quem paga tributo sob os efeitos da decadência ou da prescrição tem direito à repetição.
3.1.1.3Princípio da anterioridade tributária
3.1.1.3.1O princípio da anualidade na Constituição de 1946
Dispunha o § 34 do art. 141 da Constituição Federal de 1946:
“Nenhum tributo será exigido ou aumentado sem que a lei o estabeleça; nenhum
será cobrado em cada exercício sem prévia autorização orçamentária, ressalvada,
porém, a tarifa aduaneira e o imposto lançado por motivo de guerra.”
A segunda parte do dispositivo correspondia ao princípio da anualidade, isto é, o da prévia
inclusão no orçamento de cada exercício do montante do tributo a ser arrecadado. Não bastava a
vigência da lei instituidora do tributo antes do exercício da cobrança; era necessário que a
respectiva receita estivesse consignada na lei orçamentária. Dois eram os requisitos: prévia
instituição em lei e posterior inclusão no orçamento do exercício seguinte ao da instituição do
tributo.
Esse princípio da anualidade representava uma arma do Parlamento contra os abusos do
Executivo. Daí o seu sentido político.
Achavam-se excluídos desse princípio o imposto lançado por motivos de guerra, por razões
óbvias, e as tarifas aduaneiras, por razões de política comercial que pudessem implicar a tomada
de medidas rápidas do governo central, como, por exemplo, medidas antidumping, sobretaxas etc.
O requisito da prévia inclusão no orçamento deixou de figurar a partir da Constituição de
1967, sendo certo que a Emenda Constitucional no 7, de 22-5-1964, já o havia suspendido até 31
de dezembro de 1964, vindo a ser revogado definitivamente pela Emenda no 18/65.
Entretanto, é oportuno assinalar que a eliminação do requisito da previsão orçamentária não
transformou o princípio da anualidade tributária em mero princípio de anterioridade da lei, como
supõem alguns estudiosos.12
Como veremos a seguir, o princípio da anualidade subsiste como regra geral, em relação aos
tributos, cujos lançamentos continuam vinculados a cada exercício financeiro que coincide com
o ano civil, apenas dispensando-se a inclusão do montante da receita no orçamento, como
condição para legitimar a sua cobrança. Não se trata de mera anterioridade da lei em relação à
cobrança, do contrário, uma lei poderia majorar o imposto de renda em maio de 2009, por
exemplo, para ser cobrada a partir de julho de 2009.
3.1.1.3.2Os princípios insertos no art. 150, III, da Constituição de 1988
Prescreve o art. 150, III, da Constituição de 1988:
“Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado
à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:
[...]
III – cobrar tributos:
a) em relação a fatos geradores ocorridos antes do início da vigência da lei que os
houver instituído ou aumentado;
b) no mesmo exercício financeiro em que haja sido publicada a lei que os instituiu
ou aumentou;
c) antes de decorridos noventa dias da data em que haja sido publicada a lei que os
instituiu, observado o disposto na alínea b.”
Na verdade, existem aí três princípios: a alínea a, que José Afonso da Silva denomina de
princípio da prévia definição legal do fato gerador ou princípio da irretroatividade tributária;13 a
alínea b, que é o princípio da anterioridade tributária; e a alínea c, que corresponde ao princípio
da nonagesimidade.
3.1.1.3.2.1O princípio da irretroatividade
À primeira vista parece ser despicienda a norma da letra a supra, pois é elementar que não
se pode falar em ocorrência do fato gerador sem que antes exista lei instituindo o tributo,
descrevendo a respectiva hipótese de incidência tributária. Se determinado fato não foi tipificado
na lei tributária, a sua ocorrência, em concreto, nenhuma consequência jurídico-tributária poderia
causar.
Mas a regra tem a sua razão de ser. Na ordem constitucional anterior, qualquer tributo para
ser cobrado ou aumentado não podia prescindir de lei instituidora ou majoradora, vigente antes
do início do exercício financeiro, com exceção do IPI, dos impostos extraordinários e das tarifas
alfandegárias e de transportes (art. 153, § 29, da Emenda no 1/69).
Porém, a Carta atual abriu inúmeras exceções ao princípio da anualidade (art. 150, § 1o), além
de o texto se referir à prévia publicação da lei instituidora ou majoradora do tributo, e não à prévia
vigência, como estava no ordenamento anterior. O ADCT também estatuiu exceções temporárias
(até 31-12-1989) em relação à maioria dos impostos novos, permitindo a sua cobrança no mesmo
exercício, decorridos trinta dias a contar da publicação da lei que os tenha instituído ou
aumentado, conforme prescreve o § 6o do art. 34. E, mais ainda, o caput desse art. 34 determinou
que o Sistema Tributário Nacional só entrasse em vigor em 1o de março de 1989, com as exceções
especificadas no seu § 1o, no qual não estão incluídos todos os impostos novos.
Assim, o adicional de 5% do imposto de renda,14 por exemplo, de competência impositiva
dos Estados-membros, só poderia viger a partir de 1ode março de 1989. Daí por que, para
contornar o princípio da anualidade (possibilitar a cobrança no próprio exercício de 1989), o
Estado de São Paulo publicou a lei instituidora do questionado adicional, Lei no 6.352, de 29-12-
1988, prescrevendo em seu art. 11 que “entrará em vigor na data de sua publicação, produzindo
efeitos a partir de 1o de março de 1989”.
Dizer que entra em vigor na data de sua publicação, mas que somente produzirá efeitos a
partir de 1o de março de 1989, equivale a suspender a vigência e, portanto, equivale a dizer que a
lei vigerá a partir de 1o de março de 1989. Aliás, por força do disposto no art. 34, caput, do ADCT
pouco importa que essa lei paulista tenha determinado a vigência a partir da data de publicação,
isto é, a partir de 29 de dezembro de 1988: a eficácia dessa lei automaticamente ficou diferida
para 1o de março de 1989. Só poderia alcançar o fato gerador ocorrido a partir dessa data.
Logo, em razão do princípio da irretroatividade tributária, ou da anterioridade da lei ao fato,
previsto na letra a do inciso III, retro, o adicional de 5% do IR, do exercício de 1990, ano-base
1989, só poderia incidir em relação aos lucros, ganhos e rendimentos do capital ocorridos a partir
de 1ode março de 1989.
3.1.1.3.2.2O princípio da anterioridade
A doutrina especializada entende que o princípio da anualidade não mais subsiste, substituído
que teria sido pelo da anterioridade. Entretanto, é preciso lembrar que a cobrança dos tributos
continua vinculada a cada exercício financeiro, com exceções previstas na própria Constituição.
A respeito da matéria preleciona José Afonso da Silva:
“[...] princípio da anualidade do lançamento do tributo, segundo o qual o
lançamento está vinculado a cada exercício financeiro (1o de janeiro a 31 de dezembro),
o que tem importância para a situação temporal do fato gerador da obrigação tributária;
mas ele não está mais condicionado ao requisito da prévia autorização orçamentária,
como foi tradicional no nosso ordenamento constitucional, apenas se liga, agora à
anterioridade da lei criadora ou majoradora do tributo, em relação ao exercício
financeiro em que deverá ser cobrado, como dispõe o art. 150, III, b [...]”.15
É verdade que a Constituição não definiu o período compreendido pelo exercício financeiro,
mas, tradicionalmente, desde o tempo do Império, sempre foi de um ano, como consta da
Constituição vigente (arts. 48, II, 165, III e § 5o, e 166).16 É claro que a CF não determina que esse
período anual coincida com o ano-calendário. Entretanto, por ora, por força da Lei no4.320/64,
que dispõe sobre normas gerais de direito financeiro, recepcionada pela Carta vigente, o exercício
financeiro vai de 1o de janeiro a 31 de dezembro, coincidindo, portanto, com o ano-calendário.17
É certo que o § 9o, I, do art. 165 da CF comete à lei complementar a tarefa de “dispor sobre
o exercício financeiro, a vigência, os prazos, a elaboração e a organização do plano plurianual,
da lei de diretrizes orçamentárias e da lei orçamentária anual”.
Contudo, ainda que, numa interpretação elástica, se entenda que “dispor sobre exercício
financeiro” implique a faculdade de alterar a periodicidade do orçamento, encurtando o exercício
financeiro em curso, a lei complementar, nesse particular, só poderia viger a partir do exercício
financeiro seguinte ao de sua publicação.
É que a atribuição cometida ao legislador complementar é para disciplinar toda a matéria aí
prevista, isto é, dispor sobre o exercício financeiro, definir a vigência, os prazos e o modo de
elaboração do plano plurianual, estatuir normas gerais de direito financeiro etc. No dizer de José
Afonso da Silva, o instrumento legal aí previsto “é uma lei normativa permanente com
características de lei sobre as leis do sistema orçamentário, já que todas, que são de caráter
temporário, nela deverão fundamentar-se”.18
Não há no citado § 9o, nem poderia haver, autorização para o legislador infraconstitucional
elaborar uma lei complementar específica para alterar o exercício financeiro em curso com o fito
de esvaziar o conteúdo do princípio da anterioridade tributária, limitador do poder de tributação
do Estado. Outra é a função da lei complementar aí prevista. O princípio da anterioridade é uma
garantia constitucional do contribuinte e tem seu fundamento na moral administrativa que impede
as surpresas no curso do exercício; visa respeitar o direito de o contribuinte planejar a sua vida
econômica.
O Estado tem a faculdade de criar novos tributos ou majorar os existentes quando quiser, mas
a sua cobrança fica diferida para o exercício seguinte ao da publicação da lei que os instituiu ou
aumentou. Logo, em 31 de dezembro de cada exercício, o Estado esgota o seu poder tributário
em potencial para criar ou aumentar tributos a serem arrecadados a partir do primeiro dia do
exercício seguinte. Isso significa que, a partir de zero hora do dia 1o de janeiro de cada ano, o
contribuinte já poderá estimar o nível de pressão fiscal que deverá suportar no decorrer do
exercício, o que lhe possibilitará o planejamento de sua vida econômica, que poderá implicar o
comprometimento de rendas em potencial a serem realizadas até o final do período orçamentário.
Daí o seu direito de não ser surpreendido no meio do exercício com nova carga tributária não
consentida, no momento oportuno, pelo Parlamento (Congresso Nacional, Assembleia Legislativa
ou Câmara Municipal).
Na verdade, não nos parece que a lei complementar, ao alterar o exercício financeiro, possa
reduzir o seu período. É que exercício financeiro nada mais é do que o período limitado por dois
balanços sucessivos de uma administração (receita pública e despesa pública), que outra coisa
não é senão o orçamento. E o orçamento, como vimos, é anual, isto é, compreende período de
doze meses.
A existência de plano plurianual entre nós não prejudica o princípio da anualidade
orçamentária, sendo bastante esclarecedoras as palavras de José Afonso da Silva a esse respeito:
“Significa isso que o princípio da anualidade sobrevive e revive no sistema, com
caráter dinâmico-operativo, porquanto o plano plurianual constitui regra sobre a
realização das despesas de capital e das relativas aos programas de duração continuada,
mas não é operativo por si, e sim por meio do orçamento anual.”19
Se o orçamento é anual, compreendido dentro do exercício financeiro que, no futuro, apenas
pode, ou não, coincidir com o ano-calendário, e se a letra b do inciso III do art. 150 da CF proíbe
a cobrança de tributos no mesmo exercício financeiro em que haja sido publicada a lei que os
instituiu ou aumentou, parece claro que essa regra proibitiva expressa o princípio da anualidade
tributária. Não se trata de mero princípio de anterioridade, isto é, não basta que a lei tributária
material tenha sido publicada anteriormente à ocorrência do fato gerador (hipótese da letra a, do
inciso III, do art. 150 da CF), mas que tenha sido publicada antes do exercício financeiro, que,
como vimos, compreende um período de um ano. Não se trata de qualquer anterioridade, mas de
anterioridade em relação ao exercício financeiro da cobrança, o que impede, por exemplo, de
cobrar o imposto de renda majorado por uma lei de maio de 2006, a partir de 1o de julho de 2006.
Chamá--lo de princípio da anterioridade em relação ao exercício financeiro da cobrança significa
exatamente princípio da anualidade.
Colocada a questão nesses termos é perfeitamente compreensível a nova denominação dada,
pela doutrina especializada, àquele tradicional princípio batizando-o como princípio da
anterioridade, para deixar clara a desnecessidade de prévia inclusão orçamentária da estimativa
de receita tributária para iniciar a sua cobrança.
Alguns autores advogam a subsistência do princípio da anualidade na mesma amplitude
conferida pela Constituição de 1946, com fundamento na lei de diretrizes orçamentárias. De fato,
o § 2o do art. 165 da CF prescreve que a lei de diretrizes orçamentárias “orientará a elaboração
da lei orçamentária anual, disporá sobre as alterações na legislação tributária e estabelecerá
[...]”. Como essas alterações implicam aumento ou diminuição de arrecadação tributária, que
refletirá na previsão de receitas públicas a serem consignadas no orçamento anual, pode-se
concluir que as isenções ou outros tipos de renúncia tributária só poderão ser concedidas antes do
advento da lei de diretrizes, sob pena de impossibilitar a correta orientação na elaboração da lei
orçamentária anual. Nada tem a ver com a vedação de cobrança de tributo cuja estimativa de
arrecadação não tivesse sido previamente contemplada na lei orçamentária anual. Exatamente a
possibilidade de atrasos na aprovação da lei orçamentária anual, o que ultimamente vem
acontecendo com frequência, levou o legislador constituinte a mitigar o princípio da anualidade
tributária, dando nascimento ao que a doutrina especializada denominou de princípio da
anterioridade.
Assinale-se, outrossim, que esse princípio não tem aplicação em relação aos impostos de
importação; de exportação de produtos nacionais ou nacionalizados; de produtos industrializados;
de operações de créditos, câmbio e seguro, ou relativas a títulos ou valores mobiliários; e aos
impostos extraordinários (§ 1o do art. 150 da CF). As contribuições sociais também estão
excepcionadas, bastando o transcurso do prazo de noventa dias para a sua cobrança, a contar da
data da publicação da lei que as houver instituído ou modificado (§ 6o do art. 195 da CF).
Por fim, cumpre lembrar que a revogação de isenção importa no aumento de carga tributária
e, como tal, sujeita-se ao princípio da anualidade tributária.
O art. 104, III, do CTN dispõe:
“Art. 104. Entram em vigor no primeiro dia do exercício seguinte àquele em que
ocorra a sua publicação os dispositivos de lei, referentes a imposto sobre o patrimônio
ou a renda:
[...]
III – que extinguem ou reduzem isenções, salvo se a lei dispuser de maneira mais
favorável ao contribuinte, e observado o disposto no art. 178.”20
Tal dispositivo deve merecer interpretação atualizada para se harmonizar com a Constituição
vigente. À época de sua elaboração vigia a Emenda no18/65, que restringia a aplicação do
princípio da anterioridade tributária aos impostos sobre o patrimônio ou a renda. A Constituição
de 1967 restabeleceu o citado princípio em relação aos tributos em geral e assim continua até hoje
(art. 150, III, b).
Dessa forma, revogação de isenção só pode surtir efeito a partir do primeiro dia do exercício
seguinte ao da publicação da lei respectiva.
Todavia, esse princípio não se aplica à revogação da isenção do ICM, hoje ICMS, visto que
a isenção desse imposto é estabelecida por meio de convênios entre Estados e Distrito Federal,
nos termos da lei complementar (art. 155, § 2o, XII, g, da CF), como já ocorria na ordem
constitucional anterior. Esse entendimento ficou consagrado pela Suprema Corte, que apreciou a
questão à luz da Constituição anterior.21
3.1.1.3.2.3O princípio da nonagesimidade
O princípio da nonagesimidade, conhecido princípio da anterioridade mitigada, ou
simplesmente como noventena, na verdade, não chega a ser um princípio tributário; ele se
assemelha a um prazo de carência concedido pelas instituições bancárias, para o início de resgate
das importâncias mutuadas. A noventena não assegura direito algum à imutabilidade da legislação
tributária material, implicando instituição de novo tributo ou sua majoração no decurso do ano do
exercício fiscal, pois, em tese, quatro aumentos-surpresas poderão ocorrer. Essa questão foi por
nós exaustivamente explicada por ocasião da discussão da fracassada PEC no 175-A/95, em
trabalho coletivo enviado ao Congresso Nacional. Tanto é que a PEC no41/03, parcialmente
convertida na EC no 42/03, não previa a noventena em sua redação original, tendo sido incluída,
posteriormente, em tumultuadas sessões onde dezenas e dezenas de substitutivos foram
apresentados e aprovados de afogadilho, desfigurando por completo a proposta original. Tudo
indica que o autor da noventena confundiu a segurança jurídica do contribuinte, que decorre do
princípio da anterioridade, com a figura da moratória, que permite ao contribuinte um prazo de
carência de noventa dias para pagamento do imposto. Ela não tem aplicação em relação aos
tributos não submetidos ao princípio da anterioridade (empréstimo compulsório para atender
despesas extraordinárias; impostos sobre importação, exportação e produtos industrializados;
imposto sobre operações fi-nanceiras; e impostos extraordinários) com exceção do IPI, bem como
em relação ao imposto de renda e à fixação da base de cálculo do IPVA e do IPTU.
A introdução dessa noventena, sem prejuízo do princípio da anterioridade, representa uma
inovação do Texto Constitucional contrariando a tradição das Casas Legislativas, não habituadas
a aprovar a legislação tributária com antecedência mínima de noventa dias, em relação ao
exercício da cobrança. Pelo contrário, a maioria esmagadora das legislações dos três entes
políticos, objetivando o aumento tributário é sancionada e publicada no último dia do ano, ou
seja, no dia 31 de dezembro de cada ano. Isso já faz parte da cultura dos nossos órgãos legislativos.
Por isso, essa noventena há de ser interpretada dentro do sistema jurídico global. Assim, é
evidente que essa EC de no 42/03, aprovada sem maiores discussões e publicada no apagar das
luzes de 2003, não poderia implicar a proibição de arrecadar os tributos, a partir de 1o de janeiro
de 2004, uma vez atendido o princípio da anterioridade, sob pena de criar um impasse político-
administrativo incontornável ao ente político surpreendido na calada da noite. Seria o mesmo que
instituir a noventena para início da execução das Leis Orçamentárias Anuais que, sabidamente,
são sempre aprovadas com atraso, e, na melhor das hipóteses, no último dia do prazo
constitucional.
3.1.1.4Princípio da isonomia tributária
3.1.1.4.1O princípio genérico da igualdade de todos perante a lei
Esse princípio tem a sua matriz no art. 5o da CF, segundo o qual “todos são iguais perante a
lei”.
Se o regime jurídico-material da tributação está sob o princípio da legalidade,
necessariamente, vincula-se a legislação tributária ao princípio constitucional da isonomia,
conforme proclama José Souto Maior Borges.22
Daí por que a igualdade de todos perante o fisco decorre do princípio mais amplo, o da
igualdade de todos perante a lei.
Porém, como assinala Aliomar Baleeiro, várias Constituições, como as promulgadas pela
França em seguida à Revolução, julgaram necessário reiterar o princípio da igualdade,
enunciando-o especificamente em relação a tributos.23
A nossa Constituição Federal reiterou esse princípio da igualdade de todos perante a lei, mas
de forma específica, no art. 150, II, nos seguintes termos:
“Art. 150. [...] é vedado à União [...]:
[...]
II – instituir tratamento desigual entre contribuintes que se encontrem em situação
equivalente, proibida qualquer distinção em razão de ocupação profissional ou função
por eles exercida, independentemente da denominação jurídica dos rendimentos, títulos
ou direitos”.
Esse princípio foi, na verdade, formulado em termos enfáticos, tendo em vista as conhecidas
isenções do imposto de renda, que favoreciam algumas classes de contribuintes, e como
condenação às isenções subjetivas de diversos impostos. O enunciado detalhado do dispositivo
constitucional retrotranscrito impede o escamoteamento do princípio da isonomia tributária, por
meio de rótulos dados aos rendimentos, títulos ou direitos, bem como veda a distinção em razão
de ocupação profissional ou função exercida pelo contribuinte.
É oportuno lembrar que, quando o tratamento diferenciado, dispensado pelas normas
jurídicas, guardar relação de pertinência lógica com a razão diferencial (motivo do tratamento
discriminatório), não há que se falar em afronta ao princípio da isonomia. Da mesma forma, não
afronta esse princípio quando a lei elege determinada situação objetivamente considerada para
prescrever a inclusão ou exclusão de determinado benefício, ou a imposição de certo gravame.
Finalmente, convém não confundir o princípio jurídico da isonomia com a errônea
interpretação ou aplicação de texto legal, gerando situação de desigualdade em confronto com as
soluções dadas aos vários outros casos concretos sobre o mesmo assunto. Exemplo: dois prédios
geminados, idênticos em tudo, tiveram os valores venais fixados diferentemente para efeito de
lançamento do IPTU; um deles foi avaliado em R$ 400.000,00 e o outro, em R$ 900.000,00,
resultando na cobrança de impostos por valores díspares. Não houve, no caso, afronta ao princípio
da isonomia, pois, de duas, uma: ou houve subavaliação no primeiro caso, ou ocorreu uma
superavaliação no segundo caso, ambas as hipóteses não toleradas por lei. A isonomia é um
princípio voltado para o legislador ordinário.
3.1.1.4.2O princípio da isonomia tributária e o princípio da generalidade da
tributação
O princípio de igualdade de todos perante o fisco veda o tratamento desigual de pessoas sob
os mesmos pressupostos de fato; impede discriminações tributárias, privilegiando ou favorecendo
determinadas pessoas físicas ou jurídicas.
Daí por que desse princípio da igualdade dos contribuintes infere-se o princípio da
generalidade da tributação, da mesma forma que do princípio nullum tributum sine lege infere-se
o princípio da legalidade da isenção, isto é, não há isenção sem lei.
Segundo o princípio da generalidade dos tributos, todo aquele que realizou ou foi responsável
pela ocorrência de relações fáticas tributárias é obrigado a pagar tributos.
Esse princípio não se choca com o da capacidade contributiva. Como ensina Silvio Santos
Faria, o respeito à capacidade contributiva de cada um significa um tratamento genérico, igual
para todos os indivíduos que apresentem situação idêntica. Logo, a generalidade significa
tratamento igual para os indivíduos iguais, e não um tratamento igual para todos os indivíduos
indistintamente.24
3.1.1.4.3A isenção e o princípio da isonomia tributária
O princípio da generalidade da tributação pode ser excepcionado por meio da isenção que
respeite o princípio da isonomia.
O que é inconstitucional é a lei isentiva que estabelece situação de desigualdade jurídica
formal como, por exemplo, a Lei municipal de São Paulo no 10.698/88, que instituiu a isenção do
imposto predial para determinados imóveis. Vejamos:
A Lei Municipal de São Paulo no 8.494, de 15-12-1976, instituiu, corretamente, a isenção de
imposto predial relativamente a imóveis recebidos em comodato pelas instituições de educação
em geral, durante a vigência do contrato, e desde que utilizados para fins institucionais. Essa
isenção especial, porém não específica, foi revogada pela Lei no 10.211, de 11-12-1986, e
parcialmente restabelecida em 1988, por meio da Lei especial e específica de no 10.698, de 9-12-
1988, a qual limitou a isenção aos prédios utilizados em regime de comodato pelo Instituto
Mackenzie. A sua inconstitucionalidade, por afronta ao princípio da isonomia tributária, é
manifesta. Além do mais, essa lei é inútil porque, conforme verificamos, o Instituto Mackenzie já
estava amparado por coisa julgada, reconhecendo a imunidade tributária relativamente aos
prédios por ele ocupados, porque a posse que deriva do comodato se insere no conteúdo
patrimonial do Instituto, conforme acórdão do então 1o Tribunal de Alçada Civil do Estado de São
Paulo (Embargos Infringentes no 226.161-SP, Rel. Juiz Oliveira Lima, j. 9-2-1978).
Outrossim, é indiscrepante a doutrina no sentido de que a isenção está vinculada ao princípio
da isonomia tributária.25
Por isso, no dizer de Carlos Adrogué só se pode isentar com a razoabilidade presumida em
qualquer ato legislativo.26
Independentemente do princípio da isonomia, enunciado pela segunda vez na Carta atual,
com referência específica aos tributos, toda isenção que implicar o estabelecimento de tratamento
desigual de pessoas que se encontram sob os mesmos pressupostos fáticos é inconstitucional.
O que o legislador constituinte fez foi atender o clamor do povo, proibindo aquelas isenções
subjetivas. O objetivo perseguido não foi, obviamente, o acréscimo da receita com supressão de
privilégios de poucos, mas a preservação da justiça fiscal, ínsita no princípio da isonomia. Se
aqueles que consentem na tributação e aqueles que aplicam a lei tributária não estivessem sujeitos
ao gravame tributário, não poderiam sentir nem avaliar o peso dessa carga tributária que recai
sobre os contribuintes em geral. Leis tributárias justas induzem ao cumprimento voluntário,
contribuindo para o desafogamento da atividade judiciária, sobrecarregada com um número
infindável de processos envolvendo questões tributárias. Leis injustas, ao contrário, tendem a ser
rejeitadas pela sociedade em geral.
3.1.1.5Princípio da vedação de efeitos confiscatórios
3.1.1.5.1O conteúdo do art. 150, IV, da CF
Prescreve o art. 150, IV, da CF que “é vedado (...) utilizar tributo com efeito de confisco”.
Esse princípio decorre dos sistemas político e econômico adotados; por isso, já estava
implícito nas Cartas Políticas anteriores. Realmente, as Constituições brasileiras sempre
asseguraram o direito de propriedade, ressalvada a desapropriação por utilidade pública, por
interesse social, ou por interesse social para fins de reforma agrária, além de condicionar a
propriedade à sua função social. Atualmente, temos mais duas hipóteses de desapropriação: a
desapropriação urbanística (art. 182, § 4o, III, da CF) e a desapropriação compulsória de glebas
onde forem localizadas culturas ilegais de plantas psicotrópicas, sem direito à indenização (art.
243 da CF).
Os dicionaristas explicam que o vocábulo confisco vem do latim confiscatio, que significa
apreender a favor do fisco os bens pertencentes a outrem, com fundamento na lei. Tem, pois,
sentido punitivo. No caso de contrabando, apreende--se a mercadoria, isto é, confisca-se a
mercadoria para se cobrarem os impostos e as multas.
Segundo José Náufel, confisco ou confiscação “é a apropriação que o Estado faz de bens
particulares, sem indenizar seus respectivos donos, em caráter de pena, imposta aos mesmos”.
Lembra esse autor que “admite-se, tão somente, como efeito da condenação o confisco: a) dos
instrumentos do crime desde que consistam em coisas cujo fabrico, alienação, uso, porte ou
detenção constituam fato ilícito; b) do produto do crime ou de qualquer bem ou valor, que
constitua proveito auferido pelo agente com a prática do fato criminoso”.27
Entretanto, esse confisco relacionado com a infração que tem sido admitido unanimemente
pela doutrina e jurisprudência não se confunde com tributo de efeito confiscatório.
Para alguns autores, haveria efeito confiscatório de impostos sobre a produção e a circulação,
por exemplo, sempre que a alíquota real do tributo fosse maior que a margem de lucro com que o
contribuinte opera.28 O fenômeno da repercussão econômica do imposto, entretanto, prejudica tal
conceito. Para outros, tributo com efeito de confisco é aquele que, por ser excessivamente
oneroso, seja sentido como penalidade.29 Segundo Linhares Quintana, um tributo é confiscatório
quando o montante de sua taxa é desarrazoado, o que ocorre quando equivale a uma parte
substancial do valor do capital, ou de sua renda, ou da utilidade, ou quando ocasiona o
aniquilamento do direito de propriedade em sua substância ou em qualquer de seus
atributos.30 Para Aliomar Baleeiro, tributos confiscatórios são aqueles que absorvem todo o valor
da propriedade, aniquilam a empresa ou impedem o exercício de atividade lícita e moral.31 Mas
esse renomado autor ressalva que os impostos de natureza extrafiscal, instituídos com o propósito
de compelir ou afastar o indivíduo de certos atos ou atitudes, ainda que excessivos, não ofendem
a Constituição porque, nesses casos, o caráter destrutivo e agressivo é inerente a essa
tributação.32 Assim, a tributação progressiva do IPTU no tempo, prevista no inciso II do § 4o do
art. 182 da CF, por exemplo, poderia ter efeito confiscatório, com o que não concordamos porque,
no nosso entender, os tributos extrafiscais também se submetem ao regime tributário, vale dizer,
subordinam-se aos princípios constitucionais tributários.
3.1.1.5.2Como detectar tributo confiscatório
Questão crucial é a de saber até que limite o tributo é tolerável, ou seja, quando se caracteriza
o efeito confiscatório do tributo, vedado pela Carta Magna.
Alguns autores fundam o conceito de confisco na exacerbação do aspecto quantitativo do
tributo. Alíquotas excessivas caracterizariam o efeito confiscató-rio. O critério não tem, contudo,
consistência jurídica, quer porque nos chamados impostos indiretos, onde a transferência do
encargo tributário a terceiros se opera com maior facilidade, é difícil a ocorrência de efeito
confiscatório, quer porque um mesmo imposto pode ser excessivo para um contribuinte e brando
para outro, aquinhoado com rendas maiores. Outrossim, na questão da excessividade de alíquotas
ou da onerosidade da base de cálculo, impõe-se a distinção entre a tributação de riqueza
“renovável” e a taxação de riqueza “não renovável”. Conforme a hipótese, o caráter destrutivo ou
confiscatório do tributo poderá manifestar-se ou não. Uma alíquota de 50% incidindo sobre a
propriedade imobiliária, por exemplo, acabará em apossamento pelo Estado, por via de tributação.
Já essa mesma alíquota de 50% incidindo sobre um bem de consumo, ou sobre um rendimento de
capital, não terá a marca da confiscação. O aspecto quantitativo do fato gerador da obrigação
tributária, por si só, não projeta qualquer luz para iluminar as fronteiras entre tributação e
confiscação. E aqui é oportuno lembrar a lição de Antonio Roberto Sampaio Dória, segundo a
qual “a pressão tributária excessiva é, em síntese, problema exclusivamente político, não
jurídico”.33
Outro critério para detectar o efeito confiscatório da tributação, é o da moderação ou da
razoabilidade, antes referido, fundado no princípio constitucional da garantia da propriedade
privada, desenvolvido por Linhares Quintana a partir do exame da jurisprudência do Supremo
Tribunal da Argentina.
Inúmeros autores, direta ou indiretamente, perfilham esse critério. Ensina José Eduardo
Soares de Mello que:
“O poder público há que se comportar pelo critério da razoabilidade a fim de evitar
as insolvências, as quebras das pessoas jurídicas, bem como permitir a subsistência das
pessoas físicas posto que a tributação não pode cercear o pleno desempenho das
atividades privadas e a dignidade humana.”34
Wagner Balera sustenta a necessidade de definir os contornos da tributação que se harmonize
com as demais garantias constitucionais, como o direito de propriedade, a liberdade de iniciativa,
a prioridade, para o desenvolvimento com justiça social etc. São suas as palavras:
“Deve existir um limite; um critério definidor do que é lícito ao Estado cobrar sem
prejuízo da liberdade e da propriedade do contribuinte.
Há um duplo efeito decorrente da tributação confiscatória.
Ao mesmo tempo em que essa anomalia violenta a natureza da exação (‘que não
constitui sanção de ato ilícito’) a mesma tem o efeito de transformar a cobrança de
crédito fiscal em ilicitude.
É o que deflui da superação dos limites dentro dos quais pode se dar a tributação.
O legislador deverá avaliar o que constitui a própria razão de ser do tributo. E
tributo não é sanção de ato ilícito!.”35
Agostinho Toffoli Tavolaro, por sua vez, esclarece:
“[...] um único tributo pode ser considerado, a nosso ver, confiscatório, quando,
desnaturado por excessividade, vá adiante daquilo que se possa atribuir com
razoabilidade.
Assim, por exemplo, será nitidamente confiscatório o imposto de renda que se
estabelecer com alíquota de 100% sobre o rendimento, ou o tributo que se pretende
cobrar que impeça o exercício, pela empresa, de atividade lícita”.36
Ruy Barbosa Nogueira preleciona:
“Tanto é confisco tributário a absorção, pelo tributo, da totalidade do valor da
situação ou do bem tributário, como qualquer parcela que exceda à medida fixada
legalmente.”37
Inexistindo, na Carta Magna, um teto de tributação, a matéria deve ser analisada à luz do
princípio da capacidade econômica do contribuinte. Sempre que um tributo ultrapassasse o limite
da capacidade econômica do sujeito passivo estaria caracterizado o confisco que, para Ives
Gandra da Silva Martins, “é a forma clássica de desrespeito à capacidade contributiva”.38Ocorre
que, inexistindo, também, um parâmetro legal fixando o limite de tributação de cada contribuinte
ou de cada categoria de contribuintes, surge a dificuldade em dimensionar a carga tributária
compatível com a capacidade contributiva de cada um, ensejando o desencadeamento de um
círculo vicioso: é confiscatório o tributo que desrespeite a capacidade contributiva; a capacidade
contributiva é superada quando o tributo passa a ter efeito confiscatório.
Em razão da coexistência de três esferas impositivas e da numerosidade de tributos, segundo
Ives Gandra da Silva Martins, a questão da capacidade contributiva deve ser examinada a partir
da “universalidade de toda a carga tributária incidente sobre um único contribuinte. Se a soma
dos diversos tributos incidentes representam carga que impeça o pagador de tributos de viver e
se desenvolver, estar--se-á perante carga geral confiscatória, razão pela qual todo o sistema terá
que ser revisto, mas principalmente aquele tributo que, quando criado, ultrapasse o limite da
capacidade contributiva do cidadão”.39
Porém, o princípio da vedação de efeitos confiscatórios do tributo não pode ser analisado
exclusivamente sob a ótica da capacidade contributiva, pois isso poderia conduzir, como adverte
Agostinho Toffoli Tavolaro, à tomada das propriedades do contribuinte, dentro da linha de
pensamento do juiz Marshall – “the power to tax involves the power to destroy”.40
Enfim, para saber se um tributo é confiscatório ou não, deve-se, em primeiro lugar, avaliar a
capacidade econômica do contribuinte. Se está além de sua capacidade contributiva, o tributo é
confiscatório. Porém, se não estiver além, apesar de sua excessiva onerosidade, deve-se, em um
segundo momento, verificar se essa onerosidade se harmoniza com o conjunto de princípios
constitucionais, garantidores do direito de propriedade, de liberdade de iniciativa, da função social
da propriedade etc. Logo, o conceito de capacidade contributiva não pode ser considerado pelo
poder tributante em sua concepção teórica, emanada da Ciência das Finanças, mas dentro dos
limites das demais garantias constitucionais, sob pena de cometer apossamento da propriedade do
contribuinte de elevada capacidade contributiva, por meio de um determinado tributo. O princípio
da capacidade contributiva deve ser examinado juntamente com o princípio da razoabilidade. Este
é o princípio que condiciona o exercício do poder discricionário do Estado, coibindo, no caso, a
arbitrariedade legislativa consistente na criação de um tributo que peca pelo seu aspecto excessivo
que não guarda proporção entre o ato e a finalidade a que se destina. Segundo o princípio da
razoabilidade “as leis e os respectivos suportes fáticos devem ser valorados de forma razoável, a
fim de preservar sempre a finalidade perseguida pela ordem jurídica, afastando a aplicação de
normas contrárias ao bom senso ou daquelas que não guardam proporção entre a motivação e o
fim perseguido. A razoabilidade está mais para o sentir do que para o definir. Advém da
experiência de vida de cada um. A razoabilidade governa a vida do homem em tudo que faz ou
deixa de fazer. Quanto mais vivido, mais razoável, porque maior a capacidade de
discernimento”.41
Qualquer que seja a finalidade de determinado tributo, custeio de serviços gerais ou
específicos do Estado, o nível de imposição há de ser balizado pela moderação, de sorte a
preservar o patrimônio, a renda ou as atividades do tributado.
Daí por que, para detectar o efeito confiscatório, vedado pela Constituição, é necessário
examinar cada tipo de tributo referido a cada caso concreto. Um imposto predial ou territorial
urbano, por exemplo, que implicasse a necessidade de o contribuinte alienar parte de seu
patrimônio para satisfação do encargo tributário, sem dúvida alguma, estaria infringindo o
princípio constitucional da vedação de efeitos confiscatórios.
É o que nos ensina Ives Gandra da Silva Martins quando diz: “Se o nível da carga tributária
for de tal ordem que o contribuinte esteja sujeito à transferência de renda e de bens para o
Estado, prejudicando a sua própria capacidade de subsistir ou de investir, estar-se-á,
claramente, perante hipótese que caracteriza confisco.”42
3.1.1.5.3Tributos que comportam efeitos confiscatórios
Dentro das considerações que fizemos, pode-se dizer que, em princípio, todas as espécies
tributárias são passíveis de tributação com efeitos confiscatórios. Apenas o grau de dificuldade
na constatação do confisco é que variará de um tributo para outro.
Em relação às contribuições de melhoria (art. 145, III, da CF), é fácil detectar o efeito
confiscatório. A Constituição Federal vigente, ao contrário das Cartas Políticas anteriores, não
fixa o limite global da arrecadação, adstrito ao custo global da obra. Porém, é certo que a exação
tributária não poderá ultrapassar o limite individual representado pela valorização imobiliária,
decorrente da execução de obra pública. Assim, se existe um teto individual de tributação,
ultrapassado esse limite caracterizar-se-á o efeito confiscatório do tributo.
Relativamente às taxas de serviços ou de polícia (art. 145, II, da CF), segundo a doutrina
pacífica, existe também um princípio implícito vinculando o custo da atuação estatal ao montante
da exação. Logo, havendo cobrança excessiva de taxas, completamente desproporcionais aos
custos dos serviços públicos ou do exercício regular do poder de polícia, a ponto de representar
uma remuneração altamente lucrativa, a proclamação do efeito confiscatório torna-se inafastável.
As contribuições sociais (art. 149 da CF) também podem ensejar o efeito de confisco sempre
que extravasarem dos limites que a legislação deve atender, vindo a sufocar a capacidade de
investimento das empresas, a tolher o exercício de atividade lícita etc., transformando a tributação
em penalidades pecuniárias.
O empréstimo compulsório (art. 148, I e lI, da CF), ultimamente, tem sido o protótipo de
tributo confiscatório pela simples razão de que o dinheiro tomado de empréstimo não é devolvido.
Dinheiro é um bem como o é a renda, o imóvel, a mercadoria etc. A devolução da importância
mutuada em títulos não resgatáveis em dinheiro, como no caso do sinistro empréstimo
compulsório sobre automóveis e combustíveis, ou em importância menor em termos reais
igualmente configura a confiscação.
Finalmente, todas as subespécies de impostos comportam efeitos confiscatórios. O caráter
confiscatório surge quando a pressão tributária for de tal ordem que dificulte a produção e
circulação mercantis, que consuma a totalidade da renda produzida, que impeça o
desenvolvimento da atividade lícita etc.
O efeito confiscatório é fácil de ser identificado no imposto de natureza pessoal, como, por
exemplo, no imposto sobre a renda: se o contribuinte tiver de gastar toda a renda produzida para
pagamento do tributo, parece não haver dúvida quanto à configuração do confisco. No imposto
real sobre o patrimônio, também, é fácil detectar o malsinado confisco: se a renda produzida não
for suficiente para o pagamento do imposto, obrigando o contribuinte a desfazer-se, parcialmente,
de seu patrimônio, o efeito do confisco exsurge de forma clara.
Já em relação aos impostos chamados indiretos, que comportam o fenômeno da repercussão
com mais facilidade, a concretização do efeito confiscatório é difícil. Porém, não é impossível a
sua ocorrência. A exacerbação do nível tributário pode encarecer o produto de tal forma que
impossibilite a sua aquisição pelo consumidor, inviabilizando o empreendimento empresarial.
3.1.1.6Princípio da imunidade de tráfego interestadual e intermunicipal
3.1.1.6.1O conteúdo do art. 150, V, da CF
Prescreve o art. 150 da CF:
“Art. 150 [...] é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:
[...]
V – estabelecer limitações ao tráfego de pessoas ou bens, por meio de tributos
interestaduais ou intermunicipais, ressalvada a cobrança de pedágio pela utilização de
vias conservadas pelo Poder Público”.
Esse princípio é uma consequência da unidade econômica e política do território nacional.
Visa assegurar a livre circulação de pessoas, bens ou meios de transportes, que não pode ser
limitada ou embaraçada por tributações interestadual ou intermunicipal, ressalvada a cobrança de
pedágio pela utilização de vias conservadas pelo poder público.
Essa unidade do território nacional decorre da Federação Brasileira, onde existem a ordem
total, a ordem regional e a ordem local. Na precisa lição de Manoel Gonçalves Ferreira Filho:
“Estado Federal é um estado e, por isso, apresenta um aspecto unitário, quer no
plano internacional, quer no mero plano interno. No plano internacional, esse aspecto
se manifesta em sua unidade e personalidade, só o Estado Federal é pessoa de Direito
Internacional Público [...]
No plano interno essa unidade se manifesta antes de mais nada pela existência de
um ordenamento jurídico (constitucional ou não) próprio do todo, com uma organização
completa, competente em todo o território e sobre todos os habitantes desse território.”43
Sabe-se que no passado proliferaram no nosso país os tributos interestaduais. Cobrava-se,
por exemplo, imposto de exportação sobre mercadorias vendidas e destinadas a outro Estado-
membro, assim como cobrava-se, na hipótese inversa, o imposto de importação, como assinala
Aliomar Baleeiro.44
Daí, talvez, o exagero dos constituintes que, a partir da Carta de 1967, vêm prescrevendo
pleonasticamente a expressão exportação para o exterior.
Até o advento do Código Tributário Nacional, Lei no 5.172, de 25-10-1966, sempre existiram
problemas com tributações interestaduais, apesar do princípio constitucional expresso.
Até recentemente, alguns Estados-membros, por exemplo, além de estatuírem para efeito de
ICM, hoje ICMS, pautas fiscais, deixavam de reconhecer o crédito do imposto em relação a
determinadas mercadorias, procedentes de algumas regiões do país.
3.1.1.6.2O pedágio e sua deturpação
Outro aspecto que merece rápida lembrança diz respeito à deturpação que tem havido acerca
da ressalva concernente a pedágios.
A cobrança de pedágio pelo sistema tarifário (Imigrantes, Bandeirantes etc.) só será legal se
houver alternativa para o usuário trafegar pela via secundária, livre de qualquer exigência
pecuniária. Em não havendo alternativa, a utilização da via pública torna-se compulsória, hipótese
em que a exação há de observar o regime tributário, isto é, deve-se cobrar taxa, e não preço.
No passado, já tivemos a taxa pela utilização efetiva ou potencial do serviço de conservação
de estradas como a taxa rodoviária única e o selo-pedágio. Agora, cobra-se apenas pela utilização
efetiva do serviço de conservação de rodovias, ainda que sob o errôneo regime de direito privado,
distorção que cabe ao Judiciário corrigir, se vier a ser provocado à luz do novo texto
constitucional. Afinal, se obrigatório o pagamento, porque obrigatória é a passagem pela via
pedagiada, não se vê como é possível continuar sustentando sua natureza tarifária, que pressupõe
liberdade de contratação, ainda que por meio do chamado contrato de adesão, como acontece com
a utilização dos serviços de transporte coletivo de passageiros, de energia elétrica, de gás
encanado, de telecomunicações gerando as respectivas tarifas.
O texto constitucional vigente, ao ressalvar a cobrança de pedágios da proibição de
estabelecer limitações ao tráfego de pessoas ou bens, por meio de tributos interestaduais ou
intermunicipais, certamente, reconheceu a natureza tributária do “pedágio”. Do contrário, a
ressalva seria desnecessária.
Sucessivas tentativas de retirar o fundamento constitucional da taxa, pela utilização
compulsória dos serviços de manutenção e conservação de estradas públicas, fracassaram. A PEC
no 175/95 acrescentava à parte final do inciso V do art. 150 da CF a expressão ou particulares. Não
tendo sido aprovada a PEC em questão nova tentativa surgiu na PEC no 41/03. Desta vez, ao invés
de acrescentar a expressão ou particulares suprimia-se toda a expressão final do texto do inciso
V “pela utilização de vias conservadas pelo Poder Público”, isto é, ressalvava-se tão somente a
cobrança de pedágio, independentemente de serem as vias conservadas pelo Poder Público, foco
de possível contestação no Judiciário, relativamente às estradas exploradas pelos particulares. A
manobra não deu resultado. Os legisladores constituintes derivados rejeitaram a emenda
apresentada na PEC no 41/03, que foi parcialmente aprovada, convertendo-se na EC no 42/03.
Entretanto, com as sucessivas privatizações de estradas públicas, essa discussão tende a
perder o seu sentido prático.
3.1.1.7Princípio da imunidade recíproca
3.1.1.7.1A razão desse princípio
O princípio está inscrito no art. 150, VI, a, da CF nos seguintes termos:
“Art. 150 [...] é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:
[...]
VI – instituir impostos sobre:
a) patrimônio, renda ou serviços, uns dos outros.”
Em razão da coexistência de três esferas governamentais, inerentes ao sistema federativo
brasileiro, as nossas Constituições vêm contemplando o princípio da imunidade recíproca, de
sorte que nenhuma entidade política poderá exigir imposto sobre o patrimônio, renda ou serviços
de outra.
A relação jurídico-tributária é a que mais possibilidade de atrito entre as partes encerra. O
estudo histórico comprova que a tributação foi a causa direta ou indireta de grandes revoluções
ou grandes transformações sociais. No Brasil, o genuíno movimento de afirmação da
nacionalidade, a Inconfidência Mineira, conforme lembrado por Paulo Roberto Cabral Nogueira,
teve como fundamental motivação a sangria econômica provocada pela metrópole com o aumento
da derrama.45 Por isso, a razão desse princípio está na necessidade de preservação do princípio
federativo, a convivência harmônica das entidades políticas componentes do Estado federal
brasileiro. Entretanto, essa imunidade, que abarca somente os impostos, não exclui a atribuição
por lei, às entidades políticas, da condição de responsáveis pelos tributos que lhes cabe reter na
fonte e nem as dispensa do cumprimento das obrigações acessórias,46 conforme preceituado no §
1odo art. 9o do CTN.
A Constituição Federal de 1988 estendeu essa imunidade recíproca às autarquias e fundações
instituídas e mantidas pelo Poder Público, porém, só no que se refere ao patrimônio, à renda e aos
serviços, vinculados as suas finalidades essenciais ou às delas decorrentes (§ 2o do art. 150).
3.1.1.7.2O conteúdo e alcance do § 3o do art. 150 da CF
O princípio da imunidade recíproca, extensivo às autarquias e fundações públicas, não terá
aplicação quando se tratar de exploração de atividades econômicas pelos poderes públicos, suas
autarquias ou fundações, regidas por normas próprias de empreendimentos privados, bem como
quando houver contraprestação ou pagamento de tarifas pelo usuário, nem exonerará o
promitente-comprador da obrigação de pagar imposto relativamente ao bem imóvel, conforme o
§ 3o do art. 150 da CF.
A ressalva final diz respeito à incidência do IPTU. Como se sabe, o contribuinte desse
imposto é o proprietário do imóvel, o titular de seu domínio útil, ou seu possuidor a qualquer
título (art. 34 do CTN). Em sendo imune o proprietário (promitente-vendedor), o imposto deverá
ser pago pelo compromissário--comprador, que é o possuidor a qualquer título.
A expressão possuidor a qualquer título tem gerado confusão na doutrina e na jurisprudência,
a ponto de entender legal a imputação de responsabilidade tributária ao mero possuidor direto,
como é o caso do locatário, por exemplo. Este pode vir a ser obrigado a pagar o imposto por
convenção contratual, mas nunca por força de lei tributária. Possuidor a qualquer título a que se
refere o CTN, evidentemente, só pode ser aquele que exerce alguns dos poderes inerentes ao
domínio ou à propriedade. Só a posse de conteúdo econômico, como a do posseiro, a do
usufrutuário, a do compromissário-comprador etc. tem o condão de fazer incidir a norma
tributária. Portanto, os conceitos de direito privado dessas categorias são vinculantes dentro do
direito tributário, que nenhuma conceituação nova formulou, inclusive considerou o bem imóvel
por natureza e por acessão física, como conceituado no art. 79 do Código Civil. Nesse sentido, o
acórdão proferido na Apelação Cível no 480.334/3, Primeira Câmara do Primeiro Tribunal de
Alçada Civil do Estado de São Paulo, Rel. juiz Paulo Eduardo Razuk, Municipalidade de São
Paulo × Casa Anglo Brasileira S.A.
3.1.1.7.3O conteúdo e alcance da imunidade recíproca
É importante frisar, também, que a imunidade só se refere a impostos e não às demais
espécies tributárias, como as taxas, as contribuições de melhoria, as contribuições de intervenção
no domínio econômico etc. E a imunidade de impostos, conforme doutrina e jurisprudência
unânimes, não importa na dispensa de cumprimento das obrigações tributárias acessórias, como,
aliás, está prescrito no § 1o do art. 9o do CTN. Obrigações acessórias são aquelas que têm por
objeto as prestações positivas ou negativas, previstas na legislação tributária, no interesse da
arrecadação ou da fiscalização dos tributos (art. 113, § 2o, do CTN).
Interessante notar que a exemplo da imunidade do livro, a imunidade recíproca vem
merecendo interpretação ampla pela Corte Suprema tendo em vista a sua finalidade. Nesse
sentido, é de ser lembrada a importante decisão tomada pelo STF no RE no 407.099, reconhecendo
a imunidade recíproca do art. 150, VI, a, da CF a favor da Empresa Brasileira de Correios e
Telégrafos (ECT), que é uma empresa pública. Por meio de interpretação sistemática dos textos
constitucionais, a Corte Suprema equiparou a referida empresa pública a uma autarquia, para fins
do § 2o do art. 150 da CF, e afastou, ao mesmo tempo, as restrições de seu § 3o. Afastou, também,
as restrições dos §§ 1o e 2o do art. 173 da Carta Política, porque a ECT, enquanto prestadora de
serviço público de competência privativa da União (art. 21, X, da CF), não se identifica como
empresa privada, mas integra o conceito da Fazenda Pública. Assim, não caberia falar em quebra
do princípio da livre concorrência, motivadora das restrições impostas a empresas estatais. A
Ementa do V. Acórdão, adiante transcrito é, por si só, bastante esclarecedora:
“EMENTA: CONSTITUCIONAL. TRIBUTÁRIO. EMPRESA BRASILEIRA DE
CORREIOS E TELÉGRAFOS: IMUNIDADE TRIBUTÁRIA RECÍPROCA: C.F., art.
150, VI, a. EMPRESA PÚBLICA QUE EXERCE ATIVIDADE ECONÔMICA E
EMPRESA PÚBLICA PRESTADORA DE SERVIÇO PÚBLICO: DISTINÇÃO.
I. As empresas públicas prestadoras de serviço público distinguem-se das que
exercem atividade econômica. A Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos é
prestadora de serviço público de prestação obrigatória e exclusiva do Estado, motivo
por que está abrangida pela imunidade tributária recíproca: C.F., art. 150, VI, a.
II. RE, conhecido em parte e, nessa parte, provido” (RE no 407.099-RS, 2a T., Rel.
Min. Carlos Velloso, DJ de 6-8-2004, ATA no 21/2004).
Pelos mesmos fundamentos, a Corte Suprema reconheceu a imunidade recíproca a favor da
Empresa Brasileira de Infraestrutura Aeroportuária (Infraero), que tem por atividade-fim a
prestação de serviço de infraestrutrua aeroportuária em regime de monopólio estatal – conforme
Ementa a seguir:
“Ementa: Infraero – Empresa pública federal vocacionada a executar, como
atividade-fim, em função de sua específica destinação institucional, serviços de
infraestrutura aeroportuária – matéria sob reserva constitucional de monopólio estatal
(CF, art. 21, XII, ‘C’) – Possibilidade de a união federal outorgar, por lei, a uma empresa
governamental, o exercício desse encargo, sem que este perca o atributo de estatalidade
que lhe é próprio – opção constitucionalmente legítima – criação da infraero como
instrumentalidade administrativa da União Federal, incumbida, nessa condição
institucional, de executar típico serviço público (Lei no5.862/1972) – Consequente
extensão, a essa empresa pública, em matéria de impostos, da proteção constitucional
fundada na garantia da imunidade tributária recíproca (CF, art. 150, VI, ‘a’) – O alto
significado político-jurídico dessa garantia constitucional, que traduz uma das projeções
concretizadoras do postulado da federação – Imunidade tributária da Infraero, em face
do ISS, quanto às atividades executadas no desempenho do encargo, que, a ela
outorgado, foi deferido, constitucionalmente, à União Federal – Doutrina –
jurisprudência – Precedentes do Supremo Tribunal Federal – Agravo Improvido.
– A Infraero, que é empresa pública, executa, como atividade-fim, em regime de
monopólio, serviços de infraestrutura aeroportuária constitucionalmente outorgados à
União Federal, qualificando-se, em razão de sua específica destinação institucional,
como entidade delegatária dos serviços públicos a que se refere o art. 21, inciso XII,
alínea ‘c’, da Lei Fundamental, o que exclui essa empresa governamental, em matéria
de impostos, por efeito da imunidade tributária recíproca (CF, art. 150, VI, ‘a’), do poder
de tributar dos entes políticos em geral.
Consequente inexigibilidade, por parte do Município tributante, do ISS referente às
atividades executadas pela INFRAERO na prestação dos serviços públicos de
infraestrutura aeroportuária e daquelas necessárias à realização dessa atividade-fim.
O alto significado político-jurídico da imunidade tributária recíproca, que
representa verdadeira garantia institucional de preservação do sistema federativo.
Doutrina. Precedentes do STF. Inaplicabilidade, à Infraero, da regra inscrita no art.
150, § 3o, da Constituição.
– A submissão ao regime jurídico das empresas do setor privado, inclusive quanto
aos direitos e obrigações tributárias, somente se justifica, como consectário natural do
postulado da livre concorrência (CF, art. 170, IV), se e quando as empresas
governamentais explorarem atividades econômicas em sentido estrito, não se aplicando,
por isso mesmo, a disciplina prevista no art. 173, § 1o, da Constituição, às empresas
públicas (caso da INFRAERO), às sociedades de economia mista e às suas subsidiárias
que se qualifiquem como delegatárias de serviços públicos” (AgRg no RE no 363412,
Rel. Min. Celso de Mello, DJe no177 de 19-9-2008).
Como a imunidade é referente ao serviço público (imunidade objetiva), pouco importa se a
empresa estatal delegatária de serviço público de prestação exclusiva e obrigatória do Estado
detém, ou não, competência impositiva para enquadrar-se no tradicional conceito de imunidade
recíproca. O serviço público federal prestado diretamente pela União ou por meio de delegação é
imune.
Ocorre que, à sombra desses dois precedentes jurisprudenciais corretos, as empresas públicas
e sociedades de economia mista vêm pleiteando a imunidade recíproca envolvendo o patrimônio
privado. Ora, os prédios ou veículos pertencentes a prestadores de serviços públicos (ECT e
INFRAERO) não integram o patrimônio público, de sorte a ficar ao abrigo da imunidade
recíproca. É impossível separar parte do prédio utilizada para prestação do serviço público da
outra parte usada para prestação de serviços pelo regime concorrencial. Sabe-se que a ECT, além
de prestar serviço público de entrega de carta e telegramas, realiza serviços particulares de entrega
de revistas, de mercadorias encomendadas etc., bem como, utiliza seus veículos na prestação de
serviços sob o regime de direito privado. Entretanto, a ECT vem obtendo o reconhecimento de
imunidade do IPVA incidente sobre veículos de sua propriedade, conforme se verifica de
inúmeras ACOs.47 A SABESP, por sua vez, requereu o reconhecimento de imunidade do IPTU
incidente sobre os imóveis de sua propriedade. No RE no 600.867-SP, Rel. Min. Joaquim Barbosa,
foi reconhecida a existência de repercussão geral sobre o tema (DJede 10-2-2012). Nessa linha
de raciocínio, nada impede de, amanhã, as empresas públicas e sociedades de economia mista
pleitearem a imunidade recíproca no que tange ao ITBI por ocasião de venda ou aquisição de bens
imóveis e de direitos reais sobre imóveis.
Finalmente, por oportuno, cumpre lembrar que a imunidade recíproca, por si só, não autoriza
o intérprete a concluir pela existência da chamada imunidade recíproca a sanções, no sentido de
que uma entidade política não pode impor sanções contra outra, como sustentado em alguns
pareceres no âmbito da Procuradoria--Geral do Estado.48 Essa tese acabaria por implantar um
verdadeiro regime de impunidade: veículos oficiais poderiam violar as leis do trânsito, as
construções de prédios oficiais não precisariam respeitar os índices urbanísticos nem a lei do
zoneamento etc.
Ainda que fosse sustentável a tese de que o poder de polícia não pode ser exercitado contra
o poder público, a matriz constitucional dessa tese não está nem poderia estar no princípio da
imunidade tributária recíproca, esculpido no art. 150, VI, a, da CF. Certo, porém, que a imunidade
recíproca objetiva a preservação do princípio federativo que rege a convivência harmoniosa entre
a União, Estados e Municípios, na medida em que impede a incursão de uma entidade política
contra outra, por meio de impostos.
3.1.1.8Princípio da imunidade de templos
3.1.1.8.1O conteúdo e alcance do art. 150, VI, b, da CF
O art. 150 da CF prescreve que é vedado:
“Art. 150. [...]
VI – instituir impostos sobre:
[...]
b) templos de qualquer culto.”
A imunidade visa à proteção de valores espirituais. A religiosidade do povo brasileiro é um
de seus traços característicos. Por isso, em todas as Constituições, nos respectivos preâmbulos,
encontram-se referências invocando a proteção de Deus.
A Constituição, ao se referir a templos de qualquer culto, colocou sob o manto da imunidade
não só o prédio onde se realiza a prática religiosa, como também o próprio culto, sem qualquer
distinção de ritos.
Aliomar Baleeiro entende que a imunidade abrange não só a igreja, sinagoga ou edifício
principal, como também a dependência contígua, o convento, os anexos, inclusive a casa ou
residência do pároco ou pastor, assim como a embarcação, o avião ou o veículo utilizado como
templo móvel exclusivamente para a prática do culto.49
Pontes de Miranda, apesar de reconhecer a imunidade dos atos do culto e até do avião usado
só para a catequese, ou dos serviços do culto, não admite interpretação ampla que venha colocar
sob a proteção da imunidade as casas de residência de padres, pastores, rabinos etc. salvo se dentro
do próprio edifício do templo.50
3.1.1.8.2Os abusos cometidos pelas diversas seitas e a necessidade de coibi-
los
A interpretação ampla que se costuma dar ao instituto da imunidade não pode implicar
tolerância aos abusos que vêm sendo praticados, em razão da falta de fiscalização e da extrema
facilidade com que se institui uma seita. Basta um reduzido número de pessoas subscrever a ata
de fundação contendo o estatuto e apresentá-la a um dos Cartórios de Registro Civil das Pessoas
Jurídicas.
A disputa do gordo filão dos dízimos e contribuições vem acirrando a disputa entre as seitas
e, não raras vezes, entre os próprios membros da mesma seita. Em alguns casos, os conflitos já
extrapolaram o âmbito interno e galgaram ruidosamente as ruas da cidade, numa inequívoca
demonstração de ofensa aos princípios éticos e morais, não condizente com a livre manifestação
do credo, assegurada pela Carta Magna.
Os atos de mercancia praticados por algumas seitas, ainda que, disfarçadamente, contribuem
para erguer rios e montanhas de dinheiro com a inocência de seus fiéis, não podem continuar à
margem da tributação, por ofensa ao princípio da isonomia tributária.
A Constituição vigente só coloca sob a proteção da imunidade o patrimônio, a renda e os
serviços relacionados com as finalidades essenciais dos templos (§ 4o do art. 150). Não estende o
benefício às atividades decorrentes de finalidades essenciais como ocorre na hipótese de
imunidade recíproca (§ 2o do art. 150 da CF).
Por isso, o fisco deve agir na hipótese de destinação comercial das dependências do templo
– conventos, casas de residência de padres, pastores, rabinos etc. –, bem como nos casos de
prática, direta ou indireta, de atos de mercancia pelas seitas.
Entretanto, como salienta Aliomar Baleeiro, essa imunidade deve ser interpretada sem
distinções sutis e sem restrições mesquinhas, sob pena de provocar efeitos opostos àqueles
almejados pela Constituição.51
Enfim, deve ser examinado cada caso concreto. Uma atividade atípica, exercida em caráter
esporádico, para obtenção de recursos financeiros necessários à manutenção da atividade-fim, não
deve ser interpretada no sentido da perda da imunidade.
3.1.1.9Princípio da imunidade do patrimônio, renda ou serviços de partidos políticos,
inclusive suas fundações, das entidades sindicais dos trabalhadores e das instituições
de educação e de assistência social, sem finalidade lucrativa
3.1.1.9.1Imunidade de impostos
A CF, em seu art. 150, estatui que é vedado:
“Art. 150. [...]
VI – instituir impostos sobre:
[...]
c) patrimônio, renda ou serviços dos partidos políticos, inclusive suas fundações,
das entidades sindicais dos trabalhadores, das instituições de educação e de assistência
social, sem fins lucrativos, atendidos os requisitos da lei.”
A imunidade prevista na letra c do inciso VI do art. 150 da Constituição de 1988 é mais
ampla do que aquela tradicionalmente reconhecida pelas Constituições anteriores, limitada a
partidos políticos e a entidades de assistência social e de assistência educacional. Agora, essa
imunidade abrange as fundações instituídas pelos partidos políticos e as entidades sindicais dos
trabalhadores.
