Post on 18-Nov-2018
FERNANDO CSAR NIMER MOREIRA DA SILVA
VENTURE CAPITAL: VALOR DA INFORMAO, RISCOS
E INSTRUMENTOS PARA SUA MITIGAO
TESE DE DOUTORADO
ORIENTADORA: PROFESSORA DOUTORA RACHEL SZTAJN
FACULDADE DE DIREITO DA UNIVERSIDADE DE SO PAULO
SO PAULO
2014
Banca Examinadora:
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What I showed in The Problem of Social Cost was that, in the absence of
transaction costs, is does not matter what the law is, since people can always
negotiate without cost (...). In such a world the institutions which make up the
economic system have neither substance nor purpose. () What my argument
does suggest is the need to introduce positive transaction costs explicitly into
economic analysis so that we can study the world that exists.
(COASE, Ronald H. The firm, the market and the law. In: The firm, the
market, and the law. Chicago: University of Chicago Press, 1990, pp. 14-15).
(..) I think we should try to develop generalizations which would give us
guidelines as to how various activities should best be organized and financed.
But such generalizations are not likely to be helpful unless they are derived
from studies of how such activities are actually carried out within different
institutional frameworks. Such studies would enable us to discover which
factors are important and which are not in determining the outcome, and they
would lead to generalizations which have a solid base. They are also likely to
serve another purpose by showing us the richness of the social alternatives
among which we can choose.
(COASE, Ronald H. Lighthouse in economics. In: The firm, the market, and
the law. Chicago: University of Chicago Press, 1990, pp. 211-212).
Lanalisi economica del diritto pressupone che il contrato sia la veste
giuridica di unoperazione economica, o economicamente valutabile. Da
questa medesima premessa discende unaltra conseguenza: per giudicare di
una lite su un singolo contratto, e necessario cogliere loperazione economica
che questo sottende. Solo rappresentandosi con chiarezza e precisione i
termini delloperazione economica che le parti volevano realizzare (quella che
si usa chiamare economia del contratto), possono affrontarsi
consapevolmente la gran parte delee questioni rilevanti per decidere fra i
contraenti in lite chi ha ragione e chi torto.
(ROPPO, Vincenzo. Il contratto. Milano: Ed. Giuffr, 2001, p. 73).
NDICE
RESUMO 6
ABSTRACT 8
RSUM 10
I. INTRODUO 12
I.1. Apresentao e delimitao do tema 12
I.2. Metodologia utilizada 16
I.3. Justificativa para a escolha 18
I.4. Plano da tese 19
II. DEFINIES E CONCEITOS APLICVEIS 21
II.1. Negcio de venture capital 21
II.1.1. Definio 21
II.1.2. Elemento diferenciador: incerteza e risco 22
II.2. Caractersticas dos contratos 26
II.2.1. Sujeitos e interesses 26
II.2.1.1. Sujeitos 26
II.2.1.2. Interesses 28
II.2.2. Objeto e finalidade 30
II.2.3. Forma e contedo 32
II.2.4. Natureza 35
II.2.5. Principais problemas 38
II.2.5.1. Informao assimtrica 38
II.2.5.2. Conflitos de agente-principal 41
II.2.5.3. Seleo adversa 42
II.2.5.4. Moral hazard 45
II.2.5.5. Ameaas crveis 48
II.2.5.6. Jogo finito 52
III. TIPOS CONTRATUAIS 55
III.1. Critrios para anlise 55
III.2. Evidncias empricas 58
III.3. Tipos descartados 64
III.3.1. Mtuo 65
III.3.2. Consrcio 67
III.3.3. Sociedades e associaes 71
III.4. Tipos avaliados: sociedade annima fechada e limitada 80
III.4.1. Principais categorias de riscos avaliados 80
III.4.2. Riscos de contratao 82
III.4.2.1. Contribuio dos scios 82
III.4.2.2. Integralizao da contribuio 86
III.4.2.3. Limitao da responsabilidade 88
III.4.3. Riscos de alocao do poder de deciso 91
III.4.3.1. Quoruns deliberativos 91
III.4.3.2. Alinhamento prvio de interesses 95
III.4.3.3. Limitao do direito de voto 98
III.4.3.4. Invalidao de deliberaes sociais 102
III.4.4. Riscos de interrupo 104
III.4.4.1. Custos excessivos de operao 104
III.4.4.2. Dissociao 107
III.4.4.3. Dissoluo 118
IV. CONCLUSO 122
V. BIBLIOGRAFIA 125
VI. ANEXOS 140
VI.1. Etapas do Negcio de Venture Capital 140
VI.2. Fundos de Investimento: Regime Jurdico Aplicvel 157
VI.3. Mtodos para Avaliao de Investimentos: Principais Consideraes 166
VI.4. Incentivos Inovao: Fontes de Informao Utilizadas 175
6
RESUMO
Venture capital espcie de empreendimento que vincula dois agentes
econmicos, empreendedor e investidor, visando ao desenvolvimento de uma ideia
inovadora para posterior comercializao no mercado. O empreendedor detentor de
conhecimento sobre a ideia e o investidor possui os recursos para desenvolver o projeto.
O negcio se diferencia dos demais pelo alto grau de incerteza e risco do
empreendimento e requer o uso de tipos contratuais adequados para sua limitao.
O projeto se inicia com a etapa de contratao, na qual as partes negociam a
diviso de riscos e retorno do negcio, seguindo-se a etapa de monitoramento do
desenvolvimento das atividades. Ao final ocorre o desinvestimento, com a sada do
investidor e venda do negcio.
Do ponto de vista da Economia, utilizamos a Teoria dos Jogos e apresentamos
os problemas informacionais, riscos e incertezas do negcio, e os incentivos para
organizar a cooperao entre as partes.
Do ponto de vista de Finanas, debatemos a deciso de financiamento do
negcio e as alternativas para diversificao dos riscos do investimento, isto , a
possibilidade de limitao dos riscos pela adoo de estratgias de conteno, que
aumentam o interesse em contratar o negcio.
Do ponto de vista do Direito, avaliamos qual a estrutura contratual ideal para
organizar esse tipo de empreendimento. Analisamos as principais formas usadas para
organizao do negcio, em especial as sociedades limitadas e as sociedades annimas
fechadas.
Avaliamos o suporte normativo aplicvel, com destaque para a possibilidade de
limitao dos riscos do projeto pela aplicao das normas de Direito Societrio a esses
empreendimentos.
7
Os principais riscos aplicveis so os riscos de contratao do negcio, os riscos
de alocao do poder de deciso entre os scios e os riscos de interrupo prematura do
projeto.
Devido natureza e caractersticas do negcio de venture capital, conclumos
que esse tipo de projeto mais bem organizado como um contrato plurilateral e que
no h tipo contratual ideal para alinhar os interesses. Dos tipos existentes, a sociedade
annima fechada o mais adequado, mas incapaz de limitar todos os riscos do negcio.
A concluso confirmada, parcialmente, pelas evidncias empricas
apresentadas.
Palavras-chave: Venture Capital Direito e Economia Teoria dos Jogos
Finanas Corporativas Incerteza Risco Contrato Sociedade Limitada
Sociedade Annima Fechada Fundo de Investimento.
8
ABSTRACT
Venture capital is a business that links two economic agents, entrepreneur and
investor, aiming to develop an innovative idea for future sale on the market. The
entrepreneur holds knowledge about the idea and the investor has the resources to
develop the project.
It is distinguished from others by the high degree of uncertainty and risk of the
project and requires the use of appropriate contract types for its restriction.
The project begins with the contracting stage, in which the parties negotiate the
division of risks and return business, followed by the monitoring of the development of
the business activities. At the end occurs the divestment, in which the finished business
is sold by the investor.
From the point of view of Economics, we use Game Theory to present the
informational problems, business risks and uncertainties, and the incentives to
organize the cooperation between the parties.
From the standpoint of Finance, we discuss the decision to finance the business,
and alternatives for risk diversification, that is, the possibility of limiting the risks by
adopting containment strategies that may increase the interest in contracting.
From the point of view of Law, we evaluate the ideal contractual structure for
organizing this kind of project. We analyze the main existing contract types, in
particular, the limited liability companies and the closed corporations.
We present our concerns about the normative support applicable to that type of
business, emphasizing the Corporate Law problems.
We evaluate the normative support applicable, emphasizing the possibility of
limiting the project risks by applying the Corporate Law rules to such ventures.
9
The main risks are the risks applicable to the contracting phase, the risk of
incorrect allocation of decision rights between the partners and the risk of premature
termination of the project.
Due to the nature and characteristics of the venture capital business, we
conclude that this type of design is best organized as a plurilateral agreement and that
there is no contract type that can be considered ideal to align the interests. Considering
all the existing types, the private corporation contract is the most appropriate form, but
also unable to limit all the business risks.
The conclusion is partially supported by the empirical evidence presented.
Keywords: Venture Capital Law and Economics Game Theory Corporate
Finance Uncertainty Risk Contract Limited Liability Company Closed
Corporation Investment Fund.
10
RSUM
Le capital-risque est une entreprise qui relie deux agents conomiques,
entrepreneur et investisseur, qui visent dvelopper une ide innovatrice pour vente
future sur le march. L'entrepreneur dtient les connaissances sur l'ide et l'investisseur
dispos des ressources ncessaires pour dvelopper le projet.
Il se distingue des autres par le degr lev d'incertitude et de risque du projet et
demande l'utilisation de types de contrats appropris d'attnuation.
Le projet commence par la phase de ngociation des contrats, dans lequel les
parties ngocient le partage des risques et le retour, suivi de par la phase de surveillance
de l'volution de l'entreprise. Enfin le dsinvestissement se produit et l'investisseur
vend l'entreprise.
Du point de vue de l'conomie, nous utilisons la Thorie des Jeux prsenter
les problmes d'information, des risques et des incertitudes de l'entreprise, et les
incitations organiser la coopration entre les parties.
Du point de vue des Finances, nous discutons de la dcision de financer
l'entreprise, et des alternatives pour la diversification des risques d'investissement,
savoir, la possibilit d'adoption des stratgies pour limiter les risques, qui augmentent
l'intrt de signer l'accord.
