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  • O ENSINO PRIMRIO EM ANGOLA NO SCULO XIX

    A10deOutubrode1864,umaportariaassinadapeloministrodaMarinhaeUltramar,JosdaSilvaMendesLeal,referiao seguinte: Sendoasescolasprimriasoalicerceeabasedainstruopblicaeumagentedecivilizaoque,peloseuinfluxonosprogressoshumanos, deve merecer a mais esmerada solicitude e aturados desvelos a todas asautoridades,manda SuaMajestade ElRei, pela Secretaria de Estado dos Negcios daMarinhaeUltramar,queogovernadorgeraldaprovnciadeAngola,tomandonamaiorconsiderao quanto respeita a este assunto, frequentemente, inspeccione e faainspeccionarasescolasdaprovncia,paraquenelassecumpraoquedeterminamasleis,que de instrues convenientes, formule os regulamentos respectivos, faa asrecomendaesoportunaseadoptetodososmeioseficazesparaquenasditasescolasseestabelea um regime carinhoso e atractivo, que trate ao mesmo tempo de instituirpequenosprmiosparaosalunosque sedistinguireme, finalmente,queacercade tudoistoinformeassiduamente,bemcomonoqueserefereaomrito,capacidadeedilignciados professores.No dia 25 de Janeiro de 1865, o governadorgeral acusava recepo da portaria,comprometiaseaenvidartodososesforoseautilizartodososmeiosqueestivesseaoseualcance,paraexecutarasordensquehaviarecebido.Decertomodo,apartirdemeadosdosculoXIX,apolticaportuguesacomeouamodificarse.Istoporquepartiudoprincpioque,educandoosautctonesnabasedeumamentalidadeeuropeia,melhorpreservavaascolnias.Poroutro lado,verificouqueaperseguiosmisses, levantavaoutrotipodeproblemas,quenodeixavamdesereflectirnoconjuntodosproblemasnacionais.Nestaconformidade,em1871chegaramaAngolaosprimeiroscincosacerdotesgoeses,dos23sacerdotes indianos que, naquela altura, exerceram actividademissionria em Angola.A 3 de Junho de 1876, o Dr. Alfredo Troni, ilustre advogado de Luanda, recebeu aincumbnciadeinspeccionarasescolasdacidade,porpartedogovernadorgeralCaetanoAlexandre de Almeida e Albuquerque. Devia informlo sobre o conhecimento ecompetncia dos mestres, mtodos de ensino adoptados, grau de aproveitamento dosalunos,estadofsicodasescolas,condiesoferecidaspelosedifcios,utilizaoprticadosmeiosdequecadaescoladispunhaAlfredoTroni,autordanovelaNgaMutrifaleceunacidadedeLuandaem1904,tendodeixadoonomeligadoaodesenvolvimentoculturalangolano.Em1913,os seusherdeiros fizeramaentregade3.273volumesdabibliotecaparticular de seu pai para serem incorporados ao recheio da BibliotecaMunicipal dacidade de Luanda.Poder dizerse que a escola secundria existia, teoricamente, em Angola, desde 14 deAgosto de1845,atravs daEscolaPrincipal deLuanda.Naprtica, erauma escola deensino primrio complementar, com vocao profissional, pois estava dirigida preparao de futuros professores. O seu programa previa o ensino da GramticaPortuguesa, Geometria, Desenho e Escriturao Comercial. Desde 1772, funcionavatambmnesteestabelecimentode ensino, combastante irregularidade,aaulade latim,tambmconhecidaporauladegramticalatina,especificamentefrequentadaporaquelesquedesejavamseguiravidaeclesistica.Estaescolaveiomaistardeaalargarolequededisciplinas,passandotambmaministrar,francsouingls,HistriaUniversal,geografiamundial, matemtica, fsica e economia poltica. Mas foi nesta fase que mais decaiu,chegando, a dada altura, a fechar portas, apesar de haver professores em exerccio.Em 1867, foi nomeada uma comisso encarregada de elaborar o regulamento para aEscolaPrincipaldeLuanda, chegandomesmoapensarseemestabelecerum internato,quepermitisseministrarainstruoeforneceralimentaoemeiosdeensinoatodosos

