Post on 26-Jan-2019
UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATOGROSSO INSTITUTO DE LINGUAGENS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ESTUDOS DE LINGUAGEM
ROSENIL GONÇALINA DOS REIS E SILVA
A LEITURA EM LIVROS DIDÁTICOS DO ENSINO FUNDAMENTAL E A FORMAÇÃO
PARA O LEITOR CRÍTICO LITERÁRIO
Cuiabá-MT 2015
ROSENIL GONÇALINA DOS REIS E SILVA
A LEITURA EM LIVROS DIDÁTICOS DO ENSINO FUNDAMENTAL E A FORMAÇÃO
PARA O LEITOR CRÍTICO LITERÁRIO
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Estudos de Linguagem da Universidade Federal de Mato Grosso como parte dos requisitos para a obtenção do título de Mestre em Estudos de Linguagem, sob a orientação da professora Dra. Simone de Jesus Padilha
Cuiabá-MT 2015
MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO
UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO
PRÓ-REITORIA DE ENSINO E PÓS-GRADUAÇÃO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ESTUDOS DE LINGUAGEM
Avenida Fernando Corrêa da Costa, 2367 - Boa Esperança - CEP: 780600-000 - Cuiabá-MT
Tel: (65) 3615-8408 - E-mail: secretariameel@hotmail.com
Todas as coisas cooperam para o bem daqueles que amam a Deus, daqueles que são chamados segundo o seu propósito.
(Romanos 8:28)
Ninguém ignora tudo. Ninguém sabe tudo. Todos nós sabemos alguma coisa. Todos nós ignoramos alguma coisa. Por isso aprendemos sempre.
Ensinar não é transferir conhecimento, mas criar as possibilidades para a sua própria produção ou a sua construção.
A leitura do mundo precede a leitura da palavra. (Paulo Freire)
“Uma palavra que não representa uma ideia é uma coisa morta, da mesma forma que uma ideia não incorporada em palavras não passa de uma sombra”.
(Vygotsky)
"A língua materna, seu vocabulário e sua estrutura gramatical, não conhecemos por meio de dicionários ou manuais de gramática, mas graças aos enunciados concretos
que ouvimos e reproduzimos na comunicação efetiva com as pessoas que nos rodeiam" (Mikhail Bakhtin)
DEDICAÇÃO
A JESUS, Rei dos Reis, Senhor dos Senhores,
Toda Honra,Toda Glória e Todo Louvor sejam dados a Ti, Por que bem sei que em tudo há um propósito debaixo dos céus e da terra.
A minha mãe Neide, pela presença constante, pelas palavras de incentivo nos momentos mais
difíceis, também pela ajuda financeira, obrigada. Com certeza, esta vitória também é sua.
Ao meu esposo Astrogildo, pela compreensão e apoio, pelo cuidado com meu bem-estar durante
todo o processo, principalmente o da escrita.
Aos meus filhos Helder e Thaisa, pelo carinho, por acreditarem em mim. Obrigada por
compreenderem minha ausência. Amo vocês, que são bênçãos em minha vida.
Aos meus irmãos Ronaldo, Rogério, Luis e Sidney
AGRADECIMENTOS
A Deus, Todo Poderoso, Soberano, eterno, imortal e real, toda minha Adoração.
Reconheço que todas as coisas foram criadas por Ti, e sem Ti nada do que foi feito se
fez.
A Jesus, o filho de Deus, por ter sido minha bandeira nesta caminhada, o Senhor
foi o meu escudo, minha fortaleza, meu socorro bem presente. Em alguns momentos
pareceu-me ser o fim, mas a todo instante o Senhor me fazia lembrar o quanto sou
amada por Ti e que as promessas do Senhor iriam se cumprir em minha vida, pois
agindo Deus quem impedirá? Quero adorar-Te pelo que Tu és, Rei por excelência,
quero declarar-Te todo o meu amor, e dizer-Te que por onde eu for todos saberão que
sou tua.
À minha orientadora, Professora Dra. Simone de Jesus Padilha, pela doce
presença, paciência, carinho e pela brilhante disposição nos trabalhos de orientação.
Obrigada pelo seu olhar sempre terno, o qual ultrapassou a relação de orientação, cada
gesto demonstrado fez-me sentir segura. Obrigada pela confiança, por me aceitar como
orientanda e pela amizade. A cada atitude, eu sentia um cuidado todo especial em
proporcionar-me o melhor ensino. Tudo isso me fez enxergar o ensino-aprendizagem de
forma mais afetiva, mais construtiva e a linguagem de forma mais crítica, mais
desvelada e mais consciente. Serei eternamente grata por tudo. Te desejo o melhor
desta terra.
Ao Professor Dr. Clécio Bunzen, pela prontidão e contribuições teórico-
metodológicas neste trabalho, pois bem sei que prima pela excelência, e que cada
sugestão foi extremamente necessária e importante para uma análise mais consciente e
crítica acerca dos materiais didáticos.
Ao Professor Dr. Vinicius Carvalho Pereira, pelas maravilhosas contribuições a
respeito dos fenômenos linguísticos e literários, tenho a convicção de que cada detalhe
foi carinhosamente analisado para sugestionar o melhor.
Ao Prof. Dr. Elias Alves de Andrade, pela leitura atenta que possibilitou ampliar o
meu olhar a respeito de alguns fenômenos linguísticos.
Ao Grupo de Pesquisa “Estudos Linguísticos e de Letramento”, coordenado pela
professora Dra. Claudia Graziano Paes de Barros, pelas discussões e conversas
teórico-metodológicas ancoradas nas concepções de Freire, Bakhtin e Vygotsky, que
são a base desta pesquisa e que foram fundamentais para uma leitura na perspectiva
do letramento crítico.
Ao Grupo de Pesquisa Rebak - Relendo Bakhtin - coordenado pela Professora
Dra. Simone de Jesus Padilha, obrigada pelas contribuições teóricas. Elas foram
importantes para a minha compreensão ativa, através dos estudos dos enunciados
concretos e dos sentidos construídos nas muitas interações com os colegas do grupo.
À CAPES pela ajuda financeira durante o período de estudos.
Aos professores do Programa de mestrado pelas contribuições e discussões
durante as aulas. Com certeza, cada um, com o seu olhar exotópico, me fez enxergar a
linguagem num outro viés, até então ocultos pelo modelo tradicional.
Aos colegas de mestrado, Ernandes, Renata, e Sergio, pelos momentos
dialógicos, de reflexão, descontração, risadas e buscas teóricas para um entendimento
mais amplo deste grande cenário que é a linguagem humana.
Às minhas irmãs em Cristo, Wilma, Paula, Eva e Olinda, pelas orações, pelas
mensagens virtuais, sempre com palavras de fé e edificação. Cada mensagem me fazia
lembrar de que eu não estava sozinha, mas o Senhor estava comigo como um general à
frente de um grande exército a me guardar. Obrigada, bênçãos maiores desejo a vocês.
À minha amiga, irmã em Cristo, Shirley Neves, obrigada pelas dicas, que foram
importantes e me ajudaram muito. Deus a abençoe sempre;
À Laumir por assumir o meu lugar no discipulado. Obrigada, minha querida, Jesus
com certeza te recompensará poderosamente;
À Conceição Dias, representante da editora FTD, em Cuiabá, pela disposição em
fornecer-me informações acerca dos materiais didáticos, objeto desta pesquisa;
Aos professores da rede pública de ensino, Lozilene Curvo, Soraya Silva e
Sandra Lima, pela ajuda na obtenção da coleção do material didático para as análises
desta pesquisa. Certamente, assim como eu, vocês ainda acreditam que somente a
educação pode mudar esta nação.
À doce Juliany, pela presteza e delicadeza em me atender junto à coordenação.
Sempre gentil e disposta em ajudar, o meu eterno agradecimento.
Aos amigos, Paulo Rogério, Ediléia, Izabel Campos, Francis, pelas palavras
afetuosas nos momentos difíceis.
À Waldinéia, Rosária, Beth, Joana, Élidi, Ardalla, Helany, Elieth, Neuzamar, Lucy
e Ana Cristina pessoas especiais que conheci. Sentirei saudades de cada uma de
vocês, meninas.
A todos, a minha eterna gratidão, pois tenho plena convicção que sozinha
jamais conseguiria. Obrigada!!!
RESUMO
A presente pesquisa busca discutir a formação de leitores, tendo como foco as
atividades de leitura de textos nos gêneros da esfera literária. A escolha se deve por
considerarmos a leitura como fundamental na formação social do indivíduo, condição
indispensável para o exercício da cidadania. A literatura também contribui na formação
do homem, por constituir-se como um fenômeno simbólico e ideológico, passível de
múltiplas interpretações, que colabora na promoção de sua autonomia e para uma
leitura crítica das diversas problemáticas que se apresentam no dia a dia da sociedade.
Desse modo, selecionamos, para nossa análise, apenas os gêneros literários, presentes
nas atividades de leitura de uma coleção de livros didáticos de Língua Portuguesa,
intitulada “Vontade de Saber Português”, das autoras Rosemeire Alves e Tatiane
Brugnerotto, aprovada pelo PNLD de 2014 - Programa Nacional do Livro Didático -
selecionada a partir de sua escolha e utilização em uma das maiores escolas públicas
de Cuiabá, Mato Grosso, em número de alunos matriculados, num total de 2.300. Nosso
objetivo foi o de identificar primeiramente quais gêneros da esfera literária estão
presentes em cada volume da coleção, em seguida, verificar quais são as atividades
que tratam especificamente da leitura e, por fim, verificar que capacidades de leitura
essas atividades mobilizam, e se de fato contribuem ou não para o desenvolvimento de
capacidades leitoras do aluno. Para tanto, recorremos a alguns pressupostos da teoria
enunciativo-discursiva de Bakhtin e seu Círculo que, neste recorte, aliaram-se a outras
contribuições, como do letramento crítico, e os fundamentos da concepção de Vygotsky
para a compreensão de aspectos da linguagem, ideologia e interação, que influenciam
na aprendizagem e constituição dos sujeitos sociais, assim como as de Freire, que têm
inspirado os estudos do letramento crítico. Trata-se de uma pesquisa de análise
documental, de abordagem qualitativa e dialógica. Para fins metodológicos, realizamos
um levantamento quantitativo que ofereceu informações para a análise qualitativa. A
análise dos dados revelou que a incidência dos textos em gêneros da esfera literária é
pouco representativa, sob dois aspectos. Primeiro, em relação à quantidade total de
textos em gêneros de outras esferas, e segundo, em relação à quantidade dos que são
utilizados para atividades de leitura. Além disso, o tratamento didático dispensado às
atividades de leitura não favorece a mobilização de capacidades leitoras capazes de
favorecer a autonomia do aluno, além de não promover uma educação transformadora.
Assim, de um modo geral, a coleção pouco contribui para a formação do letramento
literário e crítico de alunos do Ensino Fundamental das escolas públicas que o utilizam.
Esperamos que este trabalho possa contribuir para reflexões acerca da necessidade de
uma formação leitora no contexto escolar, com especial destaque para o letramento
crítico nos mais diversos níveis de ensino, favorecendo o desenvolvimento de
capacidades específicas para a leitura não somente de gêneros da esfera literária, mas
de outras esferas de atividade humana.
Palavras-chave: Leitura literária e Letramento crítico; Formação de leitores, Livro
didático de Língua Portuguesa.
ABSTRACT
This research aims to discuss the formation of readers, focusing on the activities of text reading in the genres of literary sphere. We chose do so because we consider reading as fundamental in the social formation of the individual, a prerequisite for citizenship. Literature also helps in the formation of man, because it establishes itself as a symbolic and ideological phenomenon, susceptible to multiple interpretations, which collaborates in promoting its autonomy and to a critical reading of the various problems that arise in society's everyday life. Thus, we selected, for our analysis, only the literary genres present in the reading activities of a collection of textbooks in Portuguese Language, titled "Vontade de Saber Português", by the authors Rosemeire Alves and Tatiane Brugnerotto, approved by the 2014 PNLD - Programa Nacional do Livro Didático (National Textbook Program) - selected from of its choice and usage in one of the largest public schools in Cuiabá, Mato Grosso, in number of students enrolled, a total of 2,300. Our goal was to first identify which genres of the literary sphere are present in each volume of the collection, then, to check what are the activities that specifically address reading and, finally, to verify which reading skills these activities mobilize, and, if, for a fact, they contribute or not to the development of the reader skills of the student. For that, we turn to some assumptions of the enunciative-discoursive theory of Bakhtin and the Circle, that, in this context, allied to other contributions, such as critical literacy and fundamentals of Vygotsky's conception for the understanding of aspects of language, ideology and interaction, which influence in the learning and constitution of social subjects, as well as Freire's, which have inspired the studies of critical literacy. This is a research of documental analysis, of qualitative and dialogical approach. For methodological purposes, we conducted a quantitative survey that provided information for qualitative analysis. Data analysis revealed that the incidence of texts in genres of thr literary sphere is unrepresentative, under two aspects. First, in relation to the total amount of texts in genres of other spheres, and secondly, in relation to the quantity of those used for reading activities. In addition, the educational treatment given to reading activities does not favor the mobilization of reading capabilities capable of fostering the student's autonomy, and it does not promote a transforming education. Thus, in general, the collection contributes little to the formation of literary and critical literacy of elementary school students in the public schools that use it. We hope that this work can contribute to reflections on the need for a reader formation in the school context, with particular emphasis on critical literacy in various school levels, supporting the development of specific skills for reading not only genres of the literary sphere, but in other spheres of human activity.
Keywords: Literary Reading and Critical Literacy; Formation of readers, Textbook of Portuguese Language
LISTA DE QUADROS
Quadro 1 – Capacidades de leitura do volume do 7º ano ..................................... 63
LISTA DE GRÁFICOS
Gráfico 01 - Total de ocorrências dos textos literários no volume do 6º Ano ......... 58
Gráfico 02 - Distribuição dos textos literários na seção de leitura do 6º Ano ......... 58
Gráfico 03 - Total de ocorrências dos textos literários no volume do 7º Ano ......... 59
Gráfico 04 - Distribuição dos textos literários na seção de leitura do 7º Ano ......... 59
Gráfico 05 - Total de ocorrências dos textos literários no volume do 8º Ano ......... 60
Gráfico 06 - Distribuição dos textos literários na seção de leitura do 8º Ano ......... 60
Gráfico 07 - Total de ocorrências dos textos literários no volume do 9º Ano ......... 61
Gráfico 08 - Distribuição dos textos literários na seção de leitura do 9º Ano ......... 61
Gráfico 09 - Análise geral das atividades de nos gêneros da esfera literária .......... 62
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ...................................................................................................... 1
CAPITULO1 ALGUMAS CONSIDERAÇÕES SOBRE LETRAMENTO ............. 13
1.1 Teorias de letramento: abordagem histórica .................................................. 15
1.2 Letramento(s) ................................................................................................. 15
1.3 Letramento crítico .......................................................................................... 17
1.4 Capacidades de leitura e a promoção do letramento ..................................... 20
1.4.1 Capacidades de decodificação ................................................................... 21
1.4.2 Capacidades de compreensão ................................................................... 21
1.4.3 Capacidades de apreciação e réplica do leitor em relação ao texto .......... 22
1.5 Ensino de literatura e o letramento crítico-literário ........................................ 23
1.6 O livro didático na construção do letramento ................................................ 29
1.7 O Programa Nacional do Livro Didático ........................................................ 31
1.8 O livro didático de Português: questão autoral ............................................. 33
CAPÍTULO 2 FUNDAMENTOS TEÓRICOS E METODOLÓGICOS ................. 38
2.1 Visão Bakhtiniana .......................................................................................... 38
2.1.1 Interação verbal e o dialogismo ................................................................. 39
2.2 Linguagem, aprendizagem e desenvolvimento na perspectiva de Vygotsky 41
2.2.2 Mediação simbólica na construção do aprendizado .................................... 42
2.2.3 Zona de Desenvolvimento Proximal .......................................................... 43
2.3 A Pedagogia de Paulo Freire ..................................................................... 44
2 .4 Os gêneros do discurso como objetos de ensino e de aprendizagem ..... 46
2.4.1 Os gêneros do discurso e os PCN ............................................................ 49
2.4.2 O gênero do discurso e seus elementos constitutivos .............................. 50
2.5 Breves considerações metodológicas .......................................................... 52
2.5.1 Breve descrição da obra selecionada ......................................................... 53
2.5.2 Critérios de escolha para a seleção dos gêneros para compor a análise
qualitativa ............................................................................................................
55
2.6 A teoria enunciativo-discursiva na pesquisa em Ciências Humanas ........... 55
2.7 Metodologia de geração e análise de dados: algumas constatações
quantitativas ........................................................................................................
56
CAPÍTULO 3 - A SELEÇÃO DAS AMOSTRAS PARA A ANÁLISE
QUALITATIVA .....................................................................................................
63
3.1 Abordagem qualitativa: descrição das capacidades de leitura das atividades
com gêneros da esfera literária na obra didática .................................................
63
CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................. 99
REFERÊNCIAS .................................................................................................... 111
1
INTRODUÇÃO
O desenvolvimento teórico e metodológico das últimas décadas trouxe
avanços significativos não só no campo das ciências da linguagem como também no
campo da leitura. Esses avanços foram influenciados, por exemplo, pela inserção do
conceito dos gêneros dos estudos bakhtiniano, a partir dos Parâmetros Curriculares
Nacionais, que nortearam aspectos teórico-metodológicos da disciplina Língua
Portuguesa, tendo como objeto de ensino o texto. Além desta mudança, houve
também contribuições importantes oriundas de outras áreas, como a psicolinguística,
sociolinguística e análise do discurso, que se incorporaram nesse processo para
compreender o fenômeno da linguagem. Nesse sentido, as mudanças não
envolveram apenas o estudo da língua e aspectos da produção escrita, mas o da
leitura e do texto literário. A questão da leitura desprendeu-se, por um lado, dos
vínculos com a alfabetização e, de outro, teve ampliados o campo e abrangência de
pesquisas na área.
Entretanto, esse não foi o único fator a influenciar uma nova abordagem sobre
a leitura, mas também a constatação, no universo intelectual, através de pesquisas
mais recentes, da chamada “crise de leitura”, resultante de dois fatores: a carência
na área da educação, incluindo-se, nesse contexto, as deficiências do processo de
alfabetização nas escolas, como também a pequena quantidade de leitura de textos
em sala de aula. Por outro lado, destaca-se a concorrência dos meios de
comunicação de massa que, na opinião dos educadores, afasta o público da matéria
escrita e cria outros hábitos de consumo, além de prejudicar a relação do leitor com
o universo social e cultural.
Assim, a leitura passou a ser estudada sob diferentes bases teóricas por
estudiosos como Freire, Kleiman, Rojo, Pereira, e tantos outros pesquisadores na
tentativa de compreender seus processos e suas interferências nos diferentes
contextos sociais em que ela acontece. Sabemos que as novas formas de produção,
configuração e circulação dos textos, tendo em vista as modernas tecnologias da
informação, implicam também mudanças na concepção de leitura, suscitando vários
questionamentos de pesquisa, no sentido de descortinar as ideologias e de
compreender como se dão as relações de poder mediadas pela linguagem nestes
ambientes.
2
Segundo Rojo (2012), a contemporaneidade e, sobretudo, os
textos/enunciados contemporâneos colocam novos desafios para ação pedagógica,
a qual não pode ficar alheia às práticas de letramentos e das teorias. Em nossa
opinião, esses desafios se caracterizam pelo modo como a linguagem é usada nos
mais diferentes contextos de atividade humana, exigindo novas estratégias de
ensino, além das tradicionais práticas de sala de aula. Esses desafios tornam-se
cada vez mais evidentes, de maneira mais expressiva, em razão dos resultados1 dos
sistemas de avaliação de ensino a respeito do baixo rendimento de alunos das
escolas brasileiras, em relação à leitura e a escrita.
O ensino-aprendizagem de língua portuguesa tem sido ponto de avaliação
nos últimos anos, haja vista que os Parâmetros Curriculares Nacionais - PCN (1998),
bem como a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, orientam que o aluno
precisa desenvolver pleno domínio da leitura e da escrita. Entretanto, os sistemas de
avaliação de ensino têm revelado que os alunos brasileiros desenvolvem
capacidades mínimas de leitura e de escrita. Podemos inferir então que as
capacidades consideradas necessárias não estão sendo desenvolvidas pela escola,
em especial as que evocam um trabalho de base contextual, discursiva, inferencial,
dialógica e ideológica que, a nosso ver, são fundamentais para o letramento crítico.
Segundo os PCN, o objetivo principal do ensino de Língua Portuguesa é o
domínio da linguagem. E dentro dessa vertente está o ensino da leitura, para o
domínio de uma competência leitora. Mas sabemos que formar leitores é algo que
requer condições favoráveis, não só em relação aos recursos materiais disponíveis,
mas, principalmente, em relação ao uso que se faz deles nas práticas de leitura.
Ainda de acordo com esse documento, é nos primeiros ciclos que se formam
os leitores. Mas sabemos que esta não é uma tarefa fácil, partindo do pressuposto
de que a leitura não começa exatamente nessas séries, levando em consideração
as concepções de Freire (1967), ao considerar que a leitura de mundo precede a
leitura da palavra. Portanto, ela começa muito antes da criança ir para a escola,
entendendo a leitura como provocadora e atribuidora de sentidos sobre diferentes
1 A avaliação de leitura foi o foco das edições de 2000 e 2009 do PISA, e a edição de 2012 não
apresentou grandes alterações na matriz de avaliação. Basicamente, foi incluída a avaliação de
leitura eletrônica e a elaboração de constructos relacionados ao envolvimento com leitura e
metacognição. [...] O Brasil registra um percentual significativamente mais baixo de estudantes com
proficiência em leitura abaixo do Nível 2. Fonte: Relatório Nacional PISA 2012: Resultados brasileiros
p. 41
3
fatos da vida em sociedade. Nesse sentido, podemos dizer que a leitura está
intimamente ligada a um conjunto de elementos extralinguísticos que são
convocados para constituir o sentido e a compreensão da situação imediata e,
consequentemente, da interpretação da realidade.
