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1 ANAIS III CIMDEPE SIMPÓSIO INTERNACIONAL SOBRE CIDADES MÉDIAS RIO DE JANEIRO - UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO- 27 A 30 DE ABRIL

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ANAIS III CIMDEPE SIMPÓSIO INTERNACIONAL SOBRE CIDADES MÉDIAS

RIO DE JANEIRO - UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO

DE JANEIRO- 27 A 30 DE ABRIL

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Coordenação WILLIAM RIBEIRO DA SILVA (UFRJ)

MARIA ENCARNAÇÃO BELTRÃO SPOSITO (UNESP)

MARIA JOSÉ MARTINELLI CALIXTO (UFGD)

PAULO PEREIRA DE GUSMÃO (UFRJ)

Comitê Científico ARTHUR MAGON WITHACKER (UNESP)

BEATRIZ RIBEIRO SOARES (UFU)

CARLOS BRANDÃO (UFRJ)

CARMEN BELLET SANFELIU (UNIVERSITAT DE LLEIDA)

CLEVERSON REOLON (UNESP)

CRISTIAN HENRÍQUEZ (PUC/CHILE)

DENISE DE SOUZA ELIAS (UECE)

DIANA LAN (UCPBA/ARGENTINA)

DORALICE SÁTYRO MAIA (UFPB)

ELISEU SAVÉRIO SPOSITO (UNESP)

EVERALDO SANTOS MELAZZO (UNESP)

FEDERICO ARENAS VÁSQUEZ (PUC/CHILE)

FLORIANO GODINHO DE OLIVEIRA (UERJ)

FREDERIC MONIÉ (UFRJ)

GLÁUCIO MARAFON (UERJ)

JAN BITOUN (UFPE)

JOSÉ ALDEMIR DE OLIVEIRA (UFAM)

JOSÉ MARIA LLOP TORNE (CATEDRA UNESCO)

JULIA ADÃO BERNARDES (UFRJ)

LIA OSORIO MACHADO (UFRJ)

MARIA LAURA SILVEIRA (CONICET/ARGENTINA)

OSCAR ALFREDO SOBARZO MINO (UFS)

OSWALDO BUENO AMORIM (PUC/MG)

PAULO PEREIRA DE GUSMÃO (UFRJ)

RENATO PEQUENO (UFCE)

ROBERTO LOBATO CORRÊA (UFRJ)

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ROSA MOURA (IPARDES)

SAINT-CLAIR CORDEIRO DA TRINDADE JUNIOR (UFPA)

TATIANA SCHOR (UFAM)

Monitores ANA CAROLINA ALVES CARVALHO DE OLIVEIRA

BRUNO BARRETO DOS SANTOS

BRUNO PEREIRA DO NASCIMENTO

CAIO VITOR VILLARINO

CHRISTINA BARBARA GIESEBART

CINDY MARTINS RODRIGUES

EURIDSON RIBEIRO DA CRUZ

GABRIELLE DE SOUZA FRADE

HUMBERTO MIRANDA DE CARVALHO

JOSÉ BERNARDO DA SILVA JUNIOR

LÍVIA MARIA DE SOUZA MAGALHÃES

LUANA ALVES LESSA

MONIQUE DEISE GUIMARÃES BASTOS

NATHAN FERREIRA DA SILVA

RAFAELA DETTOGNI DUARTE PAES

RENILDO NASCIMENTO SANTOS

VIVIAN SANTOS DA SILVA

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FICHA DE CATOLOGRÁFICA

III Simpósio Internacional Cidades Médias, 30 Rio de Janeiro - RJ, 2015

Anais do III Simpósio Internacional Cidades Médias, UFRJ/ReCiMe, 26

à 30 de abril de 2015 / organizado por William Ribeiro da Silva, Maria

Encarnação Beltrão Sposito, Maria José Martinelli Calixto e Paulo Pereira de

Gusmão. Rio de Janeiro.

Tema: Cidades Médias, Reestruturação Urbana e Redes.

ISBN:

1. Geografia; 2. Espaço Urbano; 3. Urbanismo. Org. I. SILVA, W.R.; org.

II. SPOSITO, M.E.B.; org. III. CALIXTO, M.J.M. e org. IV. GUSMÃO, P.P.

Título: Anais do III Simpósio Internacional Cidades Médias.

CDU:

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Índice Autor Pág.

Rosangela Wojdela Cavalcanti .................................................................................13

Elson Luciano Silva Pires .........................................................................................30

Wendel Henrique Baumgartner ..............................................................................50

Gonzalo Salazar ........................................................................................................71

Cristián Henríquez ...................................................................................................90

Sâmara Iris de Lima Santos ....................................................................................110

Clayton Ferreira Dal Pozzo .....................................................................................124

Diogo Bahia Maceira ..............................................................................................140

Aletícia Alves Meira ................................................................................................159

Fábio de Oliveira Neves ..........................................................................................180

Mário Cezar Tompes da Silva .................................................................................196

Olga Cardoso da Silva .............................................................................................221

Antonio de Oliveira Jr .............................................................................................232

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Apresentação

A realização do III CIMDEPE busca propiciar a continuidade do debate acerca

da relação entre o desenvolvimento econômico e os novos/velhos problemas da

urbanização mundial. O processo da urbanização tem demonstrado novas

nuances que atribuem novos papéis às cidades médias em todo o mundo, de tal

maneira, que elas passaram a apresentar, por um lado, novos problemas urbanos

e, por outro, novas perspectivas de desenvolvimento econômico, por meio de

investimentos de grandes empresas (indústrias, redes e franquias comerciais e de

serviços) que ampliam suas escalas de ação via cidades médias, como nós de

articulação da nova economia mundial.

Histórico

O I CIMDEPE teve como tema central – “Cidades Médias: Dinâmica econômica

e produção do espaço urbano”, o que explica a sigla que lhe nomeia. Ocorreu em

Presidente Prudente, na Universidade Estadual Paulista (UNESP), entre 6 e 9 de

junho de 2005. O segundo evento desta série – II CIMDEPE – teve lugar em

Uberlândia, de 6 a 9 de novembro de 2006, na Universidade Federal de

Uberlândia.

Desde então a Rede de Pesquisadores sobre Cidades Médias (ReCiMe),

responsável pela organização destes encontros científicos, priorizou a

apresentação de trabalhos sobre este tema em diversos outros congressos,

simpósios e encontros, propondo, somente agora, em 2015, a realização do III

CIMDEPE.

O III CIMDEPE

A realização do III CIMDEPE busca propiciar a continuidade do debate acerca

da relação entre o desenvolvimento econômico e os novos/velhos problemas da

urbanização mundial. O processo da urbanização tem demonstrado novas

nuances que atribuem novos papéis às cidades médias em todo o mundo, de tal

maneira, que elas passaram a apresentar, por um lado, novos problemas urbanos

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e, por outro, novas perspectivas de desenvolvimento econômico, por meio de

investimentos de grandes empresas (indústrias, redes e franquias comerciais e de

serviços) que ampliam suas escalas de ação via cidades médias, como nós de

articulação da nova economia mundial.

Assim, as novas estratégias do desenvolvimento econômico passaram a incluir

estas cidades como alternativas locacionais às escolhas anteriores que recaíam de

modo quase exclusivo sobre as metrópoles, ampliando os limites geográficos da

expansão capitalista, o que cria oportunidades de acesso ao consumo e à

desconcentração de atividades econômicas, mas também, produz novos

problemas urbanos, o que coloca como premente o debate sobre uma

urbanização não planejada e o rompimento dos mitos da qualidade de vidas em

cidades médias, tidas como “redutos de classe média”, pois se constatam

processos de favelização, segregação espacial, degradação de áreas centrais,

congestionamentos, elevação dos preços imobiliários e consequente expulsão de

populações mais pobres.

Os seis eixos principais

Nesta perspectiva, convidamos a comunidade acadêmica para participar dos

debates que incluirão seis eixos principais, com os seguintes coordenadores:

Rede urbana – história, tendências e perspectivas

Jan Bitoun (UFPE), Doralice Sátiyro Maia (UFPB), Beatriz Ribeiro Soares

(UFU), Marcio Catelan (UNESP), Carmen Bellet (Universitat de

Lleida/Espanha).

A discussão sobre a constituição da rede urbana brasileira encontra-se desde os

estudos clássicos da Geografia Urbana. De rede de cidades à rede urbana, a

interligação entre centralidades (cidades de diversos tamanhos, vilas e

aglomerados rurais) vai se dando desde os caminhos de passagem, caminhos de

gado, ferrovias, percursos fluviais e marítimos, rodovias, e linhas aéreas. Desta

forma, as transformações da rede urbana brasileira são representativas do

aumento da complexidade da divisão técnica e territorial do trabalho no campo,

nas florestas e nas cidades e das permanências presentes na trama de relações

entre os centros urbanos e outras centralidades. O espaço, cada vez mais fruto do

movimento relacional entre instituições e agentes que atuam em múltiplas escalas,

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é melhor compreendido a partir desta relação – a coexistência entre as

permanências e as transformações contemporâneas. Nesta relação é que se

observa a (re) definição dos papéis e das funções das cidades na rede urbana. Esta

(re) definição de papéis e de funções ganha relevância nos estudos urbanos sob as

perspectivas elaboradas a partir dos centros urbanos, que por um conjunto de

variáveis e metodologias convenciona-se chamá-los como cidades médias.

Embora estas cidades não componham os níveis mais elevados da hierarquia

urbana, ganham importância por exercerem papel cada vez mais importante tanto

no que diz respeito à mediação entre campo e cidade; cidades locais e/ou cidades

pequenas e metrópoles, etc., bem como porque participam da reprodução do

capital e das condições materiais de reprodução da vida conforme são inseridas

no âmbito das lógicas da globalização, reunindo lógicas de diferentes escalas, e

articulando-as no processo de consolidação de sua centralidade, primeiro

regional, e em outros momentos para além desta escala. Neste jogo de escala

entende-se um contexto analítico para o debate da reconfiguração da rede urbana

que adquiriu conteúdos particulares em sua relação com as cidades médias.

Reestruturação produtiva, indústria e cidades médias

Eliseu Sposito (UNESP), Cleverson Reolon (UNESP), Diana Lan

(UCPBUA/Argentina)

As mudanças nas formas de organização da produção industrial, no momento de

um regime de acumulação chamado flexível, tem importância não apenas em

termos gerais, mas rebatimento importante sobre as cidades médias e seu papel

na rede urbana. A maneira como as empresas se organizam (em redes,

principalmente), como suas atividades se articulam em diferentes escalas, como

tomam decisões e definem padrões de localização e ações que visam ampliar sua

competitividade em nível global, são alguns dos aspectos que iremos estudar nesta

seção do Workshop.

Dinâmicas e lógicas do comércio e dos serviços em cidades médias

Maria Encarnação Sposito (UNESP), William Ribeiro (UFRJ), Arthur Withacker

(UNESP)

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O setor de atividades comerciais e de serviços passou por significativo processo

de crescimento nas três últimas décadas, em decorrência, inclusive, das dinâmicas

relativas à reestruturação produtiva, o que significou maiores articulações com a

produção agropecuária e industrial. Tal crescimento foi acompanhado de

significativa concentração econômica das empresas, alcançando a escala

internacional. Este processo redundou em enorme expansão espacial das redes

comerciais e de serviços, com destaque para alguns ramos, como: o de super e

hipermercados, o bancário e o de eletrodomésticos.

Paralelamente e como parte do mesmo conjunto de mudanças, capitais de

diferentes escalas, do internacional ao local, passaram a operar no setor comercial

e de serviços, de modo associado, por meio do sistema de franquias, o que

também teve como resultado enorme expansão espacial de produtos, serviços e,

sobretudo, marcas que se difundiram por diferentes países.

Tais dinâmicas trouxeram rebatimentos diretos sobre a organização das redes

urbanas, em função da redefinição na divisão interurbana e regional do trabalho e

também dos processos e formas de produção das cidades.

Se, no período anterior, os grandes capitais do setor terciário atuavam

predominantemente nas metrópoles e grandes cidades, a concentração

econômica e difusão espacial das redes promoveu uma procura por outros

estratos das redes urbanas, o que ampliou os mercados consumidores.

Todos estes movimentos podem ser analisados por meio de novas relações entre

processos, conteúdos e formas urbanas. O estudo de centralidade em suas

múltiplas escalas impõe-se, então, como um desafio.

Tendo em vista este quadro geral, que particularidades podem ser notadas nas

cidades médias quando analisamos as mudanças do setor comercial e de serviços?

De que modo se estruturam seus espaços e se redefinem suas centralidades face

às transformações recentes? Em que medida as novas estruturas espaciais

refletem velhas e/ou novas formas de segmentação socioespacial? A situação

geográfica das cidades médias é fator importante nas escolhas espaciais das

empresas? O aumento das possibilidades de transportes e comunicações reforça

interações espaciais e isso tem consequências para estas cidades? Como se

articulam produção, circulação e consumo nas redes urbanas sob os novos

arranjos espaciais?

Agronegócio e urbanização

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Denise Elias (UECE), Gláucio Marafon (UERJ), Mirlei Fachini Vicente Pereira

(UFU)

O GT objetiva aprofundar os debates sobre os processos e formas inerentes à

urbanização da sociedade e do território oriundos da difusão da agricultura

capitalista globalizada no Brasil e no mundo, no âmbito das discussões teóricas e

metodológicas. Serão aceitos trabalhos que versem sobre os seguintes temas: as

novas relações entre o agronegócio, as cidades e a reestruturação regional; a

especialização funcional das cidades inerente à difusão do agronegócio; o

crescimento do terciário (comércio e serviços) alicerçado no consumo produtivo

agrícola; incremento da urbanização, das relações interurbanas e novas

regionalizações considerando a organização das redes agroindustriais; as novas

relações campo-cidade resultantes dos fluxos de capital, mão de obra,

mercadorias, informação, tecnologia etc. inerentes às diferentes atividades

industriais, agrícolas, comerciais e de serviços que integram as redes

agroindustriais; urbanização corporativa associada ao agronegócio e às redes

agroindustriais; reestruturação do centro e formação de novas centralidades nas

‘cidades do agronegócio’; aprofundamento das desigualdades socioespaciais nas

‘cidades do agronegócio’.

Desigualdades socioespaciais. Produção de moradia, dinâmica imobiliária e

segregação residencial

Renato Pequeno (UFCE), Everaldo Melazzo (UNESP), Maria José Martineli

Calixto (UFGD)

Esta sessão de trabalho dedica-se a analisar os processos gerais, os particulares e

os singulares das cidades médias considerando os diferentes agentes da produção

da habitação e suas articulações com a política urbana: Estado, mercado

imobiliário, movimentos sociais, dentre outros. A dinâmica imobiliária e a

produção da moradia são dois eixos analíticos que se complementam e que

devem ser tomados em suas dimensões espaciais e que remetem a permanente

produção e reprodução de desigualdades socioespaciais.

Políticas públicas, governança e desenvolvimento regional – políticas públicas /

escalas local e regional

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Paulo Gusmão (UFRJ), Saint-Clair Trindade (UFPA), Carlos Brandão (UFRJ)

O eixo temático volta-se para a discussão das cidades médias, relacionando o

atual perfil e dinamismo das mesmas às políticas públicas implementadas pelos

diversos níveis de governo – federal, estadual e municipal. Busca-se, dessa forma,

enfatizar a dimensão política dessas cidades, considerando o papel das mesmas

para o desenvolvimento regional, assim como problematizar elementos

relacionados às diversas formas e experiências de governança no contexto

geográfico imediato no qual se inserem.

OBS: Devido à falta de trabalhos, o EIXO IV - Agronegócio e urbanização, foi

condensado ao EIXO III - Dinâmicas e lógicas do comércio e dos serviços em

cidades médias.

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Eixo 6: Políticas públicas, governança e desenvolvimento regional – políticas públicas /

escalas local e regional

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A INTERIORIZAÇÃO DA UNIVERSIDADE TECNOLÓGICA

FEDERAL DO PARANÁ E O DESENVOLVIMENTO REGIONAL

Rosangela Wojdela Cavalcanti1

Vanessa Ishikawa Rasoto*2

RESUMO: No Brasil, o ensino superior precisa ser democratizado, como também

interiorizado. O objetivo deste artigo é descrever o processo de expansão para o interior da

Universidade Tecnológica Federal do Paraná, com a criação de câmpus em várias cidades

médias, e sua relação com o desenvolvimento nas regiões destinatárias deste processo. Busca-

se, no pensamento sobre Planejamento Regional e Urbano, comprovar a efetividade desta

expansão. A técnica empregada é a pesquisa bibliográfica e documental. Conclui-se que a

interiorização do ensino superior público: reduz êxodo, migração e pressão social nos grandes

centros; promove o desenvolvimento das potencialidades regionais; e garante a agricultura

familiar e a segurança alimentar. Deduz que considerar a espacialidade desta ação de política

pública é dar-lhe efetividade e discorre sobre a face urbana do desenvolvimento da atividade

rural.

Palavras-chave: Universidade. Interiorização. Cidades médias.

Abstract: In Brazil, superior education needs to be democratized, but also internalized. The

purpose of this article is to describe the process of expanding to the interior of the country the

Federal Technological University of Parana, with the creation of campus in many medium

cities, and its relationship to the development of the recipient regions. It looks up at the

knowledge of Regional and Urban Planning, searching the effectiveness of this expansion.

The technique employed is a bibliographic and documentary research. Concludes that the

internalization of public superior education: reduces exodus, migration and social pressure in

the large centers; promotes the development of regional capabilities; and ensures family

farming and food security. Deduces that considering spatiality of the action of this public

policy promotes its effectiveness and discusses the urban face of the development of rural

activity.

Keywords: University. Internalization. Medium cities.

1 Autora: Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Planejamento e Políticas Públicas da Universidade

Federal Tecnológica do Paraná. 2 Coautora: Doutora em Engenharia de Produção pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) e

Professora do Programa de Pós-Graduação em Planejamento e Políticas Públicas da Universidade Federal

Tecnológica do Paraná.

* A coautora não apresentaou o presente trabalho e não participou do evento.

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1. INTRODUÇÃO

No Plano Nacional de Educação – PNE 2001 – 2010, objeto da Lei nº 10.172, de 9

de janeiro de 2001 (BRASIL, 2001), foram fixadas metas que exigiam o aumento de

investimentos na Educação, além de metas que ampliavam o número de estudantes no ensino

superior. Neste contexto, foram estabelecidos “os programas de expansão do ensino superior

federal, cuja primeira fase, denominada de Expansão I, entre 2003 à 2007, tendo como

principal meta interiorizar o ensino público federal”. (MEC, 2012, p.9).

A Universidade Tecnológica Federal do Paraná - UTFPR, por sua vez, em seu Plano

de Desenvolvimento Institucional – PDI 2013 - 2017, preconiza que a interiorização, nesta

instituição, teve os objetivos alcançados, em função da oportunidade de acesso aos cursos de

ensino médio, graduação e pós-graduação em 13 cidades do Paraná, 5 delas consideradas

cidades médias3. E também que a “difusão da tecnologia para o interior possibilitou o

desenvolvimento de novos processos de produção e de transformação”. Destaca ainda, o

“estímulo ao não deslocamento da população estudantil para outras regiões, o crescimento

populacional e o desenvolvimento social onde foram implantados os câmpus”. (UTFPR,

2013).

O objetivo do presente artigo é descrever o processo de interiorização da UTFPR e

sua relação com o desenvolvimento nas regiões destinatárias desta expansão, enfatizando-se

as cidades médias.

Trata-se de uma pesquisa descritiva, que busca conhecer como se constituiu a

interiorização da UTFPR. Depois, foi realizada uma análise de artigos demonstrativos do

atual pensamento sobre Planejamento Regional e Urbano e sua relação com a interiorização

da Universidade. Como técnica de pesquisa, utilizou-se a pesquisa bibliográfica e documental.

Para a realização da mesma, foram pesquisados documentos da UTFPR e da Política de

Educação: legislações, decretos, portarias e relatórios; periódicos locais; além de outras

produções referenciadas no final do artigo. Como a construção da pesquisa é um processo

dialético, foram consultados outros documentos e bibliografias que não foram citados na

pesquisa, mas incluídos na referência bibliográfica. Ademais, foram tabulados dados do

3 São elas Apucarana, Guarapuava, Londrina, Ponta Grossa e Toledo. Considera-se cidades de tamanho médio o

conjunto daquelas em população urbana entre 100 mil e 500 mil habitantes, conceituação essa que se identifica

com a estabelecida pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. (Amorim Filho: Serra apud FERREIRA,

2010/ 2011, p.35).

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Instituto Paranaense de Desenvolvimento Econômico e Social – IPARDES sobre os

municípios onde estão instalados os câmpus da UTFPR.

Este artigo está estruturado da seguinte forma: uma seção introdutória, onde se

contextualiza e se apresenta o objetivo deste trabalho e a metodologia empregada; uma

segunda seção, na qual se descreve a interiorização em discussão; uma terceira, que busca a

sua relação com o Planejamento e Urbano, à luz do pensamento acadêmico sobre o tema; e as

considerações finais.

2. A INTERIORIZAÇÃO DO ENSINO SUPERIOR PÚBLICO NO BRASIL E O

HISTÓRICO DA UTFPR

Ao analisar a história do ensino superior no Brasil, FÁVERO (1980) constata que o

acesso aos bancos universitários sempre foi direcionado aos filhos das elites. Desde o período

colonial, as classes dominantes temiam que o povo, com a acesso à educação e à cultura,

pudesse se organizar contra o status quo. Neste contexto, o Relatório da Expansão do Sistema

Federal de Educação Superior no Período de 2003 a 2012 (MEC, 2012. p.9) sinaliza que “a

superação desta situação discriminatória somente ocorreria por meio da ampliação das

oportunidades de acesso à educação superior”.

Desta forma, o mesmo relatório destaca que:

Nos últimos 10 anos os programas de expansão do ensino superior federal, cuja a

primeira fase, denominada de Expansão I compreendeu o período de 2003 a 2007 e

teve como principal meta interiorizar o ensino superior público federal, o qual

contava até o ano de 2002 com 45 universidades federais e 148 câmpus/unidades”.

(MEC, 2012, p.9).

O Ministério da Educação divulga em seu portal na internet, os objetivos da

Expansão da Educação Superior e Profissional e Tecnológica, entre os quais:

Promover a formação de profissionais qualificados, fomentando o

desenvolvimento regional e estimulando a permanência de profissionais qualificados

no interior do Brasil;

Potencializar a função social e o engajamento dos Institutos e Universidades

como expressão das políticas do Governo Federal na superação da miséria e na

redução das iniquidades sociais e territoriais. (MEC, 2014).

São objetivos que tratam do desenvolvimento regional e da formação e permanência

de profissionais qualificados no interior do Brasil, como também de reduzir desigualdades

regionais - pela ampliação das condições de acesso ao Ensino Superior Público do interior do

país.

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Ressalta o documento publicado no portal três dimensões da expansão, tratando de

“critérios” desta, dos quais se destacam:

1) Dimensão social:

Universalização de atendimento aos Territórios da Cidadania4;

Atendimento aos municípios populosos e com baixa receita per capita,

integrantes do G1005;

Municípios com percentual elevado de extrema pobreza;

2) Dimensão geográfica:

Atendimento prioritário aos municípios com mais de 50.000 habitantes ou

microrregiões não atendidas;

Universalização do atendimento às mesorregiões brasileiras;

Municípios em microrregiões não atendidas por escolas federais;

Interiorização da oferta pública de Educação Profissional e Ensino Superior;

[...]

3) Dimensão de desenvolvimento:

Municípios com Arranjos Produtivos Locais - APLs6 identificados;

Entorno de grandes investimentos.

(MEC, 2014).

Em suma, verifica-se o Governo Federal tem clara e expressa preocupação com

interiorização do ensino superior público.

A UTFPR é a primeira Universidade Federal Tecnológica do Brasil, tendo

surgido, por força da Lei n. 11.184, de 07 de outubro de 2005 (BRASIL, 2005), que nela

transformou o Centro Federal de Educação Tecnológica do Paraná (CEFET-PR). A instituição

teve sua origem na Escola de Aprendizes Artífices, fundada em 1909. A Universidade tem

foco na graduação, pós-graduação e extensão, oferecendo cursos superiores de tecnologia,

bacharelados (entre eles engenharias) e licenciaturas, além de cursos técnicos de nível médio.

Tem forte atuação nos meios empresarial e comunitário, com destaque para a pesquisa

aplicada e a cultura empreendedora. (UTFPR, 2013).

4 Os Territórios da Cidadania têm como objetivos promover o desenvolvimento econômico e universalizar

programas básicos de cidadania por meio de uma estratégia de desenvolvimento territorial sustentável. A

participação social e a integração de ações entre Governo Federal, estados e municípios são fundamentais para a

construção dessa estratégia.

Disponível em: <http://www.territoriosdacidadania.gov.br/dotlrn/clubs/territriosrurais/one-community>

Acesso em 02/11/2014. 5 Grupo das 100 cidades brasileiras com receita per capita inferior a R$ 1 mil e com mais de 80 mil habitantes

(MEC, 2014). 6 Arranjos produtivos locais são aglomerações territoriais de agentes econômicos, políticos e sociais - com foco

em um conjunto específico de atividades econômicas - que apresentam vínculos mesmo que incipientes.

Geralmente envolvem a participação e a interação de empresas - que podem ser desde produtoras de bens e

serviços finais até fornecedoras de insumos e equipamentos, prestadoras de consultoria e serviços,

comercializadoras, clientes, entre outros - e suas variadas formas de representação e associação. Incluem também

diversas outras organizações públicas e privadas voltadas para: formação e capacitação de recursos humanos,

como escolas técnicas e universidades; pesquisa, desenvolvimento e engenharia; política, promoção e

financiamento. Disponível em: <http://portalapl.ibict.br/menu/itens_menu/apls/apl_o_que_sao.html> Acesso em:

02/11/2014.

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Dentre as três finalidades da Universidade arroladas no seu Plano de

Desenvolvimento Institucional – PDI 2013 - 2017, inclui-se: “III. Pesquisar soluções

tecnológicas e desenvolver mecanismos de gestão da tecnologia, visando identificar

alternativas inovadoras para resoluções de problemas sociais nos âmbitos local e regional;”

(UTFPR, 2013, p.25). E dentre os seus objetivos, destacam-se:

I. Ministrar em nível de educação superior: [...]

b) Cursos de licenciatura, bem como programas especiais de formação pedagógica,

com vistas à formação de professores e especialistas para as disciplinas nos vários

níveis e modalidades de ensino de acordo com as demandas de âmbito local e

regional;

[...]

II. Ministrar cursos técnicos prioritariamente integrados ao ensino médio, visando à

formação de cidadãos tecnicamente capacitados, verificadas as demandas de âmbito

local e regional;

[...]

IV. realizar pesquisas, estimulando atividades criadoras e estendendo seus

benefícios à comunidade, promovendo desenvolvimento tecnológico, social,

econômico, cultural, político.

No capítulo do PDI sobre o Projeto Político-Pedagógico Institucional – PPI da

Universidade, a primeira seção trata especificamente da Inserção Regional. Neste, relata-se

que “Por meio do Programa de Expansão e Melhoria do Ensino Técnico (PROTEC),

instituído pelo governo federal em 1986, foi possível a implantação de Unidades de Ensino

Descentralizadas (UNEDs), vinculadas às Escolas Técnicas Federais, em localidades distantes

das capitais dos estados da Federação”, acrescentando ser este o início da expansão da

UTFPR para o interior do Estado, começando pela UNED de Medianeira em 1990. (UTFPR,

2013, p.40).

No segundo mandato de Governo do Presidente Luiz Inácio Lula da Silva, foi criado

o Plano de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais - REUNI, através do

Decreto nº 6096/07, que reestruturou a rede federal de educação superior a partir dos projetos

de expansão apresentados pelas universidades. Caracterizado por um contrato de gestão,

estabelecia metas rígidas de desempenho com contrapartida financeira, objetivando ampliar as

condições de acesso e permanência no ensino superior e de otimizar o aproveitamento da

estrutura física e de recursos humanos nas universidades federais. O REUNI tinha como

diretrizes:

I - redução das taxas de evasão, ocupação de vagas ociosas e aumento de vagas de

ingresso, especialmente no período noturno; II - ampliação da mobilidade estudantil,

com a implantação de regimes curriculares e sistemas de títulos que possibilitem a

construção de itinerários formativos, mediante o aproveitamento de créditos e a

circulação de estudantes entre instituições, cursos e programas de educação superior;

III - revisão da estrutura acadêmica, com reorganização dos cursos de graduação e

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atualização de metodologias de ensino-aprendizagem, buscando a constante

elevação da qualidade; IV - diversificação das modalidades de graduação,

preferencialmente não voltadas à profissionalização precoce e especializada; V -

ampliação de políticas de inclusão e assistência estudantil; e VI - articulação da

graduação com a pós-graduação e da educação superior com a educação básica.

(BRASIL, 2007).

Destaca-se a importância deste processo de expansão como instrumento de

democratização do ensino público federal. As novas universidades e câmpus criados neste

período possibilitaram que os estudantes que viviam foram dos grandes centros urbanos

pudessem ingressar em uma universidade de qualidade. O Relatório de análise da expansão

das Universidades Federais (2012) se coaduna com esta democratização do acesso:

Há um reconhecimento de que o fenômeno da interiorização traz, para além da

possibilidade de acesso, contribuições expressivas para o desenvolvimento das

regiões onde estão inseridas essas unidades acadêmicas, uma vez que, juntamente

com o ensino, se desenvolvem a pesquisa e a extensão. Desse modo, o REUNI

constitui-se em um programa que possibilita as Instituições Federais de Ensino

Superior – IFES, cumprir seu papel de apoio ao desenvolvimento dos estados, das

regiões e do país. (MEC, 2012, p.27).

No ano de 2008, a UTFPR aderiu ao REUNI. Desde então a universidade vem

desenvolvendo e executando projetos para melhoria dos espaços físicos, da qualificação dos

seus servidores e também na expansão nas vagas e cursos ofertados. (MEC, 2012).

Abaixo, apresenta-se o mapa do Estado do Paraná onde estão localizados os 13

câmpus da UTFPR:

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Figura 1 – Localização dos 13 câmpus da UTFPR no Estado do Paraná.

Fonte: PDI 2013-2017.

É possível demostrar a cronologia da interiorização dos câmpus da UTFPR na tabela

abaixo, ocorrida desde 1990 até o ano passado:

Tabela 1 – Início das atividades em cada câmpus

Câmpus Início de atividades

Medianeira 1990

Cornélio Procópio 1993

Pato Branco 1993

Ponta Grossa 1993

Campo Mourão 1995

Dois Vizinhos 2003

Apucarana 2007

Londrina 2007

Toledo 2007

Francisco Beltrão 2008

Guarapuava 2011

Santa Helena 2013 Fonte: PDI 2013- 2017.

Elaborada pelas autoras.

Para melhor demonstrar a trajetória de expansão da UTFPR, faz-se necessário

resgatar suas diferentes fases, iniciada ainda como CEFET-PR:

A primeira fase, de 1979 a 1988, responsável principalmente, pela inserção

institucional no contexto das entidades de Ensino Superior, culminando com a

implantação do primeiro programa de mestrado;

A segunda fase, de 1989 a 1998, marcada pela expansão geográfica e pela

implantação dos cursos superiores de Tecnologia;

A terceira fase, iniciada em 1999 a 2008, caracterizada pelo ajuste necessário

à sua consolidação em um novo patamar educacional pela transformação da

Instituição em Universidade Federal Tecnológica do Paraná.

A quarta fase, iniciada no ano de 2008, é marcada pela adesão do programa

REUNI, o qual permitiu um salto quantitativo e qualitativo na expansão em todos os

câmpus em diversos aspectos tais como: crescimento da graduação e da pós-

graduação; implantação e ampliação dos programas e ações de assistência estudantil;

ampliação do quadro de servidores; crescimento das áreas e dos espaços físicos;

aumento do número de projetos em parceria com instituições de promoção da

ciência, tecnologia e inovação, empresas, governos; e expansão nas relações

internacionais, particularmente no Programa de Ciências Sem fronteira do Governo

Federal. (UTFPR, 2013, p.24).

A seguir, encontram-se tabulados indicadores do IPARDES sobre os municípios que

receberam câmpus da UTFPR.

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Tabela 2 - Indicadores Municipais Câmpus

UTFPR

Área

Territoria

l

KM²

Distância

à Capital

KM

Populaçã

o

Censitári

a Total7

Matrícul

as no

Ensino

Médio8

Matrícul

as no

Ensino

Superior9

PEA10

PO11

IDH12

PIB13

Per

Capita

Apucarana 555,395 362,70 120.919 5.179 4.210 68.403 65.910 0,748 14.097

Campo

Mourão

763,637 447,18 87.194 4.241 7.337 46.283 43.266 0,757 21.104

Cornélio

Procópio

637,946 394,53 46.928 2.122 4.961 24.880 23.154 0,759 17.898

Curitiba 435,495 - 1.751.90

7

80.702 126.015 995.54

3

947.19

6

0,823 32.916

Dois

Vizinhos

419,017 464,14 36.179 1.870 2.585 21.650 20.738 0,767 20.274

Francisco

Beltrão

731,731 474,41 78.943 4.200 4.703 46.884 45.333 0,774 17.657

Guarapuav

a

3.177,59

8

252,70 167.328 7.988 10.907 81.398 76.003 0,731 17.794

Londrina 1.656,60

6

377,77 506.701 21.650 37.943 275.97

8

261.93

0

0,778 21,071

Medianeira 325,167 577,30 41.817 2.172 2.403 24.774 23.796 0,763 20.116

Pato

Branco

39,029 433,53 72.370 3.897 6.316 39.966 38.621 0,782 22.309

Ponta

Grossa

2.025,69

7

117,70 311.611 15.587 15.916 149.28

8

139.09

6

0,763 20.379

Toledo 1.198,60

7

536,60 119.313 5.937 6.398 70.248 66.967 0,768 21.867

Santa

Helena

758,123 607,71 23.413 978 - 13.557 12.977 0,744 17.656

Fonte: IPARDES

Elaborada pelas Autoras.

Numa primeira análise, cotejando-se as dimensões da Expansão da Educação Superior

e Profissional e Tecnológica, expostas no portal do Ministério da Educação, com os

indicadores regionais dos municípios atendidos por câmpus da Universidade, observa-se que

os critérios da expansão foram só em parte atendidos, por conta das características destas

regiões do interior paranaense, que ostentam índices de desenvolvimento socioeconômicos

maiores que as médias nacionais. Ressalte-se, no entanto, que as escolhas não recaíram

necessariamente sobre os municípios/ regiões mais pobres do interior do Estado.

Assim, pode-se observar que a interiorização do ensino marcou a história da

instituição.

7 Fonte: IBGE 2010.

8 Fonte: SEED 2013.

9 Fonte: MEC/INEP 2012.

10 PEA – População Economicamente Ativa: Fonte IBGE 2010.

11 PO – População Ocupada: Fonte: IBGE 2010.

12 IDH – índice de Desenvolvimento Humano: Fonte: PNUD/IPEA/FJP 2010.

13 PIB per capita – Produto Interno Bruto por pessoa: IBGE/IPARDES 2011.

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3. PLANEJAMENTO REGIONAL E URBANO E INTERIORIZAÇÃO DA

UTFPR

Numa abordagem histórica sobre o urbano e o regional no Brasil, CANO (2011)

observa que, no período de 1930 a 1980, o país passa de exportador de produtos primários

para uma economia em processo de industrialização, resultando em elevada urbanização,

associada a movimentos migratórios e êxodo rural. No final deste período, já se observam os

fenômenos da conurbação e da formação de regiões metropolitanas, num processo de

urbanização dita “explosiva”, com periferização das camadas de média e baixa renda.

Na mesma obra, o autor descreve a década de 1980 como a “Década Perdida”, de

inflação e estagnação econômica. Identifica nos anos 1990, sob os auspícios do

neoliberalismo, a falta de políticas nacionais e regionais de desenvolvimento, o que teria

aberto espaço para a “Guerra Fiscal” - benesses fiscais de iniciativa de estados e municípios,

buscando atrair investimentos. Relata que a taxa de urbanização segue crescendo, ainda que

de forma mais desconcentrada, em função de uma certa descentralização da produção e da

atividade agropecuária e mineral. Finaliza por marcar o período de 2003 a 2010, sob o

Governo do Presidente Luiz Inácio Lula da Silva, pelas políticas sociais e desindustrialização.

A autor, sempre preocupado em dar números e particularizar a espacialidade dos

fenômenos em foco, destaca e diferencia dois movimentos migratórios, ocorridos em períodos

próximos: rumo ao norte do Paraná, Santa Catarina e partes do Centro-Oeste - “fronteira

exuberante”, de produção eficiente e boa distribuição de renda; em contraste com a ocupação

do Maranhã, norte de Goiás e sudeste do Pará - “fronteira de pobres”, de graves questões

fundiárias e agricultura precária.

Observa-se assim que o interior paranaense já se mostrava privilegiado no quadro do

desenvolvimento regional, o que hoje se reflete em elevados indicadores econômicos e sociais

quando comparados com os números nacionais, como se pode constatar dos dados

apresentados na Tabela 2.

No que toca a este trabalho, observa-se que o êxodo rural e os movimentos

migratórios refletem-se em uma forte pressão nos grandes centros urbanos na forma de

urbanização “explosiva” e periferização das camadas mais baixas da sociedade. Os Governos

não conseguem atender às demandas decorrentes, resultando numa condição de vida

desumana para estes estratos sociais. Um reflexo disso foram os movimentos de rua de junho

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de 2013 ocorridos no Brasil, que tiveram como uma de suas bandeiras a questão da

mobilidade nos grandes centros, nos quais a população gasta horas de seu dia deslocando-se

para o trabalho.

Observe-se, da Tabela 2, que as cidades médias Londrina, Guarapuava, Ponta Grossa

e Toledo, que abrigam câmpus da UTFPR, apresentam um número maior de alunos no nível

superior que no ensino médio. Tendo em vista, que somente parte dos alunos que concluem o

ensino médio chegam ao superior, demonstra-se a forte atração que a interiorização da

Universidade exerce nestes municípios, aumentando a população de potenciais profissionais

qualificados nestes pólos.

A interiorização do ensino superior federal, como estabelecida nos programas de

expansão do PNE (2001- 2010) e preconizada no PDI 2013 - 2017 da UTFPR, como forma de

fixação - e até de atração- de população em centros regionais menores ainda não tão

pressionados pelos males de uma urbanização massiva, reduz essa pressão extrema que hoje

existe nos centros maiores.

Este é apenas um dos efeitos da interiorização do ensino superior público. A

população fixada e atraída se transforma em profissionais qualificados, aptos a desenvolver as

potencialidades sociais, econômicas e culturais da região. Como já citado, consta do mesmo

PDI 2013 - 2017, que interiorização da tecnologia possibilitou o desenvolvimento de novos

processos produtivos. No citado Relatório de análise da expansão das Universidades Federais,

reconhece-se que a interiorização traz contribuições expressivas para o desenvolvimento

regional, em função não só do ensino, mas da pesquisa e da extensão.

Nesse aspecto, FERREIRA (2010/2011, p.49) confirma tais contribuições ao supor

que as cidades médias “se convertam em cidades especializadas, provedoras de suporte de

ensino e pesquisa científica para as diversas atividades humanas no contexto de sua área de

influência”, de forma a, para além de reduzir a pressão populacional sobre a capital, também

fazer com que “possam apresentar maior autonomia e novas conexões na rede urbana”.

A agricultura familiar corre sérios riscos na medida em que os mais jovens, sem

oportunidades de desenvolvimento profissional próximas de suas localidades de origem,

partem para os grandes centros. Com a interiorização do ensino superior, estes jovens tendem

a permanecer próximos às terras de suas famílias, permitindo a sucessão na agricultura

familiar, e, não raro, optam por carreiras nas quais possam desenvolver as potencialidades

regionais.

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Este risco que corre a agricultura familiar reflete-se, por óbvio, na questão da

segurança alimentar:

É comprovado que quase a totalidade dos alimentos colocados em nossa mesa vêm

da agricultura familiar, observa o engenheiro agrônomo Luiz Claudio Antonio

Nogueira, professor em São Paulo, na Faculdade de Ciências Sociais e Agrárias de

Itapeva (FAIT). Por isso os especialistas temem pelo futuro. “Sem querer ser

alarmista, se continuarmos no mesmo ritmo do último Censo Demográfico

brasileiro, a segurança alimentar e nutricional nos anos 2050, 2060 corre risco”,

observa Carlos Antonio Biasi, da FAO. (FELIX, 2014).

Interiorizar a ação da política pública de expandir a oferta de vagas no ensino superior

público é considerar sua dimensão espacial.

GALVÃO e THEIS (2012, p.55) defendem que “políticas públicas podem lograr

maior efetividade se sua dimensão espacial for trazida para o primeiro plano”, discorrendo

sobre “a formulação de políticas que enfatizam a dimensão espacial – buscando, tanto quanto

possível, colocar a Geografia e a Economia em diálogo”, o que teria começado a ocorrer na

primeira década deste século. Ressaltam porém os autores que ter o espaço como referência,

“não significa negar a importância da adoção de princípios universais na condução das

políticas públicas”. Foi justamente o que o a UTFPR fez (quando ainda era o CEFET - PR) e

antes mesmo do corte temporal dado pelos autores.

Após discorrer sobre definições de espaço e território os autores se debruçam sobre as

noções de regional, das quais destaca-se aquela de região como construção social:

“a região [...] é antes de qualquer coisa uma construção social que atende a

interesses políticos precisos”. Embora nem todos os atores/agentes/sujeitos sejam

portadores de uma racionalidade bem definida na sua intervenção no espaço, a

região não deixa de ser “produto do pensamento social, de práticas hegemônicas e

contra hegemônicas; [...] uma representação, parte da construção social do espaço de

uma sociedade”. De maneira que a região é construída “a partir da ação de distintos

atores/agentes/sujeitos em múltiplas escalas articuladas que de certa forma

encontram um rebatimento em práticas e processos sócio espaciais histórica e

geograficamente localizados” (Limonad apud THEIS: GALVÃO, 2012, p.63).

Assim, as regiões para onde se expandiu a UTFPR devem ser tomadas com

atores/agentes/sujeitos locais em processos sócio espaciais, histórica e geograficamente

localizados. A título de exemplo, a região de Apucarana deve ser considerada com a indústria

do vestuário lá localizada e os seus protagonistas: empresários, associações comerciais,

pequenas confecções familiares, etc. E assim foi feito, com a eleição de uma gama de cursos

direcionados às especificidades regionais.

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Vale acrescentar que THEIS e GALVÃO (2012) trazem à lume uma categorização

de regiões, no contexto de uma formação social capitalista:

a) Regiões que apresentam forte meio tecnológico: a estas se atribuem as funções de

direção do processo de trabalho e de valorização do capital com base em tecnologias

avançadas, o que as caracteriza como de acumulação autocentrada;

b) Regiões que apresentam uma densidade de força de trabalho qualificada, nas

quais tem lugar uma fabricação elaborada, o que as caracteriza como regiões

intermediárias (ou semiperiféricas); e

c) Regiões que apresentam reservas de mão-de-obra não qualificada,

frequentemente, de origem rural, responsáveis pela montagem desqualificada, o que

as caracteriza como regiões periféricas. (Lipietz apud THEIS: GALVÃO, 2013,

p.65).

Esta divisão permite perceber como se dá a acumulação de capital, não entre pessoas,

mas entre regiões, na dinâmica capitalista.

A instalação da Universidade em regiões com mão-de-obra desqualificada, de origem

rural, é instrumento para transformá-las, num processo histórico e gradativo, em regiões com

trabalhadores qualificados a possibilitar uma indústria mais elaborada, aumentando a

acumulação local.

Já RODRIGUES (2010, p.77) analisa conceitos e definições de cidade e de urbano,

com vistas a “compreender a complexidade de atividades econômicas, concentração e

dispersão territorial e a dinâmica populacional. É uma discussão útil para entendermos como a

instalação dos câmpus nas sedes dos respectivos Municípios pode ser efetiva a transformar

inclusive a atividade rural nas regiões em que se situam. A autora trata da relação

campo/cidade - rural/urbano num contexto em que “as atividades rurais vinculam-se cada vez

mais com as indústrias, o comércio e os serviços e com a financeirização. O urbano extrapola

limites de cidades, como é possível identificar, em geral, no agronegócio [...] nos fluxos e

redes estabelecidas entre as áreas urbanas e entre estas e as rurais”. Entende que “a cidade

deve ser compreendida como forma espacial e lugar de concentração da produção, circulação,

edificações, população, consumo de bens e serviços. A cidade, que concentra e difunde o

urbano, é centro de decisão política” (RODRIGUES, 2010, p.79).

Observa ainda que “o agronegócio é uma cadeia produtiva formada por insumos

agropecuários, máquinas, tecnologia de informação, implementos, equipamentos, água,

energia, corretivos de solos, fertilizantes, agroquímicos, compostos orgânicos, materiais

genéricos, atividades de preparação para a produção e comercialização dos produtos

agropecuários in natura, canais e formas de comercialização, agentes comerciais, financeiro e

formação de preços” (RODRIGUES, 2010, p.92).

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Hoje, as atividades agropecuárias tomaram um tal grau de sofisticação que a sua

interface com atividades típicas do urbano se ampliou sobremaneira. Inclua-se aí difusão do

ensino superior, a pesquisa e a extensão, seja diretamente vinculada ao rural, como nas áreas

de Agronomia ou Zootecnia; seja nas em áreas-meio, como Administração e Informática.

O efeito do desenvolvimento nas regiões onde foram implantados centros da UTFPR

pode ser também aferida em passagens do seguinte artigo publicado na Gazeta do Povo, jornal

de maior circulação no Estado do Paraná:

A criação de novos câmpus de universidades públicas no interior do estado gerou

oportunidades não apenas para a comunidade local. Atraídos pela concorrência

menor nos processos seletivos, bons salários ou mesmo pelo desafio de desbravar

áreas do conhecimento inéditas na região, pesquisadores e estudantes de todo o país

têm adotado o interior do Paraná como sua nova casa.

[...]

O professor Itamar Iliuk foi um daqueles que topou o desafio de mudar de ares.

Vindo do Rio Grande do Sul, e cursando doutorado em Engenharia Elétrica pela

Universidade de São Paulo (USP), ele chegou a Santa Helena para coordenar o curso

de Ciências da Computação, área que até há pouco tempo seria considerada

inusitada para um município de base econômica rural. “A cidade e a instituição estão

unidas para crescer”, aposta Iliuk”.

[...]

Em Santa Helena, onde a chegada da universidade é bem mais recente, a valorização

do setor imobiliário chega a 15%. Essa é uma das razões pelas quais o presidente da

Associação Comercial e Industrial de Santa Helena (Acisa), Gilson Altmeyer,

considera o câmpus da UTFPR um marco para a economia local. “É uma grande

indústria sem chaminé”, aposta. A chegada de alunos, servidores e professores já

mexeu com a cidade”. (LIMA:PARO, 2014)

São efeitos perceptíveis de imediato: a atração de profissionais altamente qualificados

e a valorização do setor imobiliário, efeito do crescimento da procura sobre a oferta, que

certamente se refletirá em todos os setores da economia local.

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ao se analisar a recente história do ensino superior no Brasil, observa-se um forte

compromisso do Governo Federal com a interiorização.

A UTFPR teve origens há mais de cem anos, em 1909. Vem incluindo em seu

Planejamento objetivos ligados à interiorização, com foco nas demandas locais e regionais.

Expande-se rumo ao interior do Estado do Paraná desde 1990, instalando câmpus em várias

de suas cidades médias, ao amparo do PROTEC e do REUNI. Neste processo adequou-se aos

critérios estabelecidos pelo Ministério da Educação, ainda que parcialmente, em função dos

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bons índices de desenvolvimento socioeconômicos do interior do Estado. Observe-se que não

se atendeu necessariamente os municípios/ regiões mais pobres do Estado.

Quando se aborda a questão do Planejamento Regional e Urbano no Brasil, observa-

se o êxodo rural e os movimentos migratórios pressionando massivamente os grandes centros

urbanos, causando urbanização “explosiva” e periferização das camadas mais carentes,

gerando demandas acima da capacidade de resposta dos governos e desumanizando a vida

nestes estratos sociais.

A interiorização da política pública de expansão do número da oferta de vagas no

ensino superior público, tal qual a protagonizada pela UTFPR, fixa e até atrai a população

para centros regionais menores, reduz essa pressão social extrema que hoje marca os grandes

centros urbanos.

Para além deste efeito, tal movimento forma e mantém profissionais qualificados no

interior, aptos a desenvolver as potencialidades sociais, econômicas e culturais da região. As

cidades médias se tornam cidades especializadas, provedoras de suporte de ensino e pesquisa

científica na sua área de influência. Tudo a reforçar os novos papéis que as cidades médias

têm passado a desempenhar, ampliando sua influência regional e projetando tanto a cidade,

como a região a nível nacional e mundial. É a governança pública direcionando oportunidades

de desenvolvimento econômico, antes concentradas, no caso do Estado do Paraná, na capital,

Curitiba.

A interiorização da Universidade também possibilita a manutenção da agricultura

familiar, possibilitando aos jovens oportunidades de desenvolvimento profissional próximas

de suas localidades de origem, garantindo a segurança alimentar.

Em suma, interiorizar o ensino superior público: 1) reduz êxodo, migração e pressão

social nos grandes centros; 2) desenvolve as potencialidades regionais; e 3) protege a

agricultura familiar e a segurança alimentar.

Interiorizar é também considerar a espacialidade da ação da política pública de

expansão da oferta de vagas no ensino superior público, dando-lhe efetividade. E nesta

espacialidade, o regional deve ser tomado como construção social.

Por fim, a instalação dos câmpus nas sedes dos respectivos municípios é plenamente

efetiva na transformação da atividade rural regional, tendo em vista a sofisticação das

atividades agropecuárias, que agora interagem fortemente com atividades típicas do urbano.

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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BRASIL. Lei nº 10.172, de 9 de janeiro de 2001. Aprova o Plano Nacional de Educação e dá

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A MARCHA DAS MODALIDADES DA GOVERNANÇA TERRITORIAL

NO ESTADO DE SÃO PAULO

Elson Luciano Silva Pires14

Resumo

O processo global de recomposição espacial das ações humanas coloca em foco novas escalas

de análise do território socialmente produzido, como a local e a regional, que simultânea à

escala dos blocos regionais multinações, acaba por abrir possibilidades de estruturas de

governança multinível, impondo reorganização política dos atores sociais e redefinições de

papéis dos Estados nacionais. Este artigo tem por objetivo principal realizar uma análise

critica do funcionamento e desafios das modalidades de governança territorial no Estado de

São Paulo, tomando como referências os Comitês de Bacias Hidrográficas, Câmaras Setoriais,

Circuitos Turísticos e Comitês Gestores de Arranjos Produtivos Locais. Procura-se interrogar

se tais estruturas constituem um elemento inovador nas políticas públicas do país, que

alterariam as antigas estratégias de planejamento regional, com possíveis práticas de

planejamento do desenvolvimento territorial mais sustentável, democrático e participativo.

Palavras chave: Arranjos Produtivos Locais, Câmaras Setoriais, Circuitos Turísticos,

Comitês de Bacias, Governança Territorial.

Introdução

Em todas as sociedades nacionais, os indivíduos, grupos ou classes sociais possuem

interesses diferentes e muitas vezes conflitantes. Esses interesses mudam de escala, do bairro

para a cidade, da cidade para a região, desta para a unidade da federação ou para o conjunto

do território nacional. Eles se ampliam e se cruzam, quando as sociedades nacionais e suas

cidades e regiões se relacionam com o bloco regional multinações e a economia global.

Nesses processos, juntos com os seus respectivos territórios, os Estados e suas instituições

disputam investimentos e condições internacionais favoráveis, à procura de maior

competitividade para os seus produtos, as suas cidades e o bem-estar para sua sociedade

(local, regional e nacional).

No estado de São Paulo, junto com o processo de desconcentração produtiva, essa

recomposição espacial em um mundo globalizado colocou novas escalas de análise para o seu

14

Professor Titular do Departamento de Planejamento Territorial e Geoprocessamento e do Programa de Pós-Graduação em Geografia, área Organização do Espaço, UNESP/Campus Rio Claro. Este artigo se nutre do relatório final da pesquisa “As Modalidades de Governança Territorial no Estado de São Paulo: territórios, políticas públicas e desenvolvimento”, realizado pelo Grupo de Pesquisa Estruturas de Governança e Desenvolvimento Territorial da UNESP/IGCE/Rio Claro, com auxílio financeiro da FAPESP (Processo 11/50837-9). Participaram dessa pesquisa, além do autor deste artigo (coordenador), os seguintes pesquisadores: Lucas Labigalini Fuini (UNESP), Adriana Renata Verdi (APTA), Maria Célia de Souza (IEA), Malimiria Otani (IEA), Nelson Staud (IEA - in memorian), Eugênio Mendes (UEFS - aposentado), Wilson Figueiredo Filho (AFA), Rodrigo Furgieri Mancini (Aequitas). Também participaram como estagiários os alunos José Rubens Guido Junior, Tiago Teixeira, Ricardo Nagliati Toppan e José Renato Ribeiro. E-mail de contato: [email protected].

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território, como a local e a regional, e as suas respectivas estruturas de governança, nas quais

se destacam as cidades de porte médio, impondo uma redefinição do seu papel e do papel do

Estado nas novas estratégias de desenvolvimento. Nesse contexto, o território local e regional

ressurge como fonte ou estratégia do poder político e econômico dos grupos ou classes

sociais, nessas escalas de dominação. Esse debate ressurge nas ciências sociais resgatando as

abordagens institucionalistas da economia e da geografia política, incluindo novos problemas

de ordem teórica e de prática política, que se impõem na explicação das novas relações entre o

Estado, os agentes econômicos e a sociedade civil.

Partimos do conceito de governança para nos referirmos à estrutura composta por

atores sociais em compromissos com normas e regras formais e informais de convivência

social, que nos permita analisar as diferenças das relações de poder e das formas de gestão

pública ou privadas, que regem a ação política local e regional. Neste sentido, a governança

explicaria porque os atores ao se auto-organizarem no território favoreceriam mutações na

construção de novas legitimidades, que assim transitariam com mais eficácia no rumo da

coordenação descentralizada do desenvolvimento. Reiteramos aqui a pertinência das

contribuições da geografia política e da economia política institucionalista, que analisam

como os fenômenos econômicos e políticos criam as formas institucionais que se

territorializam e recortam espaços significativos de governança das relações sociais, e dos

seus interesses de controle, dominação e poder.

Este artigo tem por objetivo principal realizar uma análise critica do funcionamento e

desafios das modalidades de governança territorial no Estado de São Paulo, tomando como

referências os Comitês de Bacias Hidrográficas, Câmaras Setoriais, Circuitos Turísticos e

Comitês Gestores de Arranjos Produtivos Locais. Para tanto, o artigo está organizado em

quatro seis seções: na primeira, retomamos a discussão dos novos desafios da governança

territorial e do seu papel histórico na reorganização do Estado; na segunda, mostramos o

contexto histórico e institucional da dinâmica econômica do interior do estado, do qual

emerge as novas modalidades de governança; na terceira seção, retomamos o novo papel da

governança territorial para mostrar o seu funcionamento no estado de São Paulo, como um

apêndice descartável da política estadual de desenvolvimento regional, centralizada e

dissimulada; na quarta, é feita uma analogia das falhas institucionais da falta de cooperação

das estruturas locais, com base na fragilidade dos princípios que norteiam as características da

governança territorial tripartite, solidária, ativa e propositiva; na quinta seção, são elencados

os principais desafios fruto desta falta de cooperação e das falhas institucionais vigentes; na

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sexta seção, concluímos o artigo reafirmando a (des)importância da descentralização do poder

do Estado e da participação da sociedade civil nas modalidades de governança, nas novas

estratégias de desenvolvimento territorial no estado.

1. As dimensões político-administrativas do conceito de governança territorial

Com base nas agordagens heterodoxas de cunho institucionalistas, tais como se

apresentam em Colettis et al (1999), Benko (2001), Pecqueur (2001), Torre e Wallet (2011),

definimos a governança de um território como sendo o conjunto de dispositivos institucionais,

formalizados ou não, que estabelecem a regulação das relações entre atores públicos, privados

e da sociedade civil (empresas, associações, sindicatos, poder público, ONGs), em torno de

um planejamento ou projeto de desenvolvimento, ou mesmo na busca por resolver algum

problema socioeconômico inédito em âmbito local, regional, nacional ou internacional. No

Brasil, alguns autores se utilizam do conceito de governança territorial para exemplificar

estruturas públicas de descentralização do Estado e das ações dos governos (Abramovay,

2000; Veiga, 2002; Dallabrida, 2006; Fuini, Pires, 2009; Pires et al, 2011). Para sua

instrumentalização, tanto teórica quando prática, esta definição de governança requer uma

noção de território e um estratégia mínima de desenvolvimento que lhe dê sustentação

(Santos, 1994; Pires, Müller, Verdi, 2006; Saquet, Spósito, 2009).

Envolvendo relações de poder com hegemonias e conflitos, a governança se coloca

como tentativa de compatibilizar ou equilibrar diferenças através de acordos parciais e

provisórios, buscando atingir alguns objetivos, como: maior crescimento econômico,

ampliação da representatitividade política, modernização tecnológica, maior poder

competitivo de aglomerações produtivas, redução de custos produtivos, melhores condições

de preços em compra de insumos e matérias-primas, capacitação de mão-de-obra local,

aperfeiçoamento de estratégias de marketing e divulgação, investimentos público-privados em

infraestruturas de circulação, proteção contra crises setorais e impactos externos da

globalização financeira, redução das desigualdades socioeconômicas, controle de impactos

ambientais, entre tantos outros temas possíveis. Geralmente, os acordos de governança

começam com objetivos pontuais, e conforme adquirem maior legitimidade social e política,

passam a adicionar um conjunto maior de temas com os quais buscará lidar em sua dinâmica,

dando a entender que a comunidade local dá ao respectivo elemento de governança um nível

de credibilidade para resolver alguns de seus problemas públicos (Pires, 2014, p. 11).

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Deste modo, a governança é um elemento fundamental para o desenvolvimento dos

territórios locais, podendo inclusive ser tratada como seu recurso específico, pois é por meio

dela que se concebe a aproximação e a configuração de redes de atores que caracteriza,

através de seus compromissos, acordos e convenções, a modalidade de desenvolvimento que

ocorrerá em determinado território. Posto isso, é possível afirmar que, conforme o nível de

compartilhamento das decisões em uma estrutura de governança territorial pública,

envolvendo atores com interesses distintos, maior o nível de satisfação dos integrantes da

governança diante da contemplação de seus objetivos (Pires, 2014, p. 12).

Portanto, as estruturas de governança seriam inovações institucionais que os atores

regionais arquitetam para enfrentar os desafios do crescimento econômico e do

desenvolvimento sustentável. A natureza da estrutura contribui para que as decisões que

maximizam os resultados esperados por determinado ator sejam abandonadas, em detrimento

da adoção de decisões que incentivem a mobilização dos diversos atores envolvidos. O

consenso obtido nessas estruturas tornaria mais densa a relação solidária entre os atores locais

e influenciaria de maneira indireta a competitividade dos produtos ou serviços locais,

conduzindo o desenvolvimento econômico de maneira mais adequada às necessidades e

aspirações da sociedade local e regional.