Du point de vue de l'Droit, nous valuons la structure contractuelle idale pour
l'organisation de ce type de projet. Nous analysons les principaux types de contrats
applicables, en particulier, les socits responsabilit limite et les socits fermes.
Nous valuons la construction normative applicable, mis en vidence par la
possibilit pour limiter les risques du projet par les rgles du Droit des Socits telles
entreprises.
Les principaux risques sont les applicables a l'embauche du contrat, la
11
rpartition des risques de pouvoir de dcision entre les partenaires et le risque de
rupture prmatur du projet.
En raison de la nature et les caractristiques de l'activit de capital-risque, nous
concluons que ce type de projet est mieux organis comme un accord plurilatral et
qu'il n'exister pas d'type contractuel idal aligner les intrts. De types existants, une
socit prive est la plus approprie, mais incapable de limiter toutes les risques
d'entreprise.
La conclusion est confirme, en partie, par les donnes empiriques prsentes.
Mots-cls: Capital-risque Venture Capital Droit et Economie Thorie des
Jeux Finance d'Entreprise Incertitude Risque Contrat Socit Responsabilit
Limite Socit Anonyme Ferme Fond dinvestissement.
12
I. INTRODUO
I.1. Apresentao e delimitao do tema
Os textos em epgrafe, de VINCENZO ROPPO e RONALD COASE, resumem
o enfoque desta tese a respeito de negcios de venture capital, tambm denominados de
capital empreendedor1,2,3,4.
O primeiro texto, de COASE, faz referncia a escrito clssico de sua autoria,
intitulado The Problem of Social Cost, de 1960. O autor chama a ateno para a
necessidade de primeiro observar o mundo real para, em seguida, elaborar
construes tericas. Explica que os custos de transao 5 influenciam a tomada de
1
Optamos pelo uso da expresso em lngua inglesa, por ser mais conhecida pelos pesquisadores e profissionais. 2 Private equity define-se como negcio voltado a investimentos em empreendimentos de maior risco e
potencial de crescimento, visando obter a maior rentabilidade possvel. Dentre as subespcies existentes, destacam-se: a) venture capital: investimentos em empreendimentos pequenos e inovadores, com alto grau de incerteza, visando sua expanso com objetivo de valoriz-los para venda futura no mercado; b) private equity (stricto sensu): investimentos de menor risco em negcios de maior porte j estabelecidos; c) compra alavancada (leveraged buy-out): operao de compra de controle de uma sociedade, ou de parte significativa
das aes com direito de voto; d) reorganizao de operaes: investimento em recuperao de empresas em crise, realizado com o objetivo de devolv-las a patamares razoveis de lucratividade, para venda futura do negcio. A distino apresentada pela literatura especializada imprecisa e os problemas analisados nesta tese aplicam-se, em maior ou menor proporo, s diversas categorias de negcios. A estrutura do mercado de venture capital mais complexa que a adotada nessa tese, conforme se depreende de: Fundao Getlio Vargas (GVCEPE). A indstria de private equity e venture capital segundo censo brasileiro. 1 Ed.,
Maro/2011. Disponvel em: . Acesso em: 03.04.2012, pp. 67-119. 3 No fazemos distino entre os conceitos de capital semente (seed capital), startup e venture capital.
Capital semente forma de investimento em empreendimento inovador em fase pr-operacional, isto , em estgio embrionrio, ainda incapaz de gerar fluxo de caixa para manter o negcio em funcionamento. Normalmente, origina-se de recursos de parentes, amigos, investidores-anjos e outras formas diretas de financiamento, como por exemplo, crowdfunding, este definido como a venda de pequena quantidade de
cotas ou aes a uma grande variedade de investidores, normalmente por meios eletrnicos. Startup investimento em negcios j em fase mais avanada, porm com produtos e servios ainda no finalizados para comercializao no mercado. A distino pode se dar pelo porte do investimento, complexidade dos contratos, grau de risco, nvel de maturao dos produtos e servios, etc. Optamos por usar a expresso venture capital para fazer referncia s trs formas indicadas. Para detalhamento, ver: Fundao Getlio Vargas (GVCEPE). A indstria de private equity e venture capital segundo censo brasileiro. 1 Ed.,
Maro/2011. Disponvel em: . Acesso em: 03.04.2012, pp. 70-71. 4 FORTUNA aponta classificao distinta, que associa fundos de investimento em participao a negcios de
private equity, indicando serem estes tambm denominados fundos de seed capital, que toma por sinnimo de fundos de venture capital, para fazer referncia a investimentos embrionrios em sociedades fechadas de alto potencial e risco. O autor aponta ainda a existncia do fundo mezanino, com carteira de investimentos mais flexvel que a apresentada pelos fundos de private equity. (FORTUNA, Eduardo. Mercado financeiro
produtos e servios. 18 ed., Rio de Janeiro: Qualitymark, 2010, pp. 605-608). 5 Custos de transao so os incorridos pelas partes para participarem do negcio. Em venture capital,
correspondem aos custos de identificao das partes contratantes, pesquisa, contratao, monitoramento e administrao do negcio. COASE entende que os custos de transao dependem do tratamento jurdico
13
deciso pelos agentes econmicos e no podem ser desconsiderados. Para ele, a lei e a
justia so instituies sociais6 que atribuem direitos e deveres com o objetivo de
reduo dos custos de transao, aumentando o bem-estar social.
O segundo texto de COASE explica sua viso a respeito de como abordar o
problema. O autor parte de exemplo exaustivamente repetido em livros-texto de
Economia sobre qual seria a melhor forma de organizar a operao de faris de
sinalizao para navios que trafegam na costa. Os livros-texto apresentam argumentos
para exemplificar um servio cuja prestao seria de exclusividade do Estado, porque
seria impossvel aos particulares estabelecer maneira eficiente de cobrar por servios de
iluminao e sinalizao prestados distncia, uma vez que os comandantes e
proprietrios dos navios sempre poderiam ignorar a cobrana. COASE demonstra que o
exemplo no se fundamenta em fatos, pois a administrao de faris, na Inglaterra,
conduzida h sculos pela iniciativa privada, e de forma lucrativa. O exemplo permite
criticar a postura de afastamento da realidade e a busca de solues tericas que no
consideram os fatos.
Em linha com o pensamento de COASE, nossa abordagem parte de elementos
coletados na prtica negocial do mercado de venture capital, para buscar solues que
viabilizem seu desenvolvimento.
O outro texto em epgrafe, de autoria de ROPPO, inspira-nos a realizar esforo
na tentativa de buscar a veste jurdica ideal para esse tipo de negcio. Como ensina
ROPPO, essencial iniciar pela compreenso da operao econmica para, ento,
selecionar a estrutura jurdica (veste) mais adequada para organiz-lo.
aplicado, isto , da atribuio de direitos e deveres aos agentes econmicos. Os custos de transao so de difcil mensurao, mas possvel observar as escolhas finais dos agentes, que so medidas indiretas de
avaliao. (COASE, Ronald. The nature of the firm. In The firm, the market, and the law. Chicago: University of Chicago Press, 1990, pp. 153-156). So exemplos de custos de transao: busca de parceiros de negcio, procura pelos insumos, comparao de preos, etc. (SZTAJN, Rachel. Direito e Economia dos contratos. Os conceitos fundamentais. In: VEROSA, Haroldo M. D. Curso de direito comercial. So Paulo: Malheiros, Vol. 4, 2011, p. 82). 6 No sentido adotado por essa tese, instituies so as regras do jogo na sociedade e correspondem a
restries impostas aos agentes econmicos. Servem para reduzir a incerteza nas interaes entre os agentes na medida em que criam estruturas para coordenar as escolhas individuais. Instituies podem ser formais ou informais e conter permisses ou proibies de conduta. (NORTH, Douglass C. Institutions, institutional change and economic performance. New York: Cambridge University Press, 2002, pp. 3-4).
14
A base dos negcios de venture capital o desenvolvimento da inovao.
Normalmente, so empreendimentos novos que apresentam alto grau de incerteza e
dificuldade para obter financiamento pela via do mercado de crdito tradicional, devido
ao fato de no possurem histrico de informaes de crdito ou bens para oferecer em
garantia7.
Projetos inovadores dificilmente sero concretizados sem que os recursos
necessrios ao seu desenvolvimento sejam ofertados aos empreendedores. A soluo
para viabiliz-los exige recursos obtidos de investidores com maior propenso
tomada de risco, que em contrapartida esperam receber remunerao adequada pelo
investimento realizado.
A oferta de recursos depende da existncia de uma estrutura institucional que
permita alcanar razovel segurana e previsibilidade jurdicas, visando a maximizar as
possibilidades de obter retorno positivo sobre o investimento. Nesse sentido, de
fundamental importncia a existncia de suporte normativo adequado que viabilize a
estruturao e conduo de negcios sujeitos a alto risco de insucesso.
A organizao desses empreendimentos passa, necessariamente, pela
estruturao dos contratos que organizem o negcio jurdico8 a partir das caractersticas
da operao econmica, definam a cooperao entre as partes e limitem os riscos
existentes.
Por isso, essa tese analisa, principalmente, se h suficiente flexibilidade nos
tipos contratuais legais para viabilizar a organizao dos projetos. preciso
7 GOMPERS e LERNER indicam que, em perodos com altas taxas de juros reais da economia, os
investimentos em venture capital so mais atrativos para os empreendedores, pois a diferena entre as taxas de juros de mercado e a remunerao do investidor relativamente menor. Argumentam que, se a disponibilidade de financiamento bancrio fosse fator relevante na determinao de investimentos em venture capital, ento seria de se esperar que os investimentos aumentassem quando diminui a disponibilidade de financiamento bancrio. Entretanto, ao analisarem o perodo entre o final da dcada de 1980 e o incio da dcada de 1990, quando houve declnio do crdito bancrio, os autores tambm encontraram declnio dos
investimentos em venture capital, o que contraria a previso terica. (GOMPERS, Paul A.; LERNER, Josh. The venture capital cycle. 2
nd ed., Cambridge: MIT Press, 2006, pp. 60-61).
8 Negcio jurdico (artigo 104 do Cdigo Civil) a relao jurdica estipulada entre sujeitos de direito que
visa estabelecer direitos e obrigaes, adotando forma prevista ou no proibida pela legislao.
15
compreender os incentivos positivos e negativos para a adoo dos tipos legais
estudados e a possibilidade de criar tipos novos ou mistos.