Porém, a Carta Política vigente, a exemplo do que fez em relação aos templos de qualquer
culto, restringiu o gozo da imunidade ao patrimônio, à renda e aos serviços, relacionados com as
finalidades essenciais dessas entidades (§ 4o do art. 150). Os bens e serviços, não vinculados às
finalidades essenciais, ainda que delas decorrentes, não estão protegidos pela imunidade. Assim,
os imóveis alugados por entidades assistenciais, como Sesi, Sesc etc. sujeitam-se ao IPTU.52 Se a
renda obtida com a locação desses imóveis for aplicada exclusivamente na consecução dos
objetivos estatutários, essa renda ficará a salvo da tributação pelo imposto sobre a renda, porque
vinculada à finalidade essencial dessas entidades, como prescreve a Constituição vigente. No
caso, a renda do imóvel, e não o imóvel, acha-se vinculada à finalidade essencial. A distinção é
sutil, mas ela existe; ignorá-la seria equiparar a imunidade genérica à hipótese de imunidade
recíproca, estatuída diferentemente pelo legislador constituinte, que imuniza tanto o patrimônio,
as rendas e os serviços, vinculados às finalidades essenciais, como também aqueles delas
decorrentes. Entretanto, o STF vem dando interpretação ampla à imunidade prevista na letra c do
inciso VI do art. 150 da CF, não importando “se os imóveis de propriedade da instituição de
assistência social são de uso direto ou se são locados”.53
Outrossim, o STF tende a reconhecer a imunidade das atividades atípicas, desde que
destinadas à obtenção de recursos financeiros para desenvolvimento das atividades típicas. Assim
é que tem reconhecido, por exemplo, a imunidade do ICMS sobre vendas esporádicas de
mercadorias pelas entidades de assistência social para obtenção de receitas necessárias ao
desenvolvimento de atividades filantrópicas.54
Cumpre lembrar que a Constituição determina para o gozo da imunidade o preenchimento
de requisitos da lei, que são aqueles estabelecidos no art. 14 do Código Tributário Nacional:55
“Art. 14. [...]
I – não distribuírem qualquer parcela de seu patrimônio ou de suas rendas, a
qualquer título;
II – aplicarem integralmente, no País, os seus recursos na manutenção dos seus
objetivos institucionais;
III – manterem escrituração de suas receitas e despesas em livros revestidos de
formalidades capazes de assegurar sua exatidão.
[...]
§ 2o Os serviços a que se refere a alínea c do inciso IV do art. 9o são exclusivamente
os diretamente relacionados com os objetivos institucionais das entidades de que trata
este artigo, previstos nos respectivos estatutos ou atos constitutivos.”
Verifica-se dos textos ora transcritos que o Código Tributário Nacional vigente já especificou
previamente todos os requisitos para o gozo da imunidade tributária. É verdade que o § 4o do art.
150 da CF prescreveu que a imunidade só abrange o patrimônio, a renda e os serviços relacionados
com as finalidades essenciais dessas entidades. Contudo, é forçoso reconhecer que, em relação
aos serviços, o § 2o do art. 14 do Código Tributário já deixava isso bem claro. Disso resulta que,
relativamente à imunidade de impostos sobre os serviços das entidades mencionadas no texto da
Constituição vigente, continuam válidas e aplicáveis a doutrina e a jurisprudência firmadas sob a
Ordem Constitucional antecedente. A Carta vigente nenhuma restrição acrescentou. No dizer de
Ruy Barbosa Nogueira:
“Essa imunidade não só foi reafirmada, mas disciplinada, agora, com mais eficácia
e transparência e completada por meio de novas disposições limitadoras do poder, da
competência e da pretensão do direito ao ‘imposto’.
O que é da maior relevância constitucional nesta temática, dentro da Constituição
de 1988, é que esta, além de recepcionar o art. 14 do CTN, e mesmo a jurisprudência do
Supremo Tribunal Federal, veio ainda normatizar a capacidade contributiva a nível de
princípio geral para a instituição, pretensão e exigibilidade do gênero ‘imposto’ (art.
145, § 1o).”56
Finalmente, a exemplo do que ocorre com a imunidade recíproca, as entidades imunes não
estão dispensadas do cumprimento de obrigações acessórias, assim como do pagamento de outras
espécies tributárias não alcançadas pela imunidade.
3.1.1.9.2Imunidade de contribuição para a seguridade social
Trata-se de uma imunidade específica para entidades beneficentes de assistência social,
prevista no § 7o do art. 195 da CF nos seguintes termos:
“§ 7o São isentas de contribuição para a seguridade social as entidades beneficentes
de assistência social que atendam às exigências estabelecidas em lei.”
É pacífico na doutrina e na jurisprudência que, quando a Carta Política outorga isenção, na
verdade, está instituindo caso de imunidade, isto é, retirando do campo de competência impositiva
determinado patrimônio, bem, serviço ou pessoa.
Como se verifica do texto retrotranscrito, a imunidade só protege as entidades beneficentes
de assistência social, não abrangendo as instituições de educação.
Outrossim, a Constituição Federal, para imunização de impostos refere-se a “instituições de
assistência social” (art. 150, VI, c), ao passo que, para o efeito de imunizar a contribuição social
a mesma Carta Política utiliza a expressão “entidades beneficentes de assistência social” (art.
195, § 7o). Yoshiaki Ichihara, referindo-se ao setor educacional, após acentuar o caráter
polissêmico da expressão “instituições de educação”, citando conceituações dadas por diferentes
autores, conclui que a “diferença fundamental entre estabelecimento de ensino (particular) e
instituições de educação, não está no conteúdo programático de ensino nem na natureza jurídica
de sua constituição, mas na destinação do resultado, isto é, com ou sem fins lucrativos.”57
De fato, o que caracteriza instituição de assistência social é a ausência de propósito lucrativo.
Assim, indiferente as expressões “instituição de assistência social” e “entidade beneficente de
assistência social”, que são sinônimas. Apenas acrescentamos, para evitar confusões com meras
associações de variadas espécies, que instituição de assistência social ou entidade beneficente de
assistência social é aquela que, sem propósito lucrativo, secunda a ação estatal no campo da
assistência social, assegurada pela Carta Política. A distinção entre associação e instituição reside
na atuação complementar da entidade, no desempenho de atividade cabente ao Estado (atividade
assistencial ou atividade educacional).
Cumpre lembrar, para finalizar, que para o gozo da imunidade depende de a entidade
beneficiada atender “os requisitos da lei” (art. 150, VI, c, da CF) ou “às exigências estabelecidas
em lei” (art. 195, § 7o, da CF). Que requisitos, ou quais exigências legais seriam? Essas exigências
só poderiam ser aquelas tendentes a preservar o objetivo da imunidade, que é o de atrair as
instituições ou entidades beneficentes para secundar a ação do Poder Público, sem qualquer
intuito lucrativo, isto é, sem desvio de finalidade institucional. Portanto, os requisitos legais ou
exigências legais se referem aos meios adequados para assegurar a efetiva consecução da
finalidade institucional das entidades imunizadas a fim de evitar locupletamento ilícito de seus
membros ou administradores. Por isso, não bastasse a expressa disposição constitucional
indicando a lei complementar para regular as limitações constitucionais ao poder de tributar (art.
146, II, da CF), não temos dúvida em afirmar que os requisitos legais para a fruição da imunidade
são os estabelecidos no art. 1458 do CTN.
As exigências contidas nos incisos II e III do art. 14 do CTN são mais que suficientes para
coibir o desvio de finalidade institucional de qualquer entidade beneficente. De fato, se os
recursos da entidade devem ser aplicados integralmente, no país, na manutenção dos objetivos
institucionais (inciso II), o que se verifica pelo exame da contabilidade, onde devem estar
escrituradas todas as receitas e despesas em livros revestidos de formalidades legais (inciso III),
nada mais é necessário. A exigência contida no inciso I do art. 14 do CTN, de não distribuir
qualquer parcela de seu patrimônio ou de suas rendas, a qualquer título, na verdade, é uma cautela
legislativa dispensável, porque abrangida pelo inciso II.
Por isso, Ruy Barbosa Nogueira, fazendo alusão ao § 55 do Código Tributário da República
Federal da Alemanha, lembra com muita propriedade que “o primeiro requisito para
consideração da FILANTROPIA é precisamente este: 1. Os recursos da entidade só podem ser
aplicados nos fins previstos no estatuto”.59
Logo, requisitos outros como aqueles estabelecidos nos incisos I a III do art. 5560 da Lei
no 8.212/91, além de formalmente inconstitucionais, padecem do vício de inconstitucionalidade
material ao instituir meios, não só, inadequados ao fim visado – aplicação integral dos recursos
da entidade beneficente na realização da finalidade institucional – como também, desnecessários,
inúteis e prejudiciais às entidades imunizadas, por atentarem contra os princípios da razoabilidade
e da proporcionalidade. Se o legislador já encontrou meios idôneos para atingir o fim colimado,
não tem sentido aventar outros mais onerosos, irrazoáveis e desproporcionais.
Que a regulamentação das limitações constitucionais ao poder de tributar está sob reserva de
lei complementar é indiscutível porque isso está expresso no art. 146, II, da CF. O problema é
que, atualmente, não há consenso doutrinário acerca do conceito de imunidade como limitação
do poder de tributar.
O ilustre tributarista e desembargador aposentado, Yoshiaki Ichihara, em seu
livro Imunidades tributárias resume as posições doutrinárias de diversos autores de nomeada (São
Paulo: Atlas, 2000, p. 155 e seguintes).
Vejamos:
Para Souto Borges Maior a “imunidade é uma hipótese especial de não incidência
constitucionalmente qualificada”.
Hugo de Brito Machado pondera que a “imunidade é o obstáculo decorrente de regra da
Constituição à incidência de regra jurídica de tributação”.
José Eduardo Soares de Melo afirma que a “imunidade consiste na exclusão de competência
da União, Estados, Distrito Federal e Municípios para instituir tributos relativamente a
determinados atos, fatos e pessoas, expressamente prevista na Constituição Federal”.
Ives Gandra da Silva Martins, por sua vez, advoga a tese de que “as imunidades, no direito
brasileiro, exteriorizam vedação absoluta ao poder de tributar nos limites traçados pela
Constituição”.
Para Luciano da Silva Amaro, “as imunidades tributárias, a par de um complexo de
balizamentos fundados na Constituição, delimitam a competência, vale dizer, traçam fronteiras
do campo em que é exercitável o poder de tributar [...]. São, por conseguinte, instrumentos
definidores (ou demarcadores) da competência tributária dos entes políticos”.
Para Sacha Calmon Navarro Coêlho, “a imunidade é uma hetereolimitação ao poder de
tributar. A vontade que proíbe é a do constituinte. A imunidade habita exclusivamente no edifício
constitucional”.
Misabel Abreu Machado Herzi proclama que a “imunidade é regra constitucional expressa
(ou implicitamente necessária), que estabelece a não competência das pessoas políticas da
Federação para tributar certos fatos e situações, de forma amplamente determinada, delimitando
negativamente, por meio de redução parcial, a norma de atribuição de poder tributário”.
Ricardo Lobo Torres conceitua a imunidade como “limitação do poder de tributar fundada
na liberdade absoluta, tendo por origem os direitos morais e por fonte a Constituição, escrita ou
não; possui eficácia declaratória, é irrevogável e abrange assim a obrigação principal como a
acessória”.
Para Roque Antonio Carraza, “a imunidade tributária é um fenômeno de natureza
constitucional. As normas que, direta ou indiretamente, tratam do assunto fixam, por assim dizer,
a incompetência das entidades tributantes para onerar, com exações, certas pessoas, seja em
função de sua natureza jurídica, seja porque coligadas a determinados fatos, bens ou situações”.
Paulo de Barros Carvalho, por sua vez, conceitua a imunidade como “a classe finita e
imediatamente determinável de normas jurídicas, contidas no texto da Constituição Federal, e
que estabelecem de modo expresso, a incompetência das pessoas políticas de direito
constitucional interno para expedir regras instituidoras de tributos que alcançam situações
específicas e suficientemente caracterizadas”.
Finalmente, Yoshiaki Ichihara, que resumiu as posições doutrinárias retromencionadas,
afirma que as “imunidades tributárias são normas da Constituição Federal, expressas e
determinadas, que delimitam negativamente, descrevendo os contornos às normas atributivas e
dentro do campo das competências tributárias, estabelecendo e criando uma área de
incompetência, dirigidas às pessoas jurídicas de direito público destinatárias, com eficácia plena
e aplicabilidade imediata, outorgando implicitamente direitos subjetivos aos destinatários
beneficiados, não se confundindo com as normas fundamentais, vedações ou proibições
expressas, com as limitações que decorrem dos princípios constitucionais, nem com a não
incidência” (ob. cit., p. 183).
Verifica-se do exposto que não há qualquer discrepância doutrinária no sentido de que a
imunidade tem sede exclusivamente na Constituição Federal. Todos concordam, portanto, com a
lição de Aliomar Baleeiro de que a imunidade é “disciplina constitucional de
competência” (Limitações constitucionais ao poder de tributar. Rio de Janeiro: Forense, 1977).
Logo, qualquer desoneração tributária prevista na Constituição – isenção ou não incidência
– deve ser entendida como imunidade, dotada de característica da supremacia constitucional. A
imunidade atua no campo da definição de competência tributária, ao passo que a isenção e a não
incidência juridicamente qualificada atuam no campo do exercício da competência tributária.
Para efeito de interpretação do § 7o do art. 195, conjugada com o art. 146, II, da CF, impõe-
se examinar a questão levantada por alguns tributaristas de renome no sentido de que a imunidade
não seria uma limitação do poder de tributar, mas uma norma jurídico-constitucional que
estabelece a incompetência tributária das entidades políticas componentes da federação brasileira.
Assim entendem alguns estudiosos, aliás, com tendência de obter adesão de novos tributaristas,
que não cabe cogitação de limitação do poder de tributar, porque inexistiria prévia definição de
competência tributária. Argumentam que as normas imunizadoras atuam concomitantemente com
as normas de competência, numa relação lógica e não temporal.
Penso, com a devida vênia, que a divergência é meramente de natureza terminológica. Não
há razão, a nosso ver, para rejeitar a conceituação clássica dada por Aliomar Baleeiro no sentido
de que as imunidades são “limitações ao poder de tributar” (ob. cit.). Senão vejamos.
Primeiramente, não se pode afirmar, com precisão, que não existe prévia definição de
competência. Se é verdade que a Constituição Federal como um todo é aprovada em um único
momento, não é menos verdade que seus textos são objetos de exame, discussão e aprovação em
momentos distintos. Em primeiro lugar, define--se a competência dos entes Federados.
Definindo-se a competência, dispensa-se a definição de incompetência, pois a definição de
competência contém o aspecto positivo e o aspecto negativo. Da mesma forma, definindo-se o
crime, dispensa-se a definição de não crime. A conduta não tipificada na lei não constitui crime.
Todos os patrimônios, rendas e serviços de qualquer pessoa seriam alcançados pela tributação por
força dos princípios da universalidade e da generalidade da tributação não fora a norma
imunizadora. O legislador constituinte, por razões político-sociais relevantes, colocou a salvo de
tributos certos patrimônios, rendas ou serviços, às vezes, em relação a determinadas pessoas. Daí
as imunidades objetivas e subjetivas.
Ao mesmo tempo que outorgou a competência impositiva que, por si só, configura uma
limitação do poder de tributar, vedou o exercício dessa competência em relação a certos bens,
rendas, serviços ou pessoas declarados imunes. Por isso, costumamos dizer que a imunidade
representa uma sublimitação do poder de tributar.
Em segundo lugar, autores que advogam a tese da norma constitucional que define a
incompetência tributária dos entes políticos sustentam que as imunidades são normas que
delimitam negativamente o campo de competência, o que pressupõe a existência prévia do campo
de competência.
Ora, delimitar significa restringir o que já existe. Outrossim, afirmar que a imunidade é
norma de incompetência tributária dirigida ao legislador, ao contrário da isenção ou da não
incidência, dirigidas ao contribuinte, impossibilitando ao legislador infraconstitucional o
exercício da competência é o mesmo que afirmar com o Ives Gandra da Silva Martins de que as
imunidades “exteriorizam vedação absoluta ao poder de tributar nos limites traçados pela
Constituição”.
Como se vê, as divergências são apenas aparentes. No fundo, afirmar que a Constituição
definiu a área de incompetência tributária é o mesmo que afirmar que a Constituição limitou o
poder de tributação das entidades políticas em relação a certos patrimônios, rendas ou serviços
declarados imunes.
Tirante as noções como imunidade implícita, desoneração de obrigações acessórias,
revogabilidade das imunidades, que espelham posicionamentos equivocados, em todo o mais há
uniformidade de pensamento acerca do conceito de imunidade tributária. As divergências, repita-
se, são de natureza meramente terminológica.
Outrossim, é oportuno lembrar que o legislador constituinte não sacou do bolso de colete
esses patrimônios, rendas ou serviços, mas outorgou-lhes a imunidade em função de escopos
político-sociais relevantes, considerando, ainda, os direitos fundamentais como a liberdade de
culto, a liberdade de pensamento etc. pelo que, a imunidade gera direitos subjetivos materiais aos
beneficiados, insusceptíveis de supressão por Emendas (ADIn no 939-DF, Rel. Min. Sydney
Sanches, RTJ 151/755).61
Por isso, importante no exame da imunidade em epígrafe, quer seja, a das entidades
beneficentes de assistência social, a interpretação teleológica, afastada por alguns doutrinadores,
por entender que a imunidade resulta de mera opção política do legislador constituinte e que por
isso ela pode ser revogada a qualquer tempo.
O entendimento do STF é no sentido de que cabe à lei ordinária apenas a fixação de normas
para a constituição e funcionamento da entidade educacional ou assistencial imune. No que diz
respeito aos lindes da imunidade, quando suscetíveis de disciplina infraconstitucional, a
competência será sempre da lei complementar.
A partir desse critério distintivo, a Corte Suprema suspendeu a aplicação dos seguintes
dispositivos da Lei no 9.532, de 10-12-1997:
a) Art. 12, § 1o, que exclui da imunidade os rendimentos e ganhos de capital auferidos
pela entidade imune em aplicações financeiras de renda fixa ou de renda variável.
b) Art. 12, § 2o, letra f, que condiciona o gozo da imunidade ao recolhimento de
tributos retidos sobre os rendimentos pagos ou creditados pela entidade imune, bem como
o cumprimento das obrigações acessórias.
c) Art. 13, que faculta à Secretaria da Receita Federal suspender o gozo da
imunidade, relativamente aos anos-calendários em que a entidade beneficiada houver
praticado ou houver contribuído para a prática de infração fiscal.
d) Art. 14, que estende a suspensão do gozo da imunidade, referida no artigo anterior,
ao disposto no art. 32 da Lei no 9.430/96, o qual se limita a disciplinar a suspensão do
benefício exclusivamente para a hipótese de descumprimento dos requisitos do § 1o do
art. 9o e do art. 14, do CTN, lei materialmente complementar.
A decisão unânime da Corte Suprema, que concedeu a medida cautelar para suspender a
aplicação dos dispositivos retroapontados, ocorreu no julgamento da ADIn no 1.802-DF, Rel. Min.
Sepúlveda Pertence; DJ de 13-2-2004. A ação foi proposta pela Confederação Nacional de Saúde
– Hospitais Estabelecimentos e Serviços (CNS) nos idos de 1998. Pena que a decisão definitiva,
que irá definir o conceito de entidade de assistência social para o fim de imunidade, conforme
deixou consignado na ementa da decisão cautelar, irá se arrastar por longos anos, a exemplo do
que vem acontecendo com a ADIn no 2.028, que suspendeu liminarmente o inciso III do art. 55
da Lei no 8.212/91, conforme decisão publicada em 23 de novembro de 1999, até agora, sem
julgamento definitivo.
Concluindo, as entidades beneficentes de assistência social referidas no § 7o do art. 195 da
CF são imunes não se aplicando dispositivos regulamentares da lei ordinária, mas apenas os
requisitos estabelecidos no art. 14 do CTN.
3.1.1.9.3Outras imunidades
A Constituição Federal em vários de seus dispositivos estatuiu imunidades de diferentes
espécies tributárias. Por isso, não procede a corrente doutrinária que sustenta a tese de que a
imunidade se restringe a impostos. Ela abarca, na realidade, impostos, taxas e contribuições
sociais. Senão vejamos:
I – Imunidade de taxas para obtenção de certidões e para exercício do direito de petição
Dispõe o art. 5o, XXXIV, a e b da CF:
“Art. 5o Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza,
garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do
direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos
seguintes:
[...]
XXXIV – são a todos assegurados, independentemente do pagamento de taxas:
a) o direito de petição aos Poderes Públicos em defesa de direitos ou contra
ilegalidade ou abuso de poder;
b) a obtenção de certidões em repartições públicas, para defesa de direitos e
esclarecimento de situações de interesse pessoal;”
Na prática, essa imunidade vem sendo compensada com cobrança de tarifas a pretexto de
ressarcir os custos do papel para expedição de certidões.
II – Imunidade de taxas judiciais na assistência jurídica
O citado art. 5o da CF prescreve em seu inciso LXXIV:
“o Estado prestará assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem
insuficiência de recursos”.
O beneficiário da assistência jurídica integral e gratuita é imune de taxa jurídica (custas). No
entendimento do STF, para fazer jus à justiça gratuita, basta “a declaração do interessado de que
sua situação econômica não permite vir a juízo sem prejuízo de sua manutenção ou de sua
família” (RE no 205.746, Rel. Min. Carlos Velloso, DJ 28.02.1997 ).
III – Imunidade para propositura de ação popular
Prescreve o art. 5o da CF em seu inciso LXXIII:
“qualquer cidadão é parte legítima para propor ação popular que vise a anular ato
lesivo ao patrimônio público ou de entidade de que o Estado participe, à moralidade
administrativa, ao meio ambiente e ao patrimônio histórico e cultural, ficando o autor,
salvo comprovada má-fé, isento de custas judiciais e do ônus da sucumbência”.
A imunidade da taxa judiciária, no caso, é condicionada à inexistência de má-fé do autor
como forma de prevenir lides temerárias.
IV – Imunidade de taxas judiciárias nas ações de habeas corpus e habeas data
O art. 5o da CF dispõe em seu inciso LXXVII:
“são gratuitas as ações de habeas corpus e habeas data, e, na forma da lei, os atos
necessários ao exercício da cidadania”.
A imunidade em relação a habeas corpus e habeas data é autoaplicável e é absoluta porque
relacionadas essas ações ao exercício de direitos fundamentais concernentes à cidadania. Por isso,
irrelevante a expressão “e, na forma da lei, os atos necessários ao exercício de cidadania”.
Tratando-se de direitos fundamentais incide a norma do § 1o, do art. 5o da CF, ou seja, a aplicação
imediata.
V – Imunidades das taxas para os reconhecidamente pobres no registro civil de nascimento
e de óbito e expedição da primeira certidão respectiva
Essa imunidade está prevista no art. 5o, inciso LXXVI da CF, que assim prescreve:
“são gratuitos para os reconhecidamente pobres, na forma da lei:
a) o registro civil de nascimento;
b) a certidão de óbito”.
A expedição de certidão de nascimento, bem como a de óbito são executadas por serventias
não oficializadas, ou seja, por Cartórios de Registro Civil mediante cobrança de emolumentos.
Esses emolumentos, no entendimento do STF, têm natureza de taxa e o seu valor só pode ser
fixado por lei (ADIn no 1.378-MC, Rel. Min. Celso de Mello, DJ de 30-5-1997). Outrossim, o
STF decidiu que as atividades desenvolvidas pelos titulares de serventias de notas e registros,
embora sejam análogas à atividade empresarial, sujeitam-se a um regime público e assim não
ofende o princípio de proporcionalidade a Lei no 9.534/97, que isenta os “reconhecidamente
pobres do pagamento dos emolumentos devidos no ato de registro civil de nascimento e de óbito
e da expedição de primeira certidão respectiva” (ADC no5, Rel. Min. Ricardo
Lewandowski, DJ de 5-10-2007).
Entretanto, na ADIn no 3.089-DF de que foi relator o Min. Carlos Britto, DJ de 01-8-2008, a
Corte Suprema decidiu em relação à cobrança de ISS que, apesar de o serviço notarial e de registro
configurar uma atividade estatal delegada, ele configura uma atividade economicamente
explorada pelo particular, inexistindo diferenciação que justifique a tributação dos serviços
públicos concedidos e a não tributação das atividades delegadas.
VI – Imunidade da contribuição social sobre aposentadoria e pensões concedidas sob o
regime geral de previdência social
Dispõe o inciso II do art. 195 da CF:
“Art. 195. A seguridade social será financiada por toda a sociedade, de forma direta
e indireta, nos termos da lei, mediante recursos provenientes dos orçamentos da União,
Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, e das seguintes contribuições sociais:
[...]
II – do trabalhador e dos demais segurados da previdência social, não incidindo
contribuição sobre aposentadoria e pensão concedidas pelo regime geral de previdência
social de que trata o art. 201.”
Essa imunidade foi introduzida pela EC no 20/98 para deixar claro que os aposentados e
pensionistas do Regime Geral de Previdência Social não são atingidos pela contribuição social.
No setor público aconteceu exatamente o contrário. Nos termos do art. 40 da CF, na redação dada
pela EC no 41, de 19-12-2003, os aposentados e pensionistas passaram a ser contribuintes. É
questionável essa tributação de aposentados e pensionistas do setor público por ausência de
benefício específico, caracterizador dessa espécie tributária. Sem esse benefício específico, a
exação em questão confunde-se com o imposto de renda. Contudo, essa matéria já foi superada
pelo STF que, por maioria de votos, decidiu pela constitucionalidade dessa tributação (ADIn
no3.105-DF, Rel. Min. Ellen Gracie, Relator para acórdão Min. Cezar Peluso, DJde 18-2-2005).
Interessante notar, porém, a falta de simetria das duas disposições constitucionais, o que
revela imprecisão conceitual do que seja contribuição social por parte do legislador constituinte
derivado. A Emenda no 20/98 imunizou aquilo que não deveria estar abrangido pelo campo de
incidência tributária, e a Emenda no 41/03 trouxe para o campo da incidência tributária aquilo que
estava fora do campo de incidência por falecer uma das condições para a caracterização da espécie
tributária contribuição social.
VII – Imunidade do ITR sobre pequenas glebas rurais
Prescreve o art. 153, VI, § 4o, II, da CF:
“Art. 153. Compete à União instituir impostos sobre:
[...]
VI – propriedade territorial rural;
[...]
§ 4o O imposto previsto no inciso IV do caput:
[...]
II – não incidirá sobre pequenas glebas rurais, definidas em lei, quando as explore o
proprietário que não possua outro imóvel.”
Três são os requisitos para fruição dessa imunidade: (a) definição legal de pequenas glebas
rurais;62 (b) exploração do imóvel pelo proprietário; (c) não possuir o proprietário outro imóvel.
VIII – Imunidade na exportação
A Constituição Federal prevê a imunidade de produtos, de mercadorias e de serviços:
a) é imune do IPI os produtos industrializados destinados ao exterior (art. 153, § 3o,
III, da CF);
b) é imune do ICMS as operações que destinam mercadorias para o exterior, bem
como os serviços prestados a destinatários no exterior (art. 155, § 2o, X, a, da CF). O
inciso XII, e, desse § 2o, ainda, determina que lei complementar exclua o ICMS nas
exportações de outros produtos e serviços;63
c) é imune do ISS a exportação de serviços para o exterior nos termos da lei
complementar 64 (art. 156, III, § 3o, II, da CF).
IX – Várias outras imunidades
São encontradas inúmeras outras imunidades esparsas pelo corpo da Constituição, dentre elas
as seguintes: (a) imunidade do ICMS sobre o outro definido como ativo financeiro ou instrumento
cambial (art. 155, § 2o, X, c, da CF); (b) imunidade do ICMS sobre operações que destinem a
outros Estados petróleo, inclusive lubrificantes, combustíveis líquidos e gasosos dele derivados,
e energia elétrica (art. 155, § 2o, X, b, da CF); (c) imunidade de impostos com exceção do ICMS
sobre operações relativas a energia elétrica, serviços de telecomunicações, derivados de petróleo
combustíveis e minerais do país (art. 155, II, § 3o, da CF).
3.1.1.10Princípio da imunidade de livros, jornais, periódicos e papel destinado a sua
impressão
3.1.1.10.1O objetivo da imunidade
Reza o art. 150 da CF que é vedado:
“Art. 150 [...]
VI – instituir impostos sobre:
[...]
d) livros, jornais, periódicos e o papel destinado a sua impressão.”
Essa imunidade tem por objetivo incentivar a cultura em geral e garantir a livre manifestação
do pensamento e o direito de crítica.
Na precisa lição da Aliomar Baleeiro, “o imposto pode ser meio eficiente de suprimir ou
embaraçar a liberdade da manifestação do pensamento, a crítica dos governos e homens
públicos, enfim, de direitos que não são apenas indispensáveis à pureza do regime
democrático”.65
3.1.1.10.2Os conceitos de livro e periódico
Muito se tem discutido na doutrina e na jurisprudência acerca dos conceitos de livro e
periódico.
Conforme ensinam os dicionaristas, livro significa “porção de cadernos manuscritos ou
impressos e cosidos ordenadamente”. E periódico significa publicação que aparece em tempos
determinados ou em intervalos iguais.
É conhecida a lide entre a Prefeitura Municipal de São Paulo e a Editora Lista Telefônica
Nacional S/A, que pretendia ver reconhecida a imunidade em relação às listas telefônicas anuais,
por meio do mandado de segurança preventivo.
O writ foi denegado em primeira instância sob o fundamento de que a “imunidade
constitucional beneficiaria tão só as publicações de teor cultural ou educativo, não alcançando
a impressão dos periódicos cujos fins fossem basicamente de propaganda comercial”.
O Primeiro Tribunal de Alçada Civil de São Paulo, em grau de apelação, confirmou a
sentença, acolhendo o entendimento segundo o qual “os catálogos telefônicos, em virtude da
finalidade exclusivamente comercial do seu conteúdo, não seriam favorecidos pela imunidade
fiscal: simples veículo publicitário, sem qualquer conteúdo ideológico ou cultural, só fisicamente
poderiam ser assemelhados a livros ou revistas”.
Foi impetrado o recurso extremo com base nas letras a e d do permissivo constitucional por
afronta ao art. 19, III, d, da CF (sob a égide da ordem constitucional antecedente), negativa de
vigência do art. 1o da Lei no6.874/80 e divergência jurisprudencial.
Admitido o recurso pela letra d, foi negado provimento por maioria de votos, sob o
fundamento de que a Constituição visou proteger a educação, a cultura e a liberdade de
comunicação e de pensamento, e não beneficiar a impressão de catálogos, anúncios e papéis de
interesse mercantil exclusivo. Ficaram vencidos os Min. Relator Octávio Gallotti e Min. Sydney
Sanches, que davam provimento ao recurso por entenderem que as listas telefônicas configuram
publicações técnicas periódicas e, como tais, protegidas pela imunidade que não é desnaturada
pelos anúncios inseridos, como meios acessórios utilizados para persecução da finalidade, isto é,
divulgação de informações sobre assinantes.66
A imunidade do livro é de natureza objetiva, e não de natureza subjetiva. De há muito acha-
se superada a jurisprudência que exigia que o seu conteúdo se revestisse de caráter jornalístico,
literário, artístico, cultural ou científico. Por isso, hoje, a Corte Suprema reconhece a imunidade
dos catálogos telefônicos.67 Contudo, perdura discussão quanto à imunidade do livro eletrônico.
Com o avanço da moderna tecnologia na área da informática, o conceito de livro deixou de
considerar o aspecto físico, apegando-se ao objeto cultural, ou seja, o livro passou a ser assim
entendido pela sua função básica de transmitir e conservar informações. Com a larga visão que
lhe era peculiar, já dizia Aliomar Baleeiro que “livros, jornais e periódicos são todos os impressos
ou gravados, por quaisquer processos tecnológicos, que transmitem aquelas ideias, informações,
comentários, narrações, reais ou fictícias, sobre todos os interesses humanos, por meio de
caracteres alfabéticos ou por imagens e, ainda, por signos de Braille destinados a cegos”.68
Não vemos qualquer razão para desprezar a interpretação do texto constitucional à luz de
nova realidade, que deixou de considerar o livro como objeto físico, apegando-se a um conceito
ultrapassado, vigente à época de sua elaboração. A legitimidade do direito repousa exatamente no
seu caráter dinâmico, muitas vezes, exteriorizado por meio de interpretações à luz da realidade
vigente. Como bem assinala Hugo de Brito Machado, o intérprete não pode deixar de considerar
a evolução no setor da informática, nem esperar que o legislador modifique o texto. E conclui: “O
melhor caminho, sem dúvida, para que o Direito cumpra o seu papel na sociedade, é a
interpretação evolutiva.”69
Por simetria à imunidade do livro em seu sentido atual, a jurisprudência estendeu a imunidade
sobre todo material destinado à sua impressão, o que abarca todos os materiais e insumos
necessários à confecção do jornal, inclusive o maquinário utilizado para tanto.70 O STF, por sua
vez, consolidando o entendimento no sentido da ampla interpretação da imunidade do livro e do
papel destinado a sua impressão, editou a Súmula 657, que assim expressa:
“A imunidade prevista no art. 150, VI, d, da CF abrange os filmes e papéis
fotográficos necessários à publicação de jornais e periódicos.”
3.1.1.10.3A dificuldade de detectar a destinação dada ao papel
Quanto ao papel destinado à impressão de livros, jornais e periódicos, existe uma dificuldade
de ordem técnica na aplicação da imunidade, já que ele pode ser usado para impressão de
anúncios, propagandas, catálogos etc.
Antigamente, o papel imune de impostos continha linhas d’água visíveis por transparência,
o que permitia a apuração de desvios fraudulentos.
Algumas repartições fiscais vinham exigindo dos fabricantes de papel a prova de que o
material vendido foi utilizado na impressão de livro, jornal ou periódico, o que configurava um
procedimento ilegal e abusivo do fisco. O fisco deveria contentar-se com a exibição da nota do
pedido do comprador, contendo a especificação do papel e a respectiva nota fiscal de venda. Não
cabe ao vendedor investir-se no poder de polícia para constatar se o adquirente utilizou o papel
para a finalidade especificada em seu pedido. Ao depois, o fisco mudou de orientação. Ao invés
de formular exigência ao fabricante de papel vinha exigindo que os adquirentes (tipografia,
editoras etc.) demonstrassem a utilização total da matéria--prima adquirida na confecção de livros,
jornais ou periódicos, o que não era uma providência fácil em vista do grande percentual de quebra
no processo produtivo. O problema foi superado com o advento da Lei no 11.945, de 4-6-2009,
cujo art. 1o instituiu para os importadores e adquirentes de papel imune a obrigatoriedade de
manter o Registro Especial na SRFB como condição para fazer a prova de regularidade de sua
destinação.
3.1.1.11Princípio da uniformidade do tributo federal em todo o território nacional
3.1.1.11.1O conteúdo do art. 151, I, da CF
Dispõe o art. 151 que é vedado à União:
“I – instituir tributo que não seja uniforme em todo o território nacional ou que
implique distinção ou preferência em relação a Estado, ao Distrito Federal ou a
Município, em detrimento de outro, admitida a concessão de incentivos fiscais destinados
a promover o equilíbrio do desenvolvimento socioeconômico entre as diferentes regiões
do País.”
Esse princípio decorre da unidade política do Estado federal brasileiro, que faz com que o
território nacional se apresente como um todo do ponto de vista econômico.
Uniformidade de tributo federal não quer dizer que não possa haver discriminações, ou seja,
que todos devem pagar exatamente igual. Conforme ensinamentos de Aliomar Baleeiro, o que é
proibido é a discriminação em função do lugar da ocorrência do fato gerador.71 Significa que o
imposto de renda incidente sobre ganhos da capital, por exemplo, deve ser igual para o
contribuinte paulista, paranaense, goiano etc. em termos quantitativos (igualdade da base de
cálculo e da alíquota).
3.1.1.11.2A ressalva dos incentivos fiscais regionais
Entretanto, a Constituição de 1988, ao contrário das anteriores, ressalva expressamente a
outorga de incentivos fiscais destinados a promover o desenvolvimento socioeconômico
integrado do território nacional como um todo. Isso quer dizer que os incentivos fiscais regionais
(Suframa, Sudene, Sudam) eram inconstitucionais, até o advento da Carta Política vigente.72
É interessante notar que inúmeros diplomas legais, estatuindo incentivos fiscais regionais, na
área do imposto de renda, nunca foram questionados perante o Judiciário, embora ferissem
abertamente o princípio da uniformidade do tributo federal em todo o território nacional; se o
foram não chegaram ao nosso conhecimento.
Pelo princípio da recepção, a legislação do incentivo fiscal regional, a partir do advento da
Constituição de 1988, ficou escoimada da eiva de inconstitucionalidade. A ressalva dos incentivos
fiscais como instrumento para promover o equilíbrio do desenvolvimento socioeconômico entre
as diferentes regiões do país harmoniza--se com o princípio da unidade política do Estado federal
brasileiro. Nenhum país poderá vir a tornar-se uma grande potência mundial sem eliminação dos
desníveis socioeconômicos entre as diversas regiões que o compõem.
3.1.1.12Princípio da uniformidade de tributo estadual ou municipal quanto à
procedência ou destino de bens e serviços de qualquer natureza
3.1.1.12.1A proibição de barreiras tributárias entre Estados ou entre
Municípios
O art. 152 da CF dispõe:
“É vedado aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios estabelecer diferença
tributária entre bens e serviços, de qualquer natureza, em razão de sua procedência ou
destino.”
Em virtude desse princípio, que decorre do princípio federativo, não poderá haver qualquer
tipo de barreira tributária entre Estados ou Municípios que, no passado, tomaram longo tempo
dos tribunais.
Como já assinalamos linhas atrás, antigamente, era comum a guerra tributária entre os
Estados-membros. Cobrava-se, por exemplo, imposto de exportação sobre mercadorias vendidas
e destinadas a outra Unidade da Federação, da mesma forma que, na hipótese inversa, cobrava-se
o imposto de importação.
Daí, talvez, o exagero dos constituintes que, a partir da Carta de 1967, vêm prescrevendo
pleonasticamente a expressão “exportação para o exterior”, para deixar bem clara a
impossibilidade de se cogitar de exportação nas operações interestaduais ou intermunicipais.
Até o advento do Código Tributário Nacional – Lei no 5.172, de 25-10-1966 – sempre
existiram problemas com tributações interestaduais, apesar do princípio constitucional
expresso. Limitações..., cit., p. 205).
Até recentemente, alguns Estados-membros, por exemplo, além de estatuírem pautas
fiscais73 para efeito de operações interestaduais do ICM, hoje ICMS, deixaram de reconhecer o
crédito do imposto em relação a certas mercadorias procedentes de determinados Estados-
membros.74
3.1.1.12.2Exceções de alíquotas diferenciadas do ICMS para operações
internas, interestaduais e de exportação
É importante salientar que não se enquadra na proibição o estabelecimento de alíquotas
diferenciadas do ICMS para operações internas, interestaduais e de exportação. O Senado Federal
tem competência para, por meio de resolução, fixar alíquotas aplicáveis às operações e prestações
interestaduais e de exportação, bem como para fixar alíquotas mínimas ou máximas para
operações internas (art. 155, § 2o, IV e V, a e b, da CF). Outrossim, em relação às operações e
prestações que destinem bens e serviços a consumidor final, contribuinte ou não do imposto,
localizado em outro Estado, adotar-se-á a alíquota interestadual e caberá ao Estado de localização
do destinatário o imposto correspondente à diferença entre a alíquota interna do Estado
destinatário e a alíquota interestadual (art. 155, § 2º, VII, da CF com redação dada pela EC nº
87/2015).
Antes da referida Emenda, os Estados já aplicavam a alíquota interna sob alegação de que a
alíquota interestadual – menos gravosa – destinava-se a permitir maior margem de tributação pelo
Estado destinatário, o que não teria sentido em relação a destinatários não contribuintes do
imposto. Tratava-se de interpretação teleológica, mas que implicava contrariar expressa
disposição constitucional que se referia à “operação interestadual”segundo o conceito
geográfico, isto é, aquele que ultrapassa as fronteiras de um Estado.
Outrossim, a utilização de alíquota interna pelo Estado produtor, quando o destinatário
localizado no Estado consumidor não for contribuinte do imposto, importa na violação do art.
8o do CTN, segundo o qual o não exercício da competência tributária não a defere a pessoa jurídica
de direito público diversa daquela a que a Constituição a tenha atribuído.
A Emenda no 23/83 surgiu como resultado da derrota dos Estados-membros perante a Corte
Suprema.75
3.1.1.13Princípio da igualdade de tratamento dos títulos da dívida pública federal,
estadual ou municipal e dos vencimentos pagos pelas três entidades políticas
Estabelece o art. 151, II, da CF que é vedado à União:
“Art. 151. [...]
[...]
II – tributar a renda das obrigações da dívida pública dos Estados, do Distrito
Federal e dos Municípios, bem como a remuneração e os proventos dos respectivos
agentes públicos, em níveis superiores aos que fixar para suas obrigações e para seus
agentes.”
Esse princípio não permite que a União trate desigualmente suas próprias dívidas e as de
outros entes políticos, bem como os vencimentos de seus servidores e os dos servidores de outras
esferas de governo. Na verdade, o princípio da uniformidade do tributo federal em todo o território
nacional, também conhecido como princípio da uniformidade geográfica, de certa forma, já
condena a discriminação de tratamento pela legislação do imposto sobre a renda e proventos de
qualquer natureza na tributação de rendas geradas por títulos das dívidas públicas estaduais e
municipais, bem como dos proventos ou vencimentos pagos por entidades regionais e locais.
3.1.1.14Princípio da capacidade contributiva
3.1.1.14.1A origem do princípio
A Constituição de 1934, que pela vez primeira discriminou a competência tributária dos
Municípios (art. 13, II e § 2o), sujeitou “a imposto progressivo as transmissões de bens por
herança ou legado” (art. 128), cuja competência impositiva pertencia aos Estados-membros (art.
8o, I, b). Entretanto, essa mesma Constituição fixava um teto de aumento da carga tributária,
dispondo em seu art. 185 que “nenhum imposto poderá ser elevado além de vinte por cento do
seu valor ao tempo de aumento”, fato que revela desconfiança ou timidez do legislador
constituinte de então em relação ao fisco.
Já o constituinte de 1946, que emergiu de provações da guerra, inspirado nos pesados
impostos instituídos por países de fortes traços capitalistas, influenciado, ainda, pela doutrina
americana, que atribuía aos impostos função extrafiscal, entendendo que os mesmos podiam ser
utilizados como poder de polícia e de regulamentação (Cooley e Seligman), acabou por incorporar
na sua consciência a noção de que, às vezes, é preciso impor sacrifícios tributários. Disseminou-
se a ideia de que não pode haver democracia sem justiça fiscal, a qual só seria atingida adequando-
se as exigências tributárias à capacidade contributiva de cada um, tendo em vista a diversidade de
contribuintes.
Assim, por iniciativa de Aliomar Baleeiro foi inserida a regra do art. 202 na Constituição de
1946, nos seguintes termos:
“Os tributos terão caráter pessoal, sempre que isso for possível, e serão graduados
conforme a capacidade econômica do contribuinte.”
Na verdade, esse princípio, conforme reconhece o próprio Aliomar Baleeiro, tem caráter
programático, sem que isso lhe diminua a importância jurídica, pois, além de servir como
norteador de atividade legislativa, pode, também, dar tom de comando ao Judiciário, na medida
em que constitui sentido teleológico para interpretação, integração e aplicação da legislação
tributária.
3.1.1.14.2A finalidade do princípio e a dificuldade de sua aplicação
Por se tratar de regra programática, de difícil exequibilidade, esse princípio foi revogado pela
Emenda no 18/65 e deixou de figurar na Constituição de 1967 e na Emenda no 1/69.
Ressurgiu na Constituição de 1988 relativamente a impostos e não a tributos, como estava
na Carta de 1946, nos seguintes termos:
“Art. 145. [...]
§ 1o Sempre que possível, os impostos terão caráter pessoal e serão graduados
segundo a capacidade econômica do contribuinte, facultado à administração tributária,
especialmente para conferir efetividade a esses objetivos, identificar, respeitados os
direitos individuais e nos termos da lei, o patrimônio, os rendimentos e as atividades
econômicas do contribuinte.”
O referido princípio baseia-se na crença de que a justiça fiscal repousa na personalização e
na graduação do imposto, segundo a capacidade contributiva de cada um. Tem por escopo o
atingimento da justiça fiscal, repartindo os encargos do Estado na proporção das possibilidades
de cada contribuinte. Daí por que o imposto deve ser de natureza pessoal, sempre que possível, e
ter caráter progressivo.
A personalização e a graduação do imposto exigirão uma técnica tributária acurada.
Implantar um imposto dentro do limite justo para milhões de contribuintes díspares, sob o ponto
de vista socioeconômico, constituirá um desafio permanente à imaginação do legislador.
Outrossim, embora a Ciência das Finanças atualmente não justifique a desigualdade
econômica entre os indivíduos como base indispensável da prosperidade social, a justiça fiscal
não pode ser obtida, é claro, de forma a desestimular os investimentos e levar à ruína a economia
do país. Deve ser praticada dentro das possibilidades, como diz o Texto Magno.
Apesar da difícil exequibilidade, a tributação pessoal e progressiva é moral e politicamente
sustentável. O sentido ético da tributação que repousa no ideal de justiça tem suas raízes no acesso
das massas ao poder político, como decorrência do sufrágio universal. Nada mais justo que
indivíduos politicamente organizados, em sendo desiguais do ponto de vista econômico, paguem
impostos na medida de suas capacidades contributivas.
3.1.1.15Princípio da imunidade do imposto de renda sobre proventos de
aposentadoria e pensão percebidos por pessoas com idade superior a sessenta e cinco
anos
3.1.1.15.1O conteúdo da imunidade do idoso
Dispunha o art. 153, § 2o, II, da CF:
“Art. 153. Compete à União instituir impostos sobre:
[...]
III – renda e proventos de qualquer natureza;
[...]
§ 2o O imposto previsto no inciso II:
[...]
II – não incidirá, nos termos e limites fixados em lei, sobre rendimentos provenientes
de aposentadoria e pensão, pagos pela previdência social da União, dos Estados, do
Distrito Federal e dos Municípios, a pessoa com idade superior a sessenta e cinco anos,
cuja renda total seja constituída, exclusivamente, de rendimentos do trabalho.”
A legislação do imposto de renda sempre dispensou tratamento fiscal privilegiado às pessoas
com idade superior a sessenta e cinco anos.
O legislador constituinte de 1988 colocou essas pessoas sob a proteção da imunidade em
matéria de imposto de renda, mas somente no que diz respeito a rendimentos provenientes de
aposentadoria e pensão. Condicionou, porém, o gozo dessa imunidade aos termos e limites a
serem fixados por lei, impondo, desde logo, como uma das condições a inexistência de outros
rendimentos auferidos pelo beneficiário que não sejam exclusivamente do trabalho. Em matéria
de regular as limitações constitucionais ao poder de tributar, a competência é do legislador
complementar (art. 146, II, da CF).
O princípio em questão não é inflexível, porém a lei complementar que irá regular a matéria
não poderá dispensar os requisitos preestabelecidos na Constituição nem fazer distinções por ela
não permitidas. Só que ao invés de editar a lei complementar competente, a União vinha aplicando
disposições da lei ordinária preexistentes.
É o caso da Lei no 7.713/88 que regulava a matéria sob a égide da isenção. O art. 6o, inciso
XV dessa lei, estabelecia um limite que, atualmente, corresponde a mil UFIRs, sem prejuízo da
dedução da parcela isenta, prevista na tabela do imposto progressivo equivalente a 12.000 UFIRs
(Lei no 8.383, art. 16). Com a entrada em vigor do novo sistema tributário, em 1o de março de
1989 (art. 34 do ADCT), a Lei no 7.713/88, neste particular, restou derrogada. Antes, a União
podia impor limites e condições que bem entendesse para outorgar a isenção. Agora, aquele
benefício fiscal, guindado à categoria de imunidade, só por lei complementar, de caráter nacional,
poderia ser regulada (art. 146, II, da CF). Logo, a observância do limite da Lei no 7.713/88 que as
autoridades fazendárias estavam impondo era inconstitucional. Entretanto, a União, ao invés de
editar a lei complementar para regular essa imunidade do idoso acabou por patrocinar a sua
revogação como comentado no item seguinte. Porém, a União manteve a vigência dessa Lei
no 7.713/88 sem solução de continuidade, sendo que o limite de isenção sofreu alterações de
acordo com a nova redação conferida ao inciso XV de seu art. 6o pela Lei no 11.482, de 31-5-2007,
que fixou os seguintes valores:
(a) R$ 1.313,69 por mês, para o ano-calendário de 2007;
(b) R$ 1.372,81 por mês, para o ano-calendário de 2008;
(c) R$ 1.434,59 por mês, para o ano-calendário de 2009;
(d) R$ 1.499,15 por mês, para o ano-calendário de 2010.
3.1.1.15.2A revogação da imunidade do idoso pela EC no 20/98
A EC no 20, de 15-12-1998, que aprovou a Reforma Previdenciária, pelo seu art. 17, revogou
a imunidade prevista no inciso II do § 2o do art. 153 da CF.
Todavia, esse dispositivo é de manifesta inconstitucionalidade por ferir a cláusula pétrea (art.
60, § 4o, IV). A imunidade outorgada pela Carta Política de 1988 configura garantia individual
não podendo ser suprimida por meio de Emenda, que não tem o poder de constituir ou
desconstituir. Emenda não é o mesmo que constituir. A Emenda é norma subalterna à norma
constitucional. Os direitos e garantias fundamentais consagrados pela Assembleia
Nacional Constituinte de 1988, porque frutos da soberania popular (parágrafo único do art. 1o da
CF), não podem ser desrespeitados pelo Congresso Nacional, que não tem poderes para tanto.
O Supremo Tribunal Federal já proclamou que a imunidade tributária constitui garantia
fundamental e que, portanto, está protegida pela cláusula pétrea.76
3.1.1.16Princípio da vedação de a União decretar isenção de impostos das entidades
periféricas
3.1.1.16.1O conteúdo da norma prevista no inciso III do art. 151 da CF
Dispõe o art. 151 da CF que é vedado à União:
“Art. 151. [...]
[...]
III – instituir isenções de tributos da competência dos Estados, do Distrito Federal
ou dos Municípios.”
Sabe-se que a Constituição de 1967, em seu art. 20, § 2o, refletindo o gigantismo do poder
central, bem como o quadro de anomalia jurídica reinante, conferiu à União a faculdade de,
mediante lei complementar e atendendo a relevante interesse social ou econômico nacional,
isentar impostos federais, estaduais e municipais. A Emenda no 1/69 manteve a regra excepcional,
suprimindo, entretanto, a referência a impostos federais, por desnecessária (art. 19, § 2o).
A Carta Magna anterior abria, pois, exceção ao princípio de que só pode decretar a isenção
de um determinado imposto quem tiver o poder de instituí-lo.
Bastava que a Constituição atual deixasse de reproduzir aquela regra extravagante para que
a União perdesse a faculdade de interferir no poder tributário dos Estados-membros e dos
Municípios.
A proibição expressa no art. 151, III, retrotranscrito, quando bastava o simples silêncio, está
a indicar, a nosso ver, a rejeição das isenções outorgadas pela União no período de anomalia
jurídica, por serem incompatíveis com o princípio federativo, que assegura a independência e
autonomia dos governos regionais e locais.
Assim, não subsistem, no nosso entender, as isenções de impostos municipais e estaduais
concedidas pelo Decreto-lei federal no 2.281, de 5-6-1940, a favor das empresas de energia
elétrica,77 na vigência da Constituição centralista de 1937.78 Essas isenções subsistiram no regime
da Constituição de 1946, em que a doutrina e jurisprudência reconheceram a existência de
princípio implícito da União para estatuir isenções especiais no interesse nacional. Foram as
aludidas isenções recepcionadas tanto na Constituição de 1967, como na Emenda no 1/69 para
serem derrogadas pela Carta Política de 1988, por força do disposto no inciso III do seu art. 151.
Logo, as chamadas isenções heterônomas perderam a eficácia a partir de 1o de março de 1989,
quando entrou em vigor o novo Sistema Tributário Nacional.
O sentido do princípio sob exame é o de invalidar as isenções atentatórias ao princípio
federativo. A norma em questão não está voltada para orientar a atividade legislativa futura, pois
para isso bastaria que deixasse de conferir à União aquele poder excepcional de isentar impostos
de competência de outras esferas impositivas. Por isso, a leitura que fazemos acerca do dispositivo
constitucional sob comento é a seguinte: “É vedado à União, aos Estados e aos Municípios
instituir isenções de impostos uns dos outros.”
Outrossim, é importante esclarecer que a derrogação das isenções outorgadas pela União,
então no uso de sua competência extravagante, nada tem a ver com as isenções decorrentes de
tratados e convenções internacionais firmados pelo nosso país, que continuam em vigor até que
sejam revogadas com observância das regras que regem o direito das gentes, como veremos no
tópico seguinte.
3.1.1.16.2A subsistência das isenções resultantes de tratados e convenções
internacionais firmados antes do advento da Constituição Federal de 1988
Tratados e convenções internacionais, em matéria tributária, via de regra, são firmados
objetivando concessões recíprocas no campo alfandegário. Às vezes, os tratados ou as convenções
– expressões equivalentes segundo os especialistas – são firmados visando ao tratamento especial
aos interesses das representações diplomáticas. É o caso, por exemplo, da Convenção de Viena
sobre relações consulares, subscrita pelo Brasil em 24 de abril de 1963, aprovada pelo Decreto
Legislativo no 6/67 e que, depois de ratificada, foi promulgada pelo Decreto no 61.078, de 26-6-
1967.
Dispõe o seu art. 32:
“Os locais consulares e a residência do Chefe da repartição consular de carreira
de que for proprietário o Estado que envia ou pessoa que atue em seu nome, estarão
isentos de quaisquer impostos e taxas nacionais, regionais e municipais, excetuadas as
taxas cobradas em pagamento de serviços específicos prestados.”
Em face do que prescreve o art. 151, III, da Constituição atual dúvidas surgiram quanto à
subsistência, ou não, de isenções de impostos locais e regionais, previstas em tratados firmados
anteriormente.
Entendemos que a proibição contida no dispositivo constitucional em questão não prejudica
as isenções de impostos estaduais e municipais, resultantes de tratados firmados anteriormente. A
derrogação das isenções heterônomas outorgadas, no passado, pela União nada tem a ver com as
isenções decorrentes de tratados e convenções internacionais. A norma constitucional proibitiva
sob análise está voltada para o legislador ordinário da União, significando que o Presidente da
República, enquanto Chefe do Poder Executivo da União, pessoa jurídica de direito público
interno, não poderá sancionar lei isentiva de impostos estaduais e municipais. Não veda o
Presidente da República, enquanto Chefe de Estado, pessoa jurídica de direito público
internacional, celebrar tratados e convenções internacionais com potências estrangeiras, prevendo
isenção de impostos regionais e locais, observada a reciprocidade.
Os tratados, em matéria tributária, sempre envolvem concessões recíprocas entre as potências
signatárias. Existe nos tratados, além do aspecto jurídico, o fator político-moral que deriva da
palavra e da honra empenhadas pelos Estados subscritores, que impedem a sua “revogação”
unilateral, a pretexto de superveniência de nova ordem constitucional.
O descumprimento das convenções internacionais, sob a alegação de que passaram a ser
incompatíveis com este ou aquele dispositivo da nova Constituição, geraria conflitos e tensões
internacionais, inconvenientes sob todos os aspectos. Imagine-se o lançamento de IPTU sobre
prédios de propriedade de potências estrangeiras, ocupados por representantes diplomáticos,
baseado na falsa premissa de que a isenção prevista na Convenção de Viena está revogada pela
Carta Política vigente. As potências estrangeiras, signatárias de referida Convenção reagiriam da
mesma forma criando sérios embaraços às nossas representações diplomáticas no exterior. A
partir da ação de um Município poderia criar uma crise internacional de consequências
imprevisíveis.
Diferente seria a hipótese de celebração de um tratado afrontando a ordem constitucional
vigente. Neste caso, há presunção de que os Estados signatários estavam cientes das restrições
constitucionais existentes, correndo o risco de sua invalidação pelo Judiciário do Estado, cuja Lei
Maior restou arranhada.
3.1.1.16.3O fundamento constitucional dos tratados e convenções
Dispõe a Constituição Federal de 1988:
“Art. 4o A República Federativa do Brasil rege-se nas suas relações internacionais
pelos seguintes princípios:
[...]
IX – cooperação entre os povos para o progresso da humanidade;
[...]
Parágrafo único. A República Federativa do Brasil buscará a integração
econômica, política, social e cultural dos povos da América Latina, visando à formação
de uma comunidade latino-americana de nações.”
O econômico sem fronteiras, que se firmou na ordem mundial do século XXI, com a
exacerbação da globalização econômica irreversível, impulsionada pelos espantosos avanços
tecnológicos nos meios de comunicação, onde tudo acontece em tempo real, trouxe influência
enorme no campo do Direito.
A necessidade de cooperação entre os povos e de integração econômica no âmbito regional
ou sub-regional ficou patenteada, exigindo a firmatura de tratados bilaterais ou multilaterais,
como são os casos da OMC e do Mercosul, que encontram fundamento nas disposições
constitucionais retroapontadas.
Tratado outra coisa não é senão um acordo formal celebrado entre potências estrangeiras,
pessoas jurídicas de direito público internacional, destinado a produzir efeitos na órbita
internacional. O tratado entra em vigor com a sua ratificação, que nada mais é do que a
confirmação de seus termos, que obriga o Estado a cumprir as cláusulas avençadas.
Para implementação do princípio de cooperação entre os povos, a Constituição da República
atribuiu à União, entre outras, a competência para “manter relações com Estados estrangeiros e
participar de organizações internacionais” (art. 21, I) que, dessa forma, passa a ser o órgão de
representação do Estado federal brasileiro perante as potências estrangeiras.
Nas relações internacionais, a União, por sua vez, é representada pelo Presidente da
República enquanto Chefe de Estado (art. 84, VIII, da CF) e não enquanto Chefe do Poder
Executivo da União. No regime parlamentar, há nítida separação de funções entre o Presidente da
República, que é o Chefe de Estado, e o Primeiro-Ministro, que é o chefe de governo. No
presidencialismo, ambas as funções são exercidas pelo Presidente da República, fato que pode
gerar confusões.
Entretanto, não basta que o Presidente da República, enquanto Chefe do Estado federal
brasileiro, firme o tratado. A competência para aprovar o tratado é do Congresso Nacional,
conforme art. 49, I, c/c art. 59, VI, da CF. Um tratado firmado de forma afrontosa à Carta Magna
pode deixar de ser aprovado, hipótese em que não surtirá efeito a despeito de sua assinatura formal
pelo Presidente da República na condição de Chefe do Estado Federal brasileiro. E aquele
aprovado pelo Congresso Nacional contra texto constitucional poderá ser invalidado por decisão
da Corte Suprema.
Coerente com o postulado do Estado Democrático de Direito, a Carta Política vigente, ao
enumerar no art. 5o as garantias fundamentais do cidadão, deixou consignado em seu § 2o que “os
direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e
dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa
do Brasil seja parte”.
3.1.1.16.4A questão da hierarquia dos tratados e convenções
Os tratados surgem porque a diferenciação do direito interno de cada Estado não permite um
relacionamento estreito entre eles, em termos socioeconômicos. Daí a necessidade de harmonizar
as legislações internas de cada Estado, o que se faz por meio de tratados ou convenções
internacionais, de natureza bilateral, ou multilateral quando há envolvimento de interesses
comuns de vários países como acontece com a União Europeia ou o Mercosul.
E aqui surge o problema da hierarquia das normas jurídicas. Cumpre esclarecer, desde logo,
que a técnica de harmonização vigorante entre nós consiste na signatura pelo Presidente da
República (art. 84, VIII, da CF) de tratados ou convenções internacionais, acordos e protocolos
adicionais. Depois de aprovados pelo Congresso Nacional (art. 49, I, da CF), por meio de Decreto
Legislativo (art. 59, VI, da CF), os tratados passam a obrigar os Estados participantes, produzindo
seus efeitos, no âmbito interno, após sua promulgação por Decreto do Chefe do Poder Executivo
Federal.
As normas decorrentes de tratados e convenções internacionais, bem como de acordos e
protocolos adicionais pairam acima da legislação interna, já que decorrentes de princípios
fundamentais que estruturam o Estado federal brasileiro, conforme art. 4o, IX, e parágrafo único
da Constituição Federal. E, também, porque o § 2o do seu art. 5o inclui entre direitos e garantias
individuais do cidadão aqueles decorrentes de tratados internacionais de que o Brasil faça parte.
Isso significa, por exemplo, que o contribuinte brasileiro tem assegurado o direito à aplicação das
tarifas negociadas por meio de tratados, constituindo-se em direito público subjetivo em nível
constitucional, imodificável por Decreto do Executivo, com suposto amparo no § 1o do art. 153
da CF, que permite ao Executivo alterar as alíquotas do imposto de importação, do imposto de
exportação, do IPI e do IOF, dentro dos limites e condições fixados em lei.
As normas internacionais só estão abaixo das normas constitucionais. Se o tratado for
firmado contra expresso texto constitucional, o Congresso Nacional poderá deixar de ratificá-lo
e, se ratificado, poderá ter a sua inconstitucionalidade declarada pelo STF. Entretanto, se a
inconstitucionalidade for superveniente, resultando, por exemplo, de uma Emenda
Constitucional, o tratado não poderá ser simplesmente ignorado sob alegação de que houve
derrogação. No exercício de sua soberania (arts. 1o, I, e 4o, I, da CF), o conflito de normas deve
ser resolvido de acordo com os princípios que regem o direito das gentes. O tratado deve ser
denunciado.