  • alunosemsituaodecarncia.Apontavaointeressequetinhaparaopasadifusodalnguaportuguesa,prejudicadapelousocorrentedosidiomasnativos,sobretudoalnguabunda,queexerciaprofundainflunciasocial.Poroutrolado,haviamuitascrianascomdificuldade na aquisio de material escolar, algumas delas rfs.Se considerarmos colono, o indivduo que sai da Europa com a inteno de viverpermanentementena colnia no sendoportanto, soldado,degredadooumembrodoserviocolonialpodemosentoentenderqueacolonizaoportuguesaemAngolanocomeou antes de meados do sculo XIX (18491851), altura em que cerca de 500brasileiroschegaramaoportodeMomedes(Namibe).Noentanto,issoaconteceuporse ter dado, entre 18471848, uma insurreio armada na cidade brasileira dePernambuco. Angola, segundo Gerald Bender, no era, naquela altura, suficientementeatractivaparaosportuguesesvindosdaEuropaoudoBrasil.Logo,paraqueesteprimeiroprocesso de colonizao pudesse resultar com alguma eficcia, teve o governo de usarmtodos de interveno directa, fornecendo passagens grtis para Angola. Uma vezchegados,eralhesdado terra,habitao,animais, sementese subsdios.Aesteprocessochamousecolonizaodirigida.Deentreascausas impeditivasdodesenvolvimentodoensino em Angola, ainda emmeados do sculo XIX, est certamente a escravatura, adominao espanhola, a carncia de um plano, a falta de aco dos governantes e aexpulso dos religiosos. Tambm para o laxismo colectivo em Portugal, na primeirametadedo sculoXIX,haviamantes concorridoas invases francesas,adivulgaodasideiasliberais,aindependnciadoBrasil,asguerrasciviseassucessivasrevoluesqueseregistaram.Mas, sobretudo, deve realarse que a grandemaioria dos emigrantes quepartiramdePortugalparaAngolaeramemregragentedebaixonvelmoral,commuitosdegredados mistura massa rude, inculta, analfabeta, boal, ambiciosa e cruel. UmexemplodestefactoaparecenumacitaodogovernadorecomandantegeraldeAngolade1764a1772,SousaCoutinho:[Devemos]proibir,deumavezparasempre,aspenasque sobrecarregameste reino comprostitutasedegredadosdapiorespcie, [porque]aexperincia demais de dois sculosmostra que tais embarques foram inteis emuitasvezesperigosos;()osseusvciosganhamrazes,gostamdaociosidade,estragamasuasadeemorremdepressa.Eatravsdesteexcessodaadversidadeassuasmortestornamse mais teis que as suas vidas.UmoutroexemploaparecenadescriodeJoachinMonteiro,sobreLuanda,entre18601870:Osmais selectos espcimens de facnoras e assassinos de grande quilate so enviadospara Luanda para serem tratados com a maior considerao pelas autoridades. Aochegarem costa, alguns so alistados como soldados, mas aos assassinos maisimportantesgeralmentedselhesdinheiroecartasderecomendao,paralhesgarantira sua liberdade instantnea, e eles comeam por abrir tabernas, etc, onde roubam evigarizam, tornandose em poucos anos ricos e independentes e mesmo personagensinfluentes.SegundoOrlandoRibeiro,Angolafoioprincipallugardedegredo:nofinaldosculoXIXos degredados representavam 12 por cento da populao branca, vivendo em Luandanumaliberdadesurpreendente;muitoseramproprietriosdecasasdecomidas.NuncafoipordianteoprojectodecriarnaHulaumacolniapenalagrria.Sem1932cessouaremessa de condenados, umas vezes trabalhadores teis, outras vezes, ociosos eturbulentos.Um relatriodogovernadorgeral SebastioLopesdeCalheiros eMeneses,datado de 31 de Janeiro de 1862, apresentanos, de certa forma, uma proposta deestratgia de desenvolvimento para Angola, de acordo com o pensamento da poca.Atendendoaofactodesterelatriosenosapresentarumpoucolongo,achmosporbem,