Alm disso, o desenvolvimento da venture capital requer a implantao de
polticas pblicas e legislao de proteo e incentivo inovao. Apesar do alto
impacto gerado pela legislao de incentivos9, o tema apenas brevemente mencionado,
por no ser escopo desta tese, que prioriza os aspectos relativos ao direito societrio.
Os negcios de venture capital tm sido entendidos como experimentos ideais
para testar as teorias existentes 10 . As principais caractersticas que tornam esses
projetos interessante objeto de estudo so: 1) estruturao sob a forma jurdica de
sociedades fechadas simplificadas, no sujeitas complexidade do mercado de valores
mobilirios; 2) as partes do negcio, investidor e empreendedor, comportam-se como
agentes individuais, permitindo desconsiderar o estudo dos problemas de ao
coletiva11; 3) os projetos so normalmente voltados para o desenvolvimento de uma
nica atividade principal, limitando a complexidade de anlise; 4) no h informao
histrica sobre os negcios, eliminando a necessidade de explicar perodos anteriores
anlise.
Esta tese pretende responder s seguintes perguntas:
O que o negcio de venture capital?
Como a operao econmica estruturada?
Quais os principais riscos existentes para organizar a cooperao entre as
partes e desenvolver as atividades?
9 Breves consideraes apresentadas nos Anexos VI.2 e VI.4.
10 HART, Oliver. Financial contracting. Journal of Economic Literature, vol. 39, N. 4, Dez. 2001, Disponvel
em: . Acesso em: 07.09.2010, pp. 1084-1085. 11
Nesse caso, um conjunto de indivduos beneficia-se coletivamente de determinada ao, mas os custos da
ao no so proporcionalmente distribudos entre eles. Racionalmente, escolhe-se realizar a ao coletivamente e compartilhar custos, porm, nem sempre a melhor soluo alcanada porque h possibilidade de adoo de comportamento oportunista visando a obter parcela maior dos benefcios, sem incorrer proporcionalmente nos custos.
16
Qual o grau de adequao da legislao existente para limitar os riscos
desses projetos?
Quais so os tipos legais ideais para organizar o empreendimento,
alcanar maior segurana jurdica e viabilizar o desenvolvimento das
atividades?
I.2. Metodologia utilizada
Do ponto de vista metodolgico, utilizamos conhecimentos multidisciplinares
de Direito, Teoria dos Jogos, Anlise Econmica do Direito e Finanas.
Em relao ao Direito, avaliamos os tipos contratuais mais adequados,
realizando anlise crtica a respeito de sua aplicabilidade, com o objetivo de buscar a
soluo ideal para organizar negcios de venture capital. Enfocamos, principalmente,
as incertezas e riscos do negcio e a possibilidade de sua limitao pelo contrato que
organiza a cooperao entre as partes.
Enfocamos os empreendimentos de venture capital do ponto de vista do Direito
Societrio e no detalhamos os aspectos relativos a direito de propriedade imaterial,
tributrio, trabalhista ou previdencirio. Tambm no empreendemos anlise do ponto
de vista de direito comparado e recorremos a exemplos estrangeiros somente quando
relevantes para a compreenso dos temas tratados.
Quanto Anlise Econmica do Direito, partimos da Teoria da Escolha
Racional, na qual agentes racionais e autointeressados fazem escolhas a partir de suas
preferncias, porm limitados por restries. Com base nos modelos tericos existentes,
descrevemos os principais problemas informacionais, buscando compreender a melhor
17
maneira de organizar, de forma racional12,13, a cooperao entre as partes, a alocao de
riscos e distribuio de retornos.
Utilizamos a Teoria dos Jogos para analisar comportamentos estratgicos e o
impacto dos incentivos positivos e negativos14 nas decises das partes envolvidas em
negcios de venture capital. A Teoria dos Jogos estabelece um conjunto de modelos
para analisar situaes de cooperao e conflito 15 e o impacto dos incentivos nas
decises estratgicas de agentes que interagem.
Empregamos conceitos de Finanas para estudar a aplicao de mtodos para
avaliao e deciso de investimento em negcios de venture capital. Tambm
emprestamos da disciplina de Finanas os elementos para avaliar as formas de
limitao dos riscos do projeto.
Estudamos as Instrues e Deliberaes da CVM aplicveis a negcios de
venture capital e aos fundos de investimento que os organizam, com destaque para os
Fundos de Investimento em Empresas Emergentes (FIEE) e os Fundos de Investimento
em Participaes (FIP).
12
FIANI entende que racionalidade coerncia entre os fins colimados e os meios empregados para atingi-los. O indivduo altrusta racional, assim como o egosta, dependendo dos objetivos definidos. Racionalidade refere-se aos meios empregados para alcan-los. Agente racional aquele que: aplica a lgica
das premissas para obter concluses; utiliza premissas justificadas, isto , adequadas aos meios empregados; usa evidncias empricas imparciais para julgar afirmaes sobre fatos. (FIANI, Ronaldo. Teoria dos jogos. 2 ed., So Paulo: Campus, 2006, pp. 21-22). 13
O comportamento dos agentes orientado pelas noes de racionalidade limitada e oportunismo. A racionalidade limitada aquela reduzida por fatores externos, diminuindo a cognio do agente nas interaes com os outros. Oportunismo o comportamento que orienta a busca do interesse prprio, que pode
ser socialmente indesejado quando h uso de distoro ou sonegao de informaes e esforos para enganar, dissimular ou confundir o outro. (WILLIAMSON, Oliver. The economic institutions of capitalism. New York: Free Press, 1987, pp. 44-49). Indivduos escolhem alternativas que maximizam a utilidade pessoal e sociedades optam pelas que maximizam lucros. Racionalidade, ou busca pelo interesse prprio, contrasta com a noo de razoabilidade do direito, isto , o comportamento pode ser racional, ainda que esteja em conflito com normas sociais vigentes. (MERCURO, Nicholas; MEDEMA, Steven G. Economics and the law.
Princeton: Princeton University Press, 1997, p. 57). 14
Incentivo positivo (encorajamento) e negativo (desencorajamento) conforme propostos por BOBBIO para organizar a funo promocional do direito. (BOBBIO, Norberto. Da estrutura funo: novos estudos de teoria do direito. So Paulo: Manole, 2007, pp. 13-17; 23-24). 15
Na cooperao, as partes com interesses em comum conseguem coordenar esforos para agir em conjunto, visando a obter benefcios que sero compartilhados. No conflito, os incentivos ou interesses deixam de estar
alinhados, produzindo comportamentos oportunistas ou mudanas nas regras de repartio dos custos e benefcios da atividade em comum. A teoria dos jogos define formas de lidar com cooperao e conflito e analisa decises tomadas em situaes nas quais os agentes interagem, orientando a escolha de estratgias. Pressupe a aplicao de regras lgicas ao processo de deciso quando h interao das partes.
18
Como referncias empricas, utilizamos o Segundo Censo Brasileiro da
Indstria de Private Equity e Venture Capital, de 2011, realizado pela Fundao
Getlio Vargas (GVCEPE) 16, que apresenta viso abrangente e atual sobre o tema
proposto. Tambm analisamos os documentos produzidos pela Latin America Venture
Capital Association (LAVCA), em especial, o Venture Capital Scorecard17, o Guia
para Term Sheet e os modelos de contratos recomendados por essa associao18, e
outros estudos especficos19.
Complementamos estas fontes com informao obtida a partir de entrevistas
realizadas com participantes do mercado de venture capital, com o objetivo de buscar
dados empricos sobre os contratos efetivamente concludos no pas.
I.3. Justificativa para a escolha
Negcios de venture capital tm sido pouco estudados no Brasil, apesar de
serem de interesse de operadores do direito, economistas e administradores de
empresas. H teorias que tentam explicar sua estrutura e funcionamento 20 , mas
16
Fundao Getlio Vargas (GVCEPE). A indstria de private equity e venture capital segundo censo brasileiro. 1 Ed., Maro/2011. Disponvel em: . Acesso em: 03.04.2012. 17
LAVCA (Latin America Venture Capital Association). The private equity and venture capital environment
in Latin America Scorecard, 2012. Disponvel em: . Acesso em 19.02.2013. 18
LAVCA (Latin America Venture Capital Association). Guia para term sheets de venture capital e private equity, 2012. Disponvel em: . Acesso em 19.02.2013; Guia para contratos de venture capital e private equity, 2012. Disponvel em: . Acesso em 19.02.2013. 19
Indicados no Anexo VI.4. 20
A Teoria de Estrutura de Capital preocupa-se com a combinao entre o uso de emprstimos e valores
mobilirios para financiar o negcio. (MODIGLIANI, Franco; MILLER; Merton H. The costs of capital, corporate finance, and the theory of investment. American Economic Review, n. 48, June/1958, pp. 261-297; MODIGLIANI, Franco; MILLER; Merton H. Corporate income taxes and the cost of capital: a correction. American Economic Review, n. 53, June/1963, pp. 433-443; MILLER, Merton H. Leverage. In ADLER, Barry E. Foundations of bankruptcy law. New York: Foundation Press, 2005). Os problemas de agente-principal enfatizam o alinhamento de incentivos entre os agentes econmicos. (JENSEN, Michael C. Agency
costs of free cash flow, corporate finance, and takeovers. American Economic Review, May 1986, Vol. 76, No. 2, pp. 323-329. Disponvel em: . Acesso em: 11.03.2011; JENSEN, Michael C.; MECKLING, William H. Theory of the firm: managerial behaviour, agency cost and ownership structure. Journal of Financial Economics, v. 3, n. 4, 1976, pp. 305-360. Disponvel em: . Acesso em: 15.05.2006; FAMA, Eugene F.; JENSEN, Michael C. Agency problems and residual claims. Journal of Law & Economics, Vol.
XXVI (June 1983). Disponvel em: . Acesso em: 11.03.2011). A Teoria dos Custos de Verificao avalia os riscos do investimento e elabora elementos para controle do negcio. Esta evoluiu para a Teoria do Direito de Controle e Deciso, ou Teoria do Custo de Monitoramento, na qual o direito das partes pode ser contingente em relao a medidas observveis de
http://papers.ssrn..com/sol3/paper.taf?ABSTRACT_ID=94043
19
nenhuma, isoladamente, tem sido capaz de apresentar solues suficientes. Tambm
no identificamos estudos jurdicos que analisem os impactos da utilizao de tipos
contratuais para organizar negcios de venture capital.