Discorrendo sobre o conflito entre as normas constitucionais e aquelas inseridas nos tratados,
Oscar Tenório oferece a seguinte lição:
“Pela natureza do sistema constitucional brasileiro, o tratado perde sua força
quando colide com a Constituição Federal. Todavia, modernas correntes doutrinárias
sustentam a supremacia dos textos convencionais. Numa colisão entre o texto da
Constituição e o tratado, dá-se preferência a este. As regras convencionais anteriores a
uma Constituição continuam em vigor, ainda que o Poder Constituinte tenha adotado
princípios incompatíveis com os tratados em vigor. E vão além, afirmando que tratados
celebrados posteriormente à Constituição são válidos, ainda que suas regras colidam
com o texto constitucional.
São os adeptos da supremacia do direito internacional que defendem esses
princípios. Campo de pura doutrina, em contraste com o direito positivo interno.
Tratados inconstitucionais no Brasil, sendo a inconstitucionalidade decretada pelo
Judiciário, não obrigam. E o Estado contratante estrangeiro não encontrará, na órbita
jurídica brasileira, meios coativos para o cumprimento de direito convencional
inconstitucional. A matéria cai no âmbito da responsabilidade internacional, sujeita às
medidas e aos remédios que o direito das gentes possuem.”79
Até o advento da EC no 45/04, que inseriu o § 3o ao art. 5o da CF conferindo ao trato
internacional status equivalente à emenda constitucional, a Corte Suprema vinha sustentado a tese
de que tratados e convenções internacionais têm o mesmo nível hierárquico de uma lei ordinária
geral, pelo que até as leis ordinárias específicas prevaleceriam sobre eles. Foi o que decidiu, por
exemplo, no RE no 200.385-RS, Rel. Min. Moreira Alves,80quando se aplicou o Decreto-lei
no 911/69, que cuida de prisão civil do depositário infiel, em confronto com o Pacto de São José
da Costa Rica, que veda a prisão por dívidas.
O art. 151, III, da CF não deve ser interpretado literalmente. Há de ser interpretado de forma
a se coadunar com a realidade dos dias atuais e respeitar a função harmonizadora do tratado. Já
dissemos que ele tem o sentido de derrogar as isenções heterônomas incompatíveis com o
princípio federativo, restabelecido em sua plenitude pela Constituição Federal de 1988.
Entretanto, em matéria tributária, o STF adotou outro posicionamento. Na ADIn no 1.600-8-
DF, enfrentando questão ligada ao art. 98 do CTN, o Min. Celso de Mello, em seu longo e
elucidativo voto declarou:
“Nem se diga, neste ponto, que os tratados internacionais firmados pela União
Federal, porque veiculadores de exoneração tributária, em matéria de ICMS, seriam
inconstitucionais, em face do que prescreve, em cláusula vedatória, o art. 151, III, da
Constituição da República, que proíbe, à União Federal, ‘instituir isenções de tributos
da competência dos Estados, do Distrito Federal ou dos Municípios’.
A vedação constitucional em causa incide sobre a União Federal, enquanto pessoa
jurídica de direito público interno, responsável nessa específica condição, pela
instauração de uma ordem normativa autônoma meramente parcial, inconfundível com
a posição institucional de soberania do Estado Federal brasileiro, que ostenta a
qualidade de sujeito de direito internacional público e que constitui, no plano de nossa
organização política, a expressão mesma de uma comunidade jurídica global, investida
de poder de gerar uma ordem normativa de dimensão nacional, essencialmente diversa,
em autoridade, eficácia e aplicabilidade, daquela que se consubstancia nas leis e atos de
caráter meramente federal.
Sob tal perspectiva, nada impede que o Estado Federal brasileiro celebre tratados
internacionais que veiculem cláusulas de exoneração tributária, em matéria de ICMS,
pois a República Federativa do Brasil, ao exercer o seu treaty-making power, estará
praticando ato legítimo que se inclui na esfera de suas prerrogativas como pessoa
jurídica de direito internacional público, que detém – em face das unidades meramente
federadas – o monopólio da soberania e da personalidade internacional.”81
Não reconhecer a superioridade hierárquica dos tratados e convenções internacionais, em
relação às normas infraconstitucionais, é o mesmo que negar a sua função harmonizadora. Isso
impossibilitaria, por exemplo, a almejada integração da legislação tributária do Brasil com a de
outros países do Mercosul.
Finalmente, cumpre assinalar que o § 3o do art. 5o da CF, acrescido pela EC no 45, de 8-12-
2004, que conferiu aos tratados e convenções sobre direitos humanos a mesma posição
hierárquica das emendas constitucionais, não pode ser interpretado no sentido de que tratados e
convenções que cuidam de outras matérias devam ser equiparados às normas de lei ordinária
geral. Simplesmente incogitável a ideia de que determinados tratados, ainda que revestidos de
todos os requisitos jurídico-constitucionais, podem ser alterados por lei ordinária.
Esse § 3o acrescido deve ser entendido no sentido de que o nosso legislador constituinte está
promovendo o desdobramento das normas principiológicas em normas particularizadas, como
que suprindo o campo destinado à atuação do aplicador da lei, que parece cada vez mais incapaz
de deduzir o direito aplicável a cada caso concreto, a partir de princípios e normas gerais. Como
consequência, ao invés de uma Constituição enxuta, com proclamação de princípios, temos uma
Constituição detalhista, recheada de normas e regras. O saudoso jurista Geraldo Ataliba
costumava reclamar que o aplicador da lei dá mais valor a uma portaria, a uma instrução
normativa, a uma circular do que a um princípio constitucional expresso.
3.1.1.17Princípio da razoabilidade
3.1.1.17.1Introdução
O princípio da razoabilidade é um dos mais importantes para o Direito em geral, notadamente
para o Direito Tributário, à medida que serve como um limite imposto à ação do próprio legislador
na tarefa de elaborar instrumentos normativos destinados a transferir compulsoriamente para o
Tesouro parcela das riquezas produzidas por particulares.
3.1.1.17.2Conceito
Alguns autores costumam distinguir o princípio da razoabilidade do princípio da
proporcionalidade, segundo o qual os meios empregados devem ser proporcionais aos fins
visados. Outros entendem que existe um único princípio conhecido como o princípio da
razoabilidade e proporcionalidade. Aderimos a essa última corrente doutrinária. Não há que falar
em razoabilidade sem considerar a noção de proporcionalidade. De fato, o princípio da
razoabilidade não permite, por exemplo, que a polícia empregue a sua força além do necessário
para manter a ordem pública. Deve haver uma proporção entre os distúrbios provocados por um
grupo de radicais em sua reivindicação popular e a ação da polícia para reprimir essas
manifestações que descambam para a violência. Deve-se buscar o máximo de eficácia com o
mínimo de restrição. Esse princípio pode ser, portanto, expresso simplesmente como princípio da
razoabilidade, que é sinônimo de princípio da razoabilidade e proporcionalidade.
Costuma-se dizer, também, que esse princípio é dotado de pouca densidade jurídica. Talvez
essa colocação doutrinária resulte do fato de ele não estar expresso na Constituição Federal, apesar
de prescrito no art. 111 da Constituição do Estado de São Paulo.
Ora, nem todos os princípios estão expressos na Carta Magna. Existem alguns deles que estão
implícitos na Constituição e nem por isso devem ser considerados inferiores ou menos
importantes do que aqueles expressos. O princípio da razoabilidade é um deles. Uma lei pode ser
perfeita do ponto de vista formal, porém, ainda que tenha obedecido a regra da competência
legislativa e tenha respeitado o processo legislativo, ambos prescritos na Constituição, ela será
inconstitucional se atentar contra o princípio da razoabilidade. Não é razoável, por exemplo, uma
lei que concede o direito com a mão direita, enquanto com a mão esquerda retira aquele direito.
Da mesma forma, não será razoável uma lei que a pretexto de beneficiar um determinado
segmento da economia por meio de incentivos fiscais impõe um sacrifício desmesurado aos
demais segmentos econômicos. Essas leis, por atentatórias ao princípio da razoabilidade, são
inconstitucionais.
No dizer de Pedro Lenza,82 “a razoabilidade e a proporcionalidade das leis e atos do Poder
Público são inafastáveis, considerando-se que o Direito tem conteúdo justo”.
E prossegue:
“Como parâmetro podemos destacar a necessidade de preenchimento de três
importantes requisitos: necessidade: por alguns denominada exigibilidade, a adoção da
medida que possa restringir direitos só se legitima se indispensável para o caso concreto
e não se puder substituí-la por outra menos gravosa;
adequação: também denominada pertinência ou idoneidade, quer significar que o
meio escolhido deve atingir o objetivo perquirido;
proporcionalidade em sentido estrito: em sendo medida necessária e adequada,
deve-se investigar se o ato praticado, em termos de realização do objetivo pretendido,
supera a restrição a outros valores constitucionalizados. Podemos falar em máxima
efetividade e mínima restrição.”
A cláusula do substantive due process of law permite que o Poder Judiciário controle os atos
do Poder Legislativo, bem como a discricionariedade dos atos do Poder Público, procedendo-se
ao exame da razoabilidade e da proporcionalidade das normas jurídicas. Nesse sentido, é oportuna
a transcrição do trecho da decisão proferida pelo Colendo STF na MC na ADIn no 2.667-DF,
tendo como Relator o Ministro Celso de Mello, publicada no DJ de 12-3-2004, p. 00036, onde se
lê:
“Todos os atos emanados do Poder Público estão necessariamente sujeitos, para
efeito de sua validade material, à indeclinável observância de padrões mínimos de
razoabilidade. As normas legais devem observar, no processo de sua formulação,
critérios de razoabilidade que guardem estrita consonância com os padrões fundados no
princípio da proporcionalidade, pois todos os atos emanados do Poder Público devem
ajustar-se à cláusula que consagra, em sua dimensão material, o princípio do
‘substantive due process of law’. Lei Distrital que, no caso, não observa padrões mínimos
de razoabilidade. A exigência de razoabilidade qualifica-se como parâmetro de aferição
da constitucionalidade material dos atos estatais. A exigência de razoabilidade – que
visa a inibir e a neutralizar eventuais abusos do Poder Público, notadamente no
desempenho de suas funções normativas – atua, enquanto categoria fundamental de
limitação dos excessos emanados do Estado, como verdadeiro parâmetro de aferição da
constitucionalidade material dos atos estatais.”
3.1.1.17.3Exame da legislação tributária à luz do princípio da razoabilidade
Se examinarmos as legislações tributárias no âmbito nacional, veremos que a maioria
esmagadora delas fere o princípio da razoabilidade, quando cria hipóteses de multas pecuniárias
exorbitantes que se distanciam de sua finalidade repressiva.
Reconhecemos o direito de punir do Estado para desencorajar a ação dos sonegadores de
tributos, indispensáveis à vida do ente político tributante. Só que deve haver uma proporção entre
a multa cominada e a infração praticada pelo contribuinte. Sabemos que a multa pecuniária
quando aplicada converte-se em obrigação principal. No entanto, não se pode perder de vista que
originariamente a obrigação principal é o tributo propriamente dito, classificado como receita
pública destinada à realização, em última análise, do bem comum. O Estado é dotado de poder
soberano para retirar parcela da riqueza produzida pelos particulares para prover os seus fins. E o
Estado não deve retirar mais riquezas do que o necessário para o cumprimento de suas finalidades
que estão expressas no programa de governo, por sua vez, refletivo na Lei Orçamentária Anual.
Por isso, o Orçamento Anual, que resulta da aprovação da sociedade por meio de seus
representantes, deve ser cumprido na íntegra, pois reflete o direcionamento das despesas públicas
a serem feitas com as receitas públicas extraídas da sociedade. E aqui deve ser lembrado o
princípio da razoabilidade. Não se devem promover transferências compulsórias do setor privado
para o setor público, além do necessário à execução, em cada ano, do respectivo programa de
governo. As sobras de recursos financeiros no final de cada exercício, quer por excesso de
arrecadação, quer por desvios na execução orçamentária, são atentatórios ao princípio da
razoabilidade. De fato, no caso, de duas uma: ou foi arrecadado mais do que o necessário ao
cumprimento da finalidade estatal, ou ocorreu desvio na execução orçamentária e o recurso não
foi aplicado na execução de obras ou na prestação de serviços públicos contemplados na Lei
Orçamentária Anual aprovada pelo Legislativo em nome da sociedade.
Outrossim, as multas tributárias exageradas desviam-se de sua finalidade repressiva para se
afirmarem como uma nova fonte de arrecadação tributária. O tributo não pode ser entendido como
fonte para geração de rendas de capital. A maioria das legislações estaduais do ICMS, por
exemplo, comina multas pecuniárias tão elevadas no que se refere a infrações de natureza
acessória que rende muito mais do que as multas cominadas às hipóteses de não pagamento do
imposto. Neste último caso, os percentuais de 15%, 20% ou 50% ou mais incidem sobre o valor
do imposto não pago. Na primeira hipótese aqueles percentuais incidem sobre o valor das
operações praticadas com infração de obrigações acessórias. Dependendo do montante das
operações realizadas, uma multa de 50% implicará o efeito confiscatório do tributo. Some-se a
isso a valor das multas moratórias que crescem em progressões geométricas ao longo do tempo
decorrido sem pagamento do imposto e demais encargos tributários. Essas multas poderão
conduzir a empresa autuada a uma situação de insolvência. Ao risco empresarial inerente à
exploração de atividade econômica soma-se, agora, o risco de natureza fiscal decorrente da
nebulosidade das normas tributárias e da excessiva burocratização para o cumprimento das
obrigações tributárias, que retiram dos agentes econômicos a necessária segurança jurídica. O
desperdício de 2.600 horas anuais pelo empresário nacional para cumprir as suas obrigações
tributárias concorreu para o rebaixamento do Brasil para 56aposição no ranking de
competitividade mundial durante o Fórum de Desenvolvimento Econômico Mundial realizado
em Davos no mês de setembro de 2013, com a participação de 148 países. Entre os países do
Brics, o Brasil perdeu para a África do Sul. E entre os países latino-americanos, perdeu para o
México.
Tudo isso deve ser analisado à luz do princípio da razoabilidade. O Estado, que já detém o
poder de instituir impostos privativos enumerados na Constituição, não pode criar novos impostos
disfarçados em multas pecuniárias que rendem mais que a arrecadação do próprio imposto. Não
é razoável a instituição de um tributo para gerar receitas de capital, ou fazer as vezes de uma
receita de capital.
3.1.1.17.4Posição do STF quanto ao limite das multas tributárias à luz do
princípio da razoabilidade
Preocupado com o crescimento vertiginoso da legislação tributária das três esferas
impositivas, prevendo aplicação de multas que ultrapassam ‘n’ vezes o valor do próprio tributo
devido, o Supremo Tribunal Federal vem se debruçando sobre a definição do limite de imposição
de multas pecuniárias pelo fisco à luz do princípio da razoabilidade.
Elucidativa é a ementa do acórdão a seguir transcrita:
“Ementa: Recurso extraordinário – Alegada violação ao preceito inscrito no art.
150, inciso IV, da Constituição Federal – Caráter supostamente confiscatório da multa
tributária cominada em lei – Considerações em torno da proibição constitucional de
confiscatoriedade do tributo – Cláusula vedatória que traduz limitação material ao
exercício da competência tributária e que também se estende às multas de natureza fiscal
– Precedentes – Indeterminação conceitual da noção de efeito confiscatório – Doutrina
– Percentual de 25% sobre o valor da operação – Quantum da multa tributária que
ultrapassa, no caso, o valor do débito principal – Efeito confiscatório configurado –
Ofensa às cláusulas constitucionais que impõem ao poder público o dever de proteção à
propriedade privada, de respeito à liberdade econômica e profissional e de observância
do critério da razoabilidade – Agravo improvido” (AgRg no RE no 754554/GO, Rel.
Min. Celso de Mello, DJede 28-11-2013).
Esse acórdão representa uma luz no final do túnel para combater as legislações truculentas
que transformaram a multa em um imposto novo, que tem como fato gerador a infração de
natureza tributária praticada pelo contribuinte. O acórdão em questão sinaliza que não pode haver
multa que equivalha ao próprio valor do imposto, devendo representar apenas um percentual do
imposto devido.
Cabe à doutrina e à jurisprudência precisar o percentual razoável incidente sobre o valor do
imposto devido. Em nossa opinião, nenhuma multa pecuniária deveria ultrapassar 20% do
imposto devido. Contudo, esse é um tema de difícil precisão a exemplo do nível de imposição
tributária que se insere no âmbito da política tributária. Todavia, uma coisa é certa: tanto o nível
de imposição tributária, já saturada, como a quantidade de multa pecuniária cominada pelas
diferentes legislações devem se conter nos limites do princípio da razoabilidade.
Uma questão bastante polêmica diz respeito à submissão ou não da multa punitiva qualificada
de 150% para as hipóteses de sonegação fiscal, que configura crime contra a ordem tributária, nos
termos da Lei no8.137/90, ao princípio constitucional da vedação do efeito confiscatório do
tributo. Uma multa de tão elevado percentual passa a ter mais finalidade arrecadatória e menos
objetivo de punir. A multa punitiva pode comportar a graduação segundo a gravidade da infração
cometida, mas não abranger a desproporção que implica atentado ao princípio da razoabilidade.
Essa questão está sendo julgada pelo STF, que reconheceu, por maioria de votos, a existência de
repercussão geral da questão suscitada no RE no 736090/SC, Rel. Min. Luiz Fux, j. 29-10-2015.
3.1.1.18Princípios implícitos
Dispõe o art. 150 da CF:
“Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado
à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:
I – exigir ou aumentar tributo sem lei que o estabeleça; [...].”
A disposição supra está a indicar que as limitações ao poder de tributar não se esgotam nos
princípios expressos na Constituição. Outras existem que decorrem do regime e dos princípios
adotados pela Constituição e das garantias individuais expressa ou implicitamente por ela
asseguradas ou decorrentes de tratados e convenções em que a Brasil seja parte.
A própria repartição de competência tributária já é uma forma de limitação ao poder de
tributar, na medida em que a Constituição, ao conferir a determinada entidade política a
exclusividade de instituir certo imposto, está, automaticamente, inibindo a competência de outra
entidade política, relativamente àquele imposto.
É princípio constitucional implícito a indelegabilidade da competência impositiva, que
decorre da discriminação constitucional de impostos cabentes a cada ente político. Esse princípio
está expresso em nível de norma geral no art. 7o do CTN.
O princípio geral da universalidade e da generalidade decorre do disposto no art. 19, III, da
CF, que veda distinções entre brasileiros ou preferências entre si, de sorte que esse princípio não
se aplica apenas em relação ao imposto de renda (art. 153, § 2o, I da CF). Daí a
inconstitucionalidade de incentivos fiscais que não se revistam do caráter de universalidade e
generalidade, ressalvados aqueles concedidos para promover o equilíbrio do desenvolvimento
socioeconômico entre as diferentes regiões do país (art. 151, I, in fine da CF).
Por derradeiro, os vários incisos do art. 5o da Constituição também dão embasamento aos
chamados princípios constitucionais tributários implícitos, tendentes a limitar o poder de
imposição das entidades políticas tributantes. O princípio geral da supremacia da Constituição,
obviamente, tem aplicação também no campo do Direito Tributário.
3.1.2Limitações constitucionais específicas do ITBI
Examinemos neste tópico os princípios limitadores do poder de tributar especificamente
voltados para o ITBI.
Dispõe o art. 156 da CF:
“Art. 156. Compete aos municípios instituir impostos sobre:
[...]
II – transmissão inter vivos, a qualquer título, por ato oneroso, de bens imóveis, por
natureza ou acessão física, e de direitos reais sobre imóveis, exceto os de garantia, bem
como cessão de direitos a sua aquisição:
[...]
§ 2o O imposto previsto no inciso II:
I – não incide sobre a transmissão de bens ou direitos incorporados ao patrimônio
de pessoa jurídica em realização de capital, nem sobre a transmissão de bens ou direitos
decorrentes de fusão, incorporação, cisão ou extinção de pessoa jurídica, salvo se, nesses
casos, a atividade preponderante do adquirente for a compra e venda desses bens ou
direitos, locação de bens imóveis ou arrendamento mercantil;
II – compete ao Município da situação do bem.”
Como se depreende do inciso II do art. 156, o legislador constituinte ao definir a competência
impositiva aos Municípios, por meio de ITBI incidindo sobre transmissões de bens imóveis e de
direitos a eles relativos, estatuiu limites claros.
Em primeiro lugar, excluiu da competência municipal a transmissão causa mortis. Em
segundo lugar, limitou a tributação da transmissão inter vivos a negócios jurídicos onerosos como
a compra e venda, a permuta, a cessão de direitos decorrentes de compromisso de compra e venda
etc. Finalmente, excluiu do poder de tributação municipal os direitos reais sobre imóveis
representativos de garantia.
No que se refere ao objeto da tributação – bens imóveis e direitos reais sobre imóveis –, a
Constituição remeteu aos institutos regulados pelo direito comum, pelo que a definição, o
conteúdo e alcance, assim como os conceitos e formas acerca de bens imóveis e de direitos a eles
relativos previstos no Código Civil são vinculantes, não podendo a lei tributária introduzir
modificações ou inovações. Incide, pois, o princípio expresso no art. 110 do CTN: “A lei
tributária não pode alterar a definição, o conteúdo e o alcance de institutos, conceitos e formas
de direito privado, utilizados, expressa ou implicitamente, pela Constituição Federal, pelas
Constituições dos Estados, ou pelas Leis Orgânicas do Distrito Federal ou dos Municípios, para
definir ou limitar competências tributárias.” A desobediência a esse princípio torna inoperante o
rígido princípio discriminador de rendas tributárias (arts. 153, 155 e 156 da CF).
Logo, o objeto de tributação pelo ITBI pode ser assim resumido:
a) bens imóveis por natureza ou acessão física como definidos no art. 79 do CC Bens imóveis
por natureza abrange o solo e suas adjacências naturais, compreendendo os frutos pendentes, o
espaço aéreo e o subsolo, conforme doutrina que se firmou na vigência do Código Civil anterior
(art. 43). Bens imóveis por acessão física eram conceituados no Código Civil antecedente de
forma mais minudente do que no art. 79 do Código Civil vigente. Dispunha o art. 43, II, do
estatuto substantivo anterior que são bens imóveis “tudo quanto o homem incorporar
permanentemente ao solo, como a semente lançada à terra, os edifícios e construções, de modo
que se não possa retirar sem destruição, modificação, fratura ou dano”.
Assim, os tijolos, os canos, os ladrilhos, as piscinas de fibra de vidro etc., que são bens móveis
pela própria natureza, uma vez incorporados em caráter permanente ao solo adquirem o status de
bens imóveis porque irremovíveis sem destruição ou danificação.
Ainda, segundo o art. 80 do CC consideram-se imóveis para os efeitos legais:
I – os direitos reais sobre imóveis e as ações que os assegurem;
II – o direito à sucessão aberta.
São os chamados bens imóveis por definição legal. O inciso II, que diz respeito ao direito à
sucessão aberta, não interessa para o exame de ITBI porque objeto de tributação pelo Estado-
membro (art. 155, I, da CF).
b) Direitos reais sobre imóveis
O art. 1.225 do CC enumerou de forma taxativa os direitos reais a começar pela propriedade.
O direito real só pode resultar de lei. Ao contrário do direito pessoal que une dois ou mais sujeitos,
o direito real estampa relação jurídica entre uma coisa ou conjunto de coisas, e um ou mais sujeitos
que podem ser pessoas naturais ou jurídicas.
O direito real ostenta as seguintes características apontadas pela doutrina:
a) é exercido e recai diretamente sobre a coisa vinculando o seu titular. Daí o seu
caráter absoluto em contraposição ao direito pessoal que é relativo;
b) como consequência do caráter absoluto surge o direito de sequela, isto é, o seu
titular pode perseguir o objeto onde quer que se encontre, o que não acontece com o
direito pessoal;
c) é suscetível de posse, isto é, concede ao titular o gozo e a fruição de bens;
d) como resultado do direito de sequela, o direito real é sempre individualizado desde
o nascedouro, ao passo que nos direitos obrigacionais, a prestação pode ter como objeto
coisas determináveis pelo gênero (bens fungíveis);
e) é exclusivo no sentido de que não comporta instalação de outro direito real onde
já existe um, o que é diferente de vários titulares, como acontece na hipótese de
condomínio.
3.1.2.1Intributabilidade dos direitos reais de garantia
Na própria conceituação constitucional do ITBI, art. 156, II, da CF, está expressamente
excluída a tributação dos direitos reais sobre imóveis que representam garantias.
Como se sabe, os direitos reais se subdividem em direitos reais sobre a própria coisa e sobre
a coisa alheia. Dentre os primeiros podemos citar a propriedade, o condomínio e a propriedade
horizontal. Dentre os segundos temos o uso, o usufruto, a habitação, a enfiteuse, a servidão, a
hipoteca, a anticrese e o penhor.
Os direitos reais sobre coisa alheia, por sua vez, classificam-se em direitos de gozo e direitos
de garantia, como são os caso da hipoteca, da anticrese e do penhor. Estes, ao contrário do direito
de gozo, não têm por objetivo a fruição da coisa, mas a finalidade de assegurar o cumprimento de
uma obrigação. No penhor, por exemplo, o bem dado em garantia pode continuar na posse do
titular desse bem pela cláusula constituti.
A Constituição excluiu, expressamente, do âmbito de abrangência da tributação os direitos
reais sobre coisa alheia em sua modalidade de garantia: hipoteca, anticrese e penhor.
Hipoteca
A hipoteca, que é direito real constituído a favor do credor sobre determinado bem imóvel
do devedor ou de terceiro com anuência deste, pode ser convencional, judicial ou legal. A primeira
surge da estipulação das partes. A judicial resulta da inscrição que o vencedor da demanda judicial
promove no registro imobiliário competente da sentença condenatória com o fito de assegurar o
direito de sequela. A hipoteca legal é a que decorre da lei, independentemente da vontade das
partes, como, por exemplo, aquela conferida aos filhos, sobre imóveis do pai ou da mãe, que passa
a outras núpcias, antes de fazer inventário do casal anterior.
Anticrese
Anticrese é um direito real sobre imóvel alheio, pelo qual o devedor confere ao credor, em
cumprimento de uma obrigação, o direito de perceber os frutos e rendimentos de um imóvel que
lhe é entregue, detendo-o até final quitação do principal e dos juros, se houver (art. 1.506 do CC).
Penhor
Penhor é o direito real sobre coisa alheia que submete a coisa móvel ao pagamento de uma
dívida. No penhor, a posse da coisa móvel transfere-se para o devedor, salvo na hipótese de penhor
agrícola ou pecuário em que os objetos continuam em poder do devedor por efeito da
cláusula constituti.
O penhor convencional comporta as modalidades de penhor comum (coisas corpóreas,
móveis ou semoventes); de penhor agrícola (máquinas, instalações, colheitas, frutos armazenados
etc.); de penhor pecuário (animais de criação); de penhor mercantil (mercadorias, títulos, ações,
debêntures etc.).
O penhor pode, também, decorrer de lei a exemplo da hipoteca, como é o caso, por exemplo,
do hospedeiro em relação às bagagens dos hóspedes. O penhor pode, finalmente, resultar de
decisão judicial.
Na verdade, o penhor, como direito real sobre bens móveis, escapa da conceituação
constitucional do ITBI que recai sobre “direitos reais sobre imóveis”. Daí a dupla exclusão do
penhor do campo da definição de competência impositiva do ITBI. Ainda que o penhor tivesse
como objeto um bem imóvel por acessão física, como a semente lançada à terra, esse penhor
estará a salvo da imposição tributária.
Após definir a competência impositiva do Município (art.156, II, de CF), o legislador
constituinte fixou, ainda, limites específicos para o exercício dessa competência como se observa
do seu § 2o retrotranscrito. Vejamos:
a) estabeleceu vedação absoluta ao poder de tributar em se tratando de transmissão
de bens ou direitos incorporados ao patrimônio de pessoa jurídica em realização de
capital;
b) vedou a tributação das transmissões decorrentes de fusão, incorporação, cisão ou
extinção de pessoa jurídica.
Já está pacificada na doutrina e na jurisprudência que a imunidade tem sede exclusivamente
na Constituição, porque ela atua no campo da definição de competência tributária. Portanto,
qualquer desoneração tributária sob denominação de isenção ou de não incidência, expressa no
texto constitucional, há de ser interpretada como sendo imunidade, dotada de característica da
supremacia constitucional. A isenção e a não incidência expressa atuam no campo do exercício
da competência tributaria, ou seja, no plano infraconstitucional.
O Código Tributário Nacional, editado sob a vigência da Emenda no18/65, reproduziu as
imunidades em seus arts. 36 e 37 em termos menos abrangentes: (a) não incide o imposto nas
transmissões para realização de capital de pessoa jurídica; (b) não incide o imposto nas
transmissões decorrentes de incorporação ou fusão. Não há referência à imunidade nos casos de
cisão ou extinção de pessoa jurídica.
A Emenda no 18/65 prescrevia a imunidade apenas para a hipótese de incorporação dos bens
ou direitos ao capital das pessoas jurídicas, isto é, transmissão para efeito de pagamento de capital
subscrito pelo sócio nos precisos termos do § 2o do art. 9o, in verbis:
“§ 2o O imposto não incide sobre a transmissão dos bens ou direitos referidos neste
artigo, para sua incorporação ao capital de pessoas jurídicas, salvo o daquelas cuja
atividade preponderante, como definida em lei complementar, seja a venda ou a locação
da propriedade imobiliária ou a cessão de direitos relativos à sua aquisição.”
Portanto, à luz da ordem constitucional então vigente, o CTN alargou as hipóteses de
imunidade. Contudo, esse fato não tem relevância jurídica, pois imunidade tem sede
exclusivamente na Constituição, como já visto.
O CTN não tem o condão de definir os casos de imunidade, mas apenas a faculdade de
regulamentar as imunidades instituídas na Constituição. O CTN não pode alargar, nem restringir
a imunidade tributária. Examinemos nos tópicos seguintes os casos de imunidade do ITBI, de
conformidade com a Constituição Federal de 1988.
Os arts. 36 e 37 que regulamentam a imunidade tributária do ITBI à luz da Emenda no 18/65,
aliás, extrapolando os seus termos, como vimos anteriormente, não foram recepcionados pela
ordem constitucional introduzida pela Constituição de 1988, nem pelas Constituições de
1967/1969 que alargaram a imunidade do imposto sobre transmissão, a qualquer título, de bens
imóveis e de direitos reais sobre imóveis, então na competência impositiva estadual, mas sem
referência à regulamentação por lei complementar como estava na redação dada pela Emenda
no 18/65.
Transcrevamos os textos do art. 156 da Constituição Federal de 1988 e dos arts. 36 e 37 do
CTN para melhor exame.
“Art. 156. Compete aos Municípios instituir impostos sobre:
[...]
II – transmissão inter vivos, a qualquer título, por ato oneroso, de bens imóveis, por
natureza ou acessão física e de direitos reais sobre imóveis, exceto os de garantia, bem
como cessão de direitos à sua aquisição;
[...]
§ 2o O imposto previsto no inciso II:
I – não incide sobre transmissão e bens ou direitos incorporados ao patrimônio de
pessoa jurídica em realização de capital, nem sobre a transmissão de bens ou direitos
decorrentes de fusão, incorporação, cisão ou extinção de pessoa jurídica, salvo se, nesses
casos, a atividade preponderante do adquirente for a compra e venda desses bens ou
direitos, locação de bens imóveis ou arrendamento mercantil.”
Não há no texto desse inciso I do § 2o, retrotranscrito, expressão semelhante ao que dispunha
o art. 9o, § 2o, da Emenda no 18/65, sob cuja égide foi elaborado e sancionado o Código Tributário
Nacional vigente. Senão, vejamos:
“§ 2o O imposto não incide sobre a transmissão dos bens ou direitos referidos neste
artigo, para sua incorporação ao capital de pessoas jurídicas, salvo o daquelas cuja
atividade preponderante, como definida em lei complementar, seja a venda ou a locação
da propriedade imobiliária ou a cessão de direitos relativos à sua aquisição” (art. 9o, §
2o).
Antes dessa Emenda, a Constituição de 1946 incluía expressamente no campo de tributação
a incorporação de imóveis por subscrição de capital, nos seguintes termos:
“Art. 19. Compete aos Estados decretar impostos sobre:
I – propriedade territorial, exceto a urbana;
II – transmissão de propriedade causa mortis;
III – transmissão de propriedade imobiliária inter vivos e sua incorporação ao
capital de sociedades:”
Do exame de diferentes textos constitucionais pode-se concluir que houve uma evolução
legislativa em relação à incorporação de imóveis por subscrição ou aumento de capital de pessoas
jurídicas, obedecendo à seguinte sequência:
(a) No regime da Constituição de 1946, a operação era tributada pelo imposto sobre
transmissão de propriedade;
(b) No regime da Emenda no 18/65, essa operação era imune do imposto sobre transmissão
de propriedade imobiliária, ressalvada a hipótese de atividade imobiliária preponderante segundo
definição da lei complementar;
(c) No regime da Constituição de 1988, essa operação passou a gozar de imunidade
incondicional, ao contrário das incorporações imobiliárias resultantes de incorporação, fusão,
cisão e extinção de pessoas jurídicas dependentes do requisito da inexistência de preponderância
da atividade imobiliária por parte do adquirente.
Conforme examinamos no capítulo 1.2, a Constituição de 1988 voltou a dividir o imposto
sobre transmissão imobiliária inserindo na competência impositiva municipal a transmissão inter
vivos e a título oneroso. Permaneceu na competência tributária dos Estados a transmissão causa
mortis, bem como a transmissão a título gratuito (doação) de quaisquer bens ou direitos,
alargando, neste particular, o campo de incidência do imposto. Houve retorno ao sistema da
Constituição de 1946. Não houve redefinição do fato gerador em nível de lei complementar
prevalecendo o disposto no art. 35 do CTN sem qualquer contestação doutrinária ou
jurisprudencial, mesmo porque um ente político contemplado com a outorga de competência
impositiva de determinado imposto não pode ficar sem o poder de instituir e cobrar o referido
imposto por inércia do legislador infraconstitucional.
Dispositivos do Código Tributário Nacional:
“Art. 36. Ressalvado o disposto no artigo seguinte, o imposto não incide sobre a
transmissão dos bens ou direitos referidos no artigo anterior:
I – quando efetuada para sua incorporação ao patrimônio de pessoa jurídica em
pagamento de capital nela subscrito;
II – quando decorrente da incorporação ou da fusão de uma pessoa jurídica por
outra ou com outra.
Parágrafo único. O imposto não incide sobre a transmissão aos mesmos alienantes,
dos bens e direitos adquiridos na forma do inciso I deste artigo, em decorrência da sua
desincorporação do patrimônio da pessoa jurídica a que foram conferidos.
Art. 37. O disposto no artigo anterior não se aplica quando a pessoa jurídica
adquirente tenha como atividade preponderante a venda ou locação de propriedade
imobiliária ou a cessão de direitos relativos à sua aquisição.
§ 1o Considera-se caracterizada a atividade preponderante referida neste artigo
quando mais de cinquenta por cento da receita operacional da pessoa jurídica
adquirente, nos dois anos anteriores e nos dois anos subsequentes à aquisição, decorrer
de transações mencionadas neste artigo.
§ 2o Se a pessoa jurídica adquirente iniciar suas atividades após a aquisição, ou
menos de dois anos antes dela, apurar-se-á a preponderância referida no parágrafo
anterior, levando em conta os três primeiros anos seguintes à data da aquisição.
§ 3o Verificada a preponderância referida neste artigo, tornar-se-á devido o imposto,
nos termos da lei vigente à data da aquisição, sobre o valor do bem ou direito nessa data.
§ 4o O disposto neste artigo não se aplica à transmissão de bens ou direitos, quando
realizada em conjunto com a da totalidade do patrimônio da pessoa jurídica alienante.”
É fácil constar, desde logo, que esses dispositivos legais não foram recepcionados pela
Constituição de 1988 que, ao contrário do disposto na Emenda no 18/65 e nas Constituições de
1967/1969, não faz referência à definição por lei complementar da “atividade preponderante” do
adquirente.
Em segundo lugar, se devesse essa imunidade do ITBI ser submetida à regulamentação por
lei complementar, nos termos do art. 146, II, da CF, essa regulamentação deveria abranger as
hipóteses de cisão e de extinção de pessoa jurídica expressamente imunizadas pela norma do
inciso I do § 2o do art. 156 da CF vigente.
Em terceiro lugar, além de submeter a incorporação de imóvel ao patrimônio da pessoa
jurídica decorrente de conferência de capital em que a atual Constituição não impôs qualquer
condição para a fruição da imunidade, os requisitos da inexistência de “atividade preponderante”
nos lapsos temporais referidos nos §§ 1o e 2o do art. 37 do CTN são inconstitucionais, alargando
os limites da condição imposta pelo texto constitucional tornando inexequível o preceito da
imunidade.
Pelo § 1o do art. 37 a imunidade está condicionada à inexistência de atividade preponderante
relativa à compra e venda ou locação de propriedade imobiliária ou à cessão de direitos relativos
à sua aquisição, assim entendida quando a receita operacional da pessoa jurídica adquirente
superar os 50% nos dois anos anteriores à aquisição e nos dois anos posteriores à aquisição. O §
3o contempla, ainda, a hipótese de essa apuração estender-se pelo período de três anos a contar da
data da aquisição, quando a pessoa jurídica iniciar sua atividade após a aquisição ou a menos de
dois anos depois dela. Trata-se de um critério arbitrário que não encontra guarida na ordem
jurídica.
A Lei no 11.154/91 do Município de São Paulo faz pior ao reproduzir no seu art. 4o e §§ 1o e
2o as disposições do art. 37 e §§ 1o e 2o, do CTN e inserir o § 3o com a seguinte redação:
“§ 3o Fica prejudicada a análise da atividade preponderante, incidindo o imposto,
quando a pessoa jurídica adquirente dos bens ou direitos tiver existência em período
inferior ao previsto nos parágrafos 1oe 2o deste artigo.” (Acrescentado pela Lei
no 13.402/02)
Ora, se considerarmos que a regulamentação da imunidade está sob reserva de lei
complementar, é imperioso concluir que aquele § 3o da lei municipal extrapolou os limites da
regulamentação admitida, sendo, por essa razão, inconstitucional.
Entretanto, a grande verdade é que a Constituição Federal limitou-se a estabelecer um
requisito para o gozo da imunidade que deve ser verificado no ato da aquisição imobiliária por
uma das formas previstas no texto constitucional (incorporação, fusão, cisão ou extinção de
pessoa jurídica). A Constituição não determinou uma condição suspensiva que impede a aquisição
do direito à imunidade por um período mínimo de quatro anos, dois anos antes e dois anos após
a aquisição.
A presença ou não do requisito exigido pela Constituição deve ser feito no ato da aquisição
pelo exame dos objetivos estatutários da empresa adquirente. Se o objeto consignado for de
compra e venda de imóvel ou de sua locação, ou ainda de cessão de direitos imobiliários, a
imunidade prevista na Constituição deixará de existir. No entanto, se o objeto for a compra e
venda de tecidos ou de maquinários agrícolas, por exemplo, deve-se reconhecer a imunidade. Se
amanhã essa empresa que adquiriu o bem imóvel mediante gozo da imunidade vier a praticar
operação de compra e venda de imóveis o seu administrador (diretor ou sócio gerente), estará
praticando atos com excesso de poderes ou infração de contrato social, passando a responder
pessoalmente pelas obrigações tributárias deles decorrentes, nos precisos termos do art. 135 do
CTN.
O que não é possível, porque a Carta Magna não estatuiu uma condição suspensiva, é
postergar a fruição da imunidade por quatro ou cinco anos, conforme a hipótese do § 1o ou do §
2o do art. 37 do CTN.
Ainda que considerados válidos os dispositivos do CTN para apuração da preponderância de
atividade, temos um problema de ordem prática não abordado pela generalidade dos autores.
A maioria das legislações municipais, a exemplo do art. 12 da Lei no11.154/91 do Município
de São Paulo, adota o regime de recolhimento do ITBI antes da lavratura da escritura aquisitiva
de compra e venda, e não no ato do registro quando se opera efetivamente a transmissão da
propriedade imobiliária.
Como compatibilizar o regime de recolhimento no ato da outorga da escritura de compra e
venda com o exame da preponderância da atividade de compra e venda de imóveis nos dois anos
anteriores e nos dois anos posteriores à aquisição?
Ora, a aquisição, que se dá com a celebração do contrato de compra e venda do imóvel, por
escritura pública ou por instrumento particular equivalente, constitui exatamente o marco inicial
da contagem dos prazos de dois anos antes dela e de dois anos depois dela.
A certificação de imunidade pela inexistência de atividade preponderante de compra e venda
de imóvel, ou de sua locação ou de arrendamento mercantil, só poderá ser dada, se for o caso,
decorridos dois anos da data da escritura ou instrumento particular equivalente. Isso significa que
a escritura aquisitiva fica sem registro até o advento da condição. Se o notário recusar-se a lavrar
a escritura sem prévio pagamento do imposto, em obediência à legislação municipal em
desconformidade com a disposição do art. 35, I, do CTN, que elege como fato gerador do ITBI a
transmissão da propriedade imobiliária que somente ocorre com o registro do título de
transferência no registro imobiliário competente (art. 1.245 do CC), o interessado terá que
percorrer a morosa via da ação judicial para obter a medida liminar para adquirir o imóvel sem
prévia prova de quitação do imposto.
Dentro da ordem jurídica global, o prazo bienal previsto no CTN só pode ser aplicado em
relação ao passado, isto é, inexistente a atividade preponderante nos dois anos anteriores à data
de escritura aquisitiva reconhece-se a imunidade, a fim de possibilitar o registro dessa escritura
no registro imobiliário competente. Não sendo o ITBI um imposto de incidência mensal, descabe
a figura da suspensão da imunidade de que cogita o § 1o do art. 14 do CTN. Muito menos cabe a
figura da revogação da imunidade que configura uma garantia fundamental do contribuinte
protegido em nível de cláusula pétrea, conforme decidiu o Plenário do STF.83 Se ao depois, isto é,
dois anos após a aquisição sem pagamento do ITBI, for constatado que a adquirente praticou
atividade preponderante referida no aludido dispositivo legal, a questão deve ser examinada à luz
da teoria da validade dos atos jurídicos. É a única interpretação que se coaduna com o princípio
da razoabilidade, um limite imposto ao legislador.
Infelizmente, a inobservância do princípio da hierarquia vertical das leis – legislação
municipal afrontando dispositivos do CTN que, por sua vez, violam preceitos constitucionais –
tem criado empecilhos de monta no cumprimento de obrigações tributárias, dificultando a vida
dos contribuintes e encarecendo o custo dos produtos e serviços.
3.1.2.2Imunidade da integralização do capital social de pessoa jurídica com
bens ou direitos
O que a norma imuniza não é qualquer incorporação de bens ou direitos ao patrimônio da
pessoa jurídica, como acontece normalmente com a operação de compra e venda, por exemplo.
A imunidade diz respeito exclusivamente ao pagamento em bens ou direitos que o sócio faz para
integralização do capital subscrito. Pode ocorrer essa integralização, tanto no início da
constituição de pessoa jurídica, como também posteriormente por ocasião do aumento de capital.
A imunidade prevista no art. 156, § 2o, I, da Carta Maior é específica para o ITBI, porém
possui a mesma natureza das imunidades previstas no seu art. 150, VI, “a” a “e”, constituindo
cláusula pétrea, tal como aquelas.
A utilização da conjunção aditiva “nem” pelo inciso I do § 2o do art. 156 retro comprova que
estamos diante de duas orações distintas, cada uma delas contemplando uma imunidade do ITBI
diferente.
A primeira parte do dispositivo constitucional refere-se à imunidade autoaplicável, no caso
de transmissão de bens ou direitos incorporados ao patrimônio de pessoa jurídica em realização
de capital.
A segunda parte, pertinente à imunidade do ITBI decorrente de transmissão de bens ou
direitos decorrentes de fusão, incorporação, cisão ou extinção de pessoa jurídica, corresponde
à imunidade condicionada, pois para a sua fruição o adquirente não poderá ter como atividade
preponderante a compra e venda desses bens ou direitos, locação de bens imóveis ou
arrendamento mercantil.
Logo, tratando-se de transmissão de bens ou direitos incorporados ao patrimônio de pessoa
jurídica em realização de capital, a imunidade é incondicional, não tendo sentido a verificação
das condições previstas na parte final do inciso I do § 2o do art. 156 da CF, como quer parcela da
doutrina e da jurisprudência.
A “transmissão de bens ou direitos incorporados ao patrimônio da pessoa jurídica em
realização de capital”, de que cuida o texto constitucional, significa que os bens imóveis são dados
em pagamento do capital subscrito. É preciso que haja correspondência entre o valor dos bens
imóveis a serem incorporados e o valor do capital subscrito a ser integralizado. Se o valor dos
bens imóveis é insuficiente, nada impede a sua complementação em dinheiro. Se, ao contrário, o
valor dos bens imóveis superar o valor do capital subscrito a ser integralizado, deverá a diferença
ser objeto de tributação pelo ITBI. O pagamento há de ter correspondência com o conteúdo da
obrigação. Se for uma obrigação por quantia certa, não haverá que se cogitar de pagamento por
um valor abaixo ou acima dela. Aliás, o inciso I do art. 36 do CTN prescreve com todas as letras:
“Art. 36. Ressalvado o disposto no artigo seguinte, o imposto não incide sobre a
transmissão dos bens ou direitos referidos no artigo anterior:
I – quando efetuada sua incorporação ao patrimônio de pessoa jurídica em
pagamento de capital nela subscrito”.
Esse dispositivo, com exceção da ressalva que está ligada ao texto da Emenda no 18/65, foi
recepcionado pela Constituição de 1988.
Contudo, a questão não está pacificada na doutrina nem na jurisprudência. Setores da
doutrina, favorecidos pela dicção constitucional – “não incide sobre a transmissão de bens ou
direitos incorporados ao patrimônio da pessoa jurídica em realização do capital” –, sustentam
a não incidência do ITBI sobre o valor dos bens incorporados excedente ao valor do capital
subscrito. O núcleo da hipótese de imunidade seria a incorporação. Argumentam, outrossim, que
as exceções à regra da imunidade são apenas aquelas expressamente referidas no inciso I do §
2o do art. 156 da CF, descabendo ao intérprete inovar as hipóteses excepcionais.
Ainda que impressionante o primeiro argumento, consistente na imunização do ato de
incorporar o bem em realização do capital subscrito, o segundo argumento é totalmente
impertinente. Como já demonstrado exaustivamente, a imunidade decorrente de incorporação de
bem em realização de capital subscrito é pura e incondicional. As exceções dizem respeito a outras
hipóteses de imunidades, quais sejam, incorporações decorrentes de operações de incorporação,
de fusão, de cisão e de extinção de pessoa jurídica, todas elas previstas na Lei no 6.404, de 15-12-
1976 (Lei de Sociedades Anônimas). A incorporação de que trata o art. 227 da Lei no6.404/76
consiste na operação pela qual uma ou mais sociedades são absorvidas por outra, que lhes sucede
em todos os direitos e obrigações. Absolutamente nada tem a ver com o fato de determinado bem
imóvel ficar incorporado ao patrimônio de pessoa jurídica como resultado da realização de capital
subscrito por um sócio ou acionista.
Todavia, há julgados favoráveis à imunidade, independentemente do valor excedente dos
imóveis dados em pagamento do capital subscrito:
“Embargos à execução fiscal julgados improcedentes – Apelação – ITBI – Imóveis
transferidos pelos sócios para sociedade para integralização do capital social – Hipótese
de não incidência (art. 156, § 2o, I, CF e arts. 35 a 37, do CTN) – sendo regra a não
incidência, somente incide o ITBI nos casos das exceções devidamente demonstradas
pela Fazenda, sobre a qual recai o ônus de tal prova – Embargos julgados procedentes
com extinção do processo executivo – Dado provimento ao recurso” (TJSP, ApCiv
no 90000-66-09.2004.8.26.0090, Rel. Des. Luiz de Carvalho, j. 27-2-2014).
“Apelação e reexame necessário – Mandado de segurança – Tributo ITBI – Hipótese
de transmissão de imóvel incorporado à pessoa jurídica a título de integralização do
capital social subscrito – Não incidência – Aplicação do artigo 156, § 2o, inciso I, da
Constituição Federal e legislação do município recorrente – Recursos conhecidos e
improvidos”(TJMS, ApCiv no 0001093-79.2011.8.12.0041, Rel. Des. Marco André
Nogueira, j. 3-4-2012).
Como se verifica, em ambos os casos, os Tribunais basearam suas decisões no não
enquadramento do caso julgado às hipóteses excepcionais do inciso I do § 2o do art. 156 da CF,
que, como demonstramos, não tem pertinência com a imunidade pura e incondicionada referida
na primeira parte do citado inciso constitucional. Na verdade, as decisões judiciais que submetem
a imunidade pura do ITBI nos casos de integralização do capital subscrito por meio de bens
imóveis às exigências contidas na parte final do inciso I do § 2o do art. 156 da CF (art. 37 do CTN)
têm origem na antiga jurisprudência firmada na vigência da Constituição de 1946 e da Emenda
no18/65.
De fato, prescrevia o art. 19 da Constituição de 1946:
“Art. 19. Compete aos Estados decretar impostos sobre:
...
III – transmissão de propriedade imobiliária inter vivos e sua incorporação ao
capital de sociedades”.
Por sua vez, a Emenda no 18/65, que manteve a competência impositiva dos Estados, dispôs
sobre a imunidade do imposto, mas com a ressalva da hipótese de atividade imobiliária
preponderante, conforme dispositivos adiante transcritos:
“Art. 9o Compete aos Estados o imposto sobre a transmissão, a qualquer título, de
bens imóveis por natureza ou por cessão física, como definidos em lei, e de direitos reais
sobre imóveis, exceto os direitos reais de garantia.
[...]
§ 2o O imposto não incide sobre a transmissão de bens ou direitos referidos neste
artigo, para sua incorporação ao capital de pessoas jurídicas, salvo o daquelas cuja
atividade preponderante, como definida em lei complementar, seja venda ou a locação
da propriedade imobiliária ou a cessão de direitos relativos à sua aquisição”.
A partir da Constituição de 1967, a imunidade do ITBI passou a distinguir aquela
incorporação de bens decorrente da integralização do capital subscrito (imunidade pura), daquelas
transmissões decorrentes de fusão, cisão, incorporação ou extinção de capital de pessoas jurídicas
(imunidade condicionada), tal como se encontra normatizado no inciso I do § 2o do art. 156 da
Constituição de 1988.
A alteração legislativa no curso do tempo nem sempre é percebida pelos aplicadores do
direito, principalmente quando se trata de alteração sutil, como no caso sob exame.
Por fim, essa questão de saber se incide ou não o ITBI sobre o valor excedente dos bens
imóveis dados em pagamento de capital subscrito encontra-se sub judice perante o STF que, por
unanimidade de votos, reputou constitucional a questão suscitada e por maioria de votos
reconheceu a existência de repercussão geral dessa questão, vencidos os Ministros Roberto
Barroso e Teori Zavascki, sendo que a Ministra Cármen Lúcia não se manifestou.84
Para a integralização do capital em bens imóveis de qualquer valor não é preciso obedecer à
formalidade da escritura pública a que se refere o art. 108 do CC em razão do disposto no art. 64
da Lei no 8.934, de 18-11-1994. Na hipótese inversa, isto é, na transmissão de bens imóveis para
os sócios decorrente de dissolução da sociedade impõe-se a formalidade da escritura pública. É
que o art. 108 do CC é uma norma geral a exigir a formalidade da escritura pública para a validade
dos negócios jurídicos que impliquem a constituição, transferência, modificação ou a renúncia de
direitos reais sobre imóveis de valor superior a trinta vezes o maior salário-mínimo vigente no
país. E o art. 64 da Lei no 8.934/94 é preceito de lei específica que deve merecer interpretação
restritiva, isto é, limitada estritamente à hipótese nela prevista: utilização de certidão extraída pela
Junta Comercial possibilitando a alienação de direitos reais incidentes sobre imóveis para
composição ou aumento de capital social.
Nesse sentido é a jurisprudência do Conselho Superior da Magistratura do E. Tribunal de
Justiça do Estado de São Paulo, conforme ementa abaixo:
“EMPRESA. PESSOA JURÍDICA. DISTRATO SOCIAL. ESCRITURA PÚBLICA.
Registro de Imóveis – Dúvida julgada procedente. Negativa de acesso ao registro
de instrumento particular de distrato social de pessoa jurídica, com transferência de bens
imóveis da sociedade para os sócios – Inviável o registro à luz do disposto no art. 134,
II, § 6o, do Código Civil de 1916 e no art. 108 do novo Código Civil – Indispensabilidade
da transferência dos bens por intermédio de escritura pública – Não incidência, no caso,
da norma do art. 64 da Lei no 8.934/1994 – Recurso não provido” (Ap. Cív. no 4916/1-
Serra Negra, Relator e Corregedor Geral, Des. Gilberto Passos de Freitas, DOE, de 12-7-
2006).
Como verificamos no item anterior, o CTN submeteu todas as hipóteses de imunidade ao
mesmo critério da inexistência de atividade preponderante de compra e venda de imóvel ou de
sua locação, ou de cessão de direitos imobiliários por parte da adquirente dois anos antes da
aquisição e dois anos após a aquisição.
Ainda que coubesse à lei complementar estabelecer uma condição suspensiva para a fruição
da imunidade, e não lhe cabe, como vimos anteriormente, a lei não poderia deixar de reconhecer
a imunidade pura ou incondicionada prevista na primeira parte do inciso I do § 2o do art. 156 da
CF que transcrevemos novamente para a clareza da exposição adiante feita:
Art. 156. Compete aos Municípios instituir impostos sobre:
[...]
II – transmissão inter vivos, a qualquer título, por ato oneroso, de bens imóveis, por
natureza ou acessão física e de direitos reais sobre imóveis, exceto os de garantia, bem
como cessão de direitos à sua aquisição;
[...]
§ 2o O imposto previsto no inciso II:
I – não incide sobre transmissão e bens ou direitos incorporados ao patrimônio de
pessoa jurídica em realização de capital, nem sobre a transmissão de bens ou direitos
decorrentes de fusão, incorporação, cisão ou extinção de pessoa jurídica, salvo se, nesses
casos, a atividade preponderante do adquirente for a compra e venda desses bens ou
direitos, locação de bens imóveis ou arrendamento mercantil”.
Da leitura do texto constitucional transcrito é possível identificar duas modalidades de
imunidade:
a) imunidade autoaplicável que corresponde à primeira parte do inciso I, ou seja, transmissão
de bens ou direitos incorporados ao patrimônio de pessoa jurídica em realização de capital;
b) imunidade condicionada, correspondente à segunda parte do inciso I, ou seja, transmissão
de bens ou direitos decorrentes de fusão, incorporação, cisão ou extinção de pessoa jurídica.
Inconfundível a incorporação de imóvel ao patrimônio da pessoa jurídica adquirente,
decorrente de subscrição de capital e sua integralização mediante dação de bens imóveis, com a
figura jurídica da incorporação de uma pessoa jurídica pela outra regulada pelo art. 227 da Lei
no 6.404/76, que também disciplina a fusão, a cisão e a extinção de pessoa jurídica.
Somente na hipótese “b”, o benefício não pode ser usufruído por pessoa jurídica que tenha
como atividade preponderante a compra e venda de bens ou direitos imobiliários, assim como a
locação de bens imóveis ou arrendamento mercantil.
Se for para não distinguir essas duas modalidades, não teria sentido o inciso I em questão
separar a primeira parte da segunda parte, precedida da vírgula e da conjunção “nem”. Bastaria
prosseguir sem a conjunção “nem” ou substituir essa conjunção pela conjunção aditiva “e”. A
existência da conjunção negativa “nem” indica, fora de dúvida, que o requisito da inexistência da
atividade preponderante aí mencionada não tem aplicação em relação à imunidade prevista na
primeira parte do citado inciso I do § 2.odo art. 156 da CF.
Tratando-se de imunidade cheia ou incondicionada ou, ainda, autoaplicável, não há que se
ater aos requisitos da lei complementar, não recepcionados na parte que estabeleceu lapsos
temporais para verificação da preponderância de atividades da adquirente. Como vimos no item
anterior, a Constituição não estabeleceu a figura da condição suspensiva da imunidade pelo lapso
temporal de quatro ou cinco anos conforme previsto no CTN. Estabeleceu, isso sim, requisito da
inexistência de atividade preponderante no ramo de compra e venda de imóveis, sua locação ou
arrendamento mercantil, requisito este a ser verificado no ato da aquisição pelo exame dos objetos
da exploração da atividade econômica consignados no contrato social da empresa adquirente.
Regulamentação da imunidade, sequer determinada no novo texto constitucional, não significa
faculdade de o legislador infraconstitucional inovar o preceito constitucional estabelecendo uma
condição suspensiva da imunidade que não está abrigada na norma da Constituição.
Como vimos anteriormente, no regime da Constituição de 1946 a incorporação de imóvel ao
patrimônio da pessoa jurídica por subscrição ou aumento de capital era operação inteiramente
tributada pelo imposto sobre transmissão da propriedade imobiliária. No regime da Emenda
no 18/65, sob cuja égide foi sancionado o Código Tributário Nacional vigente, essa operação
passou a gozar de imunidade do imposto sobre transmissão de propriedade imobiliária, salvo na
hipótese de a adquirente exercer atividade imobiliária preponderante nos termos da definição por
lei complementar. Pela Constituição de 1988, essa operação passou a gozar de imunidade do ITBI
sem qualquer ressalva ou condição.
Entretanto, a jurisprudência de nossos tribunais continua prestigiando entendimento
vigorante na antiga ordem constitucional, como se verifica dos julgados do E. TJESP:
EMENTA: “Reexame necessário. Ação declaratória de inexistência de relação
jurídico-tributária. Imposto sobre transmissão ‘inter vivos’ de bens imóveis. Alegação
de imunidade por se cuidar de transferência de bem, decorrente de incorporação a
patrimônio de pessoa jurídica, em realização de capital. Prova insuficiente para
demonstrar que se não configura a exceção prevista na parte final do artigo 156, § 2o, I,
da Constituição da República. Sentença alterada” (Apelação no 006537-
76.2010.8.26.0223/TJSP, Rel. Des. Geraldo Xavier, 14a Câmara de Direito Público,
julgado em 6-11-2014).
Ementa: “Agravo – Ação ordinária – ITBI referente à incorporação, pelo Banco
Santander, De duas instituições financeiras, em 2007 – Município de São Paulo –
Antecipação de tutela – requisitos – Presença, pois: 1) Verossímil a alegação de que o
incorporador não tem como atividade preponderante a compra e venda, locação, ou
arrendamento mercantil dos bens incorporados; 2) Perigo da demora resultante da
possibilidade de exigência indevida de imposto, dada a provável imunidade; 3) Cuida-
se de provimento antecipado reversível. Recurso do município improvido” (Agravo de
Instrumento no 2163619-87.2014.8.26.0000/TJSP, Rel. Des. Rodrigues de Aguiar,
15a Câmara de Direito Público, julgado em 30-10-2014).
EMENTA: “Apelação – Ação ordinária – ITBI, exercício de 2006 – Município de
São Paulo – Capital social da autora integralizado por três imóveis – Imunidade
tributária – Incidência, pois a autora não tem como atividade preponderante a
administração de bens imóveis – Inexistência, ademais, de atos tendentes a dissimular a
ocorrência do fato gerador, de modo que o comodato de tais imóveis à empresa
controlada pela autora, por si só, não autoriza o afastamento da imunidade tributária –
Recurso provido” (Apelação no 0018615-25.2013.8.26.0053/TJSP, Rel. Des. Rodrigues
de Aguiar, 15a Câmara de Direito Público, julgado em 25-9-2014).
EMENTA: “Apelação. Anulatória. ITBI. Imóveis incorporados ao patrimônio da
sociedade em integralização de capital. Sentença de procedência, reconhecendo
imunidade prevista no artigo 156, § 2o, I, da CF. Descabimento. Empresa que tem por
atividade preponderante a locação de bens imóveis. Hipótese expressamente
excepcionada da regra imunizante. Recurso provido” (Apelação no 0611886-
07.2008.8.26.0053/TJSP, Rel. Des. João Alberto Pezarini, 14a Câmara de Direito Público,
julgado em 9-10-2014).
EMENTA: “Agravo de instrumento. Decisão que indeferiu pedido de liminar para
suspender a inexigibilidade do crédito tributário. Imunidade do artigo 156, § 2.o, I, do
CF. Decisão administrativa que, com base em nos documentos anexados pelo agravante
e decisão do Auditor Fiscal, indeferiu o pedido de não incidência do ITBI-V na
transmissão dos imóveis, diante da constatação de receita operacional imobiliária
superior a 50% da receita total da empresa agravante. Decisão de indeferimento da
liminar mantida. Recurso não provido”(Agravo de Instrumento
no 2043845.97.2013.8.26.0000/ TJSP, Rel. Des. Cláudio Marques, 14a Câmara de Direito
Público, julgado em 31-7-2014).
Por ser matéria pertinente à questão de ordem constitucional, não há julgados do STJ
enfrentando o mérito dessa imunidade tributária.
3.1.2.3Imunidade das transmissões decorrentes de fusão, incorporação, cisão ou
extinção da pessoa jurídica
Na ordem constitucional antecedente, as transmissões decorrentes de cisão não estavam
amparadas pela imunidade tributária. Examinemos cada uma das hipóteses.
a) Fusão
Fusão significa formação de uma nova sociedade a partir de duas outras que desaparecem.
Essa nova sociedade fica responsável pelos tributos devidos pelas sociedades fusionadas até a
data do ato, nos termos do art. 132 do CTN, a exemplo do que ocorre nas hipóteses de
transformação ou incorporação.
A fusão é conceituada pelo art. 228 da Lei no 6.404/76 como sendo uma “operação pela qual
se unem duas ou mais sociedades para formar sociedade nova, que lhes sucederá em todos os
direitos e obrigações”.
b) Incorporação
Incorporação outra coisa não é senão a absorção de uma sociedade pela outra. No caso, não
há criação de uma nova sociedade como no caso de fusão. Subsiste a sociedade incorporadora
que assume tanto o ativo, como o passivo da sociedade incorporada que desaparece.