O conceito de governança sugere assim que se coloque o acento nas formas de

coordenação horizontal e vertical da ação pública. Isto é, que seja acompanhado de uma

descentralização do poder do Estado governamental, em proveito de outras autoridades

estatais (a justiça, as autoridades independentes), das coletividades territoriais e de

componentes da sociedade civil (Bourdin, 2001, p. 137).

Deste modo, as estruturas de governança, quando abordadas em âmbito intranacional

local, não podem ser reduzidas somente aos limites dos municípios e de suas estruturas

político-administrativas. A convergência de cadeias produtivas e de redes de agentes locais

mobilizados endogenamente (desde a base da tessitura social e não somente no planejamento

outorgado) se faz, mormente, em contextos sócio-espaciais inéditos.

No Brasil, como verificado no Estado de São Paulo, ao invés de compromissos

sólidos, dada as características frágeis do ambiente institucional e organizacional adverso, os

atores regionais constroem acordos parciais e provisórios, nos quais ainda prevalecem as

relações do Estado “por cima”, com fortes indícios de patrimonialismo e desconfiança nas

relações do Estado “por baixo”.

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2. Contexto histórico e institucional da marcha da governança territorial no estado

As atuais estruturas de governança territorial existentes no estado de São Paulo foram

influenciadas por três processos históricos recentes fundamentais, que tiveram forte impacto

na reorganização econômica e política do território nacional.

O primeiro deles, no contexto regional e iniciado nos anos de 1970, foi caracterizado

na literatura especializada como um processo de desconcentração produtiva, com a

deslocalização de grandes indústrias da Região Metropolitana de São Paulo em direção a

algumas regiões e cidades médias do interior do Estado, mas também se deslocando para

outras regiões mais próximas da região Sudeste e, em menor proporção, através dos

incentivos fiscais, para alguns estados e regiões do Nordeste (Cano, 2008; Oliveira, 1990).

Aqui reforçamos as suposições da tendência elevada dos custos do uso do solo

urbano/metropolitano para a indústria tradicional de manufatura da grande empresa fordista,

das externalidades negativas da urbanização da metrópole, e das pressões da legislação urbana

e ambiental à aglomeração da indústria na(s) metrópole(s). No fim da década, este processo já

dava indícios do esgotamento do modelo de desenvolvimento regional baseado na grande

empresa fordista, e implementado de cima para baixo (do nível federal para o estadual e/ou

municipal).

O segundo processo, no contexto nacional, foi marcante no debate sobre a

descentralização político-administrativa do Estado no Brasil, iniciado pela Constituição de

1988, e seus desmembramentos possíveis em programas integrados de federalização e

municipalização da gestão pública, que atingiram e envolveram a localização das atividades

econômicas e algumas sociedades locais e regionais (Cano, 1998; Silva;Costa, 1995; Affonso,

2000; Bercovici, 2003, p 178-9). Partimos da hipótese de que a marcha da descentralização na

forma atual dos novos arranjos institucionais, alguns até consentidos informalmente, foi

concebendo mecanismos de participação política e cidadã para os processos de tomada de

decisão e de gestão pública da produção do espaço, e por isso mesmo deveriam estar

associados à legitimidade da representação e da organização de interesses distintos de grupos

e classes sociais, nos territórios locais e regionais.

O terceiro processo, no contexto internacional, que emerge da combinação dos

anteriores, já foi caracterizado pelo neologismo de “glocalização”, proposto para explicar a

articulação entre territórios locais e a economia mundial através de fatores econômicos,

sociais e culturais iniciado nos anos 1990 (Benko, 2001, p. 9). Este processo é decorrente de

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uma recomposição territorial da economia mundial, de descentralização das escalas de

governança na globalização. Neste caso, as especificidades dos territórios locais são

importantes para a sua inserção nos fluxos globais de inovação, investimentos, produção e

consumo globais. Neste sentido, a densidade das relações entre atores locais pode

desempenhar um papel determinante na competitividade de certas atividades e serviços

(Benko; Pecquer, 2001). No estado de São Paulo, no final desta década, este processo já

possibilitava o novo modelo de desenvolvimento territorial - local e regional - baseado na

pequena e média empresa, mas ainda longe de ser implementado de “baixo para cima” (do

nível municipal e/ou estadual para o federal.

Este novo cenário do Brasil na globalização iniciado no final dos anos 1990, vêm se

desdobrando no início deste século em um novo padrão de concentração de aglomerações

produtivas de setores industriais localizadas fora da metrópole. Esse fenômeno se verifica,

principalmente, em cidades-regiões e cidades-médias (Sposito;Sobarzo, 2006), consolidando

novos aglomerados industriais e agroindustriais, com prodominância de micro, pequenas e

médias empresas, que atuam em redes regionais de cidades e municípios. Nesses casos,

partiu-se da suposição de que esses novos arranjos produtivos (organizados espacialmente

para explorar e ampliar as economias de escala e escopo, associadas aos usos que fazem dos

recursos e ativos específicos presentes e criados nos territórios locais) seriam os portadores

dos novos arranjos institucionais de gestão e governança territorial, procurando se adaptar ou

se ajustar aos novos mecanismos de organização da produção, da distribuição e do consumo

das mercadorias.

Do ponto de vista da análise do espaço econômico e geográfico, essas sequências

históricas de tempos e espacializações das atividades industriais e agroindustriais

consolidaram no Estado de São Paulo, a partir dos anos 1990, a gradativa estruturação de uma

grande aglomeração espacial da indústria (a sudeste, leste e centro-leste do Estado),

polinucleada e hierarquizada Segundo Selingardi-Sampaio (2009, p. 18-19), trata-se de uma

entidade geográfica organizada no país como um multicomplexo territorial industrial

(metropolitano/urbano) paulista. Ela congrega a esmagadora maioria dos municípios mais

industrializados do país e, não por acaso, encontra-se indissociavelmente integrada ao grande

aglomerado metropolitano/urbano paulista (três metrópoles oficialmente delimitadas, outros

aglomerados urbanos metropolizados, inúmeras cidades grandes e médias). Essa concentração

industrial, urbana e metropolitana constituiram um extenso e múltiplo complexo territorial de

diversificadas produções industriais e agroindustriais, gradualmente espacializado e

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conformado por meio de: a) extensão territorial de aglomerações industriais menores

preexistentes; e b) estabelecimento de uma espessa trama de relações interindustriais intra-

setoriais e intersetoriais.

Este contexto de dinâmica territorial com reestruturação produtiva, urbana e

industrial, induziram as regiões do interior do estado de São Paulo para um novo e complexo

contexto político e econômico, marcado pelas preocupações ambientais e sociais na busca por

um outro estilo de desenvolvimento regional. Este novo contexto diz respeito à busca por

qualidade e qualificações dos recursos humanos, por equidade social e proteção ambiental, ou

seja, um desenvolvimento que deve ser territorial e sustentável.

Pressionado pela ideia de sustentabilidade, este novo contexto regional impõe a

necessidade de coordenação das ações dos atores que atuam em âmbito regional, para

construir ou aproveitar as competências regionais. Assim, a percepção inicial é a de que os

atores regionais são obrigados à cooperação, pois isoladamente não possuem os recursos

econômicos, cognitivos, gerenciais e políticos para, sozinhos, enfrentarem os desafios e as

responsabilidades inerentes ao novo modelo de desenvolvimento em gestação. Assim, a

cooperação é vista como recurso fundamental, a partir da qual os atores regionais demandam

mecanismos que favoreçam a coordenação para encaminhamento de interesses comuns e de

resolução de conflitos.

É plausível supor que o êxito do desenvolvimento territorial no interior do estado

está associado a três aspectos fundamentais: à ampliação da participação de governos,

empresários, organizações associativas de naturezas diversas e universidades; à existência e

funcionamento de mecanismos de regulação desta participação ampliada; e à mobilização de

interesses dos vários atores em torno de um projeto determinado. Desta forma, os comitês de

bacias hidrográficas, as câmaras setoriais, os circuitos turísticos e os arranjos produtivos

locais podem ser interpretados como exemplos destes mecanismos de governança territorial

(Pires et al, 2011). As decisões e ações dos atores dentro dessas estruturas conformam um

território caracterizado pelas relações de poder entre eles, e que podem ser descritas como um

jogo social (Figueiredo Filho, 2012, P. 143).

3. As modalidades de governança em questão

Com base no conceito estabelecido para a investigação empírica, as modalidades de

governança territorial no estado de São Paulo podem ser definidas em quatro maneiras

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diferentes: Privada, Privada-Coletiva, Estatal-Privada e Pública-Tripartite, conforme Quadro

1.

De uma maneira geral, pode-se afirmar que, no caso do Comitê de Bacia dos Rios

Piracicaba, Capivari e Jundiaí (PCJ), a Governança é Pública-Tripartite, isto é, quando são as

instituições públicas e as organizações privadas e da sociedade civil, que juntas impulsionam

a coordenação compartilhada de recursos e estratégias territoriais nos projetos de

desenvolvimento. Neste caso, o PCJ inclui no seu território diferentes Câmaras Setoriais,

Conselhos, Consórcios e Agências voltados à gestão das políticas públicas. Trata-se de uma

situação mista e rara, complexa e de sobreposições com autonomia relativa aparente, sem

domínio político unilateral de algum outro ator hegemônico no Comitê que não seja o setor

público.

Quadro 1

Tipologias e Conceitos das Modalidades de Governança Territorial

Governança Privada

São organizações privadas dominantes que impulsionam e pilotam dispositivos de

coordenação de recursos com objetivo de apropriação privada do território. Neste

caso, a grande empresa (um grande grupo) aparece como o motor do sistema, que

estrutura o espaço produtivo local e regional.

Governança Privada-Coletiva

O ator chave é uma organização formal que agrupa operadores privados e impulsiona

a coordenação de recursos e estratégias. Encontra-se neste caso os sindicatos patronais

e empresariais que agrupam operadores privados, que estrutura o espaço produtivo

local e regional.

Governança Estatal-Privada... e Pública

O Estado e as instituições públicas impulsionam a coordenação de recursos e

estratégias territoriais com o setor privado. Neste caso, através dos órgãos públicos,

autarquias e serviços coletivos, demandados por atores públicos ou privados do

território.

Governança Pública-Tripartite

São instituições públicas, organizações privadas e da sociedade civil, que juntas

impulsionam a coordenação compartilhada de recursos e estratégias territoriais.

Neste caso, através de Câmaras, Conselhos, Consórcios, Comitês, Agências ou Fóruns

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voltados à gestão das políticas públicas territoriais. São situações mistas e raras, de

autonomia relativa e sem domínio unilateral - a priori ou ex-ante.

FONTE: Elaboração própria a partir de Colletis et al (1999).

Diferentemente no caso das Câmaras Setoriais, pode-se argumentar que a Governança

Territorial é Privada-Coletiva, isto é, uma situação em que o Estado aparece como uma

instituição formal que agrupa operadores privados, que juntos impulsionam a coordenação

setorial e corporativa de recursos e estratégias públicas. Encontra-se neste caso os sindicatos

patronais e empresariais que agrupam operadores privados, que estrutura o espaço produtivo

local e regional. Na CS de Uva e Vinho são exemplos o SINDICAFÉ, o IBRAF e o

SINDUSVINHO.

O grau de representatividade das Câmaras Setoriais é assimétrico, constituindo um

tipo de governança truncada, embora o grau de associação tenha crescido. Embora a

articulação seja coletiva, ela não é democrática e detecta-se a ausência de representantes de

alguns elos da cadeia produtiva, dadas certas dificuldades dos agentes de participar das

reuniões.

No caso dos Circuitos Turísticos das Aguas e das Frutas, ambos exercem um tipo de

Governança Estatal-Privada, quer dizer, quando o Estado e as instituições públicas

impulsionam a coordenação de recursos e estratégias territoriais com o setor empresarial.

Neste caso, os Circuitos se estabelecem através dos órgãos públicos e autarquias, além dos

serviços públicos coletivos demandados por empreendimentos privados no território.

A Governança Privada-Coletiva é a forma predominante da coordenação dos

interesses empresariais na maioria dos APLs paulistas, onde as governanças são distintas

quanto a sua forma, setor e organização, mas, em muitos casos, há pouca presença e

participação das empresas nos processos de decisão. Além disso, a apreciação dos pleitos para

desembolso não inclui variáveis-chave acerca da sustentabilidade econômica dos projetos no

tempo, como são evidentes a falta e conhecimento sobre os principais problemas enfrentados

pelas empresas (Fia, 2012, p. 10-11). Nesses casos, os Comitês Gestores das governanças são

organizações privadas dominantes, que impulsionam e pilotam os dispositivos de

coordenação de recursos com objetivo de apropriação privada do território. O ator chave é

sempre uma organização formal patronal, que agrupa operadores privados e impulsiona a

coordenação de recursos e estratégias. Nos APLs paulistas, encontram-se nestes casos os

sindicatos patronais e empresariais que coordenam o uso do espaço produtivo local e regional.

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39

Nesses casos, eles são representantes autodenominados dos APLs, não eleitos, como o POLO

TECTEX - Polo Tecnológico da Indústria Têxtil - de Americana; ALJOIAS – Associação

Limeirense de Jóias; APLA – Arranjo Produtivo Local do Álcool de Piracicaba; SINBI –

Sindicato das Indústrias de Calçados e Vestuário de Birigui; SINDICALÇADOS – Sindicato

das Indústrias de Calçados de Jaú; ACICET – Associação Confecções Cerquilho;

SINDICOBI – Sindicato das Indústrias e Comércio de Bordados de Ibitinga.

Diferentemente desses casos, a governança na grande indústria Aeroespacial de São

José dos Campos e no APL de Equipamentos Médico-Hospitalar de Ribeirão Preto pode ser

considera como Governança Estatal-Privada. Nesses casos encontram-se o CECOMPI –

Centro para a Competitividade e Inovação do Cone Leste Paulista, e a FIPASE – Fundação

Instituto Polo Avançado da Saúde.

4. Os princípios da governança

O Quadro 2 considera pelo menos dez princípios que alteram as expectativas do bom

funcionamento da governança territorial e que, portanto, permitem almejar os objetivos

previstos: solidariedade, atividade, sustentabilidade.

O Quadro 3 faz uma avaliação subjetiva desses princípios nas diferentes modalidades

de governança no estado de São Paulo, segundo a percepção dos pesquisadores envolvidos na

pesquisa (2012-2014). De uma maneira geral, com raras exceções, predominaram avaliações

de baixa em quase todos os princípios analisados.

Portanto, como fica registrado, a análise geral dos princípios da governança no Comitê

das bacias dos Rios Piracicaba, Capivari e Jundiaí (PCJ) é a mais positiva, variando de media

e media-alta em quase todos os itens. No caso dos mecanismos, a avaliação dos dispositivos

utilizados foi considerada alta (reuniões, grupos de trabalho, audiências etc).

Nas Câmaras Setoriais, a análise dos princípios pode ser avaliada em duas direções: de

um lado, considerada média nas CS de Café e Frutas, e, de outro, baixa nas CS de Uva e

Vinho e de Lazer e Turismo Rural. Porém, destaca-se a avaliação positiva de alta confiança

nas lideranças e gestores da CS de Café, e de avaliação negativa de baixa confiança e

representatividade na CS de Uva e Vinho.

Nos Circuitos Turísticos, a análise oscila entre média e média-alta, respectivamente no

Circuito das Águas e no Circuito das Frutas. Porém, destaca-se em ambos a participação alta

dos atores e a baixa autonomia das decisões.

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Como já abordado, nos APLs, de uma maneira geral, a análise dos princípios da

governança é muito baixa, com exceção do APL de Equipamentos Médico-Hospitalar de

Ribeirão Preto. Quanto a fabricação de produtos aeroespaciais e defesa, a concepção de

empresa é diferente e a história é outra, distinta dos APLs.

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Quadro 2

Princípios Básicos da Governança Territorial

Solidária, Democrática e Propositiva.

PRINCÍPIOS

CARACTERÍSTICAS

1 – Foco Clareza na definição dos objetivos do marco e institucional

estratégico, que facilita a atuação dos gestores e participantes, e o

ponto para onde convergem as ações relacionadas com as

políticas públicas de âmbito local/regional/ estadual/ nacional.

2 – Mecanismos Dispositivos que buscam divulgar e operacionalizar os princípios

da governança territorial (reuniões, grupos de trabalho,

audiências, mesas de negociação etc), direcionadas para atingir

as expectativas dos agentes.

3 – Transparência Qualidade das relações sociais entre os atores que permite

evidência nas ações direcionadas aos objetivos, a clareza na

definição das funções e responsabilidades dos atores, do

compromisso dos gestores e lideranças com a publicação e

acesso púbico às informações e dados.

4 – Participação Qualidade e equilíbrio da composição da representação social e

política, que permite o ato ou efeito de tomar parte nos processos

decisórios, respeitando-se as condições de

igualdade/desigualdade dos atores, organizações e instituições.

5 – Representatividade Qualidade democrática da participação social e política dos

atores, que garanta aos representantes um discurso coletivo que

permite saber o que e quem participa, como se participa e as

consequências da participação.

6 – Accountability Qualidade da responsabilidade e obrigação de geração de

informações e dados, de prestação de contas, de interação de

argumentos e de justificar ações que deixaram de ser

empreendidas.

7 – Coerência Qualidade das ações e da integração dos agentes com o foco,

estado ou atitude de relação harmônica entre situações,

acontecimentos ou ideias; capazes de fortalecer a prática de

gestão territorial descentralizada para promoção de acordos e

ajustes relacionados ao projeto de desenvolvimento.

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8 – Confiança Efetividade e consenso das ações, segurança ou crédito

depositado nas lideranças e gestores, que inspiram a cooperação

e as boas práticas da gestão territorial descentralizada, para

promoção de acordos e ajustes relacionados ao projeto de

desenvolvimento da governança.

9 – Subsidiaridade Recursos da estrutura para auxílios, agentes ou elementos que

reforçam ou complementam outro de maior importância, ou para

este converge.

10 – Autonomia Faculdade relativa da estrutura de se reger por si mesma em

relação ao Estado e as políticas públicas.

Fonte: Elaboração Própria, a partir da literatura, com inclusão de documentos e entrevistas.

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Quadro 3 Avaliação dos Princípios da Governança Territorial no Estado de São Paulo.

Modalidades de Governança Foco Mecanismos Transparência Participação Representatividade Accountability Coerência Confiança Subsidiariedade Autonomia

Arranjos

Produtivos

Locais

Têxtil e Confecções baixa baixa baixa baixa Baixa baixa baixa baixa baixa baixa

Confecções Infantis baixa baixa baixa baixa baixa baixa baixa baixa baixa baixa

Bordados de cama,

mesa e banho baixa baixa baixa baixa baixa baixa baixa baixa baixa baixa

Calçados Infantis baixa baixa baixa baixa baixa baixa baixa baixa baixa baixa

Calçados Femininos baixa baixa baixa baixa baixa baixa baixa baixa baixa baixa

Cerâmica Artística baixa baixa baixa baixa baixa baixa baixa baixa baixa baixa

Cadeia do Etanol baixa baixa baixa baixa baixa baixa baixa baixa baixa baixa

Metal-mecânico baixa baixa baixa baixa baixa baixa baixa baixa baixa baixa

Equipamento

Médico-Hosp. e

Odontológico

média-alta alta média-baixa média média média-baixa média média média baixa

Aeroespacial e Defesa alta alta média-alta baixa média-baixa média média-alta média-alta baixa média-alta

Semi-jóias e

Bijuterias baixa baixa baixa baixa baixa baixa baixa baixa baixa baixa

Câmaras

Setoriais do

Agronegócio

Café média-alta média-alta média média média média média alta média-alta média

Uva e Vinho baixa média baixa baixa baixa baixa baixa baixa baixa baixa

Turismo baixa baixa baixa baixa baixa baixa baixa baixa média baixa

Frutas média-

baixa média média média média média baixa média média baixa

Circuito

Turístico

Frutas média-alta média-alta alta alta média-alta média média média média-alta baixa

Águas média média média alta média-alta média média média média baixa

Comitê de

Bacia

Hidrográfica

Piracicaba - Capivari

- Jundiaí média-alta alta média-alta média-alta média-alta média-alta média média média baixa

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5. Com poucos avanços... surgem os principais desafios.

Este artigo teve por objetivo principal realizar uma análise critica do

funcionamento e desafios das modalidades de governança territorial no Estado de São

Paulo, tomando como referências os Comitês de Bacias Hidrográficas, Câmaras

Setoriais, Circuitos Turísticos e Comitês Gestores de Arranjos Produtivos Locais.

Em um cenário estrutural de recomposição das escalas no estado com

desconcentração urbana e reestruturação produtiva na indústria e na agroindústria, a

coordenação de diferentes atores com diferentes objetivos estratégicos em cada

modalidade de governança apresentam inúmeros desafios. Na maioria dos casos, a

experiência mostra que a governança é mais eficaz quando está sob a responsabilidade

de uma instituição pública com poder político para tomar decisões e firmar

compromissos (por ex., Comitês de Bacias, Câmaras Setoriais e Circuitos Turísticos).

Sabe-se que o envolvimento dos empresários e dos governos municipais na formulação

das políticas leva tempo, pois estes se negam a perceber que os benefícios a médio e

longo prazo compensam os custos da participação e coordenação.

Na maioria das estruturas de governança identificadas, a baixa participação

também é evidenciada pela ausência de uma agenda de trabalho que defina a divisão de

tarefas, grupos de trabalho, audiências e negociações, o que torna os processos

decisórios restritos a poucos atores. Apesar da previsão de ampla participação de

diversos atores sociais, na realidade, nem todos os atores são convidados a participar de

dada estrutura, prevalecendo o interesse de poucos atores nos processos decisórios. As

consequências são a pequena confiança dos atores participantes no funcionamento da

estrutura e na sua liderança e a pouca disponibilidade das lideranças emprestar contas e

justificar as ações ou a ausência delas, o que reforça o desestímulo à participação.

Indício da situação descrita é a baixa representatividade de sindicatos de trabalhadores

em quase todas as estrutras analisadas.

Além da baixa participação do governo nas estruturas de governança, as

assimetrias de informação também são evidenciadas pelo pequeno grau de transparência

das relações entre atores percebidas pelas ações erráticas direcionadas aos objetivos, na

falta de clareza das funções e responsabilidades dos atores envolvidos e na falta de

acesso público às informações e dados. Também não há articulação entre as ações

realizadas no âmbito das estruturas e com as políticas públicas em vigor no estado e

com a União.

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O acompanhamento das funções administrativas evidenciou que há uma grande

variedade de órgãos destas esferas de governo que deveriam estar envolvidos, mas

quase sempre fazem parte da partilha de cada “governo de coligação”, uma espécie de

rateio que geralmente fragmenta a execução da política pública estratégica e o

funcionamento da máquina do Estado.

Em meio a estas desarticulações entre órgão do Estado, as evidências também

apontam para sobreposição das modalidades de governança. Por exemplo, não há fluxo

de informações entre o APL de Joias e folheados e o PCJ, mesmo com a participação do

ator CIESP em ambas as estruturas. O interesse comum neste caso é o tratamento de

efluentes para reduzir a poluição da bacia do PCJ. Tal sobreposição retrata a assimetria

de informações que compromete o funcionamento de ambas as estruturas.

A partir destes resultados, para se atingir a governança territorial multinível e

tripartite, pelo menos quatro desafios estão colocados para as estruturas analisadas:

(1) Superar os conflitos em relação às questões do federalismo e ao

desafio de lidar com a autonomia financeira e política dos governos

estaduais e municipais, isto é, da capacidade fiscal e política dos

entes da federação cumprirem suas obrigações, sobretudo os

municípios;

(2) Superar a fragmentação multidimensional no desenho da política

pública (fragmentação setorial, política e geográfica), que não

correspondem mais às antigas estratégias e áreas funcionais;

(3) Superar as assimetrias de informação, e promover o fortalecimento

da capacitação institucional e administrativa em nível subnacional

(em especial nos municípios carentes), monitorando a implementação

das políticas, avaliando os seus resultados e estimulando a

participação da sociedade civil.

(4) Superar a baixa participação dos representantes dos agentes nas

instâncias e processos de tomada de decisão.

6. Conclusões

As análises das governanças analisadas revelam pelo menos três conclusões

gerais deste contexto histórico e institucional: Diversidade de modalidades entre setores

e territórios da agroindústria e da indústria de transformação; Desarticulação entre

órgãos e secretarias do setor público nas diferentes esferas (estado e municípios); Pouca

presença e participação do Estado, de agentes econômicos e atores sociais locais nos

tipos de governança.

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46

As particularidades dos casos analisados revelam resultados específicos para a

análise da governança territorial, assim resumidos em sete achados empíricos que

merecem atenção.

As experiências revelam o surgimento de sobreposições de governanças

territoriais, com potencial reduzido de territorialidades que se exprimem como vetores

específicos de coordenação difusa do desenvolvimento. Um único município pode

pertencer simultaneamente a uma mesorregião diferenciada, como um território do

Comitê de Bacia Hidrográfica, de uma Câmara Setorial ou de um Arranjo Produtivo

Local, e, portanto, pela quantidade de governanças, tem que nomear representantes para

esses diferentes colegiados territoriais. Os resultados apontam que, na falta de

representantes, acaba ocorrendo que um mesmo representante participa de várias

instâncias de governança setorial e territorial.

As experiências ainda revelam uma multiplicidade de órgãos e instituições nos

níveis municipal, estadual e federal, onde cada secretaria/ministério setorial tem sua

própria visão territorial e não se articula necessariamente com outras secretarias, nem

com os ministérios afins. Do ponto de vista horizontal, esses órgãos fazem parte do

“feudo” de cada “governo de coligação”, que fragmenta a política e o funcionamento

da máquina do Estado.

Essa multiplicidade de instituições, que operam no Estado ou no mesmo

município, dificulta a comunicação e a coordenação, aumenta os custos operacionais e

reduz a transparência, impondo uma pressão adicional sobre recursos humanos, dado

que muitos municípios (atrasados ou não) carecem de pessoal qualificado para

participar das várias modalidades.

Na maioria dos casos estudados, observou-se que, a despeito de formas e

desenhos diferentes, os atores que integram as governanças são praticamente os

mesmos, com destaque, em alguns casos, para as Prefeituras, FIESP, SEBRAE/SP e

FATECs. A participação das secretarias estaduais e das universidades públicas é

pontual. O que altera é o grau de participação e atuação entre os tipos de governanças.

Na maioria das governanças, os atores participantes se reconhecem, mas a

entidade não tem agenda e meios de rodízio de poder, nem estatutos ou formas de

tomada de decisão planejada, sendo em grande parte desarticulados.

Na maioria dos casos estudados também observou-se que, a despeito de formas e

desenhos diferentes de governança e perfis de gastos municipais, as ações dos partidos

que governam os municípios e integram as governanças não se diferenciam entre si,

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independentemente do tamanho da população ou de arrecadação própria, ou mesmo

independente dos partidos, os mesmo do cenário estadual e nacional: PFL, PSDB,

PMDB, DEM, PT, PTB, PDT, PPS, PV.

As experiências também mostram variedades de cooperação interpessoal e

local, acumulação de proximidades e de cultura, memória e aprendizagem coletiva, mas

ainda com pouca organização social e política para os novos projetos de crescimento e

desenvolvimento econômico territorial local e regional, com inclusão social.

Em meio a tantas ações isoladas e pontuais das políticas do Estado, aliadas aos

inúmeros problemas considerados no funcionamento delimitado do PPA e na

governança das políticas públicas territoriais observadas na pesquisa, não se visualiza,

em nenhum momento, uma política estadual de desenvolvimento regional e/ou

territorial. Ao contrário, verifica-se uma prática de atendimento de demandas

específicas via pleitos de governanças, como ocorre nas Câmaras Setoriais e Circuitos

Turísticos, que se articula com a Secretaria Estadual da Agricultura e Abastecimento e a

Secretaria Estadual de Turismo, e de repasse de verbas para as entidades de governança

patronal, através dos fundos do Programa APLs da Secretaria de Desenvolvimento

Econômico, Ciência e Tecnologia (SDECT).

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CIDADES UNIVERSITÁRIAS, CIDADES MÉDIAS, CIDADES

PEQUENAS: ANÁLISES SOBRE O PROCESSO DE INSTALAÇÃO

DE NOVOS CAMPI UNIVERSITÁRIOS NO BRASIL

Wendel Henrique Baumgartner15

Resumo

A última década marca um período de grande expansão das universidades públicas

federais em direção as cidades médias e pequenas do Brasil. Para além do significativo

impacto no acesso ao ensino superior, os resultados da expansão são visíveis no espaço

intraurbano em razão do forte impacto econômico, político e cultural trazido pelas

universidades. Tanto em áreas economicamente estagnadas quanto naquelas de forte

dinamismo industrial ou do agronegócio, esses novos campi visam também o

desenvolvimento urbano e regional, a partir de aspectos ligados ao que se pode

configurar como economia do conhecimento ou economia criativa. Nesse texto,

buscamos analisar, dentre várias possibilidades, as relações entre as universidades e as

cidades médias e pequenas, tanto no ponto vista teórico quanto empírico, bem como

apresentar alguns resultados de pesquisas realizadas na Bahia.

Palavras-chave: Universidades; cidades médias; cidades pequenas.

I - Introdução

Ao iniciarmos este texto, convém esclarecer quais são os pontos que gostaríamos

de tratar, bem como qual o caminho que optamos seguir, dentre tantas possibilidades

encontradas na discussão sobre funções ou adjetivações de cidades e espaços urbanos.

Nosso objetivo é construir um pensamento, uma análise, sobre o que vem acontecendo

em algumas cidades médias e pequenas do Brasil após a recente expansão das

instituições públicas federais de educação superior, notadamente universidades;

apresentar resultados recentes de nossas pesquisas; e fomentar a discussão sobre as

possibilidades de classificação/adjetivação/definição dessas cidades, do ponto de vista

funcional, a partir da inserção de funções vinculadas ao ensino superior. Cabe salientar

que não estamos propondo um sistema classificatório de rotulação das cidades, mas sim,

um debate sobre os ‘títulos’ que vem sendo atribuído a essas cidades, especialmente, o

15

Professor Associado do Departamento de Geografia da Universidade Federal da Bahia. Grupo de

Pesquisas CiTePlan. E-mail: [email protected]

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de ‘cidade universitária’. Também apresentaremos nossas ideias sobre a questão das

definições sobre cidades médias e pequenas.

Não objetivamos a construção de um intervalo de população, de funções ou de

Produto Interno Bruto (PIB) que defina e classifique as cidades, bem como indiquem

sua posição hierarquizada em um sistema urbano rígido e classificatório. Esperamos que

assim, nossas opções, possibilidades, riscos e limitações se evidenciem. Não se trata de

negar ou desmerecer esses estudos, muito pelo contrário, partimos do pressuposto de

que existe um ou vários elementos/componentes estatísticos que definem, dentro de um

sistema classificatório próprio, uma cidade pequena, média ou grande. Reconhecemos

que tratamos em nossas pesquisas de cidades que têm população entre 20 e 400 mil

habitantes. Reconhecemos também que o porte populacional e outras questões

referentes a essa esfera da cidade, como renda, escolaridade, expectativa de vida, são

importantes (não queremos dizer determinantes) para compreendermos como os

processos da urbanização, acelerados ou intensificados a partir da chegada das

universidades, acontecem no espaço intraurbano ou mesmo nas relações interurbanas

que essas cidades estabelecem. Reconhecemos ainda a importância dos estudos

pautados na tipologia e na classificação (seguindo diferentes correntes teóricas e/ou

modelos); apenas não seguiremos esse caminho, em razão de uma vinculação a uma

determinada corrente filosófica e metodológica, que busca compreender os processos e

as contradições observarias nos espaços das cidades médias e pequenas.

Este reconhecimento dos critérios populacionais também busca uma tentativa de

“fuga” das armadilhas e falsas questões que podem impedir o avanço da discussão.

Muito se tem debatido sobre a ideia de que as cidades não devem ser definidas pelo

quantitativo populacional, a despeito de sempre se chegar a um contingente

populacional para definir ou ajudar a definir as cidades ou as políticas públicas. No caso

da expansão dos campi universitários e institutos federais, esses números variam entre

500 mil e 50 mil habitantes, respectivamente, como os recortes obrigatórios a serem

atendidos, além da expansão para municípios/cidades que apesar de não possuir esse

contingente populacional possuem outros elementos, entre eles atuação política, que

justifique o recebimento de uma instituição. Tentamos sempre construir teorias,

metodologias e modelos com base em critérios não populacionais e hierarquizantes, mas

que também acabam levando a uma classificação e/ou, ainda mais problemático, a uma

proliferação de diversas questões que não se respondem: O que são cidades pequenas?

O que são cidades médias? A cidade X é pequena? A cidade Y é média?

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52

Portanto, reconhecida uma classificação prévia (que não é eterna ou dogmática),

reforçamos que não construiremos a definição de cidades pequenas ou médias, nem

tomamos o que dizem as estatísticas. O que nos interessa é o que acontece nessas

cidades, seus conteúdos e os processos que dinamizam seu espaço intraurbano e suas

articulações regionais. Dessa forma, podemos avançar na compreensão das

particularidades e especificidades espaciais que diferenciam essas cidades em uma rede

urbana integrada e ampliada, com a chegada das universidades. Negar classificações,

propondo novas tentativas de classificação, insere um jogo circular, uma tentativa de

rotulação e/ou adjetivação, que coloca na sombra o que, em nossa concepção, pode

ajudar a compreender o que vem acontecendo nesse seleto grupo de cidades que

estudamos.

Outro ponto fundamental para explicitação de nossas opções neste texto é a

impossibilidade em dissociarmos a teoria, a empiria e a técnica de um método. A

importância desse pensamento articulado entre a teoria, a empiria e a técnica, a nosso

ver, pode evitar uma teorização sobre cidades que não existem, a não ser no mundo

idealizado da teoria, negando a empiria; bem como o velho temor da empiricização dos

estudos (domínio do plano empírico) ou da aplicabilidade acima de tudo (tecnicismo).

Dessa forma, cabe esclarecer que o início das reflexões presentes neste texto origina-se

de algumas bases empíricas já vividas, estudadas ou ainda em fase de estudo16

, como

Cachoeira, Cruz das Almas, Santo Antônio de Jesus, Feira de Santana e Barreiras, na

Bahia; Chapecó, em Santa Catarina; Bagé e Erechim, no Rio Grande do Sul; Rio Claro,

São Carlos e Piracicaba, São Paulo; Guaxupé, Ituiutaba e Viçosa, em Minas Gerais,

entre outras. Bem como de uma pesquisa de pós-doutorado17

em Passau (Alemanha) e

uma pesquisa colaborativa na França (Demaziére & Baumgartner, 2014)

II - Cidades universitárias, cidades do conhecimento e cidades criativas

Ao pensamos a ideia de uma cidade universitária, no plano mundial, aparecerão

alguns exemplos clássicos de imbricação, praticamente impossível serem dissociados,

entre a cidade e a universidade: Coimbra, Oxford, Cambridge, Bologna, Salamanca,

Heidelberg e ou Louvain, entre muitas outras. Nesses exemplos, as universidades

inclusive possuem em seus nomes o próprio nome da cidade e a função educacional é

preponderante, do ponto de vista econômico. Cabe salientar que nesses exemplos

16

Com financiamento do CNPq e FAPESB. 17

Financiamento CAPES.

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citados, todas as cidades seriam consideradas cidades médias, uma vez que em cidades

médias e pequena a influência das universidades tende a ser muito maior e

predominante. No exterior, muitas universidades têm localização central e foram o fator

que propiciou o crescimento das cidades no seu entorno.

No Brasil, o termo cidade universitária se refere notadamente a um espaço interno

da cidade, um ‘bairro’, onde está localizado o campus universitário, como a cidade

universitária da USP, em São Paulo, ou a cidade universitária da UFPE, em Recife.

Instaladas em áreas periféricas da cidade, esses campi, se aproximam de uma ideia

norte-americana de campus universitário, mas que também é a mesma, uma vez que se

localizam em áreas continuas a zona urbana, diferentemente dos modelos tradicionais

dos campi das universidades dos EUA. Além disso, uma parcela considerável das

universidades públicas brasileiras tem nos nomes o estado federativo em que se localiza,

com algumas exceções, especialmente nos estados de Minas Gerais e Rio Grande do

Sul, onde as cidades emprestam seus nomes as universidades, como Pelotas ou

Uberlândia. É interessante notar, que o recente processo de criação de novas

universidades federais atende a uma perspectiva mais regional no batismo: Recôncavo

da Bahia, Vale do São Francisco, Fronteira Sul, entre outras. É claro que temos

exemplos de cidades com reconhecido papel universitário, como Campinas, Ouro Preto

e Santa Maria, que possuem uma forte imagem nacional atraindo estudantes e

professores para suas universidades, mas diferentemente do primeiro rol de cidades

citadas no exterior, a função educacional não tem predominância econômica, por

exemplo, o que é até positivo. Nas cidades médias e pequenas as universidades acabam

se tornando grandes empregadores, em algumas delas são as maiores fontes de emprego,

e acabam possuindo orçamentos maiores do que os próprios municípios, como em

Botucatu e Viçosa.

Essa perspectiva econômica sobre a influência das universidades nas cidades

médias e pequenas é uma das primeiras possibilidades de análise que temos construído

em nossas pesquisas. Desde os anos de 1960, primeiramente na Europa e nos Estados

Unidos e, posteriormente, no Brasil, o Estado passa a compreender a instalação de

universidades e/ou campus de instituições novas e/ou já existentes como uma estratégia

de desenvolvimento urbano e regional de áreas economicamente deprimidas e/ou

degradadas do ponto de vista da morfologia/qualificação do espaço urbano. Assim,

constamos uma forte expansão das instituições de educação superior, a maior parte

delas públicas, para cidades médias e pequenas de vários países, como por exemplo, na

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então Alemanha Ocidental, onde ao final dos anos 1970 várias universidades foram

instaladas nas fronteiras com a antiga Tchecoslováquia e Alemanha Oriental, para criar

empregos e fortalecer a economia local e regional, favorecendo a

manutenção/ampliação dos contingentes populacionais nessas áreas estratégicas e que

vinham sendo esvaziadas devido a falta de perspectivas econômicas. Mas também

mencionamos a instalação de universidades em áreas industriais e agropecuárias

economicamente dinâmicas, como uma estratégia de ampliação das fronteiras

econômicas e melhoria na qualificação da força de trabalho.

A compreensão do papel das universidades como agente da (re)estruturação

econômica das cidades torna-se importante, tanto em razão do volume de recursos

financeiros movimentados quanto pela modificação de dinâmicas intraurbanas

(moradia, circulação, usos, etc.) e do cotidiano dos moradores. Assim, a implantação de

uma universidade ou campus de uma universidade pública afeta as dinâmicas urbanas e

regionais de cidades médias e pequenas, dentro de uma estratégia governamental de

promoção do desenvolvimento urbano e regional, que para além do impacto econômico

direto através da geração de empregos públicos de alta qualificação e gastos básicos de

alunos e professores, promovem a melhoria dos padrões educacionais, qualificação da

força de trabalho, avanço e desenvolvimento tecnológico e cultural. Essa ideia está em

consonância com o que coloca Wüsten (1998) ao afirmar que as universidades são

instituições centrais para a sociedade ocidental, promovendo o avanço do conhecimento,

a liberdade de pensamento e também o desenvolvimento da educação, da ciência e da

tecnologia. Acrescentamos ainda que as Universidades contribuem para o

desenvolvimento (econômico, político e cultural) urbano e regional, dinamizando

cidades, suas bases econômicas, sua morfologia e mesmo suas imagens na rede urbana,

agora mundializada. Nesse ponto temos uma outra possiblidade de análise e de

compreensão do papel das universidades e que vem atraindo interesse de várias cidades

no recebimento de instituições de ensino superior em seu território: a forte influência

que a educação tem na chamada ‘era da economia do conhecimento’.

Segundo Cassiolato (1999), a ideia de economia do conhecimento, ou economia

baseada no conhecimento, deriva do desenvolvimento de novos processos produtivos

fundados mais na aplicação e desenvolvimento de novas tecnologias, aplicações e

design de produtos, do que no produto propriamente dito. Assim, ocorre uma expansão

e intensificação do uso do conhecimento ‘mais avançado’ em diversos setores

produtivos, dos mais tradicionais (indústria metalomecânica, química, entre outros) aos

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mais contemporâneos (eletrônicos, informática, etc.), passando por setores como

produção cultural, publicidade, entre outros. Para atender essa demanda econômica por

conhecimento, as universidades atuam muitas vezes em parceria com setores

produtivos, para o desenvolvimento de conhecimento básico e aplicado para essa

demanda. Apesar de não ser uma associação nova, basta nos lembrarmos das

universidades/institutos tecnológicos alemães criados no século XIX como suporte para

o processo de industrialização daquele país, no período contemporâneo, definido pelo

geógrafo brasileiro Milton Santos como técnico-científico-informacional, observa-se um

avanço dessa relação entre as universidades, a produção e difusão do conhecimento para

fins de desenvolvimento econômico, o que acaba por transformar o conhecimento em

uma commodity.

Ainda de acordo com Cassiolato (1999, p. 175), a produção do conhecimento

conecta “o sistema educacional, as universidades, os institutos de pesquisa tecnológica,

os serviços de informação, assim como as atividades de P&D das firmas e, de uma

maneira mais ampla, as próprias políticas de informação e de C&T”. Analisando um

caso nos EUA, Zecher (2005) coloca que as políticas tradicionais de desenvolvimento

econômico nas cidades médias se baseiam no modelo: incentivos fiscais e de

localização. Entretanto, esse modelo se mostrou falho e propiciou a estagnação

econômica de várias cidades, com declínio da atividade industrial, perda de empregos e

baixa competitividade. A solução para essa questão econômica seria a passagem de uma

economia baseada em modelos tradicionais de produção e incentivo para um modelo de

economia criativa e de inovação, implicando a melhoria da qualificação profissional e

de infraestrutura, desenvolvendo a economia do conhecimento nas cidades médias

norte-americanas. Zecher (op.cit.) afirmar ainda, após vasta pesquisa bibliográfica, que

esse salto qualitativo só é alcançado através do impacto positivo das universidades e dos

institutos de pesquisa tecnológica, que possuem força para serem agentes

desencadeadores e promotores da economia do conhecimento, tanto em nível local

quanto regional.

A expansão de instituições de ensino superior no Brasil pode ser compreendida

como uma política de Estado que visa dotar o território de equipamentos necessários

para a participação nas atividades produtivas mais avançadas. Uma das demandas

produtivas colocadas por setores produtivos e que a expansão das universidades,

institutos tecnológicos ou centros de pesquisa e desenvolvimento, tenta resolver está no

campo, através do melhoramento de sementes, pesquisas com animais, suporte para

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ampliação dos complexos agroindústrias, entre outro. Assim, uma parcela das

universidades no interior do Brasil acaba por se ‘especializar’ em cursos voltados para a

produção de conhecimento ‘agropecuário’ e desenvolvimento do agronegócio.

Dessa forma, se em outros momentos do desenvolvimento tecnológico, o acesso a

informação e, principalmente, de contato com o mundo era privilégio das universidades

localizadas em grandes centros, hoje com a expansão das redes de informação (fibras

óticas e satélites), autoestradas e aeroportos, esta diferenciação na dotação de

infraestruturas de transporte e comunicação foram diluídas. É claro que não foram

completamente superadas, pois geralmente o tempo de deslocamento e as conexões,

quando tratamos de transporte aéreo, por exemplo, é maior para aqueles que têm como

ponto de origem e/ou destino cidades menores.

Esta ideia segue em direção ao que Würsten (1998) escreve quando afirma que as

universidades fazem a diferença nos locais onde se localizam, quer seja na cidade ou

fora dela (campus fora da área urbana). É importante reconhecer que em cidades

grandes a influência é minimizada por sua própria dinâmica, mas uma universidade

maior pode dominar completamente o espaço urbano de uma pequena cidade. Na

grande cidade a diversificação econômica e mesmo cultural, bem como suas conexões

com outras culturas e o aporte financeiro direto e indireto da universidade são diluídos

por seu próprio dinamismo. Outra diferença entre universidades localizadas em cidades

de diferentes portes está no fato que a cidade grande oferece, por exemplo, mais

possibilidades de permanência aos recém-formados em função da diversidade do

mercado de trabalho.

Para além do aspecto econômico, as universidades têm um forte componente

cultural e artístico em suas fundações. Dentro dessa possibilidade de análise das

relações entre as universidades e as cidades, Claval (1998) destaca que:

- As universidades foram importantes para o desenvolvimento das atividades culturais.

Professores escrevem nos jornais locais; estudantes e professores são frequentadores de

óperas e teatros.

- As universidades têm um importante papel na vida política, através de seus

professores e estudantes. Professores e estudantes contribuem para a criação e difusão

de ideologias modernas e são apoiadores de movimentos liberais, radicais, socialistas,

etc. Sobre o papel dos estudantes, Claval (1998), afirma que sua presença nas cidades

mudou muito a vida políticas das mesmas, pois após 1830, pela primeira vez na história

da humanidade uma grande concentração de jovens era encontrada nas cidades

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universitárias. Esta concentração, mesmo tendo em vista o número de estudantes do

ensino superior relativamente pequeno em relação a população total, favoreceu a

difusão das discussões políticas e eles passaram a ser um elemento essencial em todas

as revoltas ou revoluções urbanas.

Continuando com Claval (1998, p.39), um dos fatores para a expansão das

universidades nas cidades menores foi, também, um processo incentivado pelas próprias

cidades, iniciando inclusive uma competição entre as mesmas para receber e manter a

instituição, uma vez que “era muito importante para suas economias e para o dinamismo

de suas vidas culturais. As universidades melhoravam, de maneira geral, a atração de

atividades para o centro urbano, especialmente de executivos ou técnicos que eram

seduzidos pela proximidade de educação superior de qualidade nas localidades. Elas

também ofereciam a possibilidade de se lançar como um polo tecnológico, facilitando a

atração de atividades de alta tecnologia”.

Nesse ponto, podemos fazer outra associação entre as universidades e as cidades,

através de conceitos como economia criativa ou cidade de inovação. A economia

criativa é aquela produzida por setores como arquitetura, artes, cinema, publicidade,

música, mídia, comunicação, informações, entre outros. Richard Florida18

apresenta

diversos estudos sobre o papel da economia criativa e das cidades criativas (ou

inovadoras), em também fortalece o papel das universidades tanto na criação de

produtos/ideias inovadoras quanto na produção de um ambiente criativo e um

fortalecimento da imagem das cidades universitárias perante as demais cidades.

Infelizmente, observamos nas universidades brasileiras, novas ou antigas, um número

relativamente pequeno de cursos voltados para a criatividade e artes, com exceção aos

cursos publicidade e arquitetura. No processo de expansão das universidades é preciso

olhar com cuidado para a questão dos cursos, pois o que temos visto é uma pressão

política para o recebimento dos campi e uma predileção por cursos ‘tradicionais de

prestígio’, como direito, administração ou medicina, deixando pouco espaço para cursos

com ‘menor’ prestígio mas com grande impacto economia criativa. Em exemplo desse

fato em nossa pesquisa, é que os moradores de Cachoeira (BA) não vêm sentido em um

curso superior de cinema ou museologia na cidade, que segundo eles só atraem

estudantes ‘festeiros’, sendo que seria melhor para a cidade ter um curso de direito.

18

FLORIDA, Richard. The rise of creative class. New York: Basic Books, 2002.

_____________. Cities and creative class. New York: Routledge, 2005.

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III - A expansão das universidades federais na Bahia

Desde a segunda metade dos anos 2000, observamos uma forte expansão de

instituições (Universidades e Institutos Tecnológicos) federais de ensino superior

vinculadas e mantidas pelo Ministério da Educação do Brasil vinculados a Rede Federal

de Ensino Superior (Henrique, 2009; Henrique 2012; Henrique, 2013; Baumgartner,

2014). Em vários estados brasileiros, essa expansão se direciona para cidades médias e

pequenas do interior, após um grande período de concentração de instituições federais

apenas nas capitais dos estados, como pode ser constatado pelo exemplo do estado da

Bahia (figura 1). Em 1808, Salvador recebeu a primeira instituição pública de ensino

superior do Brasil (Faculdade de Medicina da Bahia), quando a família real portuguesa

abandona Lisboa e o Brasil passa a ser a sede do Império Português. De 1808 até 1976,

apenas a cidade de Salvador possuía uma instituição pública do governo central no

Estado da Bahia. Em 1977, a Universidade Federal da Bahia abriu um campus em Cruz

das Almas, uma cidade no interior onde foram implantados os cursos relacionados a

agronomia. Entre 2002 e 2010, sete outras cidades receberam campus de instituições

federais. Entre 2011 e julho de 2014 nove cidades entraram para esse grupo de cidades.

Mais recentemente, 4 novos municípios do oeste do estado receberam campi. Outras

cidades baianas possuem campus de instituições estaduais de educação superior, mas

com raras exceções (Minas Gerais, Rio Grande do Sul e São Paulo), a expansão é

visível, mas ainda incipiente.

Essa expansão recente é uma política de governo adotada no país no início dos

anos 2000, através da criação e instalação de novas universidades e institutos federais

ou campi avançados de instituições federais já existentes. Anteriormente, anos 1990,

durante os governos neoliberais, as políticas locacionais das instituições de nível

superior atribuíam as empresas privadas a abertura e manutenção de faculdades e

universidades no país. Cabe salientar, que durante esse período ocorreu o fechamento de

diversas instituições tecnológicas de ensino, resultado das políticas educacionais

neoliberais.

Além de um novo momento de ação direta do Estado na expansão das instituições

públicas de ensino superior para cidades médias e pequenas, também se constata um

rápido avanço na criação de polos que dão suporte para os cursos na modalidade de

Ensino a Distância (EAD). Este processo se complementa com os campi das Instituições

Privadas e Estaduais, destinadas ao ensino presencial, mas que não se expandiram, neste

período, com a mesma intensidade daquelas registradas pelos dois grupos citados

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inicialmente: Instituições Federais e Polos de EAD. O conjunto das instituições federais

(Universidade e Institutos Tecnológicos) que oferecem cursos superiores, tanto na

modalidade presencial quanto a distância, compõe o Sistema Federal de Ensino

Superior (SFES)19

.

19

Os dados referentes ao SFES estão disponíveis no Portal do SINAES - Sistema Nacional de Avaliação

da Educação Superior (http://sinaes.inep.gov.br:8080/sinaes). As informações são públicas.

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Figura 01 – Municípios da Bahia com Instituições do SFES – até junho 201420

A expansão das instituições federais de ensino superior, no caso baiano,

corresponde a dois processos diferentes:

a) Campus relacionado ao projeto de expansão de uma universidade existente

(Campus de Barreiras e Vitória da Conquista, no caso da UFBA);

b) Campus de uma universidade completamente nova (UFRB, UFOB, UFSB).

Ambas situações suportam diferentes critérios de análise e possíveis diferenças na

constituição do campus, quer seja de uma universidade em expansão ou de uma

universidade nova, principalmente no tocante a quantidade e tipologia dos cursos a

serem oferecidos, o que cria uma demanda diferencial por parte dos docentes e discentes

por moradia. Pesquisas prévias indicam que professores vinculados a cursos como

medicina e direito geralmente atuam em mais de uma instituição e/ou clínica/escritório;

estudantes de cursos de engenharia, medicina e direito tendem a possuir uma renda

média maior do que alunos dos cursos de licenciatura. Como as universidades já

estabelecidas oferecem os cursos de maior ‘status’ em seus campi-sede, no momento da

20

Na atualização do mapa serão acrescidos os municípios de Barra, Bom Jesus da Lapa, Santa Maria da

Vitória e Luís Eduardo Magalhães que receberam campi da UFOB (Universidade Federal do Oeste da

Bahia).

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expansão buscam criar cursos novos e notadamente licenciaturas. Nas universidades

novas são criados cursos de todas as áreas, inclusive estes tradicionalmente preenchidos

por estudantes de maior renda.

Em 2005, a expansão da Universidade Federal da Bahia (UFBA) possibilitou a

abertura de dois campi avançados da universidade, o Instituto Multidisciplinar de Saúde

em Vitória da Conquista e o Instituto de Ciências Ambientais e Desenvolvimento

Sustentável (ICADS) em Barreiras. O campus de Barreiras foi criado com mais cursos

de graduação e já possuía cursos de pós-graduação quando foi desmembrado da UFBA,

dando origem a uma outra universidade, a UFOB (Universidade Federal do Oeste da

Bahia). Com a criação da UFOB, outras quatro cidades receberam campi da

universidade: Luís Eduardo Magalhães, Barra, Santa Maria da Vitória e Bom Jesus da

Lapa.

A Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (UFRB) foi criada em 2005, a

partir do desmembramento de uma unidade da UFBA localizada em Cruz das Almas.

Sua instalação ocorreu em 2006 e a universidade possui uma constituição multi-campi,

localizada inicialmente em 04 municípios baianos: Cachoeira, Cruz das Almas

(Reitoria), Amargosa e Santo Antonio de Jesus. Em 2014 foram implantados mais dois

campi da UFRB, em Santo Amaro e Feira de Santana.

A mais recente instituição com sede no estado da Bahia é a UFSB – Universidade

Federal do Sul da Bahia, que possui campi instalados em de Teixeira de Freitas, Porto

Seguro e Itabuna (Reitoria), além de contar com unidades auxiliares em diversos outros

municípios do sul da Bahia, atendendo a um desenho curricular e institucional mais

descentralizado que as demais instituições. Os cursos oferecidos também se distinguem

dos mais, como as Licenciaturas Interdisciplinares.

Assim, a expansão do SFES além de possibilitar maior acesso a educação superior

tem alterado significativamente a estrutura urbana (conteúdo) e a própria morfologia das

cidades (forma) que recebem estes novos campi e os polos. No plano morfológico, que

segundo Capel (2002), compreende os elementos básicos que constituem a estrutura

material da cidade e é produzido nas esferas sociais, econômicas, políticas e sociais, a

(re)estruturação das cidades (Spósito, 2004) está vinculada a expansão da mancha

urbana, a construções de conjuntos residenciais para estudantes, a abertura de novas vias

de circulação e o adensamento áreas edificadas, por exemplo. No plano dos conteúdos

são inseridas novas funções, ligadas a Educação, bem como novos comércios e serviços

direcionados aos novos moradores que chegam a estas cidades - professores e

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estudantes universitários. O espaço construído (plano morfológico) e o espaço usado e

apropriado (plano dos conteúdos) não estão em situações ou níveis dicotômicos,

hierárquicos ou complementares, são, em realidade, duas categorias que sobrepostas,

concomitantes e dialéticas participam da produção do espaço21

e que pautam nossas

pesquisas e análises22

.

As ações relacionadas à expansão do SFES, que movimentam a produção do

espaço nestas cidades médias e pequenas, estão fortemente imbricadas as tentativas dos

agentes públicos (destacadamente a União e os Estados) de dinamização e

transformação das economias locais e regionais, bem como da própria estrutura urbana

e das cidades.

As cidades recebem grandes investimentos que trazem consigo um implemento da

migração de pessoas com alta qualificação profissional (professores universitários,

pesquisadores, técnicos e administradores, entre outros), bem como estudantes

universitários, muitos deles com alto poder aquisitivo, vinculados notadamente a

determinados cursos23

tais como medicina, odontologia, engenharias e direito entre

outros. Os alunos com rendas menores, que não são atendidos pelos programas de

moradia estudantil, também irão provocar um impacto no mercado imobiliário das

cidades através da criação das moradias coletivas, denominadas por ‘repúblicas’.

21

O tema da produção do espaço será trabalhado a partir das contribuições de Lefebvre (1991). De acordo

com o autor (op.cit.), a produção do espaço não é uma agregação de lugares, uma localização de produtos

ou a simples ocupação de uma área. A produção do espaço envolve questões econômicas e técnicas, mas

também se amplia, pois o espaço é também espaço político e estratégico (incluindo reserva de espaços).

Diferentemente de outros produtos, nunca se determina o resultado da produção do espaço, pois o próprio

espaço é precondição e resultado da sua própria produção. Lefebvre (1991), ainda destaca que devemos

nos pautar em uma unidade nos níveis de análise, articulando as forças de produção e seus componentes

(natureza, trabalho, tecnologia e conhecimento), as estruturas (relações de propriedade) e as

superestruturas (instituições e o Estado). Complementando a idéia lefebvriana de produção do espaço,

Santos (1979, p.216), coloca que “o domínio da produção é hoje uma arena onde o ideológico procura

impor-se cada vez mais brutalmente como uma necessidade de sobrevivência do sistema. Desde que o ato

de produzir também é o ato de produzir espaço, a gênese deste se realiza sob o signo da ideologia, desde

que a criação mercantil do espaço é em si mesma um jogo especulativo, um ato enganador. O marketing

do espaço impõe o engano como se fosse a verdade”. 22

Para Lefebvre (1973, p. 140/141), “la ciudad proyecta sobre el terreno una sociedad, una totalidad

social o una sociedad considerada como totalidad, comprendida su cultura, instituciones, ética, valores, en

resumen sus supraestructuras, incluyendo su base económica y las relaciones sociales que constituyen su

estructura propiamente dicha. (…) en la ciudad se materializan, se encarnan en obras, obras que, como

fácilmente se comprende, son los monumentos, edificios públicos y privados, en los cuales y a través de

los cuales la sociedad global se presenta o se representa; muy frecuentemente constituyen símbolos”. 23

Esta vinculação entre cursos de origem de estudantes, renda e locais de moradia nas cidades foi objeto

de estudo de nossa pesquisa de Pós-doutorado realizada na Alemanha, entre 2010 e 2011 (Henrique,

2009; Henrique 2012; Baumgartner, 2014). Pesquisas publicadas Neste estudo, através de mapeamentos

realizados, identificamos, por exemplo, que os estudantes dos cursos de Administração, Economia e

Direito da Universidade de Passau residiam nas áreas mais valorizadas da cidade, especialmente no

distrito histórico, onde o valor dos aluguéis eram superiores aos dos bairros mais periféricos.

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É interessante notar, que esse novo perfil de moradores, contrasta com o tipo

‘clássico’ do morador do interior. Segundo Santos (2005), as pequenas cidades do

interior eram ‘cidades dos notáveis’, povoadas por personalidades marcantes como o

padre, a professora primária e o juiz. Entretanto, através da ação direta do Estado,

através de projetos de desenvolvimento que visam não só a modernização da estrutura

econômica, mas também urbana e social, algumas cidades acabam por se transformar

em ‘cidades econômicas’, com a substituição do personalismo pela qualificação

profissional. A professora primeira sede lugar para a professora universitária, entram em

cena o engenheiro, o agrônomo. Atentamos a um dado ainda bruto (e talvez brutal), o

salário de um professor adjunto da UFRB (Universidade Federal do Recôncavo da

Bahia) em Cachoeira equivale em renda média per capita de 40 moradores locais. O

orçamento da UFRB com uma população/usuários menor seria maior de que alguns

municípios onde se instalou. As cidades universitárias mudam de valor e os seus

próprios valores, pois adquirem “condições de exercer uma função que os outros não

dispõem e, através deste fato, ganha uma exclusividade...” (Santos, 2005:66).

Mas a aceitação do novo e das forças externas acarreta profundas modificações no

cotidiano e nas relações pessoais. Estes processos tornam premente uma mudança na

perspectiva de compreensão da rede urbana, com destaque para os novos papéis das

cidades, que independente de seu porte ou contingente populacional, passam a contar

com formas-conteúdo e com as funções exclusivas e novas, que anteriormente não

seriam imaginadas nestas localidades. Constamos modificações no desenho das redes

urbanas e nas áreas de influência, cada vez mais complexas e diferenciadas.