Pretendemos contribuir para a literatura existente com a construo de viso
sistematizada sobre o tema do ponto de vista das instituies brasileiras, buscando
aproximaes e distanciamentos entre as teorias existentes, os tipos contratuais
utilizados e os negcios efetivamente realizados.
Tambm entendemos haver contribuio para caracterizao, avaliao e
anlise crtica dos tipos contratuais aptos para organizar negcios de venture capital,
bem como recomendao do tipo ideal para limitao dos principais riscos relativos a
esse tipo de empreendimento.
I.4. Plano da tese
A tese desenvolvida em quatro captulos.
O captulo I dedicado a essa introduo.
O captulo II conceitua o negcio de venture capital e apresenta suas principais
caractersticas, incentivos e riscos. Tambm so discutidos os elementos que
caracterizam o negcio jurdico e as principais caractersticas dos contratos que
organizam a cooperao entre as partes.
O captulo III apresenta anlise crtica a respeito dos principais tipos contratuais
predispostos na legislao, potencialmente aptos a organizar os empreendimentos. Para
os tipos selecionados, que so a sociedade limitada e a annima fechada, avaliamos sua
adequao s caractersticas do negcio, do ponto de vista dos principais riscos
desempenho do negcio. (HART, Oliver. Financial contracting. Journal of Economic Literature, vol. 39, N.
4, Dec., 2001, Disponvel em: . Acesso em: 07.09.2010, pp. 1079-1100; TOWSEND, Robert M. Optimal contracts and competitive markets with costly state verification. Journal of Economic Theory, Vol. 21, N. 2 (Oct., 1979), pp. 265-293. Disponvel em: . Acesso em: 01.02.2012).
20
existentes e das condies para sua limitao. Os riscos so organizados e classificados
em grupos que guardam afinidade com os principais problemas encontrados, que so de
trs categorias: contratao do negcio; alocao do poder de deciso entre os scios;
interrupo do projeto. Descartamos, justificando a deciso, os outros tipos contratuais
predispostos na legislao, em especial o mtuo, consrcio de sociedades, associaes
e demais tipos societrios.
O captulo IV apresenta um quadro-resumo contendo a comparao entre os
dois tipos contratuais analisados e nossas concluses a respeito da possibilidade de
limitao dos riscos do negcio de venture capital pelos tipos estudados.
21
II. DEFINIES E CONCEITOS APLICVEIS
II.1.Negcio de venture capital
II.1.1. Definio
Negcios de venture capital so empreendimentos que tm por objetivo
desenvolver ideia inovadora de conhecimento do empreendedor, que o criador da
ideia, com aporte de recursos do investidor. Refere-se associao de agentes
econmicos que se propem a organizar atividades de alto grau de incerteza visando ao
desenvolvimento de ideia ou inveno com valor econmico, para posterior
comercializao no mercado.
A locuo venture capital incorpora os dois aspectos mencionados: o alto
grau de incerteza da atividade (venture, ou adventure), que se desenvolve com o uso de
recursos (capital).
O negcio se desenvolve em trs etapas: contratao, monitoramento e
desinvestimento. Na primeira ocorre a negociao entre as partes e a contratao do
negcio. Na segunda, as atividades so desenvolvidas e o desempenho do projeto
acompanhado pelos participantes. Na ltima etapa, de desinvestimento, o investidor
retira-se do negcio vendendo sua participao21.
Considere-se, por exemplo, um empreendimento para desenvolvimento de
novos medicamentos pela indstria farmacutica. Na primeira etapa do projeto so
testados diversos princpios ativos potencialmente aptos formulao do medicamento.
Na segunda etapa alguns so selecionados para aprofundamento da pesquisa e
desenvolvimento dos compostos qumicos e outros so descartados. Na terceira etapa,
um selecionado para desenvolvimento e produo experimental, seguido da
realizao de testes em laboratrio. Na quarta etapa, a droga experimental testada em
animais. Na quinta etapa so realizados testes controlados em humanos. Na sexta etapa,
21
As principais etapas do desenvolvimento do negcio so detalhadas no Anexo VI.1.
22
o medicamento submetido ao registro e aprovao pelos rgos reguladores. Na
stima e ltima etapa h produo em larga escala e comercializao no mercado. O
projeto hipottico de alta complexidade, pode perdurar por vrios anos e consumir
recursos significativos, havendo inmeras possibilidades de insucesso, decorrentes de
inviabilidade tcnica da formulao do medicamento, fracasso dos testes com animais
ou humanos, altos custos de desenvolvimento e produo, reprovao pelos rgos
reguladores, etc.
O exemplo explicita a principal diferena entre negcios de venture capital e
outras formas de organizao de projetos: o maior grau de incerteza e riscos associados
ao empreendimento.
A incerteza decorre da ausncia de referncias ou informao suficientes sobre
o desenvolvimento da ideia inovadora, que leva a falta de conhecimento sobre a
expectativa de resultados futuros da atividade. H somente avaliao subjetiva
(percepo) dos riscos potenciais, podendo ocorrer, a qualquer momento e
independente da vontade das partes, eventos imprevisveis que inviabilizem o negcio.
Em consequncia, h tambm maior expectativa de compensao das partes
pelos altos riscos envolvidos, isto , de obteno de retorno mais elevado sobre o
investimento em projeto bem sucedido.
II.1.2. Elemento diferenciador: incerteza e risco
Incerteza dvida, imprevisibilidade, desconhecimento a respeito dos
resultados possveis de determinada atividade. Significa inadequao da ideia
imaginada a priori aos fatos objetivos posteriores. Em contraste, certeza confirmao
de que a ideia preconcebida pode ser comprovada posteriormente por fatos objetivos.
A incerteza sempre est presente em negcios de venture capital. H dvidas a
respeito do desenvolvimento da ideia, capacidade de execuo do projeto, viabilidade
de produo e comercializao dos produtos e servios, interesse do mercado,
mudanas na concorrncia e na preferncia dos consumidores. O desenvolvimento da
23
inovao sempre estar sujeito incerteza.
A incerteza difere do risco por sua imprevisibilidade. Em situao de incerteza
no podemos antever os problemas a serem solucionados e os resultados a serem
alcanados, mas em situao de risco podemos avali-los, ainda que se faa uso de
suposies e estimativas. Por isso, KNIGHT explica que o risco quantificvel, mas a
incerteza no . Quando h risco, h informao mensurvel, fundamentada em
critrios objetivos de avaliao22. Ao contrrio da incerteza, em situao de risco
possvel escolher uma configurao (estado) mais provvel do projeto que seja apta a
alcanar o resultado esperado, isto , pode haver uma forma de organizao das
atividades que tende a apresentar maiores possibilidades de sucesso que as demais.
Incerteza a impossibilidade de avaliar, em bases objetivas, a probabilidade de
sucesso ou fracasso do empreendimento, antecipar os entraves ao desenvolvimento das
atividades e o retorno esperado. As diversas configuraes possveis para organizar o
projeto podem levar a inmeros resultados potenciais, tornando mais difcil a escolha
da melhor alternativa23.
A incerteza pressupe haver informao subjetiva, isto , que depende
exclusivamente da experincia dos agentes envolvidos. Decorre da ausncia de
conhecimento objetivo sobre as condies do negcio e da dificuldade em qualificar,
medir e revelar a informao incompleta e imperfeita 24. Significa que h mltiplas
22
But Uncertainty must be taken in a sense radically distinct from the familiar notion of Risk, from which it has never been properly separated. (...). The essential fact is that "risk" means in some cases a quantity
susceptible of measurement, while at other times it is something distinctly not of this character; and there are far-reaching and crucial differences in the bearings of the phenomenon depending on which of the two is really present and operating. () It will appear that a measurable uncertainty, or "risk" proper, as we shall use the term, is so far different from an unmeasurable one that it is not in effect an uncertainty at all. We shall accordingly restrict the term "uncertainty" to cases of the non-quantitative type. It is this "true" uncertainty, and not risk, as has been argued, which forms the basis of a valid theory of profit and accounts for the
divergence between actual and theoretical competition. (KNIGHT, Frank H. Risk, uncertainty and profit. 1921. Disponvel em: . Acesso em: 04.06.2012, p. I.I.26). 23
SANDRONI indica que h incerteza quando, a partir de determinado conjunto de aes, pode-se chegar a vrios resultados possveis, pois as probabilidades esperadas para os resultados no so conhecidas. Caso as probabilidades passem a ser conhecidas, a incerteza transforma-se em risco, que mensurvel e controlvel. (SANDRONI, Paulo. Dicionrio de Economia. 3 ed., So Paulo: Best Seller, 1994, p. 168). 24
GINTIS indica que o equilbrio difcil de ser obtido na presena de informao imperfeita e incompleta, pois h informao detida com exclusividade por uma das partes e no revelada outra. Nesse tipo de jogo h muitos equilbrios no plausveis e poucas formas de rejeit-los, pois os conjuntos de informao so difusos e de difcil avaliao. Tal situao pode induzir o agente a erro na escolha da soluo, ou a escolher
24
possibilidades de abordar o projeto e no h maneira nica de medir seu desempenho,
dificultando a eliminao de alternativas indesejadas pelas partes.
A incerteza impacta a coordenao entre os agentes, altera a motivao para
contratar e afeta a capacidade de tomar decises bem informadas25. Mesmo que haja
expectativa de retorno significativo sobre o investimento, os interessados podem
recusar a participao no projeto, porque no conseguem identificar, avaliar e limitar os
riscos de tomar parte no negcio. A incerteza dificulta a correta avaliao do
empreendimento, podendo levar os agentes a incorrer em erros de deciso.
Risco, da mesma forma que incerteza, a possibilidade de dano ou sucesso, um
acontecimento eventual cuja ocorrncia pode no depender da vontade dos envolvidos,
mas que afeta o resultado esperado26.