O art. 227 da Lei no 6.404/76 conceitua a incorporação como “operação pela qual uma ou
mais sociedades são absorvidas por outra, que lhes sucede em todos os direitos e obrigações”.
c) Cisão
É a operação pela qual uma sociedade transfere parte de seu patrimônio para uma ou mais
sociedades. No caso de versão total do patrimônio dá-se a extinção da sociedade cindida. A
sociedade que absorver parte do patrimônio da sociedade cindida sucede a esta nos direitos e
obrigações relacionados no respectivo ato. No caso de transferência total do patrimônio, haverá
responsabilidade solidária passiva entre a sociedade sucessora e a extinta.
O art. 229 da Lei no 6.404/76 conceitua a cisão como “operação pela qual a companhia
transfere parcelas do seu patrimônio para uma ou mais sociedades, constituídas para esse fim
ou já existentes, extinguindo-se a companhia cindida, se houver versão total de seu patrimônio,
ou dividindo-se o seu capital, se parcial a versão”.
d) Extinção de pessoa jurídica
A extinção de pessoa jurídica nos termos do art. 219 da Lei no 6.404/76 pode decorrer de
encerramento da liquidação, da fusão, da incorporação e da cisão com versão total do patrimônio
como retroexaminados.
Há dúvida quanto à incidência, ou não, do ITBI em caso de dissolução da sociedade com a
destinação de bens e direitos a pessoas diferentes daquelas que promoveram a incorporação ao
patrimônio de pessoa jurídica. O parágrafo único do art. 36 do CTN prescreve que não há
incidência de imposto na hipótese de desincorporação do patrimônio de pessoa jurídica com sua
destinação à mesma pessoa que promoveu a incorporação. Interpretado a contrário senso, pode-
se deduzir que haverá incidência do ITBI sempre que os bens ou direitos forem destinados a
pessoas outras que não aquelas que efetuaram a sua incorporação. É o posicionamento adotado
por Ercias Rodrigues de Souza, para quem “a alienação, pela pessoa jurídica, do imóvel
incorporado com imunidade tributária, para qualquer outro destino, que não o patrimônio do
sócio, qualquer que seja a causa, implicará em operação sujeita à tributação pelo ITBI”.85 No
mesmo sentido, o magistério de Yoshiaki Ichihara, para quem “no caso da extinção da sociedade,
a desincorporação só é imune em caso de retornar o imóvel ao mesmo sócio subscritor do capital
(art. 36, parágrafo único da Lei no 5.172/65)”.86
Contudo, esse parágrafo único há de ser interpretado de conformidade com o texto
constitucional que não faz a distinção retroapontada em caso de extinção da pessoa jurídica. Nesse
sentido, a lição de Sacha Calmon Navarro Coêlho: “Questão interessante consiste em saber se o
sócio que dá em colação bens imóveis ao capital da sociedade só fruirá a imunidade na extinção,
se receber de volta a sua parte em imóveis ou o mesmo imóvel com que entrou. A interpretação
fiscalista é nesse sentido. Entendemos em sentido contrário, embora o CTN pareça favorecer a
interpretação do fisco”.87 Diferente será a hipótese de redução do capital social mediante
desincorporação parcial de bens ou direitos alienados a terceiros pela pessoa jurídica. Porém, se
nessa hipótese, redução do capital, houver transmissão de imóvel ao sócio que teve o capital
reduzido impõe-se o reconhecimento da imunidade. Como sustenta Roque Antonio Carrazza, “se
a extinção total é imune, a extinção parcial também o é, se por mais não fosse em decorrência
do postulado lógico de que a parte segue necessariamente a sorte do todo”.88
3.1.2.4Imunidade das transferências de bens imóveis desapropriados para fins de
reforma agrária
Dispõe a CF no § 5o do art. 184 que “são isentas de impostos federais, estaduais e municipais
as operações de transferência de imóveis desapropriados para fins de reforma agrária”.
Toda vez que uma norma constitucional refere-se à isenção ou à não incidência estamos
diante de uma imunidade significando uma proibição constitucional de o ente político exercitar
seu poder impositivo em relação aos bens, serviços, patrimônios ou às pessoas declaradas imunes.
A imunidade de que cuida o preceito constitucional retrotranscrito refere-se às operações de
transferências de imóveis desapropriados para fins de reforma agrária, e não à transmissão
decorrente do registro da carta de adjudicação. Na desapropriação não há propriamente uma
“compra e venda forçada”. Há a perda da propriedade por ato do poder público surgindo a
indenização como meio de recompor o patrimônio privado desfalcado. Por isso, leciona Celso
Antonio Bandeira de Mello: “Dizer que a desapropriação é forma originária de aquisição de
propriedade significa que ela é, por si mesma, suficiente para instaurar a propriedade a favor do
Pode Público, independentemente de qualquer vinculação com o título jurídico do anterior
proprietário. É só a vontade do Poder Público e o pagamento do preço que constituem a
propriedade do Poder Público sobre o bem expropriado.”89
Logo, o dinheiro pago a título de justa indenização, ou os títulos da dívida agrária que
representem a moeda corrente nacional não são passíveis de tributação por meio de qualquer
imposto, independentemente do que dispõe o § 5o do art. 184 da CF.
A Corte Suprema, ainda, não teve a oportunidade de se manifestar diretamente sobre a
imunidade aqui versada, conforme se verifica da ementa abaixo que examinou a questão apenas
de forma indireta:
“EMENTA. RECURSO EXTRAORDINÁRIO. CONSTITUCIONAL.
ADMINISTRATIVO. DESAPROPRIAÇÃO. TÍTULO DA DÍVIDA AGRÁRIA.
IMUNIDADE TRIBUTÁRIA. EXTENSÃO AO TERCEIRO POSSUIDOR.
IMPOSSIBILIDADE.
1. A isenção de tributos de que trata o § 5o, do art. 184 da Constituição Federal,
deferida às operações de transferência de imóveis desapropriados, há de ser entendida
como imunidade e tem por fim não onerar o procedimento expropriatório ou dificultar a
realização da reforma agrária, de competência exclusiva da União Federal.
2. Os títulos da dívida agrária constituem moeda de pagamento da justa indenização
devida pela desapropriação de imóveis por interesse social e, dado o seu caráter
indenizatório, não podem ser tributados.
3. Terceiro adquirente de títulos da dívida agrária. Imunidade. Extensão.
Impossibilidade. O benefício alcança tão somente o expropriado. O terceiro adquirente,
que com ele realiza ato mercantil, em negócio estranho à reforma agrária, não é
destinatário da norma constitucional” (RE no 169.628-DF, Rel. Min. Maurício
Corrêa, DJ de 19-4-2002). No mesmo sentido o RE no 168.110, Rel. Min. Moreira
Alves, DJ de 19-5-2000.
O v. acórdão do STF reformou a decisão do STJ que havia concedido a segurança para
assegurar a imunidade de impostos em relação aos títulos da dívida agrária em poder de terceiros.
O verdadeiro alcance da norma do § 5o do art. 184 da CF não foi, ainda, enfrentado pelo STF,
pois a intributabilidade da indenização independe do aludido parágrafo conforme retroexaminado.
Quer nos parecer que o sentido da norma constitucional sob exame é o de imunizar qualquer
transferência de domínio que seja efetuada no contexto da reforma agrária. É a conclusão que se
extrai do v. acórdão do STF segundo o qual a “imunidade tem por fim não onerar o procedimento
expropriatório ou dificultar a realização da reforma agrária”, conforme ementa do V. Acórdão
retrotranscrita.
Dessa forma, as transferências de posse dos imóveis destinados aos assentados pelo programa
de Reforma Agrária, que se operam depois de cumprido o prazo de carência determinado em lei,
estão abrangidas pela imunidade, não ensejando a incidência do ITBI. Entendemos que no caso
de retrocessão decorrente do desvio de finalidade, também, haverá imunidade tributária.
3.1.3Reconhecimento, revogação e suspensão da imunidade
3.1.3.1Reconhecimento da imunidade
Uma coisa é a Constituição retirar o poder impositivo em relação a rendas, patrimônios e
serviços declarados imunes. Outra coisa bem diversa é o aplicador da legislação tributária
verificar se determinada situação fática subsume-se à hipótese de imunidade.
A legislação de cada entidade tributante estabelece os procedimentos para a fruição da
imunidade tributária. É preciso que a Administração Tributária reconheça previamente essa
imunidade.
Em relação a impostos que são pagos no decorrer do exercício, como o IPTU e o ISS, a
legislação estabelece um prazo para que o interessado requeira, anualmente, o reconhecimento da
imunidade como se tratasse de reconhecimento da isenção condicionada.
Na verdade, há um exagero da legislação ordinária dos municípios prescrever, por exemplo,
a necessidade de requerer, anualmente, até o mês de fevereiro, o reconhecimento da imunidade.
É que uma vez reconhecida, o reconhecimento, que tem natureza meramente declaratória,
projetará seus efeitos até que a administração dos meios de fiscalização regular constate a
modificação da situação fática a implicar perda da imunidade reconhecida.
No âmbito federal, o reconhecimento da imunidade da entidade beneficente de assistência
social referida no § 7o do art. 195 da CF, por exemplo, depende de preenchimento de inúmeros
requisitos legais previstos no art. 5590 da Lei no 8.212/91, dentre os quais a apresentação pelo
interessado do Certificado de Entidade Beneficente de Assistência Social (CEBAS) renovável a
cada triênio. Essa periodicidade foi declarada constitucional pelo STF (ROMS 27.093, Rel. Min.
Eros Grau, DJE de 14-11-2008). O que a Corte Suprema não tolera é a distorção da teleologia da
imunidade prevista no § 7o do art. 195 da CF mediante deliberação administrativa da autoridade
competente do Executivo para negar à entidade beneficente, que satisfaz os requisitos da lei, o
benefício constitucionalmente assegurado (RMS no 22.199, Rel. Min. Celso de Mello, DJ de 19-
12-1996).
Outras vezes, quando se tratar de imposto a ser recolhido esporadicamente, como é o caso
do ITBI, que tem por fato gerador a transmissão de bens imóveis e de direitos reais sobre imóveis,
a legislação municipal disciplina o procedimento para o reconhecimento da imunidade a cada
operação: incorporação de imóveis para integralização do capital subscrito pelo sócio, a
transmissão de bens imóveis decorrentes de fusão, de cisão ou extinção da pessoa jurídica etc.
Alguns tabelionatos deixam de lavrar a escritura pública sem a apresentação de documento
expedido pelo fisco comprovando a situação de imunidade e dispensando o recolhimento do ITBI.
Na realidade, o fato gerador do imposto é a transmissão de bens imóveis, pelo que essa exigência
mostra-se intempestiva. No que concerne ao oficial de Registro, a exigência é de rigor.
O certo é que não cabe aos notários e oficiais de Registros promover a interpretação das
normas imunizantes para dispensar, ou não, em cada caso concreto, o ITBI.
O art. 1o da Lei no 8.935/94, que rege a atividade notarial e de registro, proclama que
os “serviços notariais e de registro são os de organização técnica e administrativa destinados a
garantir a publicidade, autenticidade, segurança e eficácia dos atos jurídicos”.
Por isso, os notários e registradores exercem as funções de certificação, atribuindo fé pública,
e a de adequação, ou seja, de integração do objetivo prático externado pelas partes aos ditames da
lei. Daí o poder de controle da legalidade dos atos praticados pelas partes, evidentemente, dentro
dos limites compatíveis ao exercício de atividade notarial e de registro. Pode, por exemplo, o
notário deixar de lavrar a escritura pública de compra e venda de imóvel em que figura como
outorgante um menor púbere, sem a assistência de quem detém o pátrio poder.
Porém, o seu poder de controle da legalidade não chega ao ponto de decidir pela dispensa do
ITBI em face da invocação de imunidade pelo interessado. Para proceder ao registro da escritura
aquisitiva de imóvel, o oficial de registro deverá exigir a apresentação prévia de documento
emitido pelo fisco competente reconhecendo a imunidade do ITBI. Se assim não proceder, o
oficial de registro poderá incorrer na responsabilidade tributária solidária, nos termos do art. 134,
VI, do CTN, ou, na responsabilidade pessoal, nos termos do art. 135, I, do CTN.
E para tornar efetiva a responsabilização solidária ou pessoal, quando for o caso, o art. 197
do CTN prescreve:
“Mediante intimação escrita, são obrigados a prestar à autoridade administrativa
todas as informações de que disponham com relação aos bens, negócios, ou atividades
de terceiros:
I – os tabeliães, escrivães e demais serventuários de ofícios”.
Como não poderia deixar de ser, o parágrafo único desse artigo exclui da obrigação de prestar
informações quanto aos fatos sobre os quais o informante esteja legalmente obrigado a observar
segredo em razão de cargo, ofício, função, ministério, atividade ou profissão.
O dever de informar, portanto, encontra limite, no chamado sigilo profissional. A
jurisprudência de nossos tribunais é no sentido de invalidação das normas que imponham
obrigações acessórias a pessoas abrangidas pelo dever do sigilo profissional.91
3.1.3.2Revogação da imunidade
A imunidade tributária é uma forma de limitação do poder de tributar. A Constituição
Federal, ao definir a competência tributária, retirou expressamente essa competência em relação
a determinados patrimônios, rendas e serviços considerados imunes. Sublimitou, pois, a
competência impositiva dos entes políticos, porque a definição de competência, por si só, já
implica limitação do poder de tributar. A imunidade tributária, pode-se dizer, constitui uma
subespécie do princípio da segurança jurídica formando uma rede de proteção do contribuinte
contra a legalidade formal, distanciada dos direitos fundamentais representados pelo conjunto de
princípios tributários. Por isso, a imunidade gera direito subjetivo público em relação ao
beneficiado.
Vem ganhando corpo a posição doutrinária que conceitua a imunidade como hipótese de
incompetência tributária estatuída pela Constituição, diferenciando-a da limitação do poder de
tributar. Na verdade, a incompetência tributária resulta, por exclusão, da definição de competência
tributária. Da mesma forma, da definição de crime resulta, por exclusão, a conduta não
criminalizada, não sendo necessária a definição de não crimes. Enfim, o que importa é a noção de
que imunidade configura norma de estrutura dirigida ao legislador infraconstitucional que não
poderá instituir impostos ou tributos, conforme o caso, em relação aos patrimônios, rendas e
serviços considerados imunes.
No dizer de Ricardo Lobo Torres, a imunidade tem fundamento nas liberdades humanas. São
suas as palavras:
“As imunidades consistem na intributabilidade absoluta ditada pelas liberdades
preexistentes. A imunidade fiscal exige o status negativus libertatis, tornando intocáveis
pelo tributo ou pelo imposto certas pessoas e coisas; é um dos aspectos dos direitos da
liberdade, ou uma sua qualidade, ou a sua exteriorização, ou o seu âmbito de validade.”92
A imunidade, quer seja considerada título vinculado aos direitos humanos, quer seja
considerada como instrumento de salvaguarda dos princípios fundamentais, onde se inserem os
primeiros, é protegida por cláusula pétrea.
As imunidades genéricas servem para proteger os direitos fundamentais do contribuinte
gerando direito subjetivo público a favor do beneficiado. A imunidade recíproca surge como
instrumento de salvaguarda dos princípios federativos.
Ambas as imunidades, portanto, não podem ser revogadas por Emenda Constitucional,
porque protegidas por cláusula pétrea (art. 60, § 4o, I e IV, da CF).
Por isso, a Corte Suprema declarou a inconstitucionalidade do § 2o, do art. 2o, da EC no 3/93
por afronta ao art. 150, VI da CF (ADIn no 939-7- Rel. Min. Sydney Sanches, RTJ 151/755).
Não há dúvida de que o STF, nessa ADIn, prestigiou tanto a salvaguarda dos princípios
federativos ao não permitir a supressão da imunidade recíproca, como também colocou em
evidência seu posicionamento a favor da vinculação das imunidades aos direitos fundamentais do
cidadão-contribuinte ao não permitir a revogação da imunidade genérica.
Entretanto, no que se refere à revogação da imunidade do idoso a Corte Suprema adotou
outro posicionamento.
O inciso II do § 2o do art. 153 da CF, revogado pelo art. 17 da EC no20/98, tinha a seguinte
redação:
“Não incidirá, nos termos e limites fixados em lei, sobre rendimentos proventos de
aposentadoria e pensão, pagos pela previdência social da União, dos Estados, do
Distrito Federal e dos Municípios a pessoa com idade superior a sessenta e cinco anos,
cuja renda total seja, exclusivamente, de rendimento do trabalho.”
Parece claro que sua imunidade específica gerou direito público subjetivo a favor dos idosos
nas condições descritas na norma imunizante. Do contrário, seria o mesmo que excluir os idosos
do rol de direitos fundamentais dos cidadãos-contribuintes.
E como norma veiculadora de direitos e garantias fundamentais ela tem aplicação imediata,
independentemente de regulamentação, por força do disposto no § 1o do art. 5o da CF.
Dir-se-á que o próprio texto faz referência a “termos e limites fixados em lei”.
A ausência de norma infraconstitucional traçando os termos e limites dos proventos e das
pensões alcançados pela imunidade não pode impedir a fruição do benefício por se tratar de
direitos absolutos dos aposentados e pensionistas. Na ausência de norma reguladora deve ser
considerada como plena a eficácia imediata do comando constitucional. Aliás, a regulamentação
jamais poderia inovar ou completar a norma imunizante delineada no texto constitucional, mas
simplesmente traçar normas de natureza procedimental para a fruição do benefício. Ademais,
ressalte-se que existe o limite fixado pela Lei no 7.713/88 sob a égide da isenção. Até que novo
limite seja fixado legalmente, na pior das hipóteses, deve-se observar o limite aí previsto.
Entretanto, o STF contrastando com a decisão proferida na Adin no 939 entendeu
constitucional a revogação levada a efeito pela EC no 20/98, conforme se verifica na ementa
abaixo:
“IMUNIDADE. ART. 153, II, DA CF/88. REVOGAÇÃO PELA EC No20/98.
POSSIBILIDADE.
1. Mostra-se impertinente a alegação de que a norma do art. 153, § 2o, II, da
Constituição Federal não poderia ter sido revogada pela EC no20/98 por se tratar de
cláusula pétrea.
2. Esta norma não consagrava direito ou garantia fundamental, apenas previa a
imunidade do imposto sobre a renda a um determinado grupo social. Sua supressão do
texto constitucional, portanto, não representou a cassação ou o tolhimento de um direito
fundamental e, tampouco, um rompimento da ordem constitucional vigente.
3. Recurso extraordinário conhecido e improvido” (RE no 372.600-SP, Rel. Min.
Ellen Gracie, DJ de 23-4-2004).
O voto do Ministro Gilmar Mendes acrescentou que a revogação em tela não afeta
a “Identidade da Constituição”.
Fica difícil de entender a distinção feita pelo STF entre a hipótese da imunidade do art. 150,
VI e a do art. 153, § 2o, II da CF (revogado pela EC no20/98), pois em ambos os casos a imunidade
tem como fundamento os direitos e garantias individuais do cidadão-contribuinte. Aliás, esse
direito ou garantia individual fica bem mais realçado em relação à revogada imunidade do § 2o,
II, do art. 153 da CF, porque ela tinha fundamento no mínimo existencial.
Se fundada a imunidade do direito subjetivo público do cidadão-contribuinte como realçada
na ADIn no 939, impõe-se a conclusão de que a imunidade do idoso continua de pé, não tendo a
ementa o poder de revogá-la.
O que se pode sustentar com razoável juridicidade é que enquanto a lei regulamentadora da
imunidade não fixar os termos e os limites dos proventos e das pensões, a imunidade prevista
naquela norma constitucional não pode ser usufruída, conforme entendimento firmado pela Corte
Suprema. A tese da autoaplicabilidade imediata implicaria ignorar a própria dicção
constitucional “não incidirá, nos termos e limites fixados em lei”. Mas isso é matéria que nada
tem a ver com a revogação da imunidade.
3.1.3.3Suspensão da imunidade
A perda do direito de usufruir da imunidade, por ação do fisco, não se confunde com a
revogação da imunidade objeto de exame retro.
A impropriamente denominada revogação da imunidade pelo fisco outra coisa não é senão
anulação da decisão administrativa proferida pela autoridade competente reconhecendo a
imunidade em determinado caso concreto. Não se cuida, também, de revogação da decisão
administrativa, que se opera apenas no âmbito da oportunidade e da conveniência. E o despacho
ou decisão concessiva de imunidade tributária tem natureza vinculante. Se a decisão reconheceu
a imunidade, sem que estivessem presentes todos os requisitos constitucionais e legais, vindo à
tona, posteriormente, essa circunstância, impõe-se a invalidação daquela decisão administrativa
equivocada, operando efeitos ex tunc dada a sua natureza meramente declaratória.
Outras vezes, o contribuinte preencheu todos os requisitos para a fruição da imunidade e por
isso obteve decisão favorável reconhecendo sua imunidade. É o caso, por exemplo, de uma
instituição educacional, sem fins lucrativos, que atende a todos os requisitos da lei (art. 150, VI, c,
da CF) no momento da formulação do pedido de reconhecimento da imunidade. Porém, após
obtenção da decisão administrativa favorável, aquela instituição passa, por exemplo, a remunerar
seus membros, ou a não aplicar no país e na consecução de seus objetivos estatutários a totalidade
da receita auferida. Nessa hipótese, a autoridade administrativa competente, sem invalidar a
decisão que reconheceu a imunidade, promove a suspensão do gozo da imunidade até que a
entidade beneficiada retorne à situação reinante à época do reconhecimento da imunidade.
Esse ato de suspensão, tanto quanto o ato de anulação da decisão que reconhece a imunidade,
deve ser publicado. Deve a decisão revestir a forma de um ato declaratório. Há notícias de que a
Receita Federal do Brasil publicou em dezembro de 2007 atos declaratórios suspendendo a
imunidade tributária de sete partidos políticos nos períodos em que foram constatadas práticas de
irregularidades como utilização de caixa 2, emprego de notas frias etc.
O ato de suspensão da imunidade opera efeitos ex tunc. Implica o dever de o beneficiado
recolher os tributos acrescidos de juros e multa, sem prejuízo de correção monetária naquele
período abrangido pela suspensão.
1 Uma introdução à ciência das finanças, 6. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1969, p. 399-403.
2 Do imposto sobre produtos industrializados. São Paulo: Saraiva, 1981, p. 7-8.
3 Princípio da legalidade tributária na Constituição de 1988. São Paulo: Atlas, 2004, p. 96.
4 MS no 37.658 – Rel. Lúcia Figueiredo, in Boletim AASP no 1.694, p. 147. O STF, entretanto, vem reconhecendo
a validade das majorações de alíquotas de contribuição social por Medidas Provisórias, conforme se depreende
do RE 184.184/RS, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, DJ 17-10-1997, p. 52535 e ADI MC no 1610/DF, Rel. Min.
Sydney Sanches, DJ 21-11-1997, p. 60585). No RE no 239286/PR, o Min. Relator Celso de Mello externou
opinião contrária ao uso de medida provisória para criar ou majorar tributos; DJ de 18-11-1999, Ata no 174.
5 Os princípios da legalidade e da tipicidade da tributação. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1978, p. 11.
6 Revogabilidade das isenções tributárias, RDA, 58:1.
7 José Souto Maior Borges, Isenções tributárias. São Paulo: Sugestões Literárias, 1969, p. 42; Ruy Barbosa
Nogueira, Curso de direito tributário, 9. ed. São Paulo: Saraiva, 1989, p. 171; Aliomar Baleeiro, Direito
tributário brasileiro. Rio de Janeiro: Forense, 1970, p. 522; Bernardo Ribeiro de Moraes, Dou- trina e prática
do Imposto sobre serviços. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1975, p. 569; Themístocles Brandão
Cavalcanti, Tratado de direito administrativo, v. 6, p. 498; Hely Lopes Meirelles, Imunidade e isenções de
tributos municipais. Revista Brasileira dos Municípios, 49:78.
8 RTJ 78/890, 96/880-908.
9 Repetição de indébito no direito tributário, in Direito tributário: estudos em homenagem ao professor Ruy
Barbosa Nogueira. São Paulo: Saraiva, 1984, p. 78.
10 Repetição de indébito. Caderno de pesquisas tributárias, v. 8. São Paulo: Resenha Tributária, p. 160-161.
11 ERE 47.624-GB, Tribunal Pleno, RTJ 44/530.
12 Tecnicamente, há uma diferença fundamental entre o princípio da anualidade e o da anterioridade da lei
tributária. O princípio da anualidade era consagrado no art. 141, § 34, da Constituição de 1946, que exigia, para
cobrança do tributo, além da lei que o criava, uma segunda lei orçamentária. Tal restrição resultava em que, além
da lei criadora do tributo, a receita precisava ser prevista na lei orçamentária, sob pena de vedação à cobrança.
Entretanto, após a Emenda Constitucional no 1, de 17-10-1969, essa segunda lei deixou de ter relevância, daí a
denominação atual de princípio da anterioridade da lei (Yoshiaki Ichihara, Direito tributário: uma introdução, 2.
ed. São Paulo: Atlas, 1986, p. 37). Ainda, Fábio Leopoldo de Oliveira, citado por Yoshiaki Ichihara, afirma que
o “princípio deixou de ser da ANUALlDADE para ser princípio da anterioridade da Lei Tributária” (Direito
tributário ..., cit., p. 38).
13 Curso de direito constitucional positivo, 5. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1989, p. 595-596.
14 O referido adicional foi extinto pela EC no 3, de 17-3-1993, cessando sua arrecadação a partir de 1o de janeiro
de 1996. A referência a esse adicional é feita para melhor entender o princípio da irretroatividade tributária.
15 Curso..., cit., p. 596.
16 “Art. 48. Cabe ao Congresso Nacional, com a sanção do Presidente da República, [...] dispor sobre todas as
matérias de competência da União, especialmente sobre:
[...]
II – plano plurianual, diretrizes orçamentárias, orçamento anual [...].”
“Art. 165. Leis de iniciativa do Poder Executivo estabelecerão:
[...]
III – os orçamentos anuais.
[...]
§ 5o A lei orçamentária anual compreenderá:”
“Art. 166. Os projetos de lei relativos ao plano plurianual [...] ao orçamento anual e aos créditos adicionais
serão [...].”
17 O art. 34 da Lei 4.320/64, equivocadamente, refere-se ao ano civil. De acordo com o art. 1o da Lei no 810, de 6-
9-1949, “considera-se ano o período de doze meses contado do dia do início ao dia e mês correspondentes do
ano seguinte”. Ano civil, portanto, é o decurso do período de 365 dias subsequentes.
18 Curso..., cit., p. 613.
19 Curso..., cit., p. 618.
20 O art. 178 do Código Tributário Nacional proíbe a revogação da isenção concedida por tempo certo que, como
já vimos, é uma isenção de natureza contratual, à medida que o beneficiário deve arcar com uma série de encargos
e condições. Daí a sua irrevogabilidade.
21 O Supremo Tribunal Federal, por meio da Súmula 615, abriu uma exceção a esse princípio, ao estabelecer
que “o princípio constitucional da anualidade (§ 29 do art. 153 da CF) não se aplica à revogação de isenção
do ICM”. É compreensível a exceção estabelecida, de vez que a isenção, bem como a revogação do ICMS, não
depende apenas da vontade de um único Estado tributante.
22 Op. cit., p. 50.
23 Limitações constitucionais ao poder de tributar, 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1960, p. 224-225.
24 Problemas jurídicos e econômicos da tributação. Salvador: Livraria Progresso, 1958, p. 21-22.
25 Pontes de Miranda, Comentários à Constituição de 1967, v. 4. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1974, p. 702;
Antônio Roberto Sampaio Dória, Princípios constitucionais tributários e a cláusula “due process of law”. Rio
de Janeiro: Forense, 1986, p. 408; José Souto Maior Borges, Isenções..., cit., p. 55; Ruy Barbosa Nogueira, Curso
de direito tributário, 9. ed. São Paulo: Saraiva, 1989, p. 120; Alfredo Augusto Becker, Teoria geral do direito
tributário. São Paulo: Saraiva, 1972, p. 117.
26 Poderes impositivos federal y provincial sobre los instrumentos de gobierno. Buenos Aires: G. Kraft, 1943, p.
74.
27 Novo dicionário jurídico brasileiro, v. 2, 8. ed. São Paulo: Ícone, 1989, p. 327.
28 Gilberto de Ulhoa Canto, Capacidade contributiva. Caderno de pesquisas tributárias, v. 14. São Paulo: Resenha
Tributária, 1989, p. 28.
29 Hugo de Brito Machado, Capacidade contributiva. Caderno de pesquisas tributárias, v. 14. São Paulo: Resenha
Tributária, 1989, p. 133.
30 Tratado de la ciência del derecho constitucional argentino y comparado, t. 4. Buenos Aires: Plus Ultra, 1987,
p. 2824.
31 Limitações..., cit., p. 237.
32 Limitações..., cit., p. 240.
33 Direito constitucional... cit., p. 183.
34 Capacidade contributiva. Caderno de pesquisas tributárias, v. 14. São Paulo: Resenha Tributária, 1989, p. 161.
32. 5.
35 Capacidade contributiva.Caderno de ..., cit., p. 26.
36 Capacidade contributiva. Caderno de ..., cit., p. 210.
37 Curso de direito tributário ..., cit., p. 130.
38 Capacidade contributiva. Caderno de ..., cit., p. 42.
39 Sistema tributário na Constituição de 1988. São Paulo: Saraiva, 1989, p. 140-141.
40 Capacidade contributiva. Caderno de ..., cit., p. 209.
41 Cf. nosso Dicionário de direito público, 2. ed. São Paulo: MP, 2005, p. 301.
42 Capacidade contributiva. Caderno de ..., cit., p. 54.
43 Curso de direito constitucional. São Paulo: Saraiva, 1967, p. 70.
44 Limitações..., cit., p. 207.
45 Ob. cit., p. 7-8.
46 Obrigações acessórias são as prestações positivas ou negativas, previstas na legislação tributária no interesse
da arrecadação e fiscalização de tributos, podendo ser instituídas em relação a terceiras pessoas, direta ou
indiretamente relacionadas com o sujeito passivo.
47 ACO n.o 959-RN, ACO n.o 811/AgR-DF; ACO n.o 765-RJ.
48 Parecer da Consultoria Jurídica da Secretaria de Estado da Educação, no sentido de que o Município de São
Paulo não pode impor multas contra unidades escolares do Estado, por descumprimento da legislação local, que
determina a execução de muros e passeios, porque os Poderes Públicos não podem castigar-se entre si, em razão
da imunidade recíproca.
49 Limitações..., cit., p. 183.
50 Comentários à Constituição..., cit., p. 409.
51 Limitações..., cit., p. 182.
52 Seguintes julgados do E. 1o TACIVIL confirmam esse entendimento: Ap. Cível no458.456-7, 4a Câmara, Rel.
Juiz Walter de Almeida Guilherme; Ap. Cível no 460.178-9, 7a Câmara, Rel. Juiz Norival Oliva. Entretanto, a
tendência do STF é pela interpretação elástica da imunidade.
53 RE no 257.700-MG, Rel. Min. Ilmar Galvão, DJ 29-9-2000, p. 863. Ver também RE 97.708, RE 116.188,
AGRAG 155.822 e AGRAG 177.283.
54 RREE nos 186.175-SP e 193.969-SP, Rel. Min. Carlos Velloso, Informativo STF no 45, p. 5.
55 Enquanto não editada a nova lei complementar, prevista no art. 146 da Constituição Federal, continuam válidos
os requisitos enumerados no art. 14 do Código Tributário Nacional, promulgado na vigência da ordem
constitucional anterior, cujo campo de imunidade era menor.
56 Imunidade a impostos – parecer dado à Associação Brasileira das Entidades Fechadas de Previdência Social.
São Paulo: Fisco e Contribuinte no 26, 1990, p. 750.
57 Imunidades tributárias. São Paulo: Atlas, 2000, p. 260-261.
58 “Art. 14. O disposto na alínea c do inciso IV do artigo 9o é subordinado à observância dos seguintes requisitos
pelas entidades nele referidas:
I – não distribuírem qualquer parcela de seu patrimônio ou de suas rendas, a qualquer título;
II – aplicarem integralmente, no País, os seus recursos na manutenção dos seus objetivos institucionais;
III – manterem escrituração de suas receitas e despesas em livros revestidos de formalidades capazes de
assegurar sua exatidão.”
59 Imunidades a impostos. São Paulo: Resenha Tributária, 1990, p. 136.
60 Reconhecimento da entidade como sendo de utilidade pública federal e estadual ou distrital ou municipal; ser
a entidade portadora do Certificado de Registro de Entidade de Fins Filantrópicos, fornecido pelo Conselho
Nacional de Assistência Social; promover gratuitamente e em caráter exclusivo, a assistência social a pessoas
carentes. Artigo revogado pela Lei nº 12.101, de 27-11-2009.
61 Nessa Adin sustentou-se que as imunidades do art. 150, VI, da CF estão protegidas por cláusula pétrea. Não se
referiu à do § 7o do art. 195 da CF porque essa imunidade não foi ventilada na inicial, fato que não pode autorizar
o entendimento de que ela poder ser revogada, a qualquer tempo, por Emenda como entendem alguns estudiosos.
62 O parágrafo único, do art. 2o, da Lei no 9.393, de 19-12-1996, define o que são pequenas glebas rurais
considerando a quantidade de hectares e a sua localização.
63 Ver Lei Complementar no 87/96.
64 Ver art. 2o, I, da LC no 116/03.
65 Limitações..., cit., p. 193.
66 RE 104.563.9. 1a Turma. Rel. Min. Octávio Gallotti. Recorrente: Editora Lista Telefônica Nacional SI A –
Recorrida: Prefeitura Municipal de São Paulo – Estudos de direito público, v. 9, p. 106.
67 RE 87.049, RTJ 87/611; RE 86.026, RTJ 84/270; RE 71.307, RTJ 61/455; RE 101.441-Pleno, RTJ 126/216;
RE 134.071, JSTJ 171/58.
68 Limitações constitucionais ao poder de tributar, 7. ed. atualizada por Misabel Abreu Machado Derzi. Rio de
Janeiro: Forense, 2003, p. 354.
69 Curso de direito tributário, 24. ed. São Paulo: Malheiros, 2004, p. 273-274.
70 TRF-5a Região, Ap. Cív. no 130.578-SE, Rel. Juiz Geraldo Apoliano, 3a T., DJ de 21-8-98, p. 000683.
71 Em consequência dessa uniformidade, as discriminações dos tributos limitar-se-ão a critérios pessoais, reais ou
de valor, mas nunca de lugar. Dentro da mesma categoria ninguém pagará o imposto federal em uma região em
base maior do que em outra. O habitante de qualquer Município tem direito a igualdade de tratamento tributário
federal que não distinga do resto do país (Limitações..., cit., p. 205).
72 Nenhuma redução ou isenção fiscal, geograficamente restrita, pode ser votada pelo Congresso, a título de
estímulo da produção em zonas atrasadas, ou sob qualquer outro pretexto (Aliomar Baleeiro,
73 O Supremo Tribunal Federal sempre julgou inconstitucional o estabelecimento de pauta fiscal por implicar a
majoração da base de cálculo do ICM com ofensa ao princípio da reserva legal (RTF, 72:907, 74:840, 88:1053,
5:923, 96:884); as Portarias nos 439/80 e 70/81, da Secretaria de Fazenda da Bahia, que instituíram pauta fiscal
para saídas interestaduais de cacau em baga foram declaradas inconstitucionais (Representação no1097-BA, RTF,
101:503).
74 Em decorrência do princípio da não cumulatividade do ICM, o Supremo Tribunal Federal decidiu que o Estado
consumidor deve respeitar o crédito fiscal gerado no Estado produtor (RTF, 99:1208).
75 Após anos e anos de debates (RTJ 60/820, 68/431, 69/839, 70/885, 75/37, 77/617), a Suprema Corte editou a
Súmula no 569 com o seguinte enunciado:
“É inconstitucional a discriminação de alíquotas do imposto de circulação de mercadorias nas operações
interestaduais, em razão de o destinatário ser, ou não, contribuinte.”
76 ADIn no 939-DF, Rel. Min. Sydney Sanches, Trib. Pleno, DJ de 18-3-94, p. 5.165.
77 Decreto-lei no 2.281, de 5-6-1940:
“Art. 1o A partir de 1o de janeiro de 1940, todas as empresas que produzam ou apenas transmitam ou
distribuam energia elétrica ficam isentas de quaisquer impostos federais, estaduais ou municipais, salvo os
de consumo, de renda e de vendas e consignações, incidindo este somente sobre o material elétrico vendido
ou consignado, e os territorial e predial sobre terras ou prédios não utilizados exclusivamente para fins de
administração, produção. transmissão, transformação ou distribuição de energia elétrica e serviços
correlatos.”
78 A Constituição de 1937, sob cuja égide foi promulgado o Decreto-lei no 2.281/40, havia retirado os serviços
públicos concedidos do campo da imunidade (art. 17, V, da CF de 1934), submetendo-os ao princípio da
generalidade da tributação, ressalvados aqueles isentados, por lei especial, no interesse comum, conforme
parágrafo único do art. 32:
“Os serviços públicos concedidos não gozam de isenção tributária, salvo a que lhes for outorgada, no
interesse comum, por lei especial.”
79 Lei de Introdução ao Código Civil brasileiro. Rio de Janeiro: Borsoi, 1955, p. 86.
80 J. em 2-12-97, DJU de 6-2-98, p. 38.
81 ADIn no 1.600-8-DF, Rel. Min. Sydney Sanches; Rel. para acórdão Min. Nelson Jobim; Trib. Pleno, decisão
por maioria de votos, vencidos os Ministros Sydney Sanches, Carlos Velloso e Marco Aurélio; DJ de 20-6-2003,
Ata no 19/2003.
82 Direito constitucional esquematizado. 14. ed. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 793-794.
83 ADIn no 939-7/058, Rel. Min. Sydney Sanches, DJ de 18-3-1994.
84 RE no 796376, Rel. Min. Marco Aurélio, DJe de 20-3-2015.
85 Imunidades tributárias na Constituição Federal. Curitiba: Juruá, 2003.
86 Imunidades tributárias. São Paulo: Atlas, 2000, p. 357.
87 Curso de direito tributário brasileiro. Rio de Janeiro: Forense, 1999, p. 361.
88 Curso de direito constitucional tributário, 12. ed. São Paulo: Malheiros, 1999, p. 510.
89 Curso de direito administrativo. São Paulo: Malheiros, 1994, p. 415.
90 Esse artigo foi revogado pela Lei no 12.101, de 27-11-2009, que remeteu ao Regulamento a fixação de
periodicidade observado o mínimo de um ano e o máximo de cinco anos.
91 STF, RE no 86.420-RS, Rel. Min. Xavier de Albuquerque, DJU de 2-6-1978; STJ, ROMS no 9612-SP, Rel. Min.
Cesar Asfor Rocha, DJU de 9-11-1998.
92 Curso de direito financeiro e tributário, 2. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 1995, p. 55.
4 NOÇÕES SOBRE OBRIGAÇÃO TRIBUTÁRIA
4.1DEFINIÇÃO E ESPÉCIES
Obrigação tributária não difere da obrigação do direito comum senão pela sua origem
exclusivamente de natureza legal, ao passo que a obrigação de direito civil pode resultar, também,
de acordo de vontades. Nada mais é do que o vínculo jurídico pelo qual uma pessoa (credora)
pode exigir de outra (devedora) uma prestação consistente em entregar alguma coisa (dar), ou em
praticar certo ato (fazer), ou, ainda, em abster-se de certo ato ou fato (não fazer), sob pena de
sanção.
Dessa definição resultam três elementos conceituais: (a) o vínculo jurídico, em que se esboça
uma relação de soberania do Estado, à medida que é regulado por lei munida de sanção; (b) as
partes dessa relação jurídica, representadas pelo sujeito ativo e pelo sujeito passivo, ou seja, pelo
credor e pelo devedor; (c) a prestação que é o objeto da obrigação, ou seja, o conteúdo da
obrigação consistente em dar, fazer ou não fazer.
A obrigação tributária como espécie de obrigação jurídica repousa em um tripé: causa,
sujeitos e objeto. Causa da obrigação, como já vimos, é sempre a lei. Daí a irrelevância jurídica
do ato de confissão de débito de tributo legalmente inexistente.
Englobando a obrigação principal e a obrigação acessória podemos definir a obrigação
tributária como uma relação jurídica que decorre da lei descritiva do fato pela qual o sujeito ativo
(União, Estados, DF ou Municípios) impõe ao sujeito passivo (contribuinte ou responsável
tributário) uma prestação consistente em pagamento de tributo ou penalidade pecuniária (art. 113,
§ 1o, do CTN), ou prática ou abstenção de ato no interesse da arrecadação ou da fiscalização
tributária (art. 113, § 2o, do CTN).
4.2ELEMENTOS DA OBRIGAÇÃO TRIBUTÁRIA
Os elementos constitutivos da obrigação tributária decorrem da definição acima, quais sejam,
a lei, o fato, os sujeitos e a prestação ou objeto. A prestação desdobra-se em prestação de dar
(obrigação principal) e em prestação de fazer ou não fazer alguma coisa (obrigação acessória).
4.2.1Lei e fatos
A lei elege determinados fatos econômicos, aptos a suportar a imposição tributária
descrevendo-os abstratamente, de sorte que uma vez ocorridos esses fatos no mundo fenomênico,
geram ipso fato a obrigação tributária. A lei não pode juridicizar qualquer fato, mas apenas aquele
que contém substrato econômico sob pena de acarretar efeito confiscatório ao tributo, o que é
vedado pela Constituição.
4.2.2Fato gerador da obrigação tributária
Costumo dizer que quem domina a teoria geral do fato gerador da obrigação tributária
conhece 80% do direito tributário. O conhecimento restante poderá ser completado por conta
própria.
O grande mal é que o fato gerador não é estudado nas Faculdades de Direito em todos os
seus aspectos. Normalmente, ensina-se apenas o seu aspecto nuclear como norma jurídica que
define em abstrato uma situação que, uma vez ocorrida concretamente no mundo fenomênico,
enseja, ipso facto, o surgimento da obrigação tributária.
Dessa forma, o aluno aprende, desde logo, a decorar o seguinte discurso: fato gerador é a
situação genérica e abstrata descrita em lei que, uma vez concretizada, faz surgir a obrigação
tributária. Não faz ideia de que já aprendeu as noções de obrigações em suas variadas modalidades
na disciplina de direito civil.
Essa noção é transmitida ao longo do tempo como se fosse uma categoria jurídica exclusiva
do direito tributário. Decorar definições sem compreendê-las acaba limitando o horizonte de quem
estuda. É preciso acostumar o aluno a estudar, desde logo, essa matéria em conexão com o direito
civil, cuja imprescindibilidade ao tributarista salta aos olhos pela só leitura do art. 110 do CTN.
Se a ocorrência do fato gerador faz surgir a obrigação tributária, essa obrigação não deve
diferir da obrigação do direito comum, senão pelo seu objeto e sua fonte.
De fato, objeto da obrigação tributária principal é o pagamento do tributo ou da penalidade
pecuniária, ao passo que, no direito comum, a obrigação pode ter por objeto bens móveis ou
imóveis, direitos, semoventes etc. e até mesmo o pagamento de tributos por força do contrato de
locação em que o inquilino assume a obrigação de pagar os tributos incidentes sobre o prédio
locado de responsabilidade legal do proprietário-locador. Quanto à fonte, no direito tributário, a
obrigação só deriva da lei (princípio da legalidade tributária), enquanto no direito civil a obrigação
pode resultar tanto da lei como da convenção das partes, sendo certo que a maioria delas resulta
do acordo de vontades, em que vige o princípio da licitude ampla. Por isso, não pode o fisco
aparelhar a execução fiscal contra o inquilino que assumiu contratualmente o encargo tributário
como uma de suas obrigações.
Em tudo o mais, a obrigação tributária nada difere da obrigação de direito comum. A
obrigação, como um vínculo jurídico que se estabelece entre o credor e o devedor, pressupõe a
existência de um sujeito ativo (Fazenda) e de um sujeito passivo (contribuinte ou responsável
tributário). Tem um objeto que no caso é o pagamento do tributo ou penalidade pecuniária, além
das obrigações acessórias. Essa obrigação deve ser mensurável: é o aspecto quantitativo da
obrigação tributária (base de cálculo e alíquota). Ela surge em determinado momento: é o aspecto
temporal do fato gerador que define a legislação aplicável em cada caso concreto. E essa
obrigação surge em determinado lugar: é o aspecto espacial do fato gerador que define o sujeito
ativo do tributo, salvo determinação em contrário da norma legal competente, excepcionadora do
princípio da territorialidade das leis.
Tendo o domínio da teoria geral do fato gerador em seus diversos aspectos, podem-se
facilmente divisar os posicionamentos doutrinários e jurisprudenciais equivocados.
Citemos alguns exemplos.
A exigência do IPI na operação de simples revenda do produto industrializado importado do
exterior, cujo fato gerador ocorreu por ocasião do desembaraço aduaneiro (art. 46, I, do CTN).
Ora, novo fato gerador do IPI só pode ocorrer se houver nova industrialização, do contrário esse
imposto confundir-se-ia com o ICMS que incide a cada etapa de circulação jurídica.
Por desconhecer o fato gerador do IPI, o governo pretende, como parte do ajuste fiscal,
tributar com o IPI o setor de cosméticos, incluindo como contribuinte o simples distribuidor que
não pratica qualquer ato de industrialização.1 Se isso acontecer, os tribunais consumirão alguns
lustros para pacificar a tese, n’um ou n’outro sentido.
Ainda com relação ao IPI, formou-se uma forte corrente doutrinária e jurisprudencial em
torno da não incidência do imposto na importação de produto industrializado pela pessoa física
na condição de consumidora final, sob o fundamento de que, se exigido for o IPI no caso, restará
prejudicado o exercício do direito à não cumulatividade desse imposto constitucionalmente
previsto.
Ora, a não cumulatividade, seja como princípio, seja como mera técnica de tributação, como
quer o STF, não tem a menor pertinência com o fato gerador do IPI que, nos termos do art. 46 do
CTN, ocorre alternativamente: (a) no desembaraço aduaneiro, quando o produto for de
procedência estrangeira;2 (b) na saída do estabelecimento industrial ou a ele equiparado; (c) na
arrematação em leilão, quando se tratar de produto apreendido.
A natureza cumulativa ou não cumulativa do imposto, assim como a habitualidade ou não do
contribuinte, não integram a definição do fato gerador do IPI. E, se o fato gerador ocorreu
concretamente, a obrigação tributária surgiu ipso facto. Somente a existência de uma norma legal
que exclua o crédito tributário, como a isenção ou anistia (art. 175 do CTN), teria o condão de
dispensar o pagamento do imposto pela importação de produto estrangeiro pela pessoa física ou
jurídica, contribuinte habitual ou não do imposto.
Na área do IPTU e do ITBI a confusão reina em relação ao aspecto quantitativo do fato
gerador da obrigação tributária. Vários Municípios frequentemente aumentam os valores unitários
expressos nas PGVs por meio de Decreto bem acima da inflação verificada no período
“corrigido.” A apuração da base de cálculo do ITBI, em São Paulo, como todos sabem, não
obedece a PGV aprovada por lei. Servidores burocratas agrupados em torno da Comissão de
Valores Imobiliários3 procedem periodicamente pesquisas de mercado4 e vão inserindo no
computador da Secretaria de Finanças valores que constituem o Valor Venal de Referência, uma
terminologia inventada por jejunos em direito para driblar o conceito de Valor Venal referido no
CTN.
Ora, a base de cálculo é um dos elementos do fato gerador da obrigação tributária e como tal
está inteiramente submetido ao princípio da reserva legal (art. 146, III, a, da CF e art. 97, IV, do
CTN). Valor encontrado na base do “achismo” ou de impressões do mercado imobiliário, refletido
na mente de burocratas da Secretaria das Finanças em determinado momento que eles próprios
estabelecem, não pode fazer as vezes de Valor Venal mencionado no Código Tributário Nacional.
No entanto, a jurisprudência não dá a mínima para a vinculação do aspecto quantitativo do fato
gerador ao princípio da legalidade.
Na área do ISS, também, as discussões jurisprudenciais em torno do local do surgimento da
obrigação tributária e consequente eleição do Município competente para tributar são
praticamente intermináveis. Quando se pacifica o entendimento em relação a um determinado
serviço, logo começa a discussão em torno de outro serviço constante da lista de serviços.
Atualmente, o debate está centrado no local da ocorrência do fato gerador do leasing. Antes, era
no local da prestação, depois no local do estabelecimento prestador,5 agora, no local onde de
perfectibiliza o financiamento bancário, apegando-se ao aspecto nuclear do fato gerador
distanciando-se de seu aspecto espacial. O correto entendimento do aspecto espacial do fato
gerador, vinculado ao princípio da territorialidade das leis, com as flexibilizações previstas no art.
102 do CTN, seria o suficiente para livrar os tribunais de tantas discussões sem fim.
É preciso repensar o estudo do fato gerador da obrigação tributária que deve ser
compreendido em todos os seus aspectos, com auxílio das noções de direito civil naquilo que for
pertinente. A discussão em torno da terminologia positivada, apesar de frequente e considerável,
não tem a menor relevância jurídica.
Fato gerador outra coisa não é senão aquela situação abstrata descrita na lei, a qual, uma vez
ocorrida em concreto, enseja o nascimento da obrigação tributária. Logo, essa expressão fato
gerador pode ser entendida em dois planos: no plano abstrato da norma descritiva do ato ou do
fato e no plano da concretização daquele ato ou fato descritos.
Alguns criticam essa expressão fato gerador, empregada pelo CTN, porque poderia gerar
confusão na mente dos juristas. É claro que não é a norma jurídica definidora do fato gerador que
gera o tributo, assim como não é a norma penal que gera o crime, mas a prática da conduta
tipificada. Para prevenir confusões que recentemente começam a surgir, alguns autores de renome
preferem a expressão hipótese de incidência ou hipótese tributáriapara designar a descrição
legislativa de um fato, e a expressão fato imponívelou fato jurídico-tributário ou ainda hipótese
de incidência realizada para designar aquele fato concreto, localizado no tempo e no espaço. Na
verdade, a confusão aventada não se justifica. Como assinala Celso Ribeiro Bastos, o “Direito
apresenta sempre dois ângulos ou facetas: o puramente abstrato ou normativo e o concretizado
ou realizado”.6
O art. 113 do CTN classifica a obrigação tributária em principal e acessória, prescrevendo
que a primeira surge com a ocorrência do fato gerador e tem por objeto o pagamento de tributo
ou penalidade pecuniária (§ 1o), ao passo que a segunda decorre da legislação tributária7 e tem por
objeto as prestações, positivas ou negativas, nela previstas no interesse da arrecadação ou da
fiscalização dos tributos (§ 2o). Acrescenta o seu § 3o que a obrigação acessória pelo simples fato
de sua inobservância converte-se em obrigação principal relativamente à penalidade pecuniária.
O fato gerador, além de conter o aspecto nuclear ou objetivo, apresenta os aspectos subjetivo,
quantitativo, espacial e temporal.
4.2.2.1Aspecto objetivo do fato gerador
O aspecto objetivo ou o núcleo do fato gerador é sempre a descrição abstrata de ato ou fato,
que uma vez concretizada faz nascer a obrigação tributária. Mas isso não é suficiente. Como
obrigação tributária pressupõe uma relação jurídica, é necessária a presença de demais elementos
desse fato gerador para que nasça concretamente essa obrigação. São os elementos ou aspectos
subjetivo, quantitativo, espacial e temporal.
4.2.2.2Aspecto subjetivo do fato gerador
Como toda relação jurídica, a relação tributária pressupõe a existência de dois sujeitos: o
sujeito ativo e o sujeito passivo.
O sujeito ativo da obrigação tributária, prescreve o art. 119 do CTN, é a pessoa jurídica de
direito público titular da competência para exigir seu cumprimento. Em nosso sistema
constitucional, somente a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios são titulares de
competência impositiva (arts. 153, 155 e 156 da CF). A outorga de competência tributária envolve
o poder de instituir o tributo, por lei, fiscalizar e arrecadar. A fiscalização e a arrecadação
comportam delegação, pois a capacidade tributária ativa, ao contrário da competência tributária,
pode ser delegada (art. 7o do CTN). Os beneficiários da arrecadação tributária, como, por exemplo,
o INSS em relação à Cofins, não são titulares da competência impositiva, pelo que não podem ser
considerados sujeitos ativos da obrigação tributária. O art. 120 do CTN prevê uma situação de
regência transitória, estabelecendo que a pessoa jurídica de direito público, que se constituir pelo
desmembramento territorial de outra, sub--roga-se nos direitos desta cuja legislação tributária
aplicará até que entre em vigor sua própria. Com isso, remove-se o entrave representado pela
necessidade imediata de recursos financeiros por parte da entidade política recém-nascida.
O sujeito passivo da obrigação tributária é a pessoa obrigada ao cumprimento da prestação.
Relativamente à obrigação principal, é a pessoa obrigada ao pagamento de tributo ou penalidade
pecuniária (art. 121 do CTN). Em relação à obrigação acessória, é a pessoa compelida às
prestações que constituam seu objeto, isto é, prestações positivas ou negativas, pertinentes ao
interesse da fiscalização ou da arrecadação de tributos (art. 122 do CTN). Nos termos do parágrafo
único do art. 121 do CTN, o sujeito passivo pode revestir duas formas: (a) contribuinte,8 quando
tenha relação direta e pessoal com a situação que constitua o respectivo fato gerador (inciso I);
(b) responsável, quando, não sendo contribuinte, sua obrigação decorra de expressa disposição
legal (inciso II). Contribuinte é o sujeito passivo natural, isto é, a pessoa que praticou o fato típico
ensejador da obrigação tributária. Já o responsável tributário é a terceira pessoa que não praticou
o fato jurídico tributado, mas se acha vinculada ao fato gerador da respectiva obrigação.
Exemplificando, o vendedor de mercadoria é o contribuinte do ICMS porque é a pessoa que
pratica o fato tributado e colhe o resultado econômico desse fato, ao passo que, ao comprador
dessa mercadoria – pessoa indiretamente vinculada ao fato gerador – pode ser atribuída a
responsabilidade pelo pagamento desse imposto, quer com a total exclusão da responsabilidade
do contribuinte, quer mantendo-a em caráter supletivo do cumprimento total ou parcial dessa
obrigação de pagar o imposto. Por questões de praticidade, a generalidade das legislações do
ICMS atribui essa responsabilidade aos compradores, relativamente aos produtos adquiridos de
agricultor.
Com referência ao sujeito passivo, o CTN regula, ainda, a questão da solidariedade, da
capacidade tributária e do domicílio tributário.
Solidariedade. A solidariedade, segundo o art. 124 do CTN, decorre de duas situações
distintas:
I – de pessoas que tenham interesse em comum na situação que constitua o fato
gerador da obrigação principal;
II – de pessoas expressamente designadas por lei.
Em relação à primeira hipótese, cabe a aplicação subsidiária das disposições do art. 264 e do
art. 275 e seguintes do Código Civil, que cuidam da definição de solidariedade e dos efeitos da
solidariedade passiva, respectivamente. Como exemplo, poder-se-ia citar a solidariedade passiva
dos coproprietários de imóvel em relação ao IPTU, ou à execução de um serviço determinado por
um consórcio de prestadores de serviços em relação ao ISS, hipótese em que cada consorciado--
prestador responde por inteiro pelo imposto, ainda que o respectivo contrato tenha acordado
previamente a responsabilidade de cada um no pagamento proporcional do tributo. É que o fato
gerador da obrigação tributária não comporta fracionamento. Ele é uno e indivisível, mesmo em
se tratando de fato gerador complexo.
Em relação à segunda hipótese, a jurisprudência de nossos tribunais tem decidido que a
solidariedade decorrente de pessoas designadas por lei (art. 124, II, do CTN) deve sofrer
interpretação conjugada com o art. 134 do CTN, que cuida da solidariedade na hipótese de
impossibilidade de exigência do cumprimento da obrigação principal pelo contribuinte. Com isso,
a jurisprudência afasta a responsabilidade solidária objetiva dos sócios, administradores e
gerentes de empresas, prevista na legislação ordinária. O art. 13 da Lei no 8.620/93, por exemplo,
dispõe pura e simplesmente que “o titular de firma individual e os sócios das empresas por cotas
de responsabilidade limitada respondem solidariamente, com seus bens pessoais,pelos débitos
junto à Seguridade Social”. Além de criar uma responsabilidade objetiva, que o texto
constitucional reservou apenas ao Estado e concessionários de serviços públicos (§ 6o do art. 37
da CF), aquele art. 13 invade o campo reservado à lei complementar (art. 146, III, b, da CF). Daí
a sua aplicação conjugada com o art. 134 do CTN, segundo a jurisprudência do STJ.9 Esse art. 13
veio a ser revogado pelo art. 79, VII, da Lei no 11.941, de 27-5-2009. O STF entendeu ser
inconstitucional sua aplicação porque a responsabilidade pelo tributo não pode ser de qualquer
pessoa “exigindo-se relação com o fato gerador ou com o contribuinte”.10
Capacidade tributária. Capacidade civil é a aptidão legal para adquirir e exercer direitos e
contrair obrigações. O CTN adotou o princípio da autonomia da capacidade passiva tributária. O
inciso I do art. 126 prescreve que essa capacidade independe da capacidade civil das pessoas
naturais. Assim, um menor de 14 anos pode ser contribuinte, responsável ou obrigado por um
débito tributário. O inciso II do mesmo artigo torna irrelevante o fato de a pessoa natural
encontrar-se sob o manto de medidas privativas ou limitativas do exercício de atividades privadas
ou públicas. Finalmente, seu inciso III torna irrelevante para efeito de capacidade passiva a
irregularidade da constituição de pessoas jurídicas.
Domicílio tributário. Domicílio civil é o lugar onde a pessoa estabelece sua residência com
ânimo definitivo de aí manter suas relações de natureza civil. Domicílio comercial é o local onde
o comerciante tem seus negócios e, quando vários os estabelecimentos, aquele em que está
localizada a administração central, ou aquele eleito nos atos constitutivos da sociedade. O art. 127
do CTN regula a matéria, fixando como regra a eleição do domicílio pelo contribuinte, o qual,
entretanto, poderá ser recusado pela autoridade fiscal, quando impossibilite ou dificulte a
arrecadação ou a fiscalização do tributo (§ 2o do art. 127). Em não havendo eleição pelo
contribuinte, aplicar-se-ão as regras previstas nos incisos I a III, e as hipóteses dos dois primeiros
incisos correspondem aos conceitos de domicílio civil e comercial, respectivamente, ressalvado
quanto ao inciso II o princípio da autonomia fiscal de cada um dos estabelecimentos componentes
da mesma empresa. Reza o seu § 1o que, quando não couber a aplicação das regras fixadas nos
incisos mencionados, considera-se como domicílio do sujeito passivo o lugar da situação dos bens
ou o lugar da ocorrência do fato gerador. Essa regra aplica-se, também, na hipótese de recusa do
domicílio eleito.
4.2.2.3Aspecto quantitativo do fato gerador
Neste aspecto, destacam-se a base de cálculo e a alíquota. Na operação de lançamento
tributário, após a verificação da ocorrência do fato gerador, da identificação do sujeito passivo e
da determinação da matéria tributável, há que se calcular o montante do tributo devido aplicando-
se a alíquota sobre a base de cálculo. Esta é, pois, uma ordem de grandeza própria do aspecto
quantitativo do fato gerador. Alíquota é o percentual incidente sobre a base de cálculo, ou, um
valor prefixado para os chamados tributos fixos. Tanto uma quanto a outra se submetem ao
princípio da reserva legal (art. 97, IV, do CTN). É equiparada à majoração de tributo a
modificação de sua base de cálculo que importe em torná-lo mais oneroso (§ 1o do art. 97 do
CTN).
4.2.2.4Aspecto espacial do fato gerador
Esse aspecto diz respeito ao lugar da concretização do fato qualificado como suficiente para
desencadear o nascimento da obrigação tributária. É decorrente do princípio da territorialidade da
lei tributária e, normalmente, determina qual a lei aplicável. A lei tributária federal aplica-se em
todo o território nacional, mas nem por isso o aspecto espacial deixa de ter relevância. Por
exemplo, um produto fabricado na Zona Franca de Manaus não pode sofrer incidência do IPI.
A eficácia extraterritorial das normas tributárias estaduais e municipais depende do que
dispuser as normas gerais expedidas pela União, ou de convênios de que participem (art. 102 do
CTN). Em matéria de ISS, por exemplo, o art. 3o da Lei Complementar no 116/03, para dirimir
conflitos de competência entre Municípios, arrolou vinte hipóteses em que o imposto será devido
no local da prestação, excepcionando a regra geral, segundo a qual o serviço considera-se prestado
e o imposto devido no local do estabelecimento prestador, ou, na sua falta, no local do domicílio
do prestador.
O aspecto espacial do fato gerador, conjugado com o aspecto material ou objetivo do fato
gerador da obrigação tributária, determina o sujeito ativo do tributo. Daí a sua suprema
importância para dirimir conflitos de competência entre as entidades políticas. No caso de
impostos municipais, devemos considerar mais de 5.530 municípios em todo o território nacional.