  • retermonos apenas na sua parte final: () se conveniente aceitar e aproveitar ainstituio e autoridade dos sobas, preciso tambm educlos e aos seusmacotas; indispensvelaportugueslos e, comomeiopoderoso de o conseguir, devemos ensinarlhesaler,escreverecontar,emportugus.Saibamportugus,quantopossvelograndedeumsobado,queospequenosoiroaprendendo.SePortugalnopode,quasecomcerteza,criar aqui uma nao da sua raa, como criou do outro lado do Atlntico, aomenoseduqueumpovoque falea sua lngua e tenhamaisoumenosa suaReligio eos seuscostumes,afimdelanarmaisestecimentodacausadacivilizaodomundoedetirardepoismais partido das suas relaes e esforos humanitrios.Dmos, pois, aos pretosboasautoridadesnapessoadoschefes,bonsmestresedirectoresnaspessoasdospadres,no imponhamosaossobassenoaobrigaodedarsoldadosparaa foramilitaredeensinaraler,escreverecontaraseusfilhoseaosseusparentesemacotas,edeixemosqueo tempo, a Religio e a instruo faam o seu dever.Em 1863, chegou a haver em Angola, 24 escolas primrias pblicas,mas em 1869, onmerobaixariapara16.Deentreasprincipaisrazes,quecontriburamparaofracassodo ensino primrio em Angola, podemos apontar as seguintes: O perfil de sada dosalunosquefrequentavamasescolasprimriaseraefectivamentefraco;osestudantesquese encontravam motivados para dar continuidade aos seus estudos acabavam poresmoreceredesistir;osconhecimentosadquiridosestavamdesajustadosdasnecessidadesdomeio,daa escolano se tornaratractiva;asautoridadesminoravamosproblemasexistentes, chegando a nomear professores sem que houvesse alunos.Em1864,foieditadapeloangolanoManuelAlvesdeCastroFrancinaeporSaturninodeSousaOliveira,quetinhadesempenhadoamissodecnsulgeraldeBrasil,emAngola,aobraintituladaElementosGramaticaisdaLnguaNBundu,quesedizia,naaltura,seronicocompndiogramaticaldequesedispunha,parafazeroestudodoidiomaqimbundo,vulgarmente designado naquele tempo por idioma angolense. Saturnino de Sousa eOliveira organizou tambm um vocabulrio da lngua qimbundo, que foi editado pelaImprensa Nacional.A16deNovembrode1868,umaportariaministerialaprovavaadecisodogovernadorgeral,quantoeducaodosdois filhosdobarodeCabinda,Manuel JosPuna, seremeducadosporcontadoEstado.AindadeacordocomMartinsdosSantos,estemostrousesersempremuitodedicadoaPortugal;deveselheemboapartea integraodasterrasdoenclaveedistritodeCabindanoconjuntodopatrimnioterritorialportugus,quandosedesenrolouafamosaquestodoZaire.Abreseaquiumparntesispara,deacordocomOrlandoRibeiro,referirqueaRepblicaDemocrticadoCongo,nasceudeumconceitoterico de Geografia Poltica: um Estado tende a ocupar uma bacia hidrogrfica e abuscar sadaparaomar.Com2.331.000quilmetrosquadradosomaisvastopasdafricanegra,emboraabaciadoCongoseestendapor3.700.000quilmetros.ParabuscarumcorredordeacessoaoAtlnticoseparouseCabindadorestodeAngolaeoexZaire,afinal,foibelganamargemdireitaeapenasnaesquerdapermaneceuportugus.ManuelJosPunahavia sido educadonoRiode Janeiroa expensasdoGovernodePortugal, jdepois da independncia do Brasil, o que aconteceu com outros naturais de Angola.Deslocouse a Lisboa, em visita aos filhos, talvez em 1871, tendo sido gentilmentehospedadopelomonarca.Recebeuobaptismonacapitalportuguesa,apadrinhandooactoo rei D. Lus e a rainha D. Maria Pia.Umaoutraportariaministerialde3deDezembrodomesmoano,comunicavaqueosdoiseducandos j haviam chegado a Lisboa e sido confiados a um dos melhoresestabelecimentosdo ensinoparticularda capitalportuguesa,aEscolaAcadmica.Maistarde regressaram s suas terras e exerceram as funes de professores do ensino