Risco conhecimento sobre as probabilidades objetivas de determinado evento,
as quais podem ser mensuradas e limitadas. Ao contrrio da incerteza, o risco elimina a
subjetividade da avaliao, indicando objetivamente a probabilidade de ocorrncia do
evento27. SANVICENTE esclarece que a incerteza transforma-se em risco quando se
solues no ideais. (GINTIS, Herbert. Game theory evolving A problem-centered introduction to modeling strategic interaction. Princeton: Princeton University Press, 2000, p. 286). 25
Os agentes comportam-se de acordo com a motivao e a habilidade em decifrar o ambiente em que atuam,
caractersticas que, segundo NORTH, tornam a escolha humana mais complexa do que as previses feitas pela Teoria da Escolha Racional. A motivao determina o conjunto de condies que compele o indivduo a agir, influenciado por fatores econmicos e altrusticos. A habilidade em decifrar o ambiente indica a capacidade em entender o contexto situacional em que se encontra, a partir das informaes disponveis (NORTH, Douglass C. Institutions, institutional change and economic performance. New York: Cambridge University Press, 2002, p. 17). A motivao influenciada pela reputao, confiana e altrusmo. A
habilidade em decifrar o ambiente tanto maior quanto melhores forem as instituies que organizam as trocas econmicas e reduzem as incertezas. O processamento incompleto e subjetivo da informao afeta o processo decisrio, criando lacunas entre a capacidade do agente de decifrar o ambiente e a dificuldade em definir preferncias. Quanto maior a lacuna, maior a necessidade de padronizao para reduo de incertezas que se originam da informao incompleta, da complexidade do ambiente e da capacidade cognitiva limitada dos agentes. Regras e procedimentos servem para simplificar o processo, limitando as escolhas disponveis.
(NORTH, Douglass C. Institutions, institutional change and economic performance. New York: Cambridge University Press, 2002, pp. 20-25). 26
O senso comum indica que o risco a probabilidade de ocorrncia de um evento negativo, isto , danoso ao agente. Em Finanas, a definio de risco refere-se probabilidade de obter um resultado inesperado, diferente das expectativas iniciais do agente econmico. Neste caso, o risco pode ser positivo, isto , de retorno superior expectativa de sucesso, ou pode ser negativo, ou seja, inferior ao esperado.
(DAMODARAN, Aswath. Finanas corporativas teoria e prtica. Porto Alegre: Bookman, 2 Ed., 2004, p. 140). 27
CAOUETTE, John B.; ALTMAN, Edward I.; NARAYANAN, Paul. Gesto do risco de crdito. Rio de Janeiro: Qualitimark, 2000, p. 3.
25
pode fazer a estimativa dessa probabilidade28.
O risco pode ser especfico do negcio, isto , no sistemtico, ou pode afetar
diversos agentes do mercado e, nesse caso, denominado risco no especfico, ou
sistemtico. O risco especfico inerente ao negcio, enquanto o risco sistemtico
aquele que afeta diversos agentes do mercado indistintamente. O risco tambm pode
ser diversificvel ou no. Risco diversificvel a parcela de valor da variao do
retorno sobre o investimento derivada de fatores especficos, atribudos ao negcio,
cujos efeitos podem ser atenuados pela diversificao do investimento 29 . A
diversificao estratgia comumente adotada pelos agentes econmicos para reduzir
os riscos; por exemplo, investidores do mercado de capitais evitam adquirir aes de
companhias participantes de um nico setor econmico, evitando a perda significativa
de recursos caso o setor apresente desempenho insatisfatrio.
A mensurao do risco permite definir a proporo de sua alocao entre os
contratantes e avaliar se as alternativas para sua limitao apresentam custos que sejam
compatveis com o retorno esperado.
Em negcios de venture capital mede-se o prmio de risco associado ao
investimento. O prmio de risco o retorno obtido pelo investidor, dado o nvel de
risco aceito por ele. o resultado da comparao entre o risco-retorno esperado para o
projeto e para as alternativas disponveis. O negcio de venture capital, apesar de mais
arriscado, deve apresentar melhor retorno que as outras opes disposio dos
interessados30,31.
28
SANVICENTE, Antonio Z. Administrao financeira, So Paulo: Atlas, 3 Ed., 2008, p. 60. 29
DAMODARAN, Aswath. Finanas corporativas teoria e prtica. Porto Alegre: Bookman, 2 Ed., 2004, pp. 144-145. 30
A discusso, aqui simplificada, ignorou o fato de o risco ser, ou no, diversificvel, isto , se o investidor
pode limitar o risco atravs de uma carteira balanceada de investimentos em diversos projetos. Ver: PINDYCK, Robert S.; RUBINFELD, Daniel L. Microeconomia. So Paulo: Pearson Prentice Hall, 6. Ed., 2006, p. 480. 31
H diversos modelos usados para avaliar a formao dos preos dos ativos de capital. Entre eles, o modelo CAPM (Capital Asset Pricing Model), que mede o prmio de risco do projeto, comparando-o com o retorno esperado para o mercado como um todo. O problema que o modelo CAPM serve para o mercado de aes
e, muitas vezes, o negcio de venture capital organizado como sociedade fechada, sofrendo menor influncia do mercado. Ver: PINDYCK, Robert S.; RUBINFELD, Daniel L. Op.cit., pp. 480-482. Como o negcio de venture capital inovador e incerto, sua comparao com o valor de outros investimentos no mercado no significativa. O problema permanece mesmo quando so aplicados outros modelos, como o
26
Em venture capital, a relao risco-retorno, e no somente a existncia de riscos
ou incerteza, define o interesse das partes em negociar. Nesses empreendimentos,
espera-se que o retorno sobre o investimento compense a assuno de maiores riscos.
II.2.Caractersticas dos contratos
II.2.1. Sujeitos e interesses
II.2.1.1. Sujeitos
H duas partes no negcio de venture capital, empreendedor e investidor.
O empreendedor normalmente um cientista ou especialista tcnico detentor de
conhecimento exclusivo sobre a ideia inovadora.
O termo empreendedor utilizado em sentido restrito, para designar o criador
da ideia inovadora. No o empregamos para identificar o empresrio, pois, neste caso,
incluiria o empreendedor e tambm o investidor.
O investidor pode ser pessoa natural ou jurdica que tenha recursos financeiros
disponveis. Adicionalmente, ele pode aportar capacidade gerencial ao projeto, pois
possui experincia administrativa32. O investidor conhece as condies do mercado, os
potenciais compradores do negcio e as caractersticas dos consumidores, fornecedores
e concorrentes.
WACC (Weighted Average Cost of Capital, ou Custo Mdio Ponderado de Capital), que define a taxa de retorno esperada pelos investidores. (DAMODARAN, Aswath. Finanas corporativas teoria e prtica. Porto Alegre: Bookman, 2 Ed., 2004, pp. 472-475). 32
A literatura especializada em venture capital diverge sobre a validade dessa afirmao, especialmente sobre a qualidade e efetividade da capacidade gerencial e acesso a mercados aportados pelo investidor, assim como sobre a efetividade da dedicao de tempo, pelo investidor, para administrao do negcio. Ver, por
exemplo: GOMPERS, Paul A.; LERNER, Josh. The venture capital cycle. 2nd ed., Cambridge: MIT Press, 2006, pp. 156-169; GOMPERS, Paul A.; KOVNER, Anna; LERNER, Josh; SCHARFSTEIN, David. Skill vs. luck in entrepreneurship and venture capital: evidence from serial entrepreneurs. July, 2006. Disponvel em: . Acesso em: 20.09.2010.
27
A terminologia empregada pelo mercado de venture capital varia
significativamente, conforme a fonte consultada. De acordo com o Segundo Censo de
Venture Capital, realizado pela Fundao Getlio Vargas (GVCEPE), desse mercado
participam organizaes gestoras, veculos de investimentos, investidores e empresas
investidas. Investidores fornecem recursos financeiros para compor os veculos de
investimento. Organizaes gestoras so encarregadas da administrao dos veculos de
investimento, cujos recursos so aplicados em empresas investidas, que so os
projetos que fazem parte da carteira do veculo de investimento33.
Nesta tese, consideramos equivalentes as expresses investidor e veculo de
investimento, que definimos como pessoa natural ou coletiva que investe recursos no
projeto de venture capital.
O investidor pode adotar trs formas bsicas de organizao: 1) fundo de
investimentos, a forma mais comum; 2) sociedade voltada para participao em outros
negcios; 3) investidor-anjo.
A primeira forma fundo de investimento condomnio especial, sem
personalidade jurdica, que funciona como um centro de imputao, com direitos e
deveres especficos, organizado para captao de recursos de terceiros e aplicao em
projetos, visando a obter rentabilidade suficiente para cobrir as obrigaes do fundo,
remunerar os administradores e devolver, com acrscimos, o capital investido pelos
cotistas. Por sua importncia em negcios de venture capital, detalhamos em anexo sua
forma de organizao e regime jurdico aplicvel34.
A segunda forma de organizao so as sociedades para participao em outros
negcios, que participam diretamente no capital de outras sociedades, as empresas
investidas. Desempenham o mesmo papel dos fundos de investimento, porm esto
sujeitas ao regime jurdico das sociedades empresrias.
33
Fundao Getlio Vargas (GVCEPE). A indstria de private equity e venture capital segundo censo brasileiro. 1 Ed., Maro/2011. Disponvel em: . Acesso em: 03.04.2012, pp. 72-74. 34
Anexo VI.2.
28
A terceira forma de organizao o investidor-anjo. Muitas vezes os grandes
investidores no se interessam por projetos embrionrios, como os de venture capital,
por no apresentarem as caractersticas e rentabilidade desejadas. Por isso, pode ser
necessria a obteno de recursos junto ao investidor-anjo, pessoa natural ou jurdica
de menor porte, mais prxima do crculo de relacionamentos do empreendedor, que
utiliza regras menos rgidas para seleo de investimentos.
II.2.1.2. Interesses
Os agentes econmicos que tomam parte no projeto so motivados por
interesses que, se corretamente alinhados, levam contratao e adequada execuo do
negcio. Interesses so as razes que motivam as partes a desenvolver as atividades,
influenciam a maneira de conduzir o empreendimento e os incentivos 35 para
cooperao e conflito36.
H trs tipos de interesses envolvidos no negcio de venture capital: interesse
individual, coletivo e pblico.
Os interesses individual e pblico so preexistentes ao interesse coletivo, sendo
que este se manifesta somente com a contratao do negcio.