Ancoramo-nos ainda nos PCN para compreendermos a forma como este
documento define, em linhas gerais, o movimento metodológico para o ensino da
língua portuguesa, incluindo também o ensino de leitura, que é o nosso objetivo.
Assim, as diretrizes norteadoras para o professor são aquelas que devem
caracterizar uma ação metodológica de reflexão da ação, ou seja, práticas que
levem o aluno a pensar sobre suas atividades linguísticas, o modo como usa a
linguagem e suas ações enquanto sujeitos que ocupam um lugar na sociedade, de
tal modo que venham ampliar sua competência discursiva para as práticas de
escuta, leitura e produção de textos.
Em relação ao texto literário, os PCN (1998, p.26) descrevem-no como um
fenômeno de representação e estilo em que predominam a imaginação e a fruição
estética. Entretanto, salientam que tal texto, embora esteja atrelado a um modo
muito particular de dar formas às experiências humanas, não está limitado a critérios
de observação e descrição da realidade; ao contrário, este ultrapassa e transgride
todas as fronteiras da realidade humana para constituir outra mediação de sentidos
entre o sujeito e o mundo, entre um objeto e outro, de forma a autorizar uma
mediação ficcional e reinterpretativa do mundo atual e dos mundos possíveis.
Alicerçado nesta concepção, o documento apresenta algumas sugestões didáticas
especificamente para a formação de leitores.
Dessa forma, levando em conta o grau de independência do aluno para a
tarefa, o professor poderá selecionar situações didáticas adequadas que permitam
ao aluno ora exercitar-se na leitura de tipos de texto para os quais já tenha
construído uma competência, ora empenhar-se no desenvolvimento de novas
estratégias para poder ler textos menos familiares, o que demandará maior
intervenção do professor. Tais atividades podem ocorrer com maior ou menor
frequência, em função dos objetivos de ensino-aprendizagem. Para tal
procedimento, ainda propõem-se algumas estratégias para o ensino de leitura, tais
como: leitura autônoma, leitura colaborativa, leitura em voz alta pelo professor,
leitura programada e leitura de escolha pessoal. PCN (1998).
4
Com base no que esse documento propõe, pode-se, temporariamente, eleger
um gênero específico, de um determinado autor ou um tema de interesse. E, a partir
daí, desenvolver todo o processo de ensino de leitura. Os dados abaixo revelam os
índices do Pisa 2- Programa Internacional de Avaliação de Estudantes - uma
avaliação aplicada a estudantes na faixa dos 15 anos, que acontece a cada três
anos e abrange três áreas do conhecimento – Leitura, Matemática e Ciências –
havendo, a cada edição do programa, maior ênfase em cada uma dessas áreas. Em
2000, o foco foi em Leitura; em 2003, Matemática; e em 2006, Ciências. O Pisa 2009
iniciou um novo ciclo do programa, com o foco novamente recaindo sobre o domínio
de Leitura; em 2012, novamente Matemática; e em 2015, Ciências.
Pisa 2000 Pisa 2003 Pisa 2006 Pisa 2009 Pisa 2012
Número de alunos
participantes 4.893 4.452 9.295 20.127 18.589
Leitura 396 403 393 412 410
Matemática 334 356 370 386 391
Ciências 375 390 390 405 405
Os dados acima revelam que os resultados em 2012, em relação ao ano de
2009, apresentaram uma queda no quesito leitura. Por outro lado, a OCDE -
Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico - apontou que o
Brasil teve um crescimento em todas as notas, alcançando o 10º lugar no ranking
internacional de crescimento, em relação à nota do teste de leitura, entre os 59
países avaliados (PISA/2009). De acordo com a OCDE, o aumento no índice foi de
16 pontos de 368, em 2000; para 412, em 2009. Entretanto, o mesmo sistema
adverte que as notas médias do Brasil continuam baixas, em relação à média
estipulada em 6,0 pela OCDE. Esta nota é uma meta nacional para o IDEB – Índice
de Desenvolvimento da Educação Básica, criado pelo INEP, em 2007. Essa é uma
meta que o Brasil deve atingir em 2021. O Ideb é calculado a partir de dois
componentes: taxa de rendimento escolar (aprovação) e médias de desempenho
nos exames padronizados aplicados pelo Inep. Os índices de aprovação são
obtidos a partir do Censo Escolar, realizado anualmente pelo Inep. As médias de
desempenho utilizadas são as da Prova Brasil (para Idebs de escolas e
municípios) e do Saeb (no caso dos Idebs dos estados e nacional). Os dados
2 http://portal.inep.gov.br/pisa-programa-internacional-de-avaliacao-de-alunos. Acesso em 12/07/2014.
5
também revelaram que 49, 2 % dos alunos brasileiros não alcançam o nível 2 de
desempenho. Dos 65 países participantes, o Brasil ficou em 58º lugar no âmbito
educacional (incluindo os testes de matemática e ciências) e em 55º no teste de
leitura.
Em nosso ponto de vista, uma das alternativas para minimizar os problemas
relacionados à leitura, de diversas ordens, seria um trabalho voltado para o
desenvolvimento de capacidades leitoras, na perspectiva do letramento crítico, uma
vez que tal abordagem busca desenvolver a consciência do aluno para que ele
possa se posicionar de forma crítica na sociedade. Partindo desse pressuposto, o
desenvolvimento dessas capacidades pode ser desde as séries iniciais,
acompanhando toda a formação escolar do aluno, estendendo-se também para os
textos literários. Nesta perspectiva, concordamos com as sugestões metodológicas
de Pinheiro (2013, p. 45): “é fundamental pensar procedimentos que fujam da
tradicional aula expositiva de literatura, das abordagens que têm como ponto de
partida não o texto, mas informações históricas formais, temáticas sobre autores e
obras”. Em nossa compreensão, estes procedimentos estão contemplados à luz do
letramento crítico que almejamos.
Rojo (2009), ao abordar estes mesmos temas, reflete sobre os termos
alfabetização e letramento(s) e discute a relação dos processos de fracasso escolar
com a exclusão social. Aponta como prioridade a necessidade de dimensionar a
ação didática de alfabetizar e letrar num país de tanta desigualdade social. Segundo
a pesquisadora, os resultados obtidos nas últimas avaliações, como SAEB,
SARESP, Prova Brasil e Enem não são satisfatórios, pois estes refletem as
propostas de ensino oferecidas pelas práticas escolares e que configuram uma
ineficácia das práticas didáticas.
Assim, podemos deduzir com base no que priorizam os documentos oficiais
ora descritos, a respeito do ensino de leitura, que os resultados revelados pela
pesquisa desta pesquisadora demonstram uma realidade oposta, portanto diferente
dos objetivos que propunham alcançar com o trabalho de leitura. Ainda segundo
esta estudiosa, as provas do Enem revelam a cada ano essa disparidade entre o
que é proposto e ensinado nas escolas, pois os alunos do Ensino Médio apresentam
muitas dificuldades de leitura e escrita, principalmente porque nesses processos são
exigidas certas capacidades, até então não desenvolvidas, e muito menos
6
trabalhadas no contexto escolar, como a ampliação de repertório, leitura intertextual
e interdiscursiva de diversos textos.
Assim, diante dessa realidade que aflora no contexto educacional,
pesquisadores e educadores tentam buscar metodologias que possam minimizar
esse quadro acerca do ensino-aprendizagem e contribuir para o letramento dos
alunos. Pesquisas mais recentes têm apontado o letramento crítico como uma das
alternativas no desenvolvimento de capacidades leitoras, de maneira que o aluno
possa não somente compreender o uso da linguagem nas diferentes práticas de
interação humana, mas saber colocar-se como sujeito ativo no processo de
transformação social.
É nesta perspectiva teórica que a nossa pesquisa se insere, com o objetivo de
discutir a formação do leitor crítico, mais especificamente o leitor da esfera literária, a
partir da observação de atividades de leitura de uma coleção de livros de Língua
Portuguesa do Ensino Fundamental, intitulada “Vontade de aprender português”,
adotada em 2014, pela escola Presidente Médici, na cidade de Cuiabá, Mato
Grosso. Com relação às atividades de leitura perguntamo-nos de que forma elas
contribuem para o letramento dos alunos, de maneira que possam atuar com
capacidade autônoma sobre essas práticas?
Na década de 70, aconteceram grandes avanços na literatura do Brasil. Sua
introdução na escola, após a ditadura, trouxe produções de textos sem vigilância e
toda herança de uma escrita controlada transformou-se e renovou-se, dando
oportunidades aos alunos de pensar, criar e recriar, construindo sua própria leitura,
transformando e reconstruindo o texto conforme sua imaginação.
Hoje, escola e professores encontram-se confrontados com novas tarefas:
fazer da escola um lugar mais atraente para os alunos e fornecer-lhes as chaves
para uma compreensão das mudanças que vêm se desenvolvendo e para o tipo de
sociedade que apontam: a da informação e do conhecimento, onde a rapidez das
mudanças se alia ao fenômeno da globalização, o qual exige um alto grau de
competitividade que, por conseguinte, exigirá a disposição para aprender e
reaprender continuamente. Por acreditarmos que a literatura contempla toda forma
de leitura possível, nos propusemos a investigar, através deste recorte, as atividades
de leitura, verificando que capacidades leitoras são mobilizadas nessas atividades,
para tanto; optamos pelos gêneros da esfera literária.
7
De acordo com Cândido (2004), por mais que existam teóricos que discutam
a prática e as estratégias que aprimorem o ensino da literatura e proponham obras
que despertem o interesse dos alunos pela leitura, estes ainda não atingiram um
estado ideal, já que até mesmo pessoas de nível superior leem pouco ou quase
nada.
Podemos inferir que uma das causas do pouco interesse dos alunos pela
leitura esteja relacionada ao modo como esta é concebida e ensinada nas escolas,
às vezes distante da realidade do aluno. Os fatos ocorrem muito rapidamente em
nossa sociedade, a forma de comunicação também, logo as estratégias devem
acompanhar essas mudanças.
Além disso, esbarramos aqui em outro ponto muito importante deste
processo, a questão dos interesses editoriais, tornando o livro um material caro e
isso acarreta o pouco acesso pela maioria da população pertencente a uma classe
social menos favorecida. Coadunamos com o pensamento de Cândido (2004), ao
afirmar que a literatura é um direito de todos, tanto quanto as necessidades básicas
para a sobrevivência, uma vez que ela faz parte da vida, da natureza humana, no
sentido de contribuir para construção da identidade, do mesmo modo que as
necessidades básicas conferem dignidade ao ser humano. Assim, todos têm direito
à voz, de dizer a palavra, de contar suas histórias, sua cultura, suas crenças, suas
ideologias.
A escolha por esse objeto de análise sustenta-se no fato de ser o livro
didático uma das ferramentas mais utilizadas na sala de aula para mediar conteúdos
e conhecimentos característicos do ensino-aprendizagem. Optamos pela esfera
literária porque concordamos mais uma vez com Cândido (2004), que vê na
literatura não somente uma função social, mas também humanizadora, no sentido de
poder atuar na formação do individuo, pois, segundo o autor, ela não corrompe nem
edifica, mas humaniza no sentido profundo, porque faz viver.
Para tanto, adotamos como critério de seleção para escolha da coleção a ser
analisada o fato de ser a mais utilizada entre as maiores escolas públicas da cidade
de Cuiabá, em número de alunos matriculados: “Vontade de Saber Português”, das
autoras Rosemeire Alves e Tatiane Brugnerotto, Editora FTD. Para proceder à
investigação, elegemos três perguntas que nortearam nossas pesquisas, de modo
que pudéssemos respondê-las ao final deste trabalho. Assim, num primeiro
momento, buscamos identificar os gêneros do discurso presentes nessa coletânea.
8
No segundo momento, verificar quais desses gêneros são pertencentes a esfera
literária, e quais os textos são explorados em atividades de leitura e, por último,
verificar que capacidades leitoras são mobilizadas nessas atividades, e de que forma
tal mobilização contribui para a formação do leitor crítico literário. Capacidade leitora,
segundo Rojo (2004), é a capacidade que o aluno adquire ao se posicionar como
leitor crítico de textos, percebendo suas relações interdiscursivas, ideológicas e
políticas. Tal capacidade pode ser desenvolvida mediante estratégias de ensino,
levando em conta os múltiplos letramentos existentes em nossa sociedade.
Assim, pretendemos apresentar algumas reflexões sobre as práticas sociais
da leitura e ampliar os conhecimentos quanto ao(s) letramento(s) e letramento crítico
e sua importância para a formação crítica do aluno. A leitura é um fenômeno
necessário para promover certas capacidades do leitor não somente cognitivas, mas
sociais, culturais, políticas, afetivas entre outras, principalmente porque essa prática
está também atrelada à outra prática, a do letramento. Porém, sobre este tema,
discorreremos mais adiante.
Rojo (2004), ao refletir sobre o percurso histórico da leitura, a partir do início
do século passado, define-a como uma forma simplista e de valor associativo de
processo de decodificação. Dentro desse panorama processual, a leitura se
restringia somente à ação de mera alfabetização. Estava condicionada apenas ao
conhecimento do código linguístico, com característica linear e sucessiva,
mobilizando capacidades mínimas durante o ato de ler.
Somente após 50 anos de intensas pesquisas e estudos, é que a leitura
recebe novos olhares, de forma significativa, agora não mais como mera
transposição de um código, mas como meio de compreensão, que envolve
conhecimento de mundo, abordagem significativa de procedimentos, em que o leitor,
num processo de interação com o autor, mobiliza capacidades leitoras.
Rojo (2004) ainda destaca que a leitura tem sido considerada um fenômeno
quase elitista, partindo do pressuposto de que apenas uma parcela da sociedade
chega efetivamente a ler, mesmo que grande parte possa estudar. Pois a simples
escolarização não leva à formação de leitores e produtores proficientes, essas
práticas são insuficientes para desenvolver as capacidades necessárias exigidas
pela sociedade contemporânea. É preciso ir muito além da simples leitura
decodificada, é necessário um trabalho voltado para as práticas de letramento, o que
possibilita ao professor empregar estratégias de ensino que dê ao aluno condições
9
para o desenvolvimento de capacidades leitoras para uma formação crítica da
realidade. Mais recentemente, a autora, com base nos pressupostos do dialogismo
bakhtiniano, defende que “a leitura é vista como um ato de se colocar em relação a
um discurso (texto) com outros discursos anteriores a ele, emaranhados nele e
posteriores a ele, com possibilidades infinitas de réplica, gerando novos
discursos/textos” (ROJO, 2004, p.3). Aqui há, em nossa opinião, uma possibilidade
do leitor tomar a palavra, assumir uma voz discursiva a partir do momento em que se
coloca dentro do processo de enunciação discursiva através da leitura.
Vale ressaltar que o discurso/texto nesta abordagem é visto como conjunto de
sentidos e apreciações valoradas pelas pessoas sobre as pessoas, objetos e coisas
do mundo, além de outros elementos que são importantes na construção dos
sentidos no ato de ler, que são o lugar social do autor e do leitor, mediado pela
situação de interação entre eles, as finalidades da leitura e da produção do texto, a
esfera social de comunicação em que o ato da leitura se dá. De acordo com Rojo
(2004), nesta vertente teórica, as capacidades discursivas e linguísticas estão
crucialmente envolvidas.
Assim, não há dúvida de que essas capacidades só podem ser desenvolvidas
através da leitura, de forma planejada, orientada e estimulada por mediadores de
aprendizagem – neste caso, pessoas, autores de determinada obra, - pois a
criticidade só atingirá o seu ápice quando houver de fato falantes de uma
determinada língua com capacidade, nas palavras de Gnerre (1991), de mobilizar a
palavra para exercer influência no ambiente em que realizam os atos linguísticos.
Pois a linguagem não é usada somente para veicular informação, mas comunicar ao
ouvinte a posição que o falante ocupa ou pensa ocupar na sociedade em que vive.
Para que haja a leitura crítica, a compreensão do discurso, é necessário que o leitor
perceba a relação tênue que existe entre linguagem e poder. Somente quando
houver uma percepção da construção politico-histórica da língua é que será possível
compreender as relações de dominação e consequente exclusão social.
Ainda sob este mesmo aparato teórico, essas relações foram constituídas ao
longo da história, em que a língua sempre acompanhou o processo de dominação.
Privilegiou-se, num dado momento histórico, as gramáticas das línguas românicas,
que foram instituídas como um dos instrumentos de legitimação do poder de uma
variedade linguística sobre as outras, desenvolvendo, desse modo, toda uma
perspectiva ideológica. Logo, o poder das palavras é enorme, especialmente porque
10
carrega todo um conjunto de tradição, de valores culturais, ideológicos, sobretudo de
poder. Assim, algumas palavras exercem poder, principalmente aquelas que
encerram, em cada cultura, o conjunto de crenças e valores aceitos e codificados
pelas classes dominantes.
Podemos depreender que todo esse processo de construção ideológica é
desconhecido pela maioria dos estudantes brasileiros. Embora participantes de
diversas práticas de letramento, ainda não adquiriram capacidade tal de
compreensão, o que nos leva a concordar com este mesmo autor, quando afirma
que “é necessário um aparato de conhecimentos sociopolíticos relativamente amplos
para poder ter acesso à compreensão e principalmente à produção das mensagens
de nível sociopolítico”. (GNERRE, 1991, p. 21)
Desse modo, podemos inferir que a leitura, para ser compreendida em seu
sentido mais amplo e profícuo, deve estar alinhada a um estudo sobre a linguagem,
de forma reflexiva, questionadora, num debate aberto sobre questões de diversas
ordens em que o sujeito participa e compartilha suas experiências, atitudes, crenças,
criando hipóteses sobre essa mesma língua, sua natureza, suas funções sociais e
os valores, assumindo, assim, interpretações recíprocas sobre si mesmo e o mundo.
Sabemos também que, em alguns casos, a linguagem pode impedir a comunicação
de informações para grandes setores da população, uma vez que nem todos têm a
capacidade de leitura desenvolvida, como, por exemplo, no caso de um noticiário, a
compreensão pode não acontecer pelo fato de não ocorrer a construção do sentido.
Geraldi (2014) questiona o conceito de letramento, da modernidade, e
defende que o problema fundamental no ensino não está na mudança do nome de
uma prática de ensino, mas na mistura de duas realidades distintas: tanto quando se
fala em diferentes níveis de letramento ou diferentes letramentos, quanto na
destruição desigual dos bens culturais na sociedade. Nas palavras deste
pesquisador, somos letrados e iletrados ao mesmo tempo, considerando-se a
diversidade própria das sociedades, pois não circulamos em todas as esferas de
comunicação social com a mesma habilidade.
Destaca, ainda, que “o letramento é difícil de ser especificado, porque remete
tanto a um estado do sujeito quanto às habilidades que ele tem de movimentar-se
num mundo povoado por textos” (GERALDI, 2014, p. 26). Em seu ponto de vista,
afirma que não cabe à escola introduzir para o estudante todos os gêneros do
discurso em circulação na sociedade, pois, se assim o fosse, este não terminaria
11
seus estudos porque sempre estaria “iletrado”. Ao contrário disto, cabe à escola
reconhecer a multiplicidade de gêneros existentes em nossa sociedade, a partir
disso, suscitar uma seleção prévia para o trabalho pedagógico. Neste sentido, estão
seguramente textos pertencentes aos campos da literatura e das artes, considerados
como bens culturais, patrimônio da humanidade, os quais devem ser privilegiados
pela escola.
A pesquisa é documental com base metodológica de natureza quanti-
qualitativa. Temos como base teórica as contribuições da concepção dialógica da
linguagem alicerçada no pensamento de Bakhtin e seu Círculo, numa perspectiva
enunciativo-discursiva. A concepção enunciativo-discursiva, sob o viés bakhtiniano,
considera a linguagem como uma atividade humana, produzida no espaço social,
constituída por signos ideológicos e dialógicos. Nesse sentido, a palavra é a
primazia de todo o processo de interação social. É o elo de comunicação entre o eu
e um tu, mergulhados numa cadeia ininterrupta de discursos.
A linguagem nessa concepção ultrapassa toda a materialidade linguística,
uma vez que não se restringe meramente aspectos verbais, mas incorpora
fenômenos do extraverbal, sendo, portanto, alvo de diversas manifestações
linguístico-discursivas. Além disso, outros pressupostos corroboram para a
compreensão dos fenômenos linguísticos, como os de Freire e sua concepção
pedagógica sobre o ensino-aprendizagem, os de Vygotsky e seus aportes referentes
à constituição dos sujeitos no processo de interação social, entre vários que, no
decorrer desta pesquisa, se fizeram necessários e que estão dispostos nas
referências bibliográficas. Assim, procuramos ordenar nossos estudos da seguinte
forma:
No capítulo 1, apresentamos alguns aspectos históricos e conceituais sobre
letramento(s), letramento crítico e também alguns aspectos teóricos e históricos da
literatura;
No capítulo 2, apresentamos algumas contribuições do pensamento de
Bakhtin e o Círculo, no que se refere à concepção de linguagem e de gêneros
discursivos, além de outros aparatos teóricos, como os de Vygotsky, Freire e os da
chamada Pedagogia Crítica, a visão de Kleiman, Pereira, entre outros
pesquisadores, a respeito do letramento crítico. Neste mesmo capítulo, descrevemos
a metodologia de pesquisa, os passos que percorremos durante os processos de
levantamento e coleta dos dados, a abordagem quantitativa da obra didática e os
12
gráficos contendo os percentuais dos gêneros encontrados mediante catalogação e
classificação referente às atividades de leitura e do letramento crítico.
No capitulo 3, apresentamos a análise qualitativa de uma unidade do volume
do 7º ano, conforme critérios descritos no capítulo de metodologia, buscando
identificar e compreender as capacidades leitoras mobilizadas nas atividades de
leitura à luz das teorias que sustentam esta pesquisa.
Nas considerações finais, finalizamos nossos trabalhos com algumas
reflexões acerca dos resultados da análise qualitativa seguida das referências
bibliográficas.