  • primrio.Umdeles,VicentePuna,mostroupossuirqualidadesaceitveis,aocontrriodoirmo, Joo Puna, cujo comportamento mereceu crticas e at castigos. Este ltimoacabouporserexoneradocompulsivamenteportersidoacusadodenocumprirassuasobrigaes, abandonando a escola e dando mau exemplo de decoro e dignidade, noapresentava qualquer resultado do seu trabalho, pois lhe faltavam elementosindispensveis para exercer o cargo, tendo qualidadesms que dizia no ser capaz decoibir.Aindapor volta de1868,Momedes (Namibe), segundo dados oficiais da poca, tinha1.211habitantes,sendo837escravos,99 libertose275 indivduos livres.Destesltimos,havia 210 pessoas de cor branca, os restantes eram negros ou mestios. J Luanda,segundo dados referentes a 18 de Janeiro de 1856, s em escravos tinha 14.124 que,segundoMartins dos Santos, o comentador da situao reconhecia que era altamentedesproporcionalpopulaolivredacidade.

    O ensino em Angola em Outubro de 1881

    Na esteira de Martins dos Santos, chegam a Lisboa, em Outubro de 1881, algumasreligiosas de S. Jos de Cluny para, de acordo com o governo, darem incio a umafundao que fornecesse pessoal para as misses. As portuguesas deram incio, emJaneirode1883,suaactividadereligiosaemLndana,quenoeraaindaumamissoportuguesa.Nodia 3 deMaro, desse ano, a pedidodobispodiocesanoD. JosNeto,

  • desembarcaram em Luanda as primeiras irms hospitaleiras, religiosas terceirasfranciscanas,paraprestaremserviononovoHospitalMariaPia,inauguradonodia1deJulho de 1883. Foram estas as primeiras religiosas a estabeleceremse na diocese deAngola e Congo. No dia 8 de Julho de 1885, as mesmas chegaram a Momedes(Namibe),ondeabriramumcolgioeumaescola.Entre1892e1897estabelecemsenaHula,Caconda,Malange,Luanda,LulieCabinda.

    AcartilhadeJoodeDeus

    Em21deMaiode1883,determinousequefosseadoptado,emtodasasescolasoficiaisdaprovnciadeAngola,oMtododeJoodeDeus.Ordenousequenenhumprofessorfosseprovidono seu cargo, se nodemonstrasse, pordocumento ouperanteum jricompetente,quesabiaempregarestemtodonoensinodasprimeirasletras.Afimdesedivulgarmais facilmenteestemtododeensino,asautoridadesemAngolamandaramvir do reino mil exemplares da Cartilha Maternal. Para o desempenho de diversoscargospblicos, incluindoodomagistrio,declaravase,nomesmodiploma,queseriadadapreferncia,emigualdadedecircunstncias,aosindivduosquetivessemobtidooseudiplomaemAngola.

    No dia 7 de Outubro desse mesmo ano, foi nomeado o jri, que devia examinar oscandidatosaprofessores,comopropsitodeaveriguar,seosmesmostinhamounocapacidade e aptido para aplicarem o referido mtodo pedaggico. O jri eraconstitudo pelo Dr. Francisco Antnio Pinto, que seria o presidente; pelo P. AntnioCastanheira Nunes e por Alfredo de Sousa Neto, professores em Luanda.No dia 22 de Fevereiro de 1885, o bispo da diocese de Angola e Congo, D. AntnioTomsdaSilvaLeitoeCastro,naalturaemqueoseminrioliceufuncionavanamissocatlicadaHula,criou,emLuanda,umaauladelnguasafricanas.Namesmaerausadoo antigo livro do missionrio capuchinho Frei Jacinto de Vetralha, que havia sidoreeditado, sendo professor dessa aula, o angolense Joo Incio de Pinho. A aula erafrequentada por missionrios e catequistas que tivessem que trabalhar no interior,podendose,noentanto,admitiroutrosalunos,umavezqueerapblica.Omestretinhapor tarefa escrever as lendas, as tradies religiosas, as narrativas de costumes, ascanesnas lnguas africanas, como intuitode, posteriormente, as fazerpublicar.Noentanto,nohnotciadequetaltenhaocorrido.

    Filipe.Zau |Ph.DemCinciasdaEducaoeMestreemRelaesInterculturais.