Post on 23-Mar-2016
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CompetiçãoMelhor estória criativa para adaptação ao cinema ou ao teatro
Winston Churchill e as suas férias na Madeira
Autores:
Adriana NepomucenoMariana Freitas
Escola Básica e Secundária Gonçalves Zarco
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Era o começo dos anos 50; década assinalada e lembrada devido ao Pós-Guerra,
pela intensa reconstrução dos países beligerantes, pelo exaltante entusiasmo do
recomeço da vida e do quotidiano em paz; e também pelas importantes descobertas
científicas e o forte desenvolvimento do cinema e das artes. No Arquipélago da
Madeira, voltou a expandir-se o Porto do Funchal, verificando-se uma crescente
movimentação de navios, e um surto, de grande actividade de comércio e sobretudo do
turismo.
Winston Churchill, primeiro-ministro do Reino Unido, historiador, escritor e pintor,
aproveitando a felicidade e a ventura da Inglaterra ter sido um dos países vencedores da
guerra contra o nazismo, decidiu viajar para o lugar, que segundo lhe constava, era o
mais relaxante e onde melhor poderia descansar, pois o seu clima subtropical, as suas
paisagens maravilhosas e encantadoras, a especial luminosidade, o folclore, e a típica
gastronomia, prometiam-lhe proporcionar umas agradáveis e repousantes férias. Para
que tudo isso se realizasse Churchill, programou e escolheu a tão falada e enaltecida
Ilha da Madeira, onde se hospedaria no famoso Reid’s Palace Hotel. Assim aconteceu, e
rapidamente confirmaria que toda a fama e reputação que o arquipélago gozava eram
totalmente merecidas, apercebendo-se ainda que aquela localidade era verdadeiramente
mágica e muito especial.
De facto, cada vez mais encantado, fez várias excursões para conhecer e desfrutar
de cada sítio daquela fantástica terra, tendo depois percorrido, as quatro freguesias de
Câmara de Lobos, nomeadamente a graciosa Vila, o Estreito de Câmara de Lobos, o
majestoso Curral das Freiras e a Quinta Grande. Toda essa região era a mais importante
da Madeira a nível de pesca e de agricultura, e também onde se produzia e oferecia o
melhor vinho de todo o arquipélago. Apesar de ser Inverno, estava um brilhante sol
estampado no céu e soprava de vez em quando uma refrescante e agradável brisa, em
benefício principalmente dos pescadores e camponeses, que trabalhavam arduamente
debaixo daquele calor. A excursão foi correndo vagarosa e dentro da normalidade, e
quando Winston Churchill deu por si, já se fizera tarde, pelo que rapidamente voltou ao
Hotel onde estava hospedado e apesar de estar extremamente cansado era impossível
não pensar nos pitorescos panoramas que vira, especialmente um belo recanto que o
marcara mais, e que fazia questão de lá voltar. Era a imagem da Baía de Câmara de
Lobos vista através do Miradouro do Espírito Santo e Calçada. Sentiu que tinha de
divulgar aquela paisagem, mas como? Pergunta fácil de responder, pois como é óbvio,
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logo experimentou o impulso de a pintar, aproveitando a sua tendência e dom para a
arte.
No dia seguinte, 8 de Janeiro de 1950, depois de tomar um requintado pequeno-
almoço à moda inglesa, recheado de ovos e bacon e de fumar regaladamente o primeiro
charuto do dia, apressou-se a comprar uma tela, um cavalete, as melhores tintas
existentes e todo o material necessário para concretizar o seu desejo. Eram apenas
10h30, quando, alvoroçado, Churchill já estava a montar e a dispor no miradouro tudo o
que fora adquirido, mas rapidamente entrou em sobressalto quando reparou que dentro
da sua bolsa não estava a caixa de havanos, que se esquecera no quarto devido à pressa
para tornar a ver a baía que tanto o tinha encantado. Era preciso voltar ao Reid’s, pois
não podia passar sem os charutos que fumava desde os 15 anos, mas para isso, seria
necessário desmontar e guardar tudo o que lhe tinha dado tanto trabalho a colocar no
sítio exacto para uma melhor perspectiva da paisagem desejada.
Nessa altura, abeirou-se um rapaz descalço, aparentando ter 15 anos de idade, com
as calças remendadas, olhos negros muito brilhantes, queimado pelo sol mas com cabelo
aloirado, que segurava uma pequena celha com caramujos e lapas frescas que tinha
pescado na noite anterior. Era também um dos típicos vendedores ambulantes chamados
“peixeiros”, que lançando os seus pregões percorriam os diversos sítios das Freguesias
com a mercadoria à cabeça. Quando o pescador apresentou esses mariscos, Winston
tentou dizer em português que não os conhecia, mas que quando voltasse teria muito
gosto em prová-los. Explicou ainda que tinha de ir ao Hotel, onde estava instalado, para
buscar charutos sem os quais não podia passar e pediu-lhe que ficasse uns minutos a
vigiar os seus utensílios de pintura, embora, devido ao português mal falado, o pescador
teve dificuldade em perceber o que Churchill dizia. Depois de várias repetições
finalmente acabou por entender e aceitar, e nesse mesmo momento, passou um táxi,
chamado «abelhinha» pelos madeirenses, que levou Churchill ao Hotel.