Tanto os planos diretores municipais quanto os planos de criação e

implementação dos campi universitários não tratam deste impacto imediato nas cidades.

O aumento da demanda por habitação leva, primeiramente, a um aumento dos valores

dos aluguéis e dos imóveis, uma vez que a oferta e o estoque habitacional nas cidades

médias são pequenos. Algumas empresas, com maior capitalização, passam a construir

rapidamente novas moradias, onde se observa uma proliferação daquelas localizadas em

condomínios ou loteamentos, irregularmente, fechados, inserido esta nova possibilidade

de moradia em muitas cidades. No mercado imobiliário, os desejos e necessidades se

espacializam nos condomínios horizontais e verticais, criando espaços de ficções e

ilusões, muitas vezes frustradas em relação às representações (propagandas) que foram

compradas, mas que continuam a movimentar os egos, as vaidades e os bolsos dos

compradores. Muitas empresas buscam desenvolver e construir produtos específicos

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para este nicho de mercado que é atraído pelas amenidades, localização e possibilidades

de financiamento do imóvel. Outro processo perceptível é a transferência da população

local, muitas vezes de menor renda, para áreas periféricas, ‘liberando’ habitações em

áreas centrais e de melhor infraestrutura para os novos moradores.

Impactos econômicos

Os estudos empíricos mais detalhados sobre os impactos econômicos decorrentes

da implantação de universidades foram realizados em quatro cidades da Bahia, sedes de

campi com ensino presencial da UFRB (Cachoeira, Santo Antonio de Jesus e Cruz das

Almas) e mais recentemente da UFOB (Barreiras).

Nas cidades do Recôncavo da Bahia constamos primeiramente um aumento

populacional, relacionado a mudança de estudantes e professores. Notamos também um

aumento dos movimentos diários em direção a estas cidades, visto que uma parte dos

estudantes e professores universitários é oriunda de cidades do entorno aos campi. De

acordo com a UFRB (Boletim informativo, 2012) a universidade contava com 6362

alunos matriculados, 36 cursos de graduação, 501 funcionários técnicos-administrativos

e 519 professores (269 doutores). Em 2012, o orçamento (sem considerar salários) foi

de R$ 131 milhões e o custo por aluno era de R$ 14 mil. De maneira geral: 30% eram

originários de Salvador ou Feira de Santana; 26% eram das cidades sedes dos campi;

23% eram de outras cidades da Bahia; 15% eram de outras cidades do Recôncavo; e 6%

eram originários de outros estados brasileiros.

Segundo Santana (2012), o gasto médio dos alunos da UFRB é de

aproximadamente R$ 500,00 mensais. Se multiplicarmos este valor médio pelo número

de alunos matriculados, temos um investimento direto da ordem de R$ 3.181.000,00

mensais nas cidades onde seus campi estão implantados.

Estudos indicam que apenas o Centro de Artes, Humanidades e Letras

(CAHL/Cachoeira) aplica em salários líquidos (após descontos de impostos) de

professores e funcionários algo em torno de R$ 12 milhões por ano. Ainda nessa cidade

temos um aporte médio direto, por parte dos 1511 alunos (2012) de R$ 755.500,00 por

mês ou R$ 6.799.500,00 por ano letivo (9 meses). O aporte destes dois grupos

(empregados – professores e técnicos – e alunos) gira em torno de R$ 18.799.500,00 por

ano.

Se considerarmos o conjunto de professores, e para fins ilustrativos adotamos

como base a prerrogativa de que todos estão em início de carreira e possuem proventos

básicos sem adicionais, em torno de R$ 8.000,00 (uma média de salários entre mestres e

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doutores), temos um impacto potencial mensal de R$ 4,1 milhões na economia dessas

cidades. É claro que muitos não residem nas cidades e não fazem compras nestas, mas

uma parte desse dinheiro fica em uma das quatro sedes da UFRB. Os funcionários

técnico-administrativos, em salários médios (R$ 4.000,00), significam um aporte de R$

2 milhões mensais nas economias das cidades.

Os professores universitários, com uma renda média muito superior a da

população local, acabam acarretando uma supervalorização de alguns espaços internos

específicos da cidade, não só em função do nível de renda maior, mas também do perfil

de consumo que se estabelece. Em Cachoeira24

, a renda média mensal (PNUD, 2013)

per capita nos domicílios urbanos é de R$ 368,12. O salário (2014) de um professor

com dedicação exclusiva que possua Doutorado é de R$ 9.536,00 e de R$ 8.480,00 para

aqueles que possuem Mestrado. Na comparação entre o salário dos professores e a renda

média per capita em Cachoeira, os professores da UFRB, com mestrado ou doutorado,

possuem, respectivamente, renda 23 e 25 vezes maiores que a renda média da população

local. Essa diferenciação na renda teve um primeiro impacto no mercado imobiliário da

cidade, com o aumento expressivo dos valores cobrados para aquisição e aluguel de

imóveis. Em 2008 (Henrique, 2009), o valor médio das pequenas casas (com um quarto)

alugadas passou de R$ 150,00, antes da chegada da UFRB, para R$ 800,00. Com essa

valorização provocada pelo aumento da demanda e pouca oferta, a população local foi

forçada a sair das áreas mais centrais da cidade e ocupar espaços periféricos.

Além do aporte em salários, é preciso mencionar os investimentos iniciais em

infraestrutura, construção e recuperação de imóveis. Entre 2005-2010, os investimentos

iniciais infraestrutura da UFRB foram de aproximadamente R$ 24 milhões, acrescidos

de mais R$ 9 milhões vinculados ao Programa Monumenta, do Ministério da Cultura,

que recuperou imóveis históricos em Cachoeira.

Para compreensão do impacto da universidade nas cidades, entrevistamos:

moradores locais, comunidade universitária residente ou não no local, Governantes

municipais e regionais, empresas/indústrias que se instalaram na cidade e/ou região em

função da Universidade, comerciantes/prestadores de serviços que possuem com

24

Cachoeira, segundo o censo populacional do IBGE (2010), possui 32.026 habitantes. Segundo do

PNUD (2013), o Índice de Desenvolvimento Humano Municipal (IDH-M), passou de 0,598 (1991), para

0,516 (2000) e para 0,647 em 2010. O Índice de Desenvolvimento Humano Municipal de Cachoeira,

segundo a classificação do PNUD, o coloca entre os municípios considerados de médio desenvolvimento

humano, ocupando a posição 3.172 entre os 5.565 municípios do país. Entre sua população, 16,7% são

extremamente pobres e 33,8% são pobres.

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relações diretas e/ou indiretas as funções da universidade, tais como proprietários de

centros de fotocópias, cafés, restaurantes, livrarias e bares, entre outros.

Reafirmamos a importância de se pesquisar também o caráter econômico da

instalação dos novos campi universitários, inclusive porque as universidades têm como

justificava de criação/instalação a promoção do desenvolvimento econômico urbano e

regional e esta característica aparece nos documentos de criação e/ou de direcionamento

das suas ações. Esse caráter da política pública de instalação dos campi universitários

coaduna com as ideias de vinculação das cidades universitárias a uma proposta de

economia do conhecimento e cidade inovadora.

Observamos que as relações que se estabelecem entre a população local e a

comunidade acadêmica, em muitos casos, são relações conflituosas, instigadas,

notadamente, pelos estilos de vida dissonantes, quer seja pelo padrão de consumo dos

professores, pelas festas estudantis ou pelas crenças políticas da população local. Esta

questão torna-se um elemento central no processo de consolidação da

universidade/campus como algo que faz parte da cidade. Entretanto, estudos

preliminares para as cidades pequenas e médias indicam um forte distanciamento entre a

cidade e a universidade, mesmo que espacialmente ele não seja considerável, pois os

grupos tendem a vivenciar espaços quase que pré-definidos pelo tipo/origem de usuário,

‘evitando’ os encontros entre os grupos de moradores e os acadêmicos.

Apesar desse ‘estranhamento’ inicial, diversos eventos culturais tais como peças

de teatro, shows de música, festas literárias e, principalmente, congressos científicos,

passaram a ocorrer nessas cidades. Muitos desses eventos têm caráter internacional e

acabam por atrair visitantes estrangeiros, projetando outra imagem das cidades, agora

internacionalmente. Dentre esses destacamos: a FLICA – Festa literária internacional de

Cachoeira, realizada anualmente, e que teve sua primeira edição em 2011 com forte

apoio da UFRB. Nessa cidade, transformações na estrutura do comércio/serviços, como

o surgimento de apart hotéis, delicatessen, copiadoras, livraria e cafés, foram

impulsionadas pela instalação do campus da UFRB, que também insere novos tempos e

novas temporalidades na cidade.

IV - Considerações finais

A expansão das instituições superiores públicas para as cidades médias e

pequenas do Brasil ainda está em andamento. Por tratar-se de um processo em

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construções, as análises são sempre momentâneas e visam contribuir para uma melhor

compreensão do que vem se passando nessas cidades.

De maneira geral, a implantação dos campi universitários para desenvolvimento

econômico de cidade e regiões depreciadas financeiramente esbarra em um problema

comum: como estas instituições chegam a cidades sem grandes ofertas econômicas, de

trabalho e de capital, a população local que poderia abrir negócios (serviços e

comércios) para atender as demandas da nova universidade, muitas vezes não dispõem

de recursos financeiros ou mesmo de conhecimento para usufruir das ‘benesses

econômicas’ trazidas pela Instituição. Em muitos casos, os novos comércios e serviços

demandados pelas universidades são fornecidos por empresas de fora ou por pessoas

originárias de outras localidades e que abrem seus negócios na cidade, contratando a

população local por baixos salários.

Já nas regiões economicamente dinâmicas, as universidades acabam participar do

desenvolvimento científico e tecnológico relacionados a tipologia da cadeia produtiva

local/regional. Além disso, em algumas dessas cidades, a população local não percebe

grandes mudanças no cotidiano da cidade, uma vez que as mesmas já possuíam

comércios e serviços mais estruturados.

Em qualquer das situações, as universidades, além de contribuírem para o

desenvolvimento educacional e cultural, acabam por se constituírem como grandes

agentes econômicos e políticos e, consequentemente, com participação ativa no

processo de produção do espaço urbano. As universidades também disponibilizam à

cidade várias de suas infraestruturas e facilidades, tais como Auditórios para a

realização de encontros e convenções, ou para eventos culturais e ajudam a difundir a

imagem da cidade e fortalecer o turismo (de eventos e visitas de familiares dos

estudantes, por exemplo).

No Brasil, o maior desafio urbano na expansão do Sistema Federal de Ensino

Superior é a necessidade de se considerar as implicações decorrentes da inserção de

formas novas ou renovadas em um determinado espaço. As características da estrutura

urbana e da morfologia das cidades não podem ser esquecidas, bem como os anseios,

necessidades e esperanças de suas populações, nas atividades específicas que aí se

desenvolvem. Dessa forma, a participação da população no processo de instalação dos

campi, bem como um planejamento mais realista e temporalmente mais extenso seriam

valiosos para o fortalecimento das instituições e de suas relações com a cidade.

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Enfim, ainda bem que hoje podemos encontrar grandes universidades em cidades

médias e pequenas, e universidades pequenas em cidades grandes. A rede urbana e a

rede de ensino superior romperam os padrões e determinações das redes urbanas

clássicas, bem como as universidades podem romper com a hierarquia histórica.

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CIUDADES INTERMEDIAS Y LA AUTONOMÍA SOCIO-

POLÍTICA PARA SU DESARROLLO SUSTENTABLE. CASOS DE

VILLARRICA, ANGOL Y VICTORIA, REGIÓN DE LA

ARAUCANÍA, CHILE

Gonzalo Salazar25 Martin Fonck * 26

Felipe Irarrázabal * 27 Resumen

El presente escrito pretende abordar las problemáticas locales que enfrentar las ciudades

intermedias en los actuales procesos de desarrollo urbano en la región de la Araucanía,

Chile, desde el prisma de su organización sociopolítica institucional. Bajo este prisma,

se recalca la importancia de la escala próxima existente entre las ciudades intermedias y

su territorio, siendo crucial atender la percepción valorativa de esta intermediación y las

problemáticas urbanas emergentes, jugando ambas un rol crucial en la autodependencia

de la dimensión local de la ciudad.

Introducción

Las ciudades intermedias tienen grandes complejidades organizacionales debido al alto

grado de imbricación que tienen con su determinado contexto territorial, como también

por su rol de articulación entre dinámicas locales y globales en dimensiones ecológicas,

económicas y socio-culturales. Esta complejidad no está absuelta de una paradoja de

gran relevancia para la planificación urbana en Latinoamérica a largo plazo: Por un

lado, las ciudades intermedias cumplen un rol central para la praxis de una mayor

sustentabilidad local y regional con un entendimiento global. Justamente, su continua

“intermediación” entre lo local y lo global hacen de éstas un elemento vital para poder

llevar a cabo una praxis de la sustentabilidad más apropiada – esto es, que en los

proceso de planificación y desarrollo urbano se tomen en cuenta las condicionantes y

25

Phd, Profesor Asistente, Campus Villarrica & Instituto de Estudios Urbanos y Territoriales, Pontificia

Universidad Católica de Chile; Investigador Centro UC de Desarrollo Local (CEDEL); Investigador

Centro de Desarrollo Urbano Sustentable (CEDEUS); Investigador Centro Interdisciplinario de Estudios

Interculturales e indígenas (ICIIS). 26

Sociólogo, Pontificia Universidad Católica de Chile; Ayudante de investigación Centro

Interdisciplinario de Estudios Interculturales e indígenas (ICIIS).

*O coautor não apresentou o presente trabalho e não participou do evento. 27

Sociólogo, Pontificia Universidad Católica de Chile; Ayudante de investigación Centro

Interdisciplinario de Estudios Interculturales e indígenas (ICIIS).

*O coautor não apresentou o presente trabalho e não participou do evento.

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potencialidades socio-ecológicas de los territorios locales de las que son parte, como

también se considere y se catalicen positivamente problemáticas propias de la

globalización socio-económica y de la crisis ambiental global. Si aceptamos la idea de

que la praxis de la sustentabilidad implica un actuar local con un pensamiento global,

entonces las ciudades intermedias son claves para esta agenda. Por otro lado, ya sea

desde una perspectiva de integración funcional de asentamientos urbanos y rurales, o

bien desde su rol integrador respecto a determinadas actividades productivas, o como

sistemas que se van haciendo parte de procesos de globalización económica, las

ciudades intermedias enfrentan hoy importantes problemáticas y desafíos que, de no ser

entendidos y atendidos de forma integral, se transforman en un verdadero garrote para

poder avanzar en la sustentabilidad urbana y territorial de sus respectivas regiones en

particular y de Latinoamérica en General.

Las ciudades intermedias chilenas no se encuentran ajenas a esta paradoja. Por el

contrario, después de cuatro décadas de la instalación de una política territorial

altamente centralista y de una ideología neoliberal (abierta – entre otras cosas - a

dinámicas de mercados globales y al poder económico y político de organizaciones

multinacionales), las ciudades intermedias de Chile han estado expuestas a grandes

transformaciones ecológicas, culturales y económicas, como también a desafíos socio-

ecológicos en donde comienza a valorizarse el poder de lo local para la generación de

ciudades más sustentables. En vista de esto, el presente trabajo se enfoca en identificar y

analizar cómo abordan sus problemáticas locales las ciudades intermedias de tres

comunas de la región de la Araucanía (Victoria, Angol y Villarrica), la cual posee

particularidades a escala nacional respecto a sus altos índices de pobreza, a sus

dinámicas de interculturalidad asociadas a la alta concentración de población

perteneciente a la etnia Mapuche y a sus diversas problemáticas ambientales de sus

ecosistemas bioregionales.

Este articulo forma parte de un estudio que busca entender el grado de importancia que

tienen los procesos de autodependencia de las ciudades intermedias para su desarrollo

sustentable. El estudio entiende autodependencia como una dinámica emergente que

entrega la posibilidad de planificar y organizar un sistema urbano desde (y para)

dinámicas sociales, culturales y ecológicas más apropiadas, y desde la sinergia de los

actores del territorio (Max-Neef 1991; Boisier 2001). En otras palabras, siguiendo a

Max-Neef (1991), sugerimos que “entendida como un proceso capaz de fomentar la

participación en las decisiones, la creatividad social, la autonomía política, la justa

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distribución de la riqueza y la tolerancia frente a la diversidad de identidades, la

autodependencia constituye un elemento decisivo en la articulación de los seres

humanos con la naturaleza y la tecnología, de lo personal con lo social, de lo micro con

lo macro, de la autonomía con la planificación y de la sociedad civil con el Estado”. En

este sentido, la autodependencia no solo se devela como un proceso comunitario – esto

es, de relaciones cooperativas entre los actores de un sistema urbano-territorial – en

donde se promueve la responsabilidad personal, el respeto al otro y una mayor armonía

con el medioambiente (Shuman, 2000), sino también como un fenómeno donde se

articulan las dimensiones ecológicas, sociales, económicas y políticas de la praxis de la

sustentabilidad.

Ahora bien, más que analizar resultados específicos de la investigación (que por lo

demás se encuentra en pleno proceso indagatorio) el propósito de este artículo es poder

delimitar algunas variables que parecen ser centrales para entender la autodependencia

de la ciudad intermedia principalmente desde una arista socio-política – esto es,

haciendo hincapié en el rol que cumplen los actores locales de una ciudad intermedia

para el desarrollo sustentable de la ciudad y su hinterland local. Para esto, el artículo se

divide en tres secciones:

Primero, desde el punto de vista teórico, el artículo se centra en la discusión de la

interrelación que tienen las ciudades intermedias con sus territorios (o hinterland

bioregional o local), dando cuenta del por qué es necesario trascender de definiciones

exclusivamente demográficas y funcionalistas, para dar paso a una definición basada en

las dinámicas de la ciudad intermedia. Esto es complementado con algunos aspectos de

descentralización, con la finalidad de analizar los elementos de gobernanza inclusiva y

gobierno local que poseen las ciudades intermedias para abordar sus problemáticas a

escala local.

Segundo, desde un plano metodológico, el artículo describe un formato metodológico

que busca integrar información de naturaleza cualitativa y cuantitativa para articular las

diversas dimensiones de análisis desprendidas desde la auto-dependencia socio-política.

Se espera dar cuenta de estas dimensiones con ambos tipos de información, de modo

que se pueda complementar una métrica de comparación objetiva desde la perspectiva

cuantitativa, con la subjetividad y profundidad de la información proveniente desde la

aproximación cualitativa. De este modo el artículo pretende avanzar en la generación

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de metodologías más integrales para estudiar aspectos de auto-dependencia socio-

política implícita en la praxis de la sustentabilidad urbana de este tipo de ciudades.

Tercero, el artículo hace una breve descripción cualitativa de los casos de estudio para,

desde ahí, presentar cuatro dimensiones de análisis que se entienden como aspectos

basales para una mayor autodependencia socio-política de éstos.

1) Consideraciones Teóricas

1.1 Ciudad intermedia y territorio

En forma general, la región de la Araucanía ha sido estudiada y problematizada con un

foco en lo rural, bajo el análisis de temáticas interculturales, conflictos ambientales y los

altos porcentajes presentes de pobreza (Luna, 2012). Sin embargo, en éste contexto

también es relevante atender analíticamente las problemáticas actuales que enfrentan los

sistemas urbanos de la Región, focalizándose en las interacciones sociopolítica locales

que acompañan los procesos de transformación de las ciudades intermedias y sus

territorios circundantes. En este sentido, postulamos abordar dichas interacciones en la

Araucanía mediante un análisis sobre la diversidad de perspectivas presentes en actores

locales sobre los procesos actuales de transformación urbana en diferentes ciudades

intermedias de la región – a saber, Angol, Victoria y Villarrica (Figura 1).

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Figura 1: Principales asentamientos urbanos de la Región de La Araucanía. En negro se destacan las

ciudades en estudio. Elaboración propia.

Las ciudades de estudio -en primera instancia- pueden ser comprendidas como sistemas

urbanos incrustados en el paisaje. Esta observación no sólo arroja una información

estética contextual, sino que da cuenta de un proceso urbano profundamente relacionado

al territorio circundante. Es allí donde acontece una interacción crucial entre

instituciones, servicios y espacios productivos, articulándose una red de relaciones

específicas donde cada ciudad es un nodo de interconexión (Canziani y Schejtman,

2013: 21).

Por el contrario, una de las formas predominantes para definir las ciudad intermedia ha

sido a través de criterios demográficos, promovidos principalmente por instituciones

públicas que buscan justificar, localizar e implementar sus políticas en base a esta

variable. Sin embargo, dicha aproximación ha sido criticada por entender la ciudad sólo

a través de éste criterio cuantitativo, promoviendo una definición estática que se aleja de

una aproximación hacia las dinámicas y características actuales de estas ciudades

(Bolay y Rabinovich, 2004; Canziani y Schejtman, 2003). Además el enfoque

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demográfico se vuelve variable según los contextos espaciales y las poblaciones

nacionales totales.

Nuevas aproximaciones, por el contrario, han propuesto un foco hacia los atributos y

funciones que cumplen este tipo de ciudades (Bellet, 2009; Bolay y Rabinovich, 2004

;Canziani y Schejtman, 2013, Lobato Correa, 2007;). Perspectivas que en una línea

común proponen el paso desde un concepto de ciudad media hacia uno de intermedia

(Bellet, 2009), trascendiendo la mera la referencia al tamaño para incluir las

características relacionales que la intermediación propone.

Al pensar las problemáticas que actualmente enfrentan dicho sistemas urbanos es

necesario desentrañar el carácter de intermediación que continuamente establecen con

su territorio. En esta línea, avanzando respecto a la conceptualización de la relación

entre ciudades intermedias y su territorio, autores como Berdegue (2011) han abordando

la interacción urbano-rural al definir los “territorios funcionales”, considerando la

relación entre una ciudad principal y las comunas rurales circundantes. Estos son

espacios que contienen una alta frecuencia de interacciones económicas y sociales entre

habitantes, organizaciones y empresas.

Las principales dinámicas territoriales que han sido caracterizadas en estos territorios

funcionales (o interacción urbano-rural) están marcada por una integración de los

mercados laborales a través de “commuting” y una tendencia a la aglomeración de las

fuentes de empleo no primario y de los servicios públicos y privados en las ciudades

centrales de los territorios, con el consiguiente "vaciamiento" de las comunas del

entorno rural. Lo anterior es facilitado por la enorme expansión de la infraestructura y

servicios de transporte y comunicaciones, que hace posible que las personas que viven

en la esquina más remota del hinterland rural estén en el centro urbano del territorio en

tiempos que para la inmensa mayoría son inferiores a los 30 o 45 minutos de viaje

(Berdegue et al. 2011) En este contexto, existiría un re-acomodo espacial de las

actividades, servicios e infraestructuras (Berdegue et al. 2011).

En esta línea han contribuido autores como Canales (2013), al conceptualizar las

ciudades intermedias como “agropolis”, confirmando la idea de ciudades con una

relación intensa con su territorio. Enfocándose en los procesos relacionados a las

migraciones poblacionales y cambios en las fuentes laborales, Canales sostiene que una

parte importante de la población de este tipo de ciudades trabaja en empleos de índole

agrícola, localizados en territorios comprendidos legalmente como rurales pero con una

fuerza laboral de origen urbano. Esto lo ha llevado a cuestionar las definiciones y

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dicotomías sobre lo urbano y lo rural, presentes tanto en la teoría académica como en la

implementación de políticas públicas.

Estas aproximaciones confirman la tesis sobre dinámicas territoriales que permean las

interacciones y dinámicas de este tipo de ciudades. O lo que es más, en que para

entender la ciudad intermedia de forma más integral y sistémica no sólo se hace

necesario desvincularse de dicotomías teóricas entre lo urbano y lo rural, sino también

es necesario definirlas como fenómenos donde la ciudad y su territorio son

esencialmente indivisibles. Sin embargo, las observaciones de estos autores sobre la

integración de los mercados laborales, los servicios, y las redes sociales de las personas

en espacios mayores no ha tenido – en la práctica - un necesario correlato en la

organización y gobierno del Estado. Los ciudadanos, las organizaciones y las empresas

viven en un espacio mayor, pero los proceso de gobernabilidad (tanto central como

local) continúan fraccionados de éstos (Berdegue et al. 2011). Dicho de otro modo, pare

existir una tensión entre la idea de territorios construidos a través de procesos sociales,

económicos, culturales, que dan forma a las sinergias locales y sentidos cotidianos

locales (Schejtman y Berdegué 2004) y las definiciones normativas en función de

objetivos de políticas públicas (Berdegue et al. 2011) llevadas a cabo por entes

regionales o locales como los municipios. Esta situación de desfase, caracterizada por

Boisier (2009), destaca la existencia - en el contexto latinoamericano - de un

“cortocircuito” entre la naturaleza de los problemas de la vida real y las propuestas para

resolverlos. Desfase que también es revisado por Escobar (2008) (revisar en Aliste y

Musset) respecto a la conexión difusa entre las directrices de la planificación y las

acciones concretas en la ocupación efectiva.

1.2) Descentralización e importancia de una gobernanza más inclusiva

El desfase entre las problemáticas territoriales y la planificación activa descrito en el

apartado anterior ha sido tematizado por las demandas de descentralización en la

contingencia política actual de Chile. Entre otro puntos, se busca promover una reforma

al sistema político administrativo para permitir una mayor participación de las

comunidades territoriales (regionales, provinciales y comunales) en la definición y

concreción de sus políticas de desarrollo. Dicha demanda se vincula a las inequidades

interterritoriales que derivan en desigualdades de desarrollo para comunidades y

personas dependiendo del lugar donde viven (Ábalos, 2009).

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En el marco de las ciudades intermedias, se vuelve central discutir las escalas de la

planificación en relación a la valoración de lo local, al suponer que ciertas decisiones se

deben basar en los conocimientos fruto de la cercanía espacial que caracteriza el espacio

local. En este sentido es necesario profundizar respecto a la importancia de articular la

planificación estratégica territorial desde la configuración de escalas locales particulares

(de las que son parte las ciudades intermedias), mas no centralizadas (Cunill 2013).

Bajo esta proposición y diagnóstico podemos observar en el terreno de las propuestas

políticas sobre descentralización, la presencia del enfoque de gobernanza (Delamaza &

Thayer 2013). En esa línea también se orientan los planteamientos de la OCDE,

expresados en su Territorial Review sobre Chile (OECD, 2009) en el cual hace hincapié

en la necesidad de fortalecer los procesos de gobernanza en la elaboración e

implementación de políticas públicas (Delamaza & Thayer 2013). Esto se traduce en la

generación de un mejor matching entre políticas públicas y necesidades territoriales, a

través de un sistema de gobernanza a multinivel (OECD, 2009: 168) (Delamaza &

Thayer 2013)

Para tener políticas con enfoque territorial y sistémico, se necesita una transformación

en los vínculos entre actores locales, regionales y los del “nivel central”, para lo cual –

entre otras cosas - se necesita una nueva institucionalidad (Cunill, 2012). Sin perjuicio

de esto, cuando se logra generar plataformas de gobernanza inclusiva, en donde se

amplían los actores y las sinergias entre ellos, incidiendo de tal modo en las

orientaciones del proceso desde la demanda (Delamaza, Cunill y Joignant, 2012), es que

surgen agendas locales y regionales más autónomas socio-políticamente (Vergara, 2010;

SUBDERE, 2010).

En este ámbito, parte de la problemática en las ciudades intermedias está dado por lo

que explican Delamaza & Thayer (2013): en que no se sabe lo que se piensa y quiere en

las Regiones y territorios en relación a la generación e implementación de políticas

públicas apropiadas a sus condicionantes y potencialidades, ya que no se les ha

preguntado ni a los actores ni a la ciudadanía.

Abordar las problemáticas presentes en discursos sobre la ciudad intermedia permite

revisar la configuración entre la institucionalidad y territorio, a través de nociones

naturalizadas o problematizaciones que dan cuenta de una situación de desfase entre

realidades locales y administraciones centralizadas. Esto, en la línea de “reequilibrar

dichas diferencias a través de un proceso de descentralización, aparece así como un

proceso que requiere involucrar a los actores del territorio, con sus propias visiones,

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aspiraciones y “proyectos políticos” (Boisier, 2004, Madoery, 2001) en (Delamaza &

Thayer 2013).

2) Consideraciones Metodológicas

Para abordar la problemática se ha trabajado en base a una metodología que busca

integrar información cualitativa y cuantitativa bajo la secuencia metodológica expuesta

en la Figura n°3. A cada tipo de información se le ha asignado un rol concreto a

cumplir en tres dimensiones de análisis constituyentes de auto-dependencia socio-

política, el cual se expone en la Figura N°2. Cabe señalar que esta secuencia ha sido

empleada para las dimensiones 1 (sentido de pertenencia local) y 2 (capacidad de

gobierno local), dado que se considera que ambas deben ser analizadas desde un

enfoque mixto. La dimensión 3 (gobernanza inclusiva) ha sido abordada solamente

desde un enfoque cualitativo, en la medida que no se han encontrado fuentes de

información cuantitativa secundaria que la pudieran complementar adecuadamente.

Figura N°1: Esquema de integración de información cualitativa y cuantitativa en función

de dimensiones de auto-dependencia socio-política. Elaboración propia

Figura N°3: Pasos para la integración de información cualitativa y cuantitativa. Elaboración propia

El primer paso para la integración de la información cualitativa y cuantitativa (1.1 y 1.2)

es el trabajo paralelo entre el análisis cualitativo y cuantitativo. En esta etapa el rol del

análisis cualitativo es explorar el caso de estudio desde sus actores, y de ese modo

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comenzar a delinear las principales transformaciones y problemáticas que se pueden

identificar en el discurso de éstos. De forma paralela, el análisis cuantitativo debe

enfocarse en pre seleccionar posibles fuentes de información y variables que podrían

servir para analizar transformaciones acontecidas en los casos de estudios. En esta etapa

puede ser sumamente útil recopilar información asociada a tendencias demográficas,

dado que estas son un indicador fundamental de una amplia gama de transformaciones,

que finalmente repercuten en tendencias migratorias. Además, la información

socioeconómica también puede ser fundamental para delinear procesos de

transformación territorial, en la medida que buena parte de ellos se traducen en las

dinámicas productivas locales y en las condiciones materiales de la población.

El segundo paso (2) se ha trabajado conjuntamente el enfoque cualitativo con el

cuantitativo con la finalidad de depurar las principales tendencias identificadas. En esta

etapa es fundamental la discusión conjunta con la finalidad de contrastar las

problemáticas identificadas mediante el trabajo cualitativo con las posibles variables

cuantitativas que pueden asimilarse a dichas problemáticas. Del mismo modo, parte de

las variables cuantitativas pre seleccionadas pueden entregar luces respecto a ciertas

tendencias que son relevantes a nivel local, pero que por distintos motivos no han

surgido del análisis cualitativo realizando en la etapa 1.1. Ya sea mediante la

asimilación de variables cuantitativas de las problemáticas emanadas del análisis

cualitativo, o bien desde la integración de nuevas problemáticas al análisis cualitativo a

partir de las tendencias cuantitativas, lo fundamental de esta etapa es contrastar

resultados y realizar una primera síntesis conjunta entre ambos enfoques, para de ese

modo definir desde una base empírica sólida las problemáticas específicas que se

abordarán.

El tercer paso (2.1 y 2.2) consisten en la profundización de las problemáticas

identificadas conjuntamente en la etapa 2, de modo que se pueda analizar

detalladamente tanto las variables cuantitativas, como las distintas percepciones que

pueden aflorar desde el análisis cualitativo. En esta etapa se analiza de forma separada

cada tipo de información con la finalidad de aprovechar al máximo los distintos tipos de

análisis para cada dimensión con una base empírica sólida.

Finalmente, el paso 4 corresponde al análisis final conjunto entre ambos enfoques. Este

análisis conjunto se realiza en torno a las dimensiones definidas, de modo que cada una

de ellas es abordada desde un enfoque mixto. Ambas aproximaciones contribuyen a la

comprensión de cada una de estas dimensiones y permiten tener un análisis

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métricamente comparable, en profundidad y próximo al relato planteado por los actores

locales.

2.1 Recopilación y análisis cualitativo

Se han realizado hasta el momento 20 entrevistas semi estructuradas en Villarrica, 13 en

Angol y 4 en Victoria, complementadas con entrevistas en recorridos por la ciudad con

actores claves y ejercicios de observación participante desplegados en actividades

públicas realizadas por organizaciones locales. En las entrevistas semi-estructuradas se

ha priorizado realizar preguntas abiertas sobre las potencialidades o problemas urbanos.

En este sentido, antes que buscar obtener contenidos puntuales, se intenta realizar un

ejercicio de observación conjunta, con la intención de que él entrevistado realice una

“observación participante” en su propia comunidad y haga referencia a relaciones entre

problemáticas puntuales y discusiones generales. Como herramientas para abordar

dichas discusiones se han tomado como criterio muestrales dos tipos de niveles para

establecer el análisis cualitativo: Por un lado, la comparación entre las problemáticas

presentes en las diferentes ciudades, y por el otro, las diferencias entre las perspectivas

de los actores claves de una misma ciudad.

Como complemento a las entrevistas semi-estructuradas, se han realizado entrevistas en

recorridos por la ciudad (Ingold & Lee, 2006; Anderson, 2004; Kusenbach, 2003) , con

el fin de explorar en profundidad la percepción y emergencia cotidiana de las

problemáticas urbanas observadas y discutidas. En el proceso de caminar y recorrer la

ciudad se van observando y ejemplificando problemáticas urbanas presentes en espacios

particulares por los cuales se atraviesa al ir desplazándose. Esto estimula tanto la

creatividad de las ideas del entrevistado como la problematización de aspectos que no

serían discutidos sino aparecieran a la vista en la entrevista. Asimismo, puede

entenderse como un ejercicio observación participativa en si mismo. En este sentido, el

recorrido por la ciudad es en si mismo un estímulo para la conversación y el

levantamiento in-situ de las tensiones que – desde la perspectiva de los actores – se dan

en el sistema urbano que habitan.

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2.2 Recopilación y análisis cuantitativo

Lo que respecta a información cuantitativa, inicialmente se ha trabajado en base a una

batería de variables que se podrían asociar a las dimensiones de auto-dependencia en

general. Esta batería se organiza en tres macro-dimensiones (Socio-económica,

municipal y de servicios), para a continuación trabajar en torno a dimensiones más

específica, y finalmente establecer qué variables o indicadores se podrían emplear en

función de los objetivos.

A partir de ésta matriz de datos, se ha procedido a observar tendencias significativas en

las tres comunas seleccionadas. Para tener parámetros de mayor contraste, las tres

comunas se comparan con la capital regional y su conurbación metropolitana (Temuco y

Padre Las Casa), con el promedio de la región de la Araucanía y el promedio nacional.

A partir de esto se han ido identificando tendencias relevantes en algunas variables, así

como también se han abordado algunas en función de las principales problemáticas

identificadas en el análisis cualitativo.

3) Presentación de las ciudades: Villarrica, Angol y Victoria

En Chile, las ciudades intermedias han sido definida predominantemente a través de

criterios demográficos promovidos principalmente por instituciones públicas. Según el

los resultados del censo preliminar del 2012, la ciudad de Angol posee 50.821, mientras

que en Victoria y Villarrica, habitan 32.890 y 51.551 personas, respectivamente.

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Gráfico n°1: Población urbana y rural para las comunas de la región de La Araucanía. Fue excluida

Temuco debido a que su alta cantidad de población en comparación con las otras comunas dificulta la

visualización de las comunas intermedias.

En el transcurso de la investigación (en particular, en la etapa 1.1 de la metodología

empleada) han surgido una serie de observaciones particulares sobre los procesos y

problemáticas a las cuales cada ciudad se debe enfrentar y que ilustran de diversas

formas los dos puntos tratados anteriormente: el vinculo indivisible entre ciudad y

territorio y la importancia de una gobernanza más inclusiva la cual se condiciona, entre

otros factores, por dinámicas de centralización y de desarticulación intra e inter-

institucional y multi-escalar.

4.1) Villarrica

A grandes rasgos Villarrica, situada en la provincia de Cautín al sur de la región de la

Araucanía, se ve – por parte de sus actores como los de los otros casos de estudio -

como una ciudad que está viviendo un fuerte desarrollo turístico. En términos

comparativos regionales aparece como modelo urbano a seguir producto del crecimiento

que el turismo le ha generado través de la llegada de capitales y servicios, lo cual

también ha tenido correlatos en infraestructura pública.

Como dato contextual geográfico se trata de una ciudad a la orilla del lago y volcán

Villarrica, con grandes atractivos naturales en los bordes de su emplazamiento. Este

contexto ambiental favorece la llegada de público en temporada estival, marcándose una

fuerte trasformación urbana y duplicación de la demanda por servicios. Históricamente

Villarrica se enfocó en la extracción de las materias primas provenientes principalmente

del bosque nativo cordillerano. En las últimas tres décadas, sin embargo, la zona ha

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Urbana Rural

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experimentado una fuerte transformación territorial debido a los efectos de los

atractivos turístico, transformando paulatinamente su relación con su hinterland natural

desde uno de extracción a uno de visita y conservación.

Las dinámicas del turismo han ido pauteando en los últimos años los enfoque a seguir

en la generación de servicios públicos y de infraestructura para habilitar dicho turismo

masivo. Sin embargo, lo que en una primera mirada puede aparecer como una ciudad

pujante por su desarrollo económico en base al turismo, no ha estado exento de diversas

problemáticas territoriales, las cuales se ilustran - por ejemplo - en proyectos de

infraestructura vial y en proyectos habitacionales y como los actores inciden o no en su

generación en proceso de gobernanza.

El año 2009 el Ministerio de Obras Públicas intentó llevar a cabo una carretera de alta

velocidad entre la ciudad y el borde del lago. Sin embargo, esto suscitó una oposición

articulada de diversas organizaciones sociales y privados que buscaban detener dicha

iniciativa. El resultado fue una reconfiguración del proyecto hacia una costanera más

respetuosa con la relación (o encuentro) entre ciudad-lago, convirtiéndose en un

proyecto que –a juicio de varios actores - le cambió la cara a la ciudad.

Otro fenómeno de transformación importante percibido por los actores (en buena parte

influenciado por el desarrollo turístico de la ciudad) ha sido su expansión y

fragmentación urbana y su segregación espacial. En consonancia con políticas centrales

de vivienda y subsidio habitacionales y careciendo de plataformas de gobernanza local,

la ciudad se ha expandido hacia sectores rurales producto de la especulación de

inmobiliarias privadas. En los últimos 15 años, se han construido villas enteras que

carecen significativamente de servicios públicos claves para una mejor calidad de vida.

Esto ha ido gatillado la emergencia nuevos espacios de extramuros, de barrios

dormitorios, con problemas serios de conectividad, seguridad publica, falta de áreas de

recreación y funcionalmente dependientes de servicios públicos y de comercio ubicados

únicamente en el centro urbano.

Estas controversias sugieren una modo de planificación y desarrollo urbano

recurrentemente descrito por los entrevistados: la forma que va tomando la ciudad es

fruto de dinámicas de mercados, a las que responde un Estado centralista con

proposiciones desarticuladas a las condiciones de lo local y sin llevar a cabo procesos de

gobernanza que catalicen necesidades y deseos de los actores que son parte del diario

vivir de ésta.

4.2) Angol

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Por otro lado, la ciudad de Angol (capital de la provincia de Malleco28

) está posicionada

en otro ecosistema, más próximo a un clima mediterráneo de la zona central, lo que

históricamente ha favorecido la producción frutícola local y la construcción de adobe

de edificios tradicionales y de su casco histórico. Esto es, el desarrollo de la ciudad ha

estado fuertemente relacionado con la bondades del ecosistema en que se emplaza. Sin

embargo esto también ha generado tensiones importantes en la medida que la ciudad se

va haciendo parte de procesos de globalización económica.

Dicho contexto geográfico explica porqué esta ciudad fuera una de las más afectadas de

la Región en el terremoto del año 2010, el cual aconteció en la zona centro del país.

Entre otras cosas, tal fenómeno produjo un efecto urbano significativo respecto a la

restructuración y transformación del precio de suelo. Sin embargo, al ser capital

provincial, la destrucción material acontecida por los efectos telúricos implicó una

mayor aparición de recursos públicos plasmada en nuevas infraestructuras, las cuales

han sido relacionadas por diversos actores con la llegada de una cierta “modernidad” a

la ciudad. Por una parte, esto ha implicado que desde las autoridades públicas locales se

vea con buena cara los efectos del terremoto. Sin embargo, desde una perspectiva

crítica, se ve con cierto reparo las trasformaciones que puede ocurrir producto de la

llegada de capitales e inversiones desde el norte (o el Centro de la nación) debido a los

cambios en el precio de suelo.

En la medida que la ciudad inicia un proceso de modernización en infraestructura y su

medioambiente natural se hace más llamativo para las industrias frutícola y forestal, se

han comenzado a experienciar procesos en los cuales se va perdiendo niveles de

autodependencia económica, ecológica y política. Cuando la planificación de la ciudad

no está dada con una mirada largo plazo y por medio de procesos de gobernanza

inclusiva, la ciudad y su territorio comienzan a experimentar problemáticas que

condicionan fuertemente un desarrollo más sustentable. Un ejemplo, ha sido la escases

de agua para diversos tipos de consumo. En este sentido una de las críticas que se

levanta desde las autoridades locales es la falta de planificación que considere la cuenca

como unidad hidrográfica, existiendo en la gestión actual el predominio de una lógica

ciega a las interrelaciones que el territorio propone.

4.3) Victoria

28

La región de la Araucanía se compone de dos provincias: Cautín y Malleco.

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Finalmente, la ciudad de Victoria es un enclave en el centro de la región, siendo de las

tres ciudades la más cercana a la ruta 5 sur (la carretera Panamericana que conecta a

todo el país). Esto le ha dado un gran cercanía funcional a la capital Temuco, Capital

Regional. En los discursos sobre la ciudad existiría una serie de temáticas que se

vuelven reiterativas, haciendo referencia a infraestructuras de conectividad y al rol

educacional que tuvo en el pasado la ciudad a través de la presencia de la escuela

normalista.

Respecto a la conectividad, una de las formas de mostrar los cambios en la ciudad es la

referencia - con nostalgia - del “barrio estación”. Como un verdadero eje urbano, este

barrio fue el catalizador de la ciudad de un fuerte proceso regional de urbanización y

colonización de la Araucanía a través del tren. A su vez, este barrio fue el símbolo de su

“progreso” económico, de una ciudad que se autodenominaba (y se sigue

autodenominando) como de “servicios”. Sin embargo, con la caída del tren como medio

de transporte masivo y con el bypass de la Ruta Panamericana realizado en la década

pasada, la ciudad inicia un proceso transformativo que la ha tenido a la deriva y que con

el pasar de los años se ha vuelto más dependiente (y por lo mismo en función de) la

conurbación metropolitana de Temuco-Padre las Casas. Actualmente existe un juicio

generalizado sobre la falta de una visión clara para la ciudad que le entregue una nueva

hoja de ruta para su desarrollo.

Por otro lado, el rol que ha cumplido la educación para el desarrollo urbano. En éste

espacio existió una gran escuela de formación de docentes destacada a nivel nacional,

configurándose una clase intelectual local y una serie de prácticas e interacciones en

torno al oficio del profesor. Dicho sistema de formación se eliminó al profesionalizar la

carrera de educador, siendo en muchos casos remplazado por universidades privadas

que han preferido centrarse en centros urbanos más rentables, como Temuco.

En el caso de Victoria, se ve con mayor fuerza problemática de centralización intra-

regional y los efectos de la metropolitización de la capital Temuco. Hoy en día gran

parte de la población trabaja en servicios ubicados espacialmente en la capital regional.

¿Será Victoria un nuevo elemento de un proceso de metropolización y centralización

intra-regional? Si bien todo indica que sí, Victoria sigue siendo una ciudad que cumple

funciones vitales de servicio para una determinada extensión rural al sur de la provincia

de Malleco y que deberá iniciar procesos de gobernabilidad y gobernanza con una

mirada largo plazo para salvaguardar su condición de ciudad intermedia.

Consideraciones finales

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Las ciudades medias de la Araucanía, producto de su escala y su condición de

intermediación, no están ajena a su territorio bioregional, es más, éste último ha sido (y

continua siendo) parte central para su organización como sistema urbano. Ciudad y

territorio – al menos en estos casos - parecieran ser un elemento indivisible. En este

sentido los problemas que acontecen en el territorio también son parte de los problemas

de la ciudad y viceversa, debido a la mutua implicación existente en imaginarios,

prácticas, dinámicas y desafíos de éste tipo de ciudades. Valorar esta sinergia es de vital

importancia a la hora de pensar en el desarrollo sustentable de estos asentamientos. Sin

embargo, en el marco de políticas nacionales y locales de apertura a mercados globales,

la relación entre ciudad y su territorio bioregional suele dejarse en segundo plano. Así

las ciudades han comenzado a experimentar transformaciones territoriales que no

solamente conllevan problemáticas ambientales y urbanas complejas, sino también

ponen en jaque su autodependencia como sistema ecológico y socio-político.

La generación de procesos de gobernanza multiniveles, inclusivos, vinculantes y con

una mirada a largo plazo, parecieran ser esenciales para que este tipo de ciudades

puedan tener procesos de modernización y participación en dinámicas propias de la

globalización, pero sin perder su lazos constituyentes con dinámicas socio-culturales y

ecológicas locales. Sin embargo, en una primera aproximación, esta investigación está

identificando una severa ausencia de este tipo de prácticas. Se abren aquí cuatro ejes de

análisis importantes – observados por los actores locales – para una gobernanza más

integral: 1. La descentralización política, la cual contrasta en la actualidad con el

desfase entre la política central y la administración local; 2. La inclusión intercultural, la

cual contrasta con un conflicto histórico con la etnia Mapuche en la zona que se

materializa en diversas formas de exclusión urbana; 3. La capacidad de organización de

los actores locales, los que a menudo se ven inhabilitados por fuerzas y actores externos

a la ciudad; y 4, la valoración que los actores locales le dan al territorio rural y silvestre

en que se emplazan su ciudad como elementos centrales para su sustentabilidad.

Finalmente, este tipo de problemáticas, creemos, debe ser estudiada con un

acercamiento metodológico en que se valore y se ponga en practica el aspecto relacional

de la ciudad. Es principalmente desde la mirada cualitativa de los actores locales del

territorio, complementada con métodos de análisis cuantitativo, desde donde se puede

identificar y comprender de forma más profunda las transformaciones que están

experimentando estas ciudades. A su vez, creemos que es justamente desde esta escala

organizacional, por medio de procesos de gobernanza integral, en donde estas ciudades

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deben generar una hoja de ruta a largo plazo para su transición hacia una mayor

sustentabilidad local.

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¿DE CIUDAD MEDIA A CAPITAL REGIONAL?: EL CASO DE

CHILLÁN Y LA POSIBLE NUEVA REGIÓN DEL ÑUBLE, CHILE

Cristián Henríquez29 Federico Arenas*30

Francisco Maturana*31 Leonel Pérez*32

RESUMEN

En los últimos años ha surgido con fuerza la iniciativa de transformar la provincia del

Ñuble en una nueva región, la Región del Ñuble, en consideración de sus dinámicas y

aspiraciones particulares. La capital sería la principal urbe y capital de la provincia que

corresponde a la ciudad media de Chillán, que articula a una red de centros menores. En

este escenario surgen cuestionamientos del tipo ¿cómo son las actuales dinámicas de

crecimiento de Chillán que sustentarían la creación de una nueva región? ¿Cuáles son

los niveles de influencia de Chillán en su hinterland? ¿Hay factibilidad política para la

nueva Región de Ñuble? ¿Cómo se visualiza el desarrollo de una ciudad media como

ciudad capital de una nueva región?

Palabras claves: geografía urbano-regional, división político-administrativa, desarrollo

regional.

1. INTRODUCCIÓN

Chile es un Estado unitario dividido en la actualidad en 15 regiones político-

administrativas, incluyendo la Región Metropolitana de Santiago, la que no solo incluye

a la capital del país sino que además concentra más del 40% de la población, así como

una parte muy significativa de la actividad económica: más del 48,8% del Producto

Interno Bruto (PIB) regionalizado, al año 2013, según las cifras del Banco Central de

Chile (2015). El proceso de regionalización fue implementado bajo la dictadura militar

29Instituto de Geografía, Pontificia Universidad Católica de Chile. Centro de Desarrollo Urbano Sustentable (CEDEUS) CONICYT/FONDAP/15110020. Vicuña Mackenna 4860, Macul, Región Metropolitana. [email protected] +56223544718 30

Instituto de Geografía, Pontificia Universidad Católica de Chile. Centro de Desarrollo Urbano Sustentable (CEDEUS)

CONICYT/FONDAP/15110020. Proyecto Anillos SOC1106.

* O coautor não apresentou o presente trabalho e não participou do evento. 31

Instituto Chileno de Estudios Municipales, Universidad Autónoma de Chile.

* O coautor não apresentou o presente trabalho e não participou do evento. 32

Universidad de Concepción. Centro de Desarrollo Urbano Sustentable (CEDEUS) CONICYT/FONDAP/15110020.

* O coautor não apresentou o presente trabalho e não participou do evento.

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del General Augusto Pinochet, a través de la Comisión Nacional de Reforma

Administrativa (CONARA) en 1974, aunque las raíces de este proceso pueden

encontrarse en los primeros intentos de regionalización realizados por la Dirección de

Planeamiento del Ministerio de Obras Públicas, en los años cincuenta y más tarde, en la

propuesta de regiones de planificación impulsada por la naciente ODEPLAN (Oficina

de Planificación Nacional) a fines de los años sesenta (ARENAS, 2009). Originalmente

se crearon 12 regiones, más la Región Metropolitana de Santiago, en función de las 25

provincias, que conformaban la estructura político administrativa tradicional del país.

La autoridad máxima de la región es el Intendente Regional (designado hasta ahora por

el Presidente de la República), de la provincia el Gobernador (también designado) y del

municipio el Alcalde, el que es elegido democráticamente.

Las últimas dos nuevas regiones, creadas luego del retorno de la democracia en 1990,

son las regiones de Los Ríos y de Arica Parinacota. Estas debieron pasar por un estudio

de factibilidad que lidera el organismo encargado en el país, que corresponde a la

Subsecretaría de Desarrollo Regional y Administrativo (SUBDERE), del Ministerio de

Interior, la que define una serie de criterios y requisitos para que un territorio se

transforme en una nueva región, provincia y comuna. Dentro de estos se considera

aspectos como jerarquía económica, dimensión geográfica, población, redes, pero por

sobre todo la existencia de una petición basada en un acuerdo social que incluya al

conjunto de la comunidad regional organizada, y en la necesidad de mantener un

equilibrio entre la posible nueva región y la que podríamos denominar “región

residual”, es decir el resto del espacio regional una vez escindido aquel correspondiente

a la nueva unidad político administrativa de nivel regional..

La actual Región del Biobío, está conformada por 54 comunas organizadas en 4

provincias: Concepción, Ñuble, Biobío y Arauco, siendo su capital Concepción, que

junto a otras 10 comunas de la Provincia (Concepción, Coronel, Chiguayante, Hualpén,

Hualqui, Lota, Penco, San Pedro de la Paz y Talcahuano), conforman el Gran

Concepción, tercera metrópoli más importante del país luego de Santiago.

En los últimos años ha surgido con fuerza la iniciativa de transformar la Provincia del

Ñuble en una nueva región, la Región del Ñuble, en consideración de sus dinámicas y

aspiraciones particulares. La capital de esta nueva región sería la ciudad media de

Chillán, principal urbe y capital de la actual provincia homónima, cabecera urbana que

articula a una red de centros menores. Esta ciudad (conurbación de Chillán y Chillán

Viejo) posee una población urbana de 183.972 habitantes de acuerdo a datos no

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oficiales del censo de 2012, que representan al 10% de la población urbana regional y

más del 40% de la población provincial (INE, 2012).

En este escenario surgen los principales cuestionamientos a la mencionada solicitud de

creación de una nueva región: ¿cómo son las actuales dinámicas de crecimiento de

Chillán que sustentarían la creación de una nueva región? ¿Cuáles son los niveles de

influencia de Chillán en su hinterland? ¿Hay factibilidad política para la nueva Región

de Ñuble? ¿Cómo se visualiza el desarrollo de una ciudad media como ciudad capital de

una nueva región?

2. TENDENCIAS Y PROYECCIONES DE LA CIUDAD DE CHILLÁN

El desarrollo reciente de la ciudad media de Chillán ha estado ligado al fuerte

despliegue de actividades económicas importantes para el país y la región,

correspondientes a rubros industriales y servicios, vinculados con actividades agrícolas,

forestales y comerciales que han caracterizado la inserción del país en la globalización

económica y en los flujos de capitales, bienes e informaciones. Esta ciudad ha cumplido

un importante rol de intermediación entre lo local y global, y ha experimentado las

transformaciones consecuentes sobre las estructuras y procesos urbanos, así como sobre

la estructura socioeconómica de su población. En este sentido, en los últimos años la

ciudad ha sido impactadas por fuerzas económicas vinculadas principalmente a las

actividades silvoagrícolas (HENRÍQUEZ, 2014).

La ciudad de Chillán se emplaza en la Región del Biobío, a los 36º 37’ S de latitud y 72º

06’ W de longitud, a una altitud media de 114 m, y pertenece a la comuna de Chillán y

Chillán Viejo33

(Figura 1). Entre 1978 y 2013 la urbanización de Chillán ha aumentado

53,1% (1.783,0 ha), pasando de 1.577,5 ha en 1978 a 3.360,6 ha en 2013, creciendo a

una razón de 50,9 ha por año (HENRÍQUEZ, 2014).

El sistema urbano de Chillán, en el contexto regional, presenta funciones propias de

lugares centrales que satisfacen las demandas de bienes y servicios de los centros

menores del área adyacente en sus respectivas provincias, y también ofrece funciones

específicas para zonas no locales (MARDONES et al., 2001). En términos de jerarquía

urbana, tanto Chillán y como la ciudad de Los Ángeles, ubicada unos 100 km más al

33

Esta comuna se creó por iniciativa del presidente de la República Patricio Aylwin Azócar y se

constituyó como comuna el 29 de diciembre de 1995, a través de la Ley Nº 19.434 (ILUSTRE

MUNICIPALIDAD DE CHILLÁN VIEJO, 2002).

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sur, corresponden a las dos ciudades más importantes en la Región del Biobío luego de

la conurbación Concepción-Talcahuano.

A partir de un estudio sobre la jerarquía funcional de las ciudades de la región, se

estableció que Chillán ocupa el segundo lugar (con 90 funciones) y Los Ángeles, el

tercero (con 84 funciones), a continuación de la conurbación Concepción-Talcahuano,

que ocupa el primer rango jerárquico de la región (con 93 funciones). Estas ciudades,

incluidas en el estrato jerárquico II, desarrollan “absolutamente todas las funciones

presentes en los estratos inferiores, agregando nuevos servicios propios de su nivel:

edición de periódicos, ópticas, agencia de líneas, gobernación, aeropuertos, servicio de

télex y los más variados servicios profesionales y financieros” (MARDONES et al.,

2001: 343).

Pese a que las actividades primarias no son consideradas estrictamente urbanas,

presentan una importancia en la economía regional y también local (MARDONES et al.,

2001). La actividad comercial desarrollada al interior de los mercados centrales de la

ciudad está vinculada principalmente a la transacción de productos agropecuarios

provenientes del hinterland rural contiguo. Se estima que 20 mil personas, en un radio

de 25 km, viajan diariamente a vender o a abastecerse a este polo comercial. Esta

actividad ha generado grandes problemas de congestión vehicular por las deficiencias

en materia de conexión vial. Se estima que la ciudad tiene un parque vehicular de

43.918 y se realizan 296.197 viajes diarios (ÁLVAREZ, 2014).

Su dinamismo también se ve expresado en que empresas de comercio y servicios

asociadas al agronegocio comienzan a tener una gran preponderancia económica en la

actualidad (HENRÍQUEZ et al., 2012).

Un factor que explicaría este dinamismo urbano corresponde al crecimiento

poblacional; en efecto hay una relación directa entre superficie construida y cantidad de

habitantes. Sin embargo entre 1978 y el 2002 la población crece a una tasa levemente

mayor que la superficie urbana, y a partir de este último año se produce un rápido

crecimiento de la superficie urbana, mientras que la población lo hace a tasas menores

(HENRÍQUEZ, 2014). Este patrón de crecimiento sugiere que a principios de la década

de los noventa en el siglo pasado, aproximadamente, se produce un cambio en los

patrones de crecimiento espacial urbano, que alcanza valores sin precedentes en la

historia de la ciudad, lo cual puede ser vinculado con el auge económico experimentado

por el país, especialmente a mediados de esa década. En efecto, el país creció, en

términos de producto interno bruto (PIB), entre 1985 y 1994 a una tasa promedio del

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6,8% (AGOSÍN, 1996), lo que es excepcionalmente elevado, tanto en comparación con

la experiencia anterior, durante la crisis económica internacional de 1981, como la

experiencia posterior, durante la crisis asiática de 1997. Las tendencias observadas

tampoco reflejan claramente los efectos de la crisis financiera mundial de 2008-2009

(HENRÍQUEZ, 2014).

Figura 1. Localización de Chillán en la Región del Biobío

Fuente: Elaboración propia.

En la Tabla 1 se exhiben las tasas de expansión urbana y de crecimiento demográfico

anual. La tasa de expansión urbana se ha mantenido en un nivel muy similar al observar

el período inicial (2,2%) y final (2,5%). En el caso de la tasa demográfica, tiene un

comportamiento muy similar, con una tendencia a la baja como se ha mencionado,

bordeando el 1%. Esta afirmación se refuerza si se observa la evolución de la densidad

de población entre 1978 y 2012, la cual ha retrocedido de 68,8 habitantes por hectárea a

56 hab/ha (HENRÍQUEZ, 2014).

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Tabla 1. Tasas de expansión urbana y demográfica de Chillán

Periodo censal Tasa expansión urbana (%) Tasa de crecimiento

demográfico (%)

1970-1982

1982-1992

1992-2002

2002-2012

2,20

1,88

2,63

2,58

2,73

1,88

1,36

1,03

Fuente: Datos del Instituto Nacional de Estadística (INE) y HENRÍQUEZ (2014).

Si se compara el crecimiento demográfico de Chillán con urbes de tamaño similar u

otras capitales regionales del país, se observa que no tiene una tasa de crecimiento

destacada como, por ejemplo, Puerto Montt o Antofagasta. En efecto, en términos de

jerarquía comparada ha perdido 5 puestos en el rango a partir de 1960 (INE, 1999; INE,

2005). Lo anterior no significa que no sea relevante en la Provincia de Ñuble y que eso

la haga tener un dinamismo polarizante, pero es una ciudad con tendencia regresiva y

sujeta a los vaivenes del mercado, por ejemplo, a la caída de precios de cultivos

tradicionales, la competencia interna y externa, entre otros factores. De todas maneras

es una ciudad que tiene un peso demográfico que bordea al promedio de ciudades

capitales regionales chilenas, sin considerar las tres grandes metrópolis (Santiago,

Valparaíso y Concepción), que asciende a alrededor de 210.000 habitantes (Censo

2012). Su tamaño actual la posicionaría en el lugar 11 del ranking de ciudades capitales,

por sobre Temuco, Copiapó, Valdivia, Punta Arenas y Coyhaique.