13
CAPITULO 1 ALGUMAS CONSIDERAÇÕES SOBRE LETRAMENTO
Neste tópico, pretendemos apresentar algumas concepções sobre o
letramento e suas variedades como, por exemplo, os letramento(s) e letramento
crítico. Para tanto, abordaremos um panorama geral sobre o termo, desde o seu
surgimento até as novas concepções nos dias atuais. Tal estudo se faz necessário
pelo fato de ser uma das principais abordagens que nortearão nossas reflexões
acerca não somente da leitura, mas no desenvolvimento de capacidades leitoras
que podem ser mobilizadas em atividades de leitura sob o viés desta teoria. De tal
modo que possa contribuir para a formação integrada do ser humano, como leitor
critico literário, com possibilidades para atuar de forma autônoma e emancipatória
em diversas práticas sociais do uso da leitura e da escrita.
1.1 Teorias de letramento: abordagem histórica
O conceito de letramento surge primeiramente na Europa, a partir de
algumas reflexões feitas por pesquisadores e estudiosos da área de educação ao
perceberem que, mesmo a escola tendo trabalhado com atividades de leitura e
escrita, seus alunos, após concluírem seus estudos, não atingiam certos níveis de
proficiência para atuarem em uma sociedade que exige o domínio do uso da leitura
e da escrita. Diante desse contexto, começa-se a questionar o ensino para tentar
explicar o porquê da falta de proficiência, já que o analfabetismo era mínimo.
Vale ressaltar que, nesse período, o letramento estava vinculado a uma
concepção apenas de alfabetização. Começa-se a perceber uma visão mais ampla
da linguagem e que havia uma necessidade de trabalhar com metodologias,
estratégias e recursos diferentes, que proporcionassem ao aluno o desenvolvimento
de certas capacidades para atuar fora dos limites da escola.
Nesse sentido, o termo letramento diz respeito às práticas sociais do uso da
leitura e da escrita, ainda que possam existir pessoas analfabetas que não leem e
nem escrevem, mas que conseguem participar dessas práticas a partir de suas
experiências de vida e na interação com outras pessoas.
No Brasil, o termo aparece nos primeiros escritos da estudiosa Kato (1987),
ao discutir este mesmo assunto, porém para designar uma concepção diferente às
práticas do uso linguagem, distintamente do que fora atribuído na realidade
europeia. Em outras palavras, na Europa, o analfabetismo era pouco expressivo em
relação ao Brasil. Ainda assim, os estudantes saíam do Ensino Médio com
capacidades mínimas de leitura e escrita. Ao contrário do Brasil, que apresentava
14
índices mais elevados de analfabetos, no entanto, participavam de modo efetivo de
diversas práticas letradas. É por isso que Kato (1987) enfatiza que, no começo do
século XX, o Brasil apresentava um índice bastante expressivo de analfabetismo (ao
contrário da Europa), e o nível de escolaridade daqueles que concluíam o ensino
básico também era pouco evidente. Entretanto, esse público era participante de
práticas sociais diversificadas, o que contribuía para promover várias capacidades
do uso da linguagem.
Deste modo, percebeu-se a necessidade de investigar os fenômenos que
envolviam essas práticas discursivas, mediante o processo de ensino e
aprendizagem, para além da simples ação de alfabetizar. O letramento, aqui, é
concebido como uma apropriação, uma nova maneira de usar a linguagem, em
contextos sociais em que a leitura e a escrita circulam. Essas práticas até então
eram “invisíveis” sob o ponto de vista dos estudiosos da linguagem.
Para isso, foi necessário lançar mão de vários tipos de conhecimentos na
tentativa de explicar e compreender como a leitura atuava na formação do
desempenho discursivo, contribuindo para o aumento do nível de letramento e
possibilitando o desvelar dos discursos, das ideologias e a percepção do poder da
linguagem, de modo a engajar o aluno num processo de emancipação.
É neste contexto, em meio a inúmeros acontecimentos históricos,
tecnológicos e científicos, que o letramento surge para responder as indagações do
novo modelo social linguístico e interativo em que os sujeitos se encontram e se
constituem. Para compreendermos um pouco mais esta temática, ancoramo-nos
também em Soares (2010), que faz algumas considerações ao revisitar
pesquisadores que investigam esta nova maneira de enxergar o ensino de leitura e
da escrita na perspectiva do letramento. O termo letramento assume um impacto
muito maior dentro da linguística somente a partir da década de 80, movida pelas
mudanças sociais ocorridas nas últimas décadas, que contribuíram para o
surgimento de novas formas de usar a linguagem.
A autora enfatiza que a palavra letramento é uma tradução para o português
da palavra inglesa literacy, que significa a condição de ser letrado. Entende-se por
letrado, nesse contexto, aquele que não só sabe ler e escrever, mas faz uso
competente da leitura e da escrita nas diferentes práticas sociais. Faz-se
necessário diferenciar o termo letramento de outro, a alfabetização.
15
Para Soares (2010:38), “o nível de letramento de grupos sociais relaciona-se
fundamentalmente com suas condições sociais, culturais e econômicas. É preciso
que haja, pois, condições para o letramento”. Infere-se que essas condições estão
atreladas a uma escolarização real e efetiva, um ensino de qualidade, em que as
estratégias de ensino e o ambiente corroboram para a aprendizagem do aluno.
Podemos entender também que, dentro dessas condições, sejam contempladas
aquelas atividades que a escola ainda não reconhece como práticas de letramento.
Para Kleiman (1995, p.6), “o letramento surge como uma forma de explicar o
impacto da escrita em todas as esferas de atividades e não somente nas atividades
escolares”. Vale ressaltar que são inúmeros os eventos sociais em que a leitura e a
escrita se fazem presentes, muito além do que é proposto pela escola. Assim, em
nossa compreensão, é necessário adotar uma ação pedagógica em que as mais
diversificadas práticas de letramento sejam contempladas possibilitando aos alunos
modos de se relacionar e usar a linguagem. Por isso, é interessante que a escola
redefina o modelo de ensino-aprendizagem, pois a linguagem escrita na escola
necessita articular-se a todas as atividades humanas nas quais as pessoas estão
envolvidas. Precisa estar em movimento, a serviço da aprendizagem da reflexão
sobre o mundo e sobre o lugar dos estudantes neste mundo.
Deve servir para que os alunos possam se movimentar com mais autonomia
diante dos desafios e ampliar seus horizontes, suas perspectivas e visões sobre si
mesmos e sobre o que os cerca. Em nosso ponto de vista, é a partir do que os
estudantes são, do que conhecem e do que desejam para si próprios e para suas
comunidades que eles podem atribuir sentidos aos conteúdos ensinados na escola.
E cada um tem caminhos singulares para atribuir significados ao conhecimento.
1.2 Letramento(s)
O termo letramento busca recobrir os usos e práticas socais de linguagem que envolvem a escrita de uma ou de outra maneira, sejam eles valorizados ou não valorizados, locais ou globais, recobrindo contextos sociais diversos (família, igreja, trabalho, mídias, escola etc), numa perspectiva sociológica, antropológica e sociocultural. (ROJO, 2009, p. 98) .
Segundo Rojo, esse conceito tornou-se mais claro para os estudiosos do
letramento a partir das contribuições de Street (1984), que inaugura os novos
estudos do letramento e que foi divulgada no Brasil, sobretudo por Kleiman (1995).
Na visão da pesquisadora, as abordagens mais recentes dos letramentos têm
apontado para a heterogeneidade das práticas sociais de leitura, escrita e uso de
16
língua(gem). Rojo destaca as contribuições de Soares (1998), que embasou suas
análises em Street (1984). Para este autor, existem duas versões para o conceito de
letramento: a fraca e a forte. A fraca está relacionada ao enfoque autônomo, estaria
ligada a mecanismos de adaptação da população às necessidades e exigências
sociais do uso da leitura e escrita. Já a versão forte se aproxima do enfoque
ideológico, também da visão de Freire em relação à alfabetização, de cunho
revolucionário, crítica, na medida em que não colaboraria para a adaptação do
cidadão às exigências sociais, mas para o resgate da autoestima, para a construção
de identidades fortes, para a potencialização de poderes (empoderamento,
empowerment), dos agentes sociais. (ROJO, 2009, p. 100).
Podemos perceber que muitas são as teorias que buscam compreender as
práticas de letramento, como uma das alternativas para trabalhar a leitura e a escrita
dos alunos. Sobre este tema, ancoramo-nos uma vez mais em Rojo (2004), ao
defender que a escola tem um papel fundamental no desenvolvimento de ações que
promovam o letramento escolar, no sentido de destacar que um dos principais
objetivos da escola é possibilitar diversas estratégias de ensino que deem acesso à
participação nas várias práticas sociais que se utilizam da leitura e da escrita, que
nada mais é do que os letramentos, na vida, na cidade, de maneira ética, critica e
democrática. Isso implica o acesso a outros espaços valorizados de cultura e outras
mídias lógicas e digitais.
Assim, o termo letramento(s), no plural, indica complexidade e multiplicidade
de práticas, que a autora nomeia de letramentos múltiplos, alguns deles dominantes,
como o letramento escolar, jurídico, acadêmico, literário, burocrático; outros
considerados marginais e desvalorizados, como os que fazem parte do cotidiano das
culturas locais e populares. Semelhantemente, Corti etal (2012) apresenta sua
concepção acerca deste tema e as várias práticas de letramento:
São várias as práticas de letramento nas quais os jovens se engajam todos os dias: leitura de textos religiosos, emails, salas de bate-papo, portais de busca, sites de relacionamento, grupos de teatro, cursos extracurriculares, entre outras. (CORTI, 2012: 15)
A autora destaca que esses letramentos não são reconhecidos pela escola, o
que acaba por tornar “invisíveis” essas práticas em torno das atividades sociais de
ler, escrever e falar. Podemos perceber que as duas estudiosas concordam num
mesmo aspecto: o letramento existe fora da escola, porém não é considerado pelos
professores. É lamentável não reconhecê-lo, pois várias atividades de leitura e
17
escrita poderiam ocorrer a partir dele. E, com isso, proporcionar aos alunos novas
informações e conhecimentos para poderem compreender o mundo, as relações de
poder e, assim, ganharem competência leitora.
Assim, essa maneira de pensar o uso da linguagem, de forma critica e
questionadora, tem levado outros pesquisadores da linguística a investigar
estratégias de ensino numa relação entre teoria e prática, de modo que os alunos
ultrapassem a capacidade de ler e escrever, dando-lhes condições linguísticas
argumentativas para se posicionarem frente aos diferentes discursos circulantes na
sociedade.
1.3 Letramento crítico
O letramento crítico ainda apresenta um caráter de novidade no Brasil, visto
que são poucas as obras traduzidas em português. Num panorama geral, surgiu
aproximadamente em 1996, com uma equipe de pesquisadores denominada New
London Group, cujo objeto de estudo era investigar e discutir sobre os rumos da
pedagogia de alfabetização frente à rápida mudança do processo de globalização,
tecnologia e aumento da diversidade cultural e social. O principal objetivo era
garantir o aprendizado para todos os alunos para que pudessem participar
ativamente das diversas práticas letradas da sociedade.
Nesses estudos, identificaram alguns elementos importantes que descreviam
as atividades de um indivíduo, como eles se identificavam, ao ler e ao criar um novo
texto usando diferentes códigos. A identificação desses códigos concebeu-se como
novo letramento, denominado “metalinguagem”, pois compreendiam a importância
deste fenômeno para o trabalho com a linguagem.
Assim, todo esse material linguístico tornou-se um componente essencial
para uma proposta educacional comprometida com um ensino voltado para os novos
letramentos, que apresenta estratégias e formas condicionadoras capazes de
promover a transformação do sujeito quando envolvido numa pedagogia de viés
emancipatório.
No Brasil, há também pesquisadores preocupados com uma pedagogia
crítica, fundada na ética, no respeito à dignidade e autonomia do educando. Para
compreendermos o contexto brasileiro, revisitaremos Freire (1967), por ser a base
para uma proposta de educação como prática libertadora, que pode ser promovida
através do letramento crítico.
18
Não é no silêncio que os homens se fazem, mas na palavra, no trabalho, na ação-reflexão. Mas, se dizer a palavra verdadeira, que é trabalho, que é práxis, é transformar o mundo, dizer a palavra não é privilégio de alguns homens, mas direito de todos os homens. (FREIRE, 1967, p. 108)
Para que haja, de fato, uma conscientização e uma reflexão crítica em relação
à cidadania, é necessário, em nossa concepção, o confronto de várias
subjetividades mediadas pelo diálogo, pois é no encontro que se dão os sentidos. É
na interação com o outro que os sujeitos se constroem histórica e ideologicamente
enquanto participantes de outros contextos sociais.
Desse modo, o diálogo assume um papel fundamental na constituição da
consciência, que é essencialmente dialógica, por conta das relações que estabelece
com os outros e com o mundo. Nas palavras Freire, “a conscientização crítica
envolve ir além do saber ingênuo e do senso comum que consiste em confrontar
interpretações e valores diferentes e perceber-se nesse processo por meio do
contínuo questionamento”. Entendemos que o questionamento pode ser
compreendido como um estímulo ao processo de interpretação e,
consequentemente, à produção do conhecimento.
Assim, através da expansão do processo de conhecimento, aprimora-se a
prática, que se configura não apenas como ação de criticar o conhecimento prévio,
uma situação ou um fato observado, mas criticar todo o processo de interpretação e
o conhecimento extraído deles. O letramento crítico parte do pressuposto de que a
linguagem é por natureza ideológica. Ela não é apenas um veículo de comunicação,
um instrumento; é muito mais que isso, é vista como arma social por excelência.
Pereira (2004) defende que a linguagem verbal é o veículo mais poderoso de
configuração e transmissão das ideologias sociais. Sendo assim, podemos
compreender que é pela linguagem que os valores são perpassados, as crenças, os
pensamentos cristalizados em nossa sociedade. Nesse sentido, podemos
depreender que, na abordagem crítica do letramento, significa perceber pela e na
linguagem as suas várias fronteiras ideológicas.
Para isto, não basta apenas a percepção, mas assumir-se enquanto cidadão,
reconhecer-se como sujeito social, que sabe o seu lugar no mundo, posicionar-se
em relação às problemáticas sociais, portanto não ser omisso ou conivente com as
misérias e corrupções da sociedade, mas colocar-se na posição de sujeito ativo,
condutor de sua própria leitura e percepção de mundo, interagindo com os
19
problemas político-sociais e, o mais importante de tudo, assumindo uma voz,
através do diálogo, numa atitude de ação-reflexão-ação para uma possível mudança
social e transformação de determinadas situações, até então “imutáveis”, sendo,
portanto, um cidadão livre para fazer suas escolhas. Portanto, o letramento crítico
contribui no processo de formação do leitor.
Nesse processo, a escola é o lugar social de ensino-aprendizagem de
conhecimento responsável pela formação do sujeito social, de construção da ética e
de circulação de valores ideologicos, portanto deve possibilitar ao aluno o acesso a
diferentes práticas de letramento para que possa se ver em condições de ler,
interpretar, ressignificar e escolher. Implica dizer que a leitura possibilita essas
percepções, quando trabalhadas as capacidades consideradas basilares no
desenvolvimento enunciativo-discursivo, através do diálogo.
As contribuições de Gee (1990) também nos ajudam a compreender um
pouco mais sobre o caráter ideológico da linguagem. Em seu ponto de vista, a
ideologia é um conjunto de práticas “naturalizadas”, “normalizadas” e “comumente
aceitas” sobre uma determinada realidade sociocultural. Nesse sentido, esses
modelos culturais são muito difíceis de “ver e ouvir”, entretanto têm uma influência
considerável sobre os signifcados veiculados pela linguagem.
Assim, todo discurso é ideologicamente “enviesado”, porque é sempre
manifestação de modelos culturais que representam um determinado ponto de vista
a que se visa conformar os indivíduos (leitores ou ouvintes), ao mesmo tempo em
que silencia outros modelos culturais, outros pontos de vista. Essas contribuições
nos levam a perceber que, de fato, nesse processo de circulação de significados, há
ideologicamente confrontos de valores, uma vez que cada participante traz consigo
novas práticas discursivas e diferentes valores culturais.
Para Monte Mór (2013), a habilidade crítica se revela um elemento
fundamental nas propostas educacionais que levam em conta as teorias e práticas
de letramentos. O desenvolvimento dessa habilidade se dá num processo expansivo
e de mão-dupla, voltado para a sociedade de agora.
Temos, ainda, as contribuições de Paes de Barros (prelo) sobre a
compreensão ativa, na visão bakhtiniana, fundamental, em sua opinião, para a
formação para o letramento crítico. A pesquisadora, ao tratar deste aspecto,
reafirma o pensamento bakhtiniano: para compreender o processo de construção do
20
sentido, é necessário reconhecer a palavra como um signo ideológico, entendido
como produto sócio-histórico cultural de uma dada sociedade.
Nesse grande cenário da linguagem, a palavra é por natureza ideológica,
assumindo uma significação nas mais diferentes esferas sociais. Desse modo, o
processo de compreensão ativa coaduna-se às concepções da pedagogia crítica,
em que o sujeito assume o papel de protagonista, de forma consciente, perceptível
aos discursos velados, assumindo uma atitude contra a opressão e as manipulações
de poder, capaz de posicionar-se criticamente numa postura libertadora.
Tais considerações sobre o letramento crítico são importantes para nossa
pesquisa porque acreditamos que através de suas propostas teórico-metodológicas
o aluno seja capaz de se tornar um indivíduo autônomo na interpretação das
ideologias e discursos que circulam na sociedade.
1.4. Capacidades de leitura e a promoção do letramento
O estudo e o ensino de leitura têm sido cada vez mais discutidos no âmbito
da educação brasileira. Podemos entender que este fenômeno é causado pelo
insucesso escolar diante da falta de proficiência leitora dos alunos. Assim, o Ceale3,
composto por um grupo de professores da Universidade de Minas Gerais, na
tentativa de compreender o fenômeno de apropriação da língua, além de
desenvolver projetos de pesquisas voltados para a alfabetização e letramento, assim
como a prática de leitura, buscam estratégias que possam minimizar este problema
social em nosso país.
A partir desses estudos, alguns pesquisadores começam então a pensar no
desenvolvimento de capacidades leitoras que pudessem intervir de maneira mais
eficiente no processo de leitura e escrita, diminuindo assim não somente o
analfabetismo, mas aumentando o letramento da grande maioria dos alunos da rede
pública de ensino. Dentre estes pesquisadores, destacamos novamente as
contribuições de Rojo (2004).
Nesta proposta, optou-se pelo uso do termo “capacidades” – amplo o
suficiente para abranger todos os níveis de progressão, desde os primeiros atos
motores indispensáveis à aquisição da escrita até as elaborações conceituais
3 Centro de alfabetização, leitura e escrita. FaE/UFMG. O Ceale integra a Rede Nacional de Centros
de Formação Continuada do Ministério da Educação.
21
(ampliações na compreensão da leitura, na produção textual e na seleção de
instrumentos diversificados para tais aprendizagens).
Assim, criou-se um modelo de práticas que permitissem à criança desde os
anos iniciais despertarem para o sentido da linguagem, seu uso e estilo nos
diferentes contextos e, desse modo, apropriar-se da leitura de forma prazerosa e
natural no cotidiano da sala de aula. Para tanto, desenvolveram-se alguns
procedimentos e estratégias de ensino de leitura para desenvolver as capacidades
consideradas necessárias para uma consciência cidadã.
Rojo (2004) esclarece que algumas capacidades são ensinadas e aprendidas
durante o processo de alfabetização, consideradas capacidades básicas, que são as
de decodificação, que envolve compreender diferenças entre escrita e outras formas
gráficas, entre outras; porém, estas capacidades não se dão por si sós, sem a
contribuição de outras capacidades de compreensão, apreciação e réplica.
Assim, foram pensadas outras capacidades que pudessem ativar o
desenvolvimento do intelecto para uma leitura mais significativa, que ultrapassasse
o simples ato de decodificação. Desse modo, pensou-se em procedimentos e
estratégias configurando todo o processo ensino-aprendizagem para mobilizar as
capacidades cognitivas, linguísticas, afetivas, discursivas, entre outras, numa
abordagem crítica e responsiva, capacidades fundamentais, a nosso ver, para o
desenvolvimento do letramento crítico.
Para tanto, descrevemos as capacidades leitoras, tomando como base as
contribuições de Rojo (2004), que as classifica em três grupos distintos:
1.4.1 Capacidades de decodificação – Referem-se àquelas capacidades em que o
aluno conhece o sistema alfabético, sabe como funciona, compreende a diferença
entre a escrita e outros sistemas de representação gráfica, decodifica e reconhece
palavras e textos escritos etc. A autora considera esta capacidade mínima, pois, ao
decodificar, não significa de fato que o aluno esteja lendo, partindo do pressuposto
de que a leitura é um processo em envolve alguns aspectos fundamentais na
compreensão do texto como, por exemplo, a interação e o sentido. Sendo assim, a
pesquisadora elenca mais duas capacidades necessárias para que a leitura seja
significativa e considerada adequada.
1.4.2 Capacidades de compreensão - esta capacidade envolve alguns
procedimentos estratégicos, mobilizando assim a cognição do aluno, como, por
exemplo: ativação de conhecimentos de mundo – está relacionada ao
22
conhecimento prévio que o aluno tem sobre o texto. Ou seja, o conhecimento de
outras leituras, de outros contextos, os quais são convocados no ato da leitura,
ativado na memória do leitor; antecipação de conteúdos e checagem de hipóteses -
o leitor cria algumas expectativas antes da leitura do texto a partir de seu título ou
alguma outra pista, levanta hipóteses, as quais poderão ser conferidas no final da
leitura; localização e comparação de informações – as duas capacidades direcionam
o aluno a identificar, buscar e comparar informações através do recurso de
localização, do copiar e colar.
É uma ação simples, pois é responder o que está explicitado no texto, o
óbvio; generalização é a capacidade que o leitor tem de guardar na memória uma
síntese do texto-fonte. É uma forma condensada, resumida, porém mantendo a sua
originalidade. E, por último, produção de inferências locais e globais – refere-se
respectivamente à compreensão dos vazios do texto, pois nem tudo é dito,
necessitando a atribuição de sentido em relação ao que foi discutido. A referência
local refere-se ao contexto imediato, aos parágrafos, frases e/ou períodos. Já na
global, conforme Rojo (2004, p. 6), “o leitor lança mão, ao mesmo tempo, de certas
pistas que o autor deixa no texto, do conjunto da significação já construída e de seus
conhecimentos de mundo, inclusive lógicos”.