O jovem chamava-se Carlos. Fazia parte de uma grande família típica de
pescadores, honesta, trabalhadora, generosa, solidária, lutadora, onde predominava a
pobreza e a humildade. O pai, a quem Carlos idolatrava, sempre fora o que mais o
compreendia, e quem o ensinou, desde os sete anos, as técnicas de pesca, passando dias
inteiros a falar-lhe sobre histórias da sua vida e acerca das coisas do mar. Em 4 de
Fevereiro de 1947, num dia em que rebentou uma terrível tempestade, o seu pai que
estava a pescar naufragou, acabando por falecer. Já se tinham passado cerca de três anos
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sobre o trágico acontecimento. Porém, toda a família ainda sentia com muita dor a sua
perda e a de tantos outros. Não havia um único ano em que não morressem pescadores,
porque além de muitas das vezes estarem embriagados e dos barcos serem bastante
frágeis, em alguns dias, sobretudo no Inverno, o tempo revolto não ajudava. Sim, a
maioria dos pobres pescadores esbanjavam grande parte das suas economias
especialmente em bebidas alcoólicas para desanuviar os longos e penosos dias de
trabalho. Vinham do mar friorentos, com os braços cansados, o cérebro enfraquecido, a
boca seca e a saber a sal, pelo que a excitante poncha de aguardente aquecia-lhes o
sangue libertando-os das lembranças das maresias, dos barcos, das redes e da penúria
com que viviam os seus. Eram também supersticiosos e muito religiosos, adoravam
vários santos e pediam-lhes auxílio nos piores momentos. Escreviam o nome deles em
todo o sítio, como nos barcos, em casacos, ou até nos colares que prendiam ao pescoço.
Quanto a Carlos, acreditava mais no pai do que nos santos e achava que, de alguma
forma, ele estaria a vê-lo e a dar-lhe proteção; pelo que, além de pedir ajuda nas
situações menos boas, agradecia-lhe quando algo bom acontecia.
Cerca de vinte minutos depois, Winston voltou muito sorridente com os charutos
cubanos seguros na mão e agradeceu cordialmente a Carlos dando-lhe algumas moedas.
Logo a seguir perguntou-lhe como se comiam as lapas e os caramujos, que nunca antes
tinha visto e após o pescador exemplificar a forma tradicional de saborear esses
mariscos, vagarosamente Churchill provou-os e logo adorou o seu sabor sobretudo o das
lapas que lhe pareceram muito agradáveis e saborosas, e entusiasmado, pediu-lhe para
que durante o tempo que ali estivesse a pintar tornasse a trazer aqueles petiscos, de que
tanto gostara, para os comprar e deleitar-se com o seu exótico gosto. Muito contente, o
pescador aceitou essa proposta, e a partir de então lá estava ele, todas as manhãs, ao
lado do pintor, com os inseparáveis mariscos.
Passados alguns dias, Carlos lembrou-se de levar-lhe também um filete de espada
preto aconchegado num bolo do caco quentinho, barrado com manteiga muito fresca da
Madeira, acompanhado duma poncha à pescador como aperitivo; e Winston Churchill,
depois de saborear lentamente esses petiscos, abraçou Carlos com os olhos brilhantes de
contentamento, agradecendo a lembrança de o ter obsequiado com aquela surpreendente
iguaria que nunca tinha comido e que bastante o encantou.
Em resposta a uma pergunta do político inglês, o pescador tentou explicar com
muitos gestos que o peixe-espada preto era pescado em grandes profundidades através
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de um aparelho especial com duas enormes linhas. Cada linha levava uma pedra na
ponta para se afundar e era guarnecida com mais de 100 estrôvas. Para as recolher à
força de braços, demoravam cerca de 4 horas e os peixes já chegavam mortos porque
não aguentavam a diferença de pressão.
À medida que os dias iam passando, Churchill passou a falar melhor Português e
assim Carlos começou a entendê-lo melhor, firmando-se uma estranha mas verdadeira e
franca amizade entre o grande e poderoso estadista inglês, e o pobre e simples pescador
da Madeira, facto que deixava boquiabertos a família de Carlos e os homens do mar de
Câmara de Lobos, habituados a serem tratados com desdém e altivez pelos ricos
senhores.
Quando o quadro estava quase pronto e já se podiam observar as bonitas linhas que
contornavam as águas do Ilhéu e as rochas que o rodeavam, tudo irradiando vistosas
cores onde se destacava o azul cristalino do mar e os tons quentes dum maravilhoso pôr-
do-sol; Carlos não apareceu à hora do costume, deixando Winston um pouco
preocupado, mas logo pensando positivamente que houvera algum pequeno imprevisto
que tinha impedido a sua habitual companhia.
Durante a noite, Winston teve dificuldades em conciliar o sono, e decidiu ir até à
varanda para contemplar o mar profundo que sempre o acalmava. Porém, não ficou
muito tranquilo ao observar que soprava forte ventania com alterosas ondas, pelo que já
era muito tarde quando finalmente acabou por adormecer.
No dia seguinte, como Carlos tornou a não aparecer, Winston ficou bastante
preocupado e decidiu descer à vila para saber o que era feito do pescador. Ao chegar ao
centro, aproximou-se duma extensa bicha, onde as mulheres vestiam trajes escuros e
cobriam inteiramente a cabeça com lenços negros, chorando copiosamente em voz alta,
dirigidas por um velho padre com barbas muito brancas e ar soturno, que empunhava
uma antiga e pesada cruz.
Foi quando ao ver o pintor que repentinamente a velha mãe do pescador saiu da
filha a correr, e abraçou Churchill aos gritos convulsivos de «faleceu no mar o nosso
Carlos, o nosso pobre Carlos morreu afogado», seguida pelos dois filhinhos mais
pequenos, que com olhares suplicantes também o enlaçaram pelos joelhos, formando
um comovente cacho humano, que o inglês nunca esqueceu.
Desde então, em todos os Natais, Winston obsequiava a infeliz família do pescador
com muitas prendas, e quando os dois irmãozinhos de Carlos terminaram a instrução
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