Otro vector de desarrollo corresponde a la relación entre el crecimiento urbano y las

tasas de crecimiento de plantaciones, de acuerdo a los datos de los censos agropecuarios

(1976, 1996 y 2007). En términos generales, existe una relación estrecha entre el

crecimiento espacial de la ciudad y el despliegue de usos de suelo ligados a la

explotación de recursos naturales, al interior del territorio provincial. La relación de la

tasa de crecimiento anual de superficie urbana de Chillán (2,13%), para el período

1976-2007, es similar con la tasa de crecimiento anual del rubro hortalizas y flores

(1,93%) en la Provincia del Ñuble. Este rubro se puede vincular a un comercio de

menor escala, orientado a satisfacer las demandas locales. Dentro de las principales

hortalizas se puede mencionar tomates, choclos, espárragos, porotos granados, porotos

verdes, entre otras (HENRÍQUEZ, 2000). Sin embargo, las tasas más altas de

crecimiento anual de superficies plantadas corresponden al sector forestal (5,42%) y

frutícola (4,56%), las que son mucho mayores a las manifestadas por el crecimiento

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urbano. De todas formas, estos dos últimos rubros se pueden considerar como variables

importantes en la explicación de la expansión urbana, especialmente el rubro forestal, ya

que está reflejando no solo una transformación del uso de suelo forestal, sino que

además da cuenta de un fuerte proceso de industrialización, representado por el

emplazamiento de empresas ligadas a la producción de madera y derivados que

dependen del bosque de pino radiata y en menor medida del eucalipto. Este proceso se

puede esgrimir como un factor importante del actual crecimiento urbano de Chillán

(HENRÍQUEZ, 2014) y que se ve reflejado especialmente en el paisaje del secano

costero de la Provincia.

De acuerdo a las transformaciones y tendencias observadas en distintos ámbitos

comerciales y productivos se puede establecer que la ciudad está fuertemente impactada

por la irrupción de nuevos agentes económicos ligados a grandes cadenas comerciales

de capitales nacionales e internacionales (mall, universidades, clínicas, etc.). El

comercio tradicional no obstante, aún mantiene una presencia destacada, espacialmente

a través del Mercado Central, ícono de la ciudad, brindando espacio a actividades

tradicionales (HENRÍQUEZ et al., 2012).

Algunas industrias destacadas en Chillán corresponden a Masisa, Carnes Ñuble, Propa

S.A., Danone, Agrobest, Indaval y Sociedad de Pétreos S.A. Se puede decir que en

Chillán se encuentran partes de circuitos espaciales de producción de algunos

importantes productos asociados a las redes de agronegocio. En la comuna de Chillán

Viejo también existen industrias, aunque de menor nivel económico respecto a la

comuna de Chillán (HENRÍQUEZ et al., 2012).

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3. ÑUBLE REGIÓN, ¿UN TERRITORIO POSIBLE?

Las disparidades entre territorios son un fenómeno que preocupa a diferentes teorías

económicas de organización del espacio (MONCAYO, 2001). A partir de lo anterior, el

bienestar que experimentan estos podría estar asociado a la cantidad de recursos y la

posibilidad de decisión en cuanto al destino de recursos emanados del Estado central

como, por ejemplo, a escala regional los presupuestos en el Fondo Nacional de

Desarrollo Regional (FNDR) o escala comunal los provenientes del Fondo Común

Municipal. Bajo este escenario es que diferentes territorios (a escala diferenciada)

observarían que adquirir un estatus en un nivel de la división política administrativa

(comuna o región, por ejemplo), podría traducirse en mayores beneficios para sus

habitantes dado que al ser parte, junto a otros, de un territorio político administrativo

más grande, los recursos se polarizan y no se garantiza una distribución equitativa entre

los distintos espacios.

Es así como en la Provincia de Ñuble –desde hace bastantes años– se ha expresado el

deseo de independizarse de la Región del Biobío, puesto que sus habitantes perciben un

“olvido” en cuanto a la focalización de recursos y la concentración que estos

experimentarían en la provincia de Concepción. En efecto, estadísticas del Gobierno

Regional del Biobío indican que al menos el 30% de los recursos del FNDR, en los

últimos tres años, han sido ejecutados exclusivamente en dicha provincia, lo anterior

resulta relevante si se considera que existen otras tres provincias en cuestión que

abarcan más del 77% de las comunas de la región. Probablemente la explicación está

dada por la mayor concentración de población en la Provincia de Concepción.

En este contexto es que el año 1997 se constituye el comité “Ñuble Región” que agrupa

a diferentes organizaciones sociales, culturales y comunas que han buscado a lo largo de

los años una independencia regional para la provincia. Esta demanda, asociada a la de

otros territorios, originó que en el año 2003 la SUBDERE desarrollara un estudio

evaluando la posibilidad de crear nuevos espacios regionales. Dos casos fueron

estudiados en esa oportunidad: Arica (vinculada a la actual Región de Arica y

Parinacota), y Valdivia (asociada esta última a la actual Región de Los Ríos), ya que

ambos se habían transformado en peticiones permanentes hacia el Estado central. En

aquella ocasión, para efectos de realizar un cálculo estimado de costo de instalación de

una nueva región en el país, se decidió analizar el caso de Ñuble, como supuesta nueva

región, con el fin de simular un ejercicio de instalación de una nueva unidad político

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administrativa de nivel regional y compararla con los casos de Arica y Valdivia. Entre

las razones de la elección, estuvo el hecho que se buscó un territorio que no tuviese

fuertes reclamaciones o intenciones de transformarse en una nueva región (lo que

claramente fue un diagnóstico equivocado), con el fin de no abrir, desde el Estado

central, un nuevo frente de conflicto. En el mencionado estudio, solo el espacio que

comprendería a la Región de Los Ríos calificaba para constituirse en región, según la

metodología utilizada. En un ranking establecido en el marco de ese estudio, la hasta

entonces hipotética Región de Ñuble, resulta en segundo lugar y, en tercer lugar Arica.

Posteriormente el año 2007 la SUBDERE encarga un nuevo estudio que, finalmente,

respalda la creación de las regiones de Arica y Parinacota y de Los Ríos. Entre tanto, ya

se había instalado la demanda de Ñuble, incluyendo el argumento de que en el estudio

del 2003 dicha provincia presentaba mejor posición relativa para constituirse en región,

que el caso del territorio del extremo norte del país. Muchas de las provincias del Chile

central podrían aparecer por sobre Arica en un análisis comparativo, usando la

metodología del mencionado estudio.

Lo anterior y sumado al ímpetu del comité “Ñuble Región”, originó que en el año 2013

la SUBDERE confeccionará un estudio para analizar la pertinencia de la creación de

una nueva “Región de Ñuble”. Dicho estudio arrojó como resultado que desde un punto

de vista técnico, si bien existían fortalezas que posibilitarían una posible creación del

espacio regional, otras provincias de la región se encontraban igualmente perfiladas para

constituirse en región bajo un escenario teórico. No obstante, desde un punto de vista de

la participación y exigencias de la población, principalmente vinculadas al comité Ñuble

Región que aglutina a personas de todas las comunas de la Provincia de Ñuble, se

observa a partir del trabajo de encuestas llevado a cabo en dicho estudio, que un 88,2%

de los habitantes de las comunas que componen la provincia se mostraban muy

favorables o favorables a la creación de la región y el 84,29% indicaba que la calidad de

vida en caso de crearse una Región de Ñuble mejoraría (SUBDERE, 2014).

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3.1 Chillán como centro articulador de la Provincia del Ñuble

La Provincia de Ñuble, está compuesta por 21 comunas y según el último censo oficial

disponible (2002) contaba con una población de 438.103 habitantes. La distribución de

la población es bastante desigual, en efecto, al observar la Figura 2 queda de manifiesto

que la conurbación Chillán-Chillán Viejo, concentra un 42,2% de la población

provincial, lo cual evidencia la polarización en el espacio, puesto que la segunda

comuna que le sigue –San Carlos– posee solo un 11,5% y posteriormente el resto de la

población se distribuye de manera bastante homogénea no superando el 5% de la

población total provincial en cada espacio comunal.

La estadística recién indicada se vincula directamente con las interacciones de

movilidad trabajo-estudio que se efectúan en el territorio. Así al observar los saldos, se

aprecia que el 65% de las comunas presenta saldos negativos, expulsando población

hacia comunas de mayor jerarquía. A la inversa, Chillán destaca con la mayor

atractividad bordeando el 28%, es decir, es el polo de máxima atracción de la provincia.

Al calcular la centralidad weighted degree con el software Pajek y plasmar dichos

valores en un carta con círculos proporcionales, se observa como la comuna de Chillán

se constituye en las más central de toda la provincia, seguida de San Carlos, Coihueco y

Bulnes (ver Figura 3). Lo anterior expresa que la centralidad de estas comunas estaría

relacionada a la cantidad de población que poseen y a su localización geográfica, las

que salvo Coihueco, se sitúan en la depresión intermedia del territorio en torno a la ruta

5, eje principal que conecta al país.

En términos de interacción, la misma figura expresa que los mayores vínculos se

establecen entre Chillán y diferentes comunas. Además para tales comunas, respecto a

la totalidad de sus flujos enviados, la proporción que interactúa con Chillán es

notoriamente predominante. Por ejemplo el 80,6% de los flujos de salida (respecto al

total) desde San Carlos se dirigen hacia Chillán, Coihueco-Chillán (84,6%), San Ignacio

y San Nicolás con Chillán (76,1% y 79,8% respectivamente). Lo anterior, denota la

fuerte dominación de la capital provincial respecto a las otras comunas.

Figura 2. Población de las comunas de la Provincia de Ñuble

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100

Fuente: Elaboración propia a partir de INE (2002).

Figura 3. Centralidad de weighted y magnitud de interacciones en la Provincia del Ñuble

Fuente: Elaboración propia a partir de INE (2002).

Así, apoyados por el resultado expresado en la Figura 4, se concluye que desde un punto

de vista de la interacción que generan las comunas, existiría un patrón espacial asociado

a la distancia entre estas, donde en un principio, se podría establecer que la interacción

comunal disminuye a medida que aumenta su distancia geográfica. No obstante, el

conglomerado Chillán-Chillán Viejo, se constituye en una sola gran unidad, que

polariza el espacio y no obedece a esta regla, lo anterior se fundamenta en que Chillán

aparece como una unidad aislada jerárquicamente por sobre el resto de las comunas y

vinculada con ellas de manera diferenciada. En efecto, el dendograma presente en la

Figura 4, expone el índice de disimilitud, el cual permite observar qué comunas están

interactuando de manera similar tanto en su conexión como en las magnitudes. Se

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constituyen cinco conglomerados de interacción, destacándose el conglomerado 4, en el

que las comunas de Bulnes, Coihueco y San Carlos realizan una interacción similar,

asociada principalmente hacia Chillán. Por otro lado, la agrupación 2, compuesta por

comunas localizadas al sur de Chillán, cuya conexión si bien es hacia este espacio, es de

menor envergadura que las mencionadas anteriormente en el conglomerado 4. La misma

situación se desprende para el grupo de comunas 3, cuya localización es contigua a la

capital provincial tanto al oeste como al este. Lo anterior expresa y refuerza la idea de

polarización que realiza esta comuna y como, en cierta medida, las comunas localizadas

en el secano costero se encuentran “desconectadas” de la capital provincial.

Desde un punto de vista migratorio y analizando la atractividad que las comunas de la

provincia han desarrollado entre 1982 y 2002, se observó que solo 5 comunas presentan

saldos positivos de población (Figura 5). Chillán se alza como la segunda comuna con

mayor atractividad bordeando el 15%, considerando además que en términos de la

magnitud de la atracción de población, supera con creces al resto de las comunas.

Adicionalmente, el gráfico deja de manifiesto la situación compleja de algunas comunas

de la provincia, en términos de su posicionamiento ya que aproximadamente el 50% de

ellas presenta una atractividad negativa, superior al 10%, inclusive algunas sobre el

25%, destacando los casos Ninhue, Cobquecura y el Carmen. Cabe señalar que los

casos de Ñiquén y Trehuaco son bastante llamativos ya que su alta atracción está

explicada por el periodo 1977-1982, donde posiblemente la actividad forestal pudo tener

un rol en ese dinamismo, aunque se debe considerar que si bien dicha variación es

porcentualmente importante, en términos de magnitud ella es despreciable para el

análisis.

A la luz de los antecedentes expuestos, se puede concluir que la Provincia de Ñuble es

un territorio altamente polarizado. Posiblemente en algunas comunas rurales con

vocación hacia cultivos tradicionales (los cuales han presentado una crisis desde hace ya

bastantes años) han contribuido a una desvalorización de esos espacios, generando

procesos de expulsión de población y baja actividad económica. Lo anterior potenciado

por la baja población existente y una industria forestal de monocultivo de bajo valor

agregado y empleo de mano de obra.

Figura 4. Dendograma de equivalencia estructural de las comunas de la Provincia de Ñuble

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Fuente: Elaboración propia a partir de INE (2002).

Este escenario, que no es ajeno a otros sistemas a escala regional, como por ejemplo el

caso de la Araucanía con la polarización de Temuco (MATURANA; VIAL; POBLETE,

2012), hace reflexionar acerca de la pertinencia de crear un nuevo espacio regional.

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Figura 5. Atractividad migratoria (%) entre 1982 y 2002 comunas de la Provincia de Ñuble

Fuente: Elaboración propia a partir de INE (1982, 1992 y 2002).

Desde el punto de vista físico natural, es posible encontrar espacios bastantes

homogéneos en la configuración regional expresada por la ODEPLAN en polos de

desarrollo, apoyada por lo realizado posteriormente por CONARA, con una coherencia

bastante clara en el uso del espacio desde un punto de vista económico y natural, y que

en muchos casos incluso es válida hasta nuestros días. La idea de precariedad expresada

por los habitantes de algunos territorios, sumada a una noción de “identidad” haría

surgir ciertos movimientos “regionalistas” (guardando la proporción) que demandan

“autonomía” bajo la exigencia de poder acceder a más recursos y con mayor capacidad

de decisión de inversión de estos.

Bajo ese escenario, la Provincia de Ñuble se encontraría en una situación discutible para

ser región. Quizás el primer aspecto es que, en la actualidad, no existe un polo urbano

que pueda compensar el rol que ejerce Chillán. Por lo tanto, dadas las dinámicas

espaciales actuales y la tendencia expresada por el sistema, sugerirían que la

distribución de población no solo se mantenga bastante similar a la ya desarrollada, sino

que las disparidades sean acrecentadas y que una nueva región reforzaría el rol de

Chillán, con impactos posiblemente nocivos para las otras comunas, más allá que

posiblemente en términos globales, el territorio de la nueva región pueda efectivamente

ver aumentados sus recursos. El nuevo espacio regional estaría altamente polarizado y

existiría una fuerte dependencia respecto de la capital provincial actual, en lo que podría

definirse como nuevas formas de centralismo intra-regional.

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Este aspecto resulta fundamental en el debate, ya que la idea de regionalización iría

asociada a un imaginario que se traduce en un directo aumento de recursos, basado en

que en la actualidad en el espacio regional del Biobío no se ha podido entregar señales

de una distribución equilibrada de las inversiones. Aquí es cuando en el imaginario de

las comunas de la Provincia de Ñuble emerge la idea de independencia y, si bien Chillán

podría polarizar aún más el espacio, la situación no sería peor que la que actualmente

existe en dicho espacio.

Así Chillán sería el polo concentrador de bienes y servicios, de poder político, de

servicios culturales y de toda la gama de actividades que exijan alguna economía de

escala o una mayor especialización, escenario bajo el cual el destino de las otras

comunas no estaría del todo claro.

3.2 Factibilidad para una nueva Región

Hay dos estudios realizados por la SUBDERE (2003 y 2013) que han evaluado creación

de una región para el espacio provincial en Ñuble. Desde un punto de vista técnico,

ambos estudios han determinado que sus posibilidades no serían del todo destacables,

pese a que si se considera y comprende (especialmente en el estudio de 2013), que se

trata de una unidad tanto natural como humana, que se diferencia del resto del espacio

de la Región del Biobío. En efecto, en términos naturales principalmente expresados por

la cuenca del Itata, existe un espacio que se concibe bastante homogéneo, más allá de

las unidades ambientales que se extienden tanto al norte como al sur de la Provincia de

Ñuble.

No obstante esta diferenciación, la coherencia natural es solo un factor y existen otros

elementos asociados a la cantidad de población, el capital humano disponible, la

superficie productivas en términos agrícolas y forestales, la conexión marítima, la

conectividad vial, actividades económicas tanto urbanas como rurales, infraestructura,

entre otros, que son elementos a considerar para la pertinencia de crear un nuevo

espacio regional y que fueron analizados en los estudios anteriormente indicados y cuyo

resultado es que la provincia no calificaba del todo para constituirse en una nueva

región.

Sin embargo, otro aspecto que debe ser considerado es la identidad del territorio y el

deseo de sus habitantes. Respecto a esto ya se indicó la alta aprobación hacia la

conformación de una región por parte de los habitantes que componen el espacio

provincial, pero aún así cabe una reflexión: ¿es necesario crear una región para

distribuir de mejor manera los recursos y focalizar el gasto? ¿Es necesario crear un

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nuevo territorio para descentralizar las decisiones? Sin duda no. En la actualidad,

Francia debate sobre fusionar regiones, más que crear nuevos espacios y la asamblea de

este país acaba de aprobar la creación de 13 regiones reduciendo las 22 que existían

(GOBIERNO DE FRANCIA, 2015).

En consecuencia, para muchos de los desafíos que se mencionan, el foco no sería la

creación de nuevos espacios sino que avances en una descentralización fiscal y política,

vinculados a un aumento de los recursos y programas específicos, que contribuyan al

mayor bienestar de territorios rezagados, en los que sienten que el progreso y los

recursos están polarizados. En esta línea, si bien las reivindicaciones identitarias pueden

ser relevantes para la población de la Provincia de Ñuble, la identidad particular de

diferentes territorios en Chile es bastante limitada, existe una homogeneidad en

términos de idioma, costumbres y antepasados, lo que implica que salvo las excepciones

producto de la presencia de población indígena, no existen grandes diferencias en

términos identitarios. Lo anterior, se expresa en el éxito de la temprana construcción del

Estado Nacional (ROJAS, 2013; VALENZUELA, 1999). Finalmente, cabe considerar

que la sola existencia de un sentimiento identitario no es suficiente para construir un

regionalismo consistente y, que es necesario considerar la existencia profunda de una

base material, la coyuntura histórica (nivel de desarrollo relativo del Estado nacional),

entre otros (ROJAS, 2013).

Sin embargo, más allá de lo anterior el desarrollo actual de la provincia plantearía

desafíos importantes al constituirse en una teórica nueva región. Las comunas que

componen el secano costero presentan una notable decadencia, aspecto que queda

reflejado tanto en su cantidad de población como en su pérdida por migración hacia

otros territorios más dinámicos. Del mismo modo, las comunas localizadas en el sector

cordillerano, y a pesar del desarrollo turístico importante de la comuna de Pinto, no

presentan un dinamismo relevante, lo cual ha reforzado el rol de Chillán como centro

articulador.

En consecuencia, si este es el desafío en términos estratégicos y prospectivos, se

requeriría de un proyecto de región distinto a lo hasta ahora conocido, sólidamente

constituido y con una estrategia de apoyo sostenido desde el Estado central, si es que el

objetivo es generar un espacio viable, cohesionado, con mejores niveles de bienestar y

oportunidades y en el que estas se puedan irradiar a los diferentes territorios de la nueva

unidad político administrativa.

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4. CONCLUSIONES. DESAFÍOS POLÍTICO-INSTITUCIONALES PARA LA

CIUDAD Y LA REGIÓN

Si bien en Chile se han desarrollado estudios que contribuyen a la toma de decisiones en

cuanto a segmentar el espacio y constituir una nueva región, en la práctica la decisión ha

estado asociada más bien a aspectos políticos, donde la negociación y los juegos de

interés cobran importancia, dejando los aspectos técnicos relegados a un segundo plano.

En la actualidad, constituirse en región (para la Provincia de Ñuble o cualquier otro

territorio), no es garantía de mayor bienestar, incluso si en términos globales la nueva

unidad político administrativa consigue un aumento de recursos (lo que tampoco está

garantizado ya que los fondos transferidos desde el Estado central serán los mismos,

solo que ahora deberán dividirse en una unidad más por la creación de una nueva

región). El desafío de una correcta asignación de los recursos en una nueva unidad

político-administrativa y de la existencia de capacidad técnica y humana para su uso

eficiente, no se resuelve por la sola creación de una nueva región.

No obstante, si la nueva región fuera creada como un proyecto de largo plazo,

planificado para generar innovación y desarrollo, con incentivos para contratación de

capital humano, inversión de infraestructura, entre otros, de podría avanzar en dirección

a un mayor bienestar de los habitantes de las distintas comunas que componen el

territorio de la posible nueva Región de Ñuble. El problema radica en que dichas

acciones tengan viabilidad y su ejecución los resultados adecuados, dado que la realidad

demuestra que aplicando el mismo esquema existente para la creación de nuevas

unidades político administrativas de nivel regional, se han conseguido escasos

resultados.

Lo que sí podría ocurrir con toda seguridad, es que Chillán se vería potenciada en

cuanto a su rol como centro de control político y económico de nueva región y, sin

duda, sería la comuna que contaría con un aumento sustancial de recursos y poder en el

nuevo espacio regional, generando lo que se denomina un nuevo centralismo intra-

regional. En este sentido también se vería beneficiada la comuna de Chillán Viejo.

Por otro lado, de acuerdo a los resultados analizados la nueva región carecería de un

segundo centro urbano que contrapese la jerarquía de Chillán, en este sentido se podría

pensar en incluir a la ciudad de Parral y su hinterland lo cual le daría una mayor solidez

a la propuesta, pero abriría otros cuestionamientos respecto al fraccionamiento de la

Región del Maule. Sin embargo, los estudios de factibilidad SUBDERE no han

considerado esta posibilidad, centrándose solo en la Provincia de Ñuble. Además, ante

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ese escenario, la modificación se efectuaría en dos espacios regionales, lo cual

complejiza cualquier tipo de decisión, teniendo en consideración que finalmente habría

que reconfigurar dos regiones, lo cual no parece sencillo en términos políticos, teniendo

en consideración que en algún momento también se habló de la creación de la una

nueva región en Maule sur.

La Comisión de la Política Nacional de Desarrollo Urbano, ha abierto el debate al

proponer ideas sobre una posible configuración regional de espacios metropolitanos,

donde la Provincia de Arauco pasaría a ser parte de la Región de La Araucanía, la

Provincia de Concepción un “espacio regional metropolitano” y el remanente de la

actual Región del Biobío, constituirse como una nueva región. Dada la experiencia

chilena en materia de creación de nuevas regiones, la viabilidad de un ajuste que

implique a más de un espacio regional se ve limitada.

Finalmente, a partir de lo planteado en este trabajo, la pregunta esencial asociada a la

creación de una nueva unidad político-administrativa de nivel regional, esto es, por qué

y para qué queremos crear una nueva región, está todavía por responder en el caso de la

provincia de Ñuble.

AGRADECIMIENTOS

Se agradece el financiamiento del Proyecto FONDECYT N°1130305.

Se agradece los aportes emanados del estudio para la SUBDERE titulado “Línea Base,

Consideraciones y Propuestas Técnicas para Determinar Pertinencia de Creación de

Nueva Región de Ñuble”. Francisco Maturana y Leonel Pérez participaron en su

confección.

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ENTRE O PÚBLICO E O PRIVADO: A PRAÇA COMO

EXPRESSÃO DAS RELAÇÕES SOCIOESPACIAIS

Sâmara Iris de Lima Santos34

Resumo: A cidade de Campina Grande nos últimos anos passou a presenciar índices

acentuados de violência, que ao se materializarem em seu espaço urbano, contribuíram

com novas práticas socioespaciais, a exemplo da redução do uso de seus espaços

decorrente da sensação de insegurança produzida pelo aumento de ações de violência.

Diante do quadro ora apresentado, o trabalho propõe apresentar resultados evidenciados

a partir de pesquisas científicas desenvolvidas nos três últimos anos na cidade. Com o

aporte metodológico da pesquisa qualiquantitativa, buscou- se compreender a relação

entre o público e o privado em dois espaços públicos (Praça da Bandeira e Clementino

Procópio), localizadas no Centro de Campina Grande. À guisa de conclusão, foi

possível perceber que o fenômeno da violência urbana, tem colaborado no aumento das

tensões entre o público e o privado nos espaços públicos, além da propagação de novas

apropriações e usos por parte dos habitantes da cidade.

Palavras-chave: violência, práticas socioespaciais, espaços públicos.

INTRODUÇÃO

As cidades médias e pequenas têm presenciado na atualidade mudanças

significativas nos processos de produção de seus espaços urbanos. Tais ações passaram

a contribuir para o aparecimento de fenômenos complexos que em tempos anteriores

não possuíam tanta expressividade e eram mais próximos da realidade de espaços

urbanos maiores. Problemas como mobilidade e violência urbana, começaram a fazer

parte do cotidiano de forma expressiva, fomentando mudanças significativas no uso e

apropriação dos espaços da cidade, a exemplo das praças. Assim, o direito à cidade é

cada vez mais colocado em debate e tem se tornado pauta importante para os que

pensam as cidades.

Logo, depois do período pós- revolução industrial, o espaço urbano começou a

englobar novos “modos de vida” e de “produção do espaço” que atingiram as

sociedades em diferentes tempos. O capitalismo, não apenas penetrou nas metrópoles,

34

Mestranda em Geografia pela Universidade Federal da Paraíba – UFPB, Grupo de pesquisas- Gurb

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mas atingiu os espaços urbanos menores, levando- as a interagir em múltiplas escalas,

para além do local à global, reproduzindo as desigualdades e segregações no ambiente

urbano. A autora Spósito (2013), aborda a partir da perspectiva econômica, que as

iniciativas contemporâneas de desenvolvimento do capitalismo, que já penetravam nas

lógicas espaciais das metrópoles, também têm atuado nessas cidades de menor porte,

aumentando a participação na divisão interurbana do trabalho.

Desse modo, verifica- se que apesar de não possuírem os mesmos arcabouços de

cidades metropolitanas, esses espaços urbanos “médios” apresentam, mesmo que em

menor escala, mudanças importantes que acabam favorecendo desigualdades

socioespaciais que nem sempre são combatidas de forma efetiva, acarretando o aumento

de problemas, que podem interferir na dinâmica urbana dos habitantes com o espaço. A

autora Spósito (2013, p.53), ao realizar pesquisas em cidades médias, abordou que em

algumas, a “modernização advinda de grandes capitais e novos empreendimentos, não

tem favorecido a equidade territorial, ampliando as desigualdades espaciais em

decorrência das dinâmicas de segregação socioespacial”.

O espaço urbano, tem se tornado objeto do mercado territorial capitalista, que

passa a vender os espaços com melhores equipamentos urbanos para parcelas da

sociedade. Assim, o habitante da cidade, possui o valor de sua localização no território

estando ciente de que o lugar em que habita poderá ou não trazer os bens e serviços que

são devidos. Além disso, esse mercado capitalista ao atuar sobre a cidade passa a

homogeneizar os espaços públicos ao pensar o espaço enquanto mercadoria, como

“valor de troca”, trata-o sem levar em consideração as realidades do ambiente vivido

“uso”. A autora Ana Fani Carlos (1994, p. 60), realiza uma análise a partir de Henri

Lefebvre sobre a produção do espaço urbano, em que o “espaço tornado mercadoria sob

a lógica do capital fez com que o uso (realização da vida) fosse redefinido pelo valor de

troca, transformando toda produção em mercadoria”.

É diante dessa nova realidade das cidades enquanto mercadoria que podem ser

verificados os processos de homogeneização e fragmentação dos espaços públicos,

transformando- os em espaços privados em determinados momentos. A virtualidade

fruto do processo capitalista contribui para acentuar as relações de apropriação e uso

nesses espaços públicos, inclusive em cidades médias.

A violência urbana tende a contribuir em ações de privatização quanto ao uso e

acesso dos espaços públicos. Tanto pelo mercado territorial, ao utilizar ferramentas de

venda e transformação dos espaços, além das próprias relações socioespaciais resultados

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desse fenômeno, onde o medo atua como principal fator inibidor para a circulação e

acesso livre no ambiente público. Tal realidade deixa de ser exclusiva dos grandes

centros urbanos e passa na atualidade, a ser perceptível em cidades menores, como é o

caso de Campina Grande – PB.

Apesar de ser uma cidade interiorana e possuir população de 385. 213

habitantes conforme o IBGE (2010), tem apresentado nos últimos anos acentuados

percentuais quanto ao aumento da violência urbana. Essa nova realidade, pode ser

constatada através de pesquisas realizadas anteriormente (SANTOS, 2010, 2011, 2012,

2013), onde se observou números expressivos de crimes especialmente no Centro da

cidade, bairro que concentra espaços públicos importantes para o contexto urbano de

Campina Grande. Desse modo, a violência passou a comprometer em determinados

momentos o fomento das práticas socioterritoriais em ambientes de acesso e uso

público, acentuando a dialética entre valores de uso x valores de troca e produção x

apropriação, assim como a relação entre público e privado, que se tornam bem

evidenciadas nas praças.

Foi com base nesse quadro de referências que houve a proposta para se debater

a relação entre o público e o privado em espaços públicos, tendo como foco de análise

as Praças da Bandeira e Clementino Procópio, localizadas no Centro de Campina

Grande- PB. O presente artigo se configura como resultado de pesquisas realizadas na

cidade, apresentando- se como um esforço inicial para uma análise que é

demasiadamente aprofundada, tendo em vista a complexidade dos conceitos de público

e privado na contemporaneidade. Logo, houve a busca por uma metodologia

qualiquantitativa (coleta de Dados Oficiais junto à Delegacia de Polícia Civil, além da

realização de entrevista com grupo focal, a fim de obter a análise do discurso de

diferentes segmentos da sociedade civil).

Portanto, o trabalho ora apresentando tenta realizar um resgate a partir da relação

dos conceitos sobre os espaços públicos e privados, apresentando como foco de analise

a atual situação desses ambientes, especialmente as praças localizadas no Centro, pois

configuram- se como importantes espaços não apenas históricos, mas que expressam

realidades cotidianas de identidade e direito à cidade.

1. UMA PROPOSTA DE ANÁLISE ENTRE O ESPAÇO PÚBLICO E O

PRIVADO A PARTIR DA PRAÇA.

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O debate sobre o direito à cidade emerge, como um tema presente em diversas

escalas da sociedade. No âmbito da gestão municipal, o planejamento reaparece como

alternativa para se pensar o ordenamento territorial de forma a reduzir as consequências

dos problemas evidenciados nas cidades, entre eles a fragmentação do espaço devido

aos processos segregacionistas. No âmbito social, ONGs e setores da sociedade civil

organizada passam a incluir a questão urbana como tema de redução das desigualdades

sociais e promoção da qualidade de vida. Nesse contexto, os espaços públicos são

evidenciados como ambientes no qual os interesses desses diferentes segmentos passam

a convergir resultando em embates sobre o futuro desses ambientes e dos valores de uso

e troca, conforme já evidenciado por Lefebvre (1999) e detalhado por Carlos (2007, p.

23).

“a reprodução capitalista, ultrapassando os limites da produção stricto sensu,

integrou a cidade histórica e incorporou os espaços desocupados à troca, isto

é, tornou os espaços intercambiáveis através do desenvolvimento do mercado

do solo urbano”.

Essa realidade acaba ultrapassando os limites da cidade como um todo e passa

a adentrar nos espaços públicos favorecendo a privatização de tudo aquilo que é

contrário a “ordem” instaurada pelo mercado sob o aval do Estado-gestor. Logo, o

espaço público passa a transitar entre o público e o privado, pois muitos espaços deixam

de ter a conotação de “público” que seria o espaço destinado a liberdade de uso, porém

transformam- se diante da lógica capitalista em espaços privados, com restrições e

remodelações estruturais. Segundo Carlos (1994, p. 60), a “produção como definidora

da sociedade, realiza- se socialmente”, mas sua apropriação de acordo com a autora é

privada, uma vez que o acesso aos lugares ao serem dominados pelo mercado,

aprofunda as desigualdades socioespaciais vigorando assim, a lógica de uso sobre o

valor de troca.

A esfera pública segundo o pensamento de Arendt (2007) na Grécia Antiga,

dizia respeito à liberdade da palavra e da ação atrelada ao uso desses espaços públicos

(Ágora na Pólis grega), porquanto, nessa época, os espaços públicos serviam para o

debate político, contribuindo no fortalecimento dos usos desses ambientes em

decorrência da liberdade pública, de participação democrática dos habitantes. Diante

desse quadro de referência, é necessário compreender que esses espaços públicos

serviam como locais onde as trocas tanto materiais (compra e venda de mercadorias)

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quanto as relações sociais eram realizadas. Além disso, a Ágora era localizada na área

central da Cidade- Estado grega e simbolizava a cultura e democracia.

Para Fischer e Moll (2000), que utilizam algumas das concepções de H.

Arendt, o público corresponde ao espaço de uso comum uma vez que, por natureza, o

mesmo deve ser compartilhado com os outros, não sendo assim, propriedade particular

nem do Estado nem dos indivíduos, mas o ambiente.

Nesse contexto, compreendemos o espaço público como o ambiente onde as

relações, além de valorizarem a participação coletiva e igualitária, valorizam também o

uso como elemento básico de apropriação espacial. Quando as relações se articulam de

forma contrária a isto (o individualismo coletivo ou não e as trocas em detrimento do

uso), mesmo em ambientes públicos, os espaços deixam de ser públicos e passam a ser

privados de ordem pública, ou semipúblicos, ou ainda espaços restritos de uso coletivo.

Tais dualismos nos remetem à necessidade de ‘rompermos os grilhões’ que ao longo do

tempo têm dificultado a real apreensão das demandas evidenciadas no processo de

organização espacial, em especial no que diz respeito ao processo da estruturação

representada pela atuação dos atores sociais (SOUZA JÚNIOR, 2008).

Para uma melhor compreensão dos argumentos apresentados, mencionaremos a

praça, como exemplo, descrevendo o seguinte cotidiano hipotético: durante o dia várias

pessoas utilizam-na como via de circulação; outras para negociar e outras como lazer. Já

no período noturno, o uso desta passaria a ser feito prioritariamente por segmentos da

sociedade que impõem novas territorialidades, a exemplo de traficantes; prostitutas,

moradores de rua etc. Ao compreender a praça como espaço público se torna um

“equívoco” na medida em que o uso da mesma acaba sendo condicionado por diversos

fatores inerentes a diversas relações e interesses sociais. Para as pessoas que a utilizam

como espaço de circulação (via de acesso), a praça, ou o que esta pode fornecer em

termos de atratividade, é bem menos importante do que para outras pessoas que se

habituaram a utilizá-la diariamente como lazer. Para pessoas que comercializam nesse

espaço, o mesmo adquire um valor de troca, e não de uso uma vez que não se encontram

preocupados (ou em condições) de utilizá-la como espaço de lazer.

Por sua vez, as profissionais do sexo, os traficantes e os moradores de rua, são

inibidos a utilizarem a praça durante o dia, tanto pelo poder público como pela

sociedade, de um modo geral. Já durante a noite, passam a condicionar às

territorialidades de acesso a mesma, uma vez que a maioria das pessoas, seja por medo

ou preconceito deixam de frequentá-la neste período. No caso desses grupos se

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115

disporem ao uso desse espaço também durante o dia, passam a receber pressões bem

mais significativas por parte de outros segmentos, especialmente no que se refere à

disputa de poder pelo território.

Assim, embora esta praça tenha sido criada pelo poder público municipal, para

fins de uso público e coletivo, esta acaba tendo o seu uso condicionado a um

determinado segmento da sociedade, o qual é responsável pela criação de

territorialidades voltadas para o condicionamento do uso da mesma. Dessa forma,

embora na aparência seja de fato um espaço público, o mesmo passa a ser restrito ou

privativo a alguns grupos que coordenam o uso e as territorialidades nesse espaço. Em

outras palavras, não basta o ambiente ser compreendido como espaço público se as

relações sociais não propiciam condições para o seu uso coletivo. Não é apenas a forma

que dá o significado ao objeto, mas também a função do mesmo enquanto valor de uso.

A grande dificuldade de tal constatação encontra-se relacionada ao fato de que isto

ocorre simultaneamente, o que faz com que o real conceito de público e privado esteja

direcionado as próprias intencionalidades, usos e relações socioespaciais.

Outro aspecto importante, diz respeito à questão da identidade criada com o

ambiente. Nas últimas décadas, várias cidades vêm construindo ou restaurando espaços

de uso público, como é o caso das áreas destinadas para festejos ou de espaços

recuperados para o uso cultural e de lazer, a exemplo dos centros culturais e

revitalizações dos centros históricos. Até mesmo estes espaços passam a ter a sua

classificação de público colocada em xeque uma vez que não se tornam acessíveis a

todos os segmentos sociais. Conforme as palavras de Souza (2013, p.134) “o que a

gentrificação sempre ocasiona, lá como cá, é o deslocamento mais ou menos forçado de

pessoas, via de regra pobres – ou seja, (re)colocando em marcha, em alguma medida, a

segregação”.

A expropriação temporal do uso dos espaços públicos por diversos segmentos

sociais são igualmente reflexo de práticas territoriais prejudiciais tanto ao indivíduo

como ao patrimônio, representadas através do discurso do medo e da sensação de

insegurança.

Questões como a análise do processo de espoliação urbana, decorrente

principalmente da luta por diversos segmentos da sociedade por melhoria nas condições

de sobrevivência na cidade (KOWARICK, 2000), assim como as relacionadas ao

próprio processo de segregação e fragmentação urbana, ficam difíceis de serem

analisadas sem a observação das intencionalidades por parte dos sujeitos sociais

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116

responsáveis pela dinâmica espacial, especialmente no que diz respeito às práticas de

produção e apropriação dos espaços públicos.

Diante disso a noção de público condiciona-se não apenas aos valores

delegados ao espaço para suas finalidades de uso, mas as próprias condições de

infraestrutura e reprodução de valores dados ao espaço, condicionando o seus usos por

parte da sociedade. Tem-se, assim, a noção de público relacionada ao imaginário social

cujo valor de uso e troca condiciona os momentos em que tais significados expressam a

ambiência urbana por parte da população residente e, principalmente, da população que

utilizam- no ou vivenciam temporalmente o cotidiano desses espaços.

O espaço público é, portanto, o lugar de reprodução de identidades e uso,

acesso e circulação livre. Esse espaço público, conforme menciona Loboda (2008), é tão

antigo quanto à cidade, sendo o espaço da identidade e do reconhecimento por meio de

referenciais comuns, que proporcionam a identificação, o diálogo e principalmente, a

ação da coletividade. Entretanto, o ideal moderno baseado no urbanismo, tem

transformado o espaço público, não acarretando sua “morte”, mas sua reconfiguração,

aproximando- o em alguns casos da esfera privada e reconfigurando a sua existência

enquanto facilitador de acesso livre para a sociedade como um todo.

A própria fragmentação da cidade, passou a adentrar inclusive em espaços de

uso e acesso coletivo, criando espaços homogeneizados destinados a determinados

grupos da sociedade civil. Conforme observado no exemplo anterior acerca dos

múltiplos usos da praça na promoção de territorialidades simultâneas, e no espaço

público onde existem as trocas de práticas socioterritoriais entre os indivíduos e onde

podem se fomentar práticas socioespaciais com maior intensidade. Todavia, esse espaço

público que é importante elemento no contexto urbano, passou a ser palco de novas

ações e interferências que acabam afastando a real conotação de espaço destinado ao

lazer e acesso livre. Ao mesmo tempo apresenta-se como um importante reduto das

estratégias governamentais de promoção à saúde e assistencialismo social.

Outra perspectiva quanto à produção de espaços públicos corresponde ao fato

de que na atualidade o mesmo aparece como resultado da fragmentação do espaço

urbano associado ao poder territorial que emana de alguns segmentos da sociedade.

Assim, surgem novos produtos urbanísticos privados chamados de pseudo- públicos ou

semi- públicos (shopping centers, galerias etc).

Esse novo ideal moderno tem transformado o espaço público e colocado à

dominação privada, através de ações políticas do poder público publico e elites na

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117

produção dos espaços segundo estruturas lógicas mercadológicas. Em meio ao dilema

dos vários problemas evidenciados nesses espaços urbanos, a violência surge como

mais um fenômeno complexo, que atenua as diferenças na cidade como um todo, pois,

apesar de afetar uma parcela do solo urbano, passa a interferir no uso e reprodução de

práticas socioespaciais e socioterritoriais dos indivíduos, distanciando a cidade e a

produção da identidade urbana.

Por outro lado, a esfera privada passou a delinear cada vez mais o espaço

público. O privado tende a destituir coisas essenciais a vida, como o conhecer e integrar

socialmente os outros a convivência, ou seja, “a privação da privatividade, que reside na

ausência de outros; para estes, o homem privado não se dá a conhecer, e portanto é

como se não existisse” (ARENDT, 2007, p. 33). Logo, a esfera pública contemporânea

tem sido cada vez mais caracterizada como privada na sociedade atual, principalmente

em decorrência do mercado territorial. Com os entraves provocados pela violência

nesses ambientes, a população passou a sentir-se acuada ante as diferenças evidenciadas

e a violência constatada no ambiente urbano.

Além da criação de locais fechados destinados a determinados tipos de grupos,

os espaços abertos da cidade são cercados de segurança e arcabouços que atenuam o

afastamento do restante dos habitantes. Não que a violência seja um fator importante

para medidas punitivas nos espaços públicos da cidade, porém o que deve existir são

medidas preventivas que assegurem a segurança e o lazer, a identidade, experiência e

vivencia com o espaço.

Segundo Pedrazzini (2006), o mundo globalizado traz um novo paradigma

urbano – a fragmentação. Os espaços públicos tendem à privatização ou demolição para

atender às exigências de segurança. Desse modo, surgem espaços “seguros” que

distanciam o inimigo aparente, que em geral são os jovens da periferia. O urbanismo do

medo tem modificado também as práticas de consumo, trazendo o global para a esfera

local, através de projetos homogêneos cercados de segurança. Logo, apresentam-se para

a sociedade como espaços do desejo, sendo indicadores de modernização para aqueles

que podem possuir e usufruir de seus objetos.

O que aparentemente seguro e favorável para alguns habitantes da cidade,

apresenta no obscuro das decisões, o caos e a desordem para os demais, fato este que

influencia no distanciamento entre as intencionalidades (e valores) de uso dos espaços

públicos da cidade. Conforme Pedrazzini (2006, p. 118), o desaparecimento dos espaços

públicos em benefício dos espaços “semipúblicos” protegidos, como os shoppings,

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118

responde igualmente a uma exigência popular. A degradação material dos espaços

públicos, atribuída a atos de vandalismo, leva os usuários a depreciarem esses locais de

sociabilidade.

A segregação urbana deixou de ser exclusiva dos bairros e passou a adentrar

nesses espaços. Os projetos arquitetônicos fomentam a dualidade quanto à

acessibilidade e uso. De acordo com Pedrazzini (2006, p. 121), “o urbanismo do medo

ocasiona uma radicalização dramática dos processos de segregação espacial”, resultando

em uma nova fragmentação planejada dos territórios segundo o grau de segurança.

Desse modo, percebe- se um duplo fator quanto ao uso dos espaços públicos na

atualidade, apesar dos mesmos apresentarem aparências visíveis que não possuem

perigo. Por outro lado pode- se constatar que muitos moradores deixaram de possuir

sentimentos de identidade com relação a estes espaços, como também exercer a livre

circulação e uso, colocando em debate a real conotação de espaço público.

2. AS PRAÇAS DA BANDEIRA E CLEMENTINO PROCÓPIO EM CAMPINA GRANDE: DO

CONTEXTO HISTÓRICO AS TERRITORIALIDADES ATUAIS.

Campina Grande possui em seu histórico representações importantes de uma

cidade que sempre demonstrou potencial para o desenvolvimento no estado da Paraíba,

apesar de ser caracterizada como interiorana. Com a crise do ciclo do algodão, a cidade

passa a atuar no setor industrial, o que acarretou em transformações importantes

(DINIZ, 2009) relata que, especialmente com formação de duas zonas industriais nas

décadas de 1940 e 60, ambas localizadas em eixos rodoviários, próximo ao Açude

Velho e outra no Açude de Bodocongó, cruzando a cidade. Com isso começou a ocorrer

os primeiros sinais de descentralização de algumas de suas atividades econômicas e a

formação dos primeiros traços da urbanização motivada a partir do capitalismo.

Toda a atração que à cidade demonstrava favoreceu a necessidade de

redefinição do seu espaço urbano. Nesse período a gestão política, começou a realizar

reconfigurações urbanísticas na cidade, baseando- se em obras de mudanças de outras

regiões no país. Começou a demolir e reconstruir lugares da cidade, ampliando ruas e

erguendo novos produtos urbanísticos, a exemplo de parques e praças.

Durante a década de 30, a cidade de Campina Grande possuía poucos locais de

divertimento, fato que levou a gestão a fomentar uma grande obra na cidade de

embelezamento e modernidade, baseando- se em outras cidades do país. Neste contexto,

foi construída a Praça da Bandeira e Praça Clementino Procópio, com o objetivo de

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119

servir àqueles que se dirigiam ao centro, bem como do cinema Capitólio, tornando- se

locais de lazer para os habitantes e embelezamento da área central da cidade.

A Praça Clementino Procópio cresceu com o intuito de fortalecer no Centro da

cidade as áreas verdes, tendo em vista que nessa área se concentravam muitas

indústrias, além do comércio que já movimentava a cidade. Assim, tornava – se um

espaço distante do convívio dos habitantes, especialmente as elites locais da época. Não

existiam espaços verdes que pudessem fornecer as relações de troca e contemplação na

cidade.

Portanto, em meados de 1935 na administração de Bento Figueiredo foi

demolida a antiga cadeia pública da cidade (Foto 01) para a construção dos primeiros

traçados da Praça Clementino Procópio. Na gestão do prefeito Vergniaud Wanderley,

durante a década de 1940 (durante a reforma urbana), houve o prolongamento da praça,

no tamanho atual que se vê atualmente. Essa configuração só foi possível com a

demolição da empresa de Força e Luz, que se localizava ao lado (JUNIOR, J; LIRA, A.

2012).

Desse modo, a Praça Clementino Procópio passa a se constituir espaço

importante para o fomento de práticas socioespaciais da época, contribuindo com o

fortalecimento dos laços de identidade dos habitantes com a cidade. De acordo com

Junior e Lira (2012) a construção da praça e seus objetos arquitetônicos, trouxe o bom

gosto para a área. Além disso, houve também a construção de espelhos d’água, ao qual

batizaram de Largo da Luz (FOTO 02).

Fotos 01 e 02: Modificações na Praça Clementino Procópio no período de sua construção.

01

Antiga cadeia pública da cidade

de Campina Grande (Foto 01),

demolida por volta dos anos de

1935 para a construção da Praça

Clementino Procópio (Foto 02).

Na imagem abaixo, pode- se

observar os primeiros traçados da

Praça, incluindo o espelho d’água

ao fundo. Também é possível

notar como a área ficou

arborizada, trazendo o aspecto

“verde” para o Centro da cidade.

É perceptível a preocupação em

relacionar a praça como ambiente

público na promoção do lazer.

FOTO 01: JÚNIOR, J; LIRA, A.

2012.

FOTOS 02: SEPLAN, 2013.

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120

Continuando o processo de melhoramento das áreas verdes no Centro da

cidade e a estruturação urbanística moderna, houve a modificação da Praça da Bandeira,

chamada até a década de 1930 em Praça do Rosário. Diante das modificações nas

gestões municipais, a Praça da Bandeira, passou a ser mudada continuamente, inclusive

devido a posição que possuía. Porém, apesar das modificações a Praça da Bandeira, não

deixou de exercer sua função ao longo do tempo de espaço público destinado também

ao acesso ao transporte público.

Na Praça da Bandeira até a década de 1950, existia uma parada de ônibus

central (Figura 01), terminal de transporte público (Autoviária Rainha da Borborema),

além disso, havia trafego de veículos pelo interior da Praça (JUNIOR, J; LIRA, A.

2012).

A Praça da Bandeira sempre foi palco importante de manifestações ocorridas

na cidade (Figura 02), sendo símbolo da luta dos campinenses ao longo dos diversos

movimentos ocorridos no país também. Segundo Junior e Lira (2012), durante a gestão

do prefeito Ronaldo Cunha Lima, durante a década de 1980, foi erguida uma tribuna

chamada de “Diretas já”. No local, também existe uma estatua do presidente Juscelino

Kubistchek, em homenagem a construção da adutora de Boqueirão (Foto 04). Nos anos

de 1980, a Praça da Bandeira recebe os últimos recortes que formam a sua feição

arquitetônica atual.

Figuras 01 e 02: Manifestações populares na Praça da Bandeira

Foto 04: Permanência de símbolos políticos na Praça da Bandeira

Na imagem (figura 01), observa- se as

paradas de ônibus já presentes no

entorno da Praça. Os movimentos

políticos sempre estiveram presentes

neste espaço público, nota- se a partir

da imagem que o monumento em

homenagem as “Diretas Já”, estava

02

01 02

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121

Se por um lado estes espaços públicos representaram importantes marcos na

construção histórica de Campina Grande. Por outro lado, apresentam- se como espaços

complexos na atualidade, especialmente com o aumento da violência e insegurança que

tem assolado o cotidiano dos moradores.

De acordo com pesquisas anteriores (SANTOS, 2011, 2012), foi possível

perceber que as duas praças, ainda exercem influência no espaço urbano da cidade,

tanto por serem espaços de acesso às paradas de ônibus, como também por deter de

alguns empreendimentos comerciais que colaboram nas práticas socioterritoriais e

socioespaciais presentes.

O fenômeno da violência tem favorecido para que esses espaços passem a

presenciar novos usos e acessos. Contudo, existem as resistências das práticas realizadas

por pequenos estabelecimentos comerciais formais e informais, o que colabora no

fomento das práticas socioespaciais dos cidadãos nesses espaços públicos, pois servem

como locais “seguros” e que fomentam a atração para o uso dessas praças.

Apesar disso, a relação das praças enquanto espaços públicos, passa a ser

colocada em questão no imaginário social, devido ao aumento de pequenos delitos,

especialmente motivados pelo consumo e tráfico de drogas. As praças como objetos de

uso e acesso coletivo também para lazer, se tornam em alguns momentos, espaços

privados em detrimento da criminalidade que é presente em determinados locais e

horários, especialmente após às 18h00 conforme pode ser constatado na pesquisa.

Assim, esses espaços públicos que serviam como local para promoção de

identidades, conforme menciona Junior e Lira (2012, p. 96) “são tempos que não voltam

mais, em que se prezava o passeio matinal, sossegado e elegante, com a praça

cumprindo o legitimo papel de praça”, tornam- se degradados e distantes do convívio

dos habitantes. A violência deixa assim, de atingir apenas a escala dos bairros da cidade

de Campina Grande, adentrando na função de público inerente as Praças Clementino

Procópio e Praça da Bandeira, acentuando as relações de degradação e desigualdades

dos usos, fomentando novas práticas socioespaciais por parte dos habitantes que

utilizam esses ambientes.

04

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122

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Diante da pesquisa realizada pode- se identificar a importância das Praças

Clementino Procópio e Praça da Bandeira no contexto urbano de Campina Grande.

Ambas foram criadas para atender a sociedade no que diz respeito à promoção de lazer

e uso irrestrito. Entretanto o fenômeno da violência tem contribuído na sensação de

insegurança quanto ao uso desses espaços.

Mesmo sendo caracterizada como uma cidade média, Campina Grande tem

presenciado aumentos significativos nos índices de violência e essa nova realidade,

passou a penetrar nas praças através de pequenos delitos cometidos e intensificados pelo

consumo e tráfico de drogas na região. Desse modo, o que se observa através das

análises é que apesar de ser uma cidade identificada como média, tem obtido realidades

complexas, se comparada com cidades metropolitanas, onde a violência no espaço

urbano tem influenciado nas práticas cotidianas dos indivíduos.

Portanto, esse fenômeno tem reproduzido a privação do que até então foi

construído como ambiente público, acarretando não o seu “fim”, mas a transformação

no sentido de uso e acesso coletivo. Cabe então, não concluir, mas abrir novos

questionamentos para compreender a nova dinâmica dessas praças localizadas no

Centro a partir da propagação do aumento da criminalidade em Campina Grande.

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124

FRAGMENTAÇÃO SOCIOESPACIAL EM DUAS CIDADES

MÉDIAS PAULISTAS: PRESIDENTE PRUDENTE E RIBEIRÃO

PRETO

Clayton Ferreira Dal Pozzo35

Resumo: A partir da análise das práticas espaciais que se realizam no âmbito do

consumo em duas cidades médias paulistas (Presidente Prudente e Ribeirão Preto)

analisa-se o processo de fragmentação socioespacial, bem como, suas consequências

para a ampliação das desigualdades socioespaciais tomando-se, como referência, as

dinâmicas de segregação imposta e de autossegregação. 36

Palavras-chave: Produção do espaço urbano; Práticas espaciais; Fragmentação

socioespacial.

1. Introdução

De modo mais amplo, o núcleo central deste artigo assenta-se na análise dos

aspectos relacionados à reestruturação das cidades e, mais especificamente, ao processo

de fragmentação socioespacial relativos aos espaços urbanos de porte médio a padrões

metropolitanos. Como recorte empírico que se volta a uma análise comparativa, foram

selecionadas duas cidades médias localizadas no Estado de São Paulo, sendo elas,

Presidente Prudente e Ribeirão Preto.

Levando-se em consideração o tempo de longa duração envolvendo a produção

do espaço urbano paulista, podemos afirmar que é relativamente novo o processo de

reestruturação das cidades que se iniciou, em geral, a partir da segunda metade do

Século XX e, mais recente ainda, são as expressões de fragmentação socioespacial em

cidades médias paulistas.

Nesse sentido, realizamos uma análise que se propõe articular diferenciação,

segregação e fragmentação socioespacial, sobretudo, em termos de permanências,

rupturas e de novos conteúdos pelos quais esses processos se expressam e se

35

Doutorando do Programa de Pós-graduação em Geografia da UNESP, Presidente Prudente, membro do GAsPERR

e bolsita FAPESP. Email: [email protected]

36 Artigo elaborado sob orientação da Prof.a Dr.a Maria Encarnação Beltrão Sposito e submetido ao eixo

“Desigualdades socioespaciais. Produção de moradia, dinâmica imobiliária e segregação residencial”, do III

CIMDEPE.

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125

materializam no espaço urbano contemporâneo, bem como, a relação deles no contexto

de alterações relativas às práticas espaciais que revelam a segmentação do consumo do

espaço urbano.

Nossas atenções se voltam para a análise do processo de produção do espaço

urbano de Presidente Prudente e Ribeirão Preto, a partir da qual, estão mais bem

evidenciados alguns dos desdobramentos dos processos de diferenciação, segregação e

de fragmentação socioespacial, incluso nessa perspectiva, os diversos habitat urbanos

selecionados para a realização da pesquisa.

2. Fragmentação socioespacial: A segmentação do consumo do espaço urbano

No contexto mais geral de produção de espaços urbanos de padrões

metropolitanos, tem havido uma predominância de estudos37

realizados a partir deste

respectivo recorte empírico, por meio das quais diversos aspectos e formas de expressão

da fragmentação socioespacial têm comparecido com maior nível de intensidade.

Em geral, esses estudos tendem a demonstrar os modos pelos quais vêm se

reproduzindo um maior nível de segmentação do consumo do espaço urbano, bem como

as alterações mais significativas na esfera da sociabilidade (ou, ainda, no contexto das

relações socioespaciais), sobretudo, em termos de diminuição do diálogo entre as

diferenças e das tentativas de neutralização das iniquidades socioespaciais o que, em

grande medida, tem contribuído para alterar a primazia de produzir a cidade na

perspectiva equitativa de sua apropriação.

A partir desses estudos, uma primeira perspectiva apontada refere-se à

proliferação da autossegregação e as novas expressões de centralidade, por vezes,

associadas a essa respectiva proliferação.

A segunda perspectiva está ligada às análises das práticas espaciais dos

segmentos de mais alto poder aquisitivo que habitam os espaços autossegregados e que,

a partir delas, expressam a segmentação do consumo do espaço urbano.

Em detrimento da esfera política da cidade a partir de inúmeras coações

(CARLOS, 2007, p. 97), bem como, em função da racionalidade do consumo

segmentado do espaço urbano (SPOSITO, 2011), a terceira e última perspectiva, baseia-

37 Cf. Aceves et al (2004); Aguilera (2003); Andrade (2005); Arizaga (2004); Billard et al (2005); Borsdorf e

Dattwyler (2004); Dattwyler et al (2007); Janoschka (2003); Lago (2002); Salgueiro (2001); Schmidt (2003); Vidal-

Koppmann (2005).

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126

se na verificação e análise dos mecanismos de controle socioespacial que, segundo

Svampa (2001, p. 254), Gomes (2002, p. 136-139) e Frois (2011, p. 16-20),

comparecem como o meio pelo qual se induz a produção de determinados

comportamentos e se impõe limites a uma efetiva apropriação do espaço.

A imposição desses limites comparece como o meio e/ou mecanismo pelo qual

se busca beneficiar determinados grupos restritos, tendo em vista, contemplar lógicas

voltadas à contínua valorização imobiliária, bem como, àquelas voltadas à

preponderância do consumo. Do ponto de vista dos discursos dos citadinos e como uma

das principais justificativas que apoiam essas lógicas, tem havido uma contínua e

crescente necessidade de diminuição dos níveis de sensação de insegurança no espaço

urbano.

Estendendo essa perspectiva ao processo de produção e comercialização de

espaços autossegregados em cidades de porte médio, podemos considerar que os

mecanismos de controle socioespacial envolvem práticas de elevação de preços

imobiliários num ritmo mais intenso que o restante da cidade (ZANDONADI, 2008, p.

182) e a oferta de lotes e de unidades habitacionais de grandes dimensões (DAL

POZZO, 2011, p. 160-162). Tais práticas têm contribuído para aprofundar o processo de

segmentação socioespacial, no plano dos espaços residenciais.

Além disso, esses mecanismos de controle socioespacial também se estendem na

medida em que podem ser representativos de formas de gestão privativa do espaço,

imputadas por associações de moradores, e que se efetivam, entre outros aspectos, por

meio de regras relativas ao padrão construtivo das habitações (JANOSCHKA e

GLASZE, 2003, p. 17), ao controle e monitoramento dos fluxos dos prestadores de

serviços e aos modos como se realiza a convivência nas áreas destinadas ao lazer, no

interior desses espaços autossegregados (DAL POZZO, 2011, p. 173-177).

Dentro de um contexto de diversificação dos conteúdos da periferia, a

combinação dessas perspectivas aponta para níveis mais significativos de ruptura com a

unidade territorial da cidade e, portanto, materializa, e expressa percepções, de um

afastamento socioespacial mais efetivo entre os segmentos sociais que a compõe.

Ainda que amplamente fomentado pelo mercado imobiliário, com vistas a uma

contínua valorização imobiliária e por meio da adoção de um modus operandi baseado

no processo de especulação imobiliária, a combinação entre ruptura da unidade

territorial e o ensejo a um afastamento socioespacial mais efetivo entre os diversos

segmentos sociais contribuiu para reorientar, não somente a lógica de estruturação de

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“tradicionais” e “novos” habitat urbanos, mas também para reorientar, do ponto de vista

das novas expressões de centralidade, a lógica de estruturação de “tradicionais” e

“novas” áreas centrais.