1.4.3 Capacidades de apreciação e réplica do leitor em relação ao texto
(interpretação, interação)
Estão incluídas, neste grupo, as capacidades de recuperação do contexto de
produção. Para que a leitura faça sentido para o leitor, é necessário resgatar alguns
elementos fundamentais na construção do texto, como por exemplo: quem é o
autor? Que posição ele ocupa no contexto social? Quais são os fatos histórico-
sociais ocorridos no período de sua produção? Quais ideologias estavam em
vigência na época? Que tipo de público dialoga com o texto? Qual esfera social? Em
qual instituição ou veículo circula o texto? Esses são alguns dados relevantes na
construção do sentido e na compreensão geral do texto.
Definição de finalidades – todo texto tem uma finalidade para a qual foi
escrito. No entanto, é o leitor que vai determinar qual a razão de sua escolha, com
que objetivo lerá determinado texto, se para uma prova, para o trabalho, para buscar
informações ou para o divertimento. Destaca-se também dentro deste grupo, a
percepção de intertextualidade – esta capacidade está no nível temático. O leitor
23
estabelece com o texto que está lendo relações intertextuais com outros textos já
lidos, uma vez que todo texto pode fazer alusão a outro, responder ou replicar.
Capacidade de interdiscursividade – está no nível do discursivo. É perceber
que um determinando discurso pode ser colocado em relação com outros discursos
já conhecidos, que estão entrelaçados a este discurso.
Percepção de outras linguagens – é a capacidade de perceber não somente a
linguagem verbal escrita, mas outras compostas por imagens, ilustrações, som,
gráficos entre outros que contribuem para a construção do sentido.
Elaboração de apreciações estéticas e/ou afetivas – é a apreciação que o leitor faz
da leitura, se está sentindo prazer ao ler ou não. Se concorda ou não com o rumo
que o autor está dando à narrativa.
Elaboração de apreciações relativas a valores éticos e/ou políticos - esta
capacidade dá ao leitor a possibilidade debater, concordar ou refutar o que está
sendo tratado no texto. Leva o leitor a posicionar-se frente ao que esta sendo
discutido. O nosso objetivo aqui foi apresentar um panorama do que trata cada uma
dessas capacidades, uma vez que o conhecimento delas é fundamental e
determinante para as nossas análises.
1.5 Ensino de literatura e o letramento crítico-literário
O ensino de literatura, na maioria das escolas, tem sido enfocado
cronologicamente e traduzido numa abordagem canônica. Não se permite, na
maioria das vezes, a seleção de temas que contemplem o universo literário do aluno.
Em sua maioria, são abordados os textos já consagrados, até por uma questão
metodológica tradicional. Para Cereja (2004, p.320)
Qualquer que seja a opção metodológica de ensino, ela deve estar comprometida com a formação de leitores competentes para as necessidades do mundo contemporâneo. E, para isso, apostamos numa perspectiva dialógica como meio de orientar nossas ações pedagógicas.
Se o texto literário deve ser o principal objeto de estudo das aulas de
literatura, e não um discurso sobre a história da literatura, é preciso então levar em
conta que conhecimentos de diferentes áreas afins ─ História, Sociologia,
Psicologia, História da Arte ─ e, entre elas, a História da Literatura, podem ser
ferramentas úteis para lidar com o texto literário em todas as suas dimensões.
Assim, a interdisciplinaridade é fundamental para agregar não somente
informações, mas pode ser vista como uma abordagem integrada às questões
24
contemporâneas sobre o conhecimento. Desse modo, a integração e articulação dos
conteúdos entre disciplinas de forma contextual contribui para a formação de
múltiplas aprendizagens no âmbito da convivência, socialização e da participação
cidadã na vida pública. Podemos dizer então que a interdisciplinaridade é um
processo, é um produto da aprendizagem ativa dos alunos.
As obras literárias podem ser analisadas mediante uma abordagem
interdisciplinar, como exemplo podemos citar a obra “O Diário de Anne Frank”,
escrito por uma adolescente, Anne Frank que viveu os horrores da II Guerra
Mundial, num período que se estende entre 1942 a 1º de agosto 1944. Neste caso,
a história sustenta todo o contexto da produção literária, contribuindo muito para a
compreensão da narrativa. Em uma abordagem tradicional de ensino, o aluno
estuda as escolas numa sequência cronológica, tem-se a ideia de ruptura, de
recusa, o que prejudica o caráter reflexivo dos textos literários.
A nosso ver, o aluno precisa perceber e compreender que há um diálogo
permanente ou não entre as obras e textos literários, e que estes não podem ser
analisados isoladamente, pois em grande parte um texto serve como fonte para a
produção de outro. E que a abordagem interdisciplinar e contextual promove o
desenvolvimento de capacidade crítica.
Compagnon (1999), numa abordagem panorâmica da literatura, apresenta
alguns conceitos à luz de algumas teorias. Para este autor, num sentido amplo,
literatura é tudo o que é impresso ou manuscrito, equivale ao acervo da biblioteca.
Essa é a noção clássica, o que “compreende tudo o que a retórica e poética podiam
produzir não somente a ficção, mas também a história, a filosofia e a ciência, e ainda
toda a eloquência” (COMPAGNON, 1999, p, 31).
Já no sentido restrito, varia segundo as épocas e as culturas. No sentido
moderno, o critério de valor não está no literário nem no teórico, mas no ético, social
e ideológico. Podemos compreender, a partir dessas contribuições, que cada
período da história tentou definir o termo literatura. No nosso ponto de vista, essa
busca corresponde a uma tentativa de caracterizar a sociedade vigente, seus
valores, seus costumes, sua cultura, suas ideologias e seu povo. Pois, de acordo
com Aristóteles, citado por Compagnon, “a definição humanista da literatura,
enquanto conhecimento especial, é diferente do conhecimento filosófico e cientifico,
pois permite compreender e regular o comportamento humano e a vida social”
(COMPAGNON, 1999, p.35).
25
Pensando em nosso objeto de pesquisa, acreditamos que as atividades de
leitura com gêneros da esfera literária contribuem não somente para dar lugar ao
texto literário, objeto da literatura, na sala de aula, mas na sua dimensão social,
4fazer com que o aluno, enquanto ser consiga refletir sobre as infinitas relações
existentes no universo que o cerca, instigando-o a reconhecer-se como sujeito desse
meio, capaz de transformar situações aparentemente “imutáveis”.
Eagleton (2006) faz semelhante percurso histórico na tentativa de
compreender o fenômeno literário. Para o autor, a literatura está relacionada a juízo
de valor, com raízes em estruturas mais profundas que são as crenças e os valores
culturais. Os juízos de valor são constituídos historicamente, portanto tem estreita
relação com as ideologias sociais. Concordamos com este autor ao defender que a
literatura tem relação com as crenças e a cultura, pois em nosso ponto de vista, são
das tradições e dos costumes entre outros que o fenômeno literário surge e
sobrevive, tendo a história como sustentação. Neste sentido, vale reafirmar nosso
ponto de vista em relação ao letramento crítico, como uma das possibilidades no
desenvolvimento de capacidades, que se assemelha ao letramento literário, uma vez
que este último promove o desenvolvimento de capacidades críticas e
questionadoras.
No entanto, ressaltamos que optamos pelo letramento crítico pelo fato de
nosso objeto principal de estudo ser a leitura, a qual está presente em todas as
esferas sociais de atividade humana, que sob este olhar recebe maiores
possibilidades de análise, diferente do letramento literário, que contempla apenas o
campo da literatura. Mesmo assim, abordarmos sinteticamente este último porque
reconhecemos que também é importante no desenvolvimento de capacidades
leitoras.
O conceito de letramento apresentado por Soares (2006), como “estado ou
condição de quem não apenas sabe ler e escrever, mas cultiva e exerce as práticas
sociais que usam a escrita e a leitura” (SOARES, 2006, p. 18), já é consenso no
nosso país. Assim, o letramento literário seria, então, definido como estado ou
condição de quem não apenas é capaz de ler texto em verso e prosa, mas dele se
apodera, deixando a condição de simples expectador para a condição de leitor
4 Nosso conceito de literatura
26
literário ou mais precisamente “[...] o processo de apropriação da literatura enquanto
construção literária de sentidos” (PAULINO & COSSON, 2009, p. 67).
Com base nesta definição, podemos entender que o letramento literário não é
apenas uma habilidade pronta e acabada de ler textos literários, mas uma ação
permanente e atualizada do leitor centrada no seu universo literário. No cotidiano da
escola, mais especificamente no âmbito da sala de aula, os gêneros literários têm
exercido, muitas vezes, o papel de pretexto para ensinar aspectos gramaticais da
língua e como objetos de interpretações prontas e acabadas, e, quando não, são
vistos como mero passatempo.
Cosson aponta outro equívoco, o de associar a leitura literária ao mero
prazer, como se prazer ou desprazer pela leitura não fosse uma produção social e
cultural, pois ninguém nasce gostando ou não de ler; tendo prazer ou não pela
leitura. “Os defensores do mero prazer, por vezes, são contraditórios, pois o único
valor que atribuem à literatura é o reforço das habilidades linguísticas” (COSSON,
2006, p. 29). A pesquisadora Mello (2009) coaduna nesta mesma opinião.
a boa literatura perdeu espaço na vida social. E isto é grave. À medida que se perde um dos principais instrumentos para despertar o senso crítico e estético, torna-se mais fácil a dominação e a desumanização geral. Sim, a literatura e as artes são o que nos torna mais humanos; sua extinção é tão grave quanto à das espécies
animais e vegetais que lutamos por preservar. (MELLO, 2009, p.3).
Como podemos perceber, a história registra que, desde o seu surgimento, a
literatura tem cumprido um papel social muito importante, que é o de tentar explicar
como se dá a vida em sociedade. Assim, ao longo do tempo, serviu ora como
entretenimento para nobreza, ora para estabelecer normas de comportamento
sociais, também para contar a historia de um determinado povo e, mais tarde, como
edificação de símbolos nacionais, contribuindo, assim, para a construção da
identidade.
Mas alguns pesquisadores salientam que a literatura tem perdido o seu lugar,
até então privilegiado na vida social, devido aos interesses econômicos de seus
produtores. Não há dúvida de que a literatura é um poderoso instrumento de
combate, de denúncia, de negação, de confirmação, de pertencimento, portanto não
há como negar a relação que existe entre ela e a vida em sociedade.
De algum modo, todos se servem dela para dizer ao mundo as suas crenças,
seus costumes, suas ideologias, suas tragédias e suas normas, a fim de fortalecer
27
em cada momento histórico a sua presença e atuação. Decorre daí nossa escolha
por optar por atividades de leitura com gêneros da esfera literária porque atribuímos
à literatura o caráter ideológico e simbólico encarregado da transmissão de diversas
manifestações morais, éticas, ficcionais, além de formador da personalidade, como
também uma força poderosa da transmutação da própria realidade.
A leitura literária torna-se cada vez mais necessária nas atividades em sala de
aula, no sentido de dar ao aluno o direito de múltiplas significações, pois não se
transmite apenas um conhecimento, que resulta em aprendizado, mas, segundo
Cândido (2004), a atuação simultânea de três aspectos que constituem o cerne da
literatura, sendo o primeiro a construção de objetos autônomos com estrutura e
significado; o segundo como forma de expressão, manifestação das emoções e a
visão do mundo dos indivíduos e dos grupos; e o terceiro como forma de
conhecimento, inclusive como incorporação difusa do inconsciente. Nisto incide a
complexidade de sua natureza, que explica o papel contraditório, mas humanizador -
talvez contraditório porque é humanizador. Assim Cândido (2004) entende o
processo de humanização
o processo que confirma ao homem aqueles traços que reputamos essenciais, como o exercício da reflexão, a aquisição do saber, a boa disposição para com o próximo, o afinamento das emoções, a capacidade de penetrar nos problemas da vida, o senso da beleza, a percepção da complexidade do mundo e dos seres, o cultivo do humor. (CÂNDIDO, 2004, p.04)
Nessa concepção, a literatura desenvolve em nós a quota de humanidade na
medida em que nos torna mais compreensivos e abertos para a natureza, a
sociedade, o semelhante. Em outras palavras, desenvolve a nossa sensibilidade
para as situações do mundo, além de nosso senso crítico. Isso nos faz lembrar
Bakhtin e o seu dialogismo, que compreende a linguagem a partir de uma noção de
recepção e compreensão de uma enunciação, envolvendo num território comum
locutor e locutário, que ao se colocarem frente um ao outro produzem um movimento
dialógico. Nesse sentido, o sujeito não se constitui isoladamente, mas com outros
sujeitos em um dado momento histórico-social. Para Bakhtin, o sujeito é um ser de
resposta.
A compreensão de uma fala viva, de um enunciado vivo é sempre acompanhada de uma atitude responsiva ativa (conquanto o grau dessa atividade seja muito variável); toda compreensão é prenhe de resposta e, de uma forma ou de outra, forçosamente a produz: o ouvinte torna-se o locutor. [...] a compreensão responsiva nada mais é senão a fase inicial e preparatória para uma resposta (seja qual for
28
a forma de sua realização). [...] o enunciado não é uma unidade convencional, mas uma unidade real, estritamente delimitada pela alternância dos sujeitos falantes, e que termina por uma transferência da palavra ao outro, por algo como um mudo “dixi” percebido pelo ouvinte, como sinal de que o locutor terminou. [...] Cada réplica, por mais breve e fragmentária que seja, possui um acabamento específico que expressa a posição do locutor, sendo possível responder, sendo possível tomar, com relação a essa réplica, uma posição responsiva. (BAKHTIN, 1997, p. 295).
A partir dessas contribuições, podemos dizer que a linguagem literária dialoga
com outras áreas do conhecimento, suscitando respostas por meio dos enunciados,
dos temas e dos discursos evocados nas enunciações das obras. Nesse sentido, a
linguagem contribui na constituição do sujeito, pois a linguagem literária faz da
linguagem um objeto estético, e não meramente linguístico, do qual podemos inferir
significados de acordo com nossas singularidades e perspectivas. Em nossa opinião,
o letramento literário está estritamente relacionado ao letramento crítico, pois ambos
possibilitam o desenvolvimento de capacidades para uma leitura crítica e autônoma.
Para Gee (apud Lankshear, 1997), letramento crítico é a habilidade de justapor
discursos, e verificar como discursos competitivos formulam e reformulam elementos
variados, que dão origem a perguntas e questões sobre os interesses, objetivos e
relações de poder entre e dentro de discursos.
Assim, devido à nova ordem global na qual vigora a diferença, o letramento
crítico requer a criação de um novo discurso, com uma nova comunidade de
elementos humanos, que tenha como seu objetivo a reformulação de elementos, em
nome da justiça social proporcionando um tratamento mais humano para todos.
Neste sentido, o letramento crítico seria concretizado por duas abordagens
principais: engajamento crítico com e através dos textos, e prática social crítica.
Desse modo, está estritamente relacionado a engajar o sujeito em uma
atividade crítica ou problematizadora que se concretiza através da linguagem como
prática social. Em nosso ponto de vista, a leitura literária possibilita esse
engajamento, uma vez que a literatura é um fenômeno ideológico, de
representações sociais, possibilitando múltiplas interpretações e, tem uma relação
direta com os fatos que ocorrem na sociedade. O grau de envolvimento com a leitura
literária vai depender do que o leitor valora e sua visão de mundo, além de
conhecimentos prévios que são importantes na compreensão global do texto.
Podemos afirmar, então, que existem diferentes níveis de leitura de um texto
literário, como, por exemplo: a leitura superficial, horizontal, que se limita à
29
compreensão dos elementos mais imediatos e concretos do texto. Outro fenômeno
que pode dificultar a compreensão do texto e que pode limitar ou ampliar é o
conhecimento limitado da língua. Além disso, todo texto de algum modo carrega um
discurso, valores éticos e políticos o que pode provocar ou não algum tipo de
preconceito em sua escolha e adoção. Sobre esta atitude discriminatória com textos
literários, em especial em relação aos gêneros poéticos, Padilha (2005) salienta,
Criar algum gosto pela leitura e escrita de gêneros poéticos e formar leitores literários destes não depende somente de técnicas ou métodos didáticos, mas também exige um trabalho de reconhecimento e superação de preconceitos sociais, em direção ao acolhimento da diferença e da diversidade.Convivemos com estas crenças pré-concebidas, que destinam as práticas de leitura disto ou daquilo a certos atores e papéis sociais. Esta adjetivação não se dá somente em relação ao sexo, mas também em relação às classes sociais e outras tantas variáveis: o que se lê, o que se escuta, o que é “chique”, o que é “brega”, o que é moda, o que é cafona, ético. (PADILHA, 2005, p. 10).
Com base nas afirmações desta pesquisadora, podemos dizer que há certo
preconceito não só por parte de professores, mas da própria sociedade na seleção
de textos literários. Vale lembrar também que algumas escolhas vêm acompanhadas
de certos modismos. Isso, infelizmente, sobrepõe-se ao caráter simbólico e
ideológico da formação literária. Com isso, perdem-se algumas das possibilidades
para se trabalhar e explorar a obra literária, como por exemplo, o de contribuir para a
visão de mundo do aluno ou de um grupo, levando-os a posicionar-se para
transformar as relações de dominação existente em nossa sociedade. Nesta
perspectiva a leitura é, sem dúvida, uma ferramenta capaz de provocar no leitor o
espírito de criticidade.
1.6 O livro didático na construção do letramento
Macedo (2009) discute alguns aspectos que considera importantes para
abordar o assunto do letramento escolar. Suas investigações se voltam para o
cotidiano de uma turma do Ensino Fundamental em que o livro didático é o elemento
central de sua análise. As observações se centraram nos processos de interação
constituídos pelos alunos e a professora em torno do livro de português.
A autora buscou verificar de que forma se configuravam as interações
mediadas pelo livro didático. Como o discurso de ambos os sujeitos são construídos
nesse espaço? Que vozes o livro didático faz circular nesse ambiente? E como a
professora apropria-se desse instrumento em sua prática pedagógica?
30
O objetivo de nossa pesquisa não é muito diferente ao da pesquisadora
Macedo (2009), pois semelhantemente buscamos compreender de que forma o livro
didático contribui para o letramento dos alunos, e qual o seu papel na sala de aula,
embora estas perguntas não estejam contempladas inicialmente em nossas
propostas, pois hipoteticamente elencamos outras para verificar de que maneira as
atividades propostas pelo livro didático colaboram na formação leitora dos alunos.
Os apontamentos feitos por Macedo (2009) indicaram que a professora
dialoga com o livro didático, apropriando-se dessa ferramenta cultural de acordo com
os dispositivos que constituem o seu fazer pedagógico. No entanto, vale-se de
outros recursos para alternar os métodos de ensino, pois compreende que há a
necessidade de não se reproduzir linearmente o que o material propõe.
Desse modo, busca outros referenciais para modificá-lo, aqueles que julga
serem adequados para o desenvolvimento de certas capacidades linguísticas dos
alunos, como, por exemplo, as contribuições de Bakhtin (1981; 1995) e alguns
aspectos conceituais das contribuições sobre letramento descritas por Street (1984).
Com base nessas contribuições, podemos inferir que não há dúvida de que o
livro didático é um objeto de mediação de conhecimento na sala de aula, e que cabe
ao professor, como agente de letramento, priorizar o que é relevante em termos de
conteúdos e de métodos adequados para estabelecer a interação e a intervenção
pedagógica.
Em nossa concepção, quanto mais o aluno tiver contato com diferentes tipos
de atividades, maiores serão suas possibilidades de construir o seu aprendizado
para uma leitura crítica, consequentemente um nível de letramento maior, levando-o
a refletir em outros campos do saber, poder comparar e relacionar fatos que ocorrem
na sociedade, compreender as relações ideológicas, inferir e construir significados.
O acesso às diversas práticas letradas e o conhecimento das coisas, de
alguma forma, contribui para a participação e a inserção social, pelo fato de o sujeito
não mais assumir uma postura passiva, mas se tornar autônomo, protagonista de
seu tempo.
Acreditamos que isso só é possível através da leitura que, em nossa opinião,
é vista como um processo “ativo”, que implica não apenas a capacidade para
compreender um texto, um objeto, o mundo, mas a capacidade de refletir sobre o
que está sendo dito, de envolver-se, a partir de ideias e experiências próprias.
31
1.7 O Programa Nacional do Livro Didático
Segundo Batista (2003), o Programa Nacional do Livro Didático (PNLD) é
uma iniciativa do Ministério de Educação (MEC) que tem como principal objetivo
auxiliar o trabalho pedagógico dos professores por meio da distribuição de coleções
de livros didáticos aos alunos da educação básica. Esse trabalho tem sido realizado
por meio do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE), autarquia
federal vinculada ao MEC e responsável pela captação de recursos para o
financiamento de programas voltados para o ensino fundamental.
A partir de 1996, o MEC passou a desenvolver e executar um conjunto de
medidas para avaliar sistemática e continuamente o livro didático brasileiro, a fim de
debater com os diferentes setores envolvidos em sua produção e consumo. Nas
considerações de Batista, o envolvimento do MEC com o material didático até então
se limitava à Fundação de Assistência ao Estudante (FAE), executor do Programa
Nacional do Livro Didático até a extinção do órgão em 1997.
Na opinião deste mesmo autor, em nenhum momento o ministério se
propunha a discutir a qualidade dos livros que adquiria. No entanto, a partir da
década de 60, algumas investigações apontaram para o caráter ideológico e
discriminatório do livro didático, além de revelar a baixa qualidade, sua
desatualização, incorreções conceituais e suas insuficiências metodológicas, apesar
de ser a principal ferramenta utilizada por professores e alunos, seja em razão de
uma inadequada formação de professores, seja em razão de precárias condições de
trabalho.