O interesse pblico refere-se sociedade civil, coletividade de pessoas que pode
ser beneficiada com o desenvolvimento e comercializao da inveno, porque esta
melhora o bem-estar geral. O interesse pblico generalizao do interesse coletivo,
35
Incentivo prmio ou punio que faz com que as partes se comportem de acordo com as expectativas definidas em contrato. forma de induzir o comportamento da outra parte, mediante oferecimento de ganhos ou imposio de perdas decorrentes da prtica de atos indesejados. Como o agente responde a incentivos, as regras funcionam como preos a pagar pela adoo de determinado comportamento. Indivduos racionais
comparam preos da realizao da atividade desejada, assumindo as consequncias da deciso. (MERCURO, Nicholas; MEDEMA, Steven G. Economics and the law. Princeton: Princeton University Press, 1997, p. 25). 36
O conflito explicitado por BAIRD e HENDERSON com um exemplo: I was in one board meeting, and I said, I started this [company] to do positive things with the world and do good in the Amazon, not necessarily to get a big payout. () And one of [the Angel investors] looks me in the eye and said, Well,
the problem is, that you went out and took $9 million of other peoples money. (BAIRD, Douglas G.; HENDERSON, M. Todd. Other peoples money. John M. Olin Law & Economics, Working Paper n. 359 (2D series). September, 2007. Disponvel em: . Acesso em: 11.03.2011, p. 1).
29
abrangendo interesses de terceiros no diretamente envolvidos com o negcio de
venture capital. Orienta-se pela supremacia do bem-estar geral em detrimento do
individual ou coletivo. de interesse pblico que invenes sejam desenvolvidas,
porque melhoram as condies e a qualidade de vida da coletividade.
O interesse coletivo, ou comum, surge com a contratao do negcio e limita a
autonomia privada, suplantando os interesses individuais. Fundamenta-se na existncia
de alto risco do projeto, que exige cooperao entre as partes para consecuo do fim
comum e obteno de vantagens mtuas, mesmo que seja necessrio sacrificar parte do
interesse individual de cada um dos participantes. Em negcios de venture capital so
exemplos de interesse comum: 1) a maximizao do valor do negcio como um todo e
de seu retorno para as partes; 2) a minimizao dos riscos do projeto; 3) o respeito s
regras do jogo na conduo do empreendimento37. O interesse comum alcanado
atravs de regras, definidas de comum acordo, para administrao do negcio e
distribuio do poder de deciso entre os scios.
O interesse individual refere-se s preferncias das partes isoladamente
consideradas. Fundamenta-se na autonomia privada e refere-se ao agente econmico
racional e autointeressado que escolhe estratgia que lhe traz maior benefcio pessoal,
isto , maximiza ganhos e minimiza perdas individuais.
O interesse individual do empreendedor decorre de sua afinidade pessoal com o
projeto, por que este viabiliza a ideia inovadora e materializa seu esforo pessoal, razo
pela qual gostaria de devotar a maior quantidade possvel de recursos ao projeto. Sua
avaliao sobre a probabilidade de sucesso do empreendimento pode ser viesada,
porque tende a preferir a continuidade do negcio, mesmo que este se torne invivel.
Seu principal incentivo para solicitar a colaborao do investidor decorre do fato de
no dispor de recursos suficientes para financiar o projeto. Seu interesse obter a maior
quantidade possvel de recursos do investidor, fazendo o mnimo possvel de
concesses em retribuio. Ele tambm espera obter participao nos resultados do
negcio, normalmente viabilizada pela obteno de aes ou cotas da sociedade, uma
37
NORTH, Douglass C. Institutions, institutional change and economic performance. New York: Cambridge University Press, 2002, pp. 20-25.
30
contraprestao por seu esforo no desenvolvimento das atividades.
O interesse individual do investidor a maximizao do retorno sobre os
recursos investidos, isto , a obteno da maior rentabilidade sobre o investimento
realizado. Ele sempre prefere investir a menor quantidade de recursos que lhe traga o
maior retorno possvel. Compara, racionalmente, a relao risco-retorno de alternativas
de alocao de recursos sua disposio, decidindo, ou no, pelo aporte de recursos ao
negcio de venture capital. O investidor no tem afinidade pessoal com o projeto,
preferindo interromp-lo para minimizar perdas, se os riscos superarem o retorno
esperado. O investidor tambm se preocupa com o sucesso do projeto, porque sinaliza
sua reputao no mercado e afeta a possibilidade de captar novos recursos de terceiros
para aplicar em outros empreendimentos.
Como investimentos dessa natureza costumam ter pouca liquidez e no so
negociados em mercado secundrio, pode haver dificuldade para vender o negcio
durante o desenvolvimento das atividades. Por isso o investidor costuma preferir dividir
o projeto em etapas controladas, financiar uma por vez e estabelecer amplas opes de
sada (desinvestimento), para reduzir sua exposio a perdas (estratgia de stop loss).
Os interesses individuais das partes envolvidas no projeto de venture capital
divergem, mas, ainda assim, organiza-se a cooperao porque os participantes
entendem que os benefcios do projeto em comum superam os riscos. As principais
diferenas de percepo individual referem-se deciso de continuidade ou interrupo
do projeto e limitao da disponibilizao de recursos para seu desenvolvimento, que
so as principais fontes de conflito entre as partes.
Os trs tipos de interesses, individual, coletivo e pblico, nem sempre esto
alinhados, devendo a lei e o contrato estabelecer mecanismos para viabilizar a
coordenao entre os agentes econmicos.
II.2.2. Objeto e finalidade
O objeto do contrato o desenvolvimento da inovao, que se refere
31
introduo de inveno, isto , novas ideias que implantam soluo desconhecida para
problemas tcnicos. Ao final do desenvolvimento, a ideia inovadora ser objeto de
comercializao. O desenvolvimento da inveno deve resultar em novidade38, isto ,
novos produtos, processos ou servios. A novidade refere-se a conhecimento
inexistente no estado atual da tcnica, isto , desconhecido da comunidade cientfica e
dos rgos pblicos encarregados da concesso do privilgio de exclusividade sobre a
inveno 39 . Consequentemente, no h novidade na mera introduo de
aperfeioamento em invento preexistente40,41, assim como nas patentes de segundo uso,
concedidas queles que descobrem nova forma de utilizao de invenes alheias.
A inveno tambm deve ser dotada dos requisitos de aplicao industrial e
atividade inventiva. A aplicao industrial refere-se possibilidade de industrializao,
isto , produo para o mercado. A inventividade refere-se atividade criativa que
justifique proteo legal que garanta exclusividade temporria sobre a criao tcnica
ou a realizao de esforos privados para proteo por meio de acordos de sigilo ou
segredo industrial42.
38
Cdigo de Propriedade Industrial (Lei n. 9.279/96), artigo 8. patentevel a inveno que atenda aos
requisitos de novidade, atividade inventiva e aplicao industrial. Artigo 11. A inveno e o modelo de utilidade so considerados novos quando no compreendidos no estado da tcnica. 1 O estado da tcnica constitudo por tudo aquilo tornado acessvel ao pblico antes da data de depsito do pedido de patente, por descrio escrita ou oral, por uso ou qualquer outro meio, no Brasil ou no exterior, ressalvado o disposto nos arts. 12, 16 e 17. (...) Artigo 13. A inveno dotada de atividade inventiva sempre que, para um tcnico no assunto, no decorra de maneira evidente ou bvia do estado da tcnica. Artigo 15. A inveno e o
modelo de utilidade so considerados suscetveis de aplicao industrial quando possam ser utilizados ou produzidos em qualquer tipo de indstria. 39
Em sentido objetivo, a novidade representa conhecimento novo para a coletividade, no compreendido no estado atual da tcnica, isto , desconhecido dos demais membros da sociedade. Obras protegidas por direito de autor devem apresentar somente o requisito de originalidade. Obras protegidas pelo direito de propriedade industrial, como invenes, modelos de utilidade e desenhos industriais, devem, adicionalmente, apresentar o
requisito da novidade. (SILVEIRA, Newton. Propriedade intelectual: propriedade industrial, direito de autor, software, cultivares. 3 ed., So Paulo: Manole, 2005, pp. 9; 36). 40
O Cdigo de Propriedade Industrial (Lei n. 9.279/96) no define aperfeioamento. O aperfeioamento pode ser entendido como melhoria funcional ou tcnica realizada em invento prprio ou de terceiro, que possibilita a obteno de certificado de adio de inveno (artigo 76) ou pode autorizar a obteno de licena compulsria em patente alheia, decorrente de aperfeioamento realizado em invento de terceiro (artigo 63). 41
Da mesma forma, descartamos os direitos sobre sinais distintivos (nome empresarial, marca, nome de domnio, etc.), direitos de autor e, para a maioria das situaes, os desenhos industriais e os modelos de utilidade, previstos no Cdigo de Propriedade Industrial (Lei n. 9.279/96). A distino legal, entretanto, no ntida, por exemplo, no caso de software (Lei n. 9.609/98), que, pode ser entendido como direito de propriedade industrial ou direito de autor sui generis. 42
Segredo industrial, ou know-how, entendido como o conhecimento privado, que no de domnio
pblico nem de conhecimento dos concorrentes, capaz de produzir diferenciao de uma ideia, produto ou servio. Sua proteo contratual, fundamentada no artigo 39 do Acordo TRIPS (Agreement on Trade-Related Aspects of Intellectual Property Rights), que trata dos atos de concorrncia desleal (artigo 195 da Lei n. 9.279/96).
32
O escopo-meio do empreendimento de venture capital inclui a organizao da
cooperao entre os participantes, com foco nas atividades de desenvolvimento e
materializao da ideia inovadora, e tambm a definio da estrutura de financiamento
do negcio. A organizao da cooperao entre os participantes tem como res ultado a
materializao da ideia inovadora. A especificao da estrutura de financiamento serve
para definir a forma de alocao de recursos ao projeto43.
As partes visam a obter direitos de exclusividade para explorao da ideia
inovadora. Do ponto de vista dos interesses individual e coletivo, a concesso de
privilgio de exclusividade sobre a inveno permite aos participantes recuperar os
investimentos realizados e obter lucros com a comercializao da ideia inovadora e de
produtos e servios derivados de sua implantao. Do ponto de vista do interesse
pblico, ao final do perodo de exclusividade a inveno pode ser produzida e
comercializada por outros agentes econmicos sem necessidade de incorrer, novamente,
em todos os custos de pesquisa e desenvolvimento, ampliando os benefcios para a
coletividade.
O escopo-fim, ou fim comum, elemento essencial do negcio, devendo,
obrigatoriamente, constar do contrato. Ainda que possa haver distintas percepes das
partes quanto forma de conduo e financiamento do projeto, o negcio em comum
visa a obter maior retorno que as alternativas de alocao de recursos. Por isso, os fins
individuais especficos podem divergir, mas o fim comum nico, que a obteno de
lucro com a comercializao da inveno.
II.2.3. Forma e contedo
A forma contratual livre, porm o contrato escrito devido a seu alto grau de
43
Para FORTUNA, o financiamento do projeto operao financeira que permite dividir riscos entre o empreendedor e o financiador, os quais so remunerados pelo fluxo de caixa do empreendimento, motivo da operao, aps sua implantao. A abordagem permite a adoo de tcnicas de financiamento e distribuio
de riscos e retorno entre os participantes por meio do isolamento de ativos e passivos no projeto, que so separados dos demais bens e direitos de propriedade dos scios, para limitar o risco, facilitar o controle do desenvolvimento e a avaliao dos resultados. (FORTUNA, Eduardo. Mercado financeiro produtos e servios. 18 ed., Rio de Janeiro: Qualitymark, 2010, pp. 332-334).
33
incerteza e complexidade. Normalmente significativa a quantidade de clusulas
estipuladas visando a organizar, de forma minuciosa, a cooperao entre as partes 44, 45,46.
Normalmente o contrato no levado a registro pelas partes em funo da
natureza de confidencialidade de seu objeto. Muitas vezes so estipulados acordos
visando a evitar a divulgao de informao relevante a terceiros.
No h tipo contratual predisposto na legislao para reger o negcio de venture
capital; a operao deve se adaptar a algum dos tipos existentes. O negcio deve se
conformar estrutura de um contrato tpico, entendido como um modelo de acordo
previsto e consolidado pela legislao ao qual se aplicam as regras gerais dos contratos,
cabendo s partes definir, caso a caso, as condies especficas do negcio 47.
As principais clusulas existentes organizam-se em trs grupos: as condies
gerais do negcio; as regras para captao e utilizao dos recursos; e as estipulaes
para venda futura do negcio.
44
GOMPERS e LERNER analisaram amostra aleatria de 140 contratos de trs investidores e encontraram, na maioria dos casos, contratos complexos com mais de cem pginas de texto. (GOMPERS, Paul A.; LERNER, Josh. The venture capital cycle. 2
nd ed., Cambridge: MIT Press, 2006, pp. 72-73).
45 Na amostra de casos que analisamos no Brasil h contratos cuja redao ultrapassa 300 pginas, incluindo
a carta de intenes (term sheets), o contrato social/estatuto social e o acordo de acionistas. 46
A literatura de venture capital no unnime ao considerar a obrigatoriedade de haver contratos complexos para organizar o empreendimento, havendo aqueles que entendem que o prvio relacionamento entre as partes seria suficiente para eliminar sua necessidade. O relacionamento prvio e o grau de confiana entre os envolvidos, definidas como crenas na honestidade esperada da outra parte, indicam a probabilidade de cumprir determinada ao pactuada e influenciam a escolha do arranjo contratual. Contratos podem ser
usados para alinhar os incentivos, havendo duas hipteses: substituio ou complementaridade. A hiptese de substituio sugere que somente h contratos complexos quando no h relacionamento prvio ou h baixo grau de confiana entre as partes. A hiptese de complementaridade sugere que contratos complexos so usados somente quando h relacionamento prvio ou algum grau de confiana estabelecido entre as partes. A distino entre as duas hipteses depende da expectativa sobre a execuo do contrato. Na primeira, os contratantes acreditam na possibilidade de cumprimento do contrato e evitam negociar contratos complexos,
devido ao elevado custo. Na segunda hiptese, as partes acreditam que o contrato no garante o cumprimento voluntrio ou forado das obrigaes e, por isso, optam por estruturas contratuais mais simples para reduzir custos, deixando as estruturas mais complexas para situaes nas quais j h confiana recproca, isto , quando o custo de elaborao do instrumento contratual justificado pela maior complexidade do negcio e no pela desconfiana mtua. BOTAZZI, DA RIN e HELLMAN sustentam empiricamente a prevalncia da hiptese de complementaridade em negcios de venture capital. (BOTAZZI, Laura; DA RIN, Marco;
HELLMANN, Thomas. The importance of trust for investment: evidence from venture capital. September, 2010. Disponvel em: . Acesso em: 27.01.2012). 47
Conceito de contrato tpico apresentado por: SZTAJN, Rachel. Futuros e swaps uma viso jurdica. So Paulo: Cultural Paulista, 1999, pp. 51-52; 210.
34
As condies gerais do negcio definem a organizao e a estrutura do projeto,
direitos e deveres das partes, responsabilidade dos administradores, forma de
administrao, deliberao e deciso a respeito de matrias crticas para o
desenvolvimento do projeto, restries ou proibies aplicveis durante a vigncia do
pacto, forma de distribuio dos lucros ou prejuzos entre os participantes, entre outras.
As regras para captao de recursos de terceiros estabelecem a forma de
realizao do investimento, isto , a quantidade e valor da participao de cada scio, a
forma de pagamento da contribuio, a eventual prestao de garantias e a distribuio
dos resultados aos scios e s demais pessoas essenciais ao desenvolvimento das
atividades.
As clusulas contratuais tambm estabelecem a forma e as condies para
avaliao e venda do negcio e impedem a adoo de comportamentos oportunistas 48
das partes no sentido de dificultar a venda.
Normalmente, os contatos de venture capital estabelecem as seguintes
condies contratuais especficas:
Criao de entidade jurdica autnoma, com separao patrimonial;
Estrutura organizacional flexvel, proporcional ao porte e
complexidade do empreendimento, com limitao da
responsabilidade dos scios;
Contribuio dos scios, em bens e servios, para constituio do
capital necessrio;
Critrios para partilha dos riscos e retorno do negcio;
48
Oportunismo o comportamento do agente que orienta a busca do interesse prprio, usando subterfgios como no revelao, distoro e sonegao de informaes, ou atitudes deliberadamente organizadas para enganar, dissimular ou confundir o outro. (WILLIAMSON, Oliver. The economic institutions of capitalism. New York: Free Press, 1987, pp. 44-49).
35
Configurao de ttulos de participao com finalidade de estabelecer
o controle do negcio ou a fruio de benefcios, para distribuio
aos scios e empregados;
Alocao do poder de deciso entre os scios visando a minimizar a
incerteza do negcio e viabilizar o desenvolvimento das atividades;
Estabelecimento de limitaes do direito de voto e poder de veto a
determinadas matrias visando a atribuir maior poder de deciso
parte com melhores condies de decidir a matria;
Possibilidade de acordo entre os scios visando ao alinhamento
prvio do procedimento decisrio interno, controle da administrao
e venda futura do negcio, limitando os riscos de haver frequentes
alteraes contratuais para fazer frente s contingncias do projeto;
Balanceamento entre o exerccio do direito de sada dos scios e a
necessidade de execuo das obrigaes personalssimas devidas;
Estabelecimento de regras para completar o contrato, em caso de
surgimento de contingncias.
II.2.4. Natureza
O contrato de venture capital enfatiza a organizao da atividade a ser
exercida49 e tem natureza de um contrato plurilateral com comunho de escopo.
49
Para usar a terminologia de ASQUINI, enfatiza-se o perfil funcional da empresa. Sua proposta baseia-se em perfis que decompem o conceito de empresa. Os perfis referem-se ao empresrio (perfil subjetivo), atividade (perfil funcional), bens e estabelecimento empresarial (perfil objetivo) e organizao de pessoas (perfil corporativo). (ASQUINI, Alberto. Os perfis da empresa. Traduo: COMPARATO, Fabio K. Revista de Direito Mercantil, Industrial, Econmico e Financeiro, Ano XXXV, n. 104, pp. 109-126, Out./Dez. 1996).
Concordamos com LEES, que ensina que o tratamento legislativo aos distintos perfis da empresa no necessita ater-se a um esquema jurdico unitrio, podendo enfatizar diferentes perfis, conforme o caso. (LEES, Luiz Gasto P. B. A disciplina do direito de empresa no novo cdigo civil. Revista de Direito Mercantil, Industrial, Econmico e Financeiro, Ano XLI, n. 128, Out.Dez. 2002, p. 13).
36
ASCARELLI define atividade como um conjunto de atos coordenados para
alcanar a finalidade almejada. A atividade, independente dos atos singulares que a
compem, utiliza bens e requer capacidade dos agentes econmicos para desenvolv-la,
sendo o lucro a compensao pelos riscos da atividade50. Segundo COASE, a melhor
forma de organizao das atividades a definio de um feixe de contratos que
organize as trocas no mercado e reduza custos de transao51,52.
Para ASCARELLI, contrato plurilateral aquele que se volta constituio da
organizao, no qual todos os participantes tm direitos e obrigaes especficos, mas
no sinalagmticos. O negcio no bilateral, pois cada contratante assume obrigaes
para com todos os demais, havendo comunho de finalidade. Nos contratos plurilaterais
pode haver participao de duas ou mais partes. H menor importncia ao nmero de
partes envolvidas e maior relevncia estrutura aberta do contrato, noo de
comunho de escopo e possibilidade de substituio de prestaes ou partes sem que
haja descontinuidade do negcio53.
O projeto de venture capital apresenta as caractersticas de um contrato
plurilateral, no qual necessria a organizao do empreendimento, definio de
direitos e obrigaes dos scios, distribuio dos riscos, forma de partilha dos
resultados e controle das decises crticas para o sucesso do projeto.
Venture capital tambm negcio associativo, pois decorre da necessidade de
colaborao, isto , da reunio de pessoas em um centro de imputao autnomo, com
objetivo de alcanar a finalidade comum54. negcio organizado em torno da atividade
50
ASCARELLI, Tullio, Corso di diritto commerciale introduzione e teoria dell impresa. 3 ed., Milano: Giuffr, 1962, pp. 145-164; VEROSA, Haroldo M. D. Curso de direito comercial. So Paulo: Malheiros, 2004, vol. 1, pp. 52-55. 51
COASE, Ronald H. The nature of the firm. In The firm, the market, and the law. Chicago: University of
Chicago Press, 1990, pp. 36-39; 41-42. 52
LEES demonstra que o conceito apresentado por COASE no se ope noo jurdica de atividade. Indica que o legislador no est obrigado a tratar a empresa a partir de um esquema jurdico unitrio, mas, ao contrrio, deve dar tratamento distinto a cada um dos diversos perfis existentes. (LEES, Luiz Gasto P. B. A disciplina do direito de empresa no novo cdigo civil. Revista de Direito Mercantil, Industrial, Econmico e Financeiro, Ano XLI, n. 128, Out.Dez. 2002, p. 13). 53
ASCARELLI, Tullio, Problemas das sociedades annimas e direito comparado. 1 ed., So Paulo: Saraiva, 1945, pp. 273-332. 54
SZTAJN, Rachel. Associaes e sociedades. Revista de Direito Mercantil, Industrial, Econmico e Financeiro, Ano XLI, n. 128, Out./Dez. 2002, pp. 15-17.
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37
desempenhada, comum s partes e voltado a um resultado predeterminado.
Nestes negcios, os direitos das partes referem-se realizao da finalidade
comum, isto , so de mesmo tipo e natureza para todos os contratantes, variando
apenas na proporo. Todos tm direitos de partilha dos resultados obtidos com o
desenvolvimento do projeto.
As obrigaes contratuais podem ser distintas para cada contratante. Nas
relaes com terceiros, empreendedor e investidor atuam em conjunto. A substituio
da parte no desnatura ou invalida a natureza do negcio, e as obrigaes individuais
contratadas podem ser substitudas por outras sem afetar a validade do contrato, exceto
se a prestao devida for personalssima, isto , essencial continuidade do negcio,
devendo ser prestada diretamente pelo scio que a ela se obrigou. Em negcios de
venture capital pode haver prestaes essenciais de difcil substituio, por exemplo,
atividades tcnicas para desenvolvimento da ideia inovadora, a cargo do empreendedor.
Contratos plurilaterais so abertos, isto , possibilitam a adeso de terceiros a
qualquer tempo. A impossibilidade de execuo da obrigao por uma das partes ou a
resoluo parcial do negcio referem-se apenas parte em questo, no alcanando os
demais participantes exceto se o objetivo do negcio no puder mais ser alcanado.
A impossibilidade relativa ou parcial do objeto no invalida, a priori, a
concluso do contrato. Ao contrrio, o projeto de venture capital tem por objeto o
desenvolvimento de ideia inovadora que pode vir a no se concretizar, levando ao
abandono do empreendimento.
Contrato plurilateral gnero que engloba duas espcies, associaes e
sociedades55, dos quais so exemplos os contratos de sociedade, os de associao e os
55
MAURO PENTEADO ensina que a doutrina italiana diverge sobre esse ponto. De um lado h a posio de ASCARELLI, que emprega o contrato associativo ora como sinnimo de contrato plurilateral, ora para designar contratos plurilaterais externos, nos quais as partes se relacionam com terceiros. De outro lado a
concepo de MESSINEO, literal em relao ao artigo 1.420 do Cdigo Civil italiano, que entende ser o contrato associativo gnero do qual o plurilateral seria espcie, este requerendo trs ou mais partes. ASCARELLI expe os argumentos a respeito de ser possvel participao de duas ou mais partes, possibilidade essa traduzida na integral subsistncia do contrato plurilateral, como tal, ainda que, in concreto,
38
de joint venture56.
Em todo contrato plurilateral, a prestao da parte reverte para todos os
contratantes 57. A resoluo por inadimplemento depende da anlise da essencialidade
da prestao devida, pois a no realizao da prestao inviabiliza a execuo do
contrato. ROPPO ensina que, quando no h essencialidade, os efeitos limitam-se
parte inadimplente. Ao contrrio, se o inadimplemento referir-se a prestao essencial,
isto , personalssima, considerada em relao s circunstncias especficas do negcio,
pode levar sua dissoluo58.
II.2.5. Principais problemas
II.2.5.1. Informao assimtrica
A informao assimtrica quando um agente econmico detm informao
relevante para o negcio, desconhecida dos demais, e o primeiro tira proveito da
vantagem, obtendo benefcios sem incorrer nos custos, que so suportados pelos
outros 59. A assimetria implica em desbalanceamento entre as posies das partes
relativamente aos fatores de risco do negcio.
Em negcios de venture capital, a informao assimtrica fundamentada no
as partes sejam apenas duas. Essa caracterstica que diferencia claramente a espcie examinada dos contratos em geral encontra sua razo de ser no escopo comum perseguido pelos contratantes, que acaba por se impor mesmo que duas sejam as partes. (itlicos do autor). (PENTEADO, Mauro R. Extino de
sociedades no Cdigo Civil de 2002. In: Princpios do novo Cdigo Civil Brasileiro e outros temas homenagem a Tullio Ascarelli. JUNQUEIRA DE AZEVEDO, Antonio; TORRES. Heleno T.; CARBONE, Paolo (org.). 2 Ed., So Paulo: Quartier Latin, 2010, pp. 457-458). 56
ROPPO, Vincenzo. Il contrato. Milano: Ed. Giuffr, 2001, p. 129. 57
ROPPO, Vincenzo, Op.cit., pp. 439-442. 58
ROPPO, Vincenzo, Op.cit., pp. 870-871; 979-980. 59
AKERLOF demonstrou que, em mercados nos quais o comprador se utiliza de estatsticas para avaliar a qualidade dos produtos, h incentivos para vendedores comercializarem mercadorias de baixa qualidade, pois o retorno obtido o mesmo para todos. Em consequncia, haveria reduo da qualidade das mercadorias e do tamanho do mercado. Como os retornos sociais e privados so diferentes, seria necessrio haver interveno governamental para aumentar o bem-estar geral. O exemplo clssico apresentado do mercado de carros usados de m qualidade (lemons), no qual o vendedor detm melhores informaes sobre a qualidade do
bem negociado e faz uso dessas informaes para tirar vantagem na venda do veculo. Tal aspecto da incerteza explorado pela teoria dos jogos no dilema do prisioneiro. (AKERLOF, George. The market for lemons: quality uncertainty and the market mechanism. Quarterly Journal of Economics. V. 84, n. 3, August, 1970, p. 488).
39
conhecimento sobre a ideia inovadora, detido pelo empreendedor, que revelado
gradualmente ao investidor, mediante retribuio60.
Devido ao alto grau de incerteza que apresentam, contratos de venture capital
so incompletos61, isto , no preveem todas as contingncias possveis, devendo haver
regras especficas para soluo de conflitos. So contratos de execuo continuada e
longa durao 62, nos quais importante conhecer qual parte tem a preferncia na
tomada de decises em caso de lacuna contratual. A viabilizao do negcio difcil se
houver controle unicamente pelo empreendedor, porque o investidor no ter meios
para monitorar o desempenho do projeto. Por isso, idealmente, o controle deve ser
compartilhado, condio fundamental para viabilizar o aporte de recursos63.
A informao assimtrica favorece o empreendedor nas etapas em que o
conhecimento sobre a ideia inovadora relevante. Nestas etapas a informao detida
pelo empreendedor infungvel e sua prestao essencial para o sucesso do negcio,
ao passo que as informaes detidas pelo investidor so mais facilmente substituveis.
O empreendedor possui, com exclusividade, conhecimento tcnico para levar a
cabo o desenvolvimento da ideia inovadora. Ele capaz de especificar as atividades,
identificar as dificuldades de execuo e encontrar as possveis solues. Sua
percepo sobre a possibilidade de sucesso do negcio pode ser viesada, uma vez que
tem interesse pessoal no projeto e no contribui com recursos financeiros para sua
execuo, incorrendo em menores prejuzos em caso de fracasso do empreendimento.
60
O princpio da revelao determina qual a melhor soluo que incentiva os agentes a indicarem suas preferncias ao outro, simplificando escolhas. O princpio da revelao vlido em situaes em que h moral hazard ou mltiplas etapas contendo decises. O princpio permite tornar as estratgias legais mais atrativas do que as ilegais e maximiza a possibilidade de cumprimento voluntrio de regras por parte dos
agentes. (HURWICZ, Leonid. But who will guard the guardians? May 1998. Disponvel em . Acesso em: 15.01.2008, pp. 3-4; 10-12). 61
AZEVEDO, Paulo F. Economia dos contratos. In ZYLBERSTAJN, Decio; SZTAJN, Rachel (coord.). Direito e Economia Anlise Econmica do Direito e das Organizaes. So Paulo: Campus, 2005, pp. 102-136; SZTAJN, Rachel; VEROSA, Haroldo M. D. A incompletude do contrato de sociedade. Revista de Direito Mercantil, Industrial, Econmico e Financeiro, Ano XLII, n. 131, Jul./Set. 2003, pp. 7-13. 62
Ver, a respeito de contratos de longa durao e execuo continuada: SZTAJN, Rachel. Direito e Economia dos contratos. Os conceitos fundamentais. In: VEROSA, Haroldo M. D. Curso de direito comercial. So Paulo: Malheiros, Vol. 4, Tomo I, 2011, p. 83. 63
BOLTON, Patrick; DEWATRIPONT, Mathias. Contract theory. MIT Press, 2005, pp. 36-37; 526-534.
40
O investidor no conhece as atividades tcnicas para desenvolvimento da ideia
inovadora e, normalmente, no se envolve na conduo das atividades, porque no
detm o conhecimento necessrio. Por isso, acaba por atribuir maior incerteza ao
negcio e taxa de desconto64 mais elevada sobre o retorno esperado.
Inicialmente, o poder de deciso sobre a administrao de atividades
operacionais do negcio atribudo ao empreendedor, e transferido ao investidor
somente se o negcio apresentar desempenho insatisfatrio. O objetivo da alocao
inicial de direitos permitir ao empreendedor executar o contrato, revelando ao
investidor a informao necessria. Se o negcio apresentar desempenho insatisfatrio,
o investidor passa a interferir diretamente na administrao, mas, se o d