Ainda que a diferenciação socioespacial possa se estabelecer com expressividade

no contexto de produção do espaço urbano contemporâneo, este respectivo processo tem

sido, em maior ou menor medida, cada vez mais cerceado e desvalorizado por

consequência de tal combinação.

Isto quer dizer que, em detrimento da diferenciação socioespacial -

originariamente caracterizadora do conteúdo das cidades em termos de um modo mais

plural, a partir do qual se compartilham, por meio de níveis mais acentuados de

tolerância, a valorização do confronto entre as diferenças com a contrapartida de uma

relação recíproca de trocas (de experiências, significados, valores etc.) –, o novo padrão

de segregação socioespacial, que se estrutura pela negação a este primeiro processo,

estabelece-se como ponto de partida fundamental aos novos e distintos contextos de uso

e consumo do espaço urbano, por meio dos quais, não se vislumbram a valorização da

unidade territorial e, muito menos, a valorização das diferenças que caracterizam a

cidade.

Tais contextos são fomentados a partir do ensejo e efetiva realização de novas

práticas espaciais38

reveladoras da segmentação do consumo do espaço urbano e,

portanto, esboçando um maior nível de regulação do convívio entre os citadinos

segundo critérios de segmentação socioeconômica, prevalentemente.

O ensejo e efetiva realização dessas novas práticas espaciais, associadas ao

contexto da estruturação e fomento de novas expressões de centralidade, têm

contribuído para promover alterações qualitativas significativas no que se refere às

relações socioespaciais entre os citadinos, sobretudo, no tocante ao não confronto entre

as diferenças.

Como forma de expressão dessas novas dinâmicas presentes no espaço urbano

contemporâneo há uma série de características que se combinam para instaurar uma

38 De acordo com Janoschka e Glasze (2003, p. 16-17), as práticas espaciais compreendem o conjunto de atividades

(incluso, as relações sociais) realizadas cotidianamente pelos citadinos e/ou grupos familiares envolvendo, sobretudo,

os locais utilizados para a moradia, trabalho, formação/educação, consumo de bens e de serviços e realização do

lazer. Relacionadas aos estudos dos processos de fragmentação socioespacial, a análise das práticas espaciais,

compreendendo a identificação de itinerários, as escolhas locacionais, os níveis diferenciados de acessibilidade e o

poder de “consumo no espaço” e, sobretudo, o poder de “consumo do espaço”, também deve ser capaz de avaliar a

qualidade das relações socioespaciais entre os citadinos, no contexto de suas práticas espaciais junto ao espaço

urbano.

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efetiva fragmentação socioespacial39

que, somando às nossas argumentações iniciais,

tem acompanhado o processo de reestruturação de algumas cidades latinoamericanas de

padrões metropolitanos e, mais recentemente e com especificidades próprias, em

cidades médias (SPOSITO, 2006, p. 188-191).

Como já mencionamos, algumas dessas características revelam que o

afastamento socioespacial e o compartilhamento espacial sem trocas de experiências e

significados entre os diferentes, passam a se consolidar não apenas considerando o

processo de segmentação socioeconômica perpetrado aos distintos habitat urbanos, mas

também, tendendo a se estender de modo a contemplar processos de circunscrição (e de

distintas valorações) no âmbito do consumo do espaço urbano e, mais especificamente,

do consumo das áreas centrais.

Como consequência, há uma tendência mais acentuada de se estender os

processos de manutenção e “naturalização” das iniquidades socioespaciais e seus efeitos

desmobilizadores, em detrimento da perspectiva de uma produção coletiva e equânime,

das cidades.

3. Dinâmicas recentes do processo de produção do espaço urbano de

Presidente Prudente e Ribeirão Preto

O estudo da fragmentação socioespacial em cidades médias, considerando os

apontamentos realizados por Schmit (2003), deve levar em consideração que esse processo

(em comparação com as áreas metropolitanas latinoamericanas) vem ocorrendo num grau

de intensidade menor e a partir de ritmos próprios.

Trata-se, portanto, de trabalhar com a tese de que a tendência à fragmentação

socioespacial não é exclusiva dos espaços urbanos de padrões metropolitanos e, nesse

sentido, sua complexidade e especificidades também tem sido alvo de pesquisas em cidades

de porte médio e em cidades médias, como aquelas realizadas por Frediani (2003), Sposito

(2006; 2007) e Zandonadi (2008); Dal Pozzo (2008; 2011), Dal Pozzo e Sposito (2009) e

Magrini (2013), podem atestar.

39 No que se refere à fragmentação socioespacial, devemos asseverar que não se trata de um processo que supera ou

substitui a diferenciação e/ou a segregação socioespacial, mas, por outro lado, contribui - por meio da neutralização

do confronto e das diferenças - para modificar seus respectivos conteúdos, desvalorizando a diferenciação e

sobrevalorizando a segregação socioespacial, sobretudo, a sua segunda forma de desdobramento, qual seja a

autossegregação, nos termos estabelecidos por Corrêa (2005, p. 65). Nesse sentido, a fragmentação socioespacial é a

expressão de novas dinâmicas que envolvem, sobretudo, o processo de segregação socioespacial articulado às novas

práticas espaciais reveladoras da segmentação do consumo do espaço urbano. Tal articulação, ao esboçar a

constituição de territórios urbanos que se distinguem, do ponto de vista do conteúdo socioeconômico predominante,

expressa as características do processo de fragmentação socioespacial.

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129

Tal complexidade e tais especificidades dos processos de fragmentação

socioespacial tendem a ser mais bem evidenciadas a partir de estudos comparativos entre

cidades médias levando-se, em consideração, suas semelhanças e, sobretudo, no tocante à

possibilidade de se revelar algumas de suas diferenças e, portanto, as singularidades de cada

uma delas.

Tendo em vista a realização de um estudo comparativo desse processo no Estado de

São Paulo, foram escolhidas duas cidades que são de porte médio - por consequência do

tamanho demográfico delas - e que também se caracterizam como cidade média, sobretudo,

pelos papéis de intermediação que exercem no contexto da rede urbana paulista e brasileira.

São elas, Presidente Prudente e Ribeirão Preto.

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130

Mapa 1

Estado de São Paulo: Localização das cidades médias

de Presidente Prudente e Ribeirão Preto

A partir de uma breve análise dos Mapas 2 e 3 podemos verificar que até finais da

década de 1970, a expansão do espaço urbano de Presidente Prudente e Ribeirão Preto,

tendeu a se expandir muito pouco na direção de se ultrapassar os limites impostos pela linha

férrea, implantadas nestas três cidades e que, no contexto do sítio urbano de Ribeirão Preto,

a linha férrea foi implantada de modo a acompanhar alguns cursos d’água. Além disso,

torna-se bastante evidente um ritmo de expansão urbana consideravelmente mais lento no

Setor Leste de Presidente Prudente, do que aqueles que se processou em Ribeirão Preto.

Além dos aspectos relativos às formas de parcelamento, ritmo de ocupação e

domínio da terra no setor leste de Presidente Prudente, sobretudo, pela Companhia

Marcondes de Colonização, Indústria e Comércio, analisados por Abreu (1972) e Sposito

(1983), podemos considerar que um ritmo mais lento de ocupação pode ser justificado, do

ponto de vista das características do sítio urbano deste setor, pela presença de declividades

acentuadas e que, de acordo com os mapeamentos geomorfológicos e hipsométricos

realizados por Nunes et al (2006), variam entre 10 a 25%.

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131

Mapa 2

Presidente Prudente: Expansão da área urbana

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132

Mapa 3

Ribeirão Preto: Expansão da área urbana

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133

Mapa 4

Presidente Prudente: Localização dos habitat urbanos selecionados

e dos principais equipamentos urbanos, 2013

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134

Mapa 5

Ribeirão Preto: Localização dos habitat urbanos selecionados

e dos principais equipamentos urbanos, 2013

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135

Além disso, em Ribeirão Preto se verificou uma expansão mais compacta do espaço

urbano, enquanto que o ritmo de dispersão de Presidente Prudente foi mais elevado,

sobretudo, no sentido oeste de expansão territorial do espaço urbano desta última cidade

média.

Em Presidente Prudente, os principais eixos de expansão do espaço urbano até esta

década se deu em sentido sul, sobretudo entre as Avenidas da Saudade e Brasil e tendeu a

não ultrapassar os limites impostos pela Rodovia Raposo Tavares. Já o segundo eixo, se

consolidou no sentido noroeste, sobretudo, ao longo das Avenidas Manoel Goulart e

Washington Luiz, bem como, na porção de área mais ao norte da Avenida Washington

Luiz, a partir da consolidação dos bairros Jardim Paulista, Parque São Judas Tadeu e Jardim

Aviação. Em Ribeirão Preto, os principais eixos de expansão do espaço urbano se

consolidaram em sentido sul e norte.

Nas duas cidades médias, podemos considerar que o período que vai do final da

década de 1970 até meados da década de 1990 foi aquele em que se exprimiu o maior ritmo

de expansão territorial da mancha urbana, a partir da qual se processaram níveis mais

elevados de descontinuidades territoriais, tanto em Presidente Prudente, quanto em Ribeirão

Preto.

Além das expressivas descontinuidades territoriais observadas nestas duas cidades

médias, também é neste período em que se ampliam os níveis de complexidade funcional

do tecido urbano, pois, além da produção mais intensa de espaços residenciais onde se

constitui segregação imposta, sobretudo, no setor norte destas duas cidades, também se

observou ritmos mais intensos do processo de autossegregação no setor sul, delas. Em

menor medida, processos de segregação imposta também tenderam a se consolidar no setor

leste de Presidente Prudente, e no setor sudoeste de Ribeirão Preto.

No que se refere aos principais eixos de expansão do espaço urbano neste período,

podemos destacar que, em Presidente Prudente, houve uma acentuada expansão em sentido

oeste, para além da extensão da Avenida Manoel Goulart, bem como, em sentido sudoeste,

a partir da implantação do Conjunto Habitacional Ana Jacinta, em descontinuidade

territorial ao espaço urbano consolidado. Em menor medida, também houve expansões

territoriais descontínuas no sentido norte (de modo a ultrapassar os limites da linha férrea),

bem como, no setor sul, com destaque para a implantação de espaços autossegregados.

Já em Ribeirão Preto, a tendência de expansão territorial do espaço urbano em

sentido norte e sul foi reforçada. No sentido norte, a expansão deu-se de modo a atingir e

ultrapassar os limites impostos pela linha férrea e ao longo do fundo de vale do Córrego

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136

Ribeirão Preto, até atingir a área de confluência formada pelas Rodovias Anhanguera e

Alexandre Balbo, bem como, envolver a área na qual foi implantado o Aeroporto Leite

Lopes.

Tendo em vista que boa parte da extensão norte foi ocupada por segmentos de mais

baixo poder aquisitivo, o processo de segmentação socioespacial foi intensificado na

medida em que o setor sul apresentou uma ocupação mais acentuada por parte dos

segmentos de mais alto poder aquisitivo, sobretudo, ao longo da Avenida Presidente Vargas

e, de modo a ultrapassar os limites da Rodovia Antônio Duarte Nogueira, a partir da

implantação e ocupação inicial de espaços autossegregados a oeste da Rodovia Ribeirão

Preto – Bonfim Paulista.

Contudo, o eixo de expansão territorial mais expressivo de Ribeirão Preto se

consolidou no sentido leste, a partir da qual houve uma tendência de que a porção mais a

sudeste se caracterizasse pela implantação de moradias dos segmentos médios, enquanto

que a porção nordeste foi predominantemente ocupada pelos segmentos de mais baixo

poder aquisitivo.

4. Considerações finais

A partir desse conjunto de considerações é possível afirmar que, de um modo geral

(e, em menor medida para Presidente Prudente), ampliou-se e diversificou-se o anel mais

periférico dessas duas cidades médias, tanto do ponto de vista das formas urbanas,

sobretudo, em descontinuidade territorial ao tecido urbano consolidado, quanto do ponto de

vista de novas expressões de centralidade, a partir do reforço e consolidação de eixos

comerciais e de serviços e de implantação de grandes equipamentos comerciais e de

serviços, como hipermercados, instituições de ensino privadas e shopping centers, como

podem ser observados a partir do Mapa 4 e Mapa 5.

Além disso, ainda é preciso salientar que, neste último período de expansão da área

urbana efetivamente ocupada, proliferou a implantação e efetiva ocupação de espaços

autossegregados no setor sul dessas duas cidades médias o que, em grande medida, tende a

reforçar, do ponto de vista do ensejo às novas práticas espaciais, processos de fragmentação

socioespacial.

No que se refere ao setor sul dessas duas cidades médias, portanto, ele tem sido alvo

de uma clara preferência pela implantação de grandes equipamentos comerciais e de

serviços. Em Presidente Prudente, é nele que se localiza o Prudenshopping e mais cinco

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137

supermercados, sendo que três deles são hipermercados associados a grandes capitais

nacionais e internacionais.

Em Ribeirão Preto, além dos shopping centers e hipermercados já implantados no

setor sul, encontra-se recentemente implantado outro shopping center do Grupo Iguatemi,

qual seja, o Shopping Iguatemi Ribeirão.

O Shopping Iguatemi Ribeirão é emblemático no sentido de se assemelhar aos

megacomplexos imobiliários implantados em espaços urbanos de padrões metropolitanos.

Segundo informações disponibilizadas pela Iguatemi Empresa de Shopping centers S.A.40

,

o shopping center está projetado para ser construído em área onde haverá torres comerciais

e residenciais, bem como, um hotel, escolas, centro de eventos, campo de golfe e espaços

autossegregados.

Situação: Pesquisa em nível de doutorado em andamento.

Área geral: Cidade/Urbano

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140

GESTÃO PÚBLICA DAS POLÍTICAS ENERGÉTICAS NO NORTE

FLUMINENSE: AS ESTRATÉGIAS DOS ATORES POLÍTICOS

REGIONAIS NA MANUTENÇÃO DA LÓGICA CORPORATIVA

DO PODER LOCAL

Diogo Bahia Maceira 41 42

RESUMO:

Este artigo tem como objetivo fazer uma análise sobre a gestão territorial

exercida pelo Estado Brasileiro no âmbito do setor energético, tendo em vista o

Proálcool e a extração de petróleo, no Norte Fluminense. Mostrando como as políticas

públicas foram e são importantes para um desenvolvimento mais sustentável. Tendo

implicações em diversas áreas, como no caso destes programas governamentais, que

tiveram impactos massivos na região, mas mostrando que o processo da modernização

conservadora se mostrou presente, com suas resultantes.

Palavras-chave: Estado, políticas energéticas, modernização conservadora.

APRESENTAÇÃO

Desde 2009 venho estudando políticas energéticas e ambientais governamentais

brasileiras, começando com a pesquisa sobre Itaipu Binacional e seu departamento de

meio ambiente, pois estagiava na Memória da Eletricidade/Eletrobras, tendo acesso a

várias pesquisas sobre o setor energético nacional, em particular o elétrico.

Posteriormente, tendo em vista o fim da minha graduação em História, comecei

a pesquisar ativamente outras partes do setor energético brasileiro, tendo como foco as

chamadas energias alternativas ao petróleo, que me levou a pesquisar o Proálcool e os

programas posteriores que governo federal implantou. Porém, sempre tive interesse em

pesquisar o setor petrolífero brasileiro, fazendo esparsas pesquisas sobre este tema.

Com a minha entrada no Programa de Pós Graduação em Geografia e Meio

Ambiente da PUC-RJ e a disciplina que fiz de Planejamento e Gestão do Território com

o professor Augusto Pinheiro, resolvi a pesquisar a região norte do Estado do Rio de

Janeiro, o Norte Fluminense. Essa região teve influência decisiva das políticas

energéticas governamentais, como o Proálcool e a política de busca de reservas

41

Mestrando do Programa de Pós Graduação em Geografia e Meio Ambiente da Pontifícia Universidade

Católica do Rio de Janeiro – PUC-RJ, Pesquisador do Geterj-Gestão Territorial no Estado do Rio de

Janeiro 42

ORIENTADOR: PROF. DR. AUGUSTO CÉSAR PINHEIRO DA SILVA

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141

petrolíferas nacionais, que levou a descoberta da Bacia de Campos. Então, essa região

teve mudanças políticas, econômicas, sociais e outras decorrentes dessas ações do

governo federal.

Essa pesquisa tem bastante relevância na Geografia, dentro das pesquisas sobre

gestão territorial e sobre políticas energéticas e suas resultantes no espaço. Tendo como

autores importantes, Gláucio Marafon, José Luis da Cruz, Rosélia Piquet e Augusto

César Pinheiro.

A minha pesquisa busca demonstrar como o Norte Fluminense com essas

políticas energéticas acabaram por contribuir na manutenção do chamado processo de

modernização conservadora, com os grupos políticos se alternando. Modernizar, para

esses grupos, implicava em preservar estruturas tradicionais, autoritárias, concentradas e

excludentes, de relações de poder e de produção, de concorrência e de financiamento,

altamente dependente da reprodução do endividamento e do padrão restrito, produtivo,

social, econômica e territorialmente, de desenvolvimento regional, às expensas dos

benefícios, privilégios e subsídios do Governo federal. Tratava-se de um padrão

patrimonialista mantido e tutelado pelo poder público, acostumado com investimentos

públicos a fundo perdido, o que significava modernizar conservando formas antigas, no

sentido da lógica competitiva empresarial, comparado aos setores modernos por

excelência, no que autores como Graziano da Silva denominou de modernização

conservadora43

.

Com a Constituição Federal de 1988, a figura do município passou a ter

importância fundamental, através da municipalização de diversas atribuições e

conseqüentemente recursos. No caso do Norte Fluminense, o município passou a ser os

maiores atores regionais, principalmente com a grande quantidade de recursos advindas

dos royalties do petróleo da exploração da Bacia de Campos.

As conexões entre as práticas de dominação, ou das relações de poder entre as

classes e grupos sociais, entre o Estado e a sociedade, na escala local, e a dinâmica

produtiva, configurando um padrão de reprodução do espaço social do NF, produziram

uma herança, em termos de valores, crenças, concepções, e sociabilidade, tão forte e

profunda, que alguns aspectos fundamentais se reproduziram no exercício do poder

político, nas ações regionalistas e na projeção de um padrão de dinamização econômica

43

GRAZIANO DA SILVA, José. Modernização dolorosa. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1978.

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142

da região, por parte do novo bloco de poder ou dos novos grupos sociais dominantes,

em termos políticos, na região, de acordo com Cruz44

.

Os grupos de poder que se instalaram nas administrações municipais da região, a

partir das eleições de 1988, são divididos entre os de área de influência de um novo

populismo – que, a partir de Campos, cresceu em cima da crítica à antiga estrutura

econômica e ao sistema de dominação política – e os da área de influência de setores

conservadores da sociedade regional, concorrentes do grupo populista. O mais

importante representante do segundo encontra-se em Macaé.

CAPÍTULO I

O NORTE FLUMINENSE E OS PROJETOS ENERGÉTICOS (PROÁLCOOL E

PETRÓLEO).

1.1 A Região Norte Fluminense e as políticas públicas energéticas nacionais.

O Norte Fluminense é a porção do território ao norte do Estado do Rio de

Janeiro, que, a partir de 1987, se desmembrou nas atuais meso-regiões Norte

Fluminense (NF) e Noroeste Fluminense (NOF), segundo a denominação do IBGE.

A imagem do Norte Fluminense ficou marcada, historicamente, pela atividade

econômica mais persistente, a da agroindústria açucareira, tendo Campos exercido a

condição do grande pólo regional. A cidade de Campos tinha mais engenhos, ao final do

século XVIII, do que Pernambuco, Sergipe e Bahia e quase tantos quanto São Paulo.

Essa importância foi acentuada a partir da segunda metade do século XIX, a tal ponto

que Campos teve que importar cereais e bois a partir de então, de acordo com Cruz45

.

A persistência da identificação genérica de Norte Fluminense deve-se, em

grande parte, ao fato de que essa região ficou conhecida nacionalmente, particularmente

a partir do século XIX, pela importância nacional da sua pecuária, da sua produção de

cana, de açúcar e de café, e, mais recentemente, a partir da década de 1980, pela sua

produção de petróleo, correspondente, atualmente, a mais de 80% do total nacional.

44

CRUZ, José Luis Vianna da. Projetos nacionais, elites locais e regionalismo: desenvolvimento e

dinâmica territorial no Norte Fluminense entre 1970 e 2000. Tese (Doutorado em Planejamento

Urbano e Regional, IPPUR, UFRJ, 2003. 45

Idem.

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143

Figura 1- Mapa do Estado do Rio de Janeiro – Destaque para as regiões Norte e Noroeste

Fluminense.

O Norte Fluminense é também conhecido como uma região-problema, segundo

Cruz46

, pelas condições de trabalho e vida dos trabalhadores rurais da cana e pela

situação de região estagnada, de baixo dinamismo, pobre, “atrasada”, ou

“subdesenvolvida”, em termos socioeconômicos, características quase sempre

associadas ao perfil produtivo monocultor e sazonal da cana, à erradicação dos cafezais

na primeira metade do século XX, bem como ao não desenvolvimento de um parque

industrial moderno na região.

46

Idem.

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144

Na figura II, pode-se observar a atual divisão territorial do Norte e Noroeste fluminenses, com

os respectivos municípios.

Na década de 1970, a região foi beneficiada pela conjuntura favorável do

chamado “milagre brasileiro” e do mercado internacional do açúcar, pelos recursos

fartos direcionados para a modernização do setor, no início, e, mais tarde, na mesma

década, pelo Proálcool e pelo início da exploração do petróleo, conforme mostra Cruz47

.

Embora o setor sucroalcooleiro tenha se modernizado, nesse período, o mesmo

não ocorreu com a economia regional, no sentido da modernização dos demais setores

da economia, ou seja, em termos do padrão de desenvolvimento, via industrialização,

agroindustrialização e diversificação produtiva, embora tenha tido o seu processo de

urbanização bastante acentuado, como, aliás, em todo o país, no período.

A permanência da atividade sucro-alcooleira, em bases modernas, ao lado dos

recursos herdados em função do exercício dessa atividade; o volume de capital fixo e de

ambiente construído pela instalação do complexo extrativista do petróleo, pela sua

produção e pelos negócios por ela desencadeados; e, a partir do final da década de 1980,

os royalties e as participações especiais pagos pela Petrobrás aos governos municipais,

não têm sido suficientes, por si sós, para alterar o quadro geral e essencial do

desenvolvimento daquela região, caracterizado pelo baixo dinamismo do mercado de

trabalho e da economia em geral, em termos de atividades econômicas, geração de

trabalho e distribuição de renda.

47

Idem.

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145

Essas relações apontam para a recorrência, em meio às profundas mudanças

ocorridas no perfil produtivo da região, de elementos políticos, culturais, sociais e

econômicos, tradicionais, embora atualizados, que responderiam pela reiteração das

desigualdades sociais e econômicas na região, ou pela persistência do problema de

desenvolvimento do Norte Fluminense, segundo Silva48

. Esse fenômeno se deu, apesar

do deslocamento, para outros grupos e forças sociais, do controle dos fartos recursos

oriundos do petróleo, a partir do final da década de 1980, capazes, em tese, pelo volume

envolvido, de possibilitar a superação da situação tradicional que teima em se

reproduzir.

A década de 1970 do século passado é reconhecida nos meios acadêmicos como

um marco no desenvolvimento do capitalismo no mundo. Nela aconteceram dois

“choques do petróleo” à escala mundial, quando a matéria-prima estratégica da matriz

energética e da indústria internacionais, controlada por um grupo de países árabes, teve

um salto de preços, produzindo efeitos em cadeia, que levaram a uma recessão

econômica internacional profunda.

Essa conjuntura de crise ajudou a desencadear um processo de reestruturação

produtiva na economia capitalista que mudou o mundo, em termos da revolução

tecnológica, acompanhada da revolução dos materiais e processos, da gestão e

organização da produção e nas relações de trabalho, dentre outras; enfim, do padrão de

acumulação, numa nova rodada da mundialização do mercado, sob domínio do capital

financeiro especulativo, de alta rotatividade, segundo Cruz49

.

No Brasil, inicialmente, quando do primeiro choque do petróleo, em 1973, o

Governo Federal não seguiu a linha dos países capitalistas centrais, de diminuição do

ritmo da economia e de substituição dos meios de transporte, com o intuito de restringir

as importações de petróleo. O Governo Geisel lançou o II PND no período (1974), pelo

qual se mantinha na linha desenvolvimentista de grandes investimentos em

infraestrutura e na complementação da matriz industrial brasileira, além dos

investimentos na ampliação da fronteira agrícola e na modernização da agropecuária e

agroindústria, numa opção pela manutenção do crescimento acelerado com

financiamento e investimentos, públicos nacionais e privados estrangeiros.

48

SILVA, Roberto Cezar R. S. da. Formação econômica da região Norte-Fluminense. Campos dos

Goytacazes/RJ, 2002. 49

CRUZ, José Luis Vianna da. Projetos nacionais, elites locais e regionalismo: desenvolvimento e

dinâmica territorial no Norte Fluminense entre 1970 e 2000. Tese (Doutorado em Planejamento

Urbano e Regional, IPPUR, UFRJ, 2003.

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146

Paralelamente, no entanto, embora tardia e lentamente, o governo brasileiro

implantou um programa de reestruturação da matriz energética, de implementação

atribulada, com ênfase no aumento da produção de petróleo nacional e na produção de

álcool de cana-de-açúcar, como combustível alternativo para o setor automotivo,

principalmente – o Proálcool – que veio a ter um peso fundamental no setor, na década

de 1980, quando mais de 80% dos veículos produzidos no país eram movidos a álcool.

Dentre outros impactos, o Proálcool proporcionou uma grande expansão da área

cultivada com cana, bem como a sua disseminação pelo território nacional, com a

incorporação de novas áreas sem tradição no setor, voltadas principalmente para a

produção de álcool. Hoje, em parte como conseqüência desse período, associado a

conjunturas internacionais favoráveis, o país fornece 30% do açúcar consumido no

mundo.

Importa destacar, neste momento, que a década de 1970 foi importantíssima para

a retomada do projeto da Grande Região Açucareira de Campos pelas elites locais, pelos

fatores anteriormente citados.

Tabela 1. Áreas de cultura da cana na Região Açucareira de Campos

Ao mesmo tempo, a partir da segunda metade dessa década, um outro fator viria

a impactar definitivamente o desenvolvimento regional e a configuração territorial do

Norte Fluminense, no plano da natureza, volume, potencialidades e importância

estratégica dos recursos canalizados para a região. A exploração do petróleo no Norte

Fluminense, iniciada em 1977, que hoje responde por mais de 80% da produção

nacional.

Paralelamente, ocorreu a redução e enxugamento do setor sucroalcooleiro na

região, a partir do final da década de 1980, vindo a deslocar o principal pólo de geração

de recursos para a região, do açúcar para o petróleo. Este gera royalties para a região,

em volumes fantásticos a partir de 1999, diretamente nos orçamentos municipais, como

mostra Cruz50

.

50

Idem.

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147

Ainda assim, há, no período, a reiteração do discurso da crise regional, mesclado

com o da vocação e da herança açucareira, vinculada ao passado glorioso, como

resistência setorial e tentativa de perpetuar o padrão açucareiro do desenvolvimento do

Norte Fluminense, ainda que aceitando a convivência com o petróleo.

A idéia de região Norte Fluminense continua a ser acionada pelos atores locais

na disputa pela apropriação e uso dos recursos que aportam a região, tendo o

desenvolvimento como móvel da disputa, mesmo após a emancipação do Noroeste e

sofrendo a tensão de futuros desmembramentos, da porção onde se instalou o complexo

de extração do petróleo.

1.1.a) Proálcool, primeiro programa de grande porte na região.

Quando ocorre a crise de energia, na década de 1970, em meio a uma certa

abundância de recursos oriundos de novos planos federais de racionalização e

reestruturação setorial, é preciso recuperar a conjuntura dos anos 1950, quando surgiram

fatores determinantes do declínio, de médio e longo prazo, da agroindústria açucareira

do Estado do Rio de Janeiro e do Norte Fluminense, em particular. Aí ganham força os

elementos que vêm, desde 1929, passando pela crise do café e pela criação a atuação do

Instituto do Açúcar e do Álcool (IAA), produzindo o reordenamento definitivo do mapa

territorial da produção sucroalcooleira, em benefício do centro-sul, com destaque para

São Paulo.

A década de 1970 se inicia com os parques industriais do Nordeste e do Norte

Fluminense obsoletos para um mercado mais competitivo, em que as novas unidades e

os empresários de São Paulo sobressaiam. A queda do rendimento industrial na

produção de açúcar demandava organização do abastecimento de matéria-prima às

fábricas, de racionalização do processo de produção agrícola e de estímulo à pesquisa

canavieira, com novas variedades, ou seja, a racionalização da agricultura canavieira.

Isto foi possível pelo confisco na exportação (diferença entre o que o Estado conseguia

no preço de exportação e que pagava ao usineiro), o que engordou o Fundo Especial de

Exportação, a partir de 1971. Era um capital que foi oferecido aos usineiros com

grandes vantagens financeiras e grande liberdade de aplicação, como mostram Locatel e

Azevedo51

.

51

ALENTEJANO, Paulo Roberto Raposo . A evolução do espaço agrário fluminense. GEOgraphia

(UFF), Niterói, v. 13, p. 49-70, 2005.

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148

Foram criados vários programas que tinham como objetivo principal a expansão,

a modernização e aumento da eficiência da produção industrial, estimulando e

favorecendo a concentração das empresas, mediante fusões e aquisições. O que

favorecia os interesses do capital paulista, em duas frentes. De um lado, a do capital

agroindustrial voltado para a produção de açúcar, após a crise do café, de meados do

século XX; de outro, do oligopólio industrial produtor de máquinas e equipamentos,

recém-instalado no país, ao lado de algumas grandes empresas tradicionais de São

Paulo.

A região da Baixada Campista, onde não se verificou tamanho desenvolvimento

do turismo, pela existência de menos atrações e a maior distância em relação à capital, o

que se deu foi uma profunda reestruturação produtiva. Em 1971 foi criado o Programa

de Racionalização da Agroindústria Açucareira, rebatizado de Programa de Apoio à

Agroindústria Açucareira em 1973 e o Decreto no. 76.593, de 14 de novembro de 1975,

cria o PRÓ-ÁLCOOL-Programa Nacional do Álcool, como mostra Cruz.

Com o Planalsucar (Programa Nacional de Melhoramentos da Agroindústria

Açucareira) de 1971, buscava-se a expansão do raio de ação dos detentores dos pacotes

agrícolas e industriais modernizantes, para o Nordeste e o Estado do Rio de Janeiro,

inicialmente, e para todo o país, num segundo momento, a partir do Proálcool, quando

há uma fabulosa expansão das áreas de cana. A primeira unidade do Planalsucar no país

foi instalada no município de Campos, no Norte Fluminense.

A partir de incentivos governamentais propiciados pelo Programa de Apoio à

Agroindústria Açucareira e pelo Programa Nacional do Álcool (PRÓÁLCOOL) a

produção de cana na região sofre profundas alterações, seja com a concentração

crescente do capital, seja com a radical alteração das relações de trabalho, como mostra

Alentejano52

.

No caso das relações de trabalho, a marca fundamental é a expulsão dos

trabalhadores do interior dos latifúndios, transformando-os em bóias-frias, moradores

das periferias das cidades da região, principalmente Campos. A introdução de melhorias

técnicas parciais na produção, concentradas no preparo da terra e nos tratos culturais, e

excluindo, em geral, a colheita, acentua a diferença sazonal de requerimento de mão-de-

obra, gerando uma massa de assalariados temporários.

52

Idem.

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149

Com a modernização da industrialização (Proálcool), aumentam as unidades de

produção para satisfazer a voracidade da usina: a cana passa a ser queimada para

aumentar a produtividade do corte (triplica a produtividade do trabalho do cortador) e

não é mais enfeixada; a mecanização da preparação do solo e do plantio permite um

redimensionamento dos talhões, que aumentam bastante; a embarcadeira é introduzida

para empilhar a cana e carregá-la até os caminhões, agora maiores, ou para as grandes

carretas puxadas por tratores, conforme Alentejano53

.

No caso das relações de produção ocorrem paralelamente dois processos: de um

lado, a construção de modernas usinas de produção de açúcar e álcool, elimina os

antigos engenhos, representando um forte processo de centralização e concentração do

capital; de outro lado, há uma concentração fundiária que resulta da redução do número

de fornecedores, uma vez que as usinas impõem padrões de produção que muitos

pequenos fornecedores não conseguem cumprir o que acaba por alijá-los do setor, além

da estratégia de buscar ampliar a produção própria, como forma das usinas se

protegerem contra a concorrência das demais.

O resultado disto é o avanço da urbanização, uma vez que há expressiva

expulsão de trabalhadores do campo e crescente subordinação da agricultura à indústria,

dentro do novo modelo de produção implantado na região. Também podemos

identificar neste processo a metropolização, uma vez que a atividade deixa de ser

controlada pelo antigo capital agrário de base local, pois este passa a ser cada vez mais

dependente de recursos externos, além do que, grandes grupos empresariais são atraídos

para a atividade, diminuindo substancialmente o poder das classes dominantes locais.

Neste sentido, podemos dizer que esta é a área do Rio de Janeiro onde ocorre a

articulação agricultura-indústria e a fusão dos capitais agrário e urbano-industrial.

Um dos aspectos que vai acompanhar inicialmente como uma sombra, a

implantação e execução do Proálcool na região é a perspectiva de descoberta de uma

grande bacia petrolífera no Norte Fluminense. Enquanto o Proálcool era fundamental

para a estratégia de fechamento da região, do ponto de vista do monopólio dos recursos

canalizados para o território circunscrito ao Norte Fluminense, a perspectiva de

implantação física de um complexo de extração de petróleo, mobilizava interesses,

recursos, atores e intervenções ditadas por uma nova dinâmica, que escapava totalmente

às possibilidades de controle das forças sociais regionais.

53

Idem.

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150

Portanto, os dois componentes principais da estratégia federal de enfrentamento

da crise do petróleo, o aumento da sua produção interna e a sua substituição parcial

como combustível, pelo álcool, tiveram no Norte Fluminense um espaço privilegiado de

intervenção, simultânea, em determinado momento

Nas demais regiões, não tende a haver substancial mudança das tendências

delineadas nos anos 1970, exceção feita à região Norte Fluminense, uma das poucas

regiões do estado, onde o peso do capital agrário dinâmico ainda era expressivo. Esta

acentua radicalmente os processos de desruralização e metropolização que vinham se

desenvolvendo lentamente, transformando a dinâmica regional, segundo Silva54

.

Tal mudança está diretamente ligada ao desenvolvimento da exploração do

petróleo na região. A enorme riqueza geológica, no que tange a este estratégico e

rentável produto, contribuiu para o questionamento de projetos seculares de organização

do espaço regional. Esta atividade, além de se tornar a mais importante

economicamente, reforçando o papel das atividades urbanas em relação às rurais,

resultou numa redefinição das relações inter-regionais, assim como a industrialização do

Vale do Paraíba operara na década de 1940 naquela região, de acordo com Alentejano55

.

1.1.b) Petróleo na Bacia de Campos e sua extração, segundo momento de grande ação

estatal no Norte Fluminense.

As diferentes mesorregiões do Estado, em sua disparidade de condições, têm

passado por diversas transformações socioespaciais. As alterações na configuração

territorial dos municípios têm sido fruto de movimentos emancipatórios que, no caso do

Norte Fluminense, estão atreladas principalmente à exploração do petróleo da Bacia de

Campos, no litoral. Esta atividade reverte capitais para as prefeituras por meio de

pagamento de impostos (royalties). A participação do petróleo na economia dos

municípios do Norte Fluminense foi fato novo para uma região em que a formação

socioespacial pretérita esteve sempre atrelada quase unicamente a tradicional economia

canavieira, como mostra Marafon56

.

A tabela 2 mostra a distribuição de royalties pelos municípios da região:

54

SILVA, Roberto Cezar R. S. da. Formação econômica da região Norte-Fluminense. Campos dos

Goytacazes/RJ, 2002. 55

ALENTEJANO, Paulo Roberto Raposo . A evolução do espaço agrário fluminense. GEOgraphia

(UFF), Niterói, v. 13, p. 49-70, 2005. 56

MARAFON, Gláucio José et al. (organizadores). Geografia do Estado do Rio de Janeiro: da

compreensão do passado aos desafios do presente. Rio de Janeiro: Gramma, 2011.

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151

Fonte: Inforoyalties. Disponível em http://inforoyalties.ucam-campos.br/

Com a transformação da cidade de Macaé na base fundamental de operação da

Petrobrás na região, a cidade de Campos, até então o único centro regional de

importância, passou a sofrer concorrência direta daquela que passa a centralizar uma

série de áreas até então diretamente dependentes de Campos.

Macaé representa um interessante exemplo de município onde as transformações

socioeconômicas (atreladas à exploração do petróleo) resultaram em reconfiguração

territorial (com o desmembramento dos antigos distritos de Quissamã e Carapebus),

como mostra Alentejano57

.

Após as emancipações, portanto, Macaé perdeu as grandes áreas que possuía,

dedicadas ao plantio e beneficiamento da cana-de-açúcar; não podendo mais ser

incluído na tradicionalmente denominada, Zona Canavieira. Vale destacar também que

a cidade de Macaé vem crescendo muito rapidamente nas últimas duas décadas,

passando a apresentar funções mais diversificadas e a exercer uma maior centralidade,

de acordo com Marafon58

.

Assim, as transformações em curso na região nos permitem especular inclusive

sobre o futuro de sua unidade, uma vez que parece haver uma diferenciação crescente

57

ALENTEJANO, Paulo Roberto Raposo . A evolução do espaço agrário fluminense. GEOgraphia

(UFF), Niterói, v. 13, p. 49-70, 2005. 58

MARAFON, Gláucio José et al. (organizadores). Geografia do Estado do Rio de Janeiro: da

compreensão do passado aos desafios do presente. Rio de Janeiro: Gramma, 2011.

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152

entre os projetos de ordenamento territorial, no que se refere às elites campistas e

macaenses, mas também aos movimentos sociais.

Na ação corporativa-regionalista, conforme Cruz59

, além da existência de uma

hierarquia de poder entre os municípios, em função da capacidade de articulação de

escalas de poder pelos atores sociais locais – o que retoma a centralidade bipolarizada

de Campos e Macaé, aquele pela tradição, este pela nova economia regional – persiste,

ainda, um grau de autonomia em cada administração, pelo volume de recursos

orçamentários que maneja.

CAPÍTULO II

MODERNIZAÇÃO CONSERVADORA NO NORTE FLUMINENSE.

II.1) Modernidade Conservadora ou Modernização Conservadora.

- Conceituações e atualizações de processo

Modernizar, para o padrão tradicional das classes políticas dominantes no Norte

Fluminense, implicava em preservar estruturas tradicionais, autoritárias, concentradas e

excludentes, de relações de poder e de produção, de concorrência e de financiamento,

altamente dependente da reprodução do endividamento e do padrão restrito, produtivo,

social, econômica e territorialmente, de desenvolvimento regional, às expensas dos

benefícios, privilégios e subsídios do Governo federal. Tratava-se de um padrão

patrimonialista mantido e tutelado pelo poder público, acostumado com investimentos

públicos a fundo perdido, o que significava modernizar conservando formas antigas, no

sentido da lógica competitiva empresarial, comparado aos setores modernos por

excelência, no que autores como Graziano da Silva (1978) denominou de modernização

conservadora.

A modernização conservadora diz respeito a um padrão de passagem de

formações sociais para a modernidade, ou de desenvolvimento do capitalismo,

articulando as dimensões sociais, econômicas e políticas desse processo. Incorpora os

condicionamentos históricos como determinantes na moldagem do processo e do

padrão/modelo/estrutura, de cada formação social. Pode ser expressa através de uma das

teorias mais fortes acerca dessa passagem, tanto nos países centrais como periféricos,

que é a de Barrington Moore Jr. (1966).

59

CRUZ, José Luis Vianna da. Projetos nacionais, elites locais e regionalismo: desenvolvimento e

dinâmica territorial no Norte Fluminense entre 1970 e 2000. Tese (Doutorado em Planejamento

Urbano e Regional, IPPUR, UFRJ, 2003.

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153

Com o desenvolvimento da exploração do petróleo na região e a enorme riqueza

geológica, no que tange a este estratégico e rentável produto, se contribuiu para o

questionamento de projetos seculares de organização do espaço regional do Estado do

Rio de Janeiro, em especial o Norte Fluminense. A atividade petrolífera, além de se

tornar a mais importante economicamente, reforçando o papel das atividades urbanas

em relação às rurais, resultou numa redefinição das relações interregionais, com mostra

Marafon (2011).

CAPÍTULO III

OLIGARQUIAS DO NORTE FLUMINENSE E A CONTINUIDADE DA MODERNIDADE

CONSERVADORA.

III.1) A modernidade conservadora se renovando entre os grupos sociais de Campos e

Macaé.

Em decorrência dos investimentos de grande porte realizados nas últimas

décadas pela Petrobrás, a Bacia de Campos fornece hoje mais de 80% do petróleo

produzido no país. A emergência e o desenvolvimento da indústria petrolífera no norte

fluminense, onde a dificuldade de modernização das atividades agrícolas tradicionais

apontava para um cenário de estagnação duradoura, desde meados da década de 1970,

teve efeitos múltiplos sobre a organização do espaço regional e sua inserção nas escalas

nacional e, hoje, global, segundo Aquino e Monié (2005).

Observa-se uma mudança radical da estrutura produtiva decorrente dos

investimentos realizados nessa indústria e nos serviços à produção, cujo principal locus

é Macaé. Esse novo perfil contribuiu para uma reorganização multifacetada do espaço

regional: atores sociais tradicionais passaram a compartilhar o poder com atores ligados

as esses setores e novas institucionalidades emergiram. Essas mudanças redefiniram a

hierarquia urbana regional, alterando a posição de Macaé. A atual centralidade dessa

cidade e o declínio relativo da posição de Campos indicam claramente que as novas

polarizações espaciais e setoriais privilegiam os focos suscetíveis de articular escalas de

produção, circulação e consumo extremamente diversificadas.

Em termos gerais a problemática que é trabalhada é a da transição de um modelo

de desenvolvimento essencialmente controlado por agentes externos para um modelo de

desenvolvimento comandado pela ação local, ainda com grande especialização setorial,

mas que pode ser obtido por uma mudança qualitativa na inserção em redes nacionais e

globais que privilegie as interações construídas sobre interdependências e componentes

locais. Trata-se, portanto da relação entre recursos naturais, setores produtivos e

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154

território. Essa relação envolve, no caso da Bacia de Campos, a constituição de uma

malha de interações diferente daquela que caracterizava parte dos municípios

confrontantes, como mostram Aquino e Monié (2005).

A compreensão dos novos dispositivos institucionais, o fortalecimento da ação

local e a emergência de novos agentes reguladores imprimem um modo diferenciado no

comportamento e evolução das regiões. As principais características observadas nos

últimos quinze anos podem ser resumidas nos seguintes pontos: - Processo de

crescimento acelerado da população, nível de renda extremamente concentrado em

Macaé; - Dinâmica territorial influenciada por um agente estatal de comportamento

privado (Petrobrás); - embora atualmente verifique-se a presença de outras empresas

atuando na exploração e produção, a Petrobras ainda permanece como ator dominante; -

Ampliação e intensificação da inserção em redes globais altamente especializadas; -

Interação e inserção local das atividades e empresas ligadas à indústria para-petrolífera

espacialmente concentradas; - Ação local diferenciada que gera um aumento do setor de

serviços associados à indústria pára petrolífera; - Acirramento das disputas pelos

benefícios dos royalties e alterações na malha político-administrativa.

De acordo com Aquino e Monié (2005), ainda que a resposta institucional esteja

referenciada a um setor econômico, a possibilidade de se criar organismos que atuem na

aproximação de instituições de diferentes funções econômicas e sociais permanece em

aberto. Assim, assume-se, neste trabalho, que a especialização exclusivamente setorial

não implica necessariamente em constituição de um território produtivo. As

transformações analisadas no Norte Fluminense indicam que a evolução do

comportamento dos agentes quando confrontada ao território requer igualmente um

ajuste institucional. Esta razão nos parece suficiente para insistir na importância de se

estabelecer uma nova institucionalidade na qual poderá se inscrever uma nova malha de

interações espaciais que assegure o desenvolvimento da região.

III.2) Conseqüências desse processo para as populações locais.

Profissionais das mais diversas áreas, de geólogos a geógrafos, passando por

oceanógrafos, economistas e engenheiros têm estudado o município de Macaé. As

temáticas exploradas são, quase unanimemente, relacionadas ao petróleo. No entanto, à

dinâmica populacional tem sido dedicada pouca atenção, especialmente no que se refere

à migração, de acordo com Paganoto e Becker (2007).

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155

Supõe-se que a dinâmica da redistribuição espacial da população em direção à

Bacia de Campos seja efetuada segundo escalas geográficas variadas: fluxos

tradicionais, como as migrações campo-cidade em escala regional; fluxos de alcance

espacial mais amplo, relativo à mão-de-obra oriunda de outras regiões do Brasil; fluxos

de profissionais de média e alta qualificação brasileiros e estrangeiros. São todas

deduções, suposições. Neste sentido, este estudo busca diminuir a lacuna existente em

relação a estudos sistemáticos sobre a dinâmica populacional em Macaé.

A cidade de Macaé é noticiada, pela mídia em geral, como um pólo gerador de

empregos e como uma ilha de prosperidade em meio a um mar de obsolescência no

norte do estado do Rio de Janeiro. É bastante comum que as expressões “eldorado” e

“capital do petróleo” venham associadas ao nome do município.

A consulta a alguns dados econômicos recentes reforça esta idéia. Macaé é um

dos melhores municípios na relação postos de trabalho/população no estado do Rio de

Janeiro, com cerca de 55 mil postos de trabalho formal em 2001, segundo Cruz (2003).

Apenas na Petrobras são 6900 empregos diretos, além de 28 mil empregos gerados

pelas prestadoras de serviço da empresa. Em pesquisa realizada pela Fundação Getúlio

Vargas, em 2004, Macaé surgia como a segunda melhor cidade para se trabalhar no

Brasil. No ranking da revista Exame das melhores cidades brasileiras para negócios

Macaé avançou do 89º lugar, em 2000, para o 39º lugar em 2002.

A dinâmica empresarial macaense se reflete no aumento do número de

estabelecimentos nos setores de construção civil, de transportes e de atividades

imobiliárias (venda e aluguéis de imóveis). Segundo Paganoto e Becker (2007), a

contribuição da construção civil na formação do PIB local ultrapassa o dobro da taxa de

contribuição do respectivo setor no PIB estadual.

O PIB municipal per capita, que em 1999 era de R$ 7.588,00 chegou a

impressionante marca de R$ 25.921,00 em 2004, o quarto maior em todo o estado. Para

efeitos de comparação, em 2004, o PIB per capita no Norte Fluminense foi de R$

10.746,00 e no estado do Rio de Janeiro de R$ 16.689,00.

No que se referem aos aspectos sociais, os números também dão a Macaé uma

posição confortável, ao menos em escala municipal. Em 2000, o Índice de

Desenvolvimento Humano Municipal (IDH-M) no município era de 0.790, o maior na

Região Norte Fluminense e o 17º maior do estado do Rio de Janeiro.

O pilar de sustentação deste dinamismo econômico começou a ser construído há

cerca de três décadas, quando a Petrobras, estatal petrolífera brasileira, elegeu a cidade

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156

de Macaé como base operacional para as atividades de prospecção e de produção do

petróleo da plataforma continental da Bacia de Campos.

CONCLUSÃO

A cana-de-açúcar e a pecuária, portanto, foram as atividades fundantes da região

Norte Fluminense, desde cedo ligadas ao comércio externo e interno, este polarizado

pelo Rio de Janeiro. No entanto, já na introdução dessas atividades produtivas,

desenvolveu-se uma forte atividade de subsistência, inicialmente, e de exportação,

conforme evidências documentais conhecidas, permitindo a afirmação de que a região

conheceu uma agricultura extremamente diversificada, para consumo local e externo,

antes que a cana-de-açúcar viesse a se firmar como a atividade monocultora. Até o

século XIX, portanto, a economia dessa região foi bastante diversificada, em termos de

produção de alimentos, exportando para o Rio de Janeiro e outras regiões do país.

O Proálcool demorou a ser gestado. Ao final, optou-se por um modelo disperso

espacial e empresarialmente, no sentido de extensivo a qualquer capitalista,

descentralizando e pulverizando os espaços produtores e as unidades produtivas,

possibilitando tanto a implantação de destilarias anexas, como autônomas.

Esse processo fez com que as novas áreas produtoras de cana-de-açúcar e álcool

partissem de patamares superiores de capital, tecnologia, produtividade, eficiência e

rentabilidade econômica, em relação às áreas de produção tradicional, que tinham

dificuldade em atingir esses patamares, seja pelo volume de capital fixo que teria que

ser renovado e substituído, seja pelo nível de acumulação necessário para enfrentar os

novos investimentos, seja pela resistência do padrão tradicional de produção, do seu

padrão de relações internas e de relações com o poder público, às diversas escalas, caso

do Norte Fluminense e Campos por conseqüência.

Modernizar, para tal padrão, implicava em preservar estruturas tradicionais,

autoritárias, concentradas e excludentes, de relações de poder e de produção, de

concorrência e de financiamento, altamente dependente da reprodução do

endividamento e do padrão restrito, produtivo, social, econômica e territorialmente, de

desenvolvimento regional, às expensas dos benefícios, privilégios e subsídios do

Governo federal. Tratava-se de um padrão patrimonialista mantido e tutelado pelo poder

público, acostumado com investimentos públicos a fundo perdido, o que significava

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modernizar conservando formas antigas, no sentido da lógica competitiva empresarial,

comparado aos setores modernos por excelência60

.

Com o desenvolvimento da exploração do petróleo na região e a enorme riqueza

geológica, no que tange a este estratégico e rentável produto, se contribuiu para o

questionamento de projetos seculares de organização do espaço regional do Estado do

Rio de Janeiro, em especial o Norte Fluminense. A atividade petrolífera, além de se

tornar a mais importante economicamente, reforçando o papel das atividades urbanas

em relação às rurais, resultou numa redefinição das relações inter-regionais.

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GOVERNO LOCAL E DEMOCRATIZAÇÃO DO

PLANEJAMENTO URBANO: DISCURSOS E PRÁTICAS EM

VITÓRIA DA CONQUISTA-BA

Aletícia Alves Meira61 62

Resumo

O presente artigo discute os novos papéis desempenhados pelo governo local das

cidades brasileiras (após ser-lhe atribuída uma maior autonomia) e sua relação com as

perspectivas (institucionalizadas e insurgentes) de democratização do planejamento

urbano. Nesse âmbito, por meio de análises teóricas, reflexões da temática e estudo do

caso da cidade média de Vitória da Conquista/BA, evidenciou-se que a maior

autonomia do governo local, possibilitou maiores integrações, sobretudo, entre agentes

políticos e econômicos na gestão das cidades, por meio dessa articulação, foi instalada

uma governança63

que visa efetivar os interesses dos envolvidos. Houve também, via

introdução de políticas de democratização do planejamento municipal e da insurgência

de ações de movimentos populares, a instituição de alguns espaços de diálogo entre a

sociedade e o poder político-econômico, na busca por uma governança com maior

democracia.

Palavras-chave

Governo local. Democratização do planejamento urbano. Participação popular.

61

Licenciada em Geografia pela Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia (UESB). Aluna do

programa de Mestrado em Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal de Viçosa-MG (UFV).

Membro do grupo de pesquisa: Urbanização e Produção de Cidades na Bahia (UESB/UEFS). 62

Artigo elaborado sob a orientação do Prof. Dr. Geraldo Browne Ribeiro Filho - Universidade Federal

de Viçosa-MG 63

A ideia de Governança defendida neste artigo faz referência a mesma adotada por Orlando Júnior

(2001), na qual, governança é um modo integrado de governo que engendra, nas ações e planos, além do

político, outros agentes e interesses econômicos e sociais.

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160

1- Introdução

No contexto que se inicia por volta do começo da década de 1980, a

sociedade brasileira passou por ocorrências de ordem popular, política e econômica,

algumas dessas tiveram vertentes de tendências internacionais, enquanto outras foram

frutos de processos internos, tais como: as movimentações populares e políticas em

torno do fim do período de ditadura, os movimentos que propuserem reformas nacionais

(como o Movimento Nacional pela Reforma Urbana) e a construção e promulgação da

nova Constituição Federal de 1988. Esses acontecimentos influenciaram o que pode ser

chamada de uma redemocratização do poder público administrativo nacional e a

introdução de novas políticas, diretrizes e leis, sobretudo, por meio das determinações

da nova Constituição e posteriormente, das novas perspectivas do planejamento urbano

definidas pelo Estatuto da Cidade.

Por meio das novas políticas, leis e diretrizes constituídas, houve tanto a

transferência de parte das responsabilidades do poder público administrativo federal

para a esfera local, como também a abertura de novas possibilidades para o

planejamento das cidades, ou seja, através desse processo, os governos locais

conquistaram maior autonomia de atuação na esfera do seu município. Desse mesmo

modo, foram firmados a eles novos encargos e tarefas, entre eles, o compromisso de

realizar o desenvolvimento econômico e social do município. Para tanto, seria elaborado

um planejamento municipal que possibilitasse esse desenvolvimento de modo

democrático, utilizando-se de mecanismos como a elaboração do Plano Diretor com

participação da população (conforme definido pelo Estatuto da Cidade, em 2001).

No âmbito dessas mudanças, o artigo tem enquanto objetivo: contribuir à

discussão de como essa autonomia do governo local (e os trâmites que a envolvem) se

relaciona com as políticas que objetivam a democratização do planejamento urbano com

a população local, assim como também, o modo como essa última, se mobiliza à essa

integração com o governo, nos detendo no estudo de caso de uma cidade média (Vitória

da Conquista/BA), enquanto exemplo de tal processo.

Para que tais objetivos sejam alcançados analisaremos: o contexto que

possibilitou a descentralização do poder administrativo para o plano da gestão

municipal no Brasil, bem como, alguns rebatimentos desse processo no cotidiano

citadino; será discutida também, a política constituída para um planejamento urbano a

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161

ser exercido pelo governo municipal e a forma tanto como está institucionalmente

proposta a democratização desse planejamento, quanto, o modo como a participação

popular está sendo inserida nesse por parte das prefeituras e pela própria população. Por

fim, conforme já citado, analisaremos tais dinâmicas no estudo de caso de Vitória da

Conquista.

2- Papéis para o governo local e novos agentes para uma governança

municipal

Fortalecer os municípios por meio de sua maior autonomia. Esse princípio,

sem dúvida, norteou aqueles que vislumbraram na desconcentração de parte do poder

decisório do plano nacional para os municípios, uma relevante estratégia, não só para o

Estado, mas como também, para a economia. Todavia, que poder decisório é esse?

Esse “poder de decisão” significa que, de acordo com os interesses de

agentes político-econômicos e com o que foi definido pelas diretrizes da Constituição

de 1988, o desenvolvimento da cidade é também compromisso do governo local e, para

que tal seja alcançado, os governantes passam a ter competência para traçarem seus

projetos, planos, estratégias e formularem suas alianças visando essa ascensão. Tal

perspectiva sem dúvida é bastante emancipadora para as cidades, uma vez que, de

acordo com suas especificidades, cada governo pode atuar na esfera do seu município

com mais capacidade, autonomia e incentivo federal para isso. Entretanto, de forma

prática, o desenvolvimento que deveria privilegiar setores sociais (como educação e

saúde), se engajou propositadamente numa perspectiva economicista, criando uma

estreita aliança com os interesses e perspectivas do capital, inserindo a cidade nos

moldes de uma empresa, administrada pelo governo local e por seus parceiros do capital

privado (VAINER, 2000).

Nesse contexto, em acordo com o que propõe Orlando Santos Júnior (2001)

e Carlos Vainer (2000), a atribuição de uma maior autonomia para a esfera municipal,

significou um importante passo dado em sinal de cooperação com o neoliberalismo.

Logicamente, os componentes do mercado econômico apoiaram e apoiam não só a

delegação de poder aos municípios, mas a competitividade entre cidades e sua projeção

ao mercado global. Dessa forma, a autonomia local pode atender os interesses da

economia de mercado, uma vez que as prefeituras podem ser aliadas muito mais

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162

prestativas e práticas aos interesses imediatos da economia do que o Estado nacional

fora um dia. Além disso, o diálogo entre Estado e mercado tornou-se mais fácil e direto,

bem como as negociações por melhores e mais lucrativas condições de atuação.

Nesse âmbito, a autonomia das cidades visando seu desenvolvimento, foi

item presente nas concepções de órgãos internacionais como o Banco Mundial

(SANTOS JÚNIOR, 2001) e tema de discussões em conferências e encontros mundo

afora. Segundo o que foi proposto, por meio de um processo que estimula administrar a

cidade como se fosse uma empresa, cuja as atividades devem ser competitivas em prol

do seu próprio desenvolvimento, muitos problemas urbanos (como a pobreza e o

desemprego) seriam atenuados. Para além disso, se buscava aprimorar a capacidade

institucional, empreendedora e produtiva de cada município, o que em larga escala,

aumenta o desempenho do próprio capital como um todo.

No contexto de implantação dessas práticas, a parceria público-privada

tornou-se essencial a esse modelo de “desenvolvimento”, e em acordo com esse intuito

a administração local e o empresariado (empresas e corporações) fundaram articulações

numa relação de parcerias e trocas que contempla interesses de ambos os lados.

Instaura-se neste ponto uma governança político-econômica (também denominada de

governança urbana, empreendedorismo urbano ou empresariamento urbano), na qual, o

governo local deve ser dotado, no mínimo, de um nível básico de complexidade para

buscar novas parcerias com os agentes econômicos e se engajar em novos projetos para

o desenvolvimento da economia municipal (M. H. SANTOS, 1997). Além disso, ao

contrário do que é por vezes discutido, o Estado, enquanto unidade administrativa da

nação, não tem, nesse contexto, o seu papel reduzido, pois, para que o

“desenvolvimento econômico” aconteça, o poder público deve ser atuante visando

subsidiar um cenário possível a isso.

Todavia, nesse sentido, não há razões para acreditar que parcerias entre o

público e o privado foram ou são completamente benéficas à totalidade do município e

mais precisamente da cidade. O sentido desse desenvolvimento que foi e ainda está

sendo implantado, há de ser sempre acompanhado de aspas ou ainda de uma “saudável

desconfiança” (SOUZA, 2006). O que pode ser observado é que essa parceria por vezes

enfraquece com veracidade os serviços públicos, além de aumentar o custo de vida da

população e fortalecer o poder de comando de forças já dominantes. Neste ponto, o

Estado se faz mínimo, mas somente no que diz respeito as suas funções sociais, em

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relação a sua responsabilidade em auxiliar a reprodução do capital ele permanece

presente e atuante.

Dessa forma, a maior descentralização do poder administrativo para a esfera

municipal foi acompanhado do alargamento das relações entre prefeituras e agentes

econômicos. O capital empreendedor passou a estar presente nas cidades de modo mais

incisivo e influente do que fora num cenário anterior. Essa aproximação impactou em

ganhos e perdas para a população dessas cidades, pois, se o capital participava cada vez

mais das atividades municipais, a população, por sua vez, não estava presente nessa

mesma proporção, ou seja, embora as tomadas de decisões estivessem mais próximas do

cotidiano das pessoas – via maior autonomia do governo local – não houve espaço para

planos urbanos que além de desenvolvimentistas fossem verdadeiramente sociais e

democráticos. Isso está associado à própria lógica neoliberal diluída nas cidades, uma

vez que, por meio dos interesses neoliberais, a despolitização da política e dos

indivíduos, a perpetuação de cidadão desmobilizado, apolítico e conformado com seu

cotidiano, é algo benéfico a reprodução de um sistema calcado na cidade enquanto

empresa competitiva, com exploração da força de trabalho e reafirmação das diferentes

classes sociais.

