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GVEXECUTIVO • V 16 • N 1 • JAN/FEV 2017 41 |

| POR MARCELO SILVA

Tenho dedicado a maior parte dos meus 50 anos de vida profissional à ativi-dade de varejo. Desde 1978, venho trabalhando em grandes redes, como Bompreço Supermercados do Nordeste (hoje Walmart), Pernambucanas e Ma-gazine Luiza.

Em décadas de experiência, sempre me chamou a atenção como é volátil o controle da família fundadora no negócio. Ora as empresas encerram as atividades, ora são fundidas com outras varejistas, ora são adquiridas.

Se recorrermos a dados passados, das décadas de 1970 a 1990, e os compararmos à realidade de hoje, vamos constatar que, do ranking das 20 maiores empresas de supermercados

Para o crescimento sustentável, é preciso planejar melhor a passagem do negócio para as próximas gerações,

em conjunto com o processo de profissionalização.

do Brasil, apenas uma, e tão somente uma, permanece com o controle do negócio nas mãos dos sucessores da mesma família que a fundou: o Zaffari Supermercados, sediado em Porto Alegre (RS). E as outras 19 maiores? O que lhes aconteceu? Muitas encerraram as suas atividades (faliram), e outras tantas foram adquiridas, principalmente por em-presas estrangeiras.

Essa realidade não é diferente para as empresas de outros ramos do varejo, como eletroeletrônicos, confecções e ma-teriais de construção. Começaram como pequenos negócios familiares e, na maioria dos casos, quando cresceram, não conseguiram obter êxito no processo de profissionalização nem foram bem-sucedidas na passagem do comando de uma geração para outra.

A IMPORTÂNCIA DA SUCESSÃO

NAS EMPRESAS DE VAREJO

BRASILEIRAS

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O CICLO COMUM AO VAREJO BRASILEIROUm processo sucessório eficaz se faz essencial para que

as empresas consigam se consolidar e adquirir maturidade. Dessa forma, tornam-se perenes diante de futuras adversi-dades. Entretanto, muitas vezes esse fato é menosprezado pelos fundadores – o que pode pôr em risco a organização e até mesmo as relações familiares.

As empresas familiares surgiram, em sua maioria, no con-texto do pós-guerra. Muitas, atualmente, precisam passar por um processo sucessório, seja da primeira geração para a segunda, da segunda para a terceira, ou assim por diante.

É muito comum que as varejistas brasileiras tenham sur-gido com um empreendedor que, em vez de seguir deter-minada profissão, decidiu abrir uma pequena loja. Muitos também são os casos de imigrantes que buscaram no Brasil refúgio para problemas geopolíticos em suas regiões de ori-gem e acharam no comércio um meio próspero de ganhar a vida em terras estrangeiras.

Graças ao tino comercial do fundador, o negócio começa a prosperar. Demanda um esforço cada vez mais intenso, na maioria das vezes com a participação do núcleo fami-liar mais próximo: geralmente a mulher e, em seguida, os filhos ou irmãos.

Em função da prosperidade daquele primeiro negócio, há a tendência de o empreendedor nato iniciar o processo de expansão, abrindo mais uma loja (filial). Com o sucesso dessa iniciativa, novas unidades são inauguradas. Foi dessa forma que se originaram empresas como Magazine Luiza, Lojas Marabraz, Pão de Açúcar, entre outras.

Com a expansão dos negócios, vem o processo de dele-gação das atividades. Para cada filial aberta, aloca-se um

membro da família e, na ausência ou insuficiência de fami-liares, amigos ou pessoas de confiança são escolhidos para ocupar postos importantes. Esse aspecto, o da “confiança”, é usualmente o mais importante – o que gera, em muitos casos, um conflito futuro, quando o crescimento da organi-zação exige um processo de profissionalização.

A amplitude e a modernização das atividades inerentes ao varejo começam a requerer a contratação de profissio-nais com experiência em assuntos de maior complexida-de. Para tornar-se uma empresa competitiva diante de seus concorrentes, é necessário contar com especialistas em áreas como tecnologia da informação, logística, marke-ting, merchandising e e-commerce/digital. As atividades de retaguarda, por sua vez, também precisam aperfeiçoar processos e métodos de gestão para acompanharem igual-mente a evolução dos negócios.

O COMEÇO DOS PROBLEMASA empresa, então, depara-se com o seguinte dilema: de um

lado, familiares, amigos, pessoas da “confiança” do funda-dor, que se fazem presentes há muitos anos, dedicando-se à organização; do outro, profissionais do mercado, advindos de outras organizações, de culturas diferentes, muitas vezes com objetivos claros de carreira, expectativas de meritocracia e bonificações e desprovidos, portanto, de apegos emocionais.