4.2.2.5Aspecto temporal do fato gerador
É de fundamental importância esse aspecto para definição da lei aplicável, segundo o
princípio tempus regit factum. Esse aspecto diz respeito ao momento da consumação ou da
ocorrência do fato gerador, que não se confunde com o prazo de pagamento de tributos. Esse
momento é fixado pelo art. 116 do CTN, prescrevendo que é a partir da ocorrência do fato gerador
que se consideram existentes seus efeitos. Como anota Eduardo Marcial Ferreira Jardim, o
legislador, às vezes, utiliza a expressão fato gerador com o significado de critério temporal da
norma de imposição tributária, como no caso do art. 46, II, do CTN, por ele citado, o qual dispõe
que o IPI tem como fato gerador a saída do produto do estabelecimento industrial.11 Aliás, os
demais incisos (desembaraço aduaneiro, inciso I, e a arrematação, inciso III) obedecem ao mesmo
critério temporal. O aspecto material ou objetivo do fato gerador do IPI, na verdade, está
delineado no parágrafo único do art. 46 do CTN, que é a industrialização, assim entendido o
produto que tenha sido submetido a qualquer operação que lhe modifique a natureza ou a
finalidade, ou o aperfeiçoe para o consumo. Porém, dúvida não há de que o legislador elegeu
como fato gerador do IPI o momento da saída do produto industrializado do estabelecimento
industrial, talvez em razão da dificuldade de precisar o exato instante em que cada produto se tem
por industrializado.
Cumpre assinalar que o § 7o12 do art. 150 da CF, acrescentado pela Emenda Constitucional
no 3/93, instituiu a figura do fato gerador presumido, facultando à lei cometer ao sujeito passivo
da obrigação tributária a responsabilidade pelo pagamento de imposto ou contribuição,
assegurando a imediata e preferencial restituição da quantia paga, na hipótese de não se
concretizar o fato típico. Disposição da espécie atenta contra o princípio da segurança jurídica,
pouco importando que o sujeito passivo pague antecipadamente o imposto ou contribuição na
condição de responsável e não na de contribuinte. O legislador constituinte, talvez, tenha
objetivado a acomodação de certas legislações, como, por exemplo, as do ICMS e do ITBI que,
por razões de ordem prática, impõem o pagamento do tributo antes da efetiva ocorrência do fato
gerador.13 Se, porventura, o fato gerador presumido vier a ser utilizado de forma generalizada,
como instrumento para gerar receitas antecipadas, o que não é muito difícil de acontecer, haverá
inconstitucionalidade por afronta aos princípios da segurança jurídica e da capacidade
contributiva, em nada amenizando essa agressão à demagógica e ilusória expressão inserida no
texto, versando sobre “a imediata e preferencial restituição” do indébito, caso não se realize o fato
tipificado na norma.
4.2.3Fatos geradores confrontantes
Os fatos econômicos, eleitos pelo legislador como veículos de incidência tributária, nem
sempre estão distantes e inconfundíveis uns dos outros, acarretando o risco de bitributação, que a
Constituição veda. Às vezes, são confrontantes, isto é, contíguos uns dos outros. Situam-se esses
fatos geradores em uma zona cinzenta dificultando a identificação do sujeito ativo do tributo,
elemento subjetivo do fato gerador. Nem sempre é fácil identificar, por exemplo, se determinada
atividade insere-se na competência impositiva municipal (ISS), ou na competência da União (IPI)
e do Estado-membro (ICMS).
1 O distribuidor não procede à alteração substancial do produto ou de sua finalidade, nem o aperfeiçoa para o
consumo.
2 Na hipótese, o contribuinte do imposto é o importador nos termos do art. 51, I, do CTN, sendo irrelevante o
aspecto da habitualidade ou não, bem como a destinação final do produto importado.
3 Um órgão nebuloso, sem participação de peritos e sem tradição na doutrina que atuam de forma empírica.
4 As pesquisas são feitas sem a observância de critérios científicos, ou seja, na orelhada, como se diz na gíria.
5 Com a elasticidade de conceito permitida pelo art. 4o da LC no 116/03.
6 Curso de direito financeiro e tributário. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 1995, p. 193.
7 Ver art. 96 do CTN.
8 Como bem lembrado por Ruy Barbosa Nogueira, a qualidade de contribuinte é um atributo de quem realiza o
fato típico ou cerne do fato gerador. Daí a atributividade que é uma relação ou vínculo que imputa a autoria do
fato tributado à pessoa que o realizou (op. cit., p. 149-150).
9 REsp no 811692-SP, Rel. Min. José Delgado, DJ de 2-5-2006, p. 269; REsp no 724077-SP, Rel. Min. Francisco
Peçanha Martins, DJ de 11-4-2006, p. 242; REsp no 815.369-MT, Rel. Min. Teori Albino Zavascki, DJ de 10-4-
2006, p. 161.
10 RE no 562276-PR, Rel. Min. Ellen Gracie, DJe no 218, divulgado em 12-11-2010.
11 Manual de direito financeiro e tributário. São Paulo: Saraiva, 1993, p. 162.
12 § 7o: “A lei poderá atribuir a sujeito passivo da obrigação tributária a condição de responsável pelo pagamento
de imposto ou contribuição, cujo fato gerador deva ocorrer posteriormente, assegurada a imediata e preferencial
restituição da quantia paga, caso não se realize o fato gerador presumido.”
13 O ICMS incidente sobre as mercadorias importadas é exigido no desembaraço aduaneiro; em relação a veículos,
o imposto é cobrado por ocasião da saída do estabelecimento fabricante, abrangendo, também, aquele imposto
que seria devido por ocasião da revenda. O ITBI, tradicionalmente, tem sido pago antes da transmissão da
propriedade imobiliária, que se dá com o registro do título aquisitivo.
5 NOÇÕES SOBRE CRÉDITO TRIBUTÁRIO
5.1CONCEITO E NATUREZA JURÍDICA
O crédito tributário decorre da obrigação tributária antes examinada, nos precisos termos do
art. 139 do CTN:
“Art. 139. O crédito tributário decorre da obrigação principal e tem a mesma
natureza desta.”
Muitos estudiosos têm criticado essa disposição legal por entenderem que crédito e obrigação
nascem juntos sendo cara e coroa da mesma moeda.
Penso não existir a apontada impropriedade. O Código separa a obrigação tributária enquanto
pretensão e responsabilidade do crédito como dívida.
Ocorrido no mundo fenomênico o fato típico descrito na norma tributária surge ipso fato a
obrigação tributária instaurando-se o vínculo entre o sujeito passivo e o sujeito ativo. Obrigação
tributária principal, como vimos, consiste no pagamento de tributo ou de pena pecuniária.
Do ponto de vista material, obrigação e crédito se confundem: as partes são as mesmas, o
objeto é idêntico, assim como o vínculo jurídico.
Surgida a obrigação tributária, cabe ao sujeito ativo apurar o montante devido e identificar o
sujeito passivo tornando líquida e certa aquela obrigação. Tributo é um dos raros conceitos
determinados em matéria de Direito. Quem exige seu pagamento deve dizer quanto é; deve
quantificá-lo tornando-o exigível por meio do lançamento adiante examinado.
Por isso, é possível existir obrigação tributária sem crédito tributário, mas o contrário não
será possível. A autonomia entre uma coisa e outra está expressa no art. 140 do CTN:
“As circunstâncias que modificam o crédito tributário, sua extensão ou seus efeitos,
ou as garantias ou privilégios a ele atribuídos, ou que excluem sua exigibilidade não
afetam a obrigação tributária que lhe deu origem.”
Disso resulta que anulado o crédito tributário por vício de lançamento, a obrigação tributária
principal subsiste pelo que caberá novo lançamento enquanto não operada a decadência tributária.
Crédito tributário, portanto, é a própria obrigação tributária formalizada pelo lançamento
tornando-a líquida e certa, exigível no prazo assinalado na legislação tributária.
5.2O LANÇAMENTO
O lançamento é um procedimento administrativo pelo qual um agente administrativo capaz
procede à averiguação da ocorrência do fato gerador, à valoração dos elementos que integram
esse fato gerador, à aplicação da alíquota prevista em lei para apuração do montante do tributo
devido, à identificação do sujeito passivo e, sendo o caso, à propositura de penalidade cabível. É
o que se depreende do art. 142 do CTN que assim prescreve:
“Art. 142. Compete privativamente à autoridade administrativa constituir o crédito
tributário pelo lançamento, assim entendido o procedimento administrativo tendente a
verificar a ocorrência do fato gerador da obrigação correspondente, determinar a
matéria tributável, calcular o montante do tributo devido, identificar o sujeito passivo e,
sendo caso, propor a aplicação da penalidade cabível.
Parágrafo único. A atividade administrativa de lançamento é vinculada e
obrigatória, sob pena de responsabilidade funcional.”
No final do procedimento administrativo referido no art. 142 haverá sempre um documento
exteriorizador dos atos praticados pelo agente público, que é o lançamento eficiente para a
constituição definitiva do crédito tributário. O lançamento tem, pois, natureza declaratória da
obrigação tributária e constitutiva do crédito tributário. Declara a preexistência da obrigação
tributária, que surgiu com a ocorrência do fato gerador definido em lei (art. 113, § 1o c/c art. 114
do CTN). Por isso, o lançamento de acordo com o art. 144 do CTN reporta-se à data da ocorrência
do fato gerador e rege-se pela lei então vigente, ainda que posteriormente, modificada ou
revogada. Mas o lançamento tem, também, natureza constitutiva do crédito tributário conferindo
à obrigação tributária preexistente liquidez e certeza antes inexistente, o que evidencia a
modificação da sua situação jurídica anterior.
O lançamento representa um título jurídico, que confere à Fazenda a exigibilidade do crédito.
A atividade do lançamento, que é obrigatória e vinculada, tem-se por concluída com a
notificação do resultado ao sujeito passivo, quando então opera-se a constituição definitiva do
crédito tributário (art. 145 do CTN). Com a notificação do lançamento esgota-se o procedimento
administrativo referido no art. 142, que nada tem a ver com eventual processo administrativo
tributário que venha a surgir em virtude da impugnação tempestiva do sujeito passivo.
O CTN reconhece três modalidades de lançamento: lançamento direto, lançamento por
declaração e lançamento por homologação. Cabe à legislação tributária de cada ente político que
instituir o tributo apontar a modalidade de lançamento a ele aplicável. Não cabe ao aplicador
substituir uma modalidade pela outra. Qualquer que seja a modalidade de lançamento deve-se ter
em mente que o lançamento é sempre um procedimento administrativo, mesmo aquele ato
praticado pelo juiz no âmbito da Justiça do Trabalho para cobrança da contribuição previdenciária
incidente sobre condenação pecuniária imposta em decorrência do reconhecimento de vínculo
empregatício. Neste caso, ao homologar o cálculo para incidência da contribuição previdenciária
devida, o juiz age na sua função administrativa e não na sua função jurisdicional.
Por isso, rejeitamos a expressão autolançamento que alguns autores entendem ser a mais
adequada.
5.2.1Lançamento direto
O lançamento direto ou de ofício é aquele efetuado pelo agente administrativo tributário
competente, sem qualquer ajuda do contribuinte. O risco pela interpretação da legislação tributária
é exclusivamente do sujeito ativo, assim como dele é a responsabilidade pela entrega da respectiva
notificação ao sujeito passivo. É o caso, por exemplo, do IPTU. Há tendência legislativa em
substituí-lo pelo lançamento por homologação em virtude do elevado custo operacional desse
lançamento de ofício. Essa modalidade está prevista no art. 149 do CTN.
5.2.2Lançamento por declaração
O lançamento por declaração, também conhecido como lançamento misto, é aquele em que
o fisco age com base nas informações prestadas pelo sujeito passivo. Ele é previsto no art. 147 do
CTN:
“Art. 147. O lançamento é efetuado com base na declaração do sujeito passivo ou
de terceiro, quando um ou outro, na forma da legislação tributária, presta à autoridade
administrativa informações sobre matéria de fato, indispensáveis à sua efetivação.”
Determinadas informações sobre matéria de fato são indispensáveis à efetivação do
lançamento, as quais devem ser prestadas pelo contribuinte, ou pela terceira pessoa legalmente
obrigada. Os dados informados são revistos pelo agente público que deve retificar de ofício os
eventuais erros contidos na declaração (§ 2o do art. 147 do CTN). A retificação das informações
prestadas pelo contribuinte só é possível antes da notificação do lançamento, sempre que importar
na redução ou na exclusão do tributo (§ 1o do art. 147 do CTN).
Nos termos do art. 148 do CTN, o agente público poderá arbitrar o valor ou o preço de bens,
direitos ou serviços sempre que omissos ou não mereçam fé as declarações ou os esclarecimentos
do contribuinte ou dos documentos por ele expedidos. Nesse caso, em havendo contestação,
deverá proceder à avaliação contraditória administrativa ou judicial.
Exemplo típico desse lançamento é o ITR, em que os fatores de redução do imposto pelo
grau de utilização da terra e pelo grau de eficiência na exploração dependem fundamentalmente
das informações do sujeito passivo.
Antigamente, o imposto de renda das pessoas físicas, também, configurava um caso típico
de lançamento por declaração.
5.2.3Lançamento por homologação
Essa modalidade de lançamento está prevista no art. 150 do CTN:
“Art. 150. O lançamento por homologação, que ocorre quanto aos tributos cuja
legislação atribua ao sujeito passivo o dever de antecipar o pagamento sem prévio exame
da autoridade administrativa, opera-se pelo ato em que a referida autoridade, tomando
conhecimento da atividade assim exercida pelo obrigado, expressamente a homologa.”
É comum encontrar ensinamentos doutrinários no sentido de que o lançamento previsto no
art. 150 configura hipótese de autolançamento, porque cabe ao contribuinte exercitar o conjunto
de operações mentais necessárias à verificação de ocorrência do fato gerador, calcular o montante
do tributo devido, comunicar ao fisco o tributo devido e antecipar seu pagamento sem prévio
exame do fisco. Não existiria o lançamento como procedimento administrativo referido no art.
142 do CTN. Por isso, alguns autores chegam a sustentar a existência de tributos sem lançamento,
como nos casos do IPI e do ICMS, fato que pode trazer mais confusão no campo da decadência e
prescrição que têm como marco divisor exatamente o instituto do lançamento: antes dela,
decadência; depois dela, prescrição.
Na verdade, a leitura atenta do art. 150 do CTN conduz exatamente à natureza administrativa
desse ato do lançamento.
É a seguinte a oração principal inserida no citado preceito legal:
“O lançamento por homologação [...] opera-se pelo ato em que a referida
autoridade, tomando conhecimento da atividade assim exercida pelo obrigado,
expressamente a homologa.”
Não é o pagamento que se homologa, mas a atividade exercida pelo contribuinte. Essa
homologação pode ser expressa, o que se faz no momento da fiscalização, ou tácita ao cabo de
cinco anos a contar da ocorrência do fato gerador (§ 4o do art. 150 do CTN). É o caso do ICMS,
do IPI, das contribuições sociais diversas, enfim, da maioria dos tributos.
Por isso, se o contribuinte do ICMS, por exemplo, escriturou corretamente seus livros fiscais,
apurou o montante do imposto devido e comunicou ao fisco por meio da GIA e não recolheu o
valor do imposto apontado, o fisco pode e deve determinar diretamente a inscrição na dívida ativa
sem necessidade de intimação prévia do contribuinte. Não cabe a este invocar o princípio do
contraditório e ampla defesa que se exercita contra atos de terceiros. Não tem sentido o
contribuinte impugnar o próprio ato que praticou. Na eventualidade de algum erro cometido,
poderá sempre promover a rerratificação das informações prestadas, contanto que o faça antes do
início da fiscalização tributária. Diferente será na hipótese de o fisco encontrar diferença a seu
favor, quando então terá lugar o lançamento complementar direto ou de ofício concedendo-se ao
contribuinte a oportunidade de impugnação. Em tendo havido antecipação correta do pagamento,
o fisco limita-se a homologar a atividade exercida pelo contribuinte ensejando a constituição
formal do crédito tributário e ao mesmo tempo sua extinção, porque já satisfeito anteriormente.
O purismo do direito não pode chegar ao ponto de exigir, no caso, que o agente fiscal reproduza
em documento oficial toda a atividade exercitada pelo contribuinte, entregando-lhe, ao final, o
documento representativo do lançamento tributário com a observação de que nada há a ser pago.
O que caracteriza o lançamento por homologação como um procedimento administrativo é
exatamente o trabalho de verificação pelo fisco quanto à exatidão das atividades praticadas pelo
sujeito passivo. E para essa verificação, os avanços tecnológicos na área da informática dispensam
a presença física do agente fiscal no estabelecimento do contribuinte.
Atualmente, a taxa de fiscalização de estabelecimento (antiga taxa de licença e
funcionamento), indispensável para o início de qualquer atividade econômica, é calculada e
recolhida na rede bancária pelo próprio sujeito passivo, nem por isso cabe falar em
autolicenciamento do estabelecimento, porque o poder de polícia para desenvolver atividades de
controle, vigilância ou fiscalização do cumprimento da legislação municipal disciplinadora do
uso e ocupação do solo urbano, da higiene, saúde, segurança, transportes, ordem ou tranquilidades
públicas, relativamente a estabelecimentos situados no Município é inerente ao poder público. O
pagamento da taxa, por si só, não assegura a perpetuação do estabelecimento no local, dependendo
sempre da homologação expressa ou tácita da autoridade pública competente.
5.3SUSPENSÃO DO CRÉDITO TRIBUTÁRIO
O crédito tributário constituído definitivamente pelo lançamento pode ter sua exigibilidade
suspensa temporariamente. Os casos de suspensão estão taxativamente arrolados no art. 151 do
CTN, nos seguintes termos:
“Art. 151. Suspendem a exigibilidade do crédito tributário: I – moratória;
II – o depósito do seu montante integral;
III – as reclamações e os recursos, nos termos das leis reguladoras do processo
tributário administrativo;
IV – a concessão de medida liminar em mandado de segurança; V – a concessão de
medida liminar ou de tutela antecipada, em outras espécies de ação judicial; VI – o
parcelamento.
Parágrafo único. O disposto neste artigo não dispensa o cumprimento das
obrigações acessórias dependentes da obrigação principal cujo crédito seja suspenso,
ou dela consequentes.”
A suspensão, como se depreende do parágrafo único, só se aplica à obrigação principal.
É de se notar que o parcelamento previsto no inciso VI constitui ao mesmo tempo hipótese
de interrupção do prazo prescricional ao teor do inciso IV, do parágrafo único, do art. 174 do
CTN.
5.4EXTINÇÃO DO CRÉDITO TRIBUTÁRIO
Dispõe o art. 156 do CTN:
“Art. 156. Extinguem o crédito tributário:
I – o pagamento;
II – a compensação;
III – a transação;
IV – a remissão;
V – a prescrição e a decadência;
VI – a conversão de depósito em renda;
VII – o pagamento antecipado e a homologação do lançamento nos termos do
disposto no art. 150 e seus §§ 1o e 4o;
VIII – a consignação em pagamento, nos termos do disposto no § 2odo artigo 164;
IX – a decisão administrativa irreformável, assim entendida a definitiva na órbita
administrativa, que não mais possa ser objeto de ação anulatória;
X – a decisão judicial passada em julgado;
XI – a dação em pagamento em bens imóveis, na forma e condições estabelecidas
em lei.”
Como se vê, os casos de extinção do crédito tributário diferem da disciplinação dada pelo
Código Civil para a extinção das obrigações. Deixou de contemplar, por exemplo, a rescisão e a
confusão.
A modalidade usual da extinção do crédito tributário é o pagamento em moeda corrente.
Algumas outras modalidades merecem ser analisadas em virtude das controvérsias e dificuldades
que apresentam.
No direito tributário, tanto a prescrição como a decadência extinguem o crédito tributário.
Consequência imediata disso é que o crédito tributário sob efeito de prescrição não pode impedir
o fornecimento de certidão negativa de tributos, ainda que continue o crédito extinto na inscrição
da dívida ativa por inércia do poder público. O pagamento de tributo prescrito gera, outrossim, o
direito de repetição.
5.4.1Decadência
Decadência deve ser entendida como extinção do direito à constituição do crédito tributário
pelo lançamento. Esse direito potestativo da Fazenda extinguese nos termos do art. 173 do CTN:
“Art. 173. O direito de a Fazenda Pública constituir o crédito tributário extingue-
se após 5 (cinco) anos, contados:
I – do primeiro dia do exercício seguinte àquele em que o lançamento poderia ter
sido efetuado;
II – da data em que se tornar definitiva a decisão que houver anulado, por vício
formal, o lançamento anteriormente efetuado.
Parágrafo único. O direito a que se refere este artigo extingue-se definitivamente
com o decurso do prazo nele previsto, contado da data em que tenha sido iniciada a
constituição do crédito tributário pela notificação, ao sujeito passivo, de qualquer
medida preparatória indispensável ao lançamento.”
As três situações previstas que assinalam o termo inicial do prazo decadencial guardam
coerência com a fórmula esposada pelo art. 142 do CTN, que atribui ao lançamento a eficácia
constitutiva do crédito tributário. Se o sujeito ativo permanecer inerte por cinco anos, a contar das
situações elencadas nos incisos I e II e no parágrafo único do art. 173 do CTN não mais poderá
efetuar o lançamento.
O prazo decadencial previsto no art. 173 só tem aplicação nas modalidades de lançamento
direto e de lançamento por declaração. Para o lançamento por homologação, aplica-se o disposto
no § 4o do art. 150 do CTN:
“§ 4o Se a lei não fixar prazo à homologação, será ele de 5 (cinco) anos, a contar
da ocorrência do fato gerador; expirado esse prazo sem que a Fazenda Pública se tenha
pronunciado, considera-se homologado o lançamento e definitivamente extinto o crédito,
salvo se comprovada a ocorrência de dolo, fraude ou simulação.”
A consumação do prazo decadencial, na hipótese, nada tem a ver com pagamento ou não
pagamento do montante do tributo calculado pelo contribuinte. Se o fisco estiver de acordo com
o montante do tributo apurado, informado e não pago antecipadamente pelo contribuinte,
promove-se a inscrição na dívida ativa representando esse fato homologação da atividade exercida
pelo contribuinte. Não estando de acordo com os cálculos apresentados pelo contribuinte, o fisco
deve efetuar o lançamento de ofício da eventual diferença, porém, sempre dentro do prazo de
cinco anos, a que alude o § 4o. Descabe a cogitação da tese dos cinco mais cinco anos: cinco anos
para homologar, mais cinco anos para constituir o crédito tributário pelo lançamento direto (art.
173 do CTN). Já dissemos que não cabe ao aplicador mudar a modalidade de lançamento do
tributo previsto na lei de regência da matéria. O lançamento de ofício surge como sucedâneo do
lançamento por homologação, por inércia do sujeito passivo ou omissão parcial, obedecido o
prazo que lhe é próprio, isto é, aquele previsto no § 4odo art. 150 do CTN. Afinal, logo que receber
o GIA, documento de informação do sujeito passivo, o fisco tem como saber se o contribuinte
efetuou ou não o pagamento antecipado. Além disso, por meio de cruzamento de informações de
outros contribuintes acerca das mercadorias entradas e saídas no seu estabelecimento é possível
detectar possíveis omissões dos contribuintes em geral.
Conforme ressalvadas no final do § 4o, nas hipóteses de dolo, fraude ou simulação aplica-se
o prazo previsto para o lançamento direto. É o caso, por exemplo, de uma empresa que mantém
empregados sem registro na carteira de trabalho. Neste caso, nunca irá ocorrer o fato gerador da
contribuição social devido pelo empregador, porque não haverá pagamento da folha de
remuneração desses empregados que são pagos pelo caixa 2.
Sobrevindo condenação judicial reconhecendo o vínculo trabalhista, a partir da decisão da
Justiça do Trabalho cabe ao fisco promover o lançamento da contribuição previdenciária nos
termos do art. 173 do CTN contando-se retroativamente o prazo quinquenal. Em relação à decisão
condenatória em pecúnia, cabe ao próprio juiz do trabalho promover a execução de ofício das
contribuições previstas no art. 195, I e II, da CF (art. 114, VIII, da CF). No caso, a sentença
homologatória do cálculo equivalerá como lançamento tributário, suficiente para constituição
definitiva do crédito tributário. Em relação ao período em que houve reconhecimento do vínculo
empregatício, porém, sem condenação pecuniária não cabe ao Judiciário promover a execução da
contribuição social exatamente por ausência da base de cálculo. Não cabe ao Judiciário substituir
o agente administrativo tributário na busca dessa base de cálculo mediante requisição de
informações ao órgão administrativo competente, pois isso seria extrapolar os limites da
atribuição constitucional do art. 114, VIII, da CF.
5.4.2Prescrição
No Direito Tributário, tanto a decadência como a prescrição extinguem o crédito tributário.
Por isso, quem paga tributo prescrito faz jus a sua repetição. E a existência de crédito tributário
prescrito na inscrição da dívida ativa não pode servir de empecilho à expedição da certidão
negativa.
Dispõe o art. 174 do CTN que “a ação para a cobrança do crédito tributário prescreve em
cinco anos, contados da data de sua constituição definitiva”.
Esse prazo é passível de interrupção conforme dispõe o seu parágrafo único:1
I – pelo despacho do juiz que ordenar a citação em execução fiscal;2
II – pelo protesto judicial;3
III – por qualquer ato judicial que constitua em mora o devedor;4
IV – por qualquer ato inequívoco, ainda que extrajudicial, que importe em
reconhecimento do débito pelo devedor.5
Como se depreende da parte final do art. 174 do CTN, para fixar o termo inicial da prescrição
é preciso definir o momento em que ocorre a constituição definitiva do crédito tributário. Ela
ocorre com a notificação do lançamento ao sujeito passivo ao teor do art. 142 c/c o art. 145 do
CTN.
Constituído definitivamente o crédito tributário, abrem-se duas possibilidades: (a) o sujeito
passivo efetua o pagamento, hipótese em que extingue-se o crédito tributário; (b) o sujeito passivo
resiste à pretensão do fisco apresentando impugnação ao crédito tributário, dando nascimento ao
processo administrativo tributário que outra coisa não é senão o meio de solucionar a lide. A
Fazenda sabe de antemão que precisa encerrar esse processo antes dos cinco anos sob pena de
prescrição.
Alguns autores de renome sustentam que o procedimento só se encerra com a final
manifestação do fisco no processo administrativo. Acrescentam que se suspensa está a
exigibilidade do crédito tributário pela impugnação ou recurso (art. 151, III, do CTN), não poderia
estar fluindo um prazo prejudicial à cobrança do crédito tributário, bem como que enquanto não
houver manifestação final irrecorrível do fisco, aquele crédito tributário constituído pelo
lançamento a que se refere o art. 142 do CTN poderá ser alterado.
Respeitamos esse posicionamento, mas com ele não concordamos. Primeiramente, porque
são inconfundíveis o procedimento administrativo e o processo administrativo tributário.
Procedimento administrativo é meio de constituição definitiva do crédito tributário. Processo
administrativo é meio de solução da lide que se instaurou com a impugnação do sujeito passivo.
Se este efetuar o pagamento do tributo no prazo legal da notificação, extingue-se o crédito
tributário. Impugnado o crédito tributário, instaura-se o processo administrativo tributário.
Não há, nem pode haver crédito tributário provisório, nem lançamento provisório. O que é
provisório pode ser uma averiguação preliminar, mas de lançamento tributário não se cuida. Os
agentes administrativos que compõem os órgãos julgadores de primeira e segunda instância e de
instância especial, dentre os quais os representantes dos contribuintes nos órgãos colegiados, não
têm competência para constituir o crédito tributário, atribuição exclusiva do agente fiscal
integrante de carreira específica. Aos membros dos órgãos julgadores compete tão somente
decidir sobre a validade ou invalidade, total ou parcial do crédito tributário constituído na forma
do art. 142 do CTN pelo agente administrativo tributário competente. Sua atribuição é idêntica à
de uma autoridade judiciária a quem compete validar ou invalidar o crédito tributário em
definitivo. Nem por isso, sustenta-se que a autoridade judicial é a pessoa competente para
constituir definitivamente o crédito tributário.
Em segundo lugar, essa tese conduz necessariamente à existência de um crédito tributário
provisório que não tem abrigo em nenhum dispositivo do CTN. Se o pagamento extingue o crédito
tributário (art. 156, I, do CTN) é porque ele não era provisório. E também descabe a cogitação de
notificação para pagamento de crédito tributário provisório.
Em terceiro lugar, acaba conferindo efeito jurídico ao ato potestativo da Fazenda. Se ela levar
dez, 15 ou 20 anos para proferir a decisão final no processo administrativo, o prazo prescricional
de cinco anos não estará fluindo.
Em quarto lugar, porque, se provido o recurso do contribuinte em última instância
administrativa, extingue-se o crédito tributário (art. 156, IX, do CTN) a demonstrar que o crédito
estava constituído definitivamente desde a data da notificação do lançamento. Da mesma forma,
a decisão judicial passada em julgado extingue o crédito tributário (art. 156, X, do CTN).
Em quinto lugar, essa tese conspira contra o princípio da segurança jurídica, que fundamenta
tanto a prescrição, como a decadência; de fato, não estará fluindo o prazo decadencial, porque o
crédito tributário já foi constituído, ainda que de forma provisória, nem estará fluindo o prazo
prescricional porque o processo administrativo tributário ainda não foi encerrado por opção do
fisco.
Esclareça-se que do prazo de cinco anos o contribuinte é responsável pela utilização de
apenas 45 dias (30 dias para impugnar e 15 dias para interpor recurso ordinário), acrescido,
eventualmente, de mais 15 dias para apresentação, quando cabível, de recurso especial. No
processo administrativo, não há espaço para o contribuinte apresentar recursos protelatórios de
variadas espécies como acontece no processo judicial.
A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça não tem contribuído para pacificar a
questão. A Corte, ora dá a entender que a impugnação administrativa suspende a prescrição, ora
afirma que o recurso administrativo interrompe a prescrição, conforme se verifica das ementas
abaixo:
“EXECUÇÃO FISCAL – AUTO DE INFRAÇÃO – INÍCIO DO PRAZO
PRESCRICIONAL – TÉRMINO DO PROCESSO ADMINISTRATIVO –
PRECEDENTES.
É pacífico no âmbito desta Corte Superior que a interposição de recurso
administrativo tem o efeito de suspender a exigibilidade do crédito tributário, obstando
o início do prazo da prescrição, o qual passa a fluir somente após o respectivo
julgamento. Precedentes. Agravo Regimental improvido” (AgRg no REsp 108811-SP,
Rel. Min. Humberto Martins, Segunda Turma, DJE 24-3-2009).
“RECURSO ESPECIAL. PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. DIES A QUO DO
PRAZO PRESCRICIONAL. DECISÃO FINAL NA ESFERA ADMINISTRATIVA.
CONSTITUIÇÃO DEFINITIVA DO CRÉDITO TRIBUTÁRIO. OCORRÊNCIA DE
ERRO MATERIAL. IRRELEVÂNCIA. VIOLAÇÃO DO ART. 535 DO CPC.
INOCORRÊNCIA.
1. Consoante o cânone do art. 174 do CTN, o prazo prescricional começa a ser
contato da data definitiva da constituição do crédito tributário. A existência de discussão
administrativa a respeito do crédito tributário obsta sua constituição definitiva,
interrompendo a contagem do prazo prescricional, que tão somente reinicia-se com a
manifestação definitiva da autoridade administrativa. (Precedentes: REsp 396.699 – RS,
Relator Ministro SÁLVIO DE FIGUEIREDO TEIXEIRA, 4a Turma, DJ 15 de abril de
2002; REsp 190.092 – SP, Relator Ministro FRANCIULLI NETTO, Segunda Turma, DJ
de 1o de julho de 2002)” (REsp no751132/RS, Rel. Min. Luiz Fux, Primeira Turma, DJ de
15-10-2007, p. 229).
Na verdade, não importa a situação de inexigibilidade do crédito tributário nos casos
elencados no art. 1516 do CTN. A tese da suspensão simultânea da exigibilidade do crédito
tributário e do prazo prescricional não tem apoio no CTN. Ao contrário, o Código proclama
exatamente o contrário, como se verifica do art. 155 a seguir transcrito:
“Art. 155. A concessão da moratória em caráter individual não gera direito
adquirido e será revogado de ofício, sempre que se apure que o beneficiado não satisfazia
ou deixou de cumprir os requisitos para a concessão do favor, cobrando-se o crédito
acrescido de juros de mora:
I – com imposição da penalidade cabível nos casos de dolo ou simulação do
beneficiado, ou de terceiro em seu benefício daquele; II – sem imposição de penalidade,
nos demais casos.
Parágrafo único. No caso do inciso I deste artigo o tempo decorrido entre a
concessão da moratória e sua revogação não se computa para efeito da prescrição do
direito à cobrança do crédito; no caso do inciso II deste artigo, a revogação só pode
ocorrer antes de prescrito o referido direito.”
A moratória concedida em caráter individual, por despacho da autoridade administrativa
competente (art. 152, II, do CTN), pode ser revogada de ofício se constatada que o beneficiário
não preenchia os requisitos legais ou deixou de satisfazer as condições para a fruição do benefício.
Essa revogação se dá com imposição de penalidade em caso de dolo ou simulação do beneficiário;
sem imposição de penalidade nos demais casos. O parágrafo único prescreve que, no primeiro
caso, exclui-se o tempo decorrido entre a concessão da moratória e a sua revogação, para efeito
de contagem do prazo prescricional, o que conduz à conclusão de que a sua concessão não
implicou suspensão da prescrição. Na segunda hipótese, em que não houve dolo ou simulação (ou
fraude) do beneficiário, a moratória só poderá ser revogada se ainda não atingido o crédito
tributário pela prescrição, isto é, se ainda não decorrido o prazo de cinco anos a contar da data de
concessão do benefício. Em ambos os casos, está proclamada que a suspensão da exigibilidade
do crédito tributário pela moratória não implica suspensão do prazo prescricional.
Esclareça-se que a revogação da moratória, motivada pela constatação de que o benefício foi
obtido por dolo ou simulação (ou fraude), corresponde, na verdade, à anulação do ato jurídico,
conforme prescreve o inciso II do art. 171 do Código Civil, que difere das hipóteses de nulidade
do ato jurídico (art. 166 do CC), cujo reconhecimento tem natureza meramente declaratória, a
implicar efeito ex tunc. Na revogação, não se cogita de vício do ato jurídico, mas apenas de
oportunidade ou conveniência, pelo que só pode gerar efeito ex nunc.
Ora, se examinarmos as hipóteses dos incisos I e II, em confronto com o caput do art. 155,
chega-se à conclusão de que em ambos os casos estamos diante de anulabilidade da moratória.
Não é possível extrair desses textos legais a ilação de que a moratória concedida tornou-se
inoportuna ou inconveniente a recomendar sua revogação. Uma vez obtida nos estritos termos da
lei, a moratória passa a constituir-se em direito adquirido de seu beneficiário, tornando-se
insusceptível de revogação.
Concluindo, como a moratória é um dos casos de suspensão da exigibilidade do crédito
tributário, conclui-se que a suspensão desta não implica a suspensão da prescrição.7 Porém, se
admitida a tese da suspensão da prescrição na pendência de recurso administrativo há de admitir
a fluência do prazo de prescrição intercorrente, sob pena de eternizar o processo administrativo
tributário. Quanto à ementa do acórdão proferido no REsp no 751132/RS vislumbra-se
contradição. Se a existência de discussão administrativa obsta a constituição definitiva do crédito
tributário, como afirmado, não há que se falar em interrupção do prazo prescricional.
5.5EXCLUSÃO DO CRÉDITO TRIBUTÁRIO
O art. 175 do CTN sob a denominação de exclusão do crédito tributário contempla a isenção
e a anistia. Como o próprio nome está a indicar, na exclusão não há crédito tributário. Excluir o
crédito tributário significa evitar que ele se constitua.8
5.5.1Isenção
Essa figura não encontra unanimidade na doutrina. Para a doutrina clássica, isenção significa
dispensa legal do pagamento do tributo devido. Na isenção, a obrigação tributária que surge com
a ocorrência do fato gerador se estanca atingida em seus efeitos.9
Para os autores mais modernos, ela significa hipótese de não incidência legalmente
qualificada, em contraposição à imunidade que seria hipótese de não incidência
constitucionalmente qualificada.
O STF acolhe os dois conceitos como se pode verificar do item 3 da ementa do acórdão
proferido na ADI:
“A isenção é a dispensa do pagamento de um tributo devido em face da ocorrência
de seu fato gerador. Constitui exceção instituída por lei à regra jurídica da
tributação” (ADI no 286/RO, Rel. Min. Maurício Corrêa, DJ de 30-08-2002, p. 60).
No plano pré-jurídico, quando o legislador está para elaborar a norma parece claro que a
isenção se trata de um benefício fiscal. No plano jurídico, entretanto, a norma isentiva, quer seja
ela instituída após a criação do tributo,10 quer seja instituída concomitantemente com a instituição
do tributo com a definição do respectivo fato gerador, corresponderá sempre aquela norma oposta
à de incidência tributária.
A isenção insere-se no campo de reserva legal (art. 97, VI, do CTN). Por força do princípio
da especialidade, a isenção só pode ser outorgada por lei específica (art. 150, § 6o, da CF). E mais,
por expressa disposição do art. 111 do CTN, a legislação tributária que disponha sobre isenção
deve ser interpretada literalmente, isto é, não cabe a interpretação ampla exatamente por se tratar
de uma exceção à regra de tributação.
5.5.2Anistia
Antigamente, anistia constituía uma medida de clemência que, por razões de Estado, isentava
de culpa ou do cumprimento da pena os agentes de crimes de natureza política.
Em direito tributário, a anistia significa extinção de punibilidade de infrações fiscais, vale
dizer exclui a dívida penal tributária. Não atinge o crédito tributário decorrente de obrigação
tributária principal.
Como causa de exclusão do crédito tributário, a anistia deve ser instituída antes da
constituição do crédito tributário que abarca a penalidade pecuniária. Sua dispensa posterior
corresponde a uma das modalidades de extinção do crédito tributário, qual seja, a remissão
mencionada no inciso IV do art. 156 do CTN.
Na prática, o legislador vem utilizando o termo anistia para significar remissão. A exclusão,
tanto quanto a isenção, não interfere no cumprimento de obrigações acessórias que, normalmente,
independem de obrigações tributárias principais. Por isso, o parágrafo único do art. 175 do CTN
deixa claro que a exclusão do crédito tributário pela isenção ou anistia não significa que aquelas
situações abrangidas pela isenção ou anistia tenham sido excluídas do campo de incidência de
normas definidoras de obrigações tributárias. Assim, o transporte de mercadoria isenta não
dispensa seu acompanhamento por nota fiscal respectiva, nem sua escrituração no livro fiscal
competente.
A anistia insere-se no campo de reserva legal e pode ser concedida em caráter geral ou
limitadamente (art. 181 do CTN). A primeira independe de qualquer providência do sujeito
passivo. A anistia limitada é aquela efetivada caso a caso mediante despacho da autoridade
administrativa competente atendendo a requerimento do interessado (art. 182 do CTN). Esse
despacho, conforme prescrito no parágrafo único desse artigo, não gera direito adquirido podendo
ser revogado sempre que se apure que o beneficiado não fazia jus ao benefício.
1 O art. 202 do CC arrola os casos de interrupção da prescrição.
2 A nova redação conferida pela LC no 118, de 9-2-2005, antecipa o prazo de interrupção da prescrição que antes
só ocorria com a efetiva citação do executado. O novo prazo aplica-se apenas às execuções propostas a partir da
vigência do novo diploma legal. Não há retroatividade fora das hipóteses do art. 106 do CTN (REsp no 754020/RS
– Rel. Min. Castro Moreira, DJ de 1o-6-2007, p. 364 e REsp no 770548/SC, Rel. Min. José Otávio de
Noronha, DJ de 3-2-2007, p. 332).
3 Ver art. 726, §§ 1º e 2º, do CPC/2015.
4 A disposição é bastante genérica; abrange, portanto, qualquer ato judicial, como a interpelação, a notificação, a
intimação e o próprio protesto judicial. O importante é que o ato judicial contenha a manifestação do sujeito ativo
de exigir o pagamento do crédito tributário.
5 Qualquer comportamento do sujeito passivo que implique o reconhecimento da dívida, como, por exemplo, o
pedido de parcelamento, implica a interrupção do prazo prescricional. Ver art. 191 do CC sobre a renúncia
expressa ou tácita da prescrição.
6 A moratória, o depósito do montante integral do crédito tributário, as reclamações e os recursos administrativos
e a concessão de medida liminar em mandado de segurança.
7 Não é apenas a suspensão da exigibilidade do crédito que inibe sua cobrança judicial. O crédito tributário,
enquanto não inscrito na dívida ativa, não pode ser cobrado em juízo por não conter o requisito da exequibilidade.
Nem por isso os estudiosos sustentam que o prazo prescricional começa a fluir na data da inscrição da dívida
ativa. Aliás, curiosamente, a inscrição na dívida ativa é causa de suspensão da prescrição por 180 dias, nos termos
do art. 3o do DL no 1.793/80, válido no âmbito da União. Esse dispositivo não foi recepcionado pela Constituição
Federal, que submeteu a decadência e a prescrição à disciplina da lei complementar (art. 146, III, b).
8 Mauro Luis Rocha Lopes, Direito tributário brasileiro. São Paulo: Impetus, 2009, p. 269.
9 José Washington Coelho, Código tributário nacional interpretado. Rio de Janeiro: Correio da Manhã, 1978, p.
177.
10 Esse fato ensejou a tese da dispensa do pagamento do tributo devido sob o fundamento de que não se isenta o
que não está abrangido na tributação.
6 O FATO GERADOR DO ITBI CONFORME O CTN Na ordem constitucional antecedente, o ITBI inseria-se na competência impositiva do
Estado-membro juntamente com o imposto sobre transmissão causa mortis, pois a outorga de
competência referia-se à “transmissão, a qualquer título, de bens imóveis por natureza e acessão
física e de direitos reais sobre imóveis exceto os de garantia, bem como sobre a cessão de direitos
à sua aquisição” (art. 23, I, da Emenda no 1/69).
Na Constituição de 1988, o ITBI ficou inserido na competência impositiva municipal nos
seguintes termos:
“Art. 156. Compete aos Municípios instituir impostos sobre:
[...]
II – transmissão inter vivos, a qualquer título, por ato oneroso, de bens imóveis, por
natureza ou acessão física, e de direitos reais sobre imóveis, exceto os de garantia, bem
como cessão de direitos a sua aquisição”.
Em decorrência das disputas entre Estados e Municípios na partilha de impostos, o legislador
constituinte de 1988 cindiu o chamado imposto sobre transmissão de bens imóveis e de direitos
reais sobre imóveis, que era de competência impositiva estadual, em duas partes: (a) o imposto
sobre transmissão causa mortis e doação de bens de qualquer natureza ficou inserido na
competência do Estado (art. 155, I, da CF); (b) o imposto sobre transmissão inter vivos, a qualquer
título, por ato oneroso, de bens imóveis por natureza ou acessão física, e de direitos reais sobre
imóveis, exceto os de garantia, bem como cessão de direitos à sua aquisição, ficou inserido na
competência impositiva municipal (art. 156, II, da CF).
O Estado teve reduzida a sua competência tributária em relação à ordem constitucional
antecedente, quando toda operação sobre transmissão de imóveis e de direitos reais sobre imóveis
era de sua competência. Agora, o Estado só pode tributar a transmissão causa mortis. Ampliou-
se, porém, o objeto do imposto que passou a incidir sobre bens de qualquer natureza (imóveis ou
móveis). O imposto ficou conhecido pela sigla ITCMD. O Município ganhou a competência
impositiva sobre a transmissão de bens imóveis e de direitos reais sobre esses bens, porém
somente na modalidade de transmissão inter vivos e por atos onerosos. Esse imposto ficou
conhecido pela sigla ITBI.
A competência para instituir esse imposto incidente sobre a transmissão de bens imóveis vem
variando ao longo do tempo, ora sendo tributada pelo Estado, ora pelo Município, ora uma parte
pelo Estado e outra parte pelo Município.
O Código Tributário Nacional, Lei no 5.172, de 25-10-1966, regula esse imposto sobre
transmissão de bens imóveis e de direitos a ele relativos em seus arts. 35 a 42, quando o imposto
era de competência tributária apenas do Estado. Não se adequou à nova realidade constitucional
que não se limitou à cisão do imposto, mas prescreveu a imunidade específica do ITBI de forma
diferente do que estava na ordem constitucional antecedente, como se constata do exame do §
2o do art. 156 da Constituição Federal de 1988:
“O imposto previsto no inciso II:1
I – não incide sobre a transmissão de bens ou direitos incorporados ao patrimônio
de pessoa jurídica em realização de capital, nem sobre a transmissão de bens ou direitos
decorrentes de fusão, incorporação, cisão ou extinção de pessoa jurídica, salvo se, nesses
casos, a atividade preponderante do adquirente for a compra e venda desses bens ou
direitos, locação de bens imóveis ou arrendamento mercantil.”
O preceito constitucional prevê a imunidade pura (primeira parte do dispositivo) e a
imunidade condicionada (segunda parte) para os casos de transmissões decorrentes de fusão,
incorporação, cisão ou extinção de pessoa jurídica.
Relembre-se de que as expressões “isenção” ou “não incidência”, quando utilizadas no texto
constitucional, significam supressão de competência tributária sendo, portanto, sinônimas de
imunidade, salvo em alguns casos específicos em que a “não incidência” tem o significado de
restrição do alcance da norma definidora do fato gerador da obrigação tributária, como na hipótese
prevista na letra b do inciso X do § 2o do art. 155 da CF, que objetiva favorecer o Estado
destinatário, e não beneficiar o contribuinte.
Verifica-se que os arts. 36 e 37 do CTN, que regulamentam o imposto sobre transmissão de
bens imóveis e de direitos a eles relativos, não foram recepcionados senão de forma parcial pela
Constituição de 1988 que, em relação ao ITBI, instituiu a imunidade pura e a condicionada,
conforme se observa do texto retrotranscrito. A restrição quanto à imunidade condicionada refere-
se unicamente à inexistência de atividade preponderante do adquirente na atividade imobiliária.
Na transmissão decorrente de extinção de sociedade, salvo raras exceções, não haverá incidência
do ITBI porque o pagamento das cotas sociais por meio de bens da empresa em extinção, por via
de regra, ocorre a favor de sócios pessoas físicas.
Entretanto, dispõem os arts. 36 e 37 do CTN:
“Art. 36. Ressalvado o disposto no artigo seguinte, o imposto não incide sobre a
transmissão dos bens ou direitos referidos no artigo anterior:
I – quando efetuada para sua incorporação ao patrimônio de pessoa jurídica em
pagamento de capital nela subscrito;
II – quando decorrente da incorporação ou da fusão de uma pessoa jurídica por
outra ou com outra.
Parágrafo único. O imposto não incide sobre a transmissão aos mesmos alienantes,
dos bens e direitos adquiridos na forma do inciso I deste artigo, em decorrência da sua
desincorporação do patrimônio da pessoa jurídica a que foram conferidos.
Art. 37. O disposto no artigo anterior não se aplica quando a pessoa jurídica
adquirente tenha como atividade preponderante a venda ou locação de propriedade
imobiliária ou a cessão de direitos relativos à sua aquisição.
§ 1o Considera-se caracterizada a atividade preponderante referida neste artigo
quando mais de 50% (cinquenta por cento) da receita operacional da pessoa jurídica
adquirente, nos 2 (dois) anos anteriores e nos 2 (dois) anos subsequentes à aquisição,
decorrer de transações mencionadas neste artigo.
§ 2o Se a pessoa jurídica adquirente iniciar suas atividades após a aquisição, ou
menos de 2 (dois) anos antes dela, apurar-se-á a preponderância referida no parágrafo
anterior levando em conta os 3 (três) primeiros anos seguintes à data da aquisição.
§ 3o Verificada a preponderância referida neste artigo, tornar-se-á devido o imposto,
nos termos da lei vigente à data da aquisição, sobre o valor do bem ou direito nessa data.
§ 4o O disposto neste artigo não se aplica à transmissão de bens ou direitos, quando
realizada em conjunto com a da totalidade do patrimônio da pessoa jurídica alienante.”
Como se vê, além de se omitir acerca da fusão e da cisão, o parágrafo único do art. 36 impõe
uma limitação inexistente no texto constitucional, ao restringir o gozo da imunidade à hipótese de
desincorporação dos bens incorporados pela mesma pessoa do adquirente. A prevalecer a redação
do parágrafo único citado, não poderia haver imunidade caso não houvesse no patrimônio da
pessoa jurídica incorporada bens conferidos pelo sócio em realização de capital. Nem seria
possível a imunidade, também, nas hipóteses de cisão ou de extinção das sociedades.
Ora, sabemos que a imunidade deve ser regulada por lei complementar (art. 146, II, da CF).
Só que regular não implica ampliação, nem restrição da hipótese de imunidade estabelecida pelo
legislador constituinte.
Outrossim, prescrever que caracteriza atividade preponderante a que se refere o texto
constitucional, quando mais de 50% da receita operacional da pessoa jurídica adquirente decorrer
de transações imobiliárias nos dois anos anteriores à aquisição, como prescreve o § 1o do art. 37
do CTN, nos parece razoável. Agora, não é razoável a projeção desse cálculo percentual para os
dois anos seguintes ao da aquisição, como determina o preceito sob exame, que se refere a “nos
dois anos anteriores e nos dois anos subsequentes à aquisição”. Mais irrazoável, ainda, o § 2o que
estende para três anos posteriores à aquisição a pesquisa quanto à preponderância da atividade
imobiliária na hipótese de o adquirente iniciar a atividade após a aquisição ou menos de dois anos
antes dela. Exacerbando o abuso legislativo, o § 3o do art. 4o da Lei no 11.154/91 do Município de
São Paulo prescreve que o imposto incidirá quando ficar prejudicada a análise de atividade
preponderante por não se enquadrar o adquirente no prazo de dois anos anteriores à aquisição,
nem no prazo de três anos posteriores à aquisição.
Essas exigências do CTN e da legislação municipal são inconstitucionais.
É que o fato gerador do ITBI é a transmissão de bem imóvel ao sócio em pagamento das
cotas sociais por meio de uma escritura pública, na hipótese de extinção da sociedade, o que é
raro, porque normalmente as sociedades são constituídas por sócios pessoas físicas. A aquisição
dessa propriedade ocorre com o registro dessa escritura no registro imobiliário competente por
força do disposto no art. 1.245 do Código Civil. Ora, a situação de imunidade tributária deve ser
verificada antes ou no ato do registro da escritura aquisitiva do imóvel. Não é razoável supor que
deva o ato de registro ficar em suspenso até o decurso de dois anos a contar da lavratura da
escritura pública de transmissão do bem imóvel, pois quase a totalidade da legislação dos
Municípios condiciona o registro à prova do pagamento do ITBI. Ainda que se entenda que o
imposto é pago após o registro, o adquirente teria que aguardar por dois anos para saber se o fisco
irá ou não reconhecer a imunidade, fato que atenta contra o princípio da razoabilidade, que se
coloca como um limite à ação do próprio legislador.
A parte do § 1o do art. 37 que exige a apuração de preponderância da atividade imobiliária
do adquirente nos dois anos posteriores à data da aquisição, bem como o § 2o que condiciona o
adquirente a não iniciar atividade imobiliária após a aquisição, não foram recepcionados pela
ordem constitucional vigente. Igualmente, não recepcionado o § 4o do art. 37 do CTN que exclui
da imunidade a hipótese de transmissão da totalidade de bens da pessoa jurídica incorporada ou
fusionada. No caso de extinção da pessoa jurídica, que sequer é regulada no CTN, apenas parte
da transmissão de bens em pagamento de cotas sociais seria coberta pela imunidade.
É preciso adequar os dispositivos do CTN à nova realidade constitucional. A alteração trazida
pela Constituição de 1988 não se limita a separar a parte cabente na competência do Estado da
parte inserida na competência tributária do Município. No que se refere à imunidade do imposto
houve uma alteração sensível. A Constituição de 1988 condicionou o gozo da imunidade ao fato
de a pessoa jurídica adquirente não exercer a atividade imobiliária de forma preponderante.
As normas do CTN também não haviam sido recepcionadas na sua integridade pela
Constituição de 1967/1969, que dispunha no § 3o do art. 24:
“§ 3o O imposto a que se refere o no I não incide sobre a transmissão de bens
incorporados ao patrimônio de pessoa jurídica nem sobre a fusão, incorporação,
extinção ou redução do capital de pessoas jurídicas, salvo se estas tiverem por atividade
preponderante o comércio desses bens ou direitos, ou a locação de imóveis.”
Verifica-se que aquele texto de 1967/1969 continha uma amplitude até maior do que o texto
atualmente vigente que deixou de se referir expressamente sobre a hipótese de redução de capital.
Contudo, a redução de capital, no nosso entender, está contida na dissolução de sociedade, ou
seja, dissolução parcial, estando, portanto, abrangida pela imunidade.
Ao que tudo indica, os arts. 36 e 37 do CTN procuraram regular a imunidade desse imposto
previsto na Emenda no 18/65, cujo art. 8o, § 2o, assim prescrevia:
“§ 2o O imposto não incide sobre a transmissão dos bens ou direitos referidos neste
artigo, para sua incorporação ao capital de pessoas jurídicas, salvo o daquelas cuja
atividade preponderante, como definida em lei complementar, seja a venda ou a locação
da propriedade imobiliária ou a cessão de direitos relativos à sua aquisição.”
Como se verifica, a fusão a que se refere o art. 36 do CTN não estava contemplada no texto
da Emenda no 18/65, então vigente. O CTN peca, pois, por excesso em relação à Constituição de
1946, com a redação conferida pela Emenda no 18/65, e contra o texto da atual Constituição por
omissão, como antes apontada.
Assinale-se, por fim, que, por força do disposto no art. 110 do CTN, o perfeito entendimento
do imposto conhecido pela sigla ITBI requer o domínio de conceitos de direito civil acerca da
noção de bem imóvel por natureza ou acessão física, sua forma de transmissão; de direitos reais
sobre imóveis, distinguindo aqueles destinados à garantia; de noções sobre incorporação, cisão,
fusão e extinção de pessoas jurídicas etc. Daí a grande importância do direito civil no âmbito do
direito tributário, como sempre enfatizamos.
Há que se admitir, entretanto, que a não adequação dos dispositivos do CTN ao texto
constitucional superveniente não pode impedir o exercício da competência tributária outorgada
pela Constituição, condicionando esse exercício à boa vontade do legislador infraconstitucional.
A isso se oporia o princípio federativo, que assegura a autonomia político-administrativa dos
Municípios que, por sua vez, depende de autonomia financeira. Não há como cogitar de
autonomia municipal sem recursos financeiros próprios, dependendo apenas de repasses de verbas
de outros entes políticos, quer a título de partilha no produto de arrecadação de impostos alheios
(art. 158, II, III e IV, da CF), quer a título de participação nos fundos (art. 159, I, b, da CF).
Logo, o disposto no art. 146, III, a, da CF não pode ser interpretado literalmente, mas dentro
do sistema constitucional como um todo. Tanto é assim que nunca foram questionados o IVV
enquanto vigente, nem o IPVA, ambos os impostos sem previsão em lei complementar definindo
os respectivos fatos geradores. É verdade que o STF declarou a inconstitucionalidade de diversas
leis estaduais que haviam instituído o adicional do imposto de renda sem prévia definição de seu
fato gerador em lei complementar, inclusive da Lei no 6.352/88 do Estado de São Paulo.2 A EC
no 3/93 prescreveu a extinção desse imposto a partir de 1o de janeiro de 1996.
6.1A RECEPÇÃO DO ART. 35 DO CTN
Dispõe o art. 35 do CTN editado antes da ordem constitucional vigente:
“Art. 35. O imposto, de competência dos Estados, sobre a transmissão de bens
imóveis e de direitos a eles relativos tem como fato gerador:
I – a transmissão, a qualquer título, da propriedade ou do domínio útil de bens
imóveis, por natureza ou por acessão física, como definidos na lei civil; II – a
transmissão, a qualquer título, de direitos reais sobre imóveis, exceto os direitos reais de
garantia;
III – a cessão de direitos relativos às transmissões referidas nos incisos I e II.
Parágrafo único. Nas transmissões ‘causa mortis’, ocorrem tantos fatos geradores
distintos quantos sejam os herdeiros ou legatários.”
O art. 35 do CTN, que define o fato gerador do imposto sobre transmissão de bens imóveis
e de direitos a eles relativos, embora referindo-se à competência impositiva estadual, acha-se
recepcionado pelo art. 156, II, da CF, cujo conteúdo é menor do que aquele expresso no citado
art. 35. Em relação ao ITCMD estadual, poder-se-ia argumentar que o mencionado art. 35 não foi
recepcionado porque a Constituição de 1988 alargou a campo de incidência desse imposto que
passou a abranger a transmissão de quaisquer bens ou direitos e não apenas a transmissão de bens
imóveis e de direitos a eles relativos. Neste caso, é de ser aplicado o princípio da autonomia
político-administrativa do ente político de que tratamos no item anterior para dirimir as dúvidas.
6.2ASPECTO OBJETIVO OU NUCLEAR DO FATO GERADOR DO ITBI
Pela leitura atualizada do texto do art. 35 do CTN conclui-se que o ITBI tem como fato
gerador:
I – a transmissão inter vivos, a qualquer título, por ato oneroso, da propriedade ou
do domínio útil de bens imóveis, por natureza ou por acessão física, como definidos na
lei civil;
II – a transmissão inter vivos, a qualquer título, por ato oneroso, de direitos reais
sobre imóveis, exceto os direitos reais de garantia;
III – a cessão, por ato oneroso, dos direitos relativos às transmissões referidas nos
incisos I e II.
Portanto, o elemento nuclear do fato gerador do ITBI é a transmissão inter vivos, a qualquer
título, por ato oneroso, de bens imóveis por natureza ou acessão física (compra e venda, dação
em pagamento, permuta, arrematação etc.), e direitos reais sobre imóveis, exceto os de garantia,
assim como cessão de direitos à sua aquisição. O legislador equiparou a cessão de direitos
imobiliários à transmissão de propriedade atento à realidade de nossos dias em que as cessões de
direitos configuram instrumentos de transmissão econômica de bens imóveis. Como a norma do
inciso III suprarreferido tem sua matriz constitucional no art. 156, II, in fine da CF, nenhuma
objeção poderá ser feita.
Para perfeita compreensão do alcance e conteúdo do fato gerador do ITBI, devem-se
examinar as diversas categorias, institutos ou conceitos de direito privado referidos na norma
legal instituidora do imposto, em consonância com o disposto no art. 110 do CTN, que assim
prescreve:
“Art. 110. A lei tributária não pode alterar a definição, o conteúdo e o alcance dos
institutos, conceitos e formas de direito privado, utilizados, expressa ou implicitamente,
pela Constituição Federal, pelas Constituições dos Estados, pelas Leis Orgânicas do
Distrito Federal ou dos Municípios, para definir ou limitar competências tributárias.”
Portanto, institutos, conceitos e formas de direito privados utilizados pela Constituição
Federal para outorgar a competência impositiva do ITBI aos Municí-pios são vinculantes dentro
do Direito Tributário. Do contrário, esvaziado estaria o conteúdo da discriminação constitucional
de impostos (arts. 153, 155 e 156 da CF), que impede a bitributação jurídica, ressalvada a hipótese
em que a própria Constituição permitir.3
6.2.1Conceito de transmissão inter vivo da propriedade imobiliária
Comecemos pelo exame do conceito de transmissão inter vivo da propriedade imobiliária,
uma situação jurídica utilizada como veículo de incidência tributária.
Objetos da propriedade imobiliária são os bens imóveis, por natureza ou acessão física
referidos na primeira parte do inciso II do art. 156 da CF. Estão excluídos da incidência do ITBI
os bens imóveis por acessão intelectual, objetos de tributação pelo Estado-membro.
Segundo o art. 1.245, do Código Civil:
“Transfere-se entre vivos a propriedade mediante o registro do título translativo no
Registro de Imóveis.”
A transmissão da propriedade imobiliária só se opera mediante o registro efetivo do título
translativo (escritura de compra e venda, de dação em pagamento, carta de sentença etc.) no
Registro de Imóveis competente. Para que nenhuma dúvida possa pairar, prescreve o § 1o do art.
1.245:
“§ 1o Enquanto não se registrar o título translativo, o alienante continua a ser
havido como dono do imóvel.”
Esse § 1o está a reafirmar que não ocorre a transmissão, portanto, o fato gerador do ITBI,
enquanto a escritura de compra e venda não for registrada.
Nesse sentido é a jurisprudência do STJ:
“EMENTA: TRIBUTÁRIO – IMPOSTO DE TRANSMISSÃO DE BENS IMÓVEIS –
FATO GERADOR – REGISTRO IMOBILIÁRIO – (C. CIVIL, ART. 530).
A propriedade imobiliária apenas se transfere com o registro respectivo título (C.
Civil, Art. 530). O registro imobiliário é o fato gerador do Imposto de Transmissão de
Bens Imóveis. Assim, a pretensão de cobrar o ITBI antes do registro imobiliário contraria
o Ordenamento Jurídico” (REsp no 12.546, Rel. Min. Humberto Gomes de Barros, DJ16-
4-2001, p. 104).
No mesmo sentido: ROMS nos 10.650 e 10.659.
Alguns autores, como Hugo de Brito Machado, sustentam que o registro imobiliário apenas
exterioriza o aspecto temporal do fato gerador do ITBI:
“A rigor, a transmissão da propriedade decorre da celebração do negócio jurídico
que enseja a formação do título, que é depois levado ao Cartório competente para registro.
Não se pode confundir o negócio jurídico, em sua substância, com a forma pela qual o
mesmo é documentado.
A expressão transmissão a qualquer título por ato oneroso entre vivos quer dizer que
qualquer contrato, seja de compra e venda, seja de permuta, desde que encerre ato de
vontade do proprietário de transferir a outrem a propriedade, mediante uma retribuição,
em princípio será o título de que se necessita para fazer o registro, que a final vai
consumar a transmissão da propriedade.”4
O registro imobiliário é indispensável para a exigência do ITBI, seja ele elemento integrante
do aspecto nuclear do fato gerador, seja ele elemento exteriorizador do aspecto temporal do fato
gerador.