Nesse contexto, evidencia-se que num âmbito geral: “A proximidade do

governo local com os cidadãos não seria elemento suficiente para garantir nem maior

democracia e participação nem tampouco maior eficiência e eficácia administrativas.”

(SANTOS JÚNIOR, 2001, p.45).

É observável que tal descentralização é estratégica de modo a atender

interesses de grupos hegemônicos, e partilha de poder entre capital e Estado não é

expressão de maior democracia. Entretanto, com o governo local atuando de forma, por

vezes, socialmente insatisfatória, com medidas que privilegiam o empresariado em

detrimento do restante da população e com práticas que são rejeitadas por parte da

própria sociedade, cria-se um cenário que contribui para que as demandas populares

também se façam presentes com certa incidência. Nesse caso, a maior proximidade com

o poder local, não gera, por si própria, a democracia, todavia, em consequência das

próprias práticas desse governo local, são abertos caminhos para reinvindicações. A

população sente-se mais inclinada a demandar melhorias frente a um governo que

encontra-se, de certo modo, mais próximo.

Há neste ponto um cenário que, apesar de contraditório, é favorável à

multiplicação dos atores sociais e a infiltração da população na construção de uma

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governança com maior democracia. Pois, se a governança neoliberal privilegia os

interesses econômicos, a população que arca com as mazelas desse sistema, pode, por

outro lado, reivindicar melhores condições de vida e mais diálogo entre governo e

população. Nesse caso, o próprio cenário de privilégios predominantemente

economicistas cria, involuntariamente, motivações para o surgimento de espaços de

contraposição da população na luta por maior justiça social e por uma governança

também com inserção dos interesses sociais.

Acerca disso, Santos Júnior (2001, p.45) ressalta: “A noção de governança

sugere que a capacidade de governar não está unicamente ligada ao aparato

institucional.” Conforme já abordado anteriormente, a governança pode abranger novos

atores e novas formas compartilhadas de governar, nesse caso a sociedade também pode

ser um agente, desde que o Estado permita e se empenhe para em tal processo e a

sociedade se engaje em participar.

Nesse ponto, faz-se relevante destacar que muitos são os conceitos,

interpretações e modos de uso para o termo governança. Se seu sentido, enquanto modo

partilhado de governo, de início esteve voltado quase totalmente para os princípios e

interesses do capital e do Estado, tem-se nos últimos anos (a partir da década de 1980,

sobretudo) a tendência a entrada de novos atores com princípios sociais nesse processo

(M. H. SANTOS, 1997). Esses buscam modos de difundir uma governança

democrática, ou seja, que a partilha do poder incorpore a sociedade, os intuitos da

população e um controle sobre as tendências neoliberais mais ambiciosas e exploradoras

(a cidade-empresa).

Muito possivelmente, esse contexto/tendência de: municípios autônomos,

cidades enquanto empresas competitivas e alguns atores sociais buscando maiores e

melhores canais de participação para espaços urbanos mais democráticos, é o atual

cenário vivenciado por várias localidades brasileiras. Conforme dito anteriormente, não

há como negar que a descentralização do poder decisório do plano federal para o

município, faz o caminho da participação popular menor e mais direto que outrora. Sem

dúvida, a Constituição de 1988 tornou o cenário muito mais favorável a essa interação e

à própria governança democrática, o que foi reafirmado treze anos depois com a

aprovação do Estatuto da Cidade (BRASIL, 2001). Contudo, há ainda que se questionar:

Como os interesses sociais podem ter um verdadeiro espaço de participação no atual

modelo/tendência “empresarial” de administração das cidades? Se há uma possível

governança democrática, como ela atua?

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165

Torna-se relevante elucidar que a perspectiva de maior democracia abordada

nesse artigo, não é limitada pelos princípios da representatividade ou pela participação

compulsória, ao contrário, ressalta-se que há possibilidades para uma interlocução mais

direta, livre e influente entre Estado e sociedade, que não vise somente ganhos pontuais,

e sim, uma abertura maior para uma integração significativa.

3- A política de democratização do planejamento urbano: perspectivas

institucionalizadas e possibilidades insurgentes

Conforme abordado anteriormente, a Constituição de 1988 possibilitou

novos horizontes à inserção da população nos processos de tomadas de decisão do

governo em algumas instâncias. Antes mesmo a isso, no contexto do Movimento

Nacional pela Reforma Urbana (MNRU) a sociedade já tinha mostrado força,

mobilização e interesse em participar dos processos decisórios, bem como em fazer-se

ouvir suas demandas e sugestões a respeito de ações e políticas destinadas à cidade. Por

meio de processos como este, o governo federal foi pressionado a criar canais que

permitissem esse acesso da população em algumas decisões tomadas, ainda que isso foi

concretizado num plano meramente consultivo. Todavia, algumas demandas propostas

pelo MNRU efetivaram-se na Constituição de 1988 e foram reafirmadas com o Estatuto

da Cidade em 2001.

De acordo com o que foi instaurado pelo referido Estatuto (BRASIL, 2001),

o planejamento municipal foi “reeleito” enquanto peça-chave norteadora ao

desenvolvimento das cidades com justiça social. Todavia, nessa nova proposta de

planejamento, tal como é defendido pelo Estatuto, esse deve ser elaborado conforme as

necessidades de cada município, devendo ser ouvida as propostas e sugestões da

população. Dentro desse contexto, o Plano Diretor é adotado enquanto instrumento

direcionador de ações, e essencial ao planejamento, sendo obrigatório, a todos os

municípios com população superior a 20 mil habitantes. Esse também deve ser

elaborado com participação da população.

Contudo, tanto o planejamento quanto o plano diretor já eram velhas

propostas adotadas, sobretudo nas grandes cidades brasileiras, a diferença é que no

contexto pós-constituição essas ganharam novas perspectivas democráticas e novas

diretrizes que visavam sua implementação, assim como também, passaram a abranger

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um número maior de cidades, tendo em vista que, centros urbanos pequenos e médios

também tiveram que construir seus planos, ao menos era o que constava nos preceitos

estabelecidos pelo Estatuto da Cidade.

Todavia, ao que diz respeito a parte operacional de diretrizes como as

estabelecidas pelo Estatuto da Cidade (2001) visando a integração do poder público com

a população, isso ainda é algo muito aquém do esperado, na maioria das cidades

brasileiras, uma vez que - com exceção de alguns exemplos de abertura do poder

público à participação popular e da implantação de políticas voltadas a esse intuito,

como é o caso do Orçamento Participativo de Porto Alegre/RS (SOUZA, 2002) - muito

do que é planejado não é eficazmente efetivado no contexto das cidades. Em muitos

casos, é reproduzida a mesma situação dos antigos “planos do discurso”, já amplamente

debatidos e criticados por sua postura tecnicista, segregadora e elitista, que pouco

tentava solucionar os graves problemas urbanos, antes privilegiavam uma pequena

minoria de status e os interesses econômicos, a mercê do grande restante da população.

Como afirma Ermínia Maricato, esses planos urbanos (2000, p 148):

[...] Cumprem o papel do plano-discurso. Destacam alguns aspectos para

ocultar outros. É de conhecimento geral que no Brasil há “leis que pegam” e

“leis que não pegam”. Tudo depende das circunstâncias e dos interesses

envolvidos. É mais frequente parte do plano ser cumprida ou então ele ser

apenas aplicado a parte da cidade. Sua aplicação segue a lógica da cidade

restrita a alguns.

Nesses casos, a Constituição e o Estatuto da Cidade não foram suficientes

para implantar efetivamente suas próprias diretrizes da “cidade justa”, as brechas

encontradas nessas leis aliadas à falta de empenho dos gestores em praticá-las, foram

mais que úteis para que esses continuassem planejando as cidades de acordo com seus

próprios princípios e que os planos diretores fossem muito pouco praticados ou que

fosse implantado somente aquilo que era interessante ao governo local. O que afirma

novamente que a política de democratização proposta pela Constituinte e pelo Estatuto e

a descentralização do poder decisório para a esfera local, por si só não geram mudanças

democráticas substanciais.

Essas mudanças, quando ocorrem, em alguns casos são provenientes de

outros rumos, até então pouco esperados. Trata-se de insurgentes formas de participação

que são verificadas em várias escalas, e vão muito além do plano local. Essas são

observadas desde a atuação de ONGs, movimentos reivindicatórios organizados,

associações de moradores, sindicatos, movimentos originados em meios digitais como

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em redes sociais, ou ainda pequenas reivindicações que tomam grandes proporções, a

exemplo do que ocorreu inicialmente com o movimento “Passe Livre” e depois tomou

dimensões em todo o país em 2013.

Todas essas formas de participação, apesar dos muitos obstáculos que

encontram para alcançarem conquistas efetivas e, por mais que, em sua maioria, estejam

lutando por demandas específicas e não por uma política democrática num plano maior,

têm contribuído através de sua militância, para o alargamento das vias que levam a

maiores espaços democráticos. Pode-se mesmo afirmar, que tais movimentos estão se

infiltrando de forma inesperada na tomada de algumas decisões e contribuindo para a

elaboração de outras (HOLSTON, 2013). Para isso, de certa forma, encontram um

cenário favorável a essas mudanças, possibilitado tanto pela relativa legalização da

participação popular, conforme foi apontado anteriormente, quanto pelo contexto

técnico-informacional do mundo globalizado.

Nesses termos, a globalização apesar de ser um processo

predominantemente capitalista, fornece, ainda que involuntariamente ao próprio

sistema, mecanismos para que haja uma mobilização via troca de informações, de

posicionamentos e de interlocuções entre pessoas. Dessa mesma forma, demandas e

opiniões são formuladas, distribuídas e articuladas, com maior rapidez, o que leva a crer

que há sem dúvida uma maior difusão de informações que podem facilitar e possibilitar

uma aliança entre sujeitos em prol de lutas por um melhor espaço de comum convívio.

4- Uma nova óptica para a o planejamento urbano participativo?

“A crise, a verdadeira crise, é continuar tudo como está.”

Walter Benjamin

As colocações desse ponto são frutos de leituras e observações empíricas de

processos ainda prematuros, esses estão acontecendo timidamente, ainda em fase de

insurgência, muito embaraçados nos obstáculos do próprio sistema capitalista. São

pequenas ocorrências de participação cidadã e da interferência dessas em ações

governamentais, pequenas principalmente se comparadas a outros fenômenos político-

econômicos de maiores rebatimentos, entretanto, mesmo desse modo, causam

repercussões. Esses, não ocorrem unicamente no cenário das cidades brasileiras, mas

são verificados num contexto internacional. Podemos tratá-los como possíveis

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tendências, que, caso cultivadas podem ser o início de novas formas populares de

promover gestões urbanas com um grau maior de democracia. Segundo James Holston

(2013, p.25), os cidadãos que buscam por formas insurgentes de mobilização, estão

inseridos numa luta na qual desejam:

[...] que o país vá bem, depois de tantos equívocos, que seu trabalho seja

valorizado, que suas realizações sejam reconhecidas e as injustiças, sanadas.

Anseiam por uma partilha justa dos imensos recursos do país, desde sempre

monopolizados pela habitual elite afrontosa, mimada e impune que sempre

pareceu estar inexoravelmente no controle do destino do Brasil.

Nesse contexto, pode-se observar que as vertentes dessas transformações

ocorrem num sentido de baixo para cima, ou seja, das camadas populares para

confrontar o poder do Estado capitalista e da classe dominante e, nesse contexto, é

interessante que aconteça dessa forma, pois, é nesse setor da sociedade, na classe menos

favorecida, que as ações do Estado e da economia ganham sua face mais perversa (M.

SANTOS, 2007).

Era esperado que a população que compõem essa classe, enquanto

trabalhadores pobres, muitas vezes explorados pelo sistema para quem trabalham,

fossem alienados por esse ou pelo discurso dos “meros efeitos colaterais da pátria em

desenvolvimento”, ou ainda, por todo o hipnotismo do consumo e da mídia, de fato,

parte dos sujeitos que arcam com os custos da cidade-empresa são ludibriados pelo

marketing e pelas pregações do capital e do Estado (VAINER, 2000). Entretanto, há de

se destacar que uma minoria insurge via pequenas articulações que atuam

principalmente no plano do local.

Neste âmbito, apesar de ser reconhecido o papel desempenhado por grandes

ONGs internacionais, que atuam em várias frentes ao redor de todo o mundo, neste

artigo, quando citamos tais movimentos articulados estamos nos referindo a algo de

menor proporção que atua na esfera local das cidades à qual pertencem. Trata-se de

movimentos de resistência, associações de moradores de bairro, sindicatos, ligas

comunitárias dentre outros modos de articulações de pessoas com objetivos em comum

(dentro do movimento no qual estão inseridos) interessadas em lutar contra forças

hegemônicas e conseguir a resolução de suas reivindicações. A proposta dessa discussão

faz surgir nesse contexto uma questão essencial: como essas pequenas mobilizações

populares podem trazer impactos substanciais ao planejamento das suas cidades?

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De fato, está sendo atribuída neste trabalho uma atenção específica às

formas insurgentes de participação e para que essas possam acontecer de forma eficaz,

ou seja, com ganhos substanciais para a população e para a democracia, ainda que na

esfera local, são necessárias condições prévias tais como; a informação e a

conscientização da população de muitos trâmites que estão para além do lhe é

imediatamente visível (esses por vezes atingem o seu cotidiano e implicam-lhe

rebatimentos), posteriormente, são fundamentais também; o empenho e a mobilização

dessa população para a participação. Concomitantemente a isso, é preciso que haja

também uma mínima abertura do Estado ao diálogo, uma vez que, uma postura inversa,

de repressão ou indiferença frente à participação popular, não condiz com as práticas

democráticas de governo. Essa mínima abertura, para o caso das cidades brasileiras, já

foi legalizada num plano geral com a Constituição de 1988 e com o Estatuto da Cidade,

cabe à governança local implantá-la.

Dessa forma, passamos novamente a inserir a governança no contexto da

discussão por ela ser fundamental à forma como esses mecanismos insurgentes de

participação vão interagir e conseguir algum espaço no processo de tomada de decisões

no meio citadino. Uma governança que queira atender unicamente aos objetivos dos

donos dos meios de produção e da classe dominante irá embargar essa participação,

todavia, uma governança disposta a ser minimamente democrática irá aceitar, ao menos,

consultar esses movimentos.

Admitindo um outro viés de pensamento, nesse mesmo contexto, a

população em si também possui poder, tendo em vista que, esse último, é também a

capacidade de fazer o desejo imperar, utilizando-se dos meios necessários. No caso

mesmo dessas pequenas mobilizações, uma iniciativa á participação social, ainda que

pequena, pode pressionar uma governança, mesmo que essa seja autoritária, excludente

e trabalhe somente para ampliar o desenvolvimento econômico da cidade. Esses

movimentos podem se infiltrar numa governança e fazer-se serem ouvidos, assim como

também, podem utilizar de seus próprios meios de comunicação para repercutirem suas

demandas e engajarem outros sujeitos na luta por seus objetivos. O Estado e seus

aliados pode não ceder a princípio, mas ao menos será cobrado a ouvir essa população.

Com a atuação de movimentos reivindicatórios na cidade, e se isso ocorrer

de forma incisiva, o governo local é levado a se abrir para uma interlocução, nesse

âmbito, se a população conseguir se engajar e insistir em seus princípios, buscando

espaços mais amplos de se inserir, conquistas que inicialmente eram pontuais podem

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levar a conquistas democráticas numa esfera maior, como bem exemplifica alguns

estudos de casos feitos por Holston (2013) e Souza (2002). Em ambos os estudos desses

autores, a população soube lidar com a ferramenta da participação popular, que depois

de muitas lutas, finalmente lhe esteve acessível, conseguindo por meio de um diálogo

direto com a governança local, alcançar vitórias substanciais que repercutiram em

melhorias não somente do seu cotidiano, mas de outros muitos que estavam

interligados.

Para casos onde isso acontece, tem-se a inserção de novos atores sociais na

cena da tomada de decisões do governo local. A entrada desses atores é decisiva para a

promoção de uma governança local democrática e, consequentemente, de um

planejamento urbano participativo não somente na esfera do discurso, mas sobretudo no

plano prático.

Na perspectiva dessa discussão, será exemplificado no próximo tópico o

exemplo do planejamento urbano participativo da cidade média de Vitória da

Conquista/BA. Todavia, antes que a cidade seja definitivamente introduzida para

análise, é válido serem feitas algumas ressalvas: primeiramente, a governança municipal

da referida cidade não é satisfatoriamente democrática, o espaço urbano conquistense

não se trata de um oásis, no qual as perspectivas mais otimistas do planejamento urbano

participativo podem se concretizar, nem mesmo é possível observar nessa uma

quantidade surpreendente de mobilizações sociais. É preciso elucidar que Vitória da

Conquista, tal como inúmeras outras cidades brasileiras, passa por diversos problemas

tais como: segregação, precarização de bairros pobres, crescimento desordenado,

especulação imobiliária, carência de serviços públicos essenciais, dentre outros.

Todavia, de acordo com a pesquisa que está em desenvolvimento, o que faz da cidade

ser um exemplo dessa discussão (como será verificado adiante) é a forma como parte da

sua população está se engajando para lutar por melhorias em seu cotidiano e o modo

como o governo local está dialogando com a participação que está sendo construída.

5- Discursos e práticas no planejamento participativo de Vitória da

Conquista/BA

Vitória da Conquista/BA (mapa 1), segundo dados do IBGE (2010),

localiza-se na mesorregião do Centro-Sul baiano a 509 km da capital do estado,

Salvador. O município de acordo com o último censo de 2010 (IBGE, 2014) tem

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população de 306. 866 habitantes, sendo que desses, 10,5% (32. 127) estão na zona

rural e 89,5% (274.739) na zona urbana.

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Mapa 1- Localização do município de Vitória da Conquista/BA, 2013

A cidade em questão, não é tomada para análise neste estudo por ser um

exemplo isolado do que já foi discutido nesse artigo. Entende-se que apesar das

especificidades deste caso, há vários outros exemplos de cidades, no contexto dentro e

fora do Brasil, que também possuem ocorrências, mais expressivas até, da inserção da

participação cidadã no governo local.

Nesse contexto, como muitas cidades brasileiras consideradas (por função

inter e intra-urbana e demografia) como médias (SPOSITO, 2006), Vitória da Conquista

passou por um intenso processo de transformações em seu cenário sócio-econômico-

espacial, principalmente devido à reestruturação produtiva que influenciou

decisivamente todo o contexto em que a cidade estava inserida, reformulando-a,

atribuindo-lhe novas funções e características, num período que começa com maior

incidência, sobretudo após a década de 1970 (MEIRA, 2013).

Pode-se evidenciar (de acordo com os estudos de Ferraz (2001)) que essas

transformações repercutiram do cenário externo para o cenário interno da cidade. Isso

ocorreu por meio, principalmente, de novos trâmites produtivos no campo da região,

que influenciaram uma grande expropriação de ex-trabalhadores rurais, que partiram do

campo e buscaram na cidade, “em desenvolvimento”, novas oportunidades de

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sobrevivência. Esse último aspecto, aliado a fatores como a chegada de novos capitais

empreendedores, o crescimento do comércio, a introdução de novos serviços e a

consolidação de outros já existentes, fizeram com que a cidade polarizasse um fluxo de

novos moradores, assim como também, de consumidores não-fixos de cidades vizinhas.

Como expressão desse processo está o rápido aumento demográfico da

zona urbana, a saber: a cidade que possuía 48. 712 mil hab. em 1960, dez anos depois,

em 1970, já contava com 85. 959 mil, situação que continuou por toda década de 1980,

1990, assim como também de 2000 a 2010 (ainda que o ritmo de crescimento tenha

diminuído nessas duas últimas décadas), e então, de acordo com o último censo de 2010

(IBGE, 2014) a cidade conta com 274.739 mil hab., em sua zona urbana.

Todavia, desde 1970, apesar do crescimento da economia, dos altos índices

de crescimento demográfico, da multiplicação dos bairros, da ampliação do setor de

serviços, da chegada de novos empreendimentos e de uma série de outras

transformações, a cidade até o final da década de 1990 pouco tinha se desenvolvido em

termos de qualidade do seu espaço urbano, tendo em vista que, Estado, proprietários

fundiários e agentes econômicos administravam entre si o espaço urbano conquistense,

fundados numa relação por vezes clientelista. Em consequência disso, a cidade cresceu

desordenadamente ao gosto dos proprietários fundiários que com a permissão do

governo local, tornaram-se incorporadores imobiliários, produtores de extensos bairros

periféricos pobres, com muito pouco ou quase nenhuma infraestrutura. Ainda nesse

contexto, a população (com exceção de alguns movimentos sociais principalmente de

luta pela moradia), muito pouco participava das discussões sobre a cidade (FERRAZ,

2001).

As primeiras tentativas de planejar o espaço urbano da Vitória da Conquista

começaram ainda na década de 1970, com a criação da Lei Orgânica do Município, essa

tinha como foco central coordenar de uma forma tecnicista os locais de expansão da

cidade e o preenchimento dos vazios urbanos, todavia, de modo concreto, pouco foi

feito em relação à implantação dessa lei.

Em 1976, por cobrança de órgãos federais para liberação de financiamentos

ao município, a prefeitura estabeleceu convênio com a Faculdade de Arquitetura e

Urbanismo da Universidade Federal da Bahia para a criação do primeiro Plano Diretor

Urbano de Vitória da Conquista. Esse deveria indicar o ordenamento territorial da

cidade, monitorar o parcelamento do solo urbano e contribuir para o planejamento de

seu espaço. O plano foi aprovado em 1977, todavia, em acordo com a tendência de

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outros planos diretores brasileiros elaborados nesse período “os planos de gaveta”

(MARICATO, 2000), esse nunca chegou a ser posto em prática, além disso, mesmo

posteriormente a sua promulgação continuaram a ser aprovados loteamentos sem

infraestrutura na periferia pobre conquistense.

A história do planejamento urbano da cidade só adquire novos contextos a

partir do ano de 1997, quando um novo grupo político do Partido dos Trabalhadores

chega ao poder. Essa nova gestão incorporou novas perspectivas democráticas com a

implantação das rotinas participativas no planejamento urbano municipal. A troca do

governo foi relevante nesse aspecto, pois a prefeitura local passou a incorporar parte das

tendências participativas que tinha o caso do Orçamento Participativo de Porto

Alegre/RS, como principal exemplo. Nesse contexto, a experiência participativa de

Porto Alegre, foi publicamente admitida pelo governo de Vitória da Conquista como

modelo adotado pela administração local para uma gestão participativa, e ainda que

fossem necessárias algumas adequações as especificidades do município, no final da

década de 1990 foi instaurada a política do Orçamento Participativo Municipal, a qual

perdura até a atual gestão (2012-2016) (NOVAES, 2011).

Dessa forma, de 1997 até 2014 o mesmo grupo gestor manteve-se no poder,

isso, de certo modo, facilitou que os princípios de encorajamento de algumas rotinas

participativas municipais fossem levados a diante, e com o passar dos anos, as práticas

que integram interesses políticos, econômicos e sociais na tomada de algumas decisões

públicas, foram aprimoradas, de modo que, pode-se falar atualmente na construção,

ainda frágil, de uma governança democrática no município.

De acordo com estudos realizados pela presente autora, nessa construção de

uma possível governança democrática municipal, atores sociais conquistaram espaço e

certa autonomia para se organizarem de modo a lutar por suas demandas, além disso,

frequentemente, esses são convocados pelo poder público para discutirem questões da

cidade em encontros e congressos temáticos realizados esporadicamente, nesses,

fortalecem-se canais que viabilizam a mobilização, o associativismo e o diálogo entre

população e governo local, como é o caso do Congresso do Orçamento Participativo e

do Congresso do Movimento Unificado de Associação de Moradores.

Nesse mesmo contexto, observa-se o rebatimento direto dessas práticas no

planejamento urbano do município e em instâncias participativas, como nos conselhos

municipais, esses, além de estarem em sua maioria ativos, contam com a participação

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permanente de conselheiros representantes da população, em suas discussões e nas

decisões tomadas.

A população integrante dessas “rotinas participativas” do município é em

sua maioria composta por trabalhadores pobres, residentes dos bairros periféricos da

cidade, esses participam de associações como as de bairro, na qual, por meio dessas,

tem também acesso a informações sobre outras instâncias de participação como o

orçamento participativo e os conselhos municipais. Entretanto, é principalmente via

associação de moradores de bairro que a população pode participar de forma ainda mais

direta, uma vez que intermediadas por seus líderes, essa propõe suas principais

demandas e partem para a interlocução com instâncias representativas maiores como o

Movimento Unificado de Associação de Moradores do município, que leva as

demandas das associações de bairro até o poder público local. Esse último, apesar dos

muitos interesses assistencialistas e de politicagem que quase sempre se fazem presentes

nesse tipo de relação, recebe e responde as demandas. Nesse caso, observa-se que há,

mesmo que imperfeita, uma integração entre parte da população e a prefeitura. O que

por si só é um avanço, principalmente comparado a situações de outrora, onde a

participação era nula, ou então, com finalidades unicamente clientelistas de troca de

ações por votos.

Todavia, apesar dos grandes avanços, no que diz respeito aos canais que

permitem o engajamento da sociedade civil conquistense no planejamento urbano

municipal, as vias que levam a essa participação ainda são de pouca abrangência e não

totalmente definidas e institucionalizadas. As associações de moradores de bairro, por

exemplo, têm conseguido estreitar laços com a governança local e fortalecer sua

influência e autonomia até mesmo via a criação do Movimento Unificado das

Associações de Moradores, o que é um grande passo, contudo, não são todas as

associações que conseguem se articular e integrar os moradores às suas atividades, em

alguns casos, somente uma parcela muito pequena da população do bairro se mobiliza a

fazer parte da associação, em outros, apesar de criada e legalizada a associação logo

entra em desmobilização, se extinguindo com o tempo.

Nesse âmbito, se por um lado há uma afirmação de uma governança local

relativamente determinada aos interesses municipais e interligada com atores

econômicos e com alguns atores sociais, por outro, ainda não há no município políticas

que visem uma habilitação efetiva dos cidadãos acerca de qual a importância, do se

trata, do seu direito à essa participação e de como participar, ou seja, não há sobretudo a

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informação para uma conscientização maior da população acerca da importância desse

processo. Segundo estudos desenvolvidos anteriormente, em Meira (2013), muitos

conquistenses ainda desconhecem as instâncias democráticas permitidas pela própria

governança local.

Isso sem dúvida é um grande problema e desafio, pois do mesmo modo que

se identificam avanços e concretudes, como o interesse de parte da população em se

engajar em movimentos participativos, é observado também, obstáculos limitadores

que, em sua maioria, envolvem a capacidade, o interesse e o empenho da própria

governança local em criar e possibilitar práticas que despertem a população a

importância de se inserir em instâncias de interlocução entre governo e sociedade. O

que de fato não é um problema observado somente em Vitória da Conquista, mas em

várias outras cidades.

6- Considerações finais

Sempre que são discutidas formas insurgentes de mobilização popular,

pairam no ar a instabilidade, a angústia do que irá acontecer no futuro e as incertezas de

se haverá ou não um ganho efetivo com essas práticas. Certamente é isso que ocorre

com as novas formas de participação da população no planejamento das cidades. De

fato, observa-se que há alguns promissores avanços e outras tantas amarras a esse

processo. Uma vez que podemos estar diante de um princípio de mudanças sociais,

políticas e econômicas, que nos levarão a uma sociedade com um maior grau de

democracia, assim como também, podemos estar em frente a mais um processo bem

intencionado de início, que é com o tempo, abafado e gasto pela própria forma de

organização da sociedade capitalista.

Todavia, há que se lembrar que as dinâmicas futuras da própria cidade são

incertas e nesse contexto, a sua governança, o planejamento urbano, a economia, o

perfil da população e a própria democracia segue essa mesma sentença. Como afirma

Boaventura Sousa Santos: “O futuro é hoje para nós [...] simultaneamente mais próximo

e mais imperscrutável. Nunca esteve tanto nas nossas mãos, mas as nossas mãos nunca

foram tão ignorantes sobre se afagam uma pomba ou uma bomba (2013, p.63)”. Estar

em nossas mãos, não significa que as perspectivas mais otimistas se concretizarão, e

sim, que a própria sociedade escolhe seus rumos, ainda que quase sempre ela seja

levada (ou alienada) a deixar que um seleto e dominante grupo decida pela totalidade.

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Contudo, essa situação não é imutável, depende de como a população luta para partilhar

do poder decisório e de como os “empoderados” se relacionam com essa possibilidade

de participação.

Ressaltamos que a governança democrática, apesar de estar longe da

plenitude, da delegação total de poder para o cidadão ou da autogestão popular

(SOUZA, 2006), se destaca por apresentar-se, entre as ferramentas reais de participação

que podem ser verificadas atualmente, uma possibilidade nada fácil, porém concreta de

parceria mais justa entre Estado, agentes econômicos e população, essa pode trazer

significativas melhorias para o cotidiano das cidades e a atenuação de problemas desde

sempre verificados no contexto dessas. Entretanto, para que essa, mesmo que

imperfeita, integração se instale, ainda é necessário - apesar dos insurgentes avanços - o

empenho de vários agentes envolvidos, visando a construção de uma governança

verdadeiramente democrática na esfera local.

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7- Referências

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180

O INDIVÍDUO/USUÁRIO E A PARTICIPAÇÃO NAS POLÍTICAS

DE RESÍDUOS SÓLIDOS: O CASO DO PROGRAMA LIXO ÚTIL

EM TOLEDO/PR

Fábio de Oliveira Neves64 Tainara Ianka Maas*65

Resumo

As políticas de resíduos sólidos contemporâneas têm afirmado o foco sobre o

indivíduo/usuário: agente ativo do processo, alvo de treinamentos, orientações e

detentor legítimo de reivindicações. Esta pesquisa objetiva refletir essas transformações

do papel do indivíduo nos programas municipais ligados à triagem e reciclagem de

resíduos sólidos. Propõe-se o estudo de um caso específico, o Programa Lixo Útil em

Toledo/PR, utilizando-se de dados de captação de recicláveis, questionários e

entrevistas de opinião com habitantes do município. Neste caso, a participação

progressiva contrasta com a falta de orientação contínua para o uso dos equipamentos,

comprometendo o desenvolvimento do programa.

Palavras-chave: resíduos sólidos; coleta seletiva; participação popular.

Introdução

A participação popular está na essência das políticas de resíduos sólidos

contemporâneas. O foco destas recai principalmente nas ações do indivíduo/usuário do

serviço público, na sua cooperação e participação ativa no manejo dos resíduos sólidos.

De simples habitante atendido pelos serviços de coleta e transporte de

resíduos, o indivíduo passa a ser considerado agente ativo do processo, foco de

treinamentos/orientações e detentor legítimo de reivindicações, enquanto usuário dos

serviços públicos. O desenvolvimento de redes sociotécnicas baseadas numa

participação razoável do usuário revela a centralidade deste nos sistemas de manejo de

resíduos sólidos (BARBIER, 2002).

64

Prof. Adjunto do Programa de Pós-Graduação em Geografia Unioeste - Campus de Mal. Cândido Rondon/PR 65

Bolsista de Iniciação Científica PIBIC/Unioeste * A coautora não apresentou o presente trabalho e não participou do evento

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Categorias como cidadão, usuário, consumidor e morador constituem

múltiplas facetas de um público progressivamente solicitado em diferentes fases da

cadeia de gestão de resíduos (ROCHER, 2006). A redefinição do papel da população

incita, portanto, ao estudo mais atento dos esforços realizados e dos meios utilizados

pelos gestores para persuadir os habitantes da necessidade de sua cooperação

(RUMPALA, 1999).

Nesse sentido, os programas de coleta seletiva surgem como laboratórios

para a reflexão sobre a modificação do papel da população no manejo dos resíduos

sólidos, pois têm como fundamento práticas como: a triagem nas residências, o

acondicionamento e a disposição correta do lixo reciclável, que dependem do

envolvimento popular e da ação cotidiana.

Nesse contexto, propõe-se um estudo baseado em reflexões sobre o papel do

indivíduo/usuário dos serviços públicos em um caso específico: o Programa Lixo Útil,

que completou 20 anos de existência no município de Toledo/PR.

Toledo é um município de porte médio com 119.353 habitantes (IBGE,

2011), localizado no Oeste Paranaense (Figura 1), sendo um dos três maiores produtores

de resíduos da região, atrás de Cascavel e Foz do Iguaçu.

FIGURA 1. MAPA DE LOCALIZAÇÃO.

MUNICÍPIO DE TOLEDO, ESTADO DO PARANÁ, BRASIL.

Na década de 1990, a prefeitura municipal promoveu ações visando resolver

os problemas do manejo dos resíduos: a terceirização dos serviços de coleta e

transporte; a erradicação do lixão municipal e a criação de programas ligados à

reciclagem, como o Lixo Útil.

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O objetivo deste estudo é o de refletir sobre as transformações do papel do

indivíduo nos programas municipais ligados à triagem e reciclagem de resíduos sólidos

domésticos. Pergunta-se: quais são as possibilidades e os limites da participação popular

no programa Lixo Útil em Toledo/PR?

Outras questões surgem em decorrência da primeira: quais as atribuições do

indivíduo/usuário no programa de coleta seletiva desenvolvido em Toledo? Qual a atual

situação da reciclagem municipal e como a participação popular pode contribuir para

melhorar seus resultados?

Desenvolve-se, nesse sentido, um estudo de caso, baseado nas modalidades

de coleta seletiva e na participação popular no programa Lixo Útil, através de dados de

captação de recicláveis, questionários de opinião com habitantes do município e

entrevistas com representantes de instituições e setores envolvidos com o problema dos

resíduos sólidos.

1. Resíduos sólidos domésticos e a responsabilidade compartilhada

O resíduo sólido doméstico é uma classificação por fonte produtora. Trata-

se daquele proveniente das atividades domésticas em residências urbanas (BRASIL,

2010), do consumo cotidiano e, portanto, considerado como banal, constituído

comumente de matéria orgânica, embalagens, papéis e vidros. Segundo o potencial de

risco à saúde e ao meio ambiente, é classificado pela Associação Brasileira de Normas

Técnicas (ABNT, 2004), como classe II, não perigosos.

No município de Toledo, que se emancipa de Foz do Iguaçu em 195166

, um

sistema de coleta de resíduos sólidos domésticos só foi instituído em 196967

.

Anteriormente, as práticas para se desvencilhar do lixo eram individuais e privadas:

queima, enterramento ou lançamento em terrenos baldios (CESCONETO, 2003). Em

1969, forma-se um sistema público de coleta de lixo, transporte por caminhões caçamba

e armazenamento ainda de forma rudimentar, sem tratamento, em locais inadequados

(CESCONETO, 2003)68

. A partir da formação desse sistema, o poder público local

assume a responsabilidade da gestão dos resíduos sólidos e a necessidade de seu

aprimoramento de acordo com as demandas da sociedade.

66

Pela Lei no. 790, de 14 de novembro de 1951.

67 Pela Lei n

o. 517, de 19 de setembro de 1969.

68 A saber, às margens da rua Parigot de Souza, próximas ao atual lago municipal, e na área industrial

chamada de Recanto Municipal (CESCONETO, 2003).

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No Plano Municipal de Gestão Integrada de Resíduos Sólidos de Toledo

(TOLEDO, 2011), os resíduos domiciliares, classificados de acordo com a origem,

confundem-se com os resíduos urbanos e são de competência do poder público local.

Em 2012, foram produzidas 26.520 toneladas de resíduos domiciliares no município

(SNSA, 2014). A massa de resíduos coletada per capita foi de 0,65 Kg/hab./dia (SNSA,

2014).

De acordo com a Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS), aos

municípios compete a gestão dos resíduos sólidos domésticos gerados em seu território,

isto é, a execução e/ou delegação a um terceiro da prestação do serviço de coleta,

transporte tratamento e destinação final do lixo (BRASIL, 2010).

Em Toledo, esses serviços foram delegados a terceiros: a coleta

convencional, o transporte do lixo e a limpeza de ruas e parques são realizados por

empresas privadas; a coleta seletiva e a triagem de recicláveis é tarefa da Associação de

Catadores de Toledo (ACR); e a operação no aterro sanitário é realizada por uma

autarquia municipal, a Empresa de Desenvolvimento Urbano e Rural de Toledo

(EMDUR) (TOLEDO, 2011).

A PNRS, a partir de sua aprovação em 2010, tem um impacto normativo

relevante, redefinindo competências e estabelecendo a responsabilidade compartilhada

entre atores públicos e privados como um dos princípios da gestão de resíduos sólidos

no Brasil (BRASIL, 2010).

A responsabilidade compartilhada tem objetivos relacionados com a

reciclagem do lixo doméstico, entre eles: compatibilizar interesses e processos de gestão

empresarial e mercadológicos com a gestão ambiental, desenvolvendo estratégias

sustentáveis; e promover o aproveitamento de resíduos sólidos, direcionando-os de volta

para a cadeia produtiva (BRASIL, 2010).

As competências estão divididas na PNRS da seguinte forma: ao setor

produtivo e comercial compete ao desenvolvimento de materiais e embalagens que

sejam reaproveitáveis ou recicláveis, além de estruturar e implementar sistemas de

logística reversa de pilhas, baterias, pneus, óleos lubrificantes, lâmpadas e produtos

eletroeletrônicos; os consumidores são obrigados a acondicionar e disponibilizar

corretamente resíduos sólidos reutilizáveis e recicláveis para coleta ou devolução; e ao

poder público local cabe estabelecer sistemas de coleta seletiva e se articular com

agentes econômicos e sociais para viabilizar o retorno dos materiais recicláveis ao ciclo

produtivo (BRASIL, 2010).

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A responsabilidade compartilhada torna-se, nesse contexto, fundamental

para a reafirmação da responsabilidade do indivíduo/usuário dos serviços públicos e

para o combate às práticas inadequadas de destinação.

O princípio do poluidor-pagador, presente entre os demais princípios da

PNRS emergiu com destaque na discussão sobre a redistribuição de responsabilidades

no setor.

O princípio do poluidor-pagador é aquele que impõe ao poluidor o dever de

arcar com as despesas de prevenção, reparação e repressão da poluição. Ou

seja, estabelece que o causador da poluição e da degradação dos recursos

naturais deve ser o responsável principal pelas consequências de sua ação (ou

omissão). (BENJAMIN, 1999, p. 401).

Considerando a responsabilidade do gerador de resíduos, que no caso do

lixo doméstico são as residências, a relação do homem com os resíduos passa a ser vista

sob um duplo viés: o do desenvolvimento sustentável e as ameaças que os agregados de

comportamentos individuais ocasionam ao funcionamento e à continuidade das cidades

(SEGAUD, 1992 apud BARBIER 2002).

A presença e o abandono do lixo no espaço público e a insalubridade às

margens das cidades, explorada pelo geógrafo Jean Gouhier (2003), evidenciam os

problemas ambientais do manejo incorreto dos resíduos. Esses problemas são

relacionados a uma negligência coletiva, indicada por Barbier (2002) que envolve a

população como um todo e a ação do usuário individualmente, um poluidor em escala

reduzida, mas com consequências amplas se percebido conjuntamente.

A mobilização do usuário dos serviços de limpeza pública/pequeno produtor

de resíduos domésticos segue a lógica de um “novo higienismo”, que se esforça em

modelar os comportamentos sociais através de um apelo menos ligado a um antigo

“autoritarismo moralizador” e mais ligado à dramatização dos efeitos públicos de

condutas individuais supostamente inocentes (RAYNAUD, 1993 apud BARBIER,

2002). É sugerido ao indivíduo que a soma de suas ações descompromissadas com o

meio ambiente, por exemplo, a queima do lixo ou o lançamento em corpos d’água, é a

vilã da poluição ambiental que afeta as cidades, suas margens e o campo.

Se aposta em programas com foco sobre a participação dos usuários, em

ruptura com a lógica de desresponsabilização (BARBIER, 2002) que marcou até então a

questão dos resíduos. Durante o século XX, ao usuário do serviço público, bastava

acondicionar o lixo em sacos ou lixeiras e deixá-lo na calçada, o resto, o poder público

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185

se comprometia a fazer. O usuário se afastava do resíduo, desconhecendo para onde este

era levado ou as consequências do despejo em sítios inadequados.

A responsabilidade compartilhada no Brasil reafirma o comprometimento

do usuário/produtor de resíduos domésticos com o destino do lixo. É possível duvidar,

entretanto, do nível de envolvimento dos indivíduos nas suas ações cotidianas para o

correto manejo do lixo. A reciclagem dos resíduos sólidos domésticos tem, nesse

sentido, um papel mobilizador e pedagógico num processo coletivo que envolve o

habitante individualmente e a população como um todo.

2. A participação popular na reciclagem: reflexões sobre o Programa Lixo

Útil

A gestão dos resíduos sólidos domésticos tem como base ou fundamento a

participação popular, isto é, a ação direcionada do usuário de um serviço público em

prol de um resultado almejado. A coleta de lixo depende da atividade do usuário, da

separação dos resíduos na fonte produtora e do seu correto acondicionamento (em sacos

plásticos, lixeiras, contêineres, etc.).

Constrói-se, no incentivo da triagem dos resíduos na fonte, um modus

operandi que possibilita a existência da coleta seletiva de materiais recicláveis e, por

outro lado, conforme Barbier (2002), renova a relação entre habitantes e serviços

municipais.

O desempenho do usuário do serviço público na triagem em sua residência

torna-se um elemento-chave do projeto sociotécnico de coleta seletiva (BARBIER,

2002). Ao ser integrado progressivamente no savoir-faire organizacional e de

gerenciamento enquanto produtor, o usuário também passa a ser visto como portador de

exigências legítimas (BARBIER, 2002). Nesse sentido, ele deve ser envolvido e

incentivado a melhorar suas práticas de triagem, sem desconsiderar suas necessidades e

vontades pelos prestadores de serviço (empresas, poder público, etc.).

Barbier (2002) indica que a adesão das residências à coleta seletiva é a

chave do sucesso do programa e passa por uma doutrina de intervenção de inspiração

behaviorista, baseada no reforço contínuo do treinamento do usuário aliado a um

mecanismo de reforço positivo: a difusão dos bons resultados da coleta seletiva.

De fato, qual é o papel do indivíduo/usuário no programa analisado neste

estudo? Quais são seus deveres e atribuições?

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O município de Toledo se destaca pela continuidade de seu programa de

coleta seletiva que completou 20 anos de existência em 2014. Implantado como um

projeto-piloto em 1994, o programa Lixo Útil foi iniciado com a orientação de

moradores para a separação dos materiais recicláveis e a distribuição de cestas plásticas

(GAZETA DE TOLEDO, 1995 apud CESCONETO, 2003). Nestas, deveriam ser

reservados os materiais recicláveis para posterior coleta na modalidade porta-a-porta, na

qual um caminhão e seus coletores percorrem as ruas atendidas e recolhem o conteúdo

das cestas.

O fundamento do programa foi, portanto, o “treinamento” do usuário para

realizar a triagem nas residências, para posterior transporte do material para um galpão

equipado por esteira, prensas e outros equipamentos a fim de realizar uma nova triagem

e preparação para venda69

. Durante a implantação do programa, também foram

mobilizadas as associações de moradores, nas quais foram realizadas reuniões para

orientação e para a formação de um mutirão para limpeza de terrenos baldios em 1994

(GAZETA DE TOLEDO, 1995 apud CESCONETO, 2003).

A cooperação da população tanto nas ações de base, como a triagem na

fonte produtora, quanto o engajamento do usuário foi o primeiro passo para o

funcionamento do programa.

O outro programa que acompanhou o Lixo Útil, lançado no mesmo ano e

depois a ele incorporado, foi o Câmbio Verde que objetivava a troca de material

reciclável por alimento, nos moldes do programa pioneiro desenvolvido em Curitiba

(CESCONETO, 2003). As trocas ocorriam, inicialmente, por um ônibus que se

deslocava até as associações de moradores dos 16 bairros atendidos. Para cada quatro

quilos de lixo, os moradores tinham direito a uma sacola com produtos

hortifrutigranjeiros (A IMPRENSA, 1996 apud CESCONETO, 2003).

A partir de 1997, a forma de troca foi substituída e passou a ser realizada em

“pontos fixos” (CESCONETO, 2003), isto é, galpões ou terrenos de posse da prefeitura.

Após a troca, o material é transportado por caminhão para o galpão de triagem.

Atualmente existem cinco pontos fixos na cidade de Toledo-PR e dois em distritos do

interior (Figura 3).

69

Trata-se do processo de beneficiamento primário, composto por separação dos materiais por natureza e

cor, prensagem, enfardamento e armazenamento.

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187

FIGURA 3. ÁREAS COBERTAS PELA COLETA

SELETIVA PORTA-A-PORTA E LOCALIZAÇÃO DOS

PONTOS FIXOS. TOLEDO/PR. 2014.

Fonte: TOLEDO (2011); BATISTA (2014).

Não é a totalidade da população que pode fazer a troca nos pontos fixos,

apenas as famílias carentes cadastradas junto a Associação de Catadores de Toledo. Esta

troca é limitada a duas cestas básicas por mês. Para ter direito a uma cesta básica, a

entrega deve ser de 100 kg de papel ou plástico; 300 kg de vidro, papel misto ou sucata

de ferro; e 10 kg de alumínio (TOLEDO, 2011).

Esta é a segunda modalidade de captação de recicláveis, que também

depende da participação popular. As famílias carentes atuam catando materiais

recicláveis nas ruas ou acumulando doações destes materiais provenientes de vizinhos,

familiares e amigos. Nos pontos fixos ainda há uma orientação direta ao usuário, pois

não é todo material que pode ser entregue. Assim, as famílias usuárias do ponto fixo são

orientadas por catadores organizados. Estes usuários não possuem qualquer auxílio

material para a coleta e o transporte até os pontos fixos. Utilizam, pois, seus próprios

carrinhos e carroças.

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188

A terceira modalidade é a entrega voluntária, implantada em 2011 com a

distribuição de 61 pontos de entrega voluntária (PEVs) no centro da cidade. Atualmente

são 140 contêineres distribuídos em praças e calçadas que recebem os materiais

recicláveis70

.

Esta modalidade depende ainda mais da participação popular, pois o

habitante deve separar o material previamente em casa e ainda deslocar-se até o PEV

mais próximo para fazer a deposição dos recicláveis. Há uma necessidade ainda maior

de treinamento e orientação do usuário.

As atribuições do cidadão/usuário do serviço público no programa Lixo Útil

são, portanto, variadas. Nas três modalidades de captação de recicláveis, há uma função

essencial do usuário de separar o rejeito, sem possibilidades de recuperação, e o resíduo

reciclável. Na coleta seletiva porta-a-porta, basta a triagem na residência e o

acondicionamento adequado. Nos PEVs, é necessário ainda o transporte dos materiais

potencialmente recicláveis até os contêineres. Nos pontos fixos, restritos às famílias

carentes, é necessário mais atividades: o armazenamento e o transporte, já que são

poucos pontos distribuídos em bairros periféricos.

A inserção progressiva de catadores organizados no programa também fez

parte das transformações do Lixo Útil. A Associação dos Catadores de Toledo (ACR)

foi formada em 2010, conta com 31 catadores71

, e assumiu as funções de administração

dos pontos fixos, do galpão de triagem e a realização da coleta porta-a-porta. Os

catadores organizados tornaram-se, portanto, os principais parceiros do poder público

local na gestão do programa de coleta seletiva e triagem para a reciclagem. Estão fora

da responsabilidade da ACR somente a compra e a distribuição de cestas básicas nos

pontos fixos, realizada pela prefeitura, e o transporte do lixo recicláveis dos contêineres

de PEVs, realizada pela empresa contratada para o serviço de coleta convencional.

De fato, o treinamento ou doutrinamento do usuário é um princípio da

reciclagem que vem sendo discutido na literatura especializada (RUMPALA, 1999;

BARBIER, 2002). Nos programas de coleta seletiva no Brasil, entre os quais se inclui o

Lixo Útil, o treinamento do usuário é o ponto de partida de qualquer programa-piloto.

70

Informação verbal. Entrevista concedida por integrante da Secretaria de Meio Ambiente [mai. 2014].

Entrevistador: Déborah K. T. Batista e Tainara Ianka Maas. Toledo, 2014.

71 Informação verbal. Entrevista concedida por integrante da Associação de Catadores de Toledo [mai.

2014]. Entrevistadores: Fábio de O. Neves e Déborah K. T. Batista. Toledo, 2014.

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189

O usuário tornou-se, portanto, uma variável relativamente previsível e

controlável de um projeto sociotécnico de reciclagem que depende, em primeiro lugar,

do desempenho da triagem na fonte produtora (BARBIER, 2002). De fato, conhecer e

refletir sobre o desempenho do usuário referente a cada modalidade de coleta seletiva

pode configurar um instrumento importante para se aprimorar um programa,

conhecendo seus problemas e suas potencialidades.

Segundo os dados do Diagnóstico Manejo de Resíduos Sólidos Urbanos

(DMRSU) (SNSA, 2014), o total de resíduos domésticos coletados em Toledo no ano

de 2012 é de 26.520 toneladas, das quais 1.320 toneladas foram recolhidas pela coleta

seletiva. A taxa de recuperação de recicláveis72

, atingida pelo conjunto das modalidades

de coleta seletiva, é de 3,48%. Trata-se de um percentual relevante, considerando que a

capital paranaense, que se destaca entre os pioneiros dos programas de coleta seletiva no

Brasil, alcançou no mesmo ano uma taxa de 4,37%.

Comparando-se as modalidades de coleta seletiva desenvolvidas em Toledo,

a quantitativamente mais importante são os PEVs (Gráfico 1)73

. A sua implantação é

recente, a partir de 2011, e os resultados já confirmam o sucesso de sua função

primordial: a captação de materiais. É necessário, portanto, explorar mais

detalhadamente esta modalidade.

72

A taxa de recuperação de recicláveis em relação aos resíduos domésticos e de limpeza pública

correspondem, no DMRSU 2012, à quantidade total de materiais recuperados (exceto matéria orgânica e

rejeitos) dividido pela quantidade total coletada. Entretanto, trata-se de um dado declarado pela prefeitura

para o Sistema de Informações sobre Saneamento, portanto, com confiabilidade menor do que se fosse

mensurado por uma instituição independente.

73

Dados obtidos pela pesagem de materiais que chegam no galpão de triagem da ACR. Buscou-se

selecionar o intervalo anual mais recente no momento da realização da pesquisa de campo (maio de

2014).

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190

GRÁFICO 1. CAPTAÇÃO DE RESÍDUOS DOMÉSTICOS

RECICLÁVEIS SEGUNDO A MODALIDADE DE COLETA

SELETIVA ENTRE ABRIL DE 2013 E ABRIL DE 2014.

TOLEDO/PR.

3. A implantação dos PEVs: opiniões e uso dos contêineres amarelos

Em aplicação de questionário a 75 habitantes, em julho de 2014, sobre os

PEVs, o público-alvo respondeu a questões sobre: a utilização dos contêineres; seus

problemas e vantagens; como conheceram os PEVs; sobre a visibilidade e a

acessibilidade dos contêineres; e sobre o local de instalação destes.

Houve uma boa aceitação dos PEVs pela quantidade recolhida em

comparação com as demais modalidades de coleta seletiva. Em cerca de dois anos de

existência, os PEVs assumiram a liderança na captação de recicláveis. Contudo, ao

analisá-los mais detalhadamente, algumas características e problemas são percebidos.

Dos usuários que declararam conhecer os PEVs, a maior parte afirmou que

sabe da existência da modalidade simplesmente porque vê os contêineres amarelos nas

ruas e praças do centro da cidade (Gráfico 2).

0

100000

200000

300000

400000

500000

600000

PEV/Contêiner amarelo Porta a porta Ponto Fixo

(t)

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191

GRÁFICO 2. FORMA DE CONHECIMENTO DOS PEVs SEGUNDO OS

HABITANTES ENTREVISTADOS. TOLEDO/PR. 2014.

Este dado chama atenção para a importância da distribuição espacial dos

contêineres. A visibilidade no espaço urbano é variável fundamental tanto para obter

conhecimento sobre a existência deles quanto para o hábito de sua utilização. Os PEVs

têm cor amarela de fácil percepção, estão distribuídos em praças e ruas movimentadas e

possuem um rótulo orientando sobre a sua utilização adequada.

“Lugares de exposição são lugares de grande e legitima visibilidade”

(GOMES, 2013, p. 23). A localização e a exposição dos PEVs em praças e locais de

visibilidade “convidam à participação”, relembram que algum esforço está sendo

realizado a favor da coleta seletiva. Servem também de potencial propaganda para o

governo eleito, que mantém um programa que traz benefícios ao ambiente urbano e está

de acordo com princípios da sustentabilidade.

A exposição e a distribuição são, portanto, características relevantes para a

participação popular nesta modalidade de coleta seletiva e envolvem uma racionalidade

espacial. De maneira geral, os gestores acertaram na localização dos PEVs,

distribuindo-os em praças e ruas movimentadas e em locais de fácil acesso no centro da

cidade, o que reforça o incentivo à participação popular na entrega dos recicláveis.

Dos entrevistados que sabem da existência do programa, a maioria declarou

que a implantação dos PEVs acabou alterando seu cotidiano (32), com a incorporação

da prática de separar resíduos recicláveis. Trata-se de um efeito de incentivo e

reprodução de práticas de separação.

A representatividade dos PEVs enquanto modalidade de coleta seletiva é

confirmada pelo seu uso declarado pelos usuários entrevistados, que mesmo sendo

Programas de

divulgação

Através de vizinhos,

amigos, parentes, etc.

Vendo-os nas ruas e

praças

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192

implantado recentemente, em 2011, já se configura como uma opção utilizada no

cotidiano tanto quanto a entrega a catadores ou ao caminhão da coleta seletiva.

Dentre os problemas apontados com relação aos PEVs (Gráfico 3), destaca-

se o número reduzido de usuários que indicaram o mau cheiro e a sujeira do/no

equipamento. Geralmente, os resíduos sólidos são associados a incômodo e ameaça

justamente por aspectos de desconforto visual e olfativo. É possível indicar que, por

uma parte, a cobertura do contêiner pode evitar esse tipo de problema. Por outra, o lixo

reciclável, sua utilidade e valor, contribuem com uma quebra de paradigma do resíduo

sólido como algo absolutamente imundo e ameaçador.

GRÁFICO 3. PROBLEMAS ASSOCIADOS AOS PEVs SEGUNDO OS

HABITANTES ENTREVISTADOS. TOLEDO/PR. 2014.

O uso incorreto foi a crítica mais frequente. Nesse sentido, se aceita que o

problema não está no equipamento em si, no mau cheiro ou na sujeira que, de fato, são

decorrências do uso incorreto, do lançamento de todo tipo de lixo nos contêineres

amarelos.

De acordo com um representante de órgão ambiental entrevistado e morador

de Toledo74

, os PEVs funcionavam e passaram a não funcionar mais. As razões seriam:

o “não acompanhamento de uma educação ambiental contínua”10

, ou seja, a ausência de

um treinamento contínuo para o uso e veiculado para toda a população através de

74

Informação verbal. Entrevista concedida por integrante de órgão ambiental [mai. 2014].

Entrevistadores: Fábio de O. Neves; Déborah K. T. Batista; Tainara I. Maas. Toledo, 2014.

1

32

2

23

Mau cheiro

Uso incorreto

Aspecto de sujeira

A existência restrita

ao centro da cidade

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jornais e rádios; e o furto de materiais dentro dos contêineres por terceiros, “há muitos

outros coletando o material bom. [...] Garimpa tudo de bom que tem lá”10

.

As orientações presentes nos cartazes colados nos próprios contêineres não

são suficientes para corrigir o mau uso e/ou inibir o lançamento de lixo não reciclável

nos equipamentos. Essas críticas voltam-se, portanto, à ausência do reforço contínuo do

treinamento do usuário, apontado por Barbier (2002) como fundamental para a adesão à

coleta seletiva.

A questão da abrangência territorial também apareceu como problema: a

restrição do programa aos bairros centrais da cidade. Assim, os PEVs são uma

alternativa para bairros e ruas não atendidos pela coleta porta-a-porta, entretanto, os

usuários devem se deslocar ao centro da cidade para dispor seu lixo reciclável. De fato,

os PEVs surgiram com boas e más características. A mais importante talvez seja o

sentido de reforço da reciclagem, o que envolve a visibilidade do programa, a presença

dos contêineres na cidade.

Considerações finais

O desenvolvimento do programa Lixo Útil reforçou a centralidade do

indivíduo nas políticas de resíduos sólidos no município de Toledo e, com as três

modalidades de coleta de materiais recicláveis existentes, fortalece-se ainda mais o foco

na participação de um usuário com responsabilidades. As possibilidades de maior

captação de recicláveis se concretizaram, dependendo de uma participação mais intensa

de um usuário que faz a triagem do lixo na residência.

Os PEVs tornaram-se a principal modalidade de coleta seletiva, mesmo

tendo implantação recente. O uso deste tipo de equipamento favorece a disseminação de

práticas cotidianas de triagem e de uma percepção alternativa dos resíduos como algo

com valor. Contudo, a participação ativa da população na coleta seletiva depende de

fatores a serem considerados pelos gestores: orientações para triagem nas residências;

facilidades com relação à acessibilidade e à localização dos contêineres; treinamento e

orientação contínua sobre o uso desses equipamentos; além do reforço do discurso das

práticas ambientalmente corretas que dão legitimidade à reciclagem e incentivam a

participação popular.

Através desses fatores, revelam-se limites da experiência na cidade média

do Oeste paranaense. Apesar da maior captação de materiais recicláveis e do

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crescimento da participação popular, principalmente com os PEVs, encontram-se

limites justamente na utilização incorreta de equipamentos. Falta o treinamento

contínuo do usuário, base para o funcionamento do programa. Se os gestores acertaram

e tiveram efeitos positivos decorrentes da distribuição dos contêineres de entrega

voluntária, falharam nas campanhas de orientação para utilização dos equipamentos. A

aposta nos PEVs também contrastou com o não aprimoramento das outras modalidades

de coleta seletiva.

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O PMCMV E A INSERÇÃO URBANA DA HABITAÇÃO SOCIAL

EM DOURADOS-MS

Mário Cezar Tompes da Silva75

Resumo: O objetivo do presente artigo consiste em examinar a qualidade da inserção

urbana das intervenções desencadeadas pelo Programa Minha Casa Minha Vida em

Dourados-MS através do estudo de caso de dois conjuntos específicos – Deoclécio

Artuzi I e II. A investigação avalia como se dá a integração entre os dois conjuntos e

três esferas essenciais do universo urbano: a sócio-econômico-política, a das

infraestruturas e serviços e a urbanística.

1 – Introdução

Um problema recorrente na trajetória da política habitacional brasileira tem sido

a dificuldade de definir localizações adequadas na malha urbana para os conjuntos

habitacionais destinados à baixa renda. Em regra a habitação social produzida por

aquela política caracterizou-se, no decorrer do tempo, pelo baixo grau de inserção

urbana, apresentando um reduzido nível de integração às múltiplas dimensões que

promovem o espaço da casa à categoria de espaço urbano. No presente trabalho temos

como objetivo examinar a qualidade da inserção urbana de dois conjuntos específicos –

Deoclécio Artuzi I e II - destinados à baixa renda e promovidos pelo Programa Minha

Casa Minha Vida – PMCMV em um centro de porte médio: a cidade de Dourados-MS.