E com o decorrer dos anos, o livro didático se tornou um dos principais fatores
que influenciam o fazer pedagógico, determinando sua finalidade, definindo o
currículo, cristalizando abordagens metodológicas; enfim, organizando o cotidiano
da sala de aula. Mediante estas afirmações, podemos inferir que, a principio, não
houve uma preocupação com a qualidade do que era produzido, entretanto
pesquisadores já reconheciam a importância de assumir uma postura mais crítica
em relação a esse objeto de ensino e melhorar a sua qualidade por intermédio de
uma política que pudesse exigir critérios para melhoria, como também para capacitar
adequadamente o professor para avaliar e selecionar o manual a ser utilizado em
sala de aula.
Além de Batista (2003), outros pesquisadores como Rojo (2003), Bunzen
(2004/2009), Pinheiro (2006) também têm tomado o livro didático de português como
32
objeto de estudo, e cada um seleciona e o recorta conforme seus critérios teórico-
metodológicos. Percebemos, com isso, que o índice de pesquisas nessa área tem
crescido consideravelmente, talvez pelo fato, como dissemos acima, de ser o
principal recurso utilizado na sala de aula da escola brasileira.
As análises de Rojo (2004), em alguns materiais didáticos do Ensino
Fundamental, evidenciaram uma abordagem estrutural e cristalizadora de currículos,
além de certa homogeneização das propostas e práticas didáticas. Muito embora
algumas obras apresentassem referências mais recentes, mantinham-se as
propostas pautadas na tradição. Podemos depreender que essa homogeneização
apaga as singularidades dos sujeitos, a sua subjetividade, o modo de perceber-se
no mundo, pois a homogeneização padroniza a aprendizagem dos alunos sob um
único aspecto, de que todos aprendem, e aprendem de uma só forma. Assim, os
pesquisadores Rojo e Batista (2003), numa análise de livros didáticos destinados ao
Ensino Fundamental, constataram que
em todos os domínios de ensino de língua materna nos quais os livros são avaliados, há o privilégio da norma culta, língua padrão, língua escrita, gêneros e contextos de circulação pertencentes à cultura da escrita (jornalísticos, literários e de divulgação científica, sobretudo; portanto, urbanos e, no caso brasileiro, sulistas). Na abordagem de leitura dos textos, são priorizados o trabalho temático e estrutural ou formal sobre estes, ficando as abordagens discursivas ou a réplica ativa em segundo plano. [...] (ROJO e BATISTA 2003, p. 19-20)
Não há dúvida de que a norma e a forma da língua são prioridades nesses
materiais; segundo os autores, esses trabalhos estão baseados na gramática
normativa, e nas “formas cultas da língua padrão, nunca explorando diferentes
variedades sociais ou geográficas da língua efetivamente em uso”. (ROJO e
BATISTA, 2003). Esse dado nos revela que a prioridade maior não é dialogar com
os documentos oficiais, os PCN de língua portuguesa, ao privilegiar o padrão culto
da língua em detrimento da oralidade, desconsiderando a variedade e a
heterogeneidade linguística.
Desse modo, podemos inferir que ainda prevalece uma proposta de ensino de
caráter tradicional, pautado em regras da língua, distante do uso efetivo e dinâmico
da linguagem. Em nossa opinião, ao privilegiar o ensino com bases nas gramáticas
normativas, exclui-se o que é de mais essencial e fundamental da linguagem
humana, as mudanças linguísticas que advêm da interação entre sujeitos falantes,
que são, por natureza, situados sócio-historicamente.
33
Na tradição, a língua não é vista como modeladora de discursos, de
ideologias, e não carrega em si uma historicidade, como também não é detentora de
representações do mundo e de outras práticas sociais de comunicação e interação.
1.8 O livro didático de Português: questão autoral
Neste campo de investigação, diversos são os pesquisadores que têm
buscado compreender como se dá o diálogo entre o discurso autoral e o discurso
oficial, discutindo e analisando propostas didáticas, cujo objetivo é verificar que
teoria, método e atividades são contemplados nos manuais, objetos de tais análises,
já que todos esses fatores são fundamentais para um ensino-aprendizagem
significativo.
Dentre esses pesquisadores, recorremos novamente às contribuições de
Padilha (2005) que, ao analisar 07 coleções do Ensino Fundamental, percorreu duas
vias de análise: a primeira se constituiu na compreensão do discurso poético,
ancorada nas formulações do Círculo de Bakhtin; e a segunda, na investigação das
formas de escolarização dos gêneros poéticos nas obras didáticas examinadas,
selecionadas de acordo com sua proposta metodológica de pesquisa.
Assim, buscou obter, na confluência destes dois caminhos, respostas para a
questão da formação do leitor literário, tanto na dimensão teórica, concebendo os
gêneros poéticos como gêneros discursivos e objetos estéticos, como também na
dimensão didática, entendendo-os em sua condição de gêneros escolarizados. Os
resultados revelaram, nas palavras da autora
que a inserção de bons textos, de autores renomados, que escrevem obras direcionadas para o público infantil, tudo isso não vai garantir a apropriação dos aspectos literários pelos alunos leitores, caso não seja proporcionado ao aluno um ensino que favoreça de fato sua formação progressiva como leitor literário, para além do tempo e espaço escolares. (PADILHA, 2005, p.164)
Sob este viés, podemos refletir um pouco sobre a autoria dos sujeitos que
direta ou indiretamente utilizam o livro didático como ferramenta para mediar o
conhecimento, embora este não seja o nosso foco. Primeiro, temos a escolha do
autor do livro didático que seleciona determinados autores para compor o repertório
de conteúdos. Inferimos que essa escolha reflete suas concepções ideológicas, a
sua visão de mundo, e consequentemente o modo como concebe o ensino de
língua(gem). Segundo, temos o discurso autoral, o dos documentos oficiais e, por
último, a autoria do aluno que suscita ser trabalhada. Portanto, são autorias que
34
precisam ser consideradas no processo de ensino-aprendizagem. Assim,
perguntamo-nos: de que forma essas autorias se correspondem?
Podemos deduzir que, pelas pesquisas acadêmicas, na maioria das vezes, a
elaboração do material dialoga com os documentos oficiais, como os PCN, por
exemplo, buscando atender ao que é proposto, em termos de ensino, e também ao
chamado mercado editorial. Porém, a nossa preocupação é quanto à autoria do
aluno, cercada pelas vozes do discurso autoral, ou seja, dos autores e
organizadores de material didático e o oficial, que mencionamos acima. A pesquisa
de Padilha (2005) nos leva a perceber os limites dessas vozes e suas contradições.
Sua pesquisa com gêneros da esfera literária revelou uma preferência maior por
autores consagrados e que os mesmos não garantem a formação do leitor literário.
A pesquisa de Padilha (2005) revela
O livro didático de Língua Portuguesa dialoga também com os documentos oficiais, com as teorias da Linguística, da Psicologia, da Educação. Portanto, a sua concepção está impregnada de avaliações acerca dos atores envolvidos (documentos oficiais, escolas, políticas públicas, práticas pedagógicas, estudantes, professores e as coerções da esfera editorial), em uma relação entre vozes (autorais e oficiais), numa complexa rede de relações dialógicas que se tensionam entre forças centrípetas e centrífugas e acabam por determinar um todo arquitetônico para o livro didático: “A obra pedagógica será constituída e acabada pela força motriz que é a posição valorativa do autor e todos os elementos que a compõem estarão alinhavados e intermediados pelo discurso autoral” (PADILHA, 2005, p.81).
Podemos presumir, portanto, que as atividades propostas por esses manuais,
principalmente para os textos em gêneros da esfera literária, não estão formando
alunos com capacidade crítica por estarem alicerçadas às propostas de cunho mais
gramatical/formal que discursivo, o que revela a preocupação de seus autores
didáticos em atender às exigências das orientações didáticas tradicionais, portanto
aquém da realidade linguística de nossos alunos que não falam por normas rígidas
da língua, mas utilizam uma oralidade cercada por discursos de diversas ordens e
que não é considerada pela escola nas atividades de leitura.
Ainda sob as contribuições de Padilha (2005), com relação às propostas
didáticas:
A obra didática apega-se, na maioria das vezes, como pudemos verificar em nossa análise de atividades, aos estudos tradicionais oriundos da teoria literária, atravessados por concepções formalistas que privilegiam os aspectos da forma composicional sem se preocupar com a construção dos sentidos do texto ou com uma
35
leitura que promova uma ampliação da visão do aluno sobre os processos estéticos de criação dos objetos poéticos, e desprezando, por outro lado, os contextos sócio-históricos em que se inscrevem as produções literárias que compõem as coletâneas. (PADILHA, 2005, p. 238)
De acordo com a pesquisadora, o livro didático vai seguir uma abordagem
estilística restrita aos territórios textuais das obras, ou seja, priorizando muito mais
aspectos gramaticais que discursivos, num tratamento centrado na exploração das
estratégias cognitivas básicas de leitura, aquelas voltadas para a compreensão do
texto, além disso, essa abordagem se estende também aos gêneros poéticos.
É fundamental, em nossa opinião, a compreensão desses fenômenos, já que
tomamos para nossas análises um objeto de mediação para o ensino-aprendizagem
de língua, como também de leitura: o livro didático de português. Nesse sentido, vale
ressaltar que, na maioria das vezes, a abordagem dada ao livro didático é de cunho
mais sistêmico que discursivo. Isso se justifica, em nosso ponto de vista, por uma
forte tendência para atender ao mercado editorial, este impulsionado pelo sistema
capitalista e subjugado a interesses políticos, os quais se revelam nos documentos
oficiais, em outras palavras, o material didático para ser aprovado deve dialogar com
esses documentos institucionais legalmente aceito para parametrizar todas as áreas
do currículo.
Em nossa opinião, esses documentos foram também pensados previamente
para atender determinados interesses políticos e econômicos, uma vez que é
estabelecido aquilo que se deve ensinar com base em determinadas teorias e não
em outras, o que nos leva a pensar que há um interesse em formar um pensamento
culturamente massificado, pois ambos precisam dialogar, o livro com os documentos
oficiais. O primeiro é obrigado a seguir tais regras, caso contrário não sobrevive a
esse mercado.
O segundo representa a governabilidade, que precisa atender aos anseios de
uma sociedade, mas ao mesmo tempo necessita controlá-la para que não haja
nenhum tipo de revolução social, portanto o caminho é a massificação do
conhecimento, de forma oculta, ou seja, a formação direcionada e alienante do aluno
para atender possíveis dominações futuras. O que nos chamou a atenção para a
análise acima foi a observação das perguntas das atividades de leitura, pelo fato de
que exploram muito pouco as capacidades leitoras dos alunos, uma vez que
tradicionalmente as perguntas giram em torno do desenvolvimento de capacidades
36
cognitivas apenas, dando pouca ênfase às discursivas. Rojo (2004), a respeito
deste mesmo assunto, nos esclarece.
[...] é permitir a nossos alunos a confiança na possibilidade e as capacidades necessárias ao exercício pleno da compreensão. Portanto, trata-se de nos acercarmos da palavra não de maneira autoritária, colada ao discurso do autor, para repeti-lo “de cór”; mas de maneira internamente persuasiva, isto é, podendo penetrar plasticamente, flexivelmente as palavras do autor, mesclar-nos a elas, fazendo de suas palavras nossas palavras, para adotá-las,
contrariá-las, criticá-las, em permanente revisão e réplica. (ROJO,
2004, p. 7)
Podemos depreender que o lugar social para o desenvolvimento dessas
capacidades é a escola, por se tratar de um ambiente que contribui para a promoção
do letramento, no qual se intercruzam várias disciplinas com objetivos afins, com o
objetivo de elevar o nível de proficiência dos alunos nas práticas de leitura e escrita.
Bakhtin (1934-35) nos ajuda a compreender um pouco mais:
o ensino das disciplinas verbais conhece duas modalidades básicas escolares de transmissão que assimila o [discurso de] outrem (do texto, das regras, dos exemplos): “de cór” e “com suas próprias palavras”. […] O objetivo da assimilação da palavra de outrem adquire um sentido ainda mais profundo e mais importante no processo de formação ideológica do homem, no sentido exato do
termo (BAKHTIN. (1934-35/1975, p 142)
Assim, nesta concepção, as palavras do outro se tornam as bases de nossa
atitude ideológica em relação a nós mesmos e em relação ao mundo, pois num
contínuo processo dialógico-discursivo nos constituímos com o outro por meio da
linguagem. Para Buzen (2009), ampliar as análises do livro didático significa
percorrer um caminho metodológico pautado numa perspectiva enunciativo-
discursiva de base bakhtiniana, que suscita uma investigação completa e
multifacetada, o que implica assumir um posicionamento e perceber o livro didático
como um gênero do discurso, historicamente datado, que vem a atender a
interesses de uma esfera de produção e circulação e que dessa situação sócio-
histórica retira seus temas, formas composicionais e seu estilo didático próprio.
Nas palavras deste autor, os temas estão carregados de valor ideológico, em
nossa visão, isto, de certo modo, direciona para uma constituição de sujeito que
queremos formar, já que os textos são previamente escolhidos, com seus
respectivos temas, logo, há certo direcionamento. Já a forma composicional e o
estilo têm um endereçamento especifico próprio dessa esfera que, naturalmente, faz
37
parte da produção, recepção e circulação desse material, entre agentes, como
alunos, professores, autores do material didático, avaliadores, editores entre outros.
No próximo capitulo, apresentamos os dados de nossa pesquisa,
quantificados de acordo com alguns critérios metodológicos à luz das teorias que
sustentam nosso estudo.
38
CAPÍTULO 2 FUNDAMENTOS TEÓRICOS E METODOLÓGICOS
Na primeira parte deste capítulo, são apresentadas algumas reflexões sobre a
concepção de linguagem e suas implicações no ensino-aprendizagem. Para isso,
aliamos-nos às contribuições dos pensadores Mikhail Bakhtin, Vygotsky e Freire pela
razão dos três teóricos coadunarem com o pensamento de linguagem como
processo de interação e constituição das relações sociais e, portanto, dos indivíduos
e de sua consciência. Já na segunda parte, trazemos as considerações
metodológicas que parametrizaram nossa pesquisa, explicitando as informações
sobre o nosso objeto, os objetivos e as questões de pesquisa, bem como a
metodologia de análise dos dados gerados no processo investigativo.
2.1 Visão Bakhtiniana
Mikhail Bakktin é considerado um dos principais pensadores do século XX.
Dada a sua contribuição aos estudos de linguagem, despertou os olhares de outros
estudiosos acerca desse fenômeno. Desenvolveu conceitos e teorias que podem ser
estudados e aplicados em outras áreas do conhecimento, partindo do pressuposto
de que o ser humano, de algum modo, está ligado ao processo constante de
interação com o outro mediado pela linguagem. Desse modo, pensamos refletir, com
este autor, algumas noções disseminadas hoje como, por exemplo, gênero,
interação verbal e dialogismo, para posteriormente pensar as atividades de leitura
sob o viés do letramentro crítico.
Vale lembrar que Bakhtin desenvolveu seus conceitos de forma
compartilhada com um grupo de intelectuais russos próximos, configuração autoral
que tem se denominado como “Círculo de Bakhtin” ou, numa denominação mais
recente, “Bakhtin e o Círculo”. Na visão bakhtiniana, os sentidos são construídos
durante a relação de alteridade, e estes são de alguma forma negociados, o que
pressupõe o envolvimento de categorias verbais internas e externas:
A fala só existe, na realidade, na forma concreta dos enunciados de um indivíduo: do sujeito de um discurso-fala. O discurso se molda sempre à forma do enunciado que pertence a um sujeito falante e não pode existir fora dessa forma. Quaisquer que sejam o volume, o conteúdo, a composição, os enunciados sempre possuem, como unidades da comunicação verbal, características estruturais que lhes são comuns, e, acima de tudo, fronteiras claramente delimitadas. (BAKHTIN, 1997 , p. 294).
39
Assim, todas as atividades humanas são mediadas pela linguagem. Nesse
sentido, é impossível pensar a linguagem sem relacioná-la a processos discursivos,
imbricados em fatores sociais, políticos, culturais e ideológicos. Em nossa
compreensão, o discurso, na perspectiva bakhtiniana, não é apenas um dizer
linguístico, mas um dizer dentro de um contexto social ideologicamente construído e
constituído por apreciação valorativa dos sujeitos envolvidos no processo.
Diferentemente de outros estudiosos de sua época, Bakhtin se preocupou em
descrever o fenômeno “vivo” acerca da interação humana e dedicou-se a estudar os
sentidos produzidos pelos enunciados em determinadas situações do uso da
linguagem. Conforme Bakhtin/VolochÍnov (1929/2006)
A verdadeira substância da língua não é constituída por um sistema abstrato de formas linguísticas, nem pela enunciação monológica isolada, nem pelo ato psicofisiológico de sua produção, mas pelo fenômeno social da interação verbal, realizada através da enunciação ou das enunciações. A interação verbal constitui assim a realidade fundamental da língua. (BAKHTIN/VOLOCHINOV, 1929/2006, p. 127).
Desse modo, Bakhtin e o Círculo inovam ao pensar a linguagem como
processo de interação verbal, constituída entre sujeitos históricos e sociais. Nessa
perspectiva, a língua não se apresenta pronta, acabada, sistematizada; ao contrário,
é dinâmica, produz sentidos determinados por inúmeros fatores que contribuem para
isso: condições de produção, história, crenças e valores dos sujeitos, além dos
papéis sociais que esses ocupam dentro das esferas de atividade humana.
Concordamos também com o pensamento de Brait5, ao compreender que os
sentidos são, de certo modo, negociados, dada a tensão que é inerente à atividade
discursiva, pois há uma necessidade de ambos os sujeitos marcarem sua posição no
processo do qual fazem parte.
2.1.1 Interação verbal e o dialogismo
Com Bakhtin, podemos perceber que os sujeitos são inconclusos e que, por
natureza, buscam constituir-se com e no outro linguístico-discursivamente. E é
nesse processo de constituição que, segundo o pensador russo, ocorre o
dialogismo, mediante a interação verbal que só é possível entre sujeitos, porque são
5 Conferência de Encerramento do I Seminário de Estudos Linguísticos e Literários (I SEMELL) - UFMT, março de
2013.
40
estes constituídos pela história, pela cultura e pela ideologia, o que os faz seres
ativos e responsivos no tempo e no espaço.
Entendemos que, no processo interação, os enunciados são únicos,
irrepetíveis, entretanto estes recuperam enunciados já produzidos e constituídos
pela ideologia e perpetuados pela história, e que no contexto imediato, ao serem
verbalizados, recuperam sentidos já cristalizados, com uma produção nova
proveniente desse novo evento discursivo.
A interação aqui é concebida como uma ação entre sujeitos, em que o
indivíduo, ao fazer uso da língua, não somente traduz e exterioriza um pensamento,
ou transmite informações, mas sim realiza ações, age, atua sobre o outro. Como
bem disse Travaglia (2006, p. 23), ao recuperar Bakhtin: “A linguagem é, pois, um
lugar de interação humana, de interação discursiva pela produção de sentidos entre
os participantes, em uma dada situação de comunicação e em um contexto sócio-
histórico e ideológico”. Os indivíduos interagem como sujeitos que ocupam lugares
sociais e “falam” e “ouvem” desses lugares, de acordo com formações imaginárias
estabelecidas pela sociedade. Dessa forma, o diálogo em sentido amplo é o que
caracteriza a linguagem. Nas palavras do autor:
A relação dialógica é uma relação (de sentido) que se estabelece entre enunciados na comunicação verbal. Dois enunciados quaisquer, se justapostos no plano do sentido (não como objeto ou exemplo linguístico), entabularão uma relação dialógica. (BAKHTIN, 2003, p. 346).
Desse modo, ocorre uma construção imagética de ambos os sujeitos, visto
que cada um assume uma posição social dentro de um espaço temporal, o que
contribui para a construção dos sentidos, uma vez que os enunciados são vivos,
dinâmicos e concretos, como o autor russo preceitua.
É, pois, no encontro em que a linguagem está efetivamente em uso que os
sujeitos falantes cruzam, interpelam e constroem sentidos e, ao fazerem uso da
linguagem em seus diferentes momentos históricos sociais, mobilizam enunciados já
ditos em outros espaços temporais, e que são rapidamente retomados no contexto
imediato em que se dá a enunciação.
É desta forma que, segundo Bakhtin, o dialogismo aparece, concretizado e
visível nos enunciados dos participantes de um determinado discurso. Como nos
esclarece o teórico, há condições para o estabelecimento do dialogismo, ou das
relações dialógicas:
41
Quando não há palavras, não há língua, não pode haver relação dialógica. Na realidade, toda palavra comporta duas faces. Ela é determinada tanto pelo fato de que procede de alguém, como pelo fato de que se dirige para alguém. Ela constitui justamente o produto da interação do locutor e do ouvinte. Toda palavra serve de expressão a um em relação ao outro. Através da palavra defino-me em relação ao outro. [..] A relação dialógica pressupõe uma língua, mas não existe no sistema da língua. Não pode estabelecer-se entre os elementos da língua. [...] Toda palavra é ideológica e toda utilização da língua está ligada à evolução ideológica. (BAKHTIN/VOLOCHÍNOV, 1929/2006 p. 117)
Sendo assim, podemos compreender que a palavra é a ponte que une as
duas extremidades entre sujeitos falantes/ouvintes. E que cada um segura uma de
suas partes, construindo significados. Logo, não podemos deixar de associá-la à
história e à ideologia, pois é composta por signos, que são atribuídos pela própria
cultura do homem.
A ideologia está presente no signo, logo tudo que é ideológico é um signo.
São os signos que permitem ao homem lembrar e perpetuar a cultura socialmente
construída, e a linguagem é a responsável por fazer essa intermediação do homem
com o mundo.
2.2 Linguagem, aprendizagem e desenvolvimento na perspectiva de Vygotsky
Vygotsky também se preocupou em estudar a relação do sujeito na
sociedade. Para tanto, dentre outras temáticas, buscou desenvolver uma nova
psicologia que pudesse explicar o desenvolvimento humano. Para o autor, o mundo
psíquico não é inato ao ser humano, como também não está pronto para que possa
ser recebido pelo indivíduo. Em sua concepção, o desenvolvimento humano ocorre
em um processo denominado plano genético do desenvolvimento.