Por essa razão, o compromisso de compra e venda não enseja a ocorrência do fato gerador,
porque ele não tem o condão de transferir a propriedade. Portanto, inconstitucionais as leis
municipais que incluem o compromisso de compra e venda na descrição legislativa do fato
gerador do ITBI. Diferente a hipótese de compromisso irretratável e irrevogável levado a registro,
quando, então, o fato é alcançado pelo inciso II do art. 35 do CTN, ou seja, pela transmissão de
direito real, como veremos mais adiante. Já está pacificada na jurisprudência de nossos tribunais
a não incidência do ITBI no compromisso de compra e venda, conforme se verifica das ementas
abaixo:
“EMENTA: AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO.
MATÉRIA INFRACONSTITUCIONAL. OFENSA INDIRETA À CONSTITUIÇÃO DO
BRASIL. CONTRATO DE COMPROMISSO DE COMPRA E VENDA. NÃO
INCIDÊNCIA DO ITBI. 1. Controvérsia decidida à luz de normas infraconstitucionais.
Ofensa indireta à Constituição do Brasil. 2. A celebração de contrato de compromisso
de compra e venda não gera obrigação ao pagamento do ITBI. Agravo regimental a que
se nega provimento” (STF, AI no 603309 AgR/MG, Rel. Min. Eros Grau, DJ de 23-2-
2007, p. 30).
“EMENTA: AGRAVO REGIMENTAL. TRIBUTÁRIO. ITBI. FATO GERADOR.
CONTRATO DE PROMESSA DE COMPRA E VENDA. RESILIÇÃO CONTRATUAL.
NÃO INCIDÊNCIA.
1. A jurisprudência do STJ assentou o entendimento de que o fato gerador do ITBI
é o registro imobiliário da transmissão da propriedade do bem imóvel. Somente após o
registro, incide a exação.
2. Não incide o ITBI sobre o registro imobiliário de escritura de resilição de
promessa de compra e venda, contrato preliminar que poderá ou não se concretizar em
contrato definitivo.
3. Agravo regimental desprovido” (STJ, AgRg no 448245, Rel. Min. Luiz Fux, DJ de
9-12-2002, p. 309).
“EMENTA: TRIBUTÁRIO – ITBI – PROMESSA DE COMPRA E VENDA – FATO
GERADOR NÃO CARACTERIZADO.
Promessa de compra e venda de imóvel, sem registro, não transfere a propriedade
e não constitui fato gerador do ITBI (precedentes do STF e do STJ). Recurso
improvido” (STJ, REsp no 264064, Rel. Min. Garcia Vieira, DJ de 11-12-2000, p. 180).
“EMENTA: TRIBUTÁRIO – IMPOSTO SOBRE A TRANSMISSÃO DE BENS
IMÓVEIS – ITBI – FATO GERADOR – ART. 35, II DO CTN E ART. 156, II DA CF/88 –
CONTRATO DE PROMESSA DE COMPRA E VENDA – NÃO INCIDÊNCIA.
1. O fato gerador do Imposto sobre a Transmissão de Bens Imóveis – ITBI é a transmissão
do domínio do bem imóvel, nos termos do art. 35, II do CTN e art. 156, II da CF/88.
2. Não incidência do ITBI em promessa de compra e venda, contrato preliminar que poderá
ou não se concretizar em contrato definitivo, este sim ensejador da cobrança do aludido tributo
– Precedentes do STF.
3. Recurso especial não conhecido” (STJ, REsp no 57641, Rel. Min. Eliana Calmon, DJ de
22-5-2000, p. 91).
O STF, também, já havia se manifestado a respeito, nos idos de 1984, nos autos da
Representação no 1121/GO:
“EMENTA: Fato gerador do imposto sobre a transmissão de bens imóveis e de
direitos a ele relativos. Compromisso de compra e venda. – O compromisso de compra e
venda, no sistema jurídico brasileiro, não transmite direitos reais5 nem configura cessão
de direitos a aquisição deles, razão por que é inconstitucional a lei que o tenha como
fato gerador de imposto sobre a transmissão de bens imóveis e de direitos a eles relativos.
Representação julgada procedente, declarando-se a inconstitucionalidade do inciso I do
parágrafo único do artigo 114 da lei 7730, de 30 de outubro de 1973, do Estado de
Goiás” (STF, Rp no1121/GO, Rel. Min. Moreira Alves, DJ de 13-4-1984, p. 15629).
Igualmente não incide o ITBI na promessa de cessão de direitos relativos às transmissões
referidas nos incisos I e II do art. 35 do CTN:
“EMENTA: TRIBUTÁRIO – ITBI – PROMESSA DE CESSÃO – NÃO INCIDÊNCIA.
Promessa de cessão de direitos à aquisição de imóvel não é fato gerador de
ITBI” (AgRg no REsp no 327188/DF, Rel. Min. Humberto Gomes de Barros, DJ de 24-
6-2002, p. 203).
Por outro lado, se o título de transferência for registrado no Registro Imobiliário competente,
independentemente de sua validade jurídica motivada por eventual vício do ato jurídico, tem-se
por ocorrido o fato gerador do ITBI e devido o imposto respectivo. É o que se conclui da leitura
do art. 35, I, do CTN conjugada com o § 2o do art. 1.245 do CC, que assim prescreve:
“§ 2o Enquanto não se promover por meio de ação própria, a decretação de
invalidade do registro, e o respectivo cancelamento, o adquirente continua a ser havido
como dono do imóvel.”
Esse § 2o está afirmando que registrado o título aquisitivo no Registro de Imóveis competente,
ainda que eivado de nulidade, opera-se a transmissão da propriedade e por conseguinte tem-se
por ocorrido o fato gerador. Pergunta-se, decretada a nulidade do título de transferência (compra
e venda, dação em pagamento etc.) e cancelado o registro, devolve-se o imposto pago? A resposta
é negativa, pois o fato gerador do ITBI ocorreu nos termos da lei tributária, combinada com a
legislação civil. A nulidade ou a ilicitude do ato não tem nada a ver com o dever de pagar tributo.
Dispõe o art. 118 do CTN:
“Art. 118. A definição legal do fato gerador é interpretada abstraindo-se: I – da
validade jurídica dos atos efetivamente praticados pelos contribuintes, responsáveis, ou
terceiros, bem como da natureza do seu objeto ou dos seus efeitos;
II – dos efeitos dos fatos efetivamente ocorridos.”
A interpretação da norma jurídica definidora do fato gerador deve ser feita com total
abstração da validade jurídica dos atos praticados, bem como da natureza do seu objeto, isto é, se
é lícito ou ilícito, assim como dos efeitos jurídicos dos fatos típicos ocorridos concretamente.
Graça controvérsia doutrinária acerca da possibilidade de tributação de atos ilícitos. É
oportuno estudar essa matéria neste tópico.
6.2.1.1Tributação de atos ilícitos
Muitos sustentam que a não tributação de atos ilícitos, inclusive daqueles caracterizadores
de crimes, ofende o princípio da isonomia tributária privilegiando os marginais em detrimento
daqueles que operam na legalidade sujeitando-se ao pagamento de tributos.
Os defensores da tese oposta invocam o art. 3o do CTN, que exclui do conceito de tributo a
multa:
“Tributo é toda prestação pecuniária compulsória, em moeda ou cujo valor nela se
possa exprimir, que não constitua sanção de ato ilícito, instituída em lei e cobrada
mediante atividade administrativa plenamente vinculada.”
Em nome da unidade do Direito, a impor harmonia entre preceitos legais referentes a diversos
ramos em que se subdivide a árvore jurídica, costuma-se invocar, também, o art. 104 do CC que
reza:
“A validade do negócio jurídico requer:
I – agente capaz;
II – objeto lícito, possível, determinado ou determinável; III – forma prescrita ou
não defesa em lei.”
Penso que nenhum dos dispositivos legais retrocitados tem o condão de impedir a tributação
de atos ilícitos.
Ao lidar com a expressão fato gerador, é preciso distinguir duas realidades distintas: (a) o
fato gerador enquanto descrição legislativa abstrata do fato que dá ensejo ao nascimento à
obrigação tributária; (b) do fato gerador concreto, isto é, a ocorrência no mundo da realidade de
um fato previamente descrito na norma jurídica abstrata, ocasionando sua incidência infalível.
Uma coisa é a hipótese tributária, outra coisa bem diversa é o fato jurídico tributário.
Assim, o que gera o tributo é sempre a prática do ato descrito na norma que define o fato
gerador. Da mesma forma, o que gera o crime não são as normas penais, mas a conduta da pessoa
que pratica o ato tipificado na lei penal.
Analisada a questão sob esse prisma, nenhum impedimento há na tributação de atos ilícitos,
mesmo porque na definição do fato gerador não há essa qualificação de ato lícito ou ato ilícito.
O art. 43 do CTN, por exemplo, define o fato gerador do imposto de renda nos seguintes
termos:
“O imposto de competência da União, sobre a renda e proventos de qualquer
natureza tem como fato gerador a aquisição da disponibilidade econômica ou jurídica:
I – de renda, assim entendido o produto do capital, do trabalho ou da combinação
de ambos;
II – de proventos de qualquer natureza, assim entendidos os acréscimos
patrimoniais não compreendidos no inciso anterior.”
Resta claro que os “acréscimos patrimoniais” referidos no inciso II não têm vinculação com
a execução de trabalho referido no inciso I e muito menos com a execução de trabalho qualificado
como lícito.
Dessa forma, constatada pela fiscalização tributária que determinada pessoa teve acréscimo
patrimonial em virtude da apropriação indébita ou do peculato que praticou, não há como deixar
de tributá-la sob o pretexto de que a origem desse acréscimo patrimonial é ilícita. Interessa ao
Direito Tributário apenas a relação econômica.
Relevante juridicamente é apenas o efetivo “acréscimo patrimonial” verificado, que se
subsume à descrição legislativa do art. 43 do CTN, o qual deve ser interpretado de conformidade
com o art. 118 do CTN, isto é, com abstração da validade jurídica dos atos efetivamente praticados
pelos contribuintes, bem como da natureza do seu objeto ou dos seus efeitos. Não tem relevância
jurídica, também, se a pessoa que auferiu esse acréscimo patrimonial é menor de idade ou maior
de idade, pois a capacidade tributária é diferente da capacidade civil.
Interessa apenas a ocorrência, em concreto, do fato gerador descrito na norma, ou seja, o fato
jurídico tributário. E tanto atos lícitos como atos ilícitos são fatos jurídicos, pois o que lhes confere
a natureza de licitude ou ilicitude é precisamente a incidência da norma jurídica que define uma
e outra.
Sem substância os argumentos contrários à tributação dos efeitos dos atos ilícitos a pretexto
que estes devem ser reprimidos por outra esfera que não a tributária, que não é a apropriada para
impor sanções.
Trata-se de um equívoco. A ideia de punição é até inerente nas chamadas tributações
regulatórias, como, por exemplo, a tributação progressiva no tempo por meio do IPTU para
assegurar o cumprimento da função social da propriedade urbana (art. 182, § 4o, II, da CF).
Sanção não se confunde com tributo, mesmo aquela representada por multa pecuniária. De
fato, prescreve o § 3o do art. 113 do CTN que “a obrigação acessória, pelo simples fato de sua
inobservância, converte-se em obrigação principal relativamente à penalidade pecuniária”.
Outrossim, não procede o argumento moralista segundo o qual o Estado não pode agir como
cúmplice dos infratores repartindo com eles os frutos de seus delitos. A desoneração tributária
dos fatos jurídicos ilícitos é que atentariam contra o princípio da isonomia tributária, que deriva
do princípio da moralidade. Se for vedada a tributação dos efeitos do ato ilícito, porque o Estado
não deve se beneficiar do fruto de ações delituosas, forçoso é reconhecer que esse mesmo Estado
não pode confiscar os bens resultantes de delitos dando-lhes destinação pública. A única hipótese
em que os efeitos dos atos ilícitos não devem ser tributados é quando pela sua gravidade a
legislação prevê apreensão e destinação pública do bem oriundo de infração tributária ou penal.
O confisco, sim, é uma sanção que difere do tributo e ao mesmo tempo afasta sua incidência por
absoluta ausência de capacidade contributiva do sujeito passivo que teve seus bens confiscados.
Outrossim, em havendo confisco, há confusão do sujeito ativo e o sujeito passivo do tributo.
A jurisprudência do STJ caminha exatamente no sentido da tributação dos efeitos da atuação
ilícita:
“EMENTA: Recurso especial. Penal, Peculato. Condenação. Sonegação Fiscal de Renda
proveniente de atuação ilícita. Tributabilidade. Inexistência do ‘bis in idem’. Bens jurídicos
tutelados nos tipos penais distintos. Punibilidade.
São tributáveis, ‘ex vi’ do art. 118, do Código Tributário Nacional, as operações ou
atividades ilícitas ou imorais, posto a definição legal do fato gerador é interpretada com
abstração da validade jurídica dos atos efetivamente praticados pelos contribuintes,
responsáveis ou terceiros, bem como da natureza do seu objeto ou dos seus efeitos.
Não constitui ‘bis in idem’ a instauração de ação penal para ambos os crimes, posto
caracterizados peculato e sonegação fiscal, reduzindo-se, porém, a pena para o segundo crime
à vista das circunstâncias judiciais.
Recurso conhecido e provido” (REsp no 182563-RJ, Rel. Min. José Arnaldo da
Fonseca, DJ de 23-11-1998, p. 198).
“EMENTA: PENAL. HABEAS CORPUS. ART. 1o, I, DA LEI No 8.137/90. SONEGAÇÃO
FISCAL DE LUCRO ADVINDO DE ATIVIDADES ILÍCITAS. ‘NON OLET’.
Segundo a orientação jurisprudencial firmada nesta Corte e no Pretório Excelso, é possível
a tributação sobre rendimentos auferidos de atividade ilícita, seja de natureza civil ou penal; o
pagamento de tributo não é uma sanção (art. 4o do CTN – ‘que não constitui sanção por ato
ilícito’), mas uma arrecadação decorrente de renda ou lucro percebidos, mesmo que obtidos de
forma ilícita (STJ: HC 7.444/RS, 5a Turma, Rel. Min. Edson Vidigal, DJ de 03.08.1998). A
exoneração tributária dos resultados econômicos de fato criminoso – antes de ser corolário do
princípio da moralidade – constitui violação do princípio de isonomia fiscal, de manifesta
inspiração ética (STF: HC 77.530/RS, Primeira Turma, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, DJU de
18/09/1998). Ainda, de acordo com o art. 118 do Código Tributário Nacional a definição legal
do fato gerador é interpretada com abstração da validade jurídica dos atos efetivamente
praticados pelos contribuintes, responsáveis ou terceiros, bem como da natureza do seu objeto
ou dos seus efeitos (STJ: REsp 182.563/RJ, 5a Turma, Rel. Min. José Arnaldo da Fonseca, DJU
de 23/11/1998).
Habeas corpus denegado” (HC no 83.292-SP, Rel. Min. Felix Fischer, DJUde 18-2-2008).
6.2.2Domínio útil
Dispunha o Código Civil anterior em seu art. 678:
“Dá se a enfiteuse, aforamento ou emprazamento, quando por ato entre vivos, ou de
última vontade, o proprietário atribui a outro o domínio útil do imóvel, pagando a
pessoa, que o adquire, e assim se constitui enfiteuta, ao senhorio direto uma pensão, ou
foro anual, certo e invariável.”
Apenas as terras não cultivadas ou terrenos que se destinam a edificação poderiam ser objetos
de enfiteuse (art. 680). O proprietário que não quisesse usufruir do imóvel podia ceder a outrem
(enfiteuta) em caráter perpétuo o respectivo direito de uso e gozo mediante pagamento de um
foro. Dessa forma, o enfiteuta passava a ser titular do domínio útil, ficando o proprietário apenas
com o domínio direto.
Tratava-se de um instituto arcaico que não mais se justificava ante os institutos jurídicos
modernos e mais eficientes. Por isso, o art. 2.038 do novo Código Civil proibiu a constituição de
enfiteuses e subenfiteuses, subordinando-se as existentes, até sua extinção, às disposições
pertinentes do Código Civil de 1916 e leis posteriores.
Isso significa que, na prática, não vai mais ocorrer o fato gerador do ITBI fundado na
transmissão do domínio útil.
6.2.3Bens imóveis por natureza e por acessão física
Bens imóveis são aqueles que não se podem transportar sem destruição, de um lugar para
outro, conforme Silvio Rodrigues, que adota a definição de Clóvis Bevilacqua.6
O Código Civil vigente não mais distingue os imóveis por natureza, por acessão física e por
acessão intelectual como fazia o Código de 1916. Porém, os referidos conceitos ainda subsistem
conforme adiante expostos.
Segundo dispõe o art. 79 do CC, são bens imóveis o solo e tudo quanto se lhe incorporar
natural ou artificialmente.
À sombra do art. 43 do CC anterior floresceu na doutrina o conceito de bens imóveis por
natureza, considerando o solo e suas adjacências naturais, compreendendo as árvores e os frutos
pendentes, o espaço aéreo e o subsolo em altura e profundidade úteis ao exercício do direito de
propriedade, respectivamente.
O conceito de imóveis por acessão física, que estava expresso no art. 43, II, do CC anterior,
continua sendo atual como se depreende do art. 79 do CC vigente:
“Art. 79. São bens imóveis o solo e tudo quanto se lhe incorporar natural ou
artificialmente.”
Os bens incorporados, na verdade, são bens móveis por sua natureza, como telhas, tijolos,
caibros, canos etc. Só que depois de incorporados ao solo não podem ser transportados sem
destruição. Exatamente essa situação em que a coisa incorporada não permite sua remoção, sem
destruição, modificação ou dano caracteriza a acessão que, segundo a doutrina civilista significa
“justaposição, aderência de uma coisa à outra, de modo que a primeira absorva a segunda”.7
A doutrina civilista reconhece além dos bens imóveis por natureza e por acessão
retroexaminados os bens imóveis por acessão intelectual e os bens imóveis por definição de lei.
Estes últimos correspondem aos arrolados no art. 80 do atual CC (art. 44 do CC/1916) analisados
no item 6.2.4, e aqueles correspondem a bens mencionados no art. 43, III do Código anterior, sem
correspondência no Código atual e que assim dispunha:
“III – Tudo quanto no imóvel o proprietário mantiver intencionalmente empregado
em sua exploração industrial, aformoseamento ou comodidade.”
São conhecidos, também, como bens imóveis por destinação do proprietário, porque depende
da vontade do dono de mantê-los incorporados a um prédio. Esses bens, na realidade, são móveis
pela sua natureza, como um quadro para enfeitar a sala, maquinários e instalações industriais que,
ao contrário dos bens imóveis por acessão, comportam remoção sem destruição da coisa. Trata-
se de mera ficção legal equiparando bens móveis a imóveis tão somente em função da destinação
dada pelo dono desses bens.
Essa categoria de bens imóveis não pode integrar a definição do fato gerador do ITBI, que
se limita a bens imóveis por natureza e por acessão física.
Portanto, na venda de um prédio industrial, os valores das instalações e equipamentos
removíveis, bem como de demais bens móveis considerados bens imóveis por destinação do seu
proprietário, não devem integrar a base de cálculo do ITBI.
6.2.4Direitos reais sobre imóveis
São aqueles considerados imóveis para os efeitos legais. Estavam previstos no art. 44 do
Código anterior. O art. 80 do CC vigente assim prescreve:
“Art. 80. Consideram-se imóveis para os efeitos legais:
I – os direitos reais sobre imóveis e as ações que os asseguram; II – o direito à
sucessão aberta.”
Alguns autores deixam de abordar o disposto no inciso II por entender que a matéria diz
respeito exclusivamente à transmissão de bens causa mortisque é tributada pelo Estado-membro
(art. 155, I, da CF).
Contudo, há que se ponderar que esse dispositivo legal, para efeitos legais, considera como
imóvel o direito à sucessão aberta. Se assim é, a cessão desse direito configura fato gerador do
ITBI à luz do que dispõe o inciso III do art. 35 do CTN.
Porém, no caso de renúncia à herança ou legado antes de sua aceitação e a favor do monte
não há cessão de direitos hereditários, e, por conseguinte, não há incidência do ITBI.
Interessa mais de perto para o ITBI o exame do inciso I. Silvio Rodrigues, com apoio em
Lafayete, conceitua o direito real como uma relação jurídica que afeta a coisa direta e
imediatamente, sob todos ou sob certos aspectos, e a segue em poder de quem quer que a detenha.8
Exemplo mais completo de direito real é o domínio, mas como pondera Silvio
Rodrigues, “nada impede que um ou alguns dos poderes elementares do domínio dele se
destaquem para se incorporarem ao patrimônio de outrem. Essa pessoa, em cujo patrimônio tal
poder se incorporou, passa a ser titular de um direito real sobre a coisa alheia”.9
O art. 1.225 do CC arrola os seguintes direitos reais: a propriedade; a superfície; as servidões;
o usufruto; o uso; a habitação; o direito do promitente-comprador do imóvel; o penhor; a hipoteca;
e a anticrese. Somente a lei pode criar direitos reais, por isso o rol desse art. 1.225 é taxativo.
Conforme o art. 1.227 do CC, os direitos reais sobre imóveis constituídos, ou transmitidos
por ato inter vivos, só se adquirem com o registro no Cartório de Registro de Imóveis dos referidos
títulos, salvo os casos excepcionados pelo próprio Código.
6.2.4.1A propriedade
Na verdade, a propriedade está referenciada na primeira parte do inciso II do art. 156 da CF
porque os bens imóveis, por natureza ou acessão física constituem objeto da propriedade, cuja
transmissão foi eleita como veículo de incidência do ITBI. Contudo, o CC arrola a propriedade
entre os direitos reais referidos na segunda parte do inciso II do art. 156 da CF.
Daí por que se deve entender que a propriedade é um direito real maior, mais completo que
sobressai entre outros direitos reais de menor alcance. Entender de outra forma seria fundir as
duas partes do inciso II do art. 156 da CF que estão separadas pelo conectivo
“e”: “transmissão inter vivos, a qualquer título, por ato oneroso de bens imóveis, por natureza
ou acessão física,e de direitos reais sobre imóveis”.
O art. 1.228 do CC confere ao proprietário a faculdade de usar, gozar e dispor da coisa e o
direito de reavê-la do poder de quem quer que injustamente a possua ou detenha. Costuma-se
dizer que a propriedade tem caráter absoluto, perpétuo e exclusivo.
Sabemos que o caráter absoluto foi flexibilizado, pois a função social da propriedade é
elemento estrutural do próprio direito de propriedade. Outrossim, o caráter perpétuo, também,
está afetado pelo instituto da desapropriação mediante pagamento prévio da justa indenização.
6.2.4.2O direito de superfície
Está disciplinado nos arts. 1.369 a 1.377 do CC e, também, nos arts. 21 a 24 do Estatuto da
Cidade, Lei no 10.257/01.
O proprietário urbano poderá conceder a outrem o direito de superfície do seu terreno
mediante escritura pública registrada no Cartório de Registro de Imóveis, por ato oneroso ou
gratuito e por tempo determinado ou indeterminado. Esse direito abrange o direito de utilizar o
solo, o subsolo ou o espaço aéreo relativo ao terreno, na forma prevista no contrato, observada a
legislação urbanística.
Interessa ao ITBI apenas a concessão onerosa do direito de superfície.
6.2.4.3As servidões
As servidões estão disciplinadas nos arts. 1.378 a 1.389 do CC.
Segundo a definição clássica de Lafayete, a servidão predial é o “direito real constituído em
favor de um prédio (o dominante), sobre outro prédio (o serviente), pertencente a dono
diverso”. Silvio Rodrigues acrescenta a esse conceito a ideia de que “a servidão tem por fim
aumentar a utilidade do prédio dominante e implica em restrições trazidas ao prédio
serviente”.10 Aliás, é o que deflui dos arts. 1.378 e 1.383 do CC.
6.2.4.4O usufruto
Esse direito real está regulado pelos arts. 1.390 a 1.411 do CC. Sinteticamente, pode ser
definido como sendo “direito real que permite ao seu titular retirar da coisa alheia, durante um
certo tempo, os frutos e utilidades que ela produz, sem que se lhe altere a substância ou
destino”, conforme ensina Pedro Nunes.11
O dono da coisa, despojada de suas utilidades, recebe o nome de nu-proprie-tário,
permanecendo apenas com a posse indireta, enquanto a posse direta fica com o usufrutuário.
Normalmente, as legislações municipais preveem a redução do valor venal para 1/3 em caso
de instituição de usufruto; a sua redução para 2/3 em caso de transmissão de nua propriedade; a
sua redução para 80% em caso de instituição de enfiteuse e de sua transmissão; e a redução do
valor venal para 20% em caso de transmissão do domínio direto. Em caso de consolidação da
propriedade plena na pessoa do proprietário, o ITBI deverá ser calculado sobre o valor do
usufruto, uso ou enfiteuse, conforme a hipótese.
6.2.4.5O uso
É um direito real disciplinado pelos arts. 1.412 e 1.413 do CC. É espécie de usufruto, mas
dele se distingue pela limitação do benefício às necessidades do usuário e de sua família.
6.2.4.6A habitação
É direito real regulado pelos arts. 1.414 e 1.416 do CC. Consiste no direito de habitar
gratuitamente a casa alheia. É mais restrito que o direito de uso, pois é imprescindível que o
próprio titular desse direito resida no imóvel com sua família. Ele não pode ceder, alugar ou
emprestar o imóvel. Tanto à habitação quanto ao uso aplicam-se, no que couber, as disposições
relativas ao usufruto.
6.2.4.7O direito do promitente-comprador do imóvel
O art. 1.417 do CC incorporou a regra do art. 22 do Decreto-lei no 58, de 10-12-1937, com a
redação dada pela Lei no 649, de 11-3-1949, segundo a qual a promessa irretratável de venda de
um bem imóvel, desde que registrada no Registro de Imóveis competente, confere ao
compromissário-comprador um direito real sobre a coisa objeto de venda. Dessa forma, o
compromissário-comprador é titular de direito oponível erga omnes, com a faculdade de requerer
a adjudicação compulsória na hipótese de o promitente-vendedor recusar a outorga da competente
escritura de compra e venda, após a quitação do preço pactuado.
Assim, com o registro do compromisso de compra, ocorre, sem dúvida, o fato gerador do
ITBI à luz do inciso II do art. 35 do CTN.
A divergência doutrinária e jurisprudencial é apenas aparente. A legislação tributária da
maioria dos Municípios prevê o recolhimento da sisa no ato da celebração da promessa de venda,
principalmente quando celebrada por instrumento público, hipótese em que prescreve sanções
contra o Tabelião caso não exija o prévio recolhimento do imposto.
Ora, no caso, não é devido o imposto, quer porque o compromisso de venda não opera
transmissão da propriedade imobiliária como exige o inciso I do art. 35 do CTN, quer porque o
compromisso sem registro não configura direito real como exige o inciso II do mesmo artigo.
Em relação ao compromisso registrado não pode haver dúvida alguma, pois, segundo afirma
acertadamente Osmar Augusto Leite Melo, configura “hipótese passível de tributação que se
encontra absolutamente clara na CF/1988”.12
6.2.4.8Concessão de uso especial para fins de moradia
Esse direito real foi introduzido pela Lei no 11.481/07 que acrescentou o inciso XI ao art.
1.225 do Código Civil. Trata-se de instituto utilizado para regularização da ocupação de imóvel
integrante do patrimônio público, classificado na categoria de bens dominicais, isto é, não
destinado ao uso comum do povo, nem ao uso especial da administração pública. A concessão é
sempre dependente de autorização legislativa da entidade política competente. O art. 183 da CF
prescreve que aquele que possuir como sua área urbana de até duzentos e cinquenta metros
quadrados, por cinco anos, ininterruptamente e sem oposição, utilizando--a para sua moradia ou
de sua família, adquirir-lhe-á o domínio, desde que não seja proprietário de outro imóvel urbano
ou rural. O § 1o prescreve que o título de domínio e a concessão de uso serão conferidos ao homem
ou à mulher, ou a ambos, independentemente do estado civil.
6.2.4.9Concessão de direito real de uso
A Medida Provisória no 700, de 8-12-2015, acrescentou o inciso XII ao art. 1.225 do Código
Civil para incluir a concessão de direito real de uso no rol de direitos reais. Essa concessão pode
ser a título gratuito ou a título oneroso e é feita por tempo determinado, sempre dependente de
autorização legislativa do ente político titular de domínio do bem a ser concedido.
6.2.4.10Direitos oriundos da imissão provisória na posse, quando concedida à União,
aos Estados, ao Distrito Federal, aos Municípios ou às suas entidades delegadas e
respectiva cessão e promessa de cessão
Esse direito real foi acrescido pela Medida Provisória no 700, de 8-12-2015, mediante
inclusão do inciso XIII ao art. 1.225 do CC. Essa medida vem de encontro à realidade, pois,
embora denominada “imissão provisória“, na verdade, ela é definitiva, porque a ação de
desapropriação é irreversível, salvo raríssimas hipóteses de desistência da ação pelo poder público
antes do pagamento do justo preço e enquanto não desnaturado o bem objeto de expropriação.
Quando da desapropriação de imóveis para implantação de reforma urbanística nas áreas
periféricas à implantação dos terminais do Metrô Santana/Jabaquara, foi preciso que a
Municipalidade de São Paulo obtivesse da Corregedoria-Geral da Justiça um Provimento
específico autorizando o registro de imóveis a proceder a averbação das imissões provisórias, para
poder dar início às edificações. Agora, com a introdução do art. 176-B à Lei no 6.015, de 31-12-
1973, pela mesma Medida Provisória no700/15, tornou-se possível registrar o ato de imissão
provisória na posse decorrente de desapropriação.
6.2.5Direitos reais de garantia
São três as espécies de garantias reais previstas no Código Civil: o penhor, a hipoteca e a
anticrese. Não têm interesse no estudo do ITBI porque tais direitos reais estão expressamente
excluídos do âmbito de abrangência do imposto (art. 156, II, in fine, da CF e art. 35, II, in fine, do
CTN).
Apesar de excluídos do âmbito de incidência do ITBI, por expressão disposição
constitucional, convém fazer breve referência a esses três direitos reais de garantia.
O penhor é um direito real de garantia que envolve a transferência efetiva da posse que, em
garantia do débito ao credor ou a quem o represente, faz o devedor, ou alguém por ele, de uma
coisa móvel suscetível de alienação, conforme prescrição do art. 1.431 do CC. Nos termos do
parágrafo único desse mesmo artigo, tratando-se de penhor rural, industrial, mercantil e de
veículos, as coisas empenhadas continuam em poder do devedor, que as deve guardar e conservar.
O que antes era uma faculdade pela inserção de cláusula constituti, o Código Civil vigente tornou
obrigatória a permanência dos bens empenhados em poder do devedor naquelas hipóteses
mencionadas no parágrafo único do art. 1.431. A hipoteca tem a mesma origem do penhor,
distinguindo deste último por ter como objeto dado em garantia de uma dívida apenas bens
imóveis ou bens móveis que por expressa determinação legal são considerados imóveis, como os
navios, os aviões etc. A hipoteca é, pois, um direito real de garantia que incide sobre o bem imóvel
do devedor ou de terceiro, a qual não implica transferência de posse para o credor. Não há
impedimento na alienação do bem hipotecado, pois a hipoteca grava o imóvel e este continuará
garantindo o credor independentemente da alteração de seu proprietário. A hipoteca está regulada
no Código Civil pelos arts. 1.473 a 1.505. A anticrese está regulada no Código Civil em seus arts.
1.506 a 1510. Consiste na faculdade que tem o devedor ou alguém por ele de entregar um bem
imóvel ao credor, concedendo-lhe o direito de perceber os frutos e rendimentos, em compensação
da dívida.
6.3O MUNICÍPIO COMPETENTE PARA INSTITUIR O ITBI – ART. 41 DO CTN
Dispõe o art. 41 do CTN:
“Art. 41. O imposto compete ao Estado13 da situação do imóvel transmitido, ou sobre
que versarem os direitos cedidos, mesmo que a mutação patrimonial decorra de sucessão
aberta no estrangeiro.”
Relembre-se que o CTN foi editado em 1966, quando o Imposto sobre Transmissão de Bens
Imóveis em geral era de competência estadual não distinguindo o caráter gratuito ou oneroso
dessa transmissão, nem se se cuida de transmissão entre vivos ou de transmissão decorrente de
sucessão aberta.
O art. 41 está ligado ao aspecto espacial do fato gerador. Ao apegar-se ao princípio da
territorialidade da norma municipal, o aludido dispositivo legal fixou a competência do sujeito
ativo do imposto.
De fato, a Constituição Federal, ao inserir o ITBI no âmbito de competência impositiva
municipal, cuidou, desde logo, de fixar a competência do Município da situação do bem (art. 156,
§ 2o, II).
Se o bem estiver situado no Distrito Federal, cabe a ele instituir e arrecadar o ITBI nos termos
do art. 147, in fine, da CF:
“Art. 147. Competem à União, em Território Federal, os impostos estaduais e, se o
Território não for dividido em Municípios, cumulativamente, os impostos municipais; ao
Distrito Federal cabem os impostos municipais.”
Esse critério da territorialidade adotado em relação ao ITBI não foi observado pelo legislador
infraconstitucional em relação ao ISS em que não há previsão constitucional da aplicação desse
princípio.
De fato, na forma do art. 3o da Lei Complementar no 116, de 31-7-2003, ressalvadas as
hipóteses aí excepcionadas, considera prestado o serviço e devido o imposto no local do
estabelecimento prestador, ou, na falta deste, no local do domicílio do prestador.
Esse art. 3o deve ser interpretado como exceção ao princípio da territorialidade das normas
tributárias municipais, de conformidade com o disposto no art. 102 do CTN:
“Art. 102. A legislação tributária dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios
vigora, no País, fora dos respectivos territórios, nos limites em que lhe reconheçam
extraterritorialidade os convênios de que participem, ou do que disponham esta ou
outras leis de normas gerais expedidas pela União.”
O aspecto especial do fato gerador do ITBI, a exemplo do IPTU, pode suscitar problemas
práticos de difícil solução na hipótese de o imóvel situar-se no território abrangido por dois ou
mais municípios. Esse assunto será abordado no Capítulo 8 pertinente ao exame de casos
polêmicos.
Outro aspecto que merece lembrança no que tange à competência impositiva é o que diz
respeito à outorga de isenção, que é corolário da tributação.
Somente o ente político legitimado a instituir o imposto tem o poder de outorgar a isenção
desse imposto, observado, ainda, o princípio da especialidade previsto no art. 150, § 6o, da CF.
No regime constitucional anterior (Constituição de 1967 e Emenda no1/69), vigorava a
chamada isenção heterônoma. A União, mediante lei complementar, podia isentar impostos
estaduais e municipais atendendo a relevante interesse social ou econômico nacional (art. 20, §
2o, da CF/67 e art. 19, § 2o, da Emenda no 1/69). Essa faculdade conferida à União atritava com o
princípio federativo que preside a independência e autonomia dos entes federados. Por isso, a
Constituição Democrática de 1988 fez prescrever, na verdade sem necessidade, a proibição de a
União instituir isenções de tributos da competência dos Estados, do Distrito Federal ou dos
Municípios (art. 151, III).
Alguns autores com base nesse inciso III do art. 151 da CF sustentam a invalidade dos
tratados e convenções internacionais que preveem isenção de impostos locais e regionais. Mas
essa é uma questão que nada tem a ver com a isenção no plano do direito interno. Sobre o assunto
remetemos o leitor ao item 3.1.1.16.
Por derradeiro, a competência tributária é indelegável nos termos do art. 7o do CTN:
“Art. 7o A competência tributária é indelegável, salvo atribuição das funções de
arrecadar ou fiscalizar tributos, ou de executar leis, serviços, atos ou decisões
administrativas em matéria tributária, conferida por uma pessoa jurídica de direito
público a outra, nos termos do § 3o do artigo 18 da Constituição.14
§ 1o A atribuição compreende as garantias e os privilégios processuais que
competem à pessoa jurídica de direito público que a conferir.
§ 2o A atribuição pode ser revogada, a qualquer tempo, por ato unilateral da pessoa
jurídica de direito público que a tenha conferido.
§ 3o Não constitui delegação de competência o cometimento, a pessoas de direito
privado, do encargo ou da função de arrecadar tributos.”
Essa indelegabilidade resulta da expressão da vontade do legislador constituinte na
estruturação jurídica do Estado, que não pode ser modificada pelo legislador infraconstitucional
ao sabor dos interesses e conveniências do momento. Se assim fosse, a estrutura jurídica do
Estado, delineado pelo Poder Constituinte, repartindo as competências entre os entes
componentes da Federação e entre determinados órgãos, desapareceria.
Não há dúvida, portanto, de que o art. 7o do CTN tem base constitucional. Somente por
expressa previsão na própria Constituição poderia existir delegação legislativa. E em matéria de
exercício da competência tributária essa delegação não existe. Pelo contrário, está implicitamente
vedada pelo princípio da discriminação de rendas tributárias (arts. 153, 155 e 156 da CF). Somente
o ente político autorizado pode instituir o imposto, estando vedada à entidade política não
contemplada a instituição desse imposto. No caso de exercício simultâneo da competência
tributária, haveria bitributação jurídica, que é inconstitucional. De fato, se determinado imposto
é privativo de um dos entes da Federação, o mesmo imposto instituído por outro ente só poderá
ser inconstitucional.
Outrossim, as funções de arrecadar ou de fiscalizar tributos ou de executar leis tributárias
podem ser delegadas.
Aliás, a parte final do inciso XXII do art. 37 da CF prescreve que as administrações tributárias
da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, atividades essenciais ao
funcionamento do Estado, “atuarão de forma integrada, inclusive, com o compartilhamento de
cadastro e de informações fiscais, na forma da lei ou convênio”.
E mais, com relação ao Imposto Territorial Rural (ITR), a Constituição Federal prescreve
que “será fiscalizado e cobrado pelos Municípios que assim optarem, na forma da lei, desde que
não implique redução do imposto ou qualquer outra forma de renúncia fiscal” (art. 153, § 4o, III).
Na verdade, a advertência da parte final do dispositivo supratranscrito é até desnecessária,
porque a delegação para fiscalizar e arrecadar nada tem a ver com a competência impositiva, que
significa o poder de instituir, por lei, o imposto com que o ente político foi contemplado na divisão
do bolo tributário pelo Poder Constituinte.
Uma coisa é a competência tributária, que é indelegável, e outra coisa bem diversa é a
capacidade tributária ativa, que é delegável conforme já decidido pelo STF.15 Essa delegação,
como se depreende do § 1o do art. 7o, abrange as garantias e os privilégios processuais que
competem ao ente político delegante. A referida delegação, conforme prescrito no § 2o do art. 7odo
CTN, pode ser revogada, a qualquer tempo, e unilateralmente pelo titular de competência
tributária.
No meu entender, a fiscalização e arrecadação do ITR por opção do Município, na forma da
lei, conforme previsão do art. 153, § 4o, III, da CF não podem ser retiradas da esfera do poder
público municipal pela simples aplicação do § 2o do art. 7o do CTN editado na vigência da
Constituição de 1946. O exercício da opção pelo Município implica prévia estruturação de sua
administração tributária com reforço de recursos pessoais e materiais para fazer face à fiscalização
e à arrecadação de um novo imposto, pelo que o ente político titular da competência tributária não
pode da noite para o dia revogar a delegação.
6.4O CONTRIBUINTE DO ITBI – ART. 42 DO CTN
A eleição do sujeito passivo da obrigação tributária em matéria de ITBI ficou a cargo da
legislação de cada Município que pode escolher qualquer das partes na operação tributada,
conforme prescreve o art. 42 do CTN:
“Art. 42. Contribuinte do imposto é qualquer das partes na operação tributada,
como dispuser a lei.”
Conforme exposto no item 4.2.2, o sujeito passivo da obrigação tributária pode ser o
contribuinte, pessoa que tem relação pessoal e direta com a situação que constitui o fato gerador,
ou o responsável tributário, que sem revestir a condição de contribuinte, sua obrigação decorre de
expressa disposição legal. De fato, a lei pode atribuir a responsabilidade pelo crédito tributário à
terceira pessoa, vinculada ao fato gerador da respectiva obrigação.
A maioria das legislações municipais optou pela eleição do comprador como contribuinte do
ITBI nas operações de compra e venda de bens imóveis, e eleição do cedente em relação à cessão
de direitos a eles relativos. O legislador tributário seguiu a tradição da legislação civil. O Código
Civil imputa ao adquirente as despesas da escritura, e ao vendedor as de tradição, na ausência de
pacto em contrário (art. 490). Outrossim, o art. 862, na ausência de convenção em contrário,
atribui ao adquirente as despesas da transcrição dos títulos de transmissão da propriedade e ao
devedor as da inscrição do ônus real.
Essa definição de contribuinte do ITBI não tem muita relevância jurídica, posto que se trata
de fato gerador que tem acento em um contrato bilateral. Na prática, tem sua importância à medida
que previne discussões acerca da responsabilidade pelo pagamento do imposto. Porém, em última
análise, o imposto acaba sendo pago de fato pela parte que maior interesse tiver na consumação
do negócio. Em relação às despesas de registro da escritura aquisitiva, na falta de convenção, o
imposto deverá ser pago por quem tiver interesse nesse registro, ou seja, pelo comprador nas
hipóteses em que a legislação do Município tenha eleito o aspecto temporal do fato gerador do
ITBI para o momento da transmissão imobiliária que se dá com o registro do título de
transferência. A maioria dos Municípios, dentre os quais, o da Capital do Estado de São Paulo,
exige o pagamento do imposto no ato da lavratura da escritura de compra e venda, contrariando
a própria conceituação constitucional do imposto que incide sobre a transmissão inter vivos de
bens imóveis. Ora, transmissão da propriedade imobiliária, nos termos do art. 1.245 do CC, só se
opera com o registro do título de transferência no Registro de Imóveis competente.
6.5A BASE DE CÁLCULO DO ITBI – ART. 38 DO CTN
A base de cálculo é um dos aspectos quantitativos do fato gerador.
Segundo o art. 38 do CTN, a base de cálculo do ITBI “é o valor venal dos bens ou direitos
transmitidos”.
A definição da base de cálculo é matéria submetida ao princípio da reserva legal (art. 97, IV,
do CTN), precedida de prévia definição em caráter de norma geral, por lei complementar (art.
146, III, a, da CF).
Mas será suficiente que a lei municipal prescreva que a base de cálculo é o valor venal do
imóvel, ou dos bens ou direitos transmitidos, como pondera parcela da doutrina especializada?
Parece-nos que não, pois a base de cálculo espelha o aspecto quantitativo do tributo, que
representa um conceito determinado, sendo, portanto, elemento essencial à sua existência.
Como se sabe, o elemento quantitativo do fato gerador compõe-se de base de cálculo, que é
uma ordem de grandeza sobre a qual incide a alíquota.
Logo, não basta dizer que a base de cálculo é o valor venal do imóvel, ou dos bens ou direitos
transmitidos para aplicar na operação de lançamento o conceito doutrinário.
Conceituamos o valor venal como sendo aquele preço que seria alcançado em uma operação
de compra e venda à vista, em condições normais do mercado imobiliário, admitindo-se a
diferença de até 10% para mais ou para menos (Cf. nosso Direito financeiro e tributário, 24. ed.
Atlas, 2015, p. 499).
Dessa conceituação, da qual não discrepa a doutrina especializada, verifica--se que se trata
de um mero parâmetro dirigido ao legislador, a quem incumbe a definição da base de cálculo, de
sorte a não extrapolar o valor de mercado, admitindo-se a diferença aí apontada. Sendo o tributo
um conceito determinado, o que é raro em Direito, resta evidente que descabe a cogitação de
incidência de uma alíquota sobre um valor que não seja certo. Quem exige tributo deve apontar o
seu exato valor, o que se obtém por meio do lançamento tributário, um procedimento
administrativo vinculado, na forma do art. 142 do CTN.
Logo, pressupõe preexistência de lei definindo critérios objetivos para a apuração do valor
unitário do metro quadrado da construção e do terreno considerando os diferentes tipos e padrões
de construção, bem como sua localização nas diferentes zonas fiscais em que se subdividem a
zona urbana do Município.
No Município de São Paulo vigora a Lei no 10.235/86, que aprovou seis tabelas anexas
contendo listagem de valores, possibilitando a apuração do valor unitário do metro quadrado de
construção e do terreno (art. 2o). Essa lei é conhecida também como lei que aprova a Planta
Genérica de Valores (PGV).
Por conseguinte, na ausência de PGV específica para lançamento de ITBI por homologação
cabe ao contribuinte valer-se da PGV editada para fins de lançamento do IPTU. Aliás, seria até
estranho que cada imóvel tivesse dois valores distintos: um para lançamento do IPTU e outro para
lançamento do ITBI. A base de cálculo, que é um dado objetivo e real, não deve variar em função
deste ou daquele imposto; o quantum do tributo desejado pelo sujeito ativo deve, no caso, ser
mensurado pela dosagem da alíquota incidente sobre a base de cálculo. Tanto para o ITBI, como
para o IPTU o Município deve buscar o exato valor da base de cálculo (valor venal) na sua lei de
regência, não sendo permitido o apego ao conceito doutrinário de valor venal para, por meio de
uma interpretação canhestra, exigir o recolhimento do ITBI com base em valores de mercado
fixados concretamente para todos os imóveis cadastrados, com fundamento em “pesquisas de
mercado”, o que é um verdadeiro absurdo jurídico.
Pesquisas de mercado servem para orientar a ação do legislador na fixação de critérios
objetivos para apuração do valor unitário do metro quadrado da construção e do terreno, jamais
para proceder ao lançamento tributário. O Executivo deve efetuar essa pesquisa para efeito de
elaboração de projeto de lei de apuração do valor venal ou de sua atualização para se ajustar à
nova realidade imobiliária.
O que é relevante juridicamente para aplicação da alíquota do ITBI sobre o valor venal não
é o seu conceito doutrinário, mas a sua definição legal, que outra coisa não é senão aquele valor
total que resulta da aplicação do valor unitário do metro quadrado da construção e do terreno
correspondente, previsto em lei, sobre as áreas da construção e do terreno objetos de lançamento
tributário.
O conceito legal de valor venal, base de cálculo do imposto, no Município de São Paulo, há
de ser buscado na Lei no 10.235/86, afastando-se de vez a interminável confusão entre o valor de
mercado, ou da efetiva transação imobiliária, com o valor venal que resulta da aplicação da lei de
regência da matéria. Consoante já escrevemos, o “valor venal é o preço que determinado imóvel
alcançaria em uma operação de compra e vemda, a vista, segundo as condições usuais do mercado
imobiliário, admitindo a variação de dez por cento para mais ou para menos”. 16
Por isso, a disponibilização, pela Prefeitura, com efeito vinculante, do valor venal de cada
imóvel cadastrado, por meios eletrônicos e periodicamente reajustável com base em pesquisas de
mercado, como determina a legislação do Município de São Paulo, é absolutamente
inconstitucional por implicar afastamento da lei de regência da matéria e consequentemente
vulnerar o princípio da legalidade tributária. A coleta de dados serve para embasar o projeto de
lei de apuração do valor venal, nunca para efetuar o lançamento, que é procedimento
administrativo vinculado. Ao valor de cada imóvel cadastrado, encontrado por meio de pesquisas
de mercado e atualizado periodicamente pela Secretaria Municipal de Finanças, como determina
o art. 7o-A da Lei no 11.154/91, a legislação municipal deu o nome de Valor Venal de Referência
para distinguir do Valor Venal que é base de cálculo do IPTU. Essa distinção não encontra amparo
no Código Tributário Nacional que define a base de cálculo do IPTU como o valor venal do
imóvel (art. 33), e a base de cálculo do ITBI como o valor venal dos bens ou direitos transmitidos
(art. 38). Alguns autores buscam a diferenciação entre as duas bases de cálculo sustentando que
no caso do ITBI é o valor venal dos bens “transmitidos” para concluir que se trata de valor
efetivamente acertado e praticado pelas partes na operação de compra e venda.17 O equívoco é
manifesto. A palavra “transmitidos” tem o sentido de bens objetos de transmissão, isto é, de bens
que irão ser oportunamente transmitidos. A lei não cuida de caso concreto, mas de situação
genérica e abstrata. E mais, o texto legal não se refere a preços de bens transmitidos, mas ao valor
venal dos bens transmitidos. Da mesma forma, se a lei disse em relação à base de cálculo do IPTU
que é o valor venal do imóvel do proprietário, do titular do domínio útil ou do possuidor a qualquer
título, nada mudaria. Cabe ao jurista fazer a interpretação do texto dentro do sistema jurídico
como um todo, e não se apegar à expressão literal do texto.
Mas confessamos que a matéria não está pacificada na doutrina, nem na jurisprudência que
tem se apegado ao conceito doutrinário e à noção teórica acerca de tributo avaliável.
Nos chamados tributos avaliáveis, como são os casos do Imposto Predial e Territorial Urbano
(IPTU) e do Imposto sobre Transmissão inter vivos de Bens Imóveis e de Direitos a ele relativos
(ITBI), reina confusão entre os planos do Legislativo e do Executivo.
Resta claro que o agente administrativo tributário competente deve apurar a base de cálculo
de cada imóvel por meio de operações aritméticas, para o lançamento do IPTU, ou homologação
do recolhimento antecipado pelo contribuinte, no caso do ITBI, o que não significa que ele deva
pesquisar o mercado imobiliário. No primeiro caso, ocorre o lançamento direto, conforme o art.
149 do CTN. No segundo caso, ocorre o lançamento por homologação, segundo preceituado no
art. 150 do CTN, que consiste no ato pelo qual a autoridade administrativa, tomando
conhecimento da atividade exercida pelo obrigado, expressamente a homologa. Na omissão da
autoridade administrativa, considera-se homologado o lançamento e extinto o crédito tributário
pelo decurso de prazo de cinco anos, a contar da data da ocorrência do fato gerador (§ 4º do art.
150 do CTN).
O certo é que qualquer que seja a modalidade do lançamento, este é sempre um procedimento
administrativo vinculado. A atividade do lançamento é obrigatória nos termos da lei, sob pena de
responsabilidade funcional do agente público. É o que está expresso no art. 142 e parágrafo único
do CTN.
Ora, se assim é, parece óbvio que não cabe ao agente fiscal competente pesquisar o mercado
imobiliário para apuração do valor venal do imóvel a cada caso concreto. Não compete ao
Executivo eleger os critérios ou métodos avaliativos para realizar o ato do lançamento, que é
procedimento administrativo vinculado. Vinculado a quê? Vinculado à lei que, com base nas
pesquisas feitas pelo Executivo, aprovou as Plantas Genéricas de Valores – PGVs.
No Município de São Paulo, a lei que dispõe sobre a forma de apuração do valor venal do
imóvel, para fins de lançamento do IPTU, é a Lei no10.235/86, na qual estão anexadas Tabelas de
I a VI, contendo listagem de valores, possibilitando a apuração do valor unitário do metro
quadrado da construção e do terreno (art. 2o). As Tabelas I a III referem-se à apuração do valor
unitário do terreno, considerados os diferentes fatores (profundidade, esquina, condomínio,
encravado etc.).
A Tabela IV contém fatores de depreciação da construção em razão da idade aparente. A
Tabela V tem seis tipos de construção, com seis padrões diferentes para cada tipo (residencial
horizontal, residencial vertical, comercial horizontal etc.). Finalmente, a Tabela VI divulga os
valores unitários do metro quadrado da construção para diferentes tipos e padrões de construção,
obtidos por meio de critérios indicados no art. 2o da Lei. O valor venal do imóvel resultará do
somatório do valor do terreno e da construção, apurados por meio dessas Tabelas, que podem ser
atualizados anualmente por Decreto, ou ter os seus valores majorados por lei, após nova pesquisa
de mercado.
A atividade do Executivo, por meio de seu agente tributário competente, resume-se no
enquadramento do imóvel, tributando em um dos tipos de construção e padrão previstos na lei e
nos diferentes fatores do terreno, para realizar as operações aritméticas com o objetivo de apurar
o valor venal do imóvel, a partir dos valores do metro quadrado da construção e do terreno que
estão apontados na lei. Não lhe é facultado proceder a consultas de mercado. Essa é uma atividade
típica do Executivo que antecede a elaboração do projeto de lei de instituição das Plantas
Genéricas de Valores, ou de majoração de valores neles expressos.
No caso do ITBI, cuja base de cálculo é, também, o valor venal do imóvel ou dos direitos
transmitidos, não poderia ser diferente. Por isso, os arts. 7o e 7o-A da Lei no 11.154/91 do
Município de São Paulo, que versam, respectivamente, sobre o valor de mercado como o valor
venal do imóvel e sobre disponibilização do valor venal concreto de cada um dos milhões de
imóveis cadastrados, são inconstitucionais, ilegais e abusivos. De fato, os valores venais
disponibilizados pelo fisco são de utilização compulsória, sob pena de não emissão do documento
de arrecadação do ITBI, cuja apresentação ao notário é obrigatória nos termos da legislação
municipal. Patente a violação do princípio da legalidade tributária, além de implicar exigência de
pagamento antecipado do imposto, que só seria devido por ocasião da ocorrência do fato gerador,
com a transmissão de propriedade imobiliária, que se dá com o registro do título de transferência
no registro imobiliário competente, nos termos do art. 1.245 do Código Civil.
Igualmente, aqueles dispositivos acabam descaracterizando o lançamento por homologação,
em que não é dado ao sujeito ativo interferir no ato do pagamento do tributo. Compete ao fisco
homologar a atividade exercida pelo contribuinte. Não concordando, cabe-lhe promover o
lançamento direto da diferença que entender devida, notificando o contribuinte para exercer o
contraditório. Contudo, a Lei municipal sob comento inverteu tudo. O fisco disponibiliza o valor
venal de referência que o contribuinte deve utilizar obrigatoriamente. Não concordando com esse
valor, diz o art. 7o-B que cabe ao contribuinte requerer a avaliação especial do imóvel,
apresentando os dados da transação e os fundamentos do pedido, conforme estabelecido em
portaria da Secretaria Municipal de Finanças. Na verdade, esses valores preestabelecidos pela
Prefeitura têm o mesmo sentido e conteúdo de uma pauta fiscal condenada pela Súmula 431 do
STJ18.
Não cabe à lei encontrar concretamente a base de cálculo de cada imóvel a ser transmitido.
Nesse particular, é oportuna a lição de Geraldo Ataliba, in verbis:
“Confirma-se, aí, que à lei cabe definir a base de cálculo dos tributos, mas não fixar
o valor da coisa objeto da tributação em cada caso concreto. Esta é tarefa
administrativa. Lei é norma genérica, abstrata e impessoal. A lei não cuida de casos
concretos, mas de hipóteses. Ao Executivo cabe, mediante ação administrativa, aplicar
o fato em sua previsão normativa e aplica a lei. O ato administrativo é sempre
concretização do comando abstrato e legal”.19
A toda evidência, confundiu-se o aspecto abstrato da norma que define os critérios avaliativos
com base nas pesquisas prévias de mercado feitas pelo Executivo com o aspecto concreto do
lançamento com fundamento nas Plantas Genéricas de Valores aprovadas por lei.
Dessa forma, transforma o lançamento, que é procedimento administrativo vinculado, em um
ato ilegal e arbitrário. Daí por que alguns imóveis figuram no site da Prefeitura com o valor venal
cinco vezes mais do que aquele consignado na notificação do lançamento do IPTU, feito de
conformidade com a lei.
O Superior Tribunal de Justiça tem dado guarida ao conceito doutrinário de valor venal para
validar a tributação pelo valor de mercado, bem como para distinguir a base de cálculo do IPTU,
que resulta da Planta Genérica de Valores – PGVs – aprovada por lei em sentido estrito, da base
de cálculo do ITBI – que dispensa a PGV –, conforme se verifica das ementas a seguir:
“Ementa. Tributário. ITBI. IPTU. Bases de cálculo. Valor venal. Identidade necessária.
Inexistência.
1. O valor venal do imóvel apurado para fins de ITBI não coincide, necessariamente, com
aquele adotado para lançamento do IPTU. Precedentes: AgRg no REsp 1.226.872/SP, Rel.
Ministro Castro Meira, DJe 23.4.2012; AgRg no AREsp 36.740/RS, Rel. Ministro Humberto
Martins, DJe 22.11.2011; AgRg no Ag 1.120.905/SP, Rel. Ministro Herman
Benjamin, DJe 11.9.2009.
2. O TJSP, na presente demanda, analisou única e exclusivamente a base de cálculo do ITBI,
à luz do art. 38 do CTN, entendendo pela indispensável identidade com a base do IPTU. A
demanda está em fase de execução e não há menção, nem mesmo implícita, à legislação
municipal ou a eventual arbitramento realizado pelo Fisco local, matérias estranhas ao pleito
recursal.
3. Recurso especial provido” (REsp no 1.199.964-SP; Rel. Min. Herman Benjamin, DJe 23-
10-2013).
“Processual civil e tributário. Embargos de declaração recebidos como agravo regimental.
ITBI. IPTU. Apuração da base de cálculo. Valor venal. Inexistência de vinculação.
1. A jurisprudência desta Corte é pacífica no sentido de que ‘o valor venal do imóvel apurado
para fins de ITBI não coincide, necessariamente, com aquele adotado para lançamento do IPTU’.
Precedentes: AgRg no REsp 1.226.872/ SP, Rel. Ministro Castro Meira, DJe 23/4/2012; AgRg no
AREsp 36.740/RS, Rel. Ministro Humberto Martins, DJe 22/11/2011; AgRg no Ag 1.120.905/ SP,
Rel. Ministro Herman Benjamin, DJe 11/9/2009.
2. Embargos de declaração recebidos como agravo regimental a que se nega
provimento” (EDcl no AREsp no 424555-SP, Min. Og Fernandes, Segunda Turma, DJe 20-2-
2014).
“Tributário. ITBI. Base de cálculo. Exame de Lei Municipal. Impossibilidade. Súmula 280
do STF.
1. Prevalece nesta Corte o entendimento de que a forma de apuração da base de cálculo e a
modalidade de lançamento do IPTU e do ITBI são diversas, razão que, em princípio, justifica a
não vinculação dos valores desses impostos.
2. Examinar lei municipal é medida inviável no âmbito do apelo nobre, consoante orientação
firmada na Súmula 280 do Supremo Tribunal Federal: ‘Por ofensa a direito local não cabe
recurso extraordinário’.
3. Recurso especial não conhecido” (REsp no 1411462-SP, Min. Eliana Calmon, Segunda
Turma, DJe 20-11-2013).
“Tributário. ITBI. Base de cálculo. Valor venal do imóvel. Apuração dissociada do valor
apurado pela municipalidade para cobrança de IPTU. Possibilidade.
1. Nos termos da jurisprudência desta Corte, o Fisco não está obrigado a utilizar o mesmo
valor apurado pelo Município quando da apuração do valor venal do imóvel para o cálculo do
IPTU, podendo arbitrar o seu valor nos termos do art. 148 do CTN.
2. In casu, não há modificação na base de cálculo do ITBI ou do IPTU, pois ambos têm como
base de cálculo o valor venal do imóvel, o que difere é a forma de apuração desse valor,
possibilitando a diferença numérica.
Agravo regimental improvido” (AgRg no AREsp no 36740, Rel. Min. Humberto
Martins, DJe 22-11-2011).
“EMENTA: TRIBUTÁRIO. ITBI. BASE DE CÁLCULO. POSSIBILIDADE DE
ARBITRAMENTO PELO FISCO.
1. Constituindo o valor venal do bem transmitido à base de cálculo do ITBI, caso a
importância declarada pelo contribuinte se mostre nitidamente inferior ao valor de mercado,
pode o Fisco arbitrar a base de cálculo do referido imposto, desde que atendida a determinação
do art. 148, do CTN.
2. Recurso parcialmente conhecido e, nesta parte, improvido” (REsp no261.166/SP, Rel.
Ministro José Delgado, 1a Turma, julgado em 12-9-2000, DJ 6-11-2000 p. 192).
E para aqueles que defendem a tese de que a base de cálculo do ITBI deve corresponder ao
valor da efetiva transação imobiliária em cada hipótese concreta, é o caso de indagar: como fica
na hipótese de venda a um parente ou a uma pessoa amiga por um valor notoriamente inferior ao
do mercado? O fisco do Município de São Paulo, que costuma apegar-se a essa tese, certamente
diria que nesse caso deve-se abrir uma exceção. O que estamos pretendendo explicar é que deve-
se afastar a dose de subjetivismo do agente fiscal na apuração do valor venal, o qual deve resultar
exclusivamente do critério legal preestabelecido. É o que impõem o princípio da legalidade
tributária e o princípio da segurança jurídica.
O que se pode dizer é que os valores unitários do metro quadrado do terreno e da construção
referidos na PGV, para cálculo do valor venal do imóvel objeto de transmissão, devem ser
atualizados monetariamente para a época da operação de compra e venda. Isso porque sendo a
base de cálculo um dos elementos do fato gerador, o valor que a representa deve ser
contemporâneo à ocorrência desse fato gerador. Entretanto, não se pode aumentar a base de
cálculo por Decreto, a pretexto de proceder a sua atualização monetária, conforme tese já
pacificada na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal:
“Recurso extraordinário. 2. Tributário. 3. Legalidade. 4. IPTU. Majoração da base
de cálculo. Necessidade de lei em sentido formal. 5. Atualização monetária.
Possibilidade. 6. É inconstitucional a majoração do IPTU sem edição de lei em sentido
formal, vedada a atualização, por ato do Executivo, em percentual superior aos índices
oficiais. 7. Recurso extraordinário não provido” (RE no 648.245-MG, Rel. Min. Gilmar
Mendes, DJe de 12-8-2013).
Serviram de base para a decisão suprarreferida os seguintes precedentes da Alta Corte do
País: RREE nos 114.078 e 234.605; AI no 534.150; AI-AgR no 450.666.
Por derradeiro, toda essa discussão doutrinária e jurisprudencial resulta da esperteza dos
governantes que querem aumentar a arrecadação tributária por vias nebulosas e imperceptíveis.