Aqui utilizamos a categoria inserção urbana para expressar o acesso

multidimensional à cidade. Em outras palavras, a inserção de um empreendimento

habitacional (bairro, conjunto habitacional ou qualquer outra fração da cidade) somente

se realiza em sua plenitude quando ele se conecta satisfatoriamente às três dimensões

fundamentais do universo urbano: a esfera sócio-econômica-política, a esfera das

infraestruturas e serviços e a esfera urbanística.

A primeira dessas esferas pressupõe aos moradores das diversas frações da

cidade, por um lado, a possiblidade de consolidação de relações de sociabilidade

regulares intra e interbairros, por outro, a integração à dimensão econômica do urbano,

seja na condição de assalariado no mercado de trabalho formal ou como protagonista de

75

Professor da Faculdade de Ciências Humanas da Universidade Federal da Grande Dourados – UFGD.

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algum empreendimento econômico. Igualmente importante, é o acesso dos habitantes à

arena da política, isto é, a possibilidade desses citadinos compartilharem, em algum

grau, o mecanismo de negociações e decisões que interfere nos rumos da produção do

seu espaço urbano.

A segunda esfera envolve o grupo diversificado de infraestruturas (as redes de

fornecimento de energia, de água tratada, de coleta de esgoto, de telecomunicações, de

drenagem pluvial, das vias de circulação etc.) e dos serviços urbanos (segurança, coleta

de lixo, educação, saúde, transporte coletivo, abastecimento de bens de consumo, lazer

etc.).

A possibilidade de conecção de um empreendimento habitacional a esse rol de

infraestruturas e serviços urbanos mencionados acima ou a sua otimização é um dos

mais decisivos parâmetros para avaliar o grau de qualidade da inserção urbana. É a

integração a esse conjunto de infraestruturas e serviços urbanos que possibilitará aos

moradores de um empreendimento o uso satisfatório da cidade, como também

usufruírem de um certo nível de qualidade de vida inerente ao espaço urbano.

A terceira esfera - a urbanística - abarca componentes importantes como a

localização, a acessibilidade e a fluidez urbana das diversas frações da cidade.

Esses componentes urbanísticos e seu papel como indicadores da qualidade da inserção

urbana foram muito bem examinados por Ferreira (2012). No caso específico da

localização, a sua adequação descortina a possibilidade de uma mais eficiente inserção

do empreendimento no universo da cidade. Localizações na franja urbana ou, mais

grave, em áreas desconectadas da mancha urbana cobram um custo mais elevado para

seus moradores se inserirem na cidade. Nesse sentido, deve-se promover assentamentos

com o uso misto do solo, a fim de aproximar a localização das residência da dos

empregos, do abastecimento e dos serviços em geral.

Já a acessibilidade refere-se a uma conexão satisfatória do empreendimento com

o serviço de transporte público e com um sistema viário em boas condições de uso. Isso

significa vias bem preservadas, como também proximidade aos pontos e estações de

transporte coletivo, possibilidade de intermodalidade que integre distintos modais de

deslocamento - transporte coletivo (ônibus, trem urbano, metro etc.), alternativo

(bicicleta) e pedestrianismo. Ferreira (2012) enfatiza que uma acessibilidade satisfatória

pressupõe em especial a possibilidade de redução tanto do tempo quanto da quantidade

de deslocamentos por parte dos moradores de um dado bairro.

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Por fim, a fluidez urbana refere-se à existência de uma boa articulação do bairro

à malha urbana circunvizinha. Mais precisamente, a fluidez ocorre quando as vias de

um dado bairro integram-se sem descontinuidade ou obstáculos e com preservação da

hierarquia viária com o arruamento dos bairros do entorno. Igualmente relevante como

indicador de uma fluidez eficaz é a possibilidade de acesso franqueado aos espaços

públicos do bairro (ruas, praças, playgrounds etc.), sem a existência de muros que o

confinem e isolem da vizinhança, a exemplo do que ocorre com os condomínios

fechados.

Quando observamos a trajetória histórica da política habitacional brasileira

desde as suas primeiras manifestações na década de 30, em particular as iniciativas

dessa política focadas na provisão da habitação social, verificamos que, em geral, as

deficiências na inserção urbana encontram-se associadas, ou são potencializadas, por

situações de fragmentação, periferização e segregação sócio espacial dos moradores dos

conjuntos de habitação social no espaço urbano. Na verdade, as situações mencionadas

acima constituem um padrão preponderante originado por um modelo particular de

urbanização. Mais especificamente o modelo produzido pelo processo de

industrialização patrocinado pela expansão do capital e que se manifesta de forma mais

delineada nas cidades a partir de meados do século XIX.

Com o intuito de melhor esclarecer os mecanismos responsáveis pela produção

dos processos acima mencionados (fragmentação, periferização e segregação) e,

simultaneamente, sua interferência no sentido de criar constrangimentos à inserção

urbana dos moradores dos conjuntos de habitação social, gostaríamos de nos reportar a

algumas contribuições de Henry Lefebrve.

Este autor, em uma passagem de O Direito à Cidade, ao constatar que a cidade

pré-existe à sociedade industrial, reconhece que no passado medieval, apesar de

precariedades, deficiências e desigualdades diversas, ela distinguia-se por se constituir

em uma obra construída coletivamente e destinada ao usufruto do conjunto dos

cidadãos. Nesse sentido, essa obra que era a cidade se caracterizava pelo predomínio do

valor de uso sobre o valor de troca. Suas ruas, praças e edificações eram produzidas

para serem usufruídas pela comunidade. As classes detentoras de riqueza investiam

improdutivamente substancial parte de suas riquezas em obras de embelezamento da

cidade e em atividades festivas por prazer e para auferirem prestígio.

Referindo-se especificamente à cidade medieval já na sua fase de transição para

o capitalismo concorrencial, Lefebvre destaca a permanência de práticas baseadas no

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compartilhamento das decisões e a consequente manutenção de um caráter orgânico de

comunidade naquele tipo de cidade, onde as questões e decisões da vida comunitária são

encaminhadas em assembleias, o que no entanto, não descartava a concentração da

riqueza, a existência da desigualdade de classes e a consequente disputa entre elas e a

presença de conflitos nesse universo urbano.

Essas cidades, pequenas aglomerações, eram uma totalidade íntegra, havia uma

unidade espacial e um sentido de comunidade, ainda que em meio a desigualdade social

e disputas de classes. Os diversos segmentos sociais, suas atividades e locais de moradia

sobrepunham-se, misturavam-se e usufruíam o espaço comum da cidade. Havia um grau

acentuado de acessibilidade e compartilhamento dos objetos da cidade e das decisões

pelos citadinos.

Essas pequenas urbes se constituíam, como afirma Lefebvre, em espaços de

comunhão urbana. Em tal contexto seus habitantes desfrutavam de um grau elevado de

inserção urbana, no sentido de usufruírem e participarem, nas múltiplas dimensões da

vida da cidade: política, econômica e social.

O desenvolvimento do capitalismo industrial desconfigurou esse espaço urbano

íntegro, acessível e compartilhado, implodindo-o. Nas palavras de Tonucci:

A cidade tradicional explode no tecido urbano informe e

estendido, formado por fragmentos múltiplos e disjuntos

(periferias, subúrbios, cidades-satélites etc.). A cidade, outrora

valor de uso (fruição, beleza), é transformada em mercadoria,

produto com valor de troca, espaço privado para realização do

lucro. Neste processo, a realidade urbana da cidade (amplificada e

estilhaçada) perde os traços anteriores de totalidade orgânica,

sentido de pertencimento, espaço demarcado, monumentalismo

enaltecedor (2013. p. 02).

Assim, o capitalismo industrial ao transformar a cidade de valor de uso em valor

de troca, de obra a ser usufruída e apreciada por seus moradores em produto

(mercadoria) a ser comprado e vendido, foi responsável não apenas pela explosão da

cidade, isto é, a extensão exacerbada do fenômeno urbano que se disseminou e se

pulverizou no espaço, mas também pela separação e confinamento dos diferentes

estratos sociais em porções distintas da cidade estendida (periferias, subúrbios,

condomínios fechados, bairros de classe média, conjuntos habitacionais etc.). Para os

segmentos de baixa renda, essa separação significou sua expulsão do centro da cidade, a

área urbana mais cobiçada com acesso mais fácil às estruturas urbanas, ao mercado, às

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200

manifestações etc. e seu deslocamento para as bordas da cidade (os subúrbios/periferia).

Como desdobramento, esse deslocamento espacial implicou também em uma

substancial redução da inserção urbana desses novos moradores transplantados. O

reverso desse processo foi a ocupação do centro pelos novos detentores do poder e da

riqueza.

Essa apropriação da cidade pelo capitalismo industrial e a consequente produção

de um espaço urbano fragmentado, configurado em áreas distintas e apartadas onde se

alojam os diferentes estratos constituintes da sociedade e o comprometimento da

inserção urbana das classes subalternas deslocadas para a borda da cidade, embora, em

parte, tenha resultado de um processo voluntário, sem intenções, sem vontades, não foi

apenas isso. Em boa medida, ele foi o resultado de uma estratégia de classe, um ato de

poder, com o fim de controlar o espaço urbano e assim possibilitar uma inserção mais

plena das classes hegemônicas na cidade, mas especialmente na sua área mais

ambicionada – o centro.

Para uma mais extensa e precisa compreensão não apenas dessa nova cidade

dominada pelo valor de troca e pelas estratégias de controle das classes detentoras de

riqueza e poder, mas também das restrições à inserção urbana, em particular das classes

subalternas realocadas e confinadas nas periferias, gostaria de resgatar dois pares de

conceitos produzidos por Lefebvre.

Com o crescimento urbano acelerado surge a noção de habitat em contraposição

à concepção de habitar. Esta última envolve a ideia de inserção dos moradores na cidade

através da ampla participação na vida urbana. Conforme nos explica o autor “até então,

‘habitar’ era participar de uma vida social, de uma comunidade, aldeia ou cidade. A

vida urbana detinha, entre outras coisas, essa qualidade, esse atributo. Ela [...] permitia

que os citadinos-cidadãos habitassem” (Lefebvre, 1991. P. 16).

Já o habitat resultou da prática de apartar e isolar a função residencial do

conjunto da cidade para dessa maneira melhor projetá-la e ordená-la. Essa forma nova

se corporificou nos modernos subúrbios, periferias urbanas e conjuntos habitacionais

desfalcadas dos atributos constituintes da integral inserção urbana (serviços,

equipamentos, participação, sociabilidade, laços comunitários etc.). O resultado desse

processo foi o surgimento de “uma periferia desurbanizada e, no entanto, dependente da

cidade [...] urbanização desurbanizante e desurbanizada, pode-se dizer para ressaltar o

paradoxo” (Lefebvre, 1991. p. 18).

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201

Embora a disseminação da forma habitat seja em boa medida o resultado da

promoção privada, das estratégias comandadas pelo valor de troca e pela especulação, o

agente estatal tem sido também um dos vetores mais decisivos de sua produção. Nesse

sentido, foi o Estado através da concepção e implantação de um modelo específico de

residir: o conjunto habitacional que levou a concepção de habitat ao limite. Ao abordar

a lógica que move a implantação do modelo conjunto habitacional, Lefebvre nos

esclarece que

A construção a cargo do Estado não transforma as orientações e concepções

adotadas pela economia de mercado. [...] a questão da moradia, ainda que

agravada, politicamente desempenha apenas um papel menor. Os grupos e

partidos de esquerda contentam-se com reclamar ‘mais casas’. Por outro lado,

não é um pensamento urbanístico que dirige as iniciativas dos organismos

públicos e semipúblicos, é simplesmente o projeto de fornecer moradias o

mais rápido possível pelo menor custo possível. Os novos conjuntos serão

marcados por uma característica funcional e abstrata: o conceito do habitat

levado à sua forma pura pela burocracia estatal. (1991, p. 19)

O habitat, seja na forma de subúrbio, periferia, conjunto habitacional ou, como é

mais comum, em uma combinação de algumas dessas formas, funciona, nesse sentido,

como um arranjo que corrompe a inserção dos citadinos na vida urbana, promovendo

uma inserção muito parcial e empobrecida no universo rico e complexo da cidade. Isso

ocorre porque, entre outras coisas, a lógica do habitat opera com a estratégia de

restringir o processo participativo dos citadinos na produção e gestão do espaço urbano,

com a prática de apartar as funções no interior da cidade, estimulando a justaposição de

espaços predominantemente monofuncionais e de confinar os diferentes estratos sociais

em espaços residenciais que se organizam hierarquicamente no interior da cidade

segundo a importância socioeconômica dos moradores e a qualidade das infraestruturas

disponíveis.

Por outro lado, Lefebvre concebe um outro par de conceitos mais amplo e

complexo e, ao mesmo tempo, com capacidade de jogar mais luzes para uma

compreensão mais rica da inserção urbana. Ele sustenta que a sociedade contemporânea

é marcada pelo conflito entre espaço abstrato e espaço social. O primeiro é a

materialização resultante tanto das intervenções econômicas desencadeadas por agentes

do capital ao perseguir o intento da acumulação quanto também das ações de caráter

político emanadas do Estado com a finalidade de exercer sua função de controle e poder

sobre o conjunto da sociedade.

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Já o espaço social materializaria, por sua vez, “os valores de uso produzidos pela

complexa interação de todas as classes na vivência diária” (Lefebvre, 1979 apud

Gottdiener, 1993. P. 131). O espaço social é o produto de um processo de decisão

descentralizada. Caracteriza-se pela diversidade social de seus moradores e por sua

integração e inserção no universo urbano. Há desigualdade e conflito, mas com a

presença de forte proximidade e interação social entre os diferentes. Isso significa uma

coletividade que em meio a contradições e diferenças compartilha as decisões

comunitárias e onde as unidades residenciais integram-se ao conjunto dos equipamentos

e serviços urbanos necessários à vida nas cidades.

Ocorre que na sociedade hodierna submetida às relações do capital verifica-se

um franco domínio do espaço abstrato sobre o espaço social, produzindo como

desdobramento a separação e segregação das distintas classes no interior da cidade.

Assim, conforme argumenta Gottdiener:

Na sociedade moderna, o espaço abstrato – um espaço homogêneo,

fragmentado, hierárquico – chegou a dominar o espaço social, ou o espaço

integrado de comunhão social, e o próprio potencial de produção do último

foi, ele mesmo, atenuado. Consequentemente, o espaço social perdeu sua

unidade orgânica nas cidades das sociedades modernas pulverizou-se em

guetos distintos. Como observa Lefebvre, ‘os guetos da elite, da burguesia,

dos intelectuais, dos trabalhadores imigrantes etc., todos eles não são

justapostos, são hierárquicos, e representam espacialmente a hierarquia

econômica e social, setores dominantes e subordinados’ (Martins, 1982. p.

182 apud Gottdiener, 1996. P. 131).

Assim, o processo de proliferação do espaço abstrato que sufoca e restringe o

espaço social marca a moderna cidade do capital. Esse processo é assegurado pela

atuação simultânea, e por vezes contraditória, do capital imobiliário e do agente estatal

que através de estratégias especulativas (o primeiro) e da normatização e suas próprias

intervenções (o segundo) promovem a separação das funções no espaço urbano

(zoneamento), o confinamento das classes em porções segregadas e hierarquizadas, a

periferização e a fragmentação da cidade (subúrbios, conjuntos habitacionais,

loteamentos afastados e espacialmente desconectados da cidade). É, sobretudo, esse

conjunto de características do espaço abstrato o responsável por restringir a inserção

urbana das principais vítimas desse processo: as classes subalternas.

A fim de examinarmos com mais propriedade as injunções impostas pelo espaço

abstrato à inserção urbana dos segmentos subalternos elegemos o exame da atuação de

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203

uma política específica de Estado – o PMCMV – e uma intervenção concreta desse

Programa materializada nos conjuntos habitacionais Deoclécio Artuzi I e II implantados

em Dourados-MS.

2 - A Intervenção do PMCMV e o Déficit de Inserção Urbana

Os assentamentos Deoclécio Artuzi I e II localizam-se na extremidade sul do

espaço urbano douradense (Fig. 01). Implantados com recursos do PMCMV, são parte

integrante de um empreendimento mais amplo que ainda encontra-se em andamento. A

intervenção somente se completará com a conclusão da terceira etapa (Deoclécio Artuzi

III) que atualmente está em estágio de finalização. A primeira fase do empreendimento

foi entregue em novembro de 2012, a segunda em abril de 2013 e a terceira e última está

com a conclusão prevista para fevereiro de 2015.

O montante do investimento das três etapas somam um total de R$

41.426.626,71, correspondendo R$ 9.251.705,00 à primeira etapa, R$ 9.318.432,81 à

segunda e R$ 22.856.488,90 à terceira e última. Todos eles foram contemplados com

um pacote básico de infra estruturas: arruamento pavimentado, calçadas, iluminação

pública, redes de água tratada, de esgoto e de drenagem pluvial.

Estes assentamentos foram destinados a atender um público de baixa renda, mais

especificamente os contemplados deveriam apresentar uma renda bruta familiar mensal

de no máximo R$ 1.600,00.

Um aspecto que cabe destacar desde já é o quantitativo total de unidades residenciais

dessa intervenção habitacional. Embora ela formalmente se desdobre em três

empreendimentos distintos de dimensões variadas (Deoclécio Artuzi I com 238 casas,

Deoclécio Artuzi II com 227 casas e Deoclécio Artuzi III com 450 casas), para fins

práticos a referida intervenção resulta em um único e extenso conjunto habitacional com

um total de 900 residências. Isso ocorre em função do fato de que essas três fases foram

implantadas de forma contígua, formando ao cabo um único conglomerado habitacional.

Porém, na prática o universo de residências terminou por ser ainda ampliado com a

implantação de três outros empreendimentos do PMCMV (Harrison Figueredo I, II e

III) que adicionou um total de 722 novas unidades residenciais. Esses três novos

assentamentos apresentam a mesma tipologia e dirigem-se a um público com o mesmo

perfil de renda do Deoclécio Artuzi. Por se situarem justapostos a este último,

terminaram por formar uma única e gigantesca mancha habitacional contínua abarcando

um total 1.637 unidades residenciais.

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204

Conforme a experiência do antigo Banco Nacional da Habitação – BNH já

demonstrou exaustivamente, a implantação de empreendimentos habitacionais

gigantescos, constituídos de unidades residenciais padronizadas e destinados a confinar

segmentos de população de baixa renda é uma receita segura para gerar segregação,

estigmatização social e, sobretudo, barreiras à inserção urbana de seus infelizes

ocupantes.

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205

Figura 01: Localização dos Conjuntos Deoclécio Artuzi I e II

Fonte: https://www.google.com.br/maps/place/Dourados+-+MS/@-22.2222744,-

54.7946487,13z/data=!4m2!3m1!1s0x9489a825ba544f99:0xd96ef82be62edddc?hl=pt-BR

Org.: SILVA, M.C.T.

2.1 – A Inserção na Esfera Urbanística

No caso específico dos conjuntos Deoclécio Artuzi I e II, as barreiras à inserção

urbana terminaram sendo reforçadas por circunstâncias específicas de sua localização.

Situados na extremidade sul da periferia urbana de Dourados, os referidos conjuntos

encontram-se apartados do restante da cidade por dois obstáculos de monta. O primeiro,

localizado no limite leste dos conjuntos, materializa-se na rodovia MS-156 que interliga

a cidade ao Distrito Industrial e às margens da qual situam-se os dois empreendimentos

habitacionais. O segundo obstáculo corresponde à presença da BR-163 ao norte dos dois

empreendimentos. Essa rodovia de pista dupla representa uma barreira ainda mais

problemática na medida em que concentra intenso fluxo de tráfego, sobretudo de

caminhões de carga, já que constitui-se no principal corredor de exportação do Mato

Grosso do Sul e serve de passagem para quem demanda aos portos de Santos-SP e

Paranaguá-PR (Fig. 02).

Além do efeito de confinamento dos dois assentamentos pelas rodovias

mencionadas, a localização dos Deoclécio Artuzi I e II ainda produz outros efeitos

deletérios. Como nos explica Ferreira para que uma localização seja adequada “deve ser

evitada a proximidade a fatores prejudiciais ao bem estar e ao conforto ambiental dos

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usuários e moradores, como fontes de ruídos, odores e poluição excessivos e

constantes” (2012. p. 69). Porém, os dois conjuntos aqui examinados estão situados a

poucos quilômetros do Distrito Industrial de Dourados-DID o que torna seus moradores

vítima do problema decorrente dos fortes odores emitidos pelas indústrias lá

localizadas.

As dificuldades locacionais são ainda agravadas pela imposição aos dois

conjuntos de um uso do solo predominantemente monofuncional. A implantação dos

Deoclécios formou uma extensa mancha residencial predominantemente monofuncional

e socialmente homogênea. Os dois conjuntos são áreas quase estritamente de moradia,

com déficit de serviços e com espaço restrito para comércio localizado nas bordas dos

assentamentos. Essa situação se agrava pela escassez daquelas atividades na área

circunvizinha dos conjuntos.

Nessa situação, de criação de uma extensa área residencial que agrega vários

conjuntos e com déficit de serviços no seu entorno, o ideal seria a implantação de um

empreendimento multifuncional, isto é, integrando no projeto do empreendimento a

habitação, o comércio, os serviços urbanos, os espaços de convivência e lazer e,

eventualmente, locais de trabalho. Por outro lado, a localização periférica dos dois

conjuntos e o fato de se situarem a mais de 7 Km do centro da cidade aprofundam essas

dificuldades.

A localização implica ainda em problemas para a fluidez urbana dos dois

assentamentos, sobretudo como consequência da presença das duas rodovias

anteriormente citadas. Quando examinamos a inserção do Deoclécio Artuzi I e II na

malha viária circunvizinha, ou melhor, a continuidade do alinhamento de seu

arruamento com o dos bairros vizinhos, é possível constatar que tal alinhamento

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207

Figura 02: Inserção dos conjuntos Deoclécio Artuzi I e II no seu entorno.

Fonte: https://www.google.com.br/maps/place/Dourados+-+MS/@-22.2222744,-

54.7946487,13z/data=!4m2!3m1!1s0x9489a825ba544f99:0xd96ef82be62edddc?hl=pt-BR

Org.: SILVA, M.C.T. (2014)

somente se verifica com o conglomerado dos três Harrinson Figueredo e deste último

com o bairro vizinho situado ao norte – a Chácaras Cidélis.

Porém, essa fluidez entre esses três bairros e o restante da cidade é abruptamente

interrompida ao norte, não apenas pela barreira da BR-163, mas também pelo fato da

configuração dos sistemas viários desses três bairros não apresentar um alinhamento

com as vias do bairro situado após a BR – Jardim Colibri. Situação semelhante ocorre

com o outro bairro vizinho situado a leste – Jardim Guaicurus, separado dos conjuntos

pela MS-156 sem que também haja continuidade entre os sistemas viários situados dos

dois lados da rodovia. Dentre essas duas interrupções na fluidez, a primeira é mais

grave, porque significa descontinuidade de integração com o sistema viário da maior

parte da cidade. Tal descontinuidade tem como consequência aumento tanto das

distâncias percorridas quanto nos tempos dispendidos nos trajetos.

A mesma dificuldade de fluidez reproduz-se com a rede de percurso para

pedestres nos conjuntos, além de pouco amigável para a circulação de pessoas no

interior do conjunto (calçadas estreitas e mal conservadas), não se integra com as redes

de calçadas dos bairros vizinhos a exceção do Harrison Figueredo, restringindo a

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208

possibilidade dos moradores deslocarem-se a pé para os bairros do entorno e em direção

à cidade.

As peculiaridades de sua localização também repercutem sobre a acessibilidade

dos dois conjuntos. Por se encontrarem apartados do restante da cidade pela barreira da

BR-163, a integração desses dois assentamentos habitacionais com o sistema viário da

cidade somente se dá por intermédio da MS-156 que após cruzar a BR-163 conecta-se

com a Avenida Coronel Ponciano, uma via que na hierarquia do sistema viário da

cidade é classificada como eixo principal.

Como a MS-156 conecta a cidade com o Distrito Industrial, há um tráfego

intenso, sobretudo de caminhões. Também como essa mesma via serve de principal e

mais utilizado acesso à cidade para os bairros da área (Deoclécio Artuzi, Harrison

Figueredo, Chácara Cidelis e Jardim Guaicurus) há uma sobrecarga de tráfego de

transporte individual (automóveis e motocicletas) que compromete o tempo de

deslocamento e consequentemente a qualidade da acessibilidade.

Essa última é particularmente comprometida para pedestres e ciclistas tendo em

vista a ausência de ciclovias, calçadas ou passarelas suspensas para travessia de

transeuntes. Essas deficiências têm motivado repetidos acidentes vitimando, sobretudo,

motociclistas, ciclistas e pedestres nas duas rodovias. Essa situação torna-se mais grave

quando constatamos que um quantitativo significativo de moradores dos conjuntos

utilizam a bicicleta para se deslocarem para o trabalho e, embora em menor número,

existem também os que fazem esse trajeto a pé. Entrevistas76

realizadas por nós com

moradores dos Deoclécio I e II demonstraram que são 18,9% os que realizam esse

percurso com bicicleta e 2,7% os que vão a pé. A acessibilidade precária para esses

segmentos além de colocar suas vidas em risco permanente, os induz a trocar tais

modalidades sustentáveis de deslocamento pela motocicleta ou pelo carro tão logo

adquiram condições financeiras para tanto.

Os 21,6% dos moradores que utilizam cotidianamente o transporte coletivo

(ônibus circulares) têm sua acessibilidade comprometida por um conjunto específico de

mazelas. A existência de somente uma linha conectando os dois conjuntos à cidade

contribui para que 52,6% dos usuários de transporte coletivo dos Deoclécio I e II

76

As entrevistas aplicadas por nós nos primeiro e segundo semestres de 2014 consistiram na aplicação de 42 questionários nos Deoclécio I e II que configuraram uma amostra de 9% com relação ao total das 465 unidades residenciais que integram os dois conjuntos.

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209

dispendam mais tempo para se deslocarem dos conjuntos ao centro da cidade do que

dispendiam a partir de seus antigos bairros.

Uma frequência inadequada que obriga os moradores a dispenderem uma hora

de espera nos pontos, fazendo com que 87,9% dos entrevistados dos conjuntos

consumam um maior intervalo de tempo aguardando o ônibus no ponto do que

consumiam nos seus bairros de origem.

Também carros velhos e com higienização deficiente, defeitos mecânicos

frequentes, superlotação, pontos precários constituídos de toscos marcos de madeira

fincados na calçada sem nenhuma proteção aos usuários expondo-os à chuva ou ao sol,

dependendo da ocasião e a inexistência de outros modais de transporte coletivo que

possibilitem a adoção de esquema de intermodalidade são outros fatores de restrição à

acessibilidade dos residentes nos conjuntos Deoclécio Artuzi I e II.

O comprometimento da acessibilidade nos diversos modais de transporte

disponíveis – individual (carros e motocicletas), coletivo (ônibus), alternativo (bicicleta)

e pedestrianismo - contribui para que 54,8% dos entrevistados dispendam, atualmente,

mais tempo de deslocamento para o trabalho do que dispendiam nos bairros que

residiam antes de se transferirem para os Deoclécio I e II.

2.2 – A Inserção na Esfera das Infraestruturas e Serviços Urbanos

Os dois conjuntos encontram-se relativamente bem servidos no que se refere a

infraestruturas. Eles foram dotados de arruamento pavimentado, calçadas com passeios

públicos e arborização, redes de fornecimento de energia, de água tratada, de coleta de

esgoto, de telecomunicação e de drenagem pluvial.

Como os conjuntos em tela possuem curto tempo de existência (pouco mais de um ano),

as redes de infraestrutura ainda encontram-se em bom estado e apresentam desempenho

satisfatório. Isso ficou evidenciado nas entrevistas que não registraram

descontentamento dos moradores com relação à performance dessas redes.

A única nota destoante nesse sentido, foi a menção à obstrução das bocas de

lobo da rede de drenagem durante os momentos de chuva mais intensa. No entanto, esse

problema decorre, como reconhecem os próprios moradores, mais do excesso de lixo

descartado nas ruas do que da deficiência da rede de drenagem implantada. No geral é

possível sustentar que a inserção urbana no plano da integração dos dois assentamentos

às redes de infraestrutura é satisfatória.

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210

O mesmo, no entanto, não se pode afirmar com relação aos serviços urbanos. A

inserção urbana dos dois assentamentos nesse aspecto ocorre de forma precária e

parcial. Dentre os problemas mais incômodos mencionados pelos moradores nas

entrevistas, sobressaíram-se como os três principais: educação, saúde e limpeza urbana.

A acentuada insatisfação com os serviços de educação e saúde deve-se ao fato de que

embora os dois Deoclécio Artuzi abriguem 465 famílias e os dois outros conjuntos

anexos (Harrison Figueredo I, II)77

reúnam mais 472 famílias, surpreendentemente, há

mais de um ano da implantação dos dois primeiros, não foram instalados nenhum posto

de saúde, escola ou creche no local.

No caso específico dos serviços de saúde a população dos dois assentamentos

em tela dependem exclusivamente dos equipamentos situados em outros bairros. A

maior parte, mais precisamente 61,5% dos moradores, demandam os serviços do posto

de saúde do bairro vizinho (Jardim Guaicurus), os demais recorrem aos postos de outros

áreas da cidade, sobretudo os dos seus antigos bairros de origem, o Pronto Atendimento

Médico-PAM (bairro Cabeceira Alegre) ou hospitais públicos no centro.

A acessibilidade com relação ao equipamento mais demandado – Posto de Saúde

do Jd. Guaicurus – fica comprometida pela presença de alguns fatores restritivos. O

mais significativo é a presença da MS-156 que ao interpor-se entre o Jd. Guaicurus e os

dois conjuntos funciona como uma barreira dificultando a circulação, sobretudo, de

pedestres e ciclistas dada a ausência de estruturas adequadas para esses usuários

(calçadas, passarelas suspensas e ciclovias). O segundo fator comprometedor é o fato de

que, apesar do posto situar-se a uma distância significativa dos Deoclécio – 1.100 m – a

única via que o interliga aos dois conjuntos não dispor de revestimento asfáltico,

criando dificuldades para o trânsito nas épocas de chuva.

Já com relação aos serviços de educação verifica-se a existência de um terreno

reservado para construção de uma futura escola situado na divisa entre os Deoclécio I e

II, o fato é que até dezembro de 2014, as escolas mais próximas situam-se nos bairros

Guaicurus (Escola Municipal Profa. Maria da Conceição Angélica) e Terra Roxa

(Escola Estadual Prof. Alício de Araujo). A primeira que oferece ensino fundamental

encontra-se a aproximadamente 600 m dos Deoclécio Artuzi, já a segunda que

77

Embora o conjunto Harrison Figuereido seja constituído de três etapas, até a presente data (dez. 2014) somente as duas primeiras foram entregues. Quando a terceira fase for concluída a população total do conjunto totalizará 722 unidades residenciais.

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211

disponibiliza ensino fundamental e médio situa-se há mais de 2,7 km dos dois

conjuntos.

A acessibilidade de ambas para os residentes dos dois Deoclécio é

comprometida por se localizarem externamente aos conjuntos e consequentemente

obrigarem os alunos, em particular os que se deslocam a pé ou por bicicletas (46,8% do

total), a enfrentarem regulamente os obstáculos representados pelas rodovias (BR-163 e

MS-156) sujeitando-os a uma situação de risco permanente. Esse risco agrava-se na

medida em que, conforme explicamos anteriormente, as referidas rodovias não dispõem

de estruturas para pedestres e ciclistas. No caso específico da E.E. Prof. Alício de

Araujo o obstáculo à acessibilidade é ainda agravado pela distância expressiva que a

mesma se encontra dos dois conjuntos (mais de dois quilômetros e meio).

Porém, isso ainda não esgota toda a problemática da acessibilidade escolar.

Ocorre que como as duas escolas mencionada atendem preferencialmente os alunos dos

bairros onde se localizam, elas só tiveram capacidade de absorver 58,3% das crianças

em idade escolar dos Deoclécio, obrigando assim que as 41,7% restantes sejam

obrigadas a frequentar outras escolas em bairros ainda mais distantes.

Outro serviço urbano relevante para a avaliação da inserção urbana de um

assentamento é a disponibilidade de transporte público. Isso é particularmente

verdadeiro sobretudo para comunidades de baixa renda, como é o caso dos dois

Deoclécio Artuzi. A insuficiência de renda reduz a opção dessa população de usufruir

meios mais dispendiosos de locomoção como, por exemplo, o automóvel, tornando a

dependência do transporte coletivo mais efetiva. Isso ficou patenteado no levantamento

sobre o principal meio de transporte que a população dos Deoclécio utiliza para

deslocar-se de casa ao trabalho. A maioria (29,7%) lança mão da motocicleta, mas um

expressivo contingente de 21,6% dependem do ônibus coletivo e, em seguida, 18,9%

dos moradores deslocam-se de bicicleta.

No entanto, apesar da importância do transporte coletivo, o potencial de inserção

dos moradores dos Deoclécio que dependem dessa modalidade de transporte encontra-

se comprometido. Inicialmente pelo fato dos dois conjuntos disporem de um único

modal de transporte coletivo que se resume ao ônibus circular. Ainda como agravante,

esse único modal disponibiliza tão somente uma linha para servir os dois conjuntos ora

em exame. Como resultado dessa situação, verificou-se que para 87,9% dos moradores

entrevistados a frequência dos ônibus nos pontos é menor do que nos bairros de origem;

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212

atualmente o intervalo entre os ônibus que param no ponto é de uma hora, enquanto nos

bairros de origem era, em média, de 30 minutos.

O potencial de inserção urbana para a parcela dos moradores dos Deoclécio que

utilizam o transporte coletivo é ainda restringido pela má conservação da frota de

ônibus utilizada o que, com base em depoimentos dos usuários, tem ocasionado

frequentes falhas mecânicas que prejudicam a eficiência do deslocamento.

Outro agravante são as más condições dos pontos de ônibus. À exceção de um

único ponto com cobertura e piso pavimentado, todos os demais nos dois conjuntos se

caracterizam pela precariedade. Resumem-se a um marco de madeira fixado

diretamente no solo argiloso sem nenhum tipo de cobertura ou piso com pavimento.

Isso gera desconforto e inconveniências para os usuários, pois além da ausência de um

abrigo para protegê-los da chuva e do sol, nos períodos de maior precipitação

pluviométrica os pontos transformam-se em um lamaçal.

Frente a esse conjunto de deficiências do sistema de transporte coletivo

disponibilizado à população, não surpreende que 65,6% dos usuários entrevistados

avaliem seu desempenho como ruim. Tão somente 18,8% julgam sua performance

como de boa qualidade.

Concluindo a avaliação dos serviços urbanos, gostaríamos de abordar o aspecto

referente ao abastecimento de bens de consumo, na medida em que a existência na

quantidade necessária e o acesso adequado aos locais de abastecimento é um fator

relevante para uma inserção urbana satisfatória.

Nesse sentido é relevante enfatizar que os Deoclécio tendem a uma

monofuncionalidade do uso do solo baseada na sua função predominantemente

residencial. Tal monofuncionalidade somente não é completa pelo fato do PMCMV

determinar que as empresas construtoras reservem 3% dos lotes do conjunto para área

comercial. Esse percentual é de propriedade da construtora. Nos Deoclécios, a empresa

ficou com 22 lotes comerciais para venda. No entanto, até final de dezembro de 2014,

ou seja há mais de dois anos da entrega do Deoclécio I, a única implantação comercial

existente naqueles lotes resume-se a uma pequena galeria de quatro lojas que abriga um

mercadinho de conveniências (com um único caixa) e um salão de beleza, as duas lojas

restantes encontram-se desocupadas.

A fim de compensar a escassez de comércio nos dois conjuntos e,

simultaneamente, usufruírem de uma fonte extra de renda, alguns moradores

implantaram em suas residências pequenos e precários bares com conveniências. Essas

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operações caracterizam-se pela improvisação e informalidade, em geral são abrigadas

em um puxado precário construído na frente da residência, trabalhando com um estoque

reduzido e pouca diversidade de mercadorias. Os preços praticados tendem a ser bem

mais elevados do que os do comércio regular.

Como reflexo dessa escassez e precariedade do comércio local verificou-se que

tão somente 12,2% das famílias entrevistadas se abastecem78

regularmente nos próprios

conjuntos ou em um mercadinho de pequeno porte (dois caixas)79

existente no Harrison

Figueredo I. Já a grande maioria (87,8%) desloca-se para outras regiões da cidade a fim

de realizar as compras em grandes supermercados, em geral situados na área central da

cidade. Para essa maioria, somente compras emergenciais e muito pontuais são

realizadas nos mercadinhos dos Deoclécio ou do Harrison Figueredo I.

Portanto, para conseguir usufruir preços mais compensadores e a maior

diversidade de produtos ofertada pelas grandes redes de supermercados, a população

dos dois conjuntos tem que se submeter a percorrer uma distância maior e dispender

mais tempo de deslocamento. Tais transtornos (deslocamentos mais longos e maior

dispêndio de tempo) são os sintomas de uma inserção mais restrita dos moradores dos

Deoclécio na rede de abastecimento da cidade.

2.3 – A Inserção na Esfera Sócio-econômico-política

Uma das características de uma inserção urbana satisfatória é a existência de

oportunidades de promoção da sociabilidade. Em outras palavras, a oportunidade de

integração social, de interação entre os moradores no interior de um dado bairro (ou

conjunto habitacional) e entre esses moradores e o restante da sociedade urbana.

No caso específico dos Deoclécio Artuzi I e II, nos deparamos com dificuldades

que impõem constrangimentos para o exercício da sociabilidade. Inicialmente cabe

ressaltar que os dois conjuntos passaram a abrigar contingentes que foram removidos de

diferentes bairros da cidade e que foram abruptamente reunidos nos dois conjuntos.

Em um primeiro momento, os dois assentamentos corresponde a um

ajuntamento de desconhecidos e não a uma comunidade com relações consolidadas de

vizinhança, amizade e parentesco. Tais relações são resultantes de uma convivência

prolongada de muitos anos ou, em alguns caso, de várias gerações de interação social

78

Nos referimos à compra mensal para abastecimento de alimentos, produtos de higiene pessoal e de limpeza doméstica. 79

Embora possua capacidade para cinco caixas, quando o visitamos em 12 dez. 2014, só existiam dois caixas instalados.

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214

entre seus membros. Um tempo prolongado de convívio em um mesmo bairro contribui

para a criação de uma rede não apenas de integração, mas de proteção social.

Segundo um estudioso da matéria, um dos principais motivos que compromete a

sociabilidade “é a distância que separa os modos de vida anteriores dos atuais [...]. O

realojamento dos indivíduos é, assim, frequentemente apresentado como um choque

traumático que resulta de uma degradação das relações de vizinhança anteriores”

(Augusto, s/d. p. 14).

Situações constatadas por Augusto em outro contexto também se aplicam no

âmbito dos Deoclécio, como é o caso das novas relações de vizinhança que tiveram que

ser construídas a partir do zero para a totalidade da população dos dois conjuntos,

implicando a destruição das relações de vizinhanças existentes nos antigos bairros de

moradia daquela população.

Embora alguns contemplados com casas nos dois conjuntos apresentassem

afinidades como serem provenientes de um mesmo bairro de origem ou exercerem a

mesma profissão, tais atributos não foram considerados na localização dos moradores

no interior dos conjuntos. Como a distribuição das casas foi realizada aleatoriamente

por sorteio, não se cogitou contemplar a possibilidade de manter próximos aqueles

moradores com trajetórias de vida afins.

Por outro lado, de todas as interações possíveis a de parentesco é a que fornece o

melhor suporte para a proteção e integração de seus membros na comunidade. Nesse

aspecto, cabe ressaltar que a transferência para os Deoclécio representou prejuízos na

sociabilidade de uma parcela significativa de seus moradores. Mais precisamente, 55%

dos moradores entrevistados possuíam parentes residindo no mesmo bairro de origem,

benefício que deixaram de usufruir após a transferência para os dois conjuntos.

Igualmente grave para desestimular a sociabilidade no contexto dos conjuntos do

Deoclécio Artuzzi é a ausência de espaços públicos que favoreçam e promovam o

encontro e a interação dos moradores. O projeto desses dois assentamentos não previu a

implantação de nenhum espaço de convívio e de lazer para a população. Não há uma

praça, nenhuma estrutura para a prática de esportes, ainda que simplória, como um

campo de futebol ou uma quadra poliesportiva. Nem mesmo um simples playground

para reunir as crianças e suas mães. A ausência desses espaços restringe a sociabilidade,

a possibilidade de estabelecimento de uma rede mais ampla de relações envolvendo

moradores provenientes de distintas áreas dos conjuntos.

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Nesse contexto adverso, as perspectivas de sociabilidade tendem a se resumir ao

critério da proximidade. Assim, as interações costumam resumir-se às relações mais

restritas com os vizinhos próximos.

No que se refere à sociabilidade entre os moradores dos Deoclécio e o restante

da sociedade urbana, a localização periférica e a distância dos conjuntos, seja em

relação ao centro da cidade, seja em referência aos antigos bairros de origem dos

moradores, impõem alguns constrangimentos para a sua satisfatória realização. Um

indicador ilustrativo das dificuldades para o desenvolvimento de redes de relações mais

amplas que ultrapassem os limites da comunidade dos conjuntos refere-se à participação

dos moradores nas atividades de suas igrejas.

Partimos do princípio de que a igreja é uma instituição que favorece o

estabelecimento e ampliação de redes de relações sociais, desempenhando um papel de

catalisador da integração social dos indivíduos. Nesse sentido, Almeida e D’Andrea, ao

examinarem especificamente a frequência regular aos cultos evangélicos, constatam que

“a interação propiciada por essas reuniões resulta em formação de alianças

matrimoniais, laços de solidariedade econômica e forte capacidade de mobilização

interna” (2004. p. 103).

No caso específico do Deoclécio Artuzi constatamos que 27,3% dos

entrevistados que anteriormente frequentavam igrejas regularmente, seja as situadas no

bairro de origem ou no centro da cidade, deixaram de fazê-lo, alegando dificuldades

decorrentes da distância e/ou dificuldades de disponibilidade de meios de

deslocamento80

para acessar os seus antigos templos. Concretamente isso significa que a

transferência para os Deoclécio Artuzi significou o rompimento, ainda que

eventualmente temporário, com um importante canal promotor de integração social

expresso pela participação regular desses moradores em suas igrejas.

Já no que diz respeito à inserção dos moradores no processo político de tomada

de decisões relativamente às questões que afetam o seu espaço de moradia, é possível

também constatar constrangimentos que tornam tal inserção muito insatisfatória.

Construídos na borda do espaço urbano, na periferia distante e deslocados do centro da

cidade, conjuntos como os Deoclécio desenvolvem naturalmente entre seus moradores a

sensação de segregação e exclusão. Por outro lado, o padrão arquitetônico típico que

predomina nesses casos (habitações estandardizadas) aliado à homogeneidade social de

80

Nesse sentido, a reclamação refere-se, sobretudo, a queda da frequência de circulação do transporte coletivo durante os finais de semana nos Deoclécio.

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seus moradores geram uma forte estigmatização desses conjuntos na sociedade que

passa a enxergá-los como bairros de pobre. Essas situações adversas dificultam o

surgimento, entre os residentes, de um sentimento de identificação com o local de

moradia.

Tais circunstâncias interferem na capacidade de inserção política de seus

moradores na medida em que desmotivam a articulação e a mobilização dos moradores

em prol do seu local de residência.

Ao referir-se aos conjuntos sociais um estudioso dessa temática nos explica que:

O modo como o indivíduo se relaciona no seu espaço e o modo como

constrói a sua identidade, dificilmente gerarão uma participação dos actores.

O indivíduo não defenderá o seu espaço se não se identificar com ele e

dificilmente porá em marcha uma iniciativa colectiva se carecer de relações

de sociabilidade regulares (AUGUSTO, 2000. p. 02).

Dessa forma, “por estar desidentificado com o bairro, o indivíduo não o

promove nem o defende e dificilmente consegue gerar lógicas de acção colectiva”

(Guerra, 1994 apud Augusto, 2000. p. 02). Ou seja, as características intrínsecas desses

conjuntos sociais (segregação, exclusão, estigmatização e desitentificação) refreiam a

mobilização, a ação coletiva e a participação política de seus moradores.

Nesse contexto, o morador no lugar de desempenhar o papel de ator ativo e

cidadão participante, torna-se um agente passivo do assistencialismo estatal, como

muito bem expressa Augusto, “a condição de actor nestes espaços confina-se muitas

vezes à de receptor passivo ou beneficiário, face a uma estratégia fundamentalmente

assistencialista do providencialismo tradicional” (2000. p. 02)

A indigência de protagonismo e participação dos beneficiados dos Deoclécio

fica evidenciada na ausência dos moradores nas etapas de elaboração do projeto e da

execução da construção. Eles não tiveram nenhuma possibilidade de opinar sobre as

características da habitação em que iriam residir. No que se refere ao projeto, as

especificações que definem as características da moradia (dimensões, aberturas, divisão

interna, materiais empregados etc.) já estão pré-definidas pelas diretrizes da Caixa

Econômica Federal. No que diz respeito à execução, a participação fica impossibilitada

em virtude da necessidade de construir rapidamente. Tampouco é possível a

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participação dos moradores no processo que decide sua distribuição nas unidades

residenciais, determinado por sorteio.

Já no que se refere à gestão cotidiana do espaço dos conjuntos, é possível

constatar que os processos anteriormente mencionados de segregação, exclusão,

estigmatização e identificação truncada, também aqui, geram obstáculos para a

participação política, para a ação coletiva em prol da solução dos problemas da

comunidade. Há uma evidente dificuldade de mobilização e união dos moradores, até

mesmo para reivindicarem a resolução das duas principais mazelas que afetam e

incomodam a maioria deles, como é o caso dos déficits nos serviços em educação e

saúde, conforme ficou patenteado em nossas entrevistas.

O que deveria se constituir em um dos principais mecanismos de aglutinação de

interesses, mobilização e canalização de reivindicações da comunidade – a Associação

de Moradores – tornou-se, na verdade, a expressão da desvitalização da ação coletiva. É

sintomático dessa realidade o fato de mais de 85% dos entrevistados afirmarem

desconhecer a existência da entidade. Um agravante é o processo de personificação da

Associação, ou seja a redução da entidade à pessoa de sua presidente. Isso fica patente

quando, embora a massiva maioria desconheça a existência da Associação, mais de 87%

dos entrevistados afirmem ter conhecimento da existência da “presidente do bairro”, e a

maioria sabe mencionar seu nome, embora desconheça o nome de qualquer outro

integrante da diretoria da Associação.

Igualmente ilustrativo da desmobilização, do desinteresse e da descrença no

trabalho da entidade que, em tese, deveria ser o dínamo da mobilização política e do

canal coletivo de pressão da comunidade, é o fato de que 33,3% dos entrevistados tenha

afirmado que não acompanham o trabalho da Associação/presidente do bairro, ou, mais

grave, que outros 48,5% julgue seu desempenho como negativo.

Frente ao esvaziamento e à descrença no instrumento de articulação da ação

coletiva, a inserção dos moradores na esfera da política, vem se dando, mais

frequentemente, por iniciativas individuais de um e de outro que recorre, por conta

própria, a um vereador ou a alguma instância da Prefeitura para reivindicar alguma

benefício do poder público. Essas ações individuais, além de contribuírem para minar

ainda mais a possibilidade de união de esforços no âmbito da Associação, pulverizam a

inserção política, sujeitando com frequência os moradores às práticas clientelistas da

troca de favores e de depreciação da cidadania.

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218

Por fim, a última modalidade a ser examinada é a inserção dos residentes dos

dois conjuntos no âmbito da economia urbana. De início, é importante recordar que a

população moradora nos dois Deoclécio é constituída de trabalhadores de baixa renda.

O parâmetro, nesse sentido, é dado pelo limite máximo de proventos para concorrer a

uma casa nos dois conjuntos que consiste em possuir uma renda bruta familiar mensal

de até R$ 1.600,00.

Por outro lado, pari passu com a baixa renda trata-se de um universo com

reduzido grau de escolaridade. Conforme demonstrado por nosso trabalho de campo, tão

somente 7,3% dos entrevistados concluíram o ensino fundamental, um percentual mais

significativo, 19,5%, o ensino médio e apenas 4,9% o ensino superior. A grande

maioria, 53,7%, possui o fundamental incompleto, secundado por 12,2% com o médio

incompleto e finalmente 2,4% corresponde aos analfabetos.

Sobretudo estes últimos dados relativos à situação da escolaridade, de antemão,

já, em boa medida, condiciona a inserção da população dos Deoclécio na esfera da

economia urbana douradense. Nesse sentido, é importante enfatizar que a maioria dos

moradores realiza sua inserção econômica na condição de assalariado. Mais

precisamente 61,5% dos entrevistados encontram-se nessa situação. Destes, 91,6%

possuem carteira assinada e portanto se inserem no mercado formal de trabalho,

enquanto 8,3% não possuem carteira assinada e se integram precariamente ao mercado

de trabalho.

Entre os inseridos no mercado formal de trabalho há um perfil diversificado de

profissionais, entre os quais destacam-se os operários da indústria e os empregados do

setor de serviços (faxineiras, motoristas, auxiliares de cozinha, atendentes de lojas etc.).

Já entre aqueles que se relacionam informalmente com o mercado de trabalho

assalariado predominam as empregadas domésticas.

Por outro lado, 28,2% inserem-se na esfera econômica na condição de

autônomos. Destes, a imensa maioria, 91%, integram-se informalmente na atividade

econômica urbana, na sua maior parte correspondem a catadores de recicláveis,

trabalhadores braçais de carga e descarga, manicures, diaristas domésticas etc. Apenas

9% dos autônomos integram a economia formalmente. Os demais 10,3% correspondem

a moradores aposentados que já se retiraram do mercado de trabalho.

Embora a maior parcela dos residentes nos Deoclécio se integrem à atividade

econômica na condição de assalariados formais, é necessário enfatizar que as atividades

por eles desempenhadas situam-se entre as que pressupõem um menor grau de

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219

especialização e consequentemente disponibilizam remunerações modestas. Por fim,

gostaríamos de sublinhar como ainda é significativa a fração dos que se inserem

precariamente no mercado (próximo de um terço do total), em atividades informais,

exercendo funções que se situam na periferia da economia urbana.

3 - CONCLUSÃO

Quando examinamos a atuação do PMMV a partir da visão angular dos

conjuntos Deoclécio Artuzi I e II verificamos que o Programa prioriza uma abordagem

quantitativa – construir um volume crescente de habitações. Essa prioridade dispensada

ao quantitativo torna-se reveladora de características essenciais do Programa: promover

o crescimento econômico, obter resultados a curto prazo e escassa preocupação com as

consequências futuras. O resultado concreto disso é o confinamento de um segmento

social homogêneo – os pobres urbanos - transposto de diferentes pontos da cidade e

confinado em um conjunto de unidades habitacionais padronizadas com sérias restrições

de integração aos benefícios do universo urbano.

Tal resultado nada mais é que o desdobramento natural da estratégia adotada

pelo PMCMV que se guia pela lógica da produção do espaço abstrato tal qual

concebido por Lefebvre. Estratégia que resulta em guetos de confinamento dos

segmentos empobrecidos da sociedade, que são obrigados a compartilhar espaços

residenciais marcados não apenas pela homogeneidade social, mas também pela

padronização arquitetônica, a tendência à monofuncionalidade, a estigmatização e o

preconceito. Sobretudo, uma estratégia que cerceia o processo participativo dos

cidadãos na produção e gestão de seu espaço de moradia.

A afirmação do espaço abstrato é a negação da vida em comunidade. Essa

estratégia comporta reduzidas oportunidades para a criação de comunidades centradas

na promoção do bem estar, da sustentabilidade, dos valores de uso, da participação e da

autogestão, mas principalmente contempla escassa oportunidade para gerar

comunidades que usufruam de satisfatória integração com o espaço urbano mais amplo.

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221

SANEAMENTO BÁSICO: SITUAÇÃO DE TRATAMENTO E/OU

DISPOSIÇÃO FINAL DOS RESÍDUOS SÓLIDOS URBANOS DA

MESORREGIÃO NORTE DE MINAS GERAIS - 2012.

Olga Cardoso da Silva81

RESUMO

A mesorregião Norte de Minas, possui 89 municípios, a maior parte deles encontram-se

com dificuldades em cumprirem a lei nº 12.305/10, que institui a Política Nacional de

Resíduos Sólidos (PNRS). A cidade de Montes Claros é a única cidade do Norte de

Minas classificada como cidade média é apesar disso, ainda hoje não atende a

população com a destinação correta dos resíduos sólidos. Desta forma, procurou-se

conhecer a disposição final dos resíduos sólidos urbanos da Mesorregião Norte de

Minas Gerais. Os resultados observados apontam que dos 89 municípios, mais de 57,3%

tem como destino final dos Resíduos sólidos urbanos (RSU) os lixões,

aproximadamente 31,5% possuem aterro controlado, mais de 5% possuem usina de

triagem e compostagem regularizadas e não regularizada. Os que destinam o lixo ao

aterro sanitário correspondem somente a 2% , o restante 3,2% estão com a autorização

Ambiental de Funcionamento (AAF) em verificação para implantação de sistemas

municipais de disposição final de resíduos sólidos urbanos.

Palavras Chaves: RSU, Norte de Minas, Montes Claros, saneamento básico.

Grupo de trabalho: Políticas públicas, governança e desenvolvimento regional -

políticas públicas / escala local e regional.

I INTRODUÇÃO

O processo de crescimento urbano e urbanização das cidades brasileiras, entre

elas as cidades pequenas e médias localizadas no interior do Brasil, têm provocado

profundas alterações socioambientais. O censo do IBGE do ano 2000 divulgou que as

cidades médias foram as que mais cresceram nos últimos anos. Aproximadamente 80%

da população brasileira vive em cidades, sendo que 40% desse total mora em cidades

médias e pequenas. (FRANÇA, 2007).

O crescimento econômico atrelado aos novos padrões de consumo nas cidades

médias e pequenas tem ocasionado problemas antes comuns apenas nas capitais

brasileiras. As cidades médias brasileiras receberam nos últimos anos um número

expressivo de imigrantes, grande parte deles das áreas rurais dos municípios. Essas

cidades, apesar dos investimentos em infraestrutura, possuem diversos problemas nas

81

Mestranda em Geografia pela Universidade Estadual de Montes Claros. Bolsista Cape.

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222

mais variadas áreas – saúde, educação, transporte e consequentemente saneamento

básico. Segundo França (2007, p.39):

O censo do IBGE de 2000 divulgou que as cidades médias foram as que mais

cresceram nos últimos anos. Constatou-se que aproximadamente 80% da

população brasileira vive em cidades, sendo que 40% desse total mora em

cidades médias e pequenas. Esses dados refletem o crescimento da população

interiorana do Brasil, denotando um processo de descoberta do interior do

país e de desconcentração populacional nas metrópoles e grandes cidades.

É válido ressaltar que as dificuldades em cumprir a lei nº 12.305/10, que institui

a Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS) não diz respeito somente às cidades

grandes, mas também as cidades médias e pequenas ressalta-se que estas cidades

representam 40% das cidades brasileiras.

De acordo com a lei nº 11.445/07 entende-se por saneamento básico o conjunto

de serviços, infraestrutura e instalações de abastecimento de água, esgotamento

sanitário, limpeza urbana e manejo de resíduos sólidos e drenagem de águas pluviais

urbanas. Ressalta-se que para a Organização Mundial da Saúde o saneamento básico é o

conjunto de medidas adotadas em uma cidade, para melhorar a vida e a saúde dos

habitantes impedindo que fatores físicos de efeitos nocivos prejudique a população no

seu bem-estar físico, mental e social.

Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), a viabilidade em se investir

cada vez mais nessa área justifica-se à medida que a cada dólar investido em água e

saneamento, são economizados 4,3 dólares em custos de saúde no mundo. De acordo

com a Organização das Nações Unidas (ONU) 2,6 milhões de pessoas não têm acesso

ao saneamento básico, o que corresponde a aproximadamente 40% da população. Os

investimentos em saneamento básico aumentaram em 30% de 2010 a 2012, mas o

relatório82

revela que ainda são poucos comparados a atual situação do saneamento

básico mundial. O relatório, publicado em 2014, analisou os dados de 94 países, dando

atenção relevante a Marrocos, Gana e Brasil. Apesar dos investimentos que os países

subdesenvolvidos recebem a situação ainda é caótica.

O relatório da ONU destaca:

Aid for water and sanitation is targeted at regions that have the largest

populations without access to improved sanitation or drinking-water from an

improved source. Seventy-two per cent of the world’s population without

access to improved sanitation or drinking-water from an improved source live

in the sub-Saharan Africa, Southern Asia or South-eastern Asia MDG

regions. In 2012, sub-Saharan Africa received the largest share of aid

82

Investing in water and sanitation: Increasing Acess reducing inequalities. Relatório divulgado

pela ONU em 2014.

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223

commitments for sanitation and water (nearly US$ 4 billion) of any region,

increasing from 27% to 38% of global WASH aid between 2010 and 2012

(ONU, 2014. p.46)

Os investimentos realizados em países subdesenvolvidos diminuíram de forma

considerável os riscos de contaminação de doenças oriundas da ausência de tratamento

da água e do lixo e consequentemente contribui para a diminuição da mortalidade

infantil, o que contribui para a elevação do Índice de Desenvolvimento Humano

(IDH)83

.

No Brasil, foi realizado em 2000 pelo Instituto Brasileiro de Geografia e

Estatística a Pesquisa Nacional de Saneamento Básico (PNSB). A PNSB investigou as

condições de saneamento básico dos municípios brasileiros, através da atuação dos

órgãos públicos e empresas privadas, permitindo uma avaliação sobre a oferta e a

qualidade dos serviços prestados e também análises das condições ambientais e suas

implicações diretas com a saúde e a qualidade de vida da população. (PNSB, 2000). O

Brasil é entre os países em desenvolvimento o que mais investe em saneamento básico,

mas a situação é precária mesmo diante dos investimentos dos últimos anos. O relatório

deixa claro que o Brasil ainda apresenta índices preocupantes. (ONU, 2014).

Sabe-se que o primeiro levantamento nacional sobre saneamento básico no

Brasil só foi realizado em 1974, depois disso realizaram-se os levantamentos de 1977,

1989 e 2000. Mas a primeira pesquisa nacional contemplando a questão de limpeza

urbana e coleta de lixo - resíduos sólidos urbanos foi realizada em 1983, pelo IBGE.

Destaca-se que o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado passou a ser, a

partir de 1998, um direito fundamental de todos os brasileiros e de todas as pessoas que

estiverem no Brasil. Por ser direito fundamental, é um direito indisponível, do qual não

se pode abrir mão." (TRIGUEIRO, 2003)

Segundo LIMA (2005), gestão de resíduos sólidos é o processo que compreende

as ações referentes à tomada de decisões políticas e estratégicas quanto aos aspectos

institucionais, operacionais, financeiros, sociais e ambientais relacionados aos resíduos

sólidos, capaz de orientar a organização do setor.