Assim, o estudioso postula quatro estágios de desenvolvimento que, juntos,
caracterizam o funcionamento psicológico do ser humano. Para Vygotsky, é a
aprendizagem que promove o desenvolvimento humano. O sujeito, de algum modo,
está imerso na cultura, o que faz com que aprenda e, assim, se desenvolva. Nesse
sentido, o caminho do desenvolvimento está em aberto, possibilitando sempre novas
experiências, para outros níveis de desenvolvimento.
Em nossa compreensão, é aqui que ocorrem os estágios de emancipação
do sujeito, pelas experiências vividas, já que compartilham do mesmo horizonte
social, mediado pela palavra. Isso nos faz resgatar Bakhtin, quando diz que
a palavra é o signo ideológico por excelência; ela registra as menores variações das relações sociais, mas isso não vale somente
42
para os sistemas ideológicos constituídos, já que a “ideologia do cotidiano”, que se exprime na vida corrente, é o cadinho onde se formam e se renovam as ideologias constituídas. (BAKHTIN, 2006, p.17).
Conforme assinalamos, para Bakhtin (2006) a língua é determinada e
modelada pela ideologia. Na mesma direção, podemos compreender o que Vygotsky
destacou em relação aos estágios de desenvolvimento do sujeito, já que a
construção individual está interligada ao coletivo, ao outro, numa relação dialógica
constante. E essa relação, de certo modo, modula aspectos individuais do sujeito,
definindo regras e assimilando o conhecimento dessas regras e suas relações com
o mundo.
2.2.2 Mediação simbólica na construção do aprendizado
Acerca deste tema, destacamos o que Vygotsky chama de mediação
simbólica, pois, segundo ele, toda relação do homem com o mundo é feita através
de instrumentos mediadores e signos. Nesse sentido, essa relação não é direta,
mas, sim mediada. Os signos estão no nível do simbólico, por serem externos ao
sujeito e visíveis a todos, portanto, compartilhados por todos.
Vygotsky aponta para outra forma de mediação na construção do
aprendizado, é a relação de mediação pela experiência dos outros. Vale lembrar que
esse pensamento dialoga com o de Bakhtin acerca da interação verbal, a
constituição do sujeito social midiatizado com as experiências e informações trazidas
pelo e do outro. Nesse cenário interlocutivo, a língua é colocada em evidência como
promotora de representação simbólica porque não só carrega a fala, mas o discurso
proveniente das múltiplas relações sociais de ambos os sujeitos. Para Vygotsky, a
linguagem e o pensamento são elementos distintos.
Assim como no reino animal, para o ser humano pensamento e linguagem têm origens diferentes. Inicialmente o pensamento não é verbal e a linguagem não é intelectual. Suas trajetórias de desenvolvimento, entretanto, não são paralelas - elas cruzam-se. Em dado momento, acerca de dois anos de idade, as curvas de desenvolvimento do pensamento e da linguagem, até então separadas, encontram-se para, a partir daí, dar início a uma nova forma de comportamento. (VYGOTSKY, 2002, p.03)
Como podemos perceber, a relação entre pensamento e linguagem não
nasce com o sujeito, mas é construída ao longo de sua história. Portanto, tem sua
raiz na sociedade e na cultura. No que se refere às atividades de leitura, objeto
desta pesquisa, podemos adotar algumas de suas contribuições para o aprendizado
43
de nossos alunos, uma vez que tanto a língua quanto a linguagem são responsáveis
pela mediação entre os sujeitos, formação do homem e sua consciência. Logo, as
atividades de leitura são um instrumento de mediação para a aprendizagem do
aluno, portanto podem contribuir na formação do sujeito, de sua consciência e de
sua individualidade.
Essas atividades podem ser estudadas também no plano simbólico, na visão
de Vygotsky, pois os enunciados apresentados nessas atividades, nos diferentes
gêneros, podem levar os alunos a diferentes momentos de intermediação com o
mundo. Entendemos que a leitura tem esse poder de mediar informações, as ideias,
os conceitos e as representações internalizadas do sujeito com o mundo. Já o livro
didático, com seu estilo e forma composicional, pode ser considerado como um
instrumento de mediação entre os sujeitos, alunos e o mundo que os representa.
2.2.3 Zona de Desenvolvimento Proximal
Como dissemos anteriormente, na visão vygoskiana o pensamento verbal não
é uma forma natural de comportamento, inata, mas é determinado pelo processo
histórico-cultural, ou seja, produzido nas relações sociais. Assim, todo discurso
produzido pelos sujeitos é o resultado das diversas interações no uso da linguagem.
Deste modo, as teorias deste autor nos ajudam a pensar as relações na sala de
aula. Logo, para discutir as questões referentes ao ensino-aprendizagem, é
necessário compreendermos um dos princípios fundamentais de sua teoria,
denominado "zona
de desenvolvimento proximal", que, grosso modo, representa a diferença entre a
capacidade que a criança tem de resolver problemas por si própria e a capacidade
de resolvê-los com ajuda de alguém.
Vale ressaltar que os estudos de Vygotsky acerca do desenvolvimento e
aprendizagem estão relacionados aos estágios de desenvolvimento da criança na
assimilação da linguagem e constituição das potencialidades e capacidades
cognitivas. Estes são importantes para compreendermos como ocorre o processo de
ensino-aprendizagem.
De tal modo que o autor defende a ideia de que o desenvolvimento deve ser
olhado de maneira prospectiva, ou seja, em relação àquilo que a criança ainda não
sabe fazer, e não em relação àquilo que já está consolidado. Dessa maneira, a
intervenção e a ação do professor estão justamente naquilo que ainda não
aconteceu, no que está por acontecer, ou seja, aquilo que está em processo de
44
desenvolvimento. Para tanto, é necessário compreender os dois níveis
comprovadamente defendidos pelo autor: o nível de desenvolvimento real - a
capacidade já desenvolvida pela criança, aquilo que ela domina, sem a ajuda de
alguém - e o nível de desenvolvimento potencial – a capacidade que a criança ainda
não desenvolveu, mas está próxima de realizar.
Portanto, a distância entre o que a criança já sabe e aquilo que
potencialmente ela pode consolidar é o que o autor denomina de Zona de
Desenvolvimento Proximal, que é o que define a intervenção, uma ajuda para uma
possível transformação. Essa ajuda pode ser de alguém da família, de um adulto
que conviva com a criança, e no caso do aluno, o professor, como agente dessa
mediação.
Para Vygotsky, a intervenção ativa de outros sujeitos interfere positivamente
no desenvolvimento da aprendizagem. Assim, a intervenção pedagógica é essencial
para a definição do desenvolvimento do sujeito.
2.3 A Pedagogia de Paulo Freire
Assim como Vygotsky e Bakhtin, Paulo Freire salienta que o homem se
constitui nas relações sociais ao mesmo tempo em que constrói sua história. A
linguagem é, sem dúvida, um elemento central na teoria de Paulo Freire. No
entanto, percebemos que esses três autores, além do fenômeno da linguagem,
compartilham um ponto de partida: a dialogia como espaço de construção do ser
humano. Não há diálogo sem a construção de recursos expressivos, através dos
quais os pensamentos são organizados e expostos, compreendidos e modificados.
A constituição dos sujeitos é realizada socialmente. Essas interações,
segundo o autor, permitem aos homens se apropriarem de sua cultura
historicamente construída. Para Freire, a linguagem é constituidora do pensamento e
da consciência. Podemos compreender esta afirmativa do autor como uma
linguagem que molda todo o pensamento do indivíduo.
Freire destaca a importância da autonomia como prática libertadora. Nesse
sentido, compreendemos que a leitura promove a emancipação do sujeito, não
somente a leitura de mundo, mas também a leitura promovida nos ambientes de
letramento. Na visão do autor,
a leitura verdadeira me compromete de imediato com o texto que a mim se dá e a que me dou e cuja compreensão fundamental me vou tornando também sujeito. [...] O sujeito que se abre ao mundo e aos
45
outros inaugura com seu gesto a relação dialógica em que se confirma como inquietação e curiosidade, como inconclusão em permanente movimento na História. (FREIRE, 2013, p. 29)
Freire entende que a leitura do mundo precede a leitura da palavra. Isso
significa que o mundo é lido a partir de nossas compreensões e estas não se dão no
vazio, mas na experiência social, no convívio com outros participantes. Aprender a
leitura da palavra requer, antes de tudo, que se aprenda a leitura do mundo, a leitura
do contexto, de modo que o indivíduo se veja como sujeito de sua relação com o
mundo. Desta forma, encontrará respostas para a sua presença no mundo.
A leitura de mundo revela, evidentemente, a inteligência do mundo que vem cultural e socialmente se constituindo. Revela também o trabalho individual de cada sujeito no próprio processo de assimilação da inteligência do mundo. (FREIRE, 2013. p. 121)
Desse modo, pensamos que é possível trabalhar de forma sistemática a
reflexão crítica de nossos alunos através da leitura. A escola, segundo Freire (2013),
tem essa tarefa, a de trabalhar criticamente a inteligibilidade das coisas e dos fatos e
a sua comunicabilidade. Nesse sentido, é imprescindível que instigue
constantemente a curiosidade dos educandos, nas palavras do autor, ao invés de
“amaciá-la” ou “domesticá-la”. O autor vai mais além destas colocações:
é preciso mostrar ao educando que o uso ingênuo da curiosidade altera a sua capacidade de achar e obstaculiza a exatidão do achado. É preciso por outro lado e, sobretudo, que o educando vá assumindo o papel de sujeito da produção de sua inteligência do mundo e não apenas o de recebedor da que lhe seja transferida pelo
professor” (FREIRE, 2013,p.121).
E para o ensino de língua, o autor defende que
Um dos sérios problemas que temos é como trabalhar a linguagem oral ou escrita associada ou não à força da imagem, no sentido de efetivar a comunicação que se acha na própria compreensão ou inteligência do mundo. A comunicabilidade do inteligido é a possibilidade que ele tem de ser comunicado, mas não é ainda a sua comunicação. (FREIRE, 2013 p. 115).
Podemos compreender que essa dificuldade implica, em alguns casos, a
própria compreensão que o educador tem do ensino, ou seja, a forma como trabalha
a linguagem e na compreensão desta, como conteúdo que tem de ser repassado ou
como maneira de levar o aluno a perceber seus sentidos para que possa se
apropriar do uso de maneira ativa e autônoma. Assim, o professor precisa perceber
como ocorre a aprendizagem de seus alunos. A nosso ver, isso é importante
porque, desta maneira, poderá intervir no processo, colocando-se no lugar do aluno
46
e podendo perceber suas dificuldades. Na opinião do autor, existem os mediadores
socioculturais que influenciam na aprendizagem de língua, como a família, a escola,
o professor e a leitura, importantes na apropriação dos fenômenos da linguagem. A
família seria o principal meio cultural, pois promove a exposição aos sons da língua;
desse modo, a criança vai aprendendo a falar. A escola contribui para transmitir os
saberes científicos e sistematizados. Já o professor é o responsável por mediar o
conhecimento do cotidiano e o conhecimento científico.
Assim, a linguagem não pode ser sonhada, pensada, estudada, refletida fora
da ideologia. É preciso compreender o seu processo de produção. Em nosso ponto
de vista, a compreensão de como se produz a linguagem socialmente tem relação
com a compreensão de como se ensina a linguagem. Freire destaca elementos
importantes para a aprendizagem dos alunos. São eles: o diálogo, a linguagem, a
relação de afetividade aluno-professor, a harmonia entre a teoria e a prática.
Entretanto, ressaltamos, neste recorte, o diálogo que, assim como em Bakhtin, é
essencial para a constituição do sujeito.
O diálogo é este encontro dos homens, mediatizados pelo mundo, para pronunciá-lo, não se esgotando, portanto, na relação eu-tu. [..] o diálogo é uma exigência existencial. E, se ele é o encontro em que se solidarizam o refletir e o agir de seus sujeitos endereçados ao mundo a ser transformado e humanizado, não pode reduzir-se a um ato de depositar ideias de um sujeito no outro, nem tão pouco tornar-se simples trocas de ideias a serem consumidas pelos permutantes. (FREIRE, 2013 p. 109)
É, pois, através do diálogo, que os sujeitos aprendem a dizer a palavra para
(re)construir o mundo. E isso só é possível quando há abertura para que o diálogo
aconteça. É preciso dar voz aos silenciados, diz o autor. Precisamos aprender a
ouvir os oprimidos, levá-los a perceber tal condição. Tudo isso se faz na palavra-
ação.
2 .4 Os gêneros do discurso como objetos de ensino e de aprendizagem
A linguagem tem sido, nas últimas décadas, um fenômeno desafiador para a
maioria dos pesquisadores que têm buscado refletir seus elementos constitutivos e a
relação que ela estabelece entre os sujeitos sociais. Tais questionamentos surgiram
a partir da década de setenta, com a constatação da ineficácia de certos métodos
para o ensino de língua. Até então, o que predominava nesse contexto linguístico
era a teoria saussuriana. Porém, com as novas formas de comunicação, houve a
necessidade de estudar a linguagem num outro viés, de caráter dialógico, ideológico
47
e sócio- histórico-cultural, de modo que esta correspondesse a essa nova realidade
do uso da língua.
Mediante este contexto, há um esforço em congregar todas as dimensões da
linguagem, não a limitando apenas ao contexto comunicativo, mas extrapolando
seus enunciados, suas significações e seus contextos de produção. Assim, podemos
dizer que essa foi uma razão importante para que houvesse uma mudança de
paradigma, ou seja, refletir a linguagem de forma mais abrangente, num outro viés,
uma vez que a sociedade é formada por uma pluralidade linguística. Logo, as
singularidades dos sujeitos, os espaços situacionais, as intencionalidades, os papéis
sociais, o discurso, o querer dizer e o não dito são elementos importantes a serem
observados na produção e circulação da linguagem.
Havia nesse contexto algumas inquietações até então não respondidas com
relação à linguagem. Para auxiliar a reflexão, foram consideradas as contribuições
de Bakhtin e seu Círculo como alternativa para compreender a produção dos
sentidos, o discurso, a ação do sujeito e outros elementos que constituem as
relações humanas.
Pensando em nosso objeto de pesquisa, optamos por adotar tais
contribuições, principalmente as que se referem às concepções de gêneros do
discurso, dialogismo e interação verbal, pois as consideramos norteadoras e
importantes para nossas análises. Esses conceitos são fundamentais para o
trabalho que nos propusemos a fazer nas atividades de leitura com gêneros da
esfera literária. Principalmente a noção de gênero, reconhecido como um dos
objetos de ensino-aprendizagem. Essa proposta não circula somente no Brasil, mas
em países como Suíça, Inglaterra e França. Assim, o autor compreende o gênero.
O querer-dizer do locutor se realiza acima de tudo na escolha de um gênero do discurso. Essa escolha é determinada em função da especificidade de uma dada esfera da comunicação verbal, das necessidades de uma temática (do objeto do sentido), do conjunto constituído dos parceiros, etc. Depois disso, o intuito discursivo do locutor, sem que este renuncie à sua individualidade e à sua subjetividade, adapta-se e ajusta-se ao gênero escolhido, compõe-se e desenvolve-se na forma do gênero determinado. Esse tipo de gênero existe sobretudo nas esferas muito diversificadas da comunicação verbal oral da vida cotidiana (inclusive em suas áreas familiares e íntimas) (BAKHTIN, 1979/1997 p. 301)
Para compreendermos este fenômeno, é necessário incorporarmos um
princípio maior na obra de Bakhtin, que é a maneira como esse pesquisador pensa
48
as relações humanas. Segundo o autor, o dialogismo é o principio das relações
sociais que está comungado intrinsecamente pelo diálogo. Sendo assim, o sujeito
constitui a linguagem, ao mesmo tempo em que é constituído por ela. Isso acontece
nas diferentes interações humanas.
Para Bakhtin, toda atividade humana acontece dentro de uma esfera social,
com sujeitos históricos. E, em cada uma dessas atividades, a língua está presente,
faz parte desse grande elo de comunicação, o que exige de certa maneira um novo
enunciado, uma nova enunciação, com outra finalidade. Trata-se de uma nova
realização da linguagem. Pois há, nesse contexto, uma organização e distribuição
de papéis e lugares sociais, em que os discursos são produzidos, caracterizando-os
como únicos e irrepetíveis.
Para este autor, os gêneros do discurso materializam a língua. A língua, por
sua vez, está vinculada à vida. Podemos compreender então que os gêneros estão
presentes em todos os atos de comunicação feitos por meio da fala ou da escrita.
Desse modo, podemos refletir, com Bakhtin, quando o autor aponta que a utilização
da língua se dá através de enunciados pertencentes a uma determinada esfera da
atividade humana e que estes refletem os objetivos comunicativos dessas esferas.
Os gêneros são os tipos, as formas como os enunciados são utilizados. De acordo
com Bakhtin,
Os gêneros do discurso organizam nossa fala da mesma maneira que a organizam as formas gramaticais (sintáticas). Aprendemos a moldar nossa fala às formas do gênero e, ao ouvir a fala do outro, sabemos de imediato, bem nas primeiras palavras, pressentir-lhe o gênero, adivinhar-lhe o volume (a extensão aproximada do todo discursivo), a dada estrutura composicional, prever-lhe o fim, ou seja, desde o inicio, somos sensíveis ao todo discursivo que, em seguida, no processo da fala, evidenciará suas diferenciações. ) (BAKHTIN, 1979/1997 p. 302)
Podemos perceber que a alteração dos gêneros é inevitável, pois estes estão
relacionados às práticas sociais, de modo que as mudanças na vida social implicam
mudanças nos gêneros. Sendo assim, é fundamental perceber o gênero como um
produto social e como tal, heterogêneo, variado e suscetível a mudanças. A
heterogeneidade dos gêneros é imensa, afinal cada esfera da atividade humana
produz gêneros que lhe são próprios. Levam-se em consideração, portanto, as
inúmeras relações sociais presentes em cada cultura e como consequência a
admirável variedade de gêneros.
49
Podemos, então, perceber, com este estudioso, que o gênero é infinito. A
cada encontro discursivo, há um diálogo, que provoca réplica, tréplica que, por sua
vez, carrega um discurso. Cada discurso se constitui em oposição a outros
discursos. Todo discurso é sempre perpassado, atravessado por outro discurso.
Assim, o dialogismo é o núcleo na obra de Bakhtin que se manifesta pela presença
de enunciados concretos, vivos, suscitantes, que estão, de algum modo, sempre em
evidência.
Alguns pesquisadores têm rendido crédito à obra de Bakhtin, no sentido de
reconhecer quão grande foi o avanço nos estudos de linguagem, principalmente no
ensino de língua materna. Muitos defendem a teoria dos gêneros para explicar o
funcionamento real da linguagem. Na década de 90, a obra de Bakhtin incorpora os
estudos acadêmicos. Os PCN são exemplos claros dessa adoção.
2.4.1 Os gêneros do discurso e os PCN
De acordo com esses documentos, a linguagem é considerada uma
capacidade humana de articular significados coletivos e compartilhá-los em sistemas
de representação, que variam de acordo com as necessidades e experiências da
vida em sociedade. Os PCN (2000) defendem que a compreensão da arbitrariedade
da linguagem pode permitir aos alunos a problematização dos modos de “ver a si
mesmos e ao mundo”. Compreendemos que ela possibilita a percepção. Podemos
dizer que a linguagem é inventada pelo homem: ao mesmo tempo em que ele a
movimenta, é movimentado por ela. Logo, a linguagem não existe num vazio. Seu
grande objetivo é estabelecer a interação entre as pessoas.
Desse modo, segundo a visão bakhtiniana, as linguagens se confrontam nas
práticas sociais e na história. Nesses espaços, mediante essas práticas, as
linguagens são negociadas. É a arena de luta daqueles que procuram conservar ou
transgredir os sentidos acumulados. Segundo os PCN, as condições e as formas
discursivas refletem o caráter ideológico da linguagem, o que significa ultrapassar o
simples ato de comunicação. Nesse sentido, os sujeitos, em suas particularidades,
não apenas comunicam, mas realizam ações. O documento enfatiza ainda que, no
mundo contemporâneo, marcado pelo apelo informativo imediato, é necessário
refletir sobre o modo como a linguagem e seus sistemas se articulam, é mais que
uma necessidade, é uma garantia de participação ativa na vida social. Sendo assim,
destaca que o ensino de língua materna deve proporcionar ao aluno a compreensão
50
de seu uso como gerador de significação e integrador do mundo e da própria
identidade.
Os PCN apontam para uma abordagem de ensino de caráter sócio-
interacionista; assim, o processo de ensino-aprendizagem deve basear-se em
propostas interativas consideradas em um processo discursivo de construção do
pensamento simbólico, constitutivo de cada aluno e da sociedade geral. Essa
concepção, portanto, destaca a natureza social e interativa da linguagem, em
contraposição às concepções tradicionais, deslocadas do uso social. No entanto,
passada mais de uma década da implementação dos PCN, pouco se vê dessas
mudanças em sala de aula. O que se observa, infelizmente, é um ensino tradicional,
em que se ensina gramática pela gramática, há os exercícios repetitivos, não se
escreve nada para ninguém, repetição de exercícios até a exaustão, enfim. Fatos
esses que podem ser em virtude da formação dos docentes não ter se dado sob a
concepção enunciativo-discursiva de linguagem. Por isso, se faz necessário um
trabalho de orientação teórica e prática.
2.4.2 O gênero do discurso e seus elementos constitutivos
Todos os diversos campos da atividade humana estão ligados ao uso da linguagem. Compreende-se perfeitamente que o caráter e as formas desse uso sejam multiformes quanto os campos da atividade humana, o que é claro, não contradiz a unidade nacional de uma língua. Entre linguagem e sociedade existem relações dinâmicas e complexas que se materializam nos discursos, ou melhor, nos gêneros do discurso. (Bakhtin, 2003 [1979] p. 261)
Essas contribuições, leva-nos a pensar nas atividades como um gênero,
presente na esfera escolar, pois entendemos que elas apresentam os três elementos
indissociáveis do gênero: conteúdo temático, estilo e forma composicional. Logo a
seguir trataremos cada um deles. Antes é necessário refletirmos sobre o enunciado.