Se querem aumentar o ITBI, por que não elevar suas alíquotas? Não faz o menor sentido a
costumeira alegação de que o valor venal está aquém do valor de mercado, por três razões básicas
adiante mencionadas: (a) o nível de imposição tributária insere-se no campo da política tributária
de cada município, imune ao controle da legalidade, exceto quando o tributo assume efeito de
confisco; (b) o peso da carga tributária pode ser adequado por meio simples e transparente
expresso pela elevação de alíquotas; não existe uma alíquota teto em matéria de ITBI; (c) nada há
na ordem constitucional vigente que conduza a incidência do ITBI sobre o valor real da
propriedade imobiliária, nem isso é desejável ou aconselhável tendo em vista a insegurança
jurídica causada pela possibilidade e probabilidade de extrapolação do valor de mercado, a exigir
a dispendiosa e demorada atuação do Judiciário para a correção do erro de lançamento. Muito ao
contrário, os princípios da legalidade, da razoabilidade e da segurança jurídica estão a indicar a
adoção de uma base de cálculo que corresponda a um valor inferior ao valor real do imóvel,
dosando o aspecto quantitativo do imposto pela variação de alíquotas. É o único critério seguro
de lançamento, embora inconveniente para o administrador desleal, por revelar com clareza solar
o nível da elevada carga tributária. Só que a transparência tributária é um princípio inserto no §
5o do art. 150 da CF. É, portanto, um direito do contribuinte. Contudo, esse direito vem sendo
driblado pelo esperto e astuto legislador por meio de inúmeras artimanhas jurídicas que tornam o
sistema tributário extremamente complexo, dúbio, nebuloso e inseguro.
Concluindo, não há razão para prestigiar a tese que se afasta dos princípios da legalidade, da
isonomia e da transparência tributária, além de ferir o princípio da segurança jurídica se o
Município dispõe de mecanismo para arrecadar a título de ITBI o que for necessário dentro da
sua política tributária por meio simples e transparente, visível aos olhos do cidadão-contribuinte.
É preciso não confundir o valor venal em termos doutrinários com o valor venal como base
de cálculo do ITBI que só pode derivar de lei, isto é, aquele valor que resulta da aplicação do
valor unitário do metro quadrado da construção e do terreno previsto na lei, e não aquele valor
que se apura caso a caso no mercado imobiliário, mediante livre pesquisa que resulta
invariavelmente em um valor estimativo, e não em um valor exato, como impõe a lei. Base de
cálculo que não derive diretamente do valor unitário do metro quadrado previsto em lei, qualquer
que seja a denominação dada,20 é inconstitucional.
6.6A ALÍQUOTA DO ITBI – ART. 39 DO CTN
Outro aspecto quantitativo do fato gerador é a alíquota, que de regra é variável. Nem sempre
é representada por um percentual incidente sobre a base de cálculo. Às vezes, assume a
característica de um valor fixo ou quantidade de determinado valor referencial resultando em um
tributo de valor fixo, conhecida também como tributação por alíquota fixa.
Dispõe o art. 39 do CTN:
“Art. 39. A alíquota do imposto não excederá os limites fixados em resolução do
Senado Federal, que distinguirá, para efeito de aplicação de alíquota mais baixa, as
transmissões que atendam à política nacional de habitação.”
Conforme examinado no item 6, o ITBI inseria-se na competência impositiva do Estado
juntamente com o imposto sobre heranças e doação (ITCMD) segundo a ordem constitucional
antecedente.
O CTN foi editado na vigência da Constituição de 1946 e da Emenda no18/65.21 Não houve
atualização legislativa de seus textos, pertinentes ao imposto sobre transmissão de bens. Porém,
conforme demonstramos no item 6.1, a norma do art. 35, que define o fato gerador desse imposto,
foi recepcionado pelo art. 156, II, da Constituição de 1988.
Logo, impõe-se uma leitura atualizada do art. 39 do CTN.
Em relação ao ITBI, a ordem constitucional vigente não impôs qualquer limitação na fixação
da alíquota do ITBI, ao contrário do prescrito em relação ao imposto estadual incidente sobre
heranças e doações (ITCMD) conforme se depreende do art. 155, § 1o, IV, da CF. Em relação a
esse imposto estadual, a Resolução do Senado Federal de no 9, de 5-5-1992, fixou a alíquota
máxima em 8%.
É livre, portanto, a fixação de percentual da alíquota pelo Município, observado tão somente
a capacidade contributiva do contribuinte, de sorte a não incidir na proibição de tributo com efeito
de confisco (art. 150, IV, da CF).
Questão bastante debatida na doutrina e na jurisprudência diz respeito à progressividade de
alíquotas.
Duas correntes surgiram. A primeira no sentido de que a progressividade depende de
expressa previsão constitucional, a exemplo do que ocorre com o IPTU de natureza ordinatória
(art. 182, § 4o, II, da CF). A partir da EC no29/00 foi introduzida, também, a progressividade fiscal
(art. 156, § 1o, I, da CF). A outra corrente, a que nos filiamos, sustenta a progressividade fiscal do
ITBI com fundamento no § 1o do art. 145 da CF que assim prescreve:
“§ 1o Sempre que possível, os impostos terão caráter pessoal e serão graduados
segundo a capacidade econômica do contribuinte, facultado à administração tributária,
especialmente para conferir efetividade a esses objetivos, identificar, respeitados os
direitos individuais e nos termos da lei, o patrimônio, os rendimentos e as atividades
econômicas do contribuinte.”
A competência tributária outorgada pela Constituição não pode sofrer restrições por
instrumentos normativos de natureza infraconstitucional, nem pelo intérprete. As limitações hão
de estar expressas no texto constitucional.
Aliás, o art. 6o do CTN prescreve:
“Art. 6o A atribuição constitucional de competência tributária compreende a
competência legislativa plena, ressalvadas as limitações contidas na Constituição
Federal, nas Constituições dos Estados e nas Leis Orgânicas do Distrito Federal e dos
Municípios, e observado o disposto nesta Lei.”
A progressividade da alíquota do ITBI, além de não encontrar óbice na Constituição, tem
pleno amparo no já citado preceito programático do § 1odo art. 145 da CF.
Se o Município pode tributar com alíquota de 2%, por exemplo, nada o impede de graduar
segundo a capacidade contributiva de cada um, estabelecendo alíquotas progressivas de 0,50%,
1%, 1,5% e de 2% de conformidade com as faixas de valor venal dos imóveis transmitidos,
conferindo caráter pessoal a esse imposto. Não se pode falar a priori em imposto de natureza
pessoal ou real, direto ou indireto tendo em vista a ausência de classificação legal nesse sentido.
Apenas o exame do respectivo fato gerador em todos os seus aspectos, principalmente, o seu
aspecto quantitativo (base de cálculo e alíquota) permitirá a identificação de um imposto de
natureza pessoal ou de natureza real.
Outrossim, é de se afastar a invocação da já referida norma do inciso II do § 4o do art. 182 da
CF para afirmar que a progressividade de alíquota depende de expressa previsão constitucional.
Ora, aquele preceito constitucional, que regula a progressividade extrafiscal, fundado no
poder de polícia, na verdade, tem caráter restritivo. Visa impedir o exercício do poder regulatório
implícito no poder tributário, sem observância dos requisitos que enumerou naquele preceito.
Em princípio, salvo disposição constitucional em contrário, cada entidade política pode usar
o imposto de sua competência privativa para regular matéria que se insere no âmbito de sua
atribuição. O ITR, por exemplo, pode ser utilizado pela União para implementação da política
agrária, ou da política agrícola do governo federal, ou, ainda, para regular a função social da
propriedade rural (art. 186 da CF). O IPTU pode ser utilizado pelo Município para regular as
funções sociais da propriedade urbana (art. 182 da CF).
Por força do disposto no art. 182, § 4o, II, da CF, a função regulatória do Município, por meio
de IPTU progressivo, ficou condicionado ao preenchimento de quatro requisitos: (a) inserção
prévia da área a ser tributada progressivamente na Lei do Plano Diretor da Cidade (§ 4o); (b)
definição da função social da propriedade urbana exclusivamente pela lei que aprova o Plano
Diretor, o qual é impositivo para Municípios com mais de 20.000 habitantes (§§ 1o e 2o do art. 182
da CF); (c) concessão de prazo para o proprietário construir ou lotear o imóvel incluído no Plano
Diretor (§ 4o, I); (d) só depois de descumprida a obrigação de fazer pelo proprietário do imóvel é
que surge a faculdade de lançar o IPTU progressivo, porém apenas naquela modalidade
temporal.22
Como se vê, a previsão constitucional, longe de atuar como fator de possibilidade de
deflagração de tributação progressiva, poder inerente ao exercício do poder tributário, atua como
limitador do exercício desse poder regulatório por meio de tributo.
No caso do ITBI descabe a cogitação de progressividade extrafiscal. Sendo o seu fato gerador
a transmissão de propriedade imobiliária, não teria como utilizá--lo com a finalidade ordinatória.
Afinal, não existe, nem pode existir, transmissão social ou antissocial de propriedade urbana.
A disfunção social da propriedade só poderá estar ligada ao uso da propriedade. Daí por que
apenas o IPTU poderá ser progressivo para desestimular o mau uso da propriedade.
Outrossim, a progressividade fiscal do IPTU introduzida pela EC no29/00, na verdade, veio
apenas explicitar o que já está contido no § 1o do art. 145 da CF, como vimos.
A contrariedade da doutrina da progressividade do ITBI, que se formou a partir do advento
da Lei no 11.154/91 do Município de São Paulo, que estabeleceu as alíquotas progressivas de 2%,
4% e 6%, com reflexo na jurisprudência, decorreu mais de seu aspecto confiscatório do que da
alegada falta de previsão constitucional, perfeitamente dispensável, como vimos.
Este é o posicionamento, também, de Hugo de Brito Machado:
“Por isso mesmo, entendemos que o legislador municipal pode estabelecer alíquotas
progressivas. Existem, é certo, manifestações doutrinárias no sentido de que o
estabelecimento de alíquotas progressivas dependeria de norma da Constituição Federal
que o autorizasse.”23
Após várias decisões favoráveis à progressividade do ITBI proferidas pela 7a Câmara do
extinto Primeiro Tribunal de Alçada do Estado de São Paulo,24o órgão especial desse Tribunal,
por maioria de votos, declarou a inconstitucionalidade do art. 10, II, da Lei no 11.154, de 30-12-
1991, que instituiu as alíquotas progressivas.25 A decisão do órgão especial resultou na edição da
Súmula 45, que adotou a tese da inconstitucionalidade por falta de previsão constitucional.
O STF, por sua vez, declarou a inconstitucionalidade da tributação progressiva do ITBI sob
o fundamento de que sendo imposto de natureza real “não pode variar na razão da presumível
capacidade contributiva do sujeito passivo.26 Hoje, vigora a Súmula 656 com o seguinte verbete:
“É inconstitucional a lei que estabelece alíquotas progressivas para o Imposto de
Transmissão Inter Vivos de Bens Imóveis – ITBI – com base no valor venal.”
Como se vê, a Súmula 656 do STF, que coloca um ponto final na discussão, não incorporou
expressamente a razão da inconstitucionalidade da progressividade apontada no RE no 234105,
mesmo porque a clássica distinção entre impostos de natureza pessoal e de natureza real, na
ausência de definição legal, vem perdendo sua nitidez.
Há uma tendência de personalização de impostos que, outrora, eram considerados como
protótipos de imposto de natureza real. Essa tendência acentuou-se a partir do advento da Súmula
539 do STF nos seguintes termos:
“É constitucional a lei do Município que reduz o Imposto Predial Urbano sobre
imóvel ocupado pela residência do proprietário, que não possua outro.”
6.7O MOMENTO DA OCORRÊNCIA DO FATO GERADOR DO ITBI
O aspecto temporal do fato gerador do ITBI, isto é, do momento em que se considera ocorrido
o fato gerador, está contido no próprio enunciado do art. 35 do CTN, que define o seu fato gerador.
Como o elemento nuclear do fato gerador alude à transmissão de imóveis e de bens a eles
relativos, a obrigação tributária só pode surgir no ato de transmissão de bens imóveis, isto é, com
o registro do título translativo no Registro Imobiliário competente, na forma do art. 1.245 do CC.
Qualquer que seja a modalidade de lançamento adotada pela legislação tributária municipal
– lançamento de ofício, ou lançamento por homologação –, o ITBI não poderá ser exigido antes
do registro do título translativo. Aqui é oportuno relembrar que o instrumento de compromisso
de compra e venda levado a registro na circunscrição imobiliária competente importa no
pagamento do ITBI, porque, conforme analisamos anteriormente, o compromisso registrado
configura um direito real. E a transmissão de um direito real compõe o elemento nuclear do fato
gerador do ITBI na forma do art. 35, II, do CTN, recepcionado pelo art. 156, II, do CF.
Não obstante a clareza dos textos legais e constitucionais, muita controvérsia doutrinária e
jurisprudencial tem havido em torno do momento da ocorrência do fato gerador do ITBI: se no
ato da celebração do instrumento (escritura) de compra e venda do imóvel, ou no ato do registro
desse instrumento no Registro Imobiliário competente.
Refletindo essa imprecisão doutrinária e jurisprudencial, alguns Municípios exigem o
referido imposto por ocasião do registro do título de transferência da propriedade imobiliária.
Porém, a maioria deles o exige no ato da lavratura da escritura de compra e venda, chegando a
obrigar o notário, sob pena de imposição de multa pecuniária, a transcrever no corpo da escritura
o documento de arrecadação prévia do imposto.
A solução da controvérsia exige a interpretação de dois dispositivos do CTN, a seguir
transcritos, porém dentro da ordem jurídica global, mais precisamente, à luz de princípios
constitucionais tributários.
“Art. 109. Os princípios gerais de direito privado utilizam-se para pesquisa da
definição, do conteúdo e do alcance de seus institutos, conceitos e formas, mas não para
definição dos respectivos efeitos tributários.”
“Art. 110. A lei tributária não pode alterar a definição, o conteúdo e o alcance de
institutos, conceitos e formas de direito privado, utilizados, expressa ou implicitamente,
pela Constituição Federal, pelas Constituições dos Estados, ou pelas Leis Orgânicas do
Distrito Federal ou dos Municípios, para definir ou limitar competências tributárias.”
Defensores do pagamento do ITBI no momento da exteriorização documental da compra e
venda invocam a chamada interpretação econômica, com fulcro no art. 109 do CTN, o qual
possibilitaria ao legislador ordinário de cada ente político conferir, aos institutos de direito
privado, efeitos diferentes para fins tributários.
Nesse sentido, o importante seria buscar, por via de interpretação econômica, a real intenção
das partes no ato da celebração do instrumento. Se o reflexo econômico do ato praticado traduzir-
se em compra e venda, o ITBI poderia ser exigido. Dentro dessa linha de raciocínio, por questão
de coerência, deveria se admitir que o compromisso de compra e venda quitado, também,
ensejaria a cobrança do imposto, independentemente de seu registro. Realmente, tanto o
compromisso quitado, quanto a escritura de compra e venda não registrada produzem o mesmo
efeito econômico, propiciando ao comprador a idêntica fruição do benefício econômico do bem.
Não há dúvida de que o imposto, como tributo do tipo captação de riqueza, deve assentar o
seu fato gerador em realidades econômicas aptas a suportar o encargo tributário.
Mas nem sempre o fato gerador da obrigação tributária elege um fato econômico. Às vezes,
é uma situação jurídica que compõe a formulação da norma de imposição tributária.
É o caso do ITBI, cujo fato gerador, por expressa disposição constitucional (art. 156, II) só
poderia se assentar na transmissão de bens imóveis. Por isso, na usucapião, forma originária de
aquisição da propriedade, não há incidência de ITBI, apesar de o detentor da posse ter o mesmo
benefício econômico do detentor da posse em razão de negócio consistente em compra e venda.
A chamada interpretação econômica há de encontrar limites no art. 110 do CTN.
Quando a Constituição Federal, Constituição Estadual ou Lei Orgânica do Município utilizar
institutos, conceitos e formas de direito privado, para definir ou limitar competências tributárias,
não é dado ao legislador tributário conferir-lhe efeito próprio. Nessas hipóteses, a definição, o
conteúdo e o alcance dos institutos de direito privado são VINCULANTES dentro do Direito
Tributário.
E a razão dessa vinculação é simples, tão simples que muitos nem conseguem notar.
Como decorrência do princípio que norteia a Federação Brasileira, uma noção jurídica e não
econômica, a Constituição Federal procedeu a partilha da competência tributária, conhecida como
discriminação de rendas tributárias (arts. 153, 155 e 156), atribuindo a cada entidade política
componente da Federação os tributos privativos.
Por isso, afirmamos que “essa discriminação, por si só, já é uma limitação ao poder de
tributar, na medida em que a outorga de competência privativa a essa entidade política implicar,
ipso facto, a vedação do exercício dessa competência por outra entidade política não
contemplada”.27
Imagine-se 5.553 Municípios brasileiros interpretando a sua maneira o que se entende
por “transmissão inter vivos, a qualquer título, por ato oneroso, de bens imóveis, por natureza
ou por acessão”.
Certamente, o Sistema Tributário Nacional perderia o sentido de unidade, para aplicação
uniforme no âmbito nacional (não confundir com Sistema Tributário Unitário, que só existia no
regime da Emenda no 18/65).
Isso sem contar o risco de outras entidades políticas invadir o campo reservado aos
Municípios, pondo por terra o princípio discriminador de rendas tributárias.
Não há dúvida, pois, que os Municípios, no exercício de sua competência impositiva, devem
respeitar não só o conceito de bem imóvel que resulta do exame dos arts. 79 a 81 do CC, como
também o conteúdo da “transmissão de bens imóveis” que, ao teor do art. 1.245 do estatuto
substantivo, somente se opera com o registro do título de transferência no Registro de Imóveis
competente.
Operada a transmissão, o ITBI pode ser exigido. Não importa que o registro venha a ser
anulado posteriormente na forma do § 2o do referido art. 1.245, pois a definição legal do fato
gerador é interpretada abstraindo-se da “validade jurídica dos atos efetivamente praticados pelos
contribuintes, responsáveis ou terceiros, bem como da natureza do seu objeto ou dos seus efeitos
e dos efeitos dos fatos efetivamente ocorridos” (art. 118 do CTN).
Por isso, apesar de pronunciamentos díspares em primeira e segunda instâncias, a
jurisprudência do STJ já pacificou a matéria fixando o entendimento de que o ITBI só é devido
sobre transações registradas no cartório competente, que implique efetiva transmissão da
propriedade imobiliária, conforme se verifica das ementas abaixo transcritas:
“EMENTA.
AGRAVO REGIMENTAL. TRIBUTÁRIO. ITBI. FATO GERADOR. CONTRATO DE
PROMESSA DE COMPRA E VENDA. RESILIÇÃO CONTRATUAL. NÃO INCIDÊNCIA.
1. A jurisprudência do STJ assentou o entendimento de que o fato gerador do ITBI
é o registro imobiliário da transmissão da propriedade do bem imóvel. Somente após o
registro, incide a exação.
2. Não incide o ITBI sobre o registro imobiliário de escritura de resilição de
promessa de compra e venda, contrato preliminar que poderá ou não se concretizar em
contrato definitivo.
3. Agravo regimental desprovido” (AGA 448245/DF, Rel. Min. Luiz Fux, DJ de 9-
12-2002, p. 00309).
“EMENTA.
TRIBUTÁRIO. RECURSO ORDINÁRIO. MANDADO DE SEGURANÇA.
ITBI. FATO GERADOR. CTN, ART. 35 E CÓDIGO CIVIL, ARTS. 530, I, E 860,
PARÁGRAFO ÚNICO. REGISTRO IMOBILIÁRIO.
1. O fato gerador do imposto de transmissão de bens imóveis ocorre com a
transferência efetiva da propriedade ou do domínio útil, na conformidade da Lei Civil,
com o registro no cartório imobiliário.
2. A cobrança do ITBI sem obediência dessa formalidade ofende o ordenamento
jurídico em vigor.
3. Recurso ordinário conhecido e provido” (ROMS 10650/DF, Rel. Min. Francisco
Peçanha Martins, DJ de 4-9-2000, p. 0135).
“EMENTA.
‘TRIBUTÁRIO – IMPOSTO DE TRANSMISSÃO DE BENS IMÓVEIS – FATO
GERADOR – REGISTRO IMOBILIÁRIO – (C. CIVIL, ART. 530).
A propriedade imobiliária apenas se transfere com o registro respectivo título (C.
Civil, Art. 530). O registro imobiliário é o fato gerador do Imposto de Transmissão de
Bens Imóveis. Assim, a pretensão de cobrar o ITBI antes do registro imobiliário contraria
o Ordenamento Jurídico’ (REsp. 12.546/HUM-BERTO)” (REsp no 253.364/DF, Rel.
Min. Humberto Gomes de Barros, DJ de 16-4-2001, p. 00104).
“EMENTA.
TRIBUTÁRIO – IMPOSTO DE TRANSMISSÃO DE BENS IMÓVEIS – FATO
GERADOR – REGISTRO IMOBILIÁRIO – (C. CIVIL, ART. 530).
A propriedade imobiliária apenas se transfere com o registro do respectivo titulo
(C. Civil, art. 530). O registro imobiliário e o fato gerador do imposto de transmissão de
bens imóveis. Assim, a pretensão de cobrar o ITBI antes do registro imobiliário contraria
o Ordenamento Jurídico” (REsp no 12546/RJ, Rel. Min. Humberto Gomes de
Barros, DJ de 30-11-1992, p. 22559).
“EMENTA.
TRIBUTÁRIO – ITBI – PROMESSA DE COMPRA E VENDA – FATO GERADOR
NÃO CARACTERIZADO.
Promessa de compra e venda de imóvel, sem registro, não transfere a propriedade
e não constitui fato gerador do ITBI (precedentes do STF e do STJ). Recurso
improvido” (REsp no 264.064/DF, Rel. Min. Garcia Vieira, DJ de 11-12-2000, p. 00180).
“EMENTA.
TRIBUTÁRIO – IMPOSTO SOBRE A TRANSMISSÃO DE BENS IMÓVEIS – ITBI
– FATO GERADOR – ART. 35, II, DO CTN E ART. 156, II, DA CF/88 – CONTRATO
DE PROMESSA DE COMPRA E VENDA – NÃO INCIDÊNCIA.
1. O fato gerador do Imposto sobre a Transmissão de Bens Imóveis – ITBI é a
transmissão do domínio do bem imóvel, nos termos do art. 35, II, do CTN e art. 156, II,
da CF/88.
2. Não incidência do ITBI em promessa de compra e venda, contrato preliminar que
poderá ou não se concretizar em contrato definitivo, este sim ensejador da cobrança do
aludido tributo – Precedentes do STF.
3. Recurso especial não conhecido” (REsp no 57641/PE, Rel. Eliana Calmon, DJ de
22-5-2000, p. 00091).
“EMENTA.
IMPOSTO DE TRANSMISSÃO ‘INTER VIVOS’ – FATO GERADOR – NÃO
INCIDÊNCIA SOBRE BENS OBJETO DE PROMESSA DE COMPRA E VENDA.
O IMPOSTO SOBRE TRANSMISSÃO DE BENS IMÓVEIS E DE DIREITOS A ELES
RELATIVOS TEM COMO FATO GERADOR A TRANSMISSÃO DA PROPRIEDADE
OU DO DOMÍNIO ÚTIL DE BENS IMÓVEIS E NÃO SIMPLES CELEBRAÇÃO DE
CONTRATO DE PROMESSA DE COMPRA E VENDA, AINDA QUE IRRETRATÁVEL
OU IRREVOGÁVEL RECURSO PROVIDO” (REsp no 1066/RJ, Rel. Min. Garcia
Vieira, DJ de 28-3-1994, p. 06291).
Logo, só se pode considerar ocorrido o fato gerador do ITBI (subsunção do fato concreto à
hipótese tributária definida em lei) no momento do registro da escritura de compra e venda ou
instrumento equivalente.
Antigamente, a maioria das legislações estaduais, quando o ITBI era de competência
impositiva estadual, facultava a antecipação do pagamento do imposto chamado sisa (atual ITBI)
por ocasião da celebração do compromisso de compra e venda. Tinha a vantagem de colocar o
contribuinte a salvo de eventuais valorizações imobiliárias por ocasião da outorga de escritura
definitiva de compra e venda. Todavia, uma coisa é a faculdade, outra coisa diversa é a obrigação
de antecipar o pagamento do ITBI. Essa antecipação não teria guarida no § 7o do art. 150 da CF,
que permite a substituição tributária nos seguintes termos:
“A lei poderá atribuir a sujeito passivo de obrigação tributária a condição de
responsável pelo pagamento de imposto ou contribuição, cujo fato gerador deva ocorrer
posteriormente, assegurada a imediata e preferencial restituição da quantia paga, caso
não se realize o fato gerador presumido”.
Realmente, sendo o ITBI um imposto de incidência monofásica, ao contrário do ICMS que
é um imposto de incidência plurifásica a comportar a figura da substituição tributária para frente,
não há lugar para a aplicação do preceito constitucional do § 7o do art. 150 da CF, que veio à luz
para antecipar o prazo de pagamento do imposto. O ITBI não comporta a substituição tributária
para frente.
1 ITBI.
2 RE no 170005-0-SP, Lex – Jurisprudência do STF, v. 191/281.
3 Era o caso do IVV que incidia sobre a venda de combustíveis líquidos e gasosos, exceto óleo diesel, sem prejuízo
da incidência do ICMS sobre a mesma operação (§ 3o do art. 156 da CF em sua redação original).
4 Comentários ao Código Tributário Nacional, v. 1. São Paulo: Atlas, 2003, p. 392.
5 Importante assinalar que o compromisso de compra e venda uma vez registrado opera a transmissão de direito
real ao teor do art. 1.227 do CC.
6 Direito Civil, v. 1, parte geral. São Paulo: Saraiva, 1980, p. 103.
7 Cf. Silvio Rodrigues, Direito Civil, v. 1, parte geral. São Paulo: Saraiva, 1980, p. 106.
8 Direito Civil, v. 5. Direito das coisas. São Paulo: Saraiva, 1979, p. 248.
9 Ob. cit., p. 247.
10 Direito civil, v. 5. Direito das coisas. São Paulo: Saraiva, 1979, p. 261.
11 Dicionário de tecnologia jurídica. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1961, p. 455.
12 ITBI – Imposto sobre transmissão de bens imóveis. São Paulo: Edipro, 2006, p. 140.
13 Leia-se Município.
14 A remissão refere-se à Constituição de 1946. Ver art. 37, XXII, e art. 153, § 4o, III, da CF.
15 AgRg no AI no 133.645-Rel. Min. Carlos Velloso, DJU de 14-12-1990.
16 Cf. nosso Direito tributário municipal, 4. ed. São Paulo: Atlas, 2012, p. 100.
17 Cf. Omar Augusto Leite Melo. ITBI Imposto sobre transmissões de bens imóveis, coautoria com Francisco
Ramos Mangieri. Bauru: Edipro, 2006, p. 198.
18 Súmula 431: “É ilegal a cobrança do ICMS com base no valor da mercadoria submetido ao regime de pauta
fiscal”.
19 Imposto predial e taxas urbanas. RDP 11/119.
20 Valor de referência, valor de mercado, valor pesquisado etc.
21 O § 4o do art. 9o da Emenda no 18/65 preconizava a limitação de alíquota.
22 A cada ano que o proprietário-contribuinte mantiver a disfunção social da propriedade, a alíquota do imposto
irá aumentando.
23 Comentário ao Código Tributário Nacional, v. 1. São Paulo: Atlas, 2003, p. 414.
24 Ap. MS no 607.361, Rel. Juiz José Geraldo de Jacobina Rabello; Ap. MS no 654.437, Rel. Juiz Luigi Chiechettti.
25 Arguição de inconstitucionalidade no 558.437, Rel. Juiz Silveira Paulilo.
26 RE no 234.105, Rel. Min. Carlos Velloso. Informativo STF, de 14-4-1999.
27 Cf. nosso Sistema tributário na Constituição de 1988, 3. ed. Curitiba: Juruá, 2007, p. 164.
7 RESPONSABILIDADE TRIBUTÁRIA EM MATÉRIA DE ITBI
7.1GENERALIDADES
A responsabilidade em termos de direito comum nada mais é do que o dever de tornar efetiva
determinada prestação (obrigação de dar, fazer ou não fazer).
No direito tributário, a responsabilidade significa o dever de o sujeito passivo natural tornar
efetiva a prestação de dar consistente no pagamento de tributo ou penalidade pecuniária
(obrigação principal), ou a prestação de fazer ou não fazer, imposta pela legislação tributária no
interesse da fiscalização ou da arrecadação (obrigação acessória).
Contudo, o CTN em seus arts. 128 e seguintes atribui a terceiras pessoas, que não realizaram
diretamente a situação descrita na norma jurídica de tributação, o dever de efetuar a prestação.
Assim, o CTN regula a responsabilidade dos sucessores (arts. 129 a 133) e a responsabilidade
de terceiros propriamente ditos (arts. 134 e 135), além de dispor sobre responsabilidade por
infrações (arts. 136 a 138).
Importante no exame da responsabilidade a questão da solidariedade regulada no art. 124, do
CTN. Segundo o inciso II desse artigo são solidariamente obrigadas as pessoas expressamente
designadas em lei. Com base neste texto a Lei no 8.620, de 5-1-1993, estatuía em seu art. 13:
“O titular da firma individual e os sócios de empresas por cotas de responsabilidade
limitada respondem solidariamente, com seus bens pessoais, pelos débitos juntos à
seguridade social.”
Ora, a ordem jurídica global não admite a responsabilidade sem culpa subjetiva. O sempre
lembrado art. 136 do CTN pelos defensores da tese oposta, na verdade, afasta apenas o dolo para
a caracterização da responsabilidade tributária. Esse dispositivo não afasta a culpa, do contrário,
acabaria por neutralizar a função maior das sanções estatuídas na legislação tributária, que visam
assegurar a arrecadação de tributos, por meio de intimidações. Para que surta efeito a função
intimidadora, é preciso, obviamente, que o agente tenha a possibilidade de, livremente, não trilhar
o caminho apenado pelo Direito.1
A responsabilidade objetiva é reservada exclusivamente ao Estado e às concessionárias de
serviços públicos nos termos do § 6o do art. 37 da CF.
Por tais razões, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça orientou-se no sentido de
que a solidariedade resultante de pessoas designadas por lei (art. 124, II, do CTN) deve ser aferida
em conjugação com os dispostos nos arts. 134 e 135 do CTN que cuidam da solidariedade passiva
na hipótese de impossibilidade de exigir do contribuinte o cumprimento da obrigação tributária e
de responsabilidade por substituição, respectivamente.2
Aquele art. 13 da Lei no 8.620/93, além de invadir campo reservado à lei complementar (art.
146, III, b, da CF), criou uma responsabilidade objetiva contra expresso texto constitucional. Por
isso, o referido dispositivo legal foi declarado formal e materialmente inconstitucional pelo
Supremo Tribunal Federal, que reconheceu quanto à questão constitucional suscitada a existência
de repercussão geral, conforme ementa a seguir:
“Direito tributário. Responsabilidade tributária. Normas gerais de direito
tributário. Art. 146, III, da CF. Art. 135, III, do CTN. Sócios de sociedade limitada. Art.
13 da Lei 8.620/93. Inconstitucionalidades formal e material. Repercussão geral.
Aplicação da decisão pelos demais tribunais. 1. Todas as espécies tributárias, entre as
quais as contribuições de seguridade social, estão sujeitas às normas gerais de direito
tributário. 2. O Código Tributário Nacional estabelece algumas regras matrizes de
responsabilidade tributária, como a do art. 135, III, bem como diretrizes para que o
legislador de cada ente político estabeleça outras regras específicas de responsabilidade
tributária relativamente aos tributos da sua competência, conforme seu art. 128. 3. O
preceito do art. 124, II, no sentido de que são solidariamente obrigadas ‘as pessoas
expressamente designadas por lei’, não autoriza o legislador a criar novos casos de
responsabilidade tributária sem a observância dos requisitos exigidos pelo art. 128 do
CTN, tampouco a desconsiderar as regras matrizes de responsabilidade de terceiros
estabelecidas em caráter geral pelos arts. 134 e 135 do mesmo diploma. A previsão legal
de solidariedade entre devedores – de modo que o pagamento efetuado por um aproveite
aos demais, que a interrupção da prescrição, em favor ou contra um dos obrigados,
também lhes tenha efeitos comuns e que a isenção ou remissão de crédito exonere a todos
os obrigados quando não seja pessoal (art. 125 do CTN) – pressupõe que a própria
condição de devedor tenha sido estabelecida validamente. 4. A responsabilidade
tributária pressupõe duas normas autônomas: a regra matriz de incidência tributária e
a regra matriz de responsabilidade tributária, cada uma com seu pressuposto de fato e
seus sujeitos próprios. A referência ao responsável enquanto terceiro (dritter Persone,
terzo ou tercero) evidencia que não participa da relação contributiva, mas de uma
relação específica de responsabilidade tributária, inconfundível com aquela. O ‘terceiro’
só pode ser chamado responsabilizado na hipótese de descumprimento de deveres
próprios de colaboração para com a Administração Tributária, estabelecidos, ainda
que a contrario sensu, na regra matriz de responsabilidade tributária, e desde que tenha
contribuído para a situação de inadimplemento pelo contribuinte. 5. O art. 135, III, do
CTN responsabiliza apenas aqueles que estejam na direção, gerência ou representação
da pessoa jurídica e tão somente quando pratiquem atos com excesso de poder ou
infração à lei, contrato social ou estatutos. Desse modo, apenas o sócio com poderes de
gestão ou representação da sociedade é que pode ser responsabilizado, o que resguarda
a pessoalidade entre o ilícito (má gestão ou representação) e a consequência de ter de
responder pelo tributo devido pela sociedade. 6. O art. 13 da Lei 8.620/93 não se limitou
a repetir ou detalhar a regra de responsabilidade constante do art. 135 do CTN,
tampouco cuidou de uma nova hipótese específica e distinta. Ao vincular à simples
condição de sócio a obrigação de responder solidariamente pelos débitos da sociedade
limitada perante a Seguridade Social, tratou a mesma situação genérica regulada pelo
art. 135, III, do CTN, mas de modo diverso, incorrendo em inconstitucionalidade por
violação ao art. 146, III, da CF. 7. O art. 13 da Lei 8.620/93 também se reveste de
inconstitucionalidade material, porquanto não é dado ao legislador estabelecer confusão
entre os patrimônios das pessoas física e jurídica, o que, além de impor
desconsideração ex lege e objetiva da personalidade jurídica, descaracterizando as
sociedades limitadas, implica irrazoabilidade e inibe a iniciativa privada, afrontando os
arts. 5o, XIII, e 170, parágrafo único, da Constituição. 8. Reconhecida a
inconstitucionalidade do art. 13 da Lei 8.620/93 na parte em que determinou que os
sócios das empresas por cotas de responsabilidade limitada responderiam
solidariamente, com seus bens pessoais, pelos débitos junto à Seguridade Social. 9.
Recurso extraordinário da União desprovido. 10. Aos recursos sobrestados, que
aguardavam a análise da matéria por este STF, aplica-se o art. 543-B, § 3o, do CPC” (RE
no 562276, Rel. Min. Ellen Gracie, DJe de 10-2-2011).
7.2A RESPONSABILIDADE DOS TABELIÃES, ESCRIVÃES EDEMAIS SERVENTUÁRIOS DE OFÍCIO NO CAMPO DO ITBI MERECEM EXAMES ESPECÍFICOS A RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA E A RESPONSABILIDADE PESSOAL DEFINIDAS NOS ARTS. 134 E 135 DO CTN, RESPECTIVAMENTE.
7.3RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA
Dispõe o art. 134 do CTN:
“Art. 134. Nos casos de impossibilidade de exigência do cumprimento da obrigação
principal pelo contribuinte, respondem solidariamente com este nos atos em que
intervierem ou pelas omissões de que forem responsáveis:
[...]
VI – os tabeliães, escrivães e demais serventuários de ofício, pelos tributos devidos
sobre os atos praticados por eles, ou perante eles, em razão do seu ofício”.
Tabelião é o serventuário da justiça a quem incumbe, em qualquer dia e hora, nos cartórios e
fora deles lavrar os atos, contratos e instrumentos a que as partes devem ou queiram dar forma
legal ou autenticidade. Antigamente denominava-se notário, hoje, tabelião de notas.3
Escrivão é o serventuário de justiça, nomeado em caráter de vitaliciedade, que é o mais
importante auxiliar do juiz, entre cujas principais funções – umas autônomas, outras subalternas
– estão a direção do cartório, e prover ao expediente do juízo.4
A primeira observação que se faz é no sentido de que fica prejudicada a aplicação desse
preceito em relação a tabeliães e escrivães se acolhida a tese de que o aspecto temporal do fato
gerador do ITBI recai sobre o momento do registro do título de transferência dos bens imóveis ou
de direitos a eles relativos.5 Nessa hipótese, tabeliães e escrivães seriam terceiras pessoas
absolutamente alheias à situação que configura o fato gerador da obrigação tributária, não
podendo ser-lhes atribuída qualquer responsabilidade tributária à luz do que dispõe o art. 128 do
CTN. Esse dispositivo exige que o terceiro a ser responsabilizado esteja vinculado ao fato gerador
da obrigação tributária. É o caso, por exemplo, do vendedor do imóvel que poderá ser
responsabilizado pelo pagamento do ITBI devido pelo comprador, caso a lei local tenha eleito
este comprador como sujeito passivo natural.
Entretanto, em relação a oficiais de registro poderá haver essa responsabilidade solidária.
Contudo, é importante observar que o art. 134 exige a presença dos seguintes requisitos
impostergáveis para a caracterização dessa responsabilidade solidária: s(a) a impossibilidade de
o contribuinte cumprir a obrigação tributária principal; e (b) o fato de o responsável tributário ter
uma vinculação indireta, por meio de ato comissivo ou omissivo, com a situação que constitui o
fato gerador da obrigação tributária.
Inexistente o nexo causal entre a obrigação tributária e o comportamento do serventuário a
quem se atribui a responsabilidade não há lugar para aplicação do art. 134, VI, do CTN. É preciso,
também, que haja impossibilidade de exigir o tributo do contribuinte.
Por isso, na verdade, o texto do dispositivo sob exame refere-se à responsabilidade
subsidiária, pois a solidária não comporta benefício de ordem, por expressa determinação contida
no parágrafo único do art. 124 do CTN.
Cumpre esclarecer, ainda, que os tabeliães, escrivães e oficiais de registro apesar de se
sujeitarem ao concurso público para investidura nos cargos específicos e ter seus atos fiscalizados
pela Corregedoria da Justiça, exercendo função pública delegada, mediante percepção de
emolumentos (taxas), por decisão do STF são considerados contribuintes.
Interpretando o art. 236 da CF, que dispõe que “os serviços notariais e de registro são
exercidos em caráter privado, por delegação do Poder Público”, a Corte Suprema entendeu, por
maioria de votos, pela constitucionalidade da cobrança do ISS porque, apesar de o serviço notarial
e de registro configurar uma atividade estatal delegada, ele é uma atividade economicamente
explorada pelo particular, inexistindo diferenciação que justifique a tributação aos serviços
públicos concedidos e a não tributação das atividades delegadas (ADI no 3.089-DF, Rel. Min.
Carlos Britto, Rel. para acórdão Min. Joaquim Barbosa, DJE e DOU de 1o-8-2008).
Portanto, notários e registradores são contribuintes e, por conseguinte, podem ser
responsáveis tributários.
7.4RESPONSABILIDADE PESSOAL
O art. 135 do CTN, por sua vez, cuida de responsabilidade pessoal dos tabeliães, escrivães e
demais serventuários de ofício, nos seguintes termos:
“Art. 135. São pessoalmente responsáveis pelos créditos correspondentes a
obrigações tributárias resultantes de atos praticados com excesso de poderes ou infração
de lei, contrato social ou estatutos:
I – as pessoas referidas no artigo anterior”.
No que tange aos tabeliães e escrivães cabe a mesma observação feita anteriormente quanto
à tese que fixa o momento da ocorrência do fato gerador do ITBI no ato do registro do título
translativo da propriedade imobiliária.
No mais, é de se observar que a responsabilidade pessoal desses agentes só pode resultar de
atos por eles praticados com excesso de poderes ou infração de lei, de contrato social ou estatutos.
Excede os poderes ou infringe a lei quando o tabelião de notas lavra, por exemplo, um
determinado ato extrapolando os limites de sua competência fixados na Lei no 8.935, de 18-11-
1994, que regula e disciplina a responsabilidade civil e criminal dos notários e dos oficiais de
registros e de seus prepostos. O mesmo acontece com o escrivão que pratica o ato excedendo aos
limites previstos na Lei de Organização Judiciária aplicável.
A infração de norma contratual ou estatutária não diz respeito a tabeliães e escrivães, mas
apenas a diretores, gerentes ou representantes de pessoas jurídicas de direito privado referidos no
inciso III do art. 135.
Por derradeiro, cumpre analisar o art. 197 do CTN inserido no capítulo concernente à
fiscalização tributária:
“Art. 197. Mediante intimação escrita, são obrigados a prestar à autoridade
administrativa todas as informações de que disponham com relação aos bens, negócios
ou atividades de terceiros:
I – os tabeliães, escrivães e demais serventuários de ofício”.
A primeira grande questão consiste em saber até aonde pode chegar essa exigência de prestar
informações ao fisco. A partir da qualificação do ilícito tributário como crime, a exigência
incondicional de prestar todas as informações pode chocar-se com o princípio que garante aos
acusados de cometimento de crime o direito de permanecer calado, como meio de exercitar sua
defesa. Esse direito assegurado pelo inciso LXIII do art. 5o da CF não pode ser ignorado pela
legislação infraconstitucional.6
Evidente, também, que a informação prestada ao fisco não pode implicar rompimento do
dever profissional de guardar sigilo.
No mais, os tabeliães, os escrivães e oficiais de registro devem atender às intimações escritas
do fisco, prestando as informações acerca dos atos por eles praticados no exercício de suas
atribuições legais, sob pena de aplicação de multa pecuniária, conforme dispuser a legislação
local.
Cumpre ressaltar que as obrigações acessórias independem da existência de obrigação
principal tanto é que pessoas imunes, também, estão sujeitas a essas obrigações estabelecidas no
interesse da fiscalização e arrecadação de tributos.
Esclareça-se, outrossim, que o Órgão Especial do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo
declarou a inconstitucionalidade dos arts. 197 e 218 da Lei no 11.154/91, na redação dada pela Lei
no 14.154/06, no incidente suscitado pela 12a Câmara de Direito Público nos autos da Ap.
no 0103847-15.2007.8.26.0053-SP.9 Ambos os dispositivos foram declarados inconstitucionais
por invadirem a esfera de competência da União para legislar sobre registro público (art. 22, XXV,
da CF), bem como por afrontarem o Poder Judiciário para disciplinar, fiscalizar e aplicar sanções
aos que exercem tais atividades, ferindo especificamente os arts. 5o, caput,69, II, b, e 77 da
Constituição do Estado de São Paulo, tendo em vista a natureza registral desses dispositivos
contestados pelo Colégio Notarial do Brasil, Seção de São Paulo, no mandado de segurança
coletivo impetrado contra ato do Secretário de Finanças da Prefeitura de São Paulo. Em
consequência, a Apelação interposta pela Prefeitura do Município de São Paulo nos autos do
referido mandado de segurança coletivo não foi provida.10 Três foram os fundamentos básicos
dessa decisão que manteve a segurança concedida em primeira instância: (a) O art. 179 da
Constituição Federal sinaliza no sentido de reduzir as amarras obrigacionais exigindo
simplificação e razoabilidade para a estrutura legal tributária;11 (b) Os notários não são
contribuintes do IPTU dos imóveis transacionados por terceiros, nem podem ser enquadrados
como responsáveis, pois nos termos do art. 134, VI, do CTN a responsabilidade tributária alcança
apenas os “tributos devidos sobre os atos praticados”; (c) A competência legislativa sobre o
registro público é privativa da União (art. 22, XXV, da CF), sendo certo que ao impedir ou proibir
um “ato de registro” a lei local ganha o sentido registral.
De fato, é bastante preocupante a instituição pela legislação das três esferas impositivas de
“n” situações em que são exigidas as certidões negativas de tributos como sucedâneo do processo
de cobrança coativa da dívida ativa, implicando violação dos princípios do devido processo legal,
do contraditório e ampla defesa. A exigência indiscriminada de certidão negativa, que não guarda
harmonia com o princípio da razoabilidade e proporcionalidade, representa autêntica sanção
política condenada pelas Súmulas no 70, no 323 e no 547 do STF. A Corte Suprema declarou a
inconstitucionalidade dos incisos I, III e IV do art. 1o da Lei no 7.711, de 22-12-1988, que
instituíram a obrigatoriedade de apresentação de certidão negativa para transferência de domicílio
para o exterior; para registro ou arquivamento de contrato social, alteração ou distrato perante o
registro público competente; para registro de contrato em Cartório de Títulos e Documentos e
Cartório de Registro de Imóveis; e para operação de empréstimo e de financiamento junto a
instituição financeira.12
1 Cf. nosso Direito financeiro e tributário, 25. ed. São Paulo: Atlas, 2016, p. 605.
2 REsp no 811692-SP; REsp no 724077-SP; REsp no 81.5369-MT.
3 José Náufel. Novo dicionário jurídico brasileiro, v. 3. São Paulo: Ícone, 1989, p. 829.
4 José Náufel. Novo dicionário jurídico brasileiro, v. 2. São Paulo: Ícone, 1989, p. 524.
5 Sobre o assunto, ver item 6.7.
6 Ao longo do exercício profissional já deparamos com casos de notários que falsificavam as guias de ITBI
transcritas na escritura pública.
7 Impõe aos notários e registradores o dever de fiscalizar o pagamento do ITBI e do IPTU, este por meio de
certidão negativa expedida pela Administração Tributária, sempre que praticarem atos de seu ofício.
8 Impõe multas pecuniárias a notários e registradores que descumprirem as obrigações do art. 19.
9 Arguição de Inconstitucionalidade no 994.08.217573-0, Rel. Des. Corrêa Vianna, julgado em 5-5-2010.
10 Ap. no 0103847-15.2007.8.26.0053 (Ap. no 994.08.217573-0), Rel. Des. Venicio Salles, julgado em 15-12-2010.
11 De fato, o STF vem declarando a inconstitucionalidade de exigência de certidão negativa com o nítido propósito
de promover a cobrança de tributo sem observância do contraditório a ampla defesa: ADI no 3454/DF, Rel. Min.
Carmen Lúcia, DJ de 16-3-2007; ADI no 173/DF, Rel. Min. Joaquim Barbosa, DJe de 20-3-2009.
12 ADI no 173/DF e ADI no 394/DF, ambas de Relatoria do Min. Joaquim Barbosa, DJede 20-3-2009.
8 EXAME DE CASOS CONTROVERTIDOS As hipóteses adiante mencionadas continuam, ainda, causando polêmicas na doutrina ou na
jurisprudência em maior ou menor grau dependendo do caso. Convém analisá-las em rápidas
pinceladas.
8.1DESINCORPORAÇÃO RESULTANTE DE REDUÇÃO DE CAPITAL
Há dúvida quanto à incidência do ITBI na devolução do imóvel ao sócio em decorrência da
redução do capital.
Se não há incidência quando o bem é dado em pagamento para integralização do capital
subscrito pelo sócio parece lógico que, na hipótese inversa, ou seja, quando o sócio recebe de
volta o bem dado em conferência não deve haver incidência do imposto.
Dispõe o art. 36, do CTN:
“Art. 36. Ressalvado o disposto no artigo seguinte, o imposto não incide sobre a
transmissão dos bens ou direitos referidos no artigo anterior:
I – quando efetuada para sua incorporação ao patrimônio de pessoa jurídica em
pagamento de capital nela subscrito;
II – quando decorrente da incorporação ou da fusão de uma pessoa jurídica por
outra ou com outra.
Parágrafo único. O imposto não incide sobre a transmissão aos mesmos alienantes,
dos bens e direitos adquiridos na forma do inciso I deste artigo, em decorrência da sua
desincorporação do patrimônio da pessoa jurídica a que foram conferidos.”
Ocorre que o disposto no parágrafo único não é contemplado pela CF de forma expressa, que
limita a imunidade às hipóteses de transferência de bens para integralização do capital subscrito
pelo sócio, às transmissões decorrentes de fusão, incorporação, cisão ou extinção de pessoa
jurídica (inciso I do § 2o do art. 156 da CF).
Como é sabido, a lei complementar é competente apenas para regular a imunidade prevista
na CF, não podendo ampliá-la, nem restringi-la. Em sua interpretação literal, a regra do parágrafo
único do art. 36 do CTN não tem apoio no texto constitucional.
Entretanto, aquele parágrafo único não deve ser interpretado isoladamente, porém de forma
conjugada com o inciso I do § 2o do art. 156 da CF, que contempla a hipótese de extinção da
pessoa jurídica que o CTN não prevê:
Ҥ 2o O imposto previsto no inciso II:
I – não incide sobre a transmissão de bens ou direitos incorporados ao patrimônio
de pessoa jurídica em realização de capital, nem sobre a transmissão de bens ou direitos
decorrente de fusão, incorporação, cisão ou extinção de pessoa jurídica, salvo se, nesses
casos, a atividade preponderante do adquirente for a compra e venda desses bens ou
direitos, locação de bens imóveis ou arrendamento mercantil.”
Ora, desincorporação de bens dados em conferência mediante redução de capital configura
dissolução parcial da pessoa jurídica.
Portanto, o texto do parágrafo único do art. 36 do CTN acha-se recepcionado pelo inciso I
do § 2o do art. 156 da CF.
A única exigência que se pode fazer para o registro da transferência do bem imóvel ao sócio
que o recebe em pagamento do capital reduzido é a formalidade da escritura pública, pois o art.
64 da Lei no 8.934, de 18-11-1994, só dispensa a escritura pública na hipótese inversa, isto é,
transferência de bem imóvel para formação ou aumento de capital social. Por versar sobre matéria
excepcional, o referido art. 64 deve ser interpretado de forma restritiva, ou então de forma estrita
sem qualquer ampliação.
8.2USUCAPIÃO
Em algumas comarcas do interior do Estado de São Paulo, ainda é possível deparar com
decisões judiciais exigindo o recolhimento da sisa como condição para expedição da carta de
usucapião.
Esse posicionamento, ligado à velha tradição cartorária, não encontra apoio na Constituição
e nas leis tributárias, pois na usucapião não existe a pessoa do transmitente da propriedade
imobiliária por ser forma originária de aquisição. O juiz limita-se a declarar a existência da
propriedade imobiliária a favor do posseiro que reuniu as condições legais para sua aquisição.
Já é tranquila a jurisprudência dos tribunais a partir do pronunciamento da Corte Suprema:
“EMENTA: Imposto de transmissão de imóveis. Alcance das regras dos arts. 23,
inc. I, da Constituição Federal e 35 do Código Tributário Nacional. Usucapião. A
ocupação qualificada e continuada que gera o usucapião não importa em transmissão
da propriedade do bem. À legislação tributária é vedada ‘alterar a definição, o conteúdo
e o alcance dos institutos, conceitos e formas de direito privado’ (art. 110 do C.T.N.).
Registro da sentença de usucapião sem pagamento do imposto de transmissão. Recurso
provido, declarando-se inconstitucional a letra ‘h’, do inc. I, do art. 1o, da lei no 5.384,
de 27.12.66, do Estado de Rio Grande do Sul” (RE no 94580/RS, Rel. Min. Djaci
Falcão, DJ de 7-6-1985).
8.3RECOLHIMENTO PRÉVIO DO IMPOSTO
Grande parte das legislações locais exige a transcrição da guia de recolhimento do ITBI nas
escrituras públicas de compra e venda, sob pena de sanção pecuniária aos tabeliães e seus
prepostos.
Trata-se de uma inconstitucionalidade, pois o fato gerador do ITBI só ocorre com a
transferência do bem imóvel, o que se dá apenas com o registro do título translativo no Registro
de Imóveis competente, por força do disposto no art. 1.245 do CC aplicável à espécie por
determinação contida no art. 110 do CTN.
Sobre o assunto remetemos o leitor ao item 6.7, que cuida do momento da ocorrência do fato
gerador do ITBI.
8.4COMPROMISSO DE COMPRA E VENDA
A controvérsia, neste particular, em parte resulta da falta de distinção entre compromisso de
venda e compra não registrado, que gera direito de natureza meramente pessoal, e o compromisso
registrado, que confere a natureza de direito real.
Enquanto na primeira hipótese não há incidência do imposto, no segundo caso, havendo
cessão de direitos e obrigações decorrentes do compromisso de compra e venda registrado, a
incidência do ITBI é inquestionável, pois esse imposto incide não apenas sobre a transmissão de
bens imóveis, como também sobre a transmissão de direitos reais sobre imóveis, exceto os de
garantia.
Por isso, há de ser interpretada com muito cuidado a Ementa do acórdão proferido na
Representação no 1121/GO abaixo transcrita, no sentido de que o compromisso de compra e venda
não transmite direitos reais:
“EMENTA: Fato gerador do imposto sobre a transmissão de bens imóveis e de
direitos a ele relativos. Compromisso de compra e venda. – O compromisso de compra e
venda, no sistema jurídico brasileiro, não transmite direitos reais nem configura cessão
de direitos a aquisição deles, razão por que é inconstitucional a lei que o tenha como
fato gerador de imposto sobre a transmissão de bens imóveis e de direitos a eles relativos.
Representação julgada procedente, declarando-se a inconstitucionalidade do inciso I do
parágrafo único do artigo 114 da Lei 7730, de 30 de outubro de 1973, do Estado de
Goiás” (Rp no 1121/ GO, Rel. Min. Moreira Alves, DJ de 13-4-1984, p. 15629).
Muitos Municípios vêm exigindo o pagamento do ITBI nos instrumentos públicos ou
particulares de compromisso de venda e compra, independentemente do pacto de irretratabilidade
do negócio e do registro, incidindo a legislação respectiva no vício de inconstitucionalidade.
A jurisprudência dos tribunais é pacífica no sentido da não incidência do ITBI em se tratando
de compromisso não registrado: STF, AgRg no AI no603309/MG, Rel. Min. Eros Grau, DJ de 23-
2-2007, p. 030; STJ, AgRg no REsp no 327188/DF, Min. Humberto Gomes de Barros, DJ de 24-
6-2002, p. 203; STJ, AgRg no 448245, Rel. Min. Luiz Fux, DJ de 9-12-2002, p. 309; STJ, REsp
no 264064, Rel. Min. Garcia Vieira, DJ de 11-12-2000, p. 180; STJ, REsp no 57641, Rel. Min.
Eliana Calmon, DJ de 22-5-2000, p. 91; STJ, AgRg no REsp no 327188/DF, Rel. Min. Humberto
Gomes de Barros, DJ de 24-6-2002, p. 203.
Julgados das Turmas do STF, invocando precedente da Rp no 1.121-GO, ao apreciarem casos
envolvendo o compromisso de compra e venda, vêm decidindo que o ITBI só incide no ato da
transferência efetiva da propriedade mediante registro, conforme ementas a seguir reproduzidas:
“Agravo regimental no agravo de instrumento. Imposto de transmissão inter
vivos de bens imóveis. ITBI. Momento da ocorrência do fato gerador.
Está assente na Corte o entendimento de que o fato gerador do ITBI somente ocorre
com a transferência efetiva da propriedade imobiliária, ou seja, mediante o registro no
cartório competente. Precedentes.
Agravo regimental não provido” (Ag.Reg. no Agravo de Instrumento no 674.432-
MG, Rel. Min. Dias Toffoli, Primeira Turma, DJe de 8-10-2013).
“Agravo regimental no recurso extraordinário com agravo. Imposto sobre a
transmissão de bens imóveis – ITBI. Fato gerador: Registro da transferência efetiva da
propriedade. Precedentes. Agravo regimental ao qual se nega provimento” (Ag.Re. no
Recurso Extraordinário com Agravo no 798.241-Rel. Min. Cármen Lúcia, Segunda
Turma, DJe de 14-4-2014).
Conquanto absolutamente corretas as decisões de ambas as Turmas do STF, é preciso atentar
que o ITBI na dicção constitucional incide não só sobre a transmissão inter vivos, a qualquer
título, por ato oneroso, de bens imóveis, por natureza ou acessão física, como também sobre a
transmissão de direitos reais sobre imóveis, exceto os de garantia, bem como cessão de direitos à
sua aquisição (art. 156, II, da CF).
Se é verdade que o compromisso de compra e venda registrado, por si só, não implica
ocorrência do fato gerador do ITBI, a sua cessão a título oneroso acarreta a incidência desse
imposto, pois estará havendo transmissão de direitos reais sobre imóveis que a Constituição levou
em conta ao outorgar a competência tributária aos Municípios. A noção de direitos reais, bem
como a de transmissão de propriedade imobiliária e de direitos reais, hão de ser buscadas no
Código Civil à luz do que dispõe o art. 119 do CTN.
Desse entendimento não discrepa a sempre citada decisão proferida na Rp no 1.121, de que
foi relator o Min. Moreira Alves, quando diz que o “compromisso de compra e venda, no sistema
jurídico brasileiro, não transmite direitos reais nem configura cessão de direitos a aquisição
deles”. Realmente, o que configura transmissão de direitos reais é a cessão de direitos e obrigações
decorrentes do compromisso de compra e venda registrado. Havendo essa transmissão de direito
real, não tem como afastar a incidência do ITBI.
8.5ANULAÇÃO DA ESCRITURA DE COMPRA E VENDA
Como se sabe, não cabe cogitar de rescisão de escritura de compra e venda, que é sempre
definitiva. Mas cabe a declaração judicial de sua nulidade, quer por vícios formais, quer por vícios
materiais.
Nessa hipótese, o imposto pago não poderá ser repetido, pois a validade jurídica dos atos
efetivamente praticados pelos contribuintes, responsáveis, ou terceiros não tem relevância jurídica
alguma na definição do fato gerador da obrigação tributária, nos termos do art. 118 do CTN.
8.6PROGRESSIVIDADE DA ALÍQUOTA
Essa questão ocupou um bom espaço na doutrina e na jurisprudência de nossos tribunais até
que ela foi pacificada pelo STF, que editou a Súmula 656 no sentido de que “é inconstitucional
a lei que estabelece alíquotas progressivas para o imposto de transmissão inter vivos de bens
imóveis – ITBI, com base no valor venal do imóvel”.
Temos a convicção de que a progressividade foi condenada mais pelo aspecto da exacerbação
das alíquotas (2%, 4% e 6%) e menos pela sua fundamentação básica de que sendo imposto de
natureza real não importa o aspecto subjetivo do contribuinte.
A obrigação tributária é sempre pessoal e presume-se que quem adquire imóvel de valor
venal mais elevado espelha objetivamente capacidade contributiva maior do que aquele que
adquire imóvel de valor venal menor, o que faz incidir o disposto no § 1o do art. 145 da CF,
segundo o qual os impostos serão graduados conforme a capacidade econômica do contribuinte.
Tenho a impressão de que se a progressividade variasse entre 0,5% até 2%, o resultado teria sido
outro.
8.7ISENÇÃO DO ITBI DECORRENTE DE TRATADO E CONVENÇÃO INTERNACIONAL
Alguns doutrinadores de peso opõem-se à isenção prevista nos tratados e convenções
internacionais em virtude do princípio inserto no art. 151, III, da CF, que veda à União instituir
isenções de tributos de competência dos Estados, do Distrito Federal ou dos Municípios.
Entretanto, esse princípio está voltado para o plano interno em que a União atua como pessoa
jurídica de direito público interno.
Como examinado no item 3.1.1.16, no plano internacional o Estado federal brasileiro é
representado pela União, que por sua vez é representado pelo Presidente da República enquanto
Chefe de Estado, e não, enquanto Chefe do Poder Executivo da União. O tratado ou convenção
internacional vincula o Estado federal brasileiro conferindo aos contribuintes direitos e garantias
na forma do § 2o do art. 5o da CF.
Proclamando a natureza supralegal dos tratados e convenções internacionais, prescreve o art.
98 do CTN:
“Os tratados e as convenções internacionais revogam ou modificam a legislação
tributária interna, e serão observados pela que lhes sobrevenha.”
Esse dispositivo do Código foi recepcionado pela Constituição de 1988, conforme
pronunciamento do STF nos autos da ADI no 1.600-8-DF. O e. Min. Celso de Mello enfrentando
questão ligada ao art. 98 do CTN, em seu longo e elucidativo voto declarou:
“Nem se diga, neste ponto, que os tratados internacionais firmados pela União
Federal, porque veiculadores de exoneração tributária, em matéria de ICMS, seriam
inconstitucionais, em face do que prescreve, em cláusula vedatória, o art. 151, III, da
Constituição da República, que proíbe, à União Federal, ‘instituir isenções de tributos
da competência dos Estados, do Distrito Federal ou dos Municípios’.
A vedação constitucional em causa incide sobre a União Federal, enquanto pessoa
jurídica de direito público interno, responsável nessa específica condição, pela
instauração de uma ordem normativa autônoma meramente parcial, inconfundível com
a posição institucional de soberania do Estado Federal brasileiro, que ostenta a
qualidade de sujeito de direito internacional público e que constitui, no plano de nossa
organização política, a expressão mesma de uma comunidade jurídica global, investida
de poder de gerar uma ordem normativa de dimensão nacional, essencialmente diversa,
em autoridade, eficácia e aplicabilidade, daquela que se consubstancia nas leis e atos de
caráter meramente federal.
Sob tal perspectiva, nada impede que o Estado Federal brasileiro celebre tratados
internacionais que veiculem cláusulas de exoneração tributária, em matéria de ICMS,
pois a República Federativa do Brasil, ao exercer o seu treaty-making power, estará
praticando ato legítimo que se inclui na esfera de suas prerrogativas como pessoa
jurídica de direito internacional público, que detém – em face das unidades meramente
federadas – o monopólio da soberania e da personalidade internacional”(Adin no 1.600-
8-DF, Rel. M. Sydney Sanches; Rel. para acórdão Min. Nelson Jobim; Trib. Pleno,
decisão por maioria de votos, vencidos os Ministros Sydney Sanches, Carlos Velloso e
Marco Aurélio; DJ de 20-6-2003, Ata no 19/2003).