De acordo com o artigo 3º da lei 12.305/2010 os resíduos sólidos são: materiais,

substância, objetos ou bens descartados resultantes de atividades humanas em

sociedade, a cuja destinação final se procede, se propõe proceder ou se está obrigado a

proceder, nos estados sólido ou semissólido. Os resíduos sólidos podem receber vários

83

O Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) é uma medida resumida do progresso, a longo

prazo, em três dimensões básicas do desenvolvimento humano: renda, educação e saúde.

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224

destinos, nem sempre adequados. Sobre o destino que os resíduos sólidos recebem

atualmente, destacam-se:

Lixão - Considerado como forma inadequada dos RSU, lançados a céu aberto,

não existindo qualquer tipo de cobertura, não adotando medidas necessárias para

proteger a saúde pública e o meio ambiente. (FEAM, 2013)

Aterro controlado - Forma paliativa de disposição final dos RSU, até que seja

implementada situação adequada de tratamento e/ou disposição final dos RSU.

Não há adoção de elementos de proteção ambiental. (FEAM, 2013)

Aterro sanitário: técnica para a viabilização da disposição de resíduos sólidos

urbanos, sem causar danos a saúde pública e à segurança, minimizando os

impactos ambientais. Os resíduos sólidos são confinados ao menor volume

permissível, cobrindo-os com uma camada de terra. (SUDERHSA, 2007.)

Usina de triagem e compostagem - Forma de tratamento dos RSU considerada

adequada. Os materiais são separados, materiais recicláveis, matéria orgânica e

rejeitos. (FEAM, 2013)

O estado de Minas Gerais criou em 2013 o programa Minas sem lixões em

parceria com a Universidade Federais de Lavras e de Viçosa e Fundação Israel Pinheiro,

vem apoiando os municípios na implantação de sistemas de tratamento e disposição

regularizados, na implantação da coleta seletiva e na formação de consórcios para

gestão compartilhada de resíduos sólidos urbanos. (FEAM, 2013)

Desta forma, o objetivo deste artigo consiste em analisar a disposição final dos

resíduos sólidos urbanos da mesorregião Norte de Minas Gerais, baseado em dados do

ano 2012, disponibilizados pela Fundação Estadual do Meio Ambiente, prefeituras,

IBGE e pelo 1º Fórum Internacional de Cooperação Técnica sobre Resíduos Sólidos

do Norte de Minas .

II MATERIAIS E MÉTODOS

A mesorregião do Norte de Minas é uma das doze mesorregiões de Minas

Gerais. É formada pela união de 89 municípios, agrupados em sete microrregiões,

sendo elas Bocaiúva, Grão Mogol, Janaúba, Janúaria, Montes Claros, Pirapora e

Salinas. A cidade média de Montes Claros destaca-se como polo regional e desempenha

um papel importante na rede econômica, oferecendo diversos. A cidade de Montes

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225

Claros é a única cidade média do Norte de Minas, para Pereira (2007) desempenha a

função de centralizar os serviços de saúde, educação, suporte administrativo e serviços

financeiros. A localização da cidade entre entroncamento de importantes eixos

rodoviários facilita a realização de contínuos fluxos entre os municípios vizinhos:

comercial varejista, inter-relação político-administrativa, serviços de saúde e escolar de

nível superior. A região abrange uma área de 127.816,15 Km², onde vivem 1.581.544

habitantes (IBGE, 2010). Em relação às condições físicas a formação típica da região é

o cerrado, apresentando faixa de transição com a caatinga. Destaca-se que a

mesorregião é considerada semiárida com clima caracterizado como tropical semiúmido

a semiárido, com baixas precipitações ao longo do ano e chuvas concentradas no mês de

dezembro e janeiro.

Abordagem Metodológica

Neste estudo, buscou-se conhecer o destino final dos resíduos sólidos dos

munícipios da Mesorregião de Montes Claros, através de dados fornecidos pela

Fundação Estadual do Meio Ambiente, pela Secretaria de Serviços Urbanos de Montes

Claros e pelo 1º Fórum Internacional de Cooperação Técnica sobre Resíduos Sólidos

do Norte de Minas, realizado no dia 09 de outubro de 2014. De posse dos dados

disponibilizados utilizou-se o software ArcGis no Laboratório de Geoprocessamento da

Universidade Estadual de Montes Claros (Unimontes), utilizando as bases do IBGE

(2010), da FEAM (2012) e imagens de satélite World View 2011 para confecção dos

mapas.

III RESULTADO E DISCUSSÕES

A nível de Brasil, a gestão dos resíduos sólidos é preocupante, mais da metade

dos municípios brasileiros não dão destino correto ao lixo produzido, grande parte

desses resíduos são jogados a céu aberto, contaminando o solo e consequentemente a

água. De acordo com o Panorama dos Resíduos Sólidos no Brasil (2012) a quantidade

de RSU destinado inadequadamente, no ano de 2012, cresceu em relação ao ano de

2011, totalizando 23,7 milhões de toneladas que seguiram para lixões ou aterros

controlados, que do ponto de vista ambiental pouco se diferem dos lixões, pois não

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226

possuem o conjunto de sistemas necessários para a proteção do meio ambiente e da

saúde pública. (ABRELPE, 2012)

A área de estudo - Mesorregião Norte de Minas abrange uma realidade

socioeconômica, política e territorial diversificada, apresentando também formas

diferentes de destinação final dos resíduos sólidos urbanos. A maioria dos municípios

da mesorregião Norte mineira evidenciam dificuldades para cumprirem da lei 12.305,

que visava acabar com os lixões e implantar os aterros sanitários até agosto de 2014.

Figura 1 - Situação de tratamento e/ou disposição final dos resíduos sólidos urbanos - Municípios

Mesorregião Norte de Minas, 2012.

Fonte: SILVA, 2014

Os únicos municípios que apresentam aterros sanitários são Pirapora e Janaúba.

O aterro sanitário de Piarapora está localizado no bairro Cidade Jardim Mansões, a 7,1

Km do centro da cidade, a vida útil do aterro é de aproximadamente 20 anos, ressalta-se

que o aterro sanitário foi criado em 2007 e deve renovar sua licença a cada seis anos.

Segundo a prefeitura de Pirapora em 2013 aproximadamente 30 toneladas de

lixo, por dia, eram recolhidas. O aterro sanitário municipal é de responsabilidade do

Serviço Autônomo de àgua e Esgoto (SAAE).

O aterro sanitário de Janaúba foi implantado pela Companhia de

Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e do Parnaíba (CODEVASF) numa área

de aproximadamente 14,00 hectares, localizada na fazenda Gameleira, a uma distância

aproximada de 4,5 Km da zona urbana do município , segundo o Parecer Único - Aterro

Sanitário nº 020/2007 da Superintendência Regional de Meio Ambiente e

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desenvolvimento Sustentável do Norte de Minas (SUPRAM/NM) em 2007 Janaúba

possuía uma produção diária aproximadamente 47,13 toneladas de resíduos sólidos

urbanos, com estimativa de elevação para os próximos anos.

Mais de 57,3% dos municípios da Mesorregião Norte de Minas possuem como

disposição final o lixão. Destaca-se entre eles o município de Montes Claros, polo

regional, com maior acesso aos recursos estaduais e federais - “Montes Claros é o maior

e mais importante centro urbano da região”, mas mesmo assim ainda possui velhos

problemas urbanos, como por exemplo, a destinação incorreta dos seus RSU. (Pereira,

2002). A cidade de Montes Claros destaca-se como a única cidade média do Norte de

Minas, possuindo uma população superior a 361 mil habitantes, segundo dados do

IBGE no ano de 2010.

Ao estudar as cidades mineiras com mais de 100 mil habitantes, Amorim

Filho, Bueno e Abreu (1982) consideraram Montes Claros como uma cidade

média de nível superior, uma verdadeira capital regional . O estudo do

IPEA/IBGE/UNICAMP (1999) classificou a cidade de Montes Claros como

um centro regional 2. Estudos mais recentes, como o de Pereira e Lemos

(2004), também identificam essa cidade como média, tendo por base a sua

capacidade de polarização intra-regional. (FRANÇA, 2007, p. 70)

Com relação a disposição final do lixo no município de Montes Claros destaca-

se que o lixão, segundo a FEAM , ou aterro controlado segundo a prefeitura, encontra-

se dentro do perímetro urbano da cidade, próximo a áreas residenciais e bairros

populosos como por exemplo o bairro São Geraldo.

A cidade de Montes Claros apresentou um forte crescimento,

predominantemente horizontalizado e sem planejamento, áreas antes cobertas pela

vegetação natural foram aos poucos sendo tomadas por loteamentos, muitos deles

irregulares e aos poucos a cidade foi ganhando novos contornos, chegando próximo até

mesmo do lixão. A expansão aconteceu com mais intensidade nas zonas norte, leste e

sul em relação à zona oeste, que é ocupada por uma população de maior renda (LEITE;

PEREIRA, 2005).

Ressalta-se que encontra-se em contrução o aterro sanitário de Mimoso,

localizado na comunidade de Mimoso a aproximadamente 15 Km da cidade de Montes

Claros, o empreendimento é alvo de conflito ambiental, rejeitado por grande parte da

população local.

Em busca de discutir o cumprimento da lei - destinação correta do lixo - a

prefeitura municipal de Montes Claros em parceria com o Consórcio Intermunicipal

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para o Desenvolvimento Ambiental Sustentável do Norte de Minas (CODANORTE)

realizou o 1º Fórum Internacional de Cooperação Técnica sobre Resíduos Sólidos do

Norte de Minas, realizado no dia 09 de outubro de 2014 na cidade de Montes Claros

contando com a participação de vários prefeitos do Norte de Minas. Durante o fórum

ficou claro a preocupação dos prefeitos e lideranças regionais com relação as

dificuldades econômicas enfrentadas pelos municípios e a falta de verba para o

cumprimento das metas, pois para muitos deles, os municípios possuem problemas mais

urgentes e prioritários, como por exemplo a convivência com a seca, a saúde e a

educação. Segundo Heller e Castro (2007) é impossível alcançar a universalização dos

serviços de saneamento sem consideração dos processos sociais, políticos, econômicos,

culturais e demográficos aliados aos aspectos tecnológicos. Mesmo diante da

problemática todos ressaltaram a importância da criação do Consórcio intermunicipal de

resíduos sólidos. Através da constituição de consórcios públicos, conforme previsto na

lei federal nº 11.107/05, os municípios podem realizar a destinação correta dos resíduos

sólidos urbanos. Nesse sentido, a própria lei, coloca como alternativa aos municípios a

realização de consórcio intermunicipal que visa oferecer uma gestão operacional mais

especializada e mais viável, quando se pensa nos custos operacionais da gestão dos

resíduos.

Os Consórcios Intermunicipais são alternativas importantes para os municípios,

muitos deles já utilizam esse modelo de gestão em outras áreas, como a saúde.

Experiências em outras regiões do país revelam que um dos maiores entrave da criação

de um consórcio intermunicipal de gereciamento de resíduos sólidos têm sido as

diferenças sociais e políticas entre as localidades, tais fatores dificultam a negociação.

Pensando no Norte de Minas além das questões financeiras devem-se levar em

consideração as distâncias entre os municípios que podem aumentar e muito o custo de

transporte do lixo.

Além disso, vale ressaltar que os municípios que participarem do consórcio terão

um acréscimo de 10% na cota de ICMS ecológico, sendo que aqueles que obtarem por

receber os resíduos sólidos receberão parcela com incremento de 30% por cento, visto

que serão mais afetados em relação as questões ambientais.

As cidades que possuem usina de triagem e compostagem regularizada -

Cristália, Rubelita, Santo Antônio do Retiro e Serranapólis de Minas. Segundo a FEAM

a cidade de São João da Lagoa também possui usina de triagem e compostagem, mas

não encontra-se regularizada.

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A porcentagem dos que destinam os RSU ao aterro controlado chega a mais de

31,5%, o que equivale a 28 do total de 89 municípios, ressalta-se que caso esse aterros

não recebam os cuidados necessários a sua manutenção, acabam tornando-se lixões ao

longo do ano. Destaca-se que muitos desses municípios estão em articulação para

formação de consórcios municipais de RSU. Muitos deles como Itacambira e Grão

Mogol possuem potencial para o ecoturismo e por isso mesmo devem articular soluções

para o tratamento do lixo, evitando que cheguem as áreas preservadas, poluindo

nascentes e rios, afetando o turismo.

As cidades de São Francisco, Salinas e Verdelândia estão com a autorização

Ambiental de Funcionamento - (AAF) em verificação para implantação de sistemas

municipais de tratamento ou disposição final de resíduos sólidos urbanos. Destaca-se

que São Francisco- MG encontra-se em articulação com municípios vizinhos visando a

criação de um consórcio intermunicipal para os RSU.

IV CONSIDERAÇÕES FINAIS

A mesorregião Norte do Estado de Minas Gerais apresenta uma diversidade

econômica, política e social entre seus 89 municípios. Pode-se concluir que uma parcela

mínima dos municípios dessa mesorregião estão aptos a receberem as verbas para a

gestão dos RSU, uma vez que a maioria não conseguiu cumprir a lei nº 12.305/10, que

institui a Política Nacional de Resíduos Sólidos, os únicos que possuiam aterro

sanitário, em 2012, foram Janaúba e Pirapora . Destaca-se que que grande parte dos

municípios estão buscando como solução a formação de Consórcio intermunicipais.

Nesse contexto, destaca-se Montes Claros, polo regional do Norte de Minas, maior

produtor de RSU da mesorregião Norte, com a destinação incorreta do lixo. Assim

sendo, o gerenciamento de resíduos sólidos urbanos assume papel relevante, em virtude

da relação existente entre a disposição de resíduos sólidos urbanos com a saúde pública

e a degradação ambiental. Dessa relação, surge a necessidade da adoção de um sistema

de gerenciamento que possa apresentar procedimentos capazes de minimizar os

impactos negativos da geração dos resíduos e possa também fazer desses resíduos uma

alternativa econômica de geração de renda. (Barbosa, 2004.)

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230

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UNIVERSIDADE, TERRITÓRIO E O DESENVOLVIMENTO DAS

REGIÕES E DOS LUGARES: UMA PROPOSTA DE ANÁLISE

Antonio de Oliveira Jr84

RESUMO

Este trabalho procura desenvolver uma proposta de análise para o estudo da relação

universidade e região, a partir das relações de escala universidade-lugar e universidade-

região, que se estabelece uma relação com o território e tendo como ponto de partida

uma leitura da Teoria dos Polos de Crescimento, de François Perroux. Deste modo,

espaço que se intercalam e se intersecionam. Definida a escala de análise nos propomos

a entender este processo, tendo em vista a existência de dois sistemas: o universitário e

o localregional, onde a existência de conexões e sobreposições pode ocorrer em

diferentes graus de intensidade que na nossa metodologia se referem as interações e

conexões presentes no espaço e produzidas nas relações de escala.

1.INTRODUÇÃO

Os números, no geral, impressionam: 2.416 instituições de ensino superior (IES) entre

públicas e privadas; 7.037.688 estudantes matriculados em 31.866 cursos das mais

diversas áreas, com 1.050.413 de concluintes em 2012. Dentro deste universo, 304 são

públicas (103 federais, 116 estaduais e 85 municipais) e 2.112 privadas (INEP, 2013).

Mas o que mais impressiona é a sua expansão em 20 anos. Em 1995, eram 894 entre

públicas e privadas; 1.759.703 matriculados em 6.252 cursos com 245.887 concluintes

em 1994; destas IES em 1995, 210 são públicas (57 federais, 76 estaduais e 77

municipais) e 684 privadas.

O que significa esse crescimento para a economia local e regional onde estas IES estão

localizadas? Quais as suas relações com as cidades e as regiões nas quais estão

implantadas? E com o território? Que processos são estes que mais do que

democratizam o acesso ao ensino superior, acabam por democratizar também o

território? Essas são apenas algumas questões que nos estimulam pensar o território, as

regiões e as cidades a partir da localização das IES, sobretudo àquelas instaladas fora

dos grandes centros urbanos.

84 Professor Adjunto do Curso de Geografia da Universidade Federal de Uberlândia, campus Pontal. Doutor em Geografia (UFRJ) e Coordenador do Grupo de Pesquisa Observatório das Cidades. Coordenador do projeto de pesquisa A UNIVERSIDADE E O

TERRITÓRIO: dinâmica espacial do ensino superior no Brasil. Docente do Curso de Programa de Pós-Graduação em

Geografia do Pontal – Mestrado Acadêmico em Geografia.

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233

Entendemos que o desenvolvimento econômico e social dos lugares pode ser analisado

a partir de várias vertentes, das quais destacamos a implantação de instituições de

ensino e pesquisa, responsáveis não somente pela formação de mão de obra qualificada,

mas pela geração de um conjunto de conhecimentos multiplicadores de produtos,

técnicas, tecnologias e também de inovações, se constituindo numa espiral do ciclo da

produção científica.

São os efeitos gerados pela implantação dessas atividades polos que se constituí a base

deste artigo. A implantação da política de expansão universitária, contemplada pelo

Programa de Apoio a Planos de Reestruturação das Universidades Federais (REUNI)

trouxe novas perspectivas de crescimento e desenvolvimento para várias cidades e

regiões do país.

Partimos do princípio que as universidades são multi-escalares, pois possibilitam aos

lugares se conectarem com o mundo ao mesmo tempo em que se enraízam localmente e

regionalmente, com significativos efeitos nos circuitos de produção e consumo da

economia repercutindo de forma multiplicadora nas estruturas espaciais, sobretudo das

cidades nas quais estão localizadas. A curto e médio prazo expressam claramente o

aporte de recursos do Governo Federal, contribuindo para o surgimento de várias outras

atividades econômicas e de importância social; e a médio e a longo prazo, as

universidades contribuem com a qualificação de mão-de-obra, promovendo o

desenvolvimento e a oferta de serviços qualificados, que seriam difíceis de dinamizar a

nível local sem o ensino superior. Deste modo, as universidades, como instituições de

ensino, pesquisa, extensão e promoção social, assumem importância estratégica no

processo de desenvolvimento. O conjunto de suas atividades passa a dar origem a uma

força de atração de consumidores e empresas, contribuindo para gerar um crescimento

econômico-social local/regional.

Estudos diversos têm sido realizados com o objetivo de entender os efeitos dinâmicos e

multiplicadores e os impactos gerados pela implantação de campi universitários no

Brasil e em outros países, seja do ponto de vista da política educacional seja a partir de

um olhar que indique a inserção ou relação destas instituições nos lugares e nas regiões

e seus impactos positivos e negativos. Apresentaremos alguns exemplos já estudados

neste trabalho.

Num mundo cada vez mais competitivo no qual as economias exercem um papel

fundamental junto às sociedades e aos estados, formar pessoas para melhor qualifica-las

e torna-las inseridas em um mercado global no qual os lugares e as regiões assumem a

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função de dirigirem o crescimento econômico, o motor alavancado pelo ensino superior

possuí o papel de contribuir para a promoção do desenvolvimento, não apenas

econômico, mas social e cultural. As estatísticas comprovam que o modelo de

desenvolvimento baseado no alcance de um nível de desempenho do ensino superior

associado a altos investimentos em ciência e tecnologia contribuem para que os países,

as regiões e os lugares tornem-se não apenas mais competitivos, mas com alto nível de

qualidade de vida dado o elevado grau de desenvolvimento socioeconômico.

Independente disto a implantação de universidades em cidades pequenas e médias causa

um conjunto de efeitos, que dinamizam a economia de seus lugares.

O Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades

Federais (REUNI) aliado ao ENEM (Exame Nacional do Ensino Médio) e ao SISU

(Sistema de Seleção Unificada) tem possibilitado não apenas uma democratização do

acesso de milhares de estudantes ao ingresso ao ensino superior como também,

contribuído para impulsionar o crescimento e o desenvolvimento dos lugares85

. Isto

pode indicar que nas próximas décadas algumas dessas cidades onde foram implantadas

novas universidades e novos campi, podem vir a se tornarem polos de produção

econômica. No entanto, é necessário e prudente que também seja observado os impactos

negativos, sobretudo para a população local, da atividade universitária, que já chega aos

lugares excluindo, segregando e selecionando. Não podemos entendê-la como uma

atividade produtiva comum, que aloca apenas trabalhadores especializados. A atividade

universitária é uma economia que não gera produtos diretamente, mas sim uma

quantidade considerável de valor embutido na qualidade do recurso humano gerado por

meio do conhecimento. Se este é um de seus efeitos positivos indiretos não podemos

deixar de lado uma leitura e análise de seus efeitos diretos, positivos e negativos.

Geralmente localizadas e implantadas em áreas urbanas, exceto algumas raras exceções

que formam mão-de-obra para o mercado agrícola, as universidades tendem a causar

uma gama considerável de efeitos que precisam ser analisados de forma a contribuir,

inicialmente, para a formulação de políticas públicas setoriais de base municipal,

principalmente as de planejamento e gestão urbana.

85

Importante destacar que a politica de expansão das universidades tem contribuído para um aumento ou

pelo menos destaque, da precarização do trabalho docente, visto as péssimas condições das instalações de

alguns campi universitários.

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235

2. UM BREVE HISTÓRICO DO ENSINO SUPERIOR NO BRASIL

As universidades públicas federais no Brasil possuem uma importância significativa na

estrutura do ensino superior, seja pela sua dimensão física seja pelo seu volumoso

orçamento que muitas vezes supera o dos municípios onde estão instaladas.

Desde a institucionalização, embora precária, do ensino superior no Brasil com a

criação do Curso Médico de Cirurgia na Bahia, logo após a chegada da Familia Real no

Brasil até a criação em maio de 2013 das Universidade Federal do Sul e Sudeste do Pará

(Unifesspa), em Marabá; a Universidade Federal do Oeste da Bahia (Ufob) em

Barreiras; e a Universidade Federal do Cariri (UFCA), em Juazeiro do Norte, a

construção de um projeto de nação que englobasse um projeto universitário foi muito

conturbado, consequência de uma nação na qual o futuro estava preso ao passado e não

avançava. Tardiamente, quase um século depois é criada, em 1920, a Universidade do

Rio de Janeiro (URJ), primeira instituição universitária criada legalmente pelo

Governo Federal (...) [que] teve o mérito de reavivar e intensificar o debate em torno

do problema universitário no país.(FÁVERO, 2006, p. 22)

Já nos anos 30, o projeto de modernização econômica associado à formação de bases

intelectuais e de uma mão de obra qualificada capaz de contribuir para o

desenvolvimento industrial do país, trouxe a tona a preocupação com a construção de

um projeto universitário promulgado por um conjunto de medidas legais que

fundamentaram as bases da Reforma Francisco Campos: o Estatuto das Universidades

Brasileiras (Decreto-lei nº 19.851/31), a organização da Universidade do Rio de Janeiro

(Decreto-lei nº 19.852/31) e a criação do Conselho Nacional de Educação (Decreto-lei

nº 19.850/31) (FÁVERO, 2006)

No ideário do Brasil moderno são criadas a Universidade de São Paulo (1934) e a

Universidade do Distrito Federal (1935), que quatro anos mais tarde é incorporada pela

Universidade do Brasil, hoje Universidade Federal do Rio de Janeiro.

O fim do Estado Novo (1945) deu início a um processo de redemocratização do país e a

uma descentralização do poder e das medidas administrativas. Além disso, é importante

frisar que o país ensaiava, ainda de forma tímida, um conjunto de medidas e ações que

culminariam algumas décadas depois num sistema de planejamento do território que

privilegiaria a região como escala de intervenção. Era necessário, portanto, construir um

projeto universitário capaz de atender a demanda por desenvolvimento que estava sendo

planejada.

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236

Porém, o surto de desenvolvimento econômico dos anos 50, impulsionado pela

industrialização tardia, expôs as condições na qual as universidades se encontravam.

Fávero (2006, p.29) nos explica que

Simultaneamente às várias transformações que ocorrem, tanto no campo econômico

quanto no sociocultural, surge, de forma mais ou menos explícita, a tomada de

consciência, por vários setores da sociedade, da situação precária em que se

encontravam as universidades no Brasil.

O marco divisório do movimento pela modernização do ensino superior no Brasil foi a

criação da Universidade de Brasília (UnB), em 1961, tanto pelas suas finalidades como

pela sua organização institucional. Sete anos depois, o governo militar implanta a

Reforma Universitária de 1968. Promulgada pela Lei 5540, a reforma se mostrou

autoritária, antidemocrática e centralizadora, embora com alguns avanços como a

extinção da cátedra, o estabelecimento de uma carreira universitária aberta e baseada no

mérito acadêmico, a instituição do departamento como unidade mínima de ensino e

pesquisa, e a criação dos colegiados de curso.

Junto a reforma, a Lei de Diretrizes e Bases de 1968, estabelece que as universidades

seguissem o princípio indissociável do ensino, pesquisa e extensão, privilegiando um

modelo único de instituição de ensino superior. Esse modelo único ao mesmo tempo em

que engessou todo o sistema de ensino superior público, possibilitou a expansão de

faculdades particulares. Já nos anos 80, o Brasil tinha 882 IES, sendo 65 universidades,

20 faculdades integradas e 797 estabelecimentos isolados, com um total de matrículas

de 1.377.286, porém mais da metade em instituições de ensino superior não

universitária. A partir da segunda metade dos anos 90 tem-se um novo momento de

expansão do ensino superior, com um crescimento de 32% do número de instituições

entre 1995 e 2000 e 53,1% de matrícula. Em 5 anos, de 2000 a 2005, o crescimento é de

91,5%, com 2.260 IES e no período de 2000 a 2003, o número de matrículas aumentou

42,3%, chegando a um total de 3.887.771 alunos matriculados.

Em 2007, o governo federal elabora o Plano de Desenvolvimento da Educação (PDE),

instituído pelo Decreto 6.096, de 24 de abril de 2007, criando o Programa de Apoio a

Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais (REUNI) com o

objetivo de elaborar medidas para democratização de acesso ao ensino superior (MEC,

2010).

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237

Amparadas pela legislação de 2007, a atividade de expansão iniciada pelas

universidades em 2003, encontra o seu marco legal. Com isto as instituições de ensino

superior que aderiram a 1ª etapa do REUNI, finalizada em 2012, planejaram sua

expansão física, pedagógica e acadêmica em direção ao interior dos estados. De 2003 a

2010 foram mais 14 novas universidades federais e mais de 100 novos campi, sendo

Minas Gerais, o estado detentor do maior número de instituições desta natureza, onze no

total (MEC, 2010)

No entanto, mesmo com o início de um duplo processo de descentralização-

interiorização, a localização das universidades reflete o mapa das desigualdades sócio

espaciais do país. Na verdade, o que podemos observar é que este processo de expansão

das instituições de ensino superior segue a trajetória do capital, do dinheiro no território,

como bem nos lembra Milton Santos. É a globalização que ao mesmo tempo em que

cria condições de inserir os lugares em uma economia mundo, produz fragmentos

isolados deste mundo, um mundo no qual a única modalidade de dinheiro possível é o

dinheiro-moeda (SANTOS, 1999, p. 10). Santos (1999) nos indica que vivemos a era

das ditaduras, não mais militares, como as dos anos sessenta, contudo provavelmente

mais perversas ainda: a ditadura da informação e a ditadura do dinheiro, [que nos

remete a uma] lógica da competitividade, que faz com que cada empresa tornada global

busque aumentar a sua esfera de influência e de ação, para poder crescer.(SANTOS,

1999, p.10-11)

3. A UNIVERSIDADE COMO FATOR DE DESENVOLVIMENTO

LOCAL/REGIONAL E OS IMPACTOS LOCAIS/REGIONAIS CAUSADOS

PELA SUA INSTALAÇÃO

Diante da aceleração das transformações ocorridas na esfera social e econômica, na qual

o vetor informação-conhecimento passa a ser o principal motor das mudanças, o

território é requalificado para facilitar (ou mesmo permitir) a circulação, não só de

dados e informações, mas principalmente de dinheiro. Dinheiro que especializa lugares

e regiões, criando áreas separadas onde a produção de certos itens é mais vantajosa

[aumentando] a necessidade de intercâmbio [resultando] em espaços mais vastos.

(SANTOS,1997, p.11). Esta especialização dos lugares comandada pelos recursos

técnicos, condição na qual a sociedade está inserida, permite, facilita e consolida

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também o surgimento de redes complexas no território. Para Maillat (2002, p.9) as

transformações em curso são analisadas a partir de duas vertentes antagônicas:

para alguns autores, a globalização da atividade econômica compromete a

autonomia e identidade das regiões e das nações. Para outros autores, ao contrário, o

fenômeno da globalização faz emergir o quadro local e o valoriza, pois é na escala

local que as formas de organização produtiva ancoradas no território e inseridas na

escala global são colocadas no lugar.

Na verdade as duas vertentes analíticas se complementam, pois muitas vezes a

valorização da escala local é resultado justamente da perda da autonomia e da

identidade dos lugares nas regiões. Se, inserir-se globalmente é uma das preocupações

das empresas e dos lugares, em um ambiente onde a hegemonia de uma escala parece

oprimir a existência de qualquer outra, é plausível que a resistência a determinados

padrões de modos de viver resulte num conflito de escalas, numa busca ou mesmo de

uma afirmação de identidades espaciais e dos próprios lugares, na valorização da

memória e da história.

Benko (2001) destaca que estas transformações no espaço, que ele denomina de uma

recomposição dos espaços [qualificadas] de deslocamento de escala resultam na

mudança de um sistema econômico mundial em um sistema econômico global, no qual

a existência de uma ordem global difusa reflete a organização da produção no espaço

elegendo novas escalas de ação em quatro níveis de análise: o mundial, o supra-

nacional, o nacional e o regional.

Desta forma, o local adquire uma importância primordial para se pensar o surgimento de

novas regiões e de novas formas de produzir o e no território, requalificando-o, na

possibilidade de tornar os espaços mais competitivos, mais inseridos nos mercados. São

como os lugares se articulam e se conectam que constroem as regiões e as redes; são os

produtos dos lugares que os tornam inseridos nas escalas espaciais da economia; e são

os lugares que fortalecem as economias regionais. É bom lembrar que anteriormente o

espaço privilegiado para a localização da produção era formado por regiões construídas

exclusivamente para a prática política da intervenção (KAYSER e GEORGE, 1968).

É importante definir as escalas da produção do espaço, na qual a universidade é um

vetor de desenvolvimento: o território (nacional) como escala de projeção, a região

como escala de atuação e o lugar como escala de ação. Entender como as universidades

se articulam ou são articuladas no território a partir dos lugares acaba por determinar de

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239

um certo modo interações regionais, pois as universidades não representam e não

significam apenas para os lugares onde elas estão, mas também para a região na qual

estes lugares pertencem. Logo, é a região, embora o lugar seja onde os impactos

(positivos e negativos) são mais visíveis e significativos, que tem sua imagem atrelada a

universidade.

Desta forma, torna-se primordial, para não corrermos o risco de cairmos no senso

comum ou na vulgarização dos conceitos, apresentar uma definição de região e de lugar

que entendemos que esteja diretamente associada a relação com as políticas

institucionais do ensino superior.

Assim, entendemos a região como um fragmento da totalidade do território, no qual

diferentes instituições e ou atores sociais expressam sua força tanto política quanto

econômica, na defesa de um conjunto de decisões e reivindicações que entram em

confronto nas esferas das representações políticas da sociedade local e, dependendo da

importância e dos interesses, da sociedade nacional, fortalecendo regionalismos ou

localismos.

Diante de um mundo que, aos poucos perdia suas referências no embate ideológico, a

análise regional acabou perdendo também espaço na agenda de estudos. Deixada de

lado, diminuiu suas respostas para um mundo no qual a velocidade impulsionada pela

aceleração aniquilava o espaço pelo tempo. Como quebrar paradigmas tão sólidos e tão

bem construídos e fundamentados de uma hora para outra? O que fazer com as velhas

teorias? Esta falta de resposta alimentava os que elaboravam discursos do fim, embora

muitas vezes este fim tenha sido entendido de forma errônea. Não se estava propagando

o fim das ciências e nem das categorias. Não era o fim da História, da Geografia, da

Sociologia ou de qualquer outra ciência. Entendemos que o fim proposto eram os dos

métodos de análise, das leituras conceituais que não mais acompanhavam o mundo tal

como era concebido após a 2ª guerra mundial. O que se propunha era uma quebra de

paradigmas, um rompimento com as tradicionais leituras, uma desconstrução dos

conceitos a partir de suas raízes para elaboração de uma nova conceituação, de uma

nova forma de ler o mundo que se aproximava; um mundo no qual a tecnologia

redimensionou as distâncias entre os lugares, entre as pessoas e entre as mercadorias.

3.1 Os Polos de Crescimento

A instalação de uma instituição universitária em uma cidade tece uma série de

imaginários sociais não tão novos assim: da universidade como castelo de saberes à

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universidade como espaço de produção da ciência, da modernidade, do futuro. E seus

efeitos, tanto positivos quanto negativos, podem ser surpreendentes.

Se a leitura por nós conhecida nos diz que a expansão das universidades foi pensada

para cidades pólos, podemos estar diante de uma nova leitura da velha teoria dos pólos

de crescimento. O fato é que em muitos casos, a instalação de universidades em cidades

pequenas e médias acaba representando uma retomada do desenvolvimento e

crescimento social, político e econômico dos municípios, influenciando no aumento da

oferta de emprego e renda, devido ao montante elevado de recursos públicos destinados

aos custos de implantação, que envolvem basicamente infraestrutura. Desta forma

podemos entender a instalação de campi universitários como uma atividade

polarizadora, que tem sua base teórica constituída nos anos da década dos cinquenta, na

chamada Teoria dos Pólos de Crescimento, de Perroux, importante esta análise. Vamos

revê-la.

Para Perroux (1967), desenvolvimento é desequilíbrio, e este processo no espaço pode

ser apreendido através de conceitos como os de polarização e inovação, considerados

fundamentos dos processos de transformação espacial. Perroux considera que na

dimensão de um território nacional, o crescimento não se dá no tempo nem no espaço

conjuntamente, manifestando-se em diferentes níveis de intensidade, em pontos

localizados sobre o território. Estes pontos, Perroux denomina de Polos de Crescimento.

E é por estes pontos, que setas de propagação induzem os fluxos de crescimento para o

restante do território.

Desse modo, com base na sua noção de espaço surge o Polo de Crescimento, como

“áreas de atividade econômica concentrada e altamente interdependente que tem

exercido uma influência decisiva no caráter e ritmo do desenvolvimento econômico do

sistema ou subsistemas em questão.” (FRIEDMAN, 1969, p.16) em busca

principalmente, “(...)da integração da economia através do território nacional e a

incorporação efetiva dos recursos regionais não controlados a uma economia

nacional.”(Idem, p.17)

Os espaços econômicos, então definidos por relações econômicas entre elementos desta

mesma natureza, são considerados redutíveis a três tipos principais: os que expressam

um conjunto homogêneo; os que expressam o conteúdo de um plano; e, os que

expressam um campo de forças.

Sob um olhar a partir das empresas, Perroux considera o significado de cada um desses

espaços. Para o desenvolvimento posterior de sua teoria, contudo, o fundamental é a

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localização das empresas no espaço econômico definido como campo de forças. Como

tal, este espaço

é constituído por centros (polos ou sedes) de emanação de forças centrífugas e

recepção de forças centrípetas. Cada centro, que é ao mesmo tempo centro de

atração e de repulsão, tem o seu próprio campo, que é invadido pelo campo de

outros centros. Sob este aspecto, um qualquer espaço vulgar é receptáculo de centros

e pontos de passagem de forças. Considerada como centro, a empresa liberta forças

centrífugas e forças centrípetas. Atrai ao seu espaço vulgar homens e coisas... ou

afasta-os dele... Atrai os elementos econômicos, ofertas e procuras, ao seu espaço de

plano, ou afasta-os dele. Neste processo, determina-se a zona de influência

econômica, ligada ou não à zona de influência topográfica. (PERROUX, 1967,

p.151)

A partir dessas considerações Perroux critica a economia espacial tradicional que, por

interpretar a economia diretamente no espaço banal, torna-se processo de localização.

Sua análise vai ao sentido explícito de compreender as inter-relações econômicas para

além das limitações físicas e políticas. Todavia, a transposição que faz do plano dos

espaços econômicos abstratos para o da banalização das atividades produtivas é

marcado por uma constatação empírica:

o crescimento não surge em toda parte ao mesmo tempo; manifesta-se com

intensidades variáveis, em pontos ou polos de crescimento, propaga-se segundo vias

diferentes e com efeitos finais variáveis, no conjunto da economia.(PERROUX,

1967, p.164)

Deste modo, o surgimento de novas atividades econômicas ou de sua expansão, espraia-

se ao conjunto da economia através de três mecanismos/processos definidos: preços,

fluxos e antecipações. Para investigar as polarizações determinadas desse modo,

Perroux analiticamente recorta suas observações em três planos subseqüentes: a

indústria motriz e o crescimento; o complexo de indústrias e o crescimento; e, a

expansão das economias nacionais.

Perroux considera que para ocorrer esta integração é necessário que determinados tipos

de indústrias exerçam um fator de atração para outras indústrias. Essas indústrias,

denominadas de indústrias motrizes, são capazes de concentrar um grande volume de

capital sobre um único ponto do território, atraindo para a região de implantação outras

indústrias que tornaram a região, antes estagnada, agora desenvolvida. Esta ideia de

desenvolvimento polarizado surge num processo de antecipação, ou seja, as

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oportunidades ótimas de localização de um polo sobre o território são previamente

estudadas e articuladas com outras antecipações sobre o mesmo território, de modo a

formarem uma rede de impulsos indutores de desenvolvimento.

A concentração de várias destas indústrias motrizes num único ponto do território, na

forma de um polo, age segundo Perroux, como intensificadora de atividades econômicas

e de relações humanas, apoiadas por uma estrutura urbana consolidada capaz de criar,

tipos de consumidores de consumo diversificado e progressivo, em comparação com

os do meios agrícolas. Surgem e encadeiam-se necessidades coletivas (alojamento,

transportes, serviços públicos). Ao lucro dos negócios vem sobrepor-se rendas de

localização. Na ordem da produção, há tipos de produtos que se formam,

interinfluenciam, criam as suas tradições e eventualmente participam num espírito

coletivo - empresários, trabalhadores, quadros industriais.(PERROUX, 1967, p. 165)

Enfim, a consolidação de uma rede urbano-industrial e de relações econômicas estaria

segundo o autor, vinculada à implantação de um polo. Deste modo, o polo é visto como

o grande agente de redução das disparidades regionais.

A caracterização da indústria motriz tem por base a assunção antecipada de algumas

características de ponta da grande indústria moderna: o nível de concentração de capital,

a separação dos fatores de produção, a decomposição técnica de tarefas e a

mecanização.

O fato é que em toda e qualquer estrutura de uma economia articulada existem

indústrias que constituem pontos privilegiados de aplicação das forças ou dinamismos

de crescimento. Quando estas forças provocam um aumento do volume de vendas duma

indústria-chave, provocam também a forte expansão e crescimento de conjunto mais

amplo (PERROUX, 1967, p.173)

Os novos elementos introduzidos na discussão do complexo industrial dizem respeito a

seu regime não concorrencial e ao fato da concentração espacial. O regime acordado

entre oligopólios, monopólios e pequenas empresas, é visto como fator de crescimento

na medida em que é suposto que, ao longo prazo, a indução provocada pela indústria-

chave é maior do que na presença da concorrência.

A consideração da concentração espacial dá um caráter singular ao complexo, situação

em que Perroux o denomina de polo industrial complexo. São acrescentadas

consequências específicas à atividade da indústria-chave e ao regime não competitivo

do complexo. Registram-se intensificações das induções de crescimento pelo fato da

proximidade física e das disparidades regionais.

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O conjunto das ideias de Perroux transparece uma evidente dificuldade de resolução

teórica da passagem entre o espaço econômico - abstrato - e o espaço físico. Se há

coerência e lógica nas articulações que especifica no plano econômico, não há

explicação para seus efeitos territoriais. A noção de polo incorpora à de complexo

industrial o fato da concentração física, portanto um elemento do espaço banal, através

de elementos econômicos - ganhos de aglomeração e de urbanização. No entanto, em

sentido inverso, expressão como o polo industrial complexo transforma o seu meio

geográfico imediato, apesar de, em geral, serem verdades empíricas não encontram

respaldo no corpo teórico para dele serem deduzidas. Esse salto entre espaços é um

ponto cego, tanto nos textos de Perroux quanto nos de seus seguidores. A questão, no

entanto, não evitou que o próprio formulador da teoria trabalhasse diretamente sobre os

processos de ordenamento territorial. Particularmente no capítulo A empresa motriz na

região e a região motriz, Perroux exercita um verdadeiro processo de construção

regional, utilizando-se do que se poderia chamar de uma apropriação banal (no duplo

sentido) dos conceitos definidos no espaço econômico abstrato:

Para elaborar um modelo de crescimento que tenha em conta ‘regiões’,

consideremos um conjunto constituído por várias ‘regiões’. O ponto de vista

principal de que nos servimos é o de espaço polarizado (…) Procederemos, passo a

passo, por aproximações sucessivas: 1) construção duma região onde se exerçam as

influências assimétricas duma empresa (indústria) motriz; 2) combinação desta

região com outra estruturalmente caracterizada; 3) passagem a um conjunto nacional

constituído por várias regiões; 4) indicação de como se pode passar a um conjunto

de várias nações. (PERROUX, 1967, p.222)

Do exposto pode-se verificar que a teoria dos polos de desenvolvimento, se deixarmos

de lado suas questões teóricas problemáticas e considerarmos o plano das formulações

sobre o espaço geográfico, tem na noção de polarização um dos cernes da concepção de

ordenamento do território. E este ordenamento formaliza-se como regionalização. Os

polos são vistos como geradores de regiões, elemento crucial quando da apropriação da

teoria como fundamento para o planejamento territorial. Neste campo, aliás, a

conceituação original frutificou sem maior rigor. Difundiram-se amplamente conceitos

como os de “região homogênea”, “região plano” e “região polarizada”, na forma de

traduções “naturais” correspondentes, respectivamente aos espaços econômicos que

expressam conjuntos homogêneos, conteúdos de plano e campo de forças. Desse modo,

os critérios teóricos dessa “ciência regional” decorrente do campo de pensamento de

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Perroux admitem regiões caracterizadas por identidades (regiões homogêneas e de

planejamento) e heterogeneidade (região polarizada). Neste último caso, explicita-se

uma noção de região como locus de fluxos de elementos econômicos.

4. A UNIVERSIDADE COMO POLO DE CRESCIMENTO

Mas o que faz de uma universidade um polo? Podemos considerar a indução dos fluxos

de crescimento com a formação de mão-de-obra que dê conta de suprir demandas locais

e regionais? Assim como induzem, as universidades atraem investimentos, pessoas,

capital, que alocados na cidade permitem requalificar e dinamizar as economias locais,

podendo até levar a especializações dos lugares, como afirmamos anteriormente em

Maillat (2002).

Neste conjunto de mudanças, os lugares vão adquirir um nível de especialização e

concentração onde a ação voltada para estas “novas regiões” construídas a partir da

valorização com base na competitividade, especialização e seletividade dos lugares, não

vai mais ser o planejamento regional e sim as estratégias de desenvolvimento local, no

qual novas formas de aglomeração econômicas “construirão” novos espaços de

produção. Desta forma, o polo transforma o seu meio geográfico imediato.

Como instituição de ensino, pesquisa, extensão e promoção social, as IES assumem

importância estratégica no processo de desenvolvimento e suas atividades passam a ser

uma força de atração de consumidores e empresas, contribuindo para gerar um

crescimento econômico-social local/regional mais acelerado.

Para Botelho Júnior (2005), toda nova atividade instalada em uma região resulta no

chamado efeito multiplicador dos investimentos que provocará um aumento do

dispêndio, já que os trabalhadores gastarão sua renda comprando serviços locais, que

levará ao aumento do insumo das firmas, que por sua vez aumentará a produção e gerará

novos postos de trabalho, causando uma elevação maior no setor terciário, mais

especificamente no setor de serviços.

A figura abaixo ilustra este processo multiplicador:

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Figura 1: Processo circular e cumulativo do crescimento regional

Fonte: Botelho Júnior (2005), citando Malecki (1991)

Schneider (2002) analisa a universidade como um atrativo de grande importância para o

surgimento de novas atividades e investimentos nos municípios onde as mesmas são

instaladas, devido ao volume considerável de recursos injetados, seja através do salário

dos docentes e dos técnico-administrativos seja através do consumo efetuado pelos

estudantes, o que desencadeia um efeito multiplicador para a economia do município.

Importante considerar que o entorno dos campi tende a ser a área de maior valorização

da renda da terra, o locus privilegiado para investimento imobiliário e de consumo

direto, como shoppings, lojas, empresas de serviços, influenciando diretamente na

melhoria da infra-estrutura urbana trazendo a princípio benefícios a população. Mas isso

não significa que as atividades econômicas da cidade como um todo, sobretudo o setor

terciário, venha a ser impactado, até porque entre o tempo de decisão da implantação e o

tempo final de construção das instalações definitivas existe um intervalo mínimo de 2 a

5 anos, constituindo em um conjunto de fatores de supra importância na economia local,

exercendo um efeito dinamizador e multiplicador sobre as atividades econômicas locais

(BOVO, SILVA e GUZZI, 1996, p.71)

Nessa lógica de mercado, várias demandas começam a surgir tais como atividades de

lazer, restaurantes, bares, moradia própria para estudante, locais para festas como

chácaras, etc., dando início a um processo de geração de empregos.

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246

Autores como Mathis (2001), Lopes (2003), Goebel e Miura (2004) concluíram que

universidades são promotoras fundamentais para a consolidação do processo de

desenvolvimento local e regional, a partir de análises diferenciadas.

Goebel e Miura (2004) analisam o papel da universidade como desencadeadora de

desenvolvimento, com destaque para a sua importância como geradora de emprego e

renda, mas também como geradora de recursos humanos locais e regionais, no

município de Toledo, estado do Paraná (PR). Destacam os impactos na formação da

mão-de-obra qualificada acrescida da disseminação de desenvolvimento tecnológico

através da pesquisa e da extensão e o seu papel de fomentar e dinamizar o

desenvolvimento de serviços necessários à existência e manutenção do meio

universitário.

Estudo realizado sobre a instalação da UNIPAMPA na cidade de Santana do

Livramento, Rio Grande do Sul, buscou analisar os impactos decorrente da atividade

universitária. Os resultados indicam que por conta da chegada da UNIPAMPA, percebe-

se uma

crescente valorização dos imóveis já existentes no que se refere a valores de compra

e venda, principalmente os imóveis próximos a universidade. Tem-se percebido

também o aumento significativo do valor dos aluguéis, assim como o aumento da

procura de imóveis por jovens (HOFF, MARTIN e SOPEÑA, 2011, p.167)

Outro estudo interessante é o desenvolvido por Mina, Ramos e Rezende (2011) que

analisa os impactos econômicos da expansão universitária no município de Alfenas,

Minas Gerais. Os autores avaliam os gastos médios dos estudantes e como este fator

influencia no desenvolvimento local/regional. Concluíram que

as mulheres apresentam um gasto maior do que os homens. Os gastos mostraram-se

significativos com alimentação, lazer e saúde. Dentre os alunos de todas as áreas do

conhecimento, os de Ciências da Saúde apresentam um gasto médio maior em todas

as categorias, sendo significativo apenas com habitação (MINA, RAMOS e

REZENDE, 2011, p. 10)

Importante assinalar que estes estudos de impactos da implantação de campi

universitários são bastante significativos, pois podem servir de vetores, não somente

para o planejamento da expansão do ensino superior como também para as

administrações municipais pensarem o planejamento e a gestão urbana de suas cidades.

Em tempos de globalização e de economias abertas, não apenas as regras do jogo de um

mercado cada vez mais competitivo são levadas em conta e nem o alto grau de

desenvolvimento científico e tecnológico, mas principalmente a educação superior

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[que] vem sendo identificada como o principal motor para o desenvolvimento

econômico, cultural e social dos países e, principalmente, das regiões. (ROLIM E

SERRA, 2010, p.2). Transformar conhecimento em produtos inovadores implica na

articulação entre instituições, cidades, regiões e atores sociais. Este é um desafio

constante, como nos lembra Rolim e Serra (2010).

Midlej e Fialho (2005, p.172) analisando a relação existe entre universidade e região,

entendem que

A Universidade tende a ocupar uma posição fundamental nessa dinâmica,

empreendendo processos de inovação tecnológica, de produção e difusão da ciência

e cultura, ocupando lugar estratégico no desenvolvimento socioeconômico,

qualificando os diferentes níveis de ensino do próprio sistema educacional, além de

desempenhar uma pluralidade de funções em termos de formação acadêmico-

profissional.

Neste sentido, entendemos que as universidades exercem um papel fundamental na

dinamização dos espaços regionais direcionando fluxos e proporcionando uma maior

articulação em escala territorial. As universidades são instituições portadoras de um

elevado grau de organização e transformação dos espaços, pois mobilizam recursos

humanos e financeiros que dinamizam as economias locais e regionais.

No entanto, em muitos casos, as universidades são instaladas em lugares onde elas

apenas estão e não são da região. Aquelas que apenas estão, podem ser consideradas

como verdadeiros enclaves territoriais. Nas palavras de Rolim e Serra (2010, p.2)

A realização dessas tarefas não é fácil. Existem muitas barreiras para o engajamento

das universidades ao processo de desenvolvimento das regiões em que elas estão

presentes. Algumas delas estão mais preocupadas com as questões do conhecimento

universal, com temas de interesse nacional, formando alunos para o mercado

nacional. Essas são aquelas que apenas estão nas regiões. Por outro lado existem as

universidades que além de tratar das questões universais e nacionais também estão

preocupadas com as questões especificas das suas regiões, pesquisam os temas das

atividades econômicas das regiões, também forma alunos capacitados para os

mercados de trabalho das suas regiões e são parceiras dos demais atores regionais.

Essas são as universidades da região.

É preciso e necessário identificar o grau de interação espacial das universidades em

relação às cidades e às regiões, assinalando aquelas que estão e as que não estão nas

suas regiões. Reafirmamos que as universidades são multi-escalares. Elas podem se

articular e interagir tanto com o lugar a qual estão implantadas como com a região, o

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território nacional e o mundo. Mas também podem estar muito mais ligadas apenas a

um deles.

A questão que se coloca é: qual a contribuição das universidades para o

desenvolvimento local/regional e consequentemente para uma maior articulação

territorial?; Partimos da premissa que o desenvolvimento regional está diretamente

relacionado com o nível de suporte educacional presente em um território e que as

desigualdades regionais estão de acordo com os índices educacionais. Importante

assinalar que estamos buscando entender a possível existência de um território

articulado, mas não integrado, pelo fato de que para termos a existência de um processo

de integração territorial é significativo a pré-existência de um conjunto de políticas e

estratégias de planejamento setorial integrado. No caso de um território articulado,

pressupõe-se a existência de um conjunto de medidas e ações que fazem parte do escopo

de uma única política setorial, no nosso caso, uma política de educação superior.

São as universidades hoje, motores de um desenvolvimento e crescimento econômico,

em muitos casos tardio para alguns lugares distantes no território. Estamos diante de

uma forma nova de gerar riqueza: o conhecimento capaz de gerar inovações. Ou seja, o

desenvolvimento não é mais pautado apenas na capacidade de recursos naturais que um

território possui, mas também no seu capital humano, único capaz de gerar novos

produtos inovadores. Esta “nova economia” tem como base,

a informação, ou o conhecimento codificado, passível de ser transmitido, sobre um

suporte físico qualquer, independentemente da figura do trabalhador que o produziu,

mas aquele conhecimento tácito, que não se separa do sujeito e que depende de um

complexo processo de aprendizagem, envolvendo a mobilização, por exemplo, no

que se refere ao desenvolvimento em base local, de um conjunto de atores sociais, a

partir de arranjos institucionais para os quais é fundamental a ação das autoridades

públicas e das Universidades. (SICSU E BOLAÑO, 2006, p. 3)

Na verdade, esta nova economia não é tão nova assim. Todo o desenvolvimento

econômico produzido pela humanidade até hoje, independente do sistema político-

econômico é resultado de investimentos em conhecimento, seja na forma de educação

seja na forma de pesquisa. Vide o exemplo clássico da revolução industrial, que é nada

mais nada menos do que o resultado de um investimento no conhecimento para

produção de técnicas com base no conhecimento científico. A diferença é que o recurso,

no caso o conhecimento, não é mensurável até o ponto quando se torna um produto,

uma inovação.

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5. CAMINHOS PARA ENTENDER A RELAÇÃO DA UNIVERSIDADE-

TERRITÓRIO

Para entendermos a relação universidade-território é importante que se defina a escala

do estudo. Acreditamos que analisar a interação a partir da relação com a região e o

lugar na qual a universidade esteja instalada é um ponto de partida, digamos menos

ambicioso, embora audacioso; e lembramos que é justamente no entendimento desta

relação universidade-lugar e universidade-região, que se estabelece uma relação com o

território. Deste modo, temos três configurações espaciais que se intercalam e se

intersecionam. Definida a escala nos propomos a entender este processo, tendo em vista

a existência de dois sistemas: o universitário e o localregional86

, onde a existência de

conexões e sobreposições pode ocorrer em diferentes graus de intensidade. E a interação

entre estes dois sistemas vai depender da capacidade que a universidade tem de atender

as demandas e as necessidades da região87

, o que pode resultar no aumento da

capacidade inovadora e de aprendizado, não apenas da universidade, mas também da

própria região. Esta interação pode ser construída tanto com projetos de pesquisa quanto

com projetos de extensão ou na prestação de serviços específicos para determinados

setores, tais como, governos municipais, empresas e organizações não-governamentais

ou associações comunitárias.

A implantação de universidades apresenta tantos efeitos sociais quanto econômicos, já

vistos anteriormente, tais como: aumento do consumo resultado do salário dos

funcionários e estudantes, investimentos na região, sobretudo de infraestrutura, aumento

do consumo de transporte e de hospedagem, e como consequência, aumento da oferta de

vagas no mercado de trabalho, seja diretamente no setor terciário local que é o que mais

é impactado por esta economia do aprender seja através de contratos firmados com

86 Explica-se o uso da expressão localregional em detrimento da local-regional, por a primeira está mais próxima da noção de um

espaço que se articula, intercala e interseciona, do que a segunda, que significa apenas a articulação entre duas escalas de análise ou de representação. 87 A partir deste ponto, para simplificarmos utilizaremos o termo região ao invés de lugar e região. Em casos específicos,

adotaremos também o termo lugar.

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empresas regionais ou mesmo nacionais88

. De certo modo, é necessário investigarmos

os níveis de cooperação e de relações existentes entre a universidade e a região.

Um nível, de grau 1, pode indicar ações de cooperação intensas, quando a economia

regional “vive” um ambiente de inovação, no qual existe interação entre professores,

alunos e instituições, que pode se dar pela criação de empresas por meio de incubadoras

ou de políticas municipais de estímulo a criação de novos negócios decorrentes da

formação de mão-de-obra qualificada. Possivelmente neste nível a universidade já está

consolidada na própria região. Como exemplo podemos citar os campi sedes das

universidades que fizeram sua expansão.

Outro nível, de grau 2, é de quando a cooperação ainda é limitada e ainda está sendo

construída. Neste nível, a universidade precisa estabelecer ligações com a economia da

região, intensificando os níveis de cooperação, estabelecendo um papel ativo e de

liderança na articulação com políticas de desenvolvimento local e regional, bem como

com empresas da região. Esta estratégia possibilitaria a universidade se inserir na

região, ampliando os fluxos de comunicação e de troca de experiências. Para isto, a

universidade deve ampliar seus projetos de extensão com a comunidade e de projetos

que viabilizem a produção de um conhecimento mais aprofundado sobre a própria

região. Como exemplo, podemos citar os campi surgidos pela expansão, que ainda estão

em fase de consolidação.

Um nível mais baixo, de grau 3, é quando a universidade não estabelece nenhuma

ligação com a região na qual está implantada. Neste caso, ela apenas existe na região, é

um enclave. Não existe nenhuma forma de cooperação entre a universidade e a região.

Neste caso, não existe projetos de extensão e de pesquisa capazes de interagir com a

região. Podem ser universidades com alto grau de especialização, que se conectam

muito mais com outras universidades, ou as empresas que existem na região não

conseguem interagir com a universidade. Isso pode ser muito comum em campi

universitários voltados para um segmento exclusivo, como o das licenciaturas, onde o

mercado atende muito mais a demandas externas do que demandas internas, e quando as

atende, em parte é para repor mão-de-obra.

A presença de uma universidade em uma região a configura como um agente regional

com enorme capacidade de contribuição para o desenvolvimento regional. No entanto,

não podemos considerar que a simples presença de uma instituição de ensino superior

88 O sistema de licitação de compras e serviços das universidades federais é realizado via leilões on line. Neste caso, qualquer

empresa cadastrada no sistema de qualquer lugar do país pode concorrer. No entanto, uma parcela da verba é direcionada

diretamente para os cursos e esta pode ser gasta em compras e serviços fornecidos pelos empresários locais.

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seja, por si só, capaz de alterar o ritmo de crescimento e de desenvolvimento econômico

e social dos lugares. É preciso que as autoridades locais e regionais assumam também

um papel ativo na cooperação da difusão do conhecimento e das inovações,

possibilitando a criação das condições primordiais para um efetivo processo de

desenvolvimento regional, tendo a universidade como atividade polo, capaz de alterar o

ritmo da economia localregional.

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252

6. CONCLUSÃO

Os caminhos propostos aqui são ainda experimentais e não se configuram como um

modelo de análise dos efeitos espaciais das universidades no território. É nem é esta

nossa pretensão. O que pretendemos é iniciar um debate em torno das possibilidades

metodológicas e analíticas para entendermos esta relação muito particular entre a

universidade e o espaço geográfico, este em seus infinitos níveis de análise e de escalas

dos fenômenos. Dos micro-lugares, um espaço carregado e construído a partir da

subjetividade ao macro-lugar, o espaço das interrelações dos espaços, da generalização

dos números e das ações. A maioria dos estudos que visam entender o papel das

universidades no desenvolvimento dos lugares e das regiões se baseia em entender uma

relação meramente econômica, embora originária de uma economia espacial. Não que

este entendimento não seja importante e muito menos válido. Pelo contrário, se a

universidade se configura também como um agente econômico que possibilita a

construção de uma rede de relações, com certeza este viés é um dos pontos de partida de

uma análise que se torna mais complexa, a medida que o espaço geográfico é tornado o

cenário para as políticas de desenvolvimento capazes de formularem estratégias de ação

dos setores econômicos. É claro, que pensando desta forma podemos formular algumas

questões: (1) São as universidades um novo modelo de desenvolvimento regional, por

exemplo, para regiões economicamente frágeis como a Amazônia, onde suas instalações

poderiam não somente alavancar as economias locais como produzir uma mão de obra

altamente qualificada e inserida na realidade regional que fosse capaz de promover um

desenvolvimento endógeno baseado em suas particularidades, a partir de uma formação

mais específica? (2) Qual o papel que as universidades devem exercer em lugares e

regiões cujas economias estão inseridas em um circuito de estagnação e de exclusão?

Promover uma formação voltada para a produção de inovações tecnológicas ou atender

a formações profissionais que visam promover a solução dos problemas sociais?

Estas são apenas duas das questões que buscamos responder a partir desta proposta de

análise. Em fase de testes, esperamos em breve apresentar resultados de estudos de caso,

tanto em relação a cidade de Ituiutaba (MG) como também em cidades, a serem

selecionadas, da Amazônia brasileira.

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