Surge a necessidade de se estabelecer padrões de compor-tamento, diretrizes, políticas de alçadas, códigos de condu-ta, informações contábeis e gerenciais e outras práticas de governança e compliance. Em muitos casos, os empreen-dedores não são voltados para essas áreas. O seu mindset geralmente é direcionado para as atividades-fim, como co-mercial, operações, marketing, negócios em geral: o busi-ness na linha de frente.

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É nessa fase que surgem as grandes questões de conflito: familiar × profissional. A ausência de critérios claramente definidos e estruturados costuma dar início a graves pro-blemas de governança nas empresas. E muitos deles che-gam a afetar fortemente o desempenho e a governabilidade da organização.

A PRINCIPAL QUESTÃOEm meio a esses conflitos, aparece o mais sério proble-

ma de governança corporativa das empresas familiares: a sucessão. A passagem do controle e da gestão do fundador (G1) para o seu sucessor ou sucessores (G2) e destes para a geração seguinte (G3) é provavelmente a mais crítica e delicada fase da evolução das organizações.

Normalmente, a própria sucessão não é assunto priori-tário na agenda dos fundadores. Quando bem-sucedidos, são meritoriamente “incensados” pela própria família e pela maioria dos stakeholders. Ademais, são eles que co-nhecem exaustivamente todas as atividades da empresa e estiveram presentes em todos os acontecimentos dela até então, o que faz surgir um sentimento verdadeiro de que não há ninguém que conheça o negócio melhor do que eles próprios.

Julgam-se, muitas vezes, seres quase onipotentes, oniscien-tes e onipresentes, deixando de cuidar da sua própria sucessão no tempo correto, com as pessoas certas e da forma adequada. Assim, deixam de elaborar um plano sucessório em que haja tempo suficiente para tornar o sucessor bem capacitado para gerir o negócio. Além disso, quando há mais de um sucessor (filhos, filhas e, às vezes, genros e noras), a complexidade do processo pode aumentar exponencialmente.

SUCESSÃO: O QUE FAZER?Vale ressaltar que, depois de concluído o processo suces-

sório, não obrigatoriamente o fundador deve abster-se por completo das operações e das decisões futuras. É comum que ele atue no conselho de administração da empresa, acompanhe suas atividades e atente para que não aconteçam conflitos entre a nova administração e a antiga.

É importante também que os possíveis sucessores de-monstrem interesse genuíno em administrar a empresa e que não o façam por imposição dos pais ou familiares que estejam na gestão da organização. Além disso, é re-comendável experiência externa do sucessor no mercado de trabalho antes do seu ingresso no próprio negócio. Isso permite que o candidato à sucessão ganhe conhecimento, adquira experiência e não incorra em uma miopia admi-nistrativa. É fundamental que a empresa familiar escolha

o sucessor pelas competências, e não simplesmente pelo grau de parentesco.

As empresas que continuam evoluindo pela força da ação de seu empreendedor e sucessores precisam estruturar uma governança corporativa de forma segura e eficaz para man-ter um crescimento sustentável.

Diante da delicadeza e sensibilidade requeridas para a implantação de um processo de governança corporativa, principalmente durante o período de sucessão, uma ajuda externa é sempre bem-vinda. Consultorias, coaching ou um profissional que faça a ponte entre o sucedido e o sucessor podem contribuir fortemente para a eficácia da transição. A definição de etapas, a forma de condução e comunicação perante a família, os acionistas e a equipe que lidera a em-presa são fundamentais para o sucesso do processo.

Tive o privilégio de participar do ciclo de passagem da segunda para a terceira geração do Magazine Luiza. Fomos extremamente favorecidos, tanto pela clarividência de Luiza Helena (G2), quanto pela preparação de seu filho Frederico Trajano (G3), por meio da eficiente execução de um plano sucessório cuidadosamente elaborado.

Durante minha carreira, primeiramente como CFO e de-pois como CEO, acompanhei em detalhes a evolução das empresas varejistas. Mais recentemente, iniciei o desenvol-vimento de uma tese na Fundação Getulio Vargas, voltada exatamente para o processo sucessório das empresas fa-miliares do varejo brasileiro. O meu objetivo é aprofundar essa questão, com o intuito de compartilhar a minha expe-riência e os resultados de estudos e pesquisas, mostrando a realidade do varejo brasileiro no aspecto da governança corporativa, principalmente no que diz respeito ao proces-so sucessório. Espero ter a oportunidade de voltar aqui com esse tema por ocasião da conclusão do Doctorate of Business Administration (DBA), da FGV EAESP.

MARCELO SILVA > Vice-presidente dos Conselhos de Administração do Magazine Luiza, do Grupo Silvio Santos e do Grupo Raymundo da Fonte > [email protected]

Fundadores julgam-se, muitas vezes, seres quase onipotentes,

oniscientes e onipresentes, deixando de cuidar da sua própria

sucessão no tempo correto, com as pessoas certas e da forma adequada.