8.8CONFESSADA INCONSTITUCIONALIDADE DO ITBI DE SÃO PAULO
A inconstitucionalidade do ITBI do Município de São Paulo resulta da expressa disposição
confessa de sua legislação.
Na prática não se vê a propositura de qualquer ação coletiva quanto à legislação do ITBI,
como acontece com o IPTU, que é tributo de lançamento anual contra todos os proprietários,
titulares de domínio útil ou possuidores de imóveis urbanos, fato que aumenta consideravelmente
o contingente de contribuintes e consequente poder de pressão sobre órgãos e instituições
destinadas à defesa da sociedade.
O ITBI tem como fato gerador a transmissão da propriedade imobiliária urbana por atos
onerosos e inter vivos e da transmissão dos direitos reais sobre imóveis, excetuados os de garantia.
Esse fato reduz o número de contribuintes desse imposto.
Daí a relevância do conhecimento das noções de direito civil para o perfeito entendimento
desse imposto. E aqui é importante afastar, desde logo, a equivocada noção de hermenêutica
segundo a qual não se pode interpretar o texto constitucional a partir do Direito Civil.
É claro que a interpretação deve ser feita de cima para baixo. Contudo, quando a Constituição
Federal emprega uma categoria de direito privado, no caso, a transmissão imobiliária e de direitos
reais sobre imóveis, exceto os de garantia, para outorgar competência tributária aos municípios,
sem definir os seus conceitos, obviamente definições do direito comum são vinculantes dentro do
Direito Tributário, sob pena de cada um dos mais de 5.500 municípios instituir o ITBI a sua
maneira. Se isso acontecesse, a unidade nacional do Direito Civil restaria abalada, trazendo
consequências imprevisíveis.
A primeira observação que se faz em termos de ITBI é que esse imposto não pode ser exigido
antes do registro do título de transferência no registro de imóveis competente. A escritura
aquisitiva não transmite a propriedade imobiliária, mas apenas o seu registro, consoante
prescrição do art. 1.245 do CC.
Também não se pode cobrar o ITBI relativamente ao compromisso de compra e venda não
registrado. Apenas o seu registro confere a natureza de direito real.
No entanto, a mais grave violação constitucional do ITBI está na manipulação da sua base
de cálculo, que é um dos elementos quantitativos do fato gerador para tornar o imposto líquido
certo e exigível.
A base de cálculo está sob reserva de lei complementar (art. 146, III, a, da CF). E o CTN diz
que a base de cálculo do ITBI é o valor venal dos bens ou direitos transmitidos (art. 38). Essa base
de cálculo é submetida ao princípio da reserva legal (art. 97, IV, da CTN), isto é, só a lei tributária
material pode defini-la, assim mesmo precedida de prévia definição por lei complementar, como
vimos.
Se a base de cálculo, um dos elementos quantitativos do fato gerador, está submetida ao
princípio da legalidade, resta claro que a lei deve definir o critério objetivo para a sua apuração,
não bastando dizer que é o valor venal dos bens transmitidos, como prescreve o art. 7o da Lei
paulistana nº 11.154/91. É preciso que haja uma lei definindo critérios objetivos para apuração do
valor venal dos imóveis transmitidos. Nada impede de o município utilizar-se da legislação do
IPTU, Lei no 10.235/86, que traça os critérios objetivos para encontrar o valor unitário do metro
quadrado do terreno e da construção, segundo a localização, a topografia, o tipo de construção, o
padrão de construção, a idade aparente etc.
Se levada em conta a argumentação da Prefeitura de que o valor venal é aquele praticado no
mercado imobiliário nas operações de compra e venda à vista, fica bem estranho a adoção de dois
valores venais distintos: um para efeito de IPTU e outro para efeito de ITBI. Fere, obviamente, o
princípio da razoabilidade que se coloca como um limite à ação do legislador.
A grande verdade é que o conceito doutrinário de valor venal não deve ser confundido com
o valor venal legal que resulta da lei.
A Lei no 11.154/91 em seu art. 7o-A, dando embasamento legal ao Decreto no 46.228/2005,
que determina a apuração periódica do valor venal com base nas pesquisas de mercado, prescreve
que a “Secretaria Municipal de Finanças tornará públicos os valores venais atualizados dos
imóveis inscritos no Cadastro Mobiliário Fiscal do Município de São Paulo”.
Com base nesse preceito, o Executivo promoveu o aumento do valor venal dos imóveis para
fins de ITBI no mês de março de 2014, aumentando em média 84%, contra os 35% do IPTU
barrado pela Justiça, em decisão liminar.
Em alguns casos, o aumento chegou a 173%, conforme noticiado pela mídia, restando claro
não se tratar de atualização monetária a que alude o § 2o do art. 97 do CTN, insubmissa ao
princípio da legalidade.
Ora, não cabe à lei apurar concretamente o valor venal de cada imóvel cadastrado. A lei há
de reger sempre situações abstratas e genéricas. Compete ao órgão lançador do imposto apurar o
valor venal de cada imóvel, cuja transmissão é tributada pelo ITBI, obedecendo a critérios
objetivos de apuração de valores previstos em lei em sentido estrito.
Aplicando o valor venal de referência que a Prefeitura encontrou por meio de pesquisas de
mercado, ela violentou três princípios constitucionais tributários: o princípio da legalidade
tributária, o da anterioridade tributária e o da nonagesimidade, pois sem esse “Valor Venal de
Referência”, uma adjetivação que não existe no CTN, disponibilizado no site da Prefeitura, o
contribuinte não terá como recolher o ITBI. A legislação vigente transformou o imposto por
homologação em um imposto de lançamento direto sui generis, isto é, o órgão fiscalizador e
arrecadador do Município não promove o lançamento e notificação do contribuinte, como ocorre
com o IPTU, mas, ao mesmo tempo, retira do contribuinte a faculdade de adquirir na papelaria a
guia de recolhimento, como acontecia antes do advento da Lei Municipal no11.154/91. Como se
sabe, o lançamento por homologação caracteriza-se pelo fato de o sujeito passivo da obrigação
tributária calcular por sua conta e responsabilidade, efetuando o recolhimento do valor apurado
sem prévio conhecimento do fisco que poderá homologar expressa ou tacitamente, ou deixar de
homologar promovendo a lançamento de ofício da diferença que entender faltante. O critério
aventado pela Prefeitura de São Paulo não se enquadra na modalidade de lançamento direto, nem
na de lançamento por homologação. Situa-se entre as duas modalidades de lançamento que não
tem guarida no Código Tributário Nacional, invadindo, por conseguinte, a esfera reservada à lei
complementar (art. 146, III, b, da CF).
A base de cálculo, sua quantificação, na verdade, nem mesmo nos chamados impostos
regulatórios (II, IE, IOF e IPI), pode ser alterada por ato do Executivo, conforme de depreende
do § 1o do art. 153 da CF que se refere apenas à alteração de alíquotas.
À vista da ausência de questionamento judicial, por meio de ação de natureza coletiva, pode-
se se afirmar que no caso do ITBI de São Paulo vigora o princípio da inconstitucionalidade eficaz.
Daí a confissão da inconstitucionalidade pela própria lei de regência, na certeza absoluta de
impunidade.
8.9DOAÇÃO COM ENCARGO: ITCMD OU ITBI?
Doação é um contrato pelo qual uma pessoa – o doador – por liberalidade condicionada, ou
não, e com a concordância de outra – o donatário – transfere-lhe bens ou vantagens de seu
patrimônio.
Quando se tratar de doação pura ou incondicionada, nenhuma dúvida paira quanto à
incidência do ITCMD. Entretanto, surge a dúvida em se tratando de doação com encargo. No
caso, incide o ITCMD ou o ITBI?
Algumas leis estaduais incluem expressamente a doação com encargo no âmbito de
incidência do ITCMD. É o caso da lei do Estado de São Paulo, Lei no 10.705/00, que no § 3o do
art. 2o incluiu a doação com encargo no campo de abrangência do fato gerador do ITCMD. É claro
que esse fato, por si só, não significa que a competência impositiva estadual, no caso, é
indiscutível.
Por outro lado, existem inúmeras leis municipais de diferentes Municípios autorizando o
Executivo a doar terrenos com encargos (para construção de creches, de conjuntos habitacionais
etc.), com a dispensa do ITBI, o que dá a entender que esse tipo de doação estaria abrangida pelo
fato gerador do ITBI.
Não há posicionamento doutrinário definitivo a respeito. Mauro Luís Rocha Lopes entende
que na doação com encargo somente incidirá o ITBI se o ônus atinente ao encargo for
proporcional ao valor do bem transmitido, caso em que o contrato respectivo será bilateral e
oneroso.1
No nosso entender, na doação com encargo haverá apenas incidência do ITCMD, porque o
caráter de liberalidade permanece ainda que de forma restritiva. O certo é que no caso de doação
de terreno com a condição de construir uma creche, por exemplo, o donatário adquire a
propriedade do terreno de forma gratuita. A edificação é fator que vem acrescer o valor do
patrimônio transferido pelo doador.
8.10ARREMATAÇÃO EM HASTA PÚBLICA
A exemplo do que ocorre na usucapião, não há transmissão de propriedade na arrematação.
De fato, na arrematação, não há transmissão de propriedade inter vivos caracterizada pela livre
manifestação de vontade das partes que se materializa por intermédio de um ato jurídico válido,
gerando direitos e obrigações recíprocas.
Entretanto, não está pacificada na doutrina e na jurisprudência a questão da não incidência
do ITBI nos casos de arrematação, como pacificada já se encontra em relação à usucapião.
Inúmeros julgados do Superior Tribunal de Justiça já reconheceram que a arrematação em
hasta pública configura hipótese de aquisição originária não incidindo o ITBI por ausência de
transmissão inter vivos, conforme ementas a seguir:
“Tributário – Arrematação judicial de veículo – Débito de IPVA – Responsabilidade
tributária – CTN. art. 130, parágrafo único.
1. A arrematação de bem em hasta pública é considerada como aquisição originária,
inexistindo relação jurídica entre o arrematante e o anterior proprietário do bem.
2. Os débitos anteriores à arrematação sub-rogam-se no preço da hasta. Aplicação
do artigo 130, parágrafo único, do CTN, em interpretação que se estende aos bens móveis
e semoventes.
3. Por falta de prequestionamento, não se pode examinar a alegada violação ao
disposto no art. 131, § 2o, da Lei no 9.503/97 (Código de Trânsito Brasileiro).
4. Recurso especial conhecido em parte e, nessa parte, não provido”(REsp 807455-
RS, Rel. Min. Eliana Calmon, Segunda Turma, julgado em 28-10-2008, DJe 21-11-
2008).
“Processual civil e tributário. Execução fiscal. IPTU sobre imóvel arrematado em
hasta pública. Exceção de pré-executividade. ilegitimidade passiva. Débitos tributários.
Sub-rogação que ocorre sobre o preço. Parágrafo único do art. 130 do CTN.
Impossibilidade de imputar-se ao arrematante encargo ou responsabilidade tributária.
Obrigação tributária pendente, que persiste perante o fisco, do anterior proprietário.
1. O crédito fiscal perquirido pelo fisco deve ser abatido do pagamento, quando do
leilão, por isso que, finda a arrematação, não se pode imputar ao adquirente qualquer
encargo ou responsabilidade tributária. Precedentes: (REsp 716438-PR, Rel. Ministro
Teori Albino Zavascki, Primeira Turma, julgado em 09/12/2008, DJe 17/12/2008; REsp
707.605-SP, Relatora Ministra Eliana Calmon, Segunda Turma,DJ de 22/3/2006; REsp
283.251-AC, Rel. Ministro Humberto Gomes De Barros, Primeira Turma, DJ de
5/11/2001; REsp 166.975-SP, Rel. Ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira, Quarta
Turma, DJ de 4/10/1999).
2. Os débitos tributários pendentes sobre o imóvel arrematado, na dicção do art.
130, parágrafo único, do CTN, fazem persistir a obrigação do executado perante o Fisco,
posto impossível a transferência do encargo para o arrematante, ante a inexistência de
vínculo jurídico com os fatos jurídicos tributários específicos, ou com o sujeito tributário.
Nesse sentido: ‘Se o preço alcançado na arrematação em hasta pública não for suficiente
para cobrir o débito tributário, nem por isso o arrematante fica responsável pelo
eventual saldo’ (Bernardo Ribeiro de Moraes, Compêndio de Direito Tributário, 2o vol.,
Rio de Janeiro: Forense, 1995, p. 513).
3. A regência normativa em tela é a do CTN, parágrafo único, do art. 130,
dispositivo especial quanto ao caput, posto ser este aplicado nas relações obrigacionais
de transferência de domínio ou posse de imóvel. In casu, a situação é especialíssima e
adversa, não havendo que se falar em transferência de domínio por fins de aquisição
dentro relações obrigacionais civis, seja de compra e venda, cessão, doação etc.
4. Deveras, revela-se inadequado imprimir à questão contornos obrigacionais,
sendo impróprio aduzir-se a alienante e adquirente, mas sim em executado e
arrematante, respectivamente, diante da inexistência de vínculo jurídico com os fatos
jurídicos tributários específicos, ou com o sujeito tributário. O executado, antigo
proprietário, tem relação jurídico-tributária com o Fisco, e o arrematante tem relação
jurídica com o Estado-juiz.
5. Assim, é que a arrematação em hasta pública tem o efeito de expurgar qualquer
ônus obrigacional sobre o imóvel para o arrematante, transferindo-o livremente de
qualquer encargo ou responsabilidade tributária.
6. Recurso especial desprovido” (REsp 1059102/RS, Rel. Min. Luiz Fux, Primeira
Turma, julgado em 3-9-2009, DJe 7-10-2009).
“Execução fiscal – IPTU – Arrematação de bem imóvel – Aquisição originária –
Inexistência de responsabilidade tributária do arrematante – Aplicação do art. 130,
parágrafo único, do CTN.
1. A arrematação de bem móvel ou imóvel em hasta pública é considerada como
aquisição originária, inexistindo relação jurídica entre o arrematante e o anterior
proprietário do bem, de maneira que os débitos tributários anteriores à arrematação
sub-rogam-se no preço da hasta.
2. Agravo regimental não provido” (AgRg no Ag 1225813-SP, Rel. Min. Eliana
Calmon, Segunda Turma, julgado em 23-3-2010, DJe 8-4-2010).
Várias legislações municipais contemplam a arrematação entre o fato gerador do ITBI. A
legislação paulistana, Lei no 11.154, de 30-12-1991, também inclui, expressamente, na definição
do fato gerador do ITBI a arrematação, a adjudicação e a remição (art. 2o, V).
A jurisprudência de alguns tribunais, também, admite a tributação da arrematação pelo ITBI
conforme ementas abaixo:
“EMENTA: DIREITO IMOBILIÁRIO: ITBI – REVISÃO DE VALOR – IMÓVEL –
ARREMATAÇÃO EM HASTA PÚBLICA – AVALIAÇÃO – DESNECESSIDADE.
Se o imóvel, cujo valor do imposto se encontra em discussão, foi adquirido mediante
arrematação em praça pública, em que presente o princípio da fé pública, desnecessária
se torna nova avaliação do imóvel, devendo prevalecer aquela constante da carta de
arrematação. Sentença que se confirma, no duplo grau de jurisdição, prejudicado o
apelo voluntário” (AC no 1.0024.05.817771-8/001/MG, Rel. Des. Schalcher Ventura, j.
24-8-2006).
A ementa abaixo condiciona a exigência do ITBI ao prévio registro da carta de arrematação:
“EMENTA: Mandado de segurança. Direito tributário. Bem imóvel arrematado em
hasta pública. ITBI. Competência municipal. Artigo 156, inciso II, da Constituição
Federal. Fato gerador. Momento de incidência. Transferência efetiva da propriedade
com o registro no cartório imobiliário. Não ocorrência no caso concreto. Exigência de
recolhimento do tributo dentro de trinta dias da lavratura do auto de arrematação,
conforme art. 9o, inciso II, da Lei no 1.569/89, do Município de São Borja. Descabimento.
Fato gerador não configurado. Inteligência dos artigos 35 e 110 do CTN e 1.227 e 1.245
do CC/2002. Concessão da segurança. Sentença mantida. Apelo desprovido” (Apelação
e reexame necessário no 70025420225/RS, Rel. Des. Sandra Brisolara Medeiros, j. em
17-9-2008).
Na verdade, a arrematação, tanto quanto a usucapião, têm natureza de aquisição originária.
Não é possível cogitar de lançamento do ITBI por ausência absoluta do requisito essencial
configurador da situação abstrata descrita na norma jurídica de imposição tributária, qual seja, a
aquisição da propriedade pelo registro do título translativo no Registro de Imóveis competente
(art. 1.245 do CC). A carta de arrematação não corresponde ao título de transmissão da
propriedade por ausência da pessoa do transmitente.
Por força do disposto no art. 110 do CTN, o conceito de transmissão da propriedade só pode
ser buscado no Direito Civil, sob pena de afrontar o princípio constitucional da discriminação de
rendas tributárias. E, em termos de direito comum, a transmissão só ocorre quando alguém
(proprietário) transfere a outrem o bem que é integrante de seu patrimônio.
Finalmente, julgados que acolhem a tese da incidência do ITBI na arrematação adotam como
base de cálculo o valor da efetiva arrematação, desprezando-se o valor da avaliação do bem:
“Ementa: ‘Tributário – Imposto de transmissão – Arrematação. O cálculo para o
imposto referido há de ser feito com base no valor alcançado pelos bens na arrematação,
e não pelo valor da avaliação judicial. Recurso conhecido e provido’” (REsp no 2525,
Rel. Min. Armando Rolemberg, DJ de 25-6-1990, p. 6027).
“Ementa: Tributário. Imposto de transmissão inter vivos. Base de cálculo. Valor
venal do bem. Valor da avaliação judicial. Valor da arrematação.
I – O fato gerador do ITBI só se aperfeiçoa com o registro da transmissão do bem
imóvel. Precedentes: AgRg no Ag no 448.245/DF, Rel. Min. LUIZ FUX, DJ
de 09/12/2002, REsp no 253.364/DF, Rel. Min. HUMBERTO GOMES DE BARROS, DJ
de 16/04/2001 e RMS no10.650/DF, Rel. Min. FRANCISCO PEÇANHA MARTINS, DJ de
04/09/2000. Além disso, já se decidiu no âmbito desta Corte que o cálculo daquele
imposto ‘há de ser feito com base no valor alcançado pelos bens na arrematação, e não
pelo valor da avaliação judicial’ (REsp no 2.525/ PR, Rel. Min. ARMANDO
ROLEMBERG, DJ de 25/6/1990, p. 6027). Tendo em vista que a arrematação
corresponde à aquisição do bem vendido judicialmente, é de se considerar como valor
venal do imóvel aquele atingido em hasta pública. Este, portanto, é o que deve servir de
base de cálculo do ITBI.
II – Recurso especial provido” (REsp no 863893, Rel. Min. Francisco Falcão, DJ de
7-11-2006, p. 277).
Finalmente, legislações municipais que incluem a arrematação em hasta pública na definição
de fato gerador do ITBI incorrem em afronta ao art. 110 do CTN por elastecer o conceito de
transmissão entre vivos adotado pelo Código Civil.
8.11DESIGUALDADE NA PARTILHA
É comum nos inventários, nos divórcios e separações a existência de diferenças nas partilhas
dos bens.
Exemplifiquemos um caso para melhor compreensão do tema.
Nos autos do divórcio, considerado o casamento sob o regime de comunhão universal,
apresenta-se o seguinte quadro:
a) dois imóveis no valor de R$ 100.000,00 cada um, atribuídos ao cônjuge virago;
b) um imóvel de R$ 100.00,00 mais diversos bens móveis no valor de R$ 100.000,00
atribuídos ao cônjuge varão.
No exemplo acima, cada cônjuge, a título de meação, ficou com R$ 200.000,00, isto é,
exatamente a metade do patrimônio global do casal. Pergunta-se, há incidência de ITBI?
A resposta é positiva, porque o ITBI incide sobre transmissão de propriedade imobiliária,
pelo que não interessa o patrimônio global composto de bens que não tenham natureza de direitos
reais.
Assim, desfeita a sociedade conjugal, cada cônjuge fica com a metade ideal de cada um dos
imóveis considerados individualmente. A reposição em dinheiro, ou compensação com bens de
outra natureza para igualar os quinhões em partilha desencadeia a incidência do ITBI, conforme
jurisprudência de nossos tribunais:
“Súmula 116 do STF: Em desquite ou inventário, é legítima a cobrança do chamado
imposto de reposição, quando houver desigualdade nos valores partilhados.”
“EMENTA: Separação consensual. Partilha de bens. Incidência do imposto sobre
transmissão de bens imóveis. É legítima a exigência do chamado ‘imposto de reposição’
quando houver desigualdade nos valores partilhados. Súmula 116 do STF. Artigos 1121,
par. único, 1026 e 1108 do Código de Processo Civil. Decreto Estadual no 30525, de
30.12.81, art. 1o, VI. Também na partilha de bens decorrentes de separação consensual,
deve a fazenda pública ser intimada antes da sentença, a fim de pronunciar-se sobre os
valores atribuídos pelos interessados. Voto vencido” (AC no 586000440/RS, Rel. Des.
Athos Gusmão Carneiro, j. em 27-5-1986).
“EMENTA: Separação judicial consensual. Incidência do imposto de transmissão
sobre a diferença a maior na partilha dos bens do patrimônio comum, excedendo a
meação. Tirante acordo com solução diversa, a responsabilidade tributária é do
beneficiado pela forma desigual de divisão dos bens. Agravo desprovido” (AI
no 592048524/RS, Rel. Des. Talai Djalma Selistre, j. em 29-7-1992).
Surge a dúvida quando cada cônjuge fica com imóveis por inteiro, porém, sem apresentar
desigualdade nos valores partilhados.
Por exemplo, cada um fica com dois imóveis no valor de R$ 100.000,00 cada um, perfazendo
o valor total partilhado de R$ 400.000,00. Não há que se cogitar, na hipótese, de torna ou
reposição. Pergunta-se, há incidência de ITBI?
A maioria das legislações municipais inclui na hipótese de incidência do ITBI “o valor dos
imóveis que, na divisão do patrimônio comum ou na partilha, forem atribuídos a um dos cônjuges
ou a qualquer herdeiro, acima da respectiva meação ou quinhão, considerando em conjunto,
apenas os bens imóveis constantes do patrimônio comum ou monte-mor”.
Correta a disposição legal nesse sentido, porque, se antes da separação ou divórcio cada
cônjuge possuía apenas 50% de cada imóvel integrante do patrimônio do casal e, se após a
desunião um dos cônjuges passou a possuir 100% de determinado bem imóvel, é porque este
incorporou ao seu patrimônio individual a metade ideal pertencente a outro cônjuge.
Logo, o excesso de meação ou do quinhão, para efeito de ITBI, deve ser examinado
exclusivamente sob a ótica de cada bem imóvel, desprezando-se o patrimônio total do casal, ou
do valor que compõe do monte-mor.
Há ainda uma questão que vem desafiando a inteligência do intérprete. Qual seria a natureza
da transmissão retroexaminada?
Saber se se trata de transmissão gratuita ou onerosa é imprescindível para definir a incidência
do ITCMD ou do ITBI.
Omar Augusto Leite Melo examinando essa questão afirma:
“Somente uma análise meticulosa e casuística do negócio possibilitará saber a que
título se deu a transferência de parte da propriedade imóvel. Contudo, não seria nenhum
absurdo presumir – necessariamente por meio de lei – a onerosidade da transferência.” 2
Nos casos de desigualdade nos valores partilhados, normalmente, no próprio corpo da
partilha consta a reposição em dinheiro ou a compensação com bens de outra natureza a evidenciar
o caráter oneroso da transmissão imobiliária. Difícil encontrar, na prática, uma situação em que
um cônjuge fica com bens imóveis acima da sua meação, sem que haja reposição por parte do
outro cônjuge. Aliás, comportar-se de forma diversa seria trilhar o caminho mais oneroso em
termos tributários, pois a transmissão a título gratuito é onerada pelo ITCMD, cuja alíquota é de
4% normalmente, contra os 2% usuais do ITBI.
8.12CESSÃO DE DIREITO À HERANÇA
O direito à sucessão aberta para os efeitos legais é considerado bem imóvel nos expressos
termos do art. 80, II, do CC:
“Art. 80. Consideram-se imóveis para os efeitos legais:
[...]
II – o direito à sucessão aberta.”
Logo, a cessão desse direito implica ocorrência do fato gerador à luz do que dispõe o art.
156, II, da CF e do disposto no inciso III do art. 35 do CTN.
A cessão de direito hereditário, legalmente equiparada a bem imóvel, no meu entender,
consuma-se com a celebração do instrumento de cessão, independentemente de registro. Aliás,
não se sabe se seria possível registrar no Registro de Imóveis esse tipo de cessão.
Contudo, há um julgado do Tribunal de Justiça do Estado de Rondônia exigindo essa
formalidade, conforme ementa abaixo:
“EMENTA: Inventário. Tributário. Escritura de cessão de direitos hereditários.
ITBI. Transmissão imobiliária. Fato gerador não configurado. Imposto indevido. O fato
gerador do Imposto de Transmissão de Bens Imóveis é o registro imobiliário, de forma
a se revelar indevida a imposição de pagamento do tributo só pelo fato da cessão de
direitos hereditários, ainda que realizada por meio de Escritura Pública” (AI
no 10000120000013103, Rel. Des. Roosevelt Queiroz Costa, j. em 15-10-2008).
Cumpre esclarecer se houve a renúncia à herança, ou sua desistência antes da aceitação não
haverá incidência do ITBI, desde que essa renúncia ou desistência não seja feita a favor deste ou
daquele herdeiro, mas a favor do monte-mor.
No caso, não há transmissão de direitos reais. Há apenas diminuição do número de pessoas
na partilha do monte-mor.
Nesse sentido a jurisprudência do STJ:
“EMENTA: RENÚNCIA À HERANÇA – INEXISTÊNCIA DE DOAÇÃO OU
ALIENAÇÃO – ITBI – FATO GERADOR – AUSÊNCIA DE IMPLEMENTO.
A renúncia de todos os herdeiros da mesma classe, em favor do monte, não impede
seus filhos de sucederem por direito próprio ou por cabeça. Homologada a renúncia, a
herança não passa à viúva, e sim aos herdeiros remanescentes. Esta renúncia não
configura doação ou alienação à viúva, não caracterizando o fato gerador do ITBI, que
é a transmissão da propriedade ou do domínio útil de bens imóveis. Recurso
provido” (REsp no 36076, Rel. Min. Garcia Vieira, DJ de 29-3-1999, p. 76).
8.13INCIDÊNCIA DO ITBI EM TERRENO OBJETO DE COMPROMISSO DE COMPRA E VENDA
Já verificamos que o compromisso de compra e venda não registrado não configura fato
gerador do ITBI, por não se caracterizar como direito real, mas como mero direito de natureza
pessoal.
Discute-se, na verdade, se o compromisso irretratável, com preço quitado, não levado a
registro, pode ser tributado pelo ITBI.
Hugo de Brito Machado sustenta que se o contrato “mesmo cuidando de promessa diz que
esta é irretratável e desde logo outorga plena quitação ao promitente comprador, é razoável
entender que se trata de uma compra e venda sob o rótulo falso de promessa. Os contratos não
valem pelos nomes que ostentam, mas pelo que eles expressam em seu conteúdo”.3
O fato gerador, no caso, é a “transmissão, a qualquer título, de direitos reais sobre imóveis,
exceto os direitos reais de garantia” (art. 35, II, do CTN). Verifica-se, portanto, que foi eleita
como veículo de incidência tributária uma situação jurídica, hipótese em que se aplica o disposto
no art. 116, II, do CTN para precisar o momento em que ocorreu o fato gerador:
“Art. 116. Salvo disposição de lei em contrário, considera-se ocorrido o fato gerador e
existente os seus efeitos:
[...]
II – tratando-se da situação jurídica, desde o momento em que esteja definitivamente
constituída, nos termos de direito aplicável.”
Ora, nos termos do direito aplicável, os direitos reais sobre imóveis só se adquirem e, por
conseguinte, só se transmitem com o registro no Cartório de Registro de Imóveis competente,
conforme prescreve o art. 1.227 do Código Civil:
“Art. 1.227. Os direitos reais sobre imóveis constituídos, ou transmitidos por atos
entre vivos, só se adquirem com o registro no Cartório de Registro de Imóveis dos
referidos títulos (arts. 1.245 a 1.247), salvo os casos expressos neste Código.”
Logo, somente a cessão do direito real que se opera com o registro tem o condão de fazer
incidir o ITBI. Não basta a existência do direito real sobre bem imóvel, mas a sua transmissão
que se faz por meio de cessão de direitos e obrigações.
No caso, a utilização do compromisso quitado e irretratável ao invés da compra e venda, não
estará implicando fraude, pois estará havendo mera postergação da ocorrência do fato gerador
que cedo ou tarde acontecerá, importando na elevação da base de cálculo do imposto, dependendo
do tempo decorrido. O compromisso de compra e venda, quitado ou não, é categoria jurídica
reconhecida no nosso ordenamento jurídico. Dentro da liberdade de contratação das partes,
assegurada pela Constituição Federal, não há como o fisco pretender que se celebre contrato de
compra e venda, em vez do compromisso de compra e venda quitado, interferindo na
conveniência das partes. E mais, o compromisso de compra e venda pode ser celebrado por
instrumento público ou particular, ao passo que o contrato de compra e venda de imóvel só pode
ser firmado por instrumento público, salvo as hipóteses excepcionais previstas em lei como no
caso de aquisição imobiliária pelo Sistema Financeiro da Habitação. Mais uma razão, portanto,
para não promover a equiparação pretendida por Hugo de Brito Machado.
O problema surge na hipótese de construção de prédio em terreno objeto de compromisso de
compra e venda. Quando o compromissário recebe a escritura definitiva de compra e venda,
geralmente, o fisco municipal tenta cobrar o ITBI sobre o valor total do imóvel, englobando o
valor do terreno e o valor da edificação.
Trata-se de um procedimento equivocado e ilegal, pois o prédio não foi objeto de transmissão
pelo vendedor, que se limitou a alienar o terreno. A Súmula 470 do STF veda tal procedimento:
“Súmula 470. O imposto de transmissão ‘inter vivos’ não incide sobre a construção,
ou parte dela, realizada, inequivocamente, pelo promitentecomprador, mas sobre o valor
do que tiver sido construído antes da promessa de venda.”
Para evitar conflitos, a escritura de compra e venda deve mencionar, com clareza, que o
prédio foi construído pelo compromissário-comprador.
É comum, também, a construção em terreno objeto de promessa de permuta. Determinado
proprietário pode celebrar contrato de promessa de permuta com certa construtora, pelo qual se
obriga a transferir a esta o terreno, e a construtora se compromete a transferir àquele proprietário
de terreno uma quantidade determinada de unidades autônomas que pretende construir no edifício
projetado.
Na hipótese ocorrerá, por ocasião da aquisição do domínio, dupla transmissão: a primeira
relativa ao terreno, cuja propriedade é transmitida para a construtora, e a segunda relativa às
unidades autônomas do edifício, cujas propriedades são transmitidas para o antigo proprietário do
terreno.
Essa mesma situação ocorrerá na hipótese de promessa de compra e venda com pacto de
dação em pagamento. O proprietário do terreno celebra com uma construtora promessa de venda
do terreno, cujo preço deverá ser pago mediante entrega de determinadas unidades autônomas do
edifício projetado.
8.14EDIFICAÇÃO EM TERRENO ALHEIO
Não é frequente, mas a edificação em terreno alheio por determinadas construtoras tem
acontecido, ensejando problemas de diversas naturezas, inclusive a de ordem tributária.
Nesta hipótese, pergunta-se, há incidência do ITBI por ocasião da regularização da
construção? Qual a sua base de cálculo?
A exclusão do valor da edificação da base de cálculo nos parece inquestionável, pois o prédio
pertence à construtora que o construiu, não se podendo cogitar da transmissão de propriedade em
relação a ele.
Como fica em relação ao terreno?
Essa questão só pode ser resolvida à luz do direito comum. Dispõe o art. 1.255 do CC:
“Art. 1.255. Aquele que semeia, planta ou edifica em terreno alheio perde, em
proveito do proprietário, as sementes, plantas e construções; se procedeu de boa-fé, terá
direito a indenização.
Parágrafo único. Se a construção ou a plantação exceder consideravelmente o valor
do terreno, aquele que, de boa-fé, plantou ou edificou, adquirirá a propriedade do solo,
mediante pagamento na indenização fixada judicialmente, se não houver acordo.”
Pelo Código Civil três situações podem ocorrer:
a) a construtora perde, em proveito do proprietário do terreno, as construções, recebendo a
respectiva indenização se procedeu de boa-fé;
b) se o valor da construção exceder consideravelmente o valor do terreno, a construtora
adquirirá a propriedade do terreno, se procedeu de boa-fé, mediante pagamento da indenização
fixada judicialmente, na ausência de acordo;
c) se agiu de má-fé, a construtora perde a construção sem direito à indenização. O art. 547
do CC de 1916 determinava, na hipótese, a reposição das coisas no estado anterior, além do
pagamento dos prejuízos.
Único caso em que ocorre a transmissão da propriedade imobiliária é o da hipótese b. O ITBI
será devido apenas nesta hipótese incidindo tão somente sobre o valor do terreno.
8.15DESAPROPRIAÇÃO
Vários são os conceitos de desapropriação dados por diferentes autores. Todavia, é unânime
na doutrina a ideia de que na desapropriação ocorre a retirada compulsória da propriedade
mediante pagamento prévio da justa indenização. A justa indenização serve, pois, para recompor
o patrimônio desfalcado do expropriado.
Daí por que não se cogita de transmissão da propriedade. Daí a doutrina vigorante no sentido
de que a desapropriação é forma originária de aquisição da propriedade insusceptível de cobrança
do ITBI.
Como sabemos, não apenas as pessoas jurídicas de direito público interno e suas autarquias,
cobertas pelo princípio da imunidade tributária, como também os concessionários de serviços
públicos e os estabelecimentos de caráter público ou que exerçam funções delegadas do poder
público podem desapropriar, desde que expressamente autorizadas por lei ou contrato e precedida
de declaração de utilidade pública ou de interesse social pelo Chefe do Executivo da entidade
política a que se vinculam os concessionários ou os estabelecimentos retrorreferidos. Nesses
casos, apesar de não existir a imunidade tributária, não há que se cogitar de incidência do ITBI,
por incorrer o fato gerador respectivo.
8.16RETROCESSÃO
Consoante escrevemos:
“Os bens desapropriados, como não poderia deixar de ser, vinculam-se ao interesse público
específico invocado pelo expropriante sob pena de devolução ao antigo proprietário. O desvio na
destinação do imóvel desapropriado enseja a retrocessão, que outra coisa não é senão a
reincorporação do bem expropriado ao patrimônio do ex-proprietário, mediante devolução da
indenização recebida, por inexistir o vínculo entre o sacrifício suportado pelo particular e o
interesse público invocado como razão de desapropriar.”4
A destinação do imóvel desapropriado para um determinado fim público para outro
igualmente caracterizador do interesse público não dá ensejo à retrocessão.5
A retrocessão tem fundamento no art. 519 do CC que assim prescreve:
“Art. 519. Se a coisa expropriada para fins de necessidade ou utilidade pública, ou
por interesse social, não tiver o destino para que se desapropriou, ou não for utilizada
em obras ou serviços públicos, caberá ao expropriado direito de preferência, pelo preço
atual da coisa.”
Indiscutível a incidência do ITBI na retrocessão, pois há ocorrência de fato gerador da
obrigação tributária, que é a transmissão da propriedade pelo poder público expropriante.
Nesse sentido a Súmula 111 do STF:
“Súmula 111. É legítima a incidência do imposto de transmissão ‘inter vivos’ sobre
a restituição, ao antigo proprietário, de imóvel que deixou de servir à finalidade da sua
desapropriação.”
A retrocessão não se confunde com a preempção, figura de direito privado resultante de
convenção das partes e não de lei, conforme dispõe o art. 513 do CC:
“Art. 513. A preempção, ou preferência, impõe ao comprador a obrigação de
oferecer ao vendedor a coisa que aquele vai vender, ou dar em pagamento, para que este
use de seu direito de prelação na compra, tanto por tanto.”
Exercido o direito de preferência, há incidência do ITBI no registro do título respectivo.
8.17RETROVENDA
Não é usual, mas é possível deparar com escritura de compra e venda com cláusula de
retrovenda. Por essa cláusula, o vendedor se reserva o direito de recobrar, em certo prazo, o imóvel
que vendeu, restituindo o preço, mais as despesas feitas pelo comprador. É o que dispõe o art. 505
do CC:
“Art. 505. O vendedor de coisa imóvel pode reservar-se o direito de recobrá--la no
prazo máximo de decadência de três anos, restituindo o preço recebido e reembolsando
as despesas do comprador, inclusive as que, durante o período de resgate, se efetuaram
com a sua autorização escrita, ou para a realização de benfeitorias necessárias.”
Trata-se, portanto, de um pacto acessório à compra e venda, consistente na inserção de uma
condição resolutiva expressa. Com o advento dessa condição, desfaz-se a relação jurídica,
transportando as partes para o estado anterior ao contrato de compra e venda.
Com a resolução da compra e venda pelo exercício do direito de retratar não há nova
aquisição do adquirente ao alienante primitivo, pelo que, não se cogita de transmissão de
propriedade. O que há é simples desfazimento do negócio pelo implemento da condição
resolutiva.
Logo, não há incidência do ITBI.
8.18INICIATIVA DE LEI EM MATÉRIA TRIBUTÁRIA
É comum fazer confusão entre matéria de Direito Tributário e matéria de Direito Financeiro,
mais exatamente, matéria de Direito Orçamentário. Nesta última disciplina, que cuida da
estimativa de receitas públicas, dentre as quais, receitas derivadas (tributos) e da fixação de
despesas públicas, a competência para iniciativa de lei é do Executivo (art. 165 da CF).
Em matéria tributária, a iniciativa é concorrente nos termos do art. 61, caput, da CF. A
exceção prevista na letra b do inciso II do § 1o do art. 61 da CF refere-se à iniciativa privativa do
Chefe do Poder Executivo Federal na órbita exclusiva dos territórios federais conforme
jurisprudência firme do STF: ADI no 2.724, Rel. Min. Gilmar Mendes, DJ de 2-4-2004; ADI
no 2304, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, DJ de 15-12-2000; ADI no 2599, Rel. Min. Moreira
Alves, DJ de 13-12-2002; ADI 2.464, Rel. Min. Ellen Gracie, DJ de 25-5-2007.
8.19INSTITUIÇÃO OBRIGATÓRIA OU FACULTATIVA DO ITBI
O exercício da competência tributária não é compulsório. A entidade política contemplada
pode instituir ou não o tributo segundo sua política fiscal adotada. A União, até hoje, não instituiu
o imposto sobre grandes fortunas previsto no art. 153, VII, da CF. A compulsoriedade diz respeito
à fiscalização e arrecadação de tributos em geral, legal e constitucionalmente instituídos.
O que se pode dizer é que a entidade política (Estados e Municípios) que deixar de instituir
o imposto de sua competência fica proibida de receber transferências voluntárias por força do
disposto no parágrafo único, art. 11 da LRF, LC no 101/00.
Transferências voluntárias, nos termos do art. 25 da LRF significam “entrega de recursos
correntes ou de capital a outro ente da Federação, a título de cooperação, auxílio ou assistência
financeira, que não decorra de determinação constitucional, legal ou os destinados ao Sistema
Único de Saúde”.
Não alcançam, portanto, as transferências compulsórias previstas na Constituição Federal,
nem as decorrentes de leis.
8.20EXIGÊNCIA PELOS NOTÁRIOS E REGISTRADORES DA PROVA DE PAGAMENTO DO ITBI E DA CERTIDÃO NEGATIVA DO IPTU PARA A PRÁTICA DOS ATOS DE SEU OFÍCIO
A certidão negativa de tributos, instituída pelo art. 205 do CTN no interesse da segurança
jurídica do contribuinte, à medida que regula na esfera tributária o direito subjetivo de índole
constitucional previsto no art. 5o, XXXIV, b, da CF, que está inserido no Título II da Constituição
Federal concernente a Direitos e Garantias Fundamentais, vem se tornando um instrumento de
coação indireta de pagamento de tributos sem observância dos princípios do devido processo legal
e do contraditório e ampla defesa. A exigência dessa certidão em inúmeras situações com afronta
ao princípio da razoabilidade e proporcionalidade representa autêntica sanção política reprimida
pelo STF pelo menos por três Súmulas de nos 70, 324 e 547.
É comum a legislação municipal do ITBI prever a exibição da prova de recolhimento do ITBI
e da certidão negativa do IPTU para lavrar a escritura aquisitiva do imóvel e registro posterior.
Nesse sentido, o art. 19 da Lei do Município de São Paulo no 11.154, de 30-12-1991, com a
redação dada pela Lei no 14.256/06, prescreveu que, para lavratura, registro, inscrição, averbação
e demais atos relacionados à transmissão de imóveis ou de direito a eles relativos, ficam obrigados
os notários, oficiais de registro de imóveis ou seus prepostos a verificar a prova de pagamento do
ITBI e a constatar por via de certidão negativa a inexistência de débito do IPTU referentes ao
imóvel transacionado até a data da operação. O art. 21 prescreveu severas penas pecuniárias aos
notários e registradores que descumprissem a obrigação do art. 19.
Os arts. 19 e 21 foram declarados inconstitucionais pelo Órgão Especial do Tribunal de
Justiça do Estado de São Paulo por invasão da esfera de competência da União para legislador
sobre registro público (art. 22, XXV, da CF), além de afrontar o Poder Judiciário para disciplinar,
fiscalizar e impor sanções aos que exercem tais atividades, fato que fere os arts. 5o, caput, 69,
II, b, e 77 da Constituição do Estado de São Paulo, tendo em vista a natureza registral desses
dispositivos contestados. Transcreve-se para melhor exame a Ementa do V. acórdão:
“Visto.
Incidente de inconstitucionalidade – Artigos 19 e 21 da Lei no11.154/91, com a
redação dada pela Lei no 14.256/06 – Obrigação imposta aos notários e registradores de
verificar o recolhimento de imposto e a inexistência de débitos relativos ao imóvel
alienado, sob pena de multa – Dispositivos que afrontam tanto a competência da União
para legislar sobre registro público como a do Poder Judiciário para disciplinar,
fiscalizar e aplicar sanções aos que exercem tais atividades – Ofensa específica aos
artigos 5o, caput, 69, II, ‘b’, e 77 da Constituição do Estado – Procedência do incidente
para declarar a inconstitucionalidade dos artigos mencionados” (TJSP, Arguição de
Inconstitucionalidade no 994.08.217573-0, Voto no 23.968, Rel. Des. Corrêa Viana,
12a Câmara de Direito Público, julgado em 5-5-2010).
8.21NÃO INCIDÊNCIA DO ITBI NO ATO DA LAVRATURA DA PROCURAÇÃO EM CAUSA PRÓPRIA
Quase todos os municípios vêm exigindo o pagamento do ITBI por ocasião da lavratura do
mandato em causa própria. É o que acontece com o Município de São Paulo que instituiu o ITBI
por meio da Lei no 11.154, de 30-12-1991.
Nos termos do art. 2o, c/c o art. 19, o imposto deverá ser recolhido antes da lavratura do
mandato:
“Art. 2o Estão compreendidos na incidência do imposto:
[...]
IV – o mandato em causa própria ou com poderes equivalentes para a transmissão
de bem imóvel e respectivo substabelecimento, ressalvado o disposto no art. 3o inciso I,
desta Lei.” 6
“Art. 19. Para lavratura, registro, inscrição, averbação e demais atos relacionados
à transmissão de imóveis ou direitos relativos, ficam obrigados os notários, oficiais de
Registro de Imóveis ou seus prepostos a:
I – verificar a existência de prova do recolhimento do imposto ou do reconhecimento
administrativo da não incidência, da imunidade ou da concessão de isenção;
II – verificar, por meio de certidão emitida pela Administração Tributária, a
inexistência de débito do IPTU referentes ao imóvel transacionado até a data da
operação.”7
Ora, a outorga do mandato em causa própria, por si só, é irrelevante para deflagrar o fato
gerador que ocorre apenas com a transmissão de bem imóvel, que se dá com o registro do título
de transferência no registro imobiliário competente, conforme o art. 1.245 do Código Civil que é
vinculante ao Direito Tributário por força do art. 110 do CTN.
O mandato em causa própria não transfere a propriedade, como se depreende do art. 685 do
CC:
“Art. 685. Conferido o mandato com cláusula ‘em causa própria’, a sua revogação
não terá eficácia, nem se extinguirá pela morte de qualquer das partes, ficando o
mandatário dispensado de prestar contas, e podendo transferir para si os bens móveis e
imóveis objeto do mandato, obedecidas as formalidades legais”.
Como se verifica, é a própria norma que faz alusão à faculdade de transferir para si ou a
terceiros o bem imóvel objeto do mandato. Enquanto não exercida essa faculdade e levada a
registro o ato de transferência não há que se cogitar da cobrança do ITBI, sendo juridicamente
irrelevante para fins de ocorrência do fato gerador a irrevogabilidade ou a perenidade do mandato.
O Superior Tribunal de Justiça pacificou a tese de que o fato gerador do ITBI só se dá com
registro do título de transferência do registro imobiliário competente:
“EMENTA.
Agravo regimental. Tributário. ITBI. Fato gerador. Contrato de promessa de
compra e venda. Resilição contratual. Não incidência.
1. A jurisprudência do STJ assentou o entendimento de que o fato gerador do ITBI
é o registro imobiliário da transmissão da propriedade do bem imóvel. Somente após o
registro, incide a exação.
2. Não incide o ITBI sobre o registro imobiliário de escritura de resilição de
promessa de compra e venda, contrato preliminar que poderá ou não se concretizar em
contrato definitivo.
3. Agravo regimental desprovido” (AGA 448245/DF, Rel. Min. Luiz Fux, DJ de 9-
12-2002, p. 00309).
“EMENTA.
Tributário. Recurso ordinário. Mandado de segurança. ITBI. Fato gerador. CTN,
art. 35 e Código Civil, arts. 530, I, e 860, parágrafo único. Registro imobiliário.
1. O fato gerador do imposto de transmissão de bens imóveis ocorre com a
transferência efetiva da propriedade ou do domínio útil, na conformidade da Lei Civil,
com o registro no cartório imobiliário.
2. A cobrança do ITBI sem obediência dessa formalidade ofende o ordenamento
jurídico em vigor.
3. Recurso ordinário conhecido e provido” (ROMS 10650/DF, Rel. Min. Francisco
Peçanha Martins, DJ de 4-9-2000, p. 0135).
No mesmo sentido, os REsps nos 12.546/RJ, 264.064/DF, 57.641/PE e 1.066/RJ.
Especificamente em relação ao mandado em causa própria, pode-se citar o julgado do
Tribunal de Alçada do Estado do Rio Grande do Sul:
“Mandado de segurança. Imposto sobre transmissão de bens imóveis – ITBI. Fato
gerador. Procuração em causa própria. A procuração em causa própria não se constitui
em fato gerador do imposto sobre transmissão de bens imóveis, ITBI, tendo em vista sua
natureza jurídica, estabelecida no direito privado e, principalmente, quando não satisfaz
os requisitos do contrato a que se destina (transferência da propriedade), como a
especificação das ‘RES’ e do ‘PRETIUM’. Apelação provida”(Tribunal de Alçada do
RE, Apelação Cível no 193041084, Primeira Câmara Cível, Rel. Leo Lima, julgado em
4-5-1993).
8.22BASE DE CÁLCULO NA PERMUTA
O tema é aparentemente simples, bastando que a lei municipal inclua a permuta como fato
gerador da obrigação tributária para fazer incidir a regra geral, segundo a qual a base de cálculo
é o valor venal dos imóveis permutados.
Permuta de imóveis significa troca de imóveis. Logo, haverá sempre uma dupla transmissão
de propriedade imobiliária a exigir o duplo pagamento do ITBI. Não serve para fins do ITBI o
conceito de permuta dado pela IN no107/88 da Receita Federal para o efeito de imposto de renda.
Inexistindo torna, diferença paga por uma das partes, não haverá tributação de ganho de capital.
Existindo diferença de valores entre os dois imóveis, mas sem a torna caracterizada, haverá
a incidência do ITCMD sobre a diferença não paga. Nesse sentido é a Ementa a seguir:
“Decisão: Trata-se de agravo de instrumento contra decisão de inadmissibilidade
de recurso extraordinário que impugna acórdão assim ementado: ‘Agravo de
instrumento. Partilha em separação judicial. Dependendo da expedição de formal de
partilha do pagamento prévio de todos os tributos pertinentes, ex vi do disposto no §
2o do artigo 1.031 do CPC, é competente o Juízo de Família e não o da Fazenda pública
para decidir questões sobre incidência dos referidos tributos. A partilha desigual dos
bens do casal, cabendo a um deles um quinhão maior do que sua meação, sem o
pagamento de uma contraprestação, caracteriza uma dação e não uma permuta,
incidindo Imposto de Doação, estadual, sobre a diferença, não havendo incidência do
Imposto de Transmissão de Bens Imóveis – ITBI, municipal, face à ausência de
onerosidade. Conhecimento e desprovimento do agravo’ (fl. 53). No recurso
extraordinário, interposto com fundamento no artigo 102, III, ‘a’, da Constituição
Federal, aponta-se violação aos artigos 5o, XXXV e LV, e 93, IX, do texto constitucional.
Discute-se, no caso, a incidência de ITBI sobre partilha efetuada em processo de
separação judicial. Decido. A pretensão recursal não merece prosperar. O acórdão
recorrido decidiu o seguinte: ‘Conforme ficou apurado, o quinhão do cônjuge varão foi
maior que o do cônjuge mulher, o que caracterizou uma liberalidade, em vista da não
ocorrência de compensação financeira na partilha, ocorrendo assim o fato gerador do
Imposto de Doação (...)’ (fl. 57). Dessa forma, a controvérsia cinge-se a saber se houve
ou não a doação, razão pela qual a impugnação possui índole infraconstitucional e sua
revisão, por esta via, mostra-se inviável, pois a ofensa constitucional, se existente, dar-
se-ia de maneira reflexa ou indireta. Destaco, a propósito, o RE-AgR 548.959, de minha
relatoria, DJe 20.3.2012, cuja ementa dispõe: ‘Agravo regimental em recurso
extraordinário. 2. Tributário. ITBI. Incidência sobre a transmissão de imóvel entre
cônjuges, em razão da partilha de bens decorrente de divórcio. Controvérsia
infraconstitucional. 3. Agravo regimental a que se nega provimento’. Ademais, verifico
que, para se entender de forma diversa do acórdão recorrido, faz-se imprescindível a
análise do acervo fático--probatório dos autos, providência vedada na via do apelo
extremo (Enunciado 279 da Súmula do STF). Ademais, em questão de ordem acolhida
no julgamento do AI 791.292, DJe 13.8.2010, de minha relatoria, firmou-se o
entendimento de que a decisão de tribunal inferior que nega provimento a apelo, desde
que fundamentada, não configura violação à garantia constitucional da prestação
jurisdicional: ‘Questão de ordem. Agravo de instrumento. Conversão em recurso
extraordinário (CPC, art. 544, §§ 3o e 4o). 2. Alegação de ofensa aos incisos XXXV e LX
do art. 5o e ao inciso IX do art. 93 da Constituição Federal. Inocorrência. 3. O art. 93,
IX, da Constituição Federal exige que o acórdão ou decisão sejam fundamentados, ainda
que sucintamente, sem determinar, contudo, o exame pormenorizado de cada uma das
alegações ou provas, nem que sejam corretos os fundamentos da decisão. 4. Questão de
ordem acolhida para reconhecer a repercussão geral, reafirmar a jurisprudência do
Tribunal, negar provimento ao recurso e autorizar a adoção dos procedimentos
relacionados à repercussão geral’. Ante o exposto, nego seguimento ao recurso (arts. 21,
§ 1o, do RISTF e 557, caput, do CPC). Publique-se. Int.. Brasília, 12 de junho de 2013.
Ministro Gilmar Mendes, Relator. Documento assinado digitalmente” (AI 761.669, Rel.
Min. Gilmar Mendes, julgado em 12-6-2013, DJe-117).
A contrario sensu, se houver torna, haverá incidência do ITBI, mas não pela diferença, como
se poderia supor, porém, sobre o valor venal de cada um dos imóveis em razão da dupla ocorrência
do fato gerador do ITBI.
A coisa se complica quando um proprietário de terreno transfere ao incorporador uma parte
ideal desse terreno recebendo em troca quantidade determinada de unidades autônomas
construídas pelo incorporador na parte do terreno que não foi objeto de transferência. No caso
houve permuta de parte ideal de terreno com a prestação do serviço de construção civil. Nessa
hipótese, o ITBI deve ser tributado apenas pela transferência da parte ideal ao terreno, com
exclusão do valor das unidades autônomas que devem sofrer tributação pelo ISS. Na prática,
vários municípios vêm promovendo uma interpretação equivocada desse tipo de contrato de
permuta, tributando pelo ITBI tanto a transmissão da parte ideal do terreno como também as
unidades autônomas, considerando a ocorrência de duplo fato gerador do ITBI, desconsiderando-
se a incidência do ISS na construção civil, cujo sujeito passivo é a incorporadora. A tese,
entretanto, não é pacífica, sendo certo que existem vários julgados do TJSP pela dupla tributação,
a da transmissão da parte ideal do terreno e a da transmissão de unidades autônomas. O Tribunal
de Justiça de Minas Gerais vem decidindo em sentido contrário, isto é, tributação pelo ITBI da
transmissão da parte ideal do terreno e a tributação pelo ISS em relação à construção civil. A tese
da dupla tributação pelo ITBI implica separar o terreno da benfeitoria. Na hipótese de dupla
tributação pelo ITBI, a base de cálculo do imposto não poderá incluir o valor do terreno que não
foi objeto de transmissão de propriedade.
Outro caso bastante controvertido diz respeito à dissolução de condomínio. Por exemplo,
quatro condôminos resolvem dissolver o condomínio existente sobre quatro imóveis. Cada um
deles tem 25% de cada imóvel. Com a dissolução do condomínio por meio de permutas
recíprocas, cada um deles ficará como único titular de domínio de cada um dos quatro imóveis.
É comum o Município tentar tributar pelo valor venal total de cada um desses imóveis.
Ora, resta claro que no caso cada um dos condôminos transmitiu 75% de cada imóvel, pois
os 25% já pertenciam a eles individualmente.
Logo, a base de cálculo do ITBI deve ser o equivalente a 75% do valor venal de cada imóvel
transmitido por permuta.
Nesse sentido, é a ementa do Acórdão a seguir transcrito:
“EMENTA
Processual civil e tributário. Omissão. Não ocorrência. ITBI. Imóveis urbanos
edificados. Dissolução de condomínio. Incidência do tributo. Base de cálculo. Parcela
adquirida aos outros coproprietários.
1. Hipótese em que os quatro impetrantes (ora recorridos) eram coproprietários de
seis imóveis urbanos edificados. Os condôminos resolveram extinguir parcialmente a
copropriedade. Para isso, cada impetrante passou a ser único titular de um dos seis
imóveis. Quanto aos dois bens restantes, manteve-se o condomínio. Discute-se a
tributação municipal sobre essa operação.
2. O Tribunal de origem entendeu ter ocorrido simples dissolução de condomínio
relativo a uma universalidade de bens, conforme o art. 631 do CC/1916. Assim, não teria
havido transmissão de propriedade com relação à maior parte da operação. Se o
indivíduo passou a ser proprietário de imóvel em valor idêntico à sua cota ideal no
condomínio, não incidiria o ITBI.
3. Inexiste omissão no acórdão recorrido, que julgou a lide e fundamentou
adequadamente seu acórdão.
4. No entanto, o art. 631 não incide na hipótese, pois se refere ao caso clássico de
condomínio de bem divisível. Seria aplicável se os quatro impetrantes fossem
coproprietários de terreno rural ou de terreno urbano não edificado. Nesse exemplo, no
caso de desfazimento do condomínio, o imóvel poderia ser fracionado junto ao cartório
de imóveis, observados os limites mínimos, requisitos e formalidades legais, resultando
em quatro partes iguais. Cada um dos antigos coproprietários seria o único titular de
seu terreno (correspondente a 25% do original). Inexistiria transmissão onerosa de
propriedade nessa situação fictícia e, portanto, incidência do tributo municipal.
5. Diferentemente, quando há condomínio de apartamento edilício, ou de um prédio
urbano não fracionado em unidades autônomas, é impossível a divisão do bem. É este o
caso dos autos.
6. O registro imobiliário é individualizado, como o é a propriedade de
apartamentos, nos termos da Lei de Registros Públicos (art. 176, § 1o, I, da Lei
6.015/1973).
7. Na situação inicial, antes do pacto de extinção parcial do condomínio, os quatro
impetrantes eram coproprietários de cada um dos imóveis, que devem ser considerados
individualmente.
8. Com o acordo, cada um dos impetrantes passou a ser único proprietário de um
dos seis imóveis. Ou seja, adquiriu dos outros coproprietários 75% desse bem, pois já
possuía 25%.
9. O ITBI deve incidir sobre a transmissão desses 75%. Isso porque a aquisição
dessa parcela se deu por alienação onerosa: compra (pagamento em dinheiro) ou
permuta (cessão de parcela de outros imóveis).
10. Esse raciocínio se aplica aos quatro imóveis que passaram a ser titulados por
um único proprietário. Quanto aos outros dois bens, com relação aos quais o condomínio
subsistiu, não há alienação onerosa nem, portanto, incidência do ITBI.
11. Os impetrantes adjudicaram cada um dos quatro imóveis a uma única pessoa,
indenizando os demais (por pagamento ou permuta), nos termos do art. 632 do CC/1916.
12. É pacífico que os impostos reais (IPTU e ITBI, em especial) referem-se aos bens
autonomamente considerados. Também por essa razão seria incabível tratar diversos
imóveis como universalidade para fins de tributação.
13. Esse entendimento foi consolidado pelo egrégio STF na Súmula 589: ‘É
inconstitucional a fixação de adicional progressivo do imposto predial e territorial
urbano em função do número de imóveis do contribuinte’.
14. A Suprema Corte impediu que os Municípios considerassem todos os imóveis de
cada contribuinte como uma universalidade para fins de progressividade das alíquotas.
Isso decorre do reconhecimento de que cada imóvel a ser tributado deve ser
autonomamente considerado.
15. Se o Município não pode considerar o conjunto de imóveis uma universalidade,
para cálculo do IPTU, seria inadmissível que o contribuinte possa fazê-lo com o intuito
de pagar menos ITBI.
16. Recurso especial provido” (REsp no 722.752-RJ, Rel. Min. Herman
Benjamin, DJe 11-11-2009).
Como se verifica, quando se trata de permuta de imóveis, há tantas incidências de ITBI
quanto for o número de transmissões imobiliárias.
Tratando-se de permuta de imóvel não edificado com prestação de serviços, o que ocorre
normalmente entre o proprietário do imóvel e a incorporadora, há incidência do ITBI de um lado,
e incidência do ISS de outro lado, e não dupla incidência do ITBI. Na dissolução de condomínio,
para atribuir a cada condômino a titularidade de um imóvel por inteiro, deve-se deduzir da base
de cálculo do ITBI o valor correspondente à parte ideal de que era titular cada um dos condôminos.
1 Ob. cit., p. 324.
2 Ob. cit., p. 184.
3 Ob. cit., p. 392.
4 Cf. nosso Desapropriação: doutrina e prática, 11. ed. São Paulo: Atlas, 2015, p. 275.
5 RTJ 48/749; RTJ 53/45; RTJ 59/631; RF 206/89; RT 470/264; RTJ 73/654; RTJ98/373.
6 “Art. 3o O imposto não incide: I – no mandato em causa própria ou com poderes equivalentes e seu
substabelecimento, quando outorgado para o mandatário receber escrituras definitivas do imóvel.”
7 O art. 19 foi declarado inconstitucional pelo Órgão Especial do TJSP nos autos da Arguição de
Inconstitucionalidade no 994.08.217573-0, Rel. Des. Corrêa Viana, j. 15-12-2010.
SÚMULAS DO STF PERTINENTES AO ITBI
108. É legítima a incidência do imposto de transmissão inter vivos sobre o valor do imóvel
ao tempo da alienação e não da promessa, na conformidade da legislação local. (13-12-1963)
110. O imposto de transmissão inter vivos não incide sobre a construção ou parte dela,
realizada pelo adquirente, mas sobre o que tiver sido construído ao tempo da alienação do terreno.
(13-12-1963)
111. É legítima a incidência do imposto de transmissão inter vivos sobre a restituição, ao
antigo proprietário, de imóvel que deixou de servir à finalidade da sua desapropriação. (13-12-
1963)
326. É legítima a incidência do imposto de transmissão inter vivos sobre a transferência do
domínio útil. (13-12-1963)
328. É legítima a incidência do imposto de transmissão inter vivos sobre a doação de imóvel.
(13-12-1963)
Nota: Pela Constituição Federal de 1988, esse imposto passou para a competência impositiva
dos Estados-Membros.
329. O imposto de transmissão inter vivos não incide sobre a transferência de ações de
sociedade imobiliária. (13-12-1963)
Nota: A Súmula foi editada à luz da Constituição Federal de 1946, art. 19, III: “transmissão
de propriedade imobiliária inter vivos e sua incorporação ao capital de sociedades”.
470. O imposto de transmissão inter vivos não incide sobre a construção, ou parte dela,
realizada, inequivocamente, pelo promitente comprador, mas sobre o valor do que tiver sido
construído antes da promessa de venda. (1o-10-1964) 656. É inconstitucional a lei que estabelece
alíquotas progressivas para o imposto de transmissão inter vivos de bens imóveis – ITBI com base
no valor venal do imóvel. (24-9-2003)
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