O estudo da natureza do enunciado e dos gêneros do discurso tem uma importância fundamental para superar as noções simplificadas acerca da vida verbal, a que chamam o “fluxo verbal”, a comunicação, etc., noções estas que ainda persistem em nossa ciência da linguagem. (BAKHTIN, 1979/1997 p. 288)
Para compreendermos esse pequeno excerto da obra bakhtiniana, é
necessário entendermos o enunciado concreto, pois é ele nele que se materializa o
gênero como um todo. Durante o processo dialógico, há vários enunciados sendo
verbalizados, num espaço de enunciação. São, segundo Bakhtin, esses enunciados
que concretizam a existência do gênero, que é constituído pelos três elementos
indissociáveis citados acima, dentro de uma esfera especifica. Para Barbosa (2001),
51
a adoção dos gêneros do discurso como um dos objetos de ensino-aprendizagem de
língua Portuguesa justifica-se em três razões distintas: pelo fato de permitir a
inclusão, para além dos aspectos estruturais do texto, que estão na ordem da
enunciação e do discurso; por levar em consideração aspectos sociais e históricos,
bem como os elementos do contexto de produção: o lugar social, quem fala, para
quem, os interlocutores do discurso, o veículo, com que finalidade, entre outros;
além dos conteúdos verbais, formas composicionais e estilos verbais.
Na visão desta pesquisadora, tais considerações permitem maior clareza e
identificação quanto à forma de dizer de um determinado gênero em circulação.
Além disso, a autora enfatiza que a aprendizagem numa perspectiva de letramento
há de considerar os gêneros do discurso como objeto de ensino, dada a sua
diversidade presente em nossa sociedade, com possibilidades significativas não
somente do conhecimento dessa pluralidade, mas para dar condições ao aluno para
engajar-se em novas práticas letradas.
A pesquisadora ainda salienta que a adoção de gêneros do discurso permite
a integração contextualizada de atividades de compreensão, produção de textos e
análise linguística. Uma definição mais ampla sobre o gênero do discurso
encontramos em Bakhtin (2006[1929])
Em cada campo existem e são empregados gêneros, que correspondem às condições específicas de dado campo; é a esses gêneros que correspondem determinados estilos. Uma determinada função (científica, técnica, publicística, oficial, cotidiana) e determinadas condições de comunicação discursiva,, específicas de cada campo, geram determinados gêneros, isto é, determinados tipos de enunciados estilísticos, temáticos e composicionais relativamente estáveis. O estilo é indissociável de determinadas unidades temáticas. [...] e – o que é de especial importância – de determinadas unidades composicionais: tipo de estruturação e de conclusão de um todo, tipo de relação entre o locutor e os outros parceiros da comunicação verbal (relação com o ouvinte, ou com o leitor, com o interlocutor, com o discurso do outro, etc.) O estilo entra como elemento na unidade de gênero de um enunciado. (BAKHTIN,
(2006[1929]), p. 266).
Essas contribuições levam-nos a compreender como a sociedade se organiza
linguística e discursivamente. Ou seja, em esferas. Cada esfera produz
determinados enunciados/discursos, que se manifestam via textos, compreendidos
por Bakhtin como gêneros do discurso. Para Paes de Barros (2005), o tema é de
―caráter único [... e] se constitui em uma plasticidade e mobilidade capaz de
traduzir, numa mudança de entoação, uma diversidade de enunciações (PAES DE
52
BARROS, 2005, p. 47). Nas palavras desta pesquisadora, encontra-se a unicidade
do tema, este não se pode prever, pois está no devir e, só será conhecido mediante
uma análise de sentido constituído em uma dada situação específica, em outras
palavras, o tema é algo do enunciado, este pode ser o mesmo, porém a forma e o
momento em que foi pronunciado é outro; e sua compreensão e seu sentido podem
variar de acordo com os participantes do processo de interação.
Desse modo, o sentido de um enunciado vai depender muito da apreciação
valorativa que os sujeitos, participantes dessas interações têm sobre o assunto
abordado. Vale lembrar ainda que o conteúdo temático, diferente do tema, é algo
que posso prever, são as possibilidades de “assuntos” que podem aparecer num
determinado gênero.
O estilo está relacionado à linguagem, esta condicionada pela especificidade
do gênero, pois como cada esfera produz seus gêneros relativamente estáveis,
estes apresentam um léxico também específico, adequado àquela esfera, moldado
pelo interlocutor. Já a forma composicional tem a ver com a estrutura do gênero,
pois cada esfera possibilita ao leitor reconhecer seus formatos enunciativo-
discursivos, graficamente elaborados em sua organização tipológica.
2.5 Breves considerações metodológicas
Esta seção tem como finalidade descrever, de forma resumida, todas as
etapas do processo de levantamento de dados percorridos pela nossa pesquisa,
desde sua fase inicial até a análise final, para que possamos compreender e
relacionar aos objetivos desta pesquisa: primeiro, buscamos identificar os gêneros
da esfera literária presentes em uma coleção de livros didáticos de Língua
Portuguesa do 6º ao 9º ano do Ensino Fundamental, aprovado pelo PNLD de 2014,
adotado pela Escola Presidente Médici, em Cuiabá-MT.
Segundo, a partir desse levantamento, identificar quais desses gêneros estão
presentes nas atividades de leitura. Terceiro, dos gêneros encontrados nas
atividades de leitura, verificar quais capacidades leitoras são mobilizadas nessas
atividades que favorecem a formação do leitor crítico literário.
A escolha do material se deve por algumas razões: foi aprovado pelo PNLD
de 2014, adotado por uma das maiores escolas públicas de Cuiabá – MT, com 2.300
alunos matriculados no mesmo ano. Além disso, mais de dez escolas 6públicas na
6 Fonte Seduc – Gestão escolar – acesso em 14 de abril de 2015.
53
cidade de Cuiabá adotaram esse mesmo material didático. A preferência em
analisar o livro didático, justifica-se pelo fato de ser uma ferramenta utilizada pela
maioria dos professores das escolas públicas, inserido no espaço escolar, sendo,
portanto, um dos principais meios de mediar o conhecimento.
Quanto à escolha das atividades de leitura é porque compreendemos que a
leitura é uma das principais formas de levar o leitor a um nível de apreensão maior
sobre mundo e sobre si mesmo. Nesta perspectiva, este estudo teve os seguintes
objetivos:
1. Identificar os gêneros pertencentes à esfera literária presentes em uma coleção
de livro didático de Língua Portuguesa do 6º ao 9º ano do Ensino Fundamental.
2. A partir desse levantamento, identificar quais desses gêneros estão presentes nas
atividades de leitura.
3. Dos gêneros encontrados nas atividades de leitura, verificar quais capacidades
de leitura são mobilizadas nessas atividades que favorecem a formação do leitor
crítico literário.
Assim, pretendemos responder as seguintes questões de pesquisa:
1. Quais gêneros da esfera literária estão presentes em uma coleção de livros
didáticos de Língua Portuguesa do 6º ao 9º ano do Ensino Fundamental?
2. Dos gêneros literários encontrados, quais são trabalhados em atividades de
leitura?
3. Que capacidades leitoras são mobilizadas por meio das atividades nas seções de
leitura da coleção que colaboram para a formação do leitor crítico literário?
Para a realização da pesquisa, escolhemos uma das maiores escolas (em
número de alunos matriculados) públicas de Cuiabá-MT, a fim de analisar os livros
didáticos utilizados por ela, para compor as análises deste trabalho.
2.5.1 Breve descrição da obra selecionada
O livro “Vontade de saber Português”, da editora FTD, aparece pela primeira
vez no ano de sua aprovação, em 2014. A coleção está organizada em seis
unidades. Cada unidade apresenta dois capítulos, sendo que cada capitulo é
composto por “Leitura 1 e Leitura 2”. A respeito das unidades, estas estão
organizadas em seções da seguinte forma: Estudo do texto, Estudo da língua,
Produção escrita, Produção oral. Contudo, nosso objeto de análise é a seção
54
“Estudo do texto”. Vale ressaltar que segundo o FNDE7 – Fundo Nacional de
Desenvolvimento da Educação – a editora FTD teve 13 obras aprovadas e o
destaque foi para a coleção “Vontade de Saber” em todas as disciplinas.
Assim, em 2014, ela aparece ao lado de dez obras, dentre elas as de
Cereja, Faraco, Travaglia entre outras. Mas o que nos chamou a atenção foram as
resenhas dessas obras, em particular, a seção de leitura. Todas, de um modo geral,
contemplam diferentes estratégias cognitivas e exploram propriedades textuais e
discursivas; enfocam o desenvolvimento das capacidades de compreensão e
apreciação, necessárias à formação de leitores proficientes de textos, tanto literários
como não literários. Temos abaixo, um exemplo de nossa coleção.
No âmbito da leitura, além da diversidade de gêneros, tipos e autores da coletânea, as atividades contemplam diferentes estratégias cognitivas para a reconstrução de sentidos e a consequente compreensão global do texto. Propriedades textuais e discursivas, argumentatividade, planos enunciativos, relações e recursos de coesão e coerência, além da própria materialidade do texto, são questões também exploradas nas atividades. No caso dos textos literários, são recorrentes as propostas de apreciação estética e de exploração dos efeitos de sentido, o que propicia a formação do leitor para textos dessa natureza. (PNLD, 2014, p.115)
Essa foi também uma das razões que nos levaram a escolher a leitura como
objeto de estudo, na tentativa de verificar como ela é tratada nos manuais didáticos
e como se apresenta no Guia do PNLD, possibilitando-nos uma possível
comparação com nossos achados. Deparamo-nos também diante de outra situação,
se analisaríamos uma coleção do Ensino Fundamental ou do Médio.
Optamos pelo Fundamental pela possibilidade de verificar a evolução desse
período de formação escolar, pois sabemos que essa é uma das fases de
congregação de informações e conhecimento, embora seja a fase final do
Fundamental, são determinantes para o sucesso escolar ou não no Ensino Médio.
Sabemos que as intervenções em qualquer uma das etapas do ensino são
necessárias e que o professor pode intervir a qualquer momento, mas em nosso
ponto de vista, no Ensino Fundamental, parece-nos que as possibilidades de
intervenções precisam ser mais incisivas por se tratar de uma construção de base
mais sólida e concreta dos conhecimentos que são a base para as fases futuras
como, por exemplo, o Ensino Médio. Em outras palavras, no Ensino Médio, o aluno
7 Fonte: http://www.fnde.gov.br/ acesso em 06 de a14bril de 2015.
55
precisa chegar com um conhecimento bem alicerçado, uma consciência mais crítica
e certa autonomia. Assim, a escola Presidente Médici preencheu os critérios
estabelecidos, com maior número de alunos matriculados.
Entretanto, queremos destacar que, neste mesmo ano, mais nove8 escolas
adotaram este mesmo material, o que aumenta a nossa responsabilidade como
pesquisadora na tentativa de compreender as razões dessa escolha, para poder
chegar a resultados que possam de alguma forma contribuir para a formação leitora
dos alunos, interlocutores dos textos dessas atividades, pois sabemos que essas
atividades apresentam diferentes temas que emergem na sociedade, e é justamente
este o ponto de nossa investigação: saber que tipo de capacidades são mobilizadas
nessas atividades, e, finalmente, refletir sobre tais resultados.
2.5.2 Critérios de escolha para a seleção dos gêneros para compor a análise
qualitativa
Pelo fato de a coleção apresentar a mesma organização sumária em todos os
volumes, optamos por selecionar a partir dos gráficos ilustrados na análise
quantitativa uma unidade prototípica que representasse a coleção como um todo.
Para tanto, escolhemos o volume do 7º ano por apresentar maior número de
ocorrência em leitura em relação aos demais volumes.
2.6 A teoria enunciativo-discursiva na pesquisa em Ciências Humanas
A base teórica de nossa pesquisa é de natureza enunciativo-discursiva, o que
significa, conforme já comentamos na introdução deste estudo, que ela está pautada
nas contribuições de Bakhtin (1929/2003), o qual acredita que a complexa dialética
interior e exterior é puramente social. Sendo assim, “o indivíduo não tem apenas
meio e ambiente, tem também horizonte próprio”. Nesse sentido, podemos entender
que toda a constituição da consciência do sujeito é retirada da coletividade, num
contínuo processo dialógico por meio de linguagem.
Seguindo o pensamento bakhtiniano, nas interações práticas discursivas, a
consciência individual é sempre afetada pelas vozes que circulam na sociedade. Ao
estudar o cerne das ciências humanas, Bakhtin preceitua que “o objeto dessas é
sempre o ser expressivo e falante e, por esse motivo, inesgotável em suas
incontáveis formas de sentidos e significados”. Podemos depreender, nas palavras
do autor, que em todas as situações em que a linguagem se faz presente, os
8 Fonte: Seduc – Gestão escolar. Dados obtidos em 14 de abril de 2015.
56
sujeitos envolvidos no processo discursivo assumem, de alguma maneira, uma
atitude responsiva. Essas contribuições são fundamentais para compreendermos o
que o autor ressalta no texto Metodologia das Ciências Humanas (1929/2003). A
finalidade é discutir sobre o papel do pesquisador durante as etapas de pesquisa,
além de destacar a responsabilidade ética que o pesquisador deve ter ao lidar com
seu objeto de pesquisa.
Em princípio, há certo distanciamento entre o pesquisador e seu objeto de
estudo para que este possa enunciar sob um olhar científico. No entanto, essa
observação é parte integrante do objeto observado, já que ele, enquanto
pesquisador, também é um sujeito cognoscente. O que nos chama a atenção nas
palavras de Bakhtin é o destaque que ele dá ao distanciamento, pois, segundo o
autor, é necessário para que haja uma compreensão maior do objeto a ser
analisado. Em nossa opinião, a importância dada ao distanciamento durante o
processo de análise tem um objetivo de obter uma compreensão maior do objeto de
análise, podendo criar, elaborar, produzir um conhecimento mais aprofundado.
Além disso, podemos inferir que a necessidade do distanciamento seja pelo
fato de o pesquisador ser um sujeito social, constituído por várias vozes, o que
poderia influenciar em sua análise, a qual deve resultar sempre de valor cientifico,
portanto distante do senso comum.
2.7 Metodologia de geração e análise de dados: algumas constatações
quantitativas
A nossa pesquisa está, como dissemos acima, subsidiada na teoria
enunciativo-discursiva de Bakhtin e seu Círculo, além de outras contribuições da
Pedagogia Crítica, como Freire, Vygotsky, Rojo, Kleiman, Pereira, entre outros, as
quais nortearão a análise de dados. A pesquisa é de cunho documental e de
natureza qualitativa. Na visão de Oliveira (2005),
A pesquisa qualitativa pode ser caracterizada como sendo uma tentativa de explicar-se em profundidade o significado e as características do resultado das informações obtidas através de entrevistas ou questões abertas, sem mensuração quantitativa de características ou comportamento. (OLIVEIRA, 2005, p. 39).
Em nossa compreensão, na análise qualitativa há uma preocupação em
identificar, classificar e analisar dados com o objetivo de buscar compreender os
fenômenos apresentados, de não apenas apresentar o problema, mas discuti-lo à
luz de algumas teorias, buscando encontrar possíveis alternativas que poderão
57
contribuir para a intervenção e aumento da qualidade acerca dos resultados
encontrados. Nas palavras de Lakatos (2010)
a pesquisa qualitativa preocupa-se em analisar e interpretar aspectos mais profundos, descrevendo a complexidade do comportamento humano. Fornece análise mais detalhada sobre as investigações, hábitos, atitudes, tendências de comportamento etc. (LAKATOS, 2010, p. 269).
É nessa abordagem que nossa pesquisa se insere, entretanto destacamos
que, para analisar os dados qualitativos, foi necessário um levantamento quantitativo
para que pudéssemos encontrar a quantidade de textos presentes em cada volume
da coleção, bem como obter outras informações que auxiliaram na análise
qualitativa. Assim, adotamos alguns critérios metodológicos à luz das teorias que
sustentam esta pesquisa. Procuramos primeiramente identificar os gêneros
presentes em cada volume do livro “Vontade de Saber Português”, selecionado para
nossa análise. Optamos pelos gêneros da esfera literária, conforme razões já
mencionadas anteriormente. A partir desses dados, verificar quais são as
capacidades leitoras mobilizadas nessas atividades.
Vale lembrar ainda que essas capacidades são analisadas no capitulo de
análise qualitativa. Elas foram selecionadas a partir da ficha de avaliação9 presente
no guia oficial do caderno do PNLD de 2014, do Ministério da Educação. Vale
ressaltar que, na avaliação do material didático, em relação à seção “Estudo do
texto”, descrita na resenha do PNLD (2014), consideram-se tais atividades profícuas
para a formação do leitor.
De nossa parte, enfatizamos que nossas análises foram com base no
levantamento de dados, de abordagem quantitativa, ilustrados nos gráficos abaixo
para posterior análise qualitativa acerca da leitura na respectiva seção, objeto de
nossas reflexões, com o propósito de verificar se de fato contribui ou não para
formação do leitor critico literário. Os gráficos abaixo demonstram a quantidade e os
percentuais dos textos e dos gêneros da esfera literária em cada um dos volumes.
Ressaltamos que para a análise quantitativa foi necessária a apresentação de cada
volume de forma individualizada para que pudéssemos compreender o porquê de
selecionamos apenas uma unidade representativa de todo o material para compor o
corpus da análise qualitativa. Vejamos o volume do 6º ano.
9 Esta ficha tem vários itens baseados no trabalho de Rojo (2004) sobre as capacidades.
58
Gráfico 1 Total de ocorrências dos textos literários
Elaboração própria Total de ocorrências dos textos: 56 Total de gêneros: 12
Conforme o gráfico acima, encontramos 56 ocorrências de textos literários
que estão distribuídos em 12 gêneros. Observemos no gráfico abaixo a quantidade
desses textos que trabalham a leitura.
Gráfico 2 Distribuição dos textos literários na seção de leitura
1 1
3 3
2
1
2
1 1
1,79% 1,79%
5,36% 5,36%
3,57%
1,79%
3,57%
1,79% 1,79%
0
0,5
1
1,5
2
2,5
3
3,5
QUANTIDADE EM LEITURA GÊNERO EM LEITURA
Elaboração própria Textos em leitura: 15 Quantidade de gêneros em leitura: 9
Comparando com gráfico 1 o volume do 6º ano apresenta 56 textos
literários. No entanto, apenas 15 trabalham a leitura. O que nos chama mais a
atenção é o fato de existirem 22 textos com o gênero “Poema” somente 01 trabalha
59
efetivamente com a leitura. O restante está distribuído em atividades de gramática,
estudo da língua e produção escrita. Temos abaixo o volume do 7º ano.
Gráfico 3 Total de ocorrências dos textos literários
1 1 2 13
1 15
1 13 4
9 10
1 13
27
36
21,16% 1,16%
2,33%1,16%
3,49%1,16% 1,16%
5,81%
1,16% 1,16%3,49%
4,65%
10,47%11,63%
1,16%1,16%
3,49%
31,40%
3,49%
6,98%
2,33%
0
5
10
15
20
25
30
QUANTIDADE PERCENTUAL
Elaboração própria Total de ocorrências dos textos: 86 Total de gêneros: 21
Neste outro volume, a presença de textos literários foi um superior a do 6º
ano, com 86 textos distribuídos em 21 gêneros. O gráfico abaixo demonstra o
número exato daqueles que abordam a leitura.
Gráfico 4 Distribuição dos textos literários na seção de leitura
1 1 1 1 1 1 1
4
1 1
4
3
1
1,69% 1,69% 1,69% 1,69% 1,69% 1,69% 1,69%
6,78%
1,69% 1,69%
6,78%
5,08%
1,69%
0
0,5
1
1,5
2
2,5
3
3,5
4
4,5
QUANTIDADE EM LEITURA GÊNERO EM LEITURA
Elaboração própria Textos em leitura: 21 Quantidade de gêneros em leitura: 13
Desse volume, apenas 21 textos abordam a leitura, equivalente a 24,42% do
total de 86 textos. Vejamos abaixo os gráficos 5 e 6 do volume do 8º ano.
60
Gráfico 5 Total de ocorrências dos textos literários
2 1 1 1
12
5
12
1
22
9
3,03%1,52% 1,52% 1,52%
18,18%
7,58%
18,18%
1,52%
33,33%
13,64%
0
5
10
15
20
25
Apólogo Auto Biografia Causo Conto Crônica Letra de canção
Novela Poema Romance
QUANTIDADE PERCENTUAL
Elaboração própria Total de ocorrências dos textos: 66 Total de gêneros: 09
Com o gráfico acima, podemos notar que houve diminuição em 23,26% dos
textos literários do volume anterior para este. O total deste volume está distribuído
em 09 gêneros.
Gráfico 6 Distribuição dos textos literários na seção de leitura
1 1
2
3
2
1
4
1
1,56% 1,56%
3,13%
4,69%
3,13%
1,56%
6,25%
1,56%
0
0,5
1
1,5
2
2,5
3
3,5
4
4,5
Apólogo Biografia Conto Crônica Letra de canção
Novela Poema Romance
QUANTIDADE EM LEITURA GÊNERO EM LEITURA
Elaboração própria Textos em leitura: 15 Quantidade de gêneros em leitura: 08
Comparando o total de textos deste volume que é 66, podemos verificar que
deste total apenas 15 tem a leitura como foco. O que significa que em relação ao 7º
61
com 21 textos em leitura, este volume diminuiu em 11,9%. Passemos agora para o
último livro de nossa coleção. Os gráficos 7 e 8 são do volume do 9º ano.
Gráfico7
Total de ocorrências dos textos literários
2
6
31 2
18
85,00%
15,00%
7,50%
2,50%5,00%
45,00%
20,00%
0
2
4
6
8
10
12
14
16
18
20
Biografia Conto Crônica Diário Letra de canção
Poema Romance
QUANTIDADE PERCENTUAL
Elaboração própria Total de ocorrências dos textos: 40 Total de gêneros: 09
Os dados acima revelam o quase desaparecimento dos textos literários. Em
todo o livro, aparecem apenas 40 ocorrências distribuídas em 09 diferentes gêneros.
Entretanto, apenas 04 trabalham com a leitura, conforme o gráfico abaixo. Temos
abaixo a quantidade de textos e a quantidade de gêneros trabalhados em leitura.
Gráfico 8 Distribuição dos textos literários na seção de leitura
5
1 1 1
62,50%
12,50% 12,50% 12,50%
0
1
2
3
4
5
6
Romance Conto Crônica Poema
QUANTIDADE EM LEITURA GÊNERO EM LEITURA
Elaboração própria Textos em leitura: 08 Quantidade de gêneros em leitura: 04
62
Vale ressaltar que dos 04 gêneros acima propostos para o tratamento da leitura
01 está na forma de excerto. Traduzindo esses dados em percentuais, temos
somente 20% das atividades mobilizando certas capacidades de leitura e 80%
trabalham outros aspectos da linguagem. Para visualizarmos mais precisamente o
total de textos em cada coleção e desse total os que tratam da leitura fizemos um
gráfico geral.
Gráfico 9
Análise geral das atividades de leitura nos gêneros da esfera literária
Elaboração própria Quantidade de ocorrências dos gêneros analisados respectivamente: 56-86-66-40 Ocorrências em leitura 15-21-15-08
Podemos evidenciar um aumento na quantidade de ocorrências do 6º para 7º
ano, de 56 para 86, revelando um percentual de 34,88%. O percentual de leitura do
6º ano em relação à quantidade apresentada em suas ocorrências é de 26,79% e do
7º ano de 24,42%. Em relação à leitura, de um ano para o outro, estes
correspondem, respectivamente a um aumento de 28,57%. No próximo capítulo,
discorremos os critérios para a análise qualitativa.
63
CAPÍTULO 3 — A SELEÇÃO DAS AMOSTRAS PARA A ANÁLISE QUALITATIVA
Neste capitulo, temos como objetivo expor algumas atividades de leitura, pré-
selecionadas, conforme critérios descritos anteriormente em nossa metodologia, e
analisá-las à luz das teorias que sustentam esta pesquisa. Apresentamos, a seguir,
um quadro das capacidades empregadas nas atividades de leitura, da unidade 1, do
volume do 7º ano. Lembramos que a unidade contempla o capítulo 1 e o 2, nos
quais há sempre dois tópicos de leitura: “Leitura 1 e Leitura 2”. Destacamos ainda
que, além desta unidade, selecionamos apenas uma atividade do gênero “Lenda”,
da unidade 5, com o objetivo de verificar qual o tratamento dado ao texto narrativo,
já que a maioria dos textos analisados são poéticos.
3.1 Abordagem qualitativa: descrição das capacidades de leitura das
atividades com gêneros da esfera literária na obra didática
Neste tópico, apresentamos primeiramente o quadro das capacidades, pois
elas são fundamentais para a verificação de sua incidência ou não nas atividades de
leitura. Ressaltamos que tais capacidades, apenas aquelas relacionadas à formação
do leitor literário, foram retiradas do guia oficial do caderno do PNLD de 2014, do
Ministério da Educação.
Entretanto, fizemos também alguns ajustes, com algumas capacidades
destacadas por Rojo (2004), reorganizando apenas aquelas específicas para a
formação do leitor literário. Em seguida, enumeramos cada uma dessas capacidades
para que pudéssemos identificá-las nas atividades propostas.
Assim, os textos presentes na unidade selecionada foram elencados no
quadro, que denominamos “Quadro das capacidades leitoras”, adaptado do PNLD/
2014 e Rojo (2004).
Quadro das capacidades leitoras – volume do 7º ano
Unidade 1 capítulos 1 e 2
Unidade 5 – capitulo 2 -
leitura 1
1 Abordagem teórico-metodológica
1.1 Diversidade e clareza das propostas de leitura
1.2 Progressão e sistematização das estratégias e dos procedimentos implicados na
atividade de leitura
2 As atividades de leitura colaboram efetivamente para a (re) construção dos
64
sentidos pelo leitor, especialmente no que diz respeito à compreensão global?
2.1 Considerar a utilização de diferentes estratégias cognitivas envolvidas no
processo de leitura
2.1.1 Antecipação ou predição de conteúdos ou propriedades dos textos/ Ativação de conhecimentos de mundo.
08 01
2.1. 2 Levantamento de hipóteses 02 01
2.1.3 Checagem de hipóteses 02
2.1.4 Compreensão global (generalização)
11 01
2.1.5 Comparação de informações 13 03
2.1.6 Localização de informações 35 11
2.1.7 Retomada de informações 06 04
2.1.8 Produções de inferências locais
06 10
2.1.9 Produções de inferências globais
21 03
2.2 A exploração de propriedades textuais e discursivas
2.2.1 Unidade e progressão temática
--- ---
2.2.2 Articulação entre partes: relações e recursos de coesão e coerência
--- ---
2.2.3 Modos de composição tipológica
05 01
2.2.4 Percepção de relações de intertextualidade
01
2.2.5 Percepção de relações de interdiscursividade
--- ---
2.2.6 Exploração das imagens como elemento constitutivo dos sentidos
--- ---
2.2.7 Relações e dimensões sociolinguísticas presentes no texto
02
2.2.8 Planos enunciativos - vozes 02 ---
3 Atividades de leitura e a formação do leitor
3.1 A abordagem da leitura como uma situação efetiva de interlocução entre leitor e autor, situando a prática de leitura em seu universo de uso social.
01 01
3.2 A definição de objetivos plausíveis para a leitura proposta
03 01
65
3.3 O resgate do contexto de produção (contexto histórico, função social, esfera discursiva, suporte, gênero, autor e obra)
10 01
3.4 O estímulo à leitura da obra de que o texto faz parte ou de outras obras a ele relacionadas
--- ---
3.5 A exploração da materialidade do texto (seleção lexical, recursos morfossintáticos, sinais gráficos, etc.) na apreensão de efeitos de sentido, sinonímia, antonímia.
06
3.6 A proposição de apreciações estéticas, éticas, políticas e ideológicas.
20 05
3.7 A discussão de questões relativas à diversidade sociocultural brasileira
02 ---
4 As atividades propostas colaboram efetivamente para a formação do leitor literário?
4.1 O estímulo à fruição estética e à apreciação crítica da produção literária
--- ---
4.2 Adequação da linguagem de acordo com a situação de comunicação, ou seja, aproximação do aluno ao padrão linguístico do texto.
03 ---
4.3 Exploração dos recursos linguísticos para a compreensão do texto quanto a processos estéticos e literários do texto (conotação, recriação da realidade, envolvimento dos leitores na leitura dos vazios do texto, jogos de palavra, rimas e figuras de linguagem.
23
05
Baseado no quadro das capacidades do Guia do PNLD/2014
Conforme podemos observar, as atividades de leitura presentes na unidade 1
mobilizam 91,23 % de capacidades cognitivas de leitura, um percentual considerável
em relação às capacidades discursivas que conta com apenas 8,78%.
Em nossa compreensão, o enfoque dessas capacidades reflete o modelo
tradicional de ensino da leitura no contexto da sala de aula, propagado pelos
manuais didáticos que exploram pouco as questões discursivas. Podemos dizer
ainda que esse dado confirma, em nosso ponto de vista, o que Rojo (2009)
constatou em suas análises sobre a leitura, com base nos resultados dos sistemas
66
de avaliação, de que grande parte dos alunos da rede pública apresenta baixa
proficiência em leitura. Assim, as propriedades textuais e discursivas são pouco
exploradas, aquelas que poderiam contribuir para uma interação participativa e
crítica da realidade social, permitindo uma autonomia em relação à inserção do
sujeito leitor em diferentes contextos da sociedade.
Não podemos esquecer o papel que a linguagem ocupa nesse contexto, já
que extrapola toda e qualquer prática social de comunicação, do imaginário ou do
processo de aquisição de informações e de conhecimento, pois pela linguagem o
aluno constrói visões de mundo e valores sobre tudo que o cerca.
A partir de agora, apresentaremos as atividades de leitura, selecionadas
conforme critérios metodológicos. Elas estão localizadas na unidade 1 do volume do
7º ano. Salientamos que em todas as unidades do livro aparece um texto de
abertura intitulado “Conversando sobre o texto”. Essa seção tem como objetivo
preparar a discussão sobre os assuntos tratados na unidade, além de motivar a
discussão sobre o tema. No caso desta unidade, não trabalha com gêneros da
esfera literária para leitura, e sim com as imagens. No entanto, prepara o aluno
sobre o conhecimento do assunto do gênero.
67
Como podemos observar, a leitura 1 apresenta quatro gêneros diferentes, os
quais estão organizados alfabeticamente. Cada um apresenta um estilo e uma forma
composicional que os singulariza em relação ao outro. Temos, inicialmente, no
enunciado acima, duas capacidades sendo mobilizadas: a ativação e conhecimento
de mundo; e a definição de objetivos plausíveis para a leitura proposta.
Consideramos essa abordagem importante para despertar no aluno
conhecimentos prévios acerca do assunto, como também favorecer desde o início
da leitura o envolvimento com texto, estabelecendo uma interação com ele mediante
o resgate de sua infância, preparando-o para as atividades seguintes
.
O objetivo deste capítulo é reconhecer a poesia popular como forma de
expressão criada pelo povo e transmitida, oralmente, de geração em geração. Como
podemos observar os gêneros propostos para o trabalho de leitura não se
apresentam, em sua maioria, nomeados no decorrer das atividades como Cantiga de
roda, Parlenda, Trava-língua e Adivinha; estes se apresentam nomeados por letra do
alfabeto A, B, C e D; o que compromete na clareza e organização das atividades,
pois o aluno precisará retomar o texto para verificar de qual texto determinada
68
questão está se referindo. Em nossa opinião, isso pode interferir na demora da
compreensão do texto pela demora da identificação. Além disso, as questões não
estão organizadas na mesma ordem da apresentação inicial. Como exemplo,
destacamos os gêneros trava-língua e adivinha (textos C e D). Os gêneros
aparecem misturados, ora um, ora outro. Não há um cuidado em explorar a
singularidade de cada um desses textos.
Algumas capacidades de leitura são exploradas como a retomada de
informações, na questão 1, ativação de conhecimentos prévios, inferências,
compreensão global e comparação de informações. Na subseção Escrevendo sobre
o texto, na questão 1, encontramos a capacidade de resgate do contexto de
produção do gênero, além da capacidade de comparação, na tentativa de situar o
aluno dentro do universo de produção.
Já na questão 2, a autora mobiliza a capacidade de localização de
informações. Em relação a essa capacidade, consideramos coerente, já que a
atividade contempla os quatro gêneros, exigindo do aluno o recurso de comparação
para levá-lo ao reconhecimento das características individuais de cada um. Contudo,
outras capacidades aparecem, como, por exemplo, a capacidade de exploração dos
recursos linguísticos para a compreensão do texto quanto a processos estéticos e
literários, mobilizada na questão 3, em que o aluno é levado a perceber a
musicalidade do poema pelo uso de rimas, repetição e inversão de palavras.
Já na questão 5, aparece a capacidade de composição tipológica como
forma de promover a identificação e distinção do modo como os textos se
apresentam. Na questão 7, constatamos a capacidade de inferência global e
ativação de conhecimento de mundo, com possibilidade de levar o aluno a construir
o sentido a partir de seu universo linguístico durante a leitura dessas atividades.
Como podemos observar, a capacidade mais explorada é a de localização de
informações. Tal capacidade é considerada por Rojo (2004) como básica, pois serve
apenas para estudar, trabalhar, usar internet. Nesse sentido, em nosso ponto de
vista, não contribui para o letramento crítico, para uma efetiva prática libertadora e
autônoma, como afirma Freire
nas relações que o homem estabelece com o mundo há, por isso mesmo, uma pluralidade na própria singularidade. E há também uma nota presente de criticidade. [...] A partir das relações do homem com a realidade, resultantes de estar com ela e de estar nela, pelos atos de criação, recriação e decisão, vai ele dinamizando o seu mundo. (FREIRE, 1997, p.40)
69
A nosso ver, a leitura é uma das alternativas que possibilita o
desenvolvimento de capacidades de autoria e de criticidade. Entretanto, a ênfase na
exploração das capacidades básicas, como a de localização e cópia de informações,
como se verifica nessa unidade e em toda a coleção, acaba por empobrecer o
trabalho com a leitura, pouco ou nada contribuindo para a formação do aluno leitor.
Percebemos que há, nesta unidade, uma insistência das autoras em
apresentar os gêneros da tradição oral com o objetivo de levar o aluno a perceber a
musicalidade, o ritmo e a rima, além de fazê-lo entender o caráter educativo e lúdico
de tais gêneros. Os textos estão, em sua maioria, acompanhados de ilustração que,
em nosso ponto de vista, é uma tentativa de relacionar o assunto do texto às
imagens para produzir o sentido.
A seção “Estudo do texto” apresenta um quadro inicial com informações
adicionais que ampliam o conhecimento a respeito do gênero apresentado na seção
de leitura. Consideramos essa estratégia importante por abordar aspectos históricos
e sociais do gênero, uma vez que busca desenvolver no aluno novos
conhecimentos, nesse caso, sobre a cultura popular, uma manifestação que nasce e
se perpetua com o povo. Não podemos esquecer do aspecto literário, pois são
70
poesias que representam a cultura, as crenças e os costumes de uma época ou
região, possibilitando ao leitor entender o fatos do passado, do presente e
possibilidades em moldar o futuro. Pelo fato de a linguagem envolver as relações
humanas, os sentidos são construídos em meio às especificidades de uma
determinada cultura, que podem em alguns casos haver resistência, tensão,
relações de poder o que caracteriza a natureza multicultural das práticas de
linguagem.
Além disso, a linguagem apresenta o seu caráter ideológico, na visão de Gee
(1990), a ideologia é, para este autor, um conjunto de práticas socioculturalmente
construídas, e que influência de forma considerável sobre os significados veiculados
pela linguagem. Em nosso ponto de vista, é desta forma que a linguagem deve ser
tratada na sala de aula, levando os alunos a refletirem sobre os elementos que a
constitui, e a observarem o modo como os diferentes textos se apresentam no livro
didático, os quais podem ser o resultado de uma escolha ideológica na construção
do discurso didático.
Nesta seção, por exemplo, encontramos algumas capacidades sendo
mobilizadas, sendo um momento profícuo para problematizar o fenômeno da
linguagem, pois o aluno tem a oportunidade de discutir e expor sua opinião acerca
do que foi perguntado. Nesse sentido, a capacidade de apreciação ética, na
alternativa 1, da subseção Conversando sobre o texto oferece essa possibilidade.
Além disso, oportuniza momentos de interação verbal, conforme Bakhtin/Volochinov,
(2006[1929]), ao promover o debate entre os participantes do processo discursivo,
podem haver concordância ou refutação.
Lembramos ainda que a capacidade de apreciação ética é recorrente em
todas as atividades de leitura. Em nosso entendimento, tal capacidade é
fundamental na formação integrada do ser humano, pois sabemos que a vida em
sociedade necessita ser conduzida pela ética e o respeito para que se diminua os
possíveis conflitos que cercam as relações humanas.
Nesse sentido, a leitura promove o desenvolvimento da capacidade de
percepção, conscientização e criticidade. Inclui-se neste processo o texto literário
pelas possibilidades de levar o leitor a conhecer entre outras coisas, outras culturas,
outras crenças e outros valores. Destacam-se também as capacidades de
localização de informações, e de inferência local, nas alternativas 2 e 4
respectivamente, da subseção Escrevendo sobre o texto. Como já observamos
71
anteriormente, Rojo (2004) considera essas capacidades como estratégias mínimas
de leitura, pois contribuem muito pouco para uma leitura crítica e autônoma do
aluno.
Ressaltamos que algumas das capacidades identificadas e descritas neste
estudo, se repetem em grande parte, na maioria das atividades de leitura, por isso
optamos por destacar aquelas que consideramos as mais representativas da
unidade. A seguir, apresentaremos mais uma atividade com o gênero quadrinha,
tal atividade foca alguns aspectos linguísticos como a rima, por exemplo.
Nesta seção, a rima e o ritmo aparecem para ampliar o sentido do texto
literário. Vale dizer, segundo as autoras, que este assunto é extenso e abrangente,
e que não há consenso entre os teóricos sobre os aspectos conceituais tanto da
rima quanto do ritmo. No entanto, o material apresenta nas sugestões metodológicas
72
contribuições de Moises Massaud, autor do Dicionário de termos literários, sobre as
definições de rima e ritmo na visão deste autor.
Como podemos notar nesta seção, o recurso de comparação aparece bem
evidente, levando o aluno a identificar as palavras que rimam e a perceber o ritmo
que o poema tem. Assim, a capacidade de comparação presente na questão “a”,
possibilita ao aluno comparar o texto poético com um passáro, permeado pela
linguagem da poesia, numa tentativa de levar o aluno a perceber a relação que se
estabelece entre esses dois elementos.
Para tanto, esse recurso é reforçado na questão “b”, pela semelhança que o
autor impõe através desses mesmos elementos, ou seja, pássaro e literatura são
livres. O pássaro é livre para voar e a literatura, por não ser fixa, permite que o leitor
seja livre para criar e imaginar. Consideramos tal capacidade importante no sentido
de promover o desenvolvimento do conhecimento sobre linguagens, para além das
práticas cotidianas, de refletir sobre o uso em diferentes espaços sociais e com
intencionalidades especificas.
Embora, com base em Rojo (2004), ainda se trate de uma estratégia de
leitura que explora o ato apenas de compreensão e não de interpretação. Apesar de
haver impasses conceituais, como dissemos acima, a rima ainda sobrevive como
forte recurso sonoro no poema. O seu emprego contribui para a percepção da
linguagem literária, conferindo musicalidade ao poema o que provoca
estranhamento do texto literário, contribuindo no desenvolvimento de capacidade
critica do leitor literário.
Continuamos logo abaixo esta mesma seção. As atividades referem-se aos
quatro excertos de poemas. Destacam-se entre eles, Ismália, escrita por Alphosus
de Guimaraenns, poeta simbolista do século XIX, sendo considerada uma das
poesias mais famosas da literatura brasileira, cujo tema central é a loucura da
personagem central.
Faz parte, também, desta seleção, a letra de música, de Chico Buarque, “O
meu guri”, que tem como eu-lírico uma mulher que não tem condições de criar seu
filho, conta sua história para alguém, um interlocutor que ela chama de “seu moço”.
Outro poema que se destaca é do Baiano Luis Gama, “Quem sou eu?” A sua poesia
não buscava apenas destaques poéticos, mas, sobretudo, atitudes face à luta que
enfrentava em um contexto histórico que marginalizava o negro e sua cultura.
73
Por último, o livro traz a escritora Martha Medeiros, que poetiza temas do
cotidiano como: solidão, a liberdade, a dependência, a linguagem, entre outros.
Alguns aspectos nos chamaram a atenção sobre estes quatro poemas: o período
literário de cada poema, o estilo e a visão de seus autores.
Consideramos essa estratégia valiosa para compor o quadro das atividades,
entretanto não vimos nenhuma alusão a respeito dessas questões nas atividades de
leitura. Tais recursos poderiam ser explorados dada a importância que o poema
ocupa, no cenário literário, bem como respectivos autores com suas contribuições
acerca da realidade brasileira. Contatamos que as atividades dão muito mais ênfase
aos aspectos formais da língua, para uma normatização, como sendo a única
autorizada a dizer ou a que convém dizer, do que aquela voltada efetivamente para
o uso permitindo assim, a reflexão e a crítica.
As contribuiçoes de Bakhtin/Volochínov (2006[1895-1975), nos ajudam a
compreender essa dinâmica da língua, porque nessa concepção, o individuo não se
apropria da língua por um sistemas de normas, como defendiam os estruturalistas;
ao contrário, todo o processo discursivo é considerado, por este autor, como
movimento dialógico, que se configura no espaço das interações prático-sociais.
De nossa parte compreendemos que, não é o aspecto da forma como a
língua se apresenta, mas o modo como é usada num determinado contexto
permitindo assim a produção de sentidos.
o essencial na tarefa de descodificação não consiste em reconhecer a forma utilizada, mas compreendê-la num contexto concreto preciso, compreender sua signficação numa enunciação particular. Em suma, trata-se de perceber seu caráter de novidade e não somente sua conformidade à norma. (Bakhtin/Volochínov (2006[1895-1975),p. 96).
Para este renomado pensador russo, o processo de descodificação está no
nivel da compreensão. Em nosso entendimento, a compreensão está no nivel da
interpretação, refere-se àquela leitura que extrapola a estrutura da língua, ou seja, a
forma, possbilitando múltiplas signifcações e sentidos.
Vale dizer que, nessa concepção, não se descarta a estrutura, pois ela é
talvez uma das mais importantes por carregar os enunciados, pressupondo
possíveis análises linguisticas.
74
As questões acima buscam, a nosso ver, provocar uma reflexão sobre o
emprego ou não da rima, de modo que o aluno possa perceber que a rima pode ou
não ocorrer em um poema, isto é, não é obrigatória a sua ocorrência. Buscam
também demonstrar que a sua ausência não compromete a beleza poética do
poema.
Os recursos linguísticos empregados nesses poemas expressam indecisão do
“eu lírico” evidenciadas pelo uso da forma verbal queria e o emprego de palavras de
sentido contrário como subir/descer e céu/mar. Aparece também o gênero verbete
com destaque para a palavra torvelinho.
Quanto às capacidades é visível a mobilização da capacidade de localização
de informações, a mais simples de todas, muito comum nas atividades, não
somente de leitura, como em outras atividades presentes em manuais didáticos de
língua portuguesa. Nesse processo de identificação há, em nosso ponto de vista,
elementos óbvios, pois estes se encontram textualmente descritos, sem que haja
maior complexidade no trabalho de identificação. De modo que contribui pouco para
o desenvolvimento da capacidade crítica.
75
Nas alternativas “d”, “g” e “i”, explora-se a capacidade de inferência global.
Esta se caracteriza por levar o aluno a preencher alguma lacuna do texto não
explicitado pela linguagem escrita. Há uma tentativa de envolver o aluno nos vazios
do texto, para que ele possa compreender os processos estéticos da produção
literária. No entanto, esses vazios só podem ser compreendidos se o leitor tiver
desenvolvido outras capacidades como, por exemplo, leitura de mundo,
compreensão global a respeito do assunto tratado para que possa estabelecer
relações intertextuais e discursivas.
A literatura promove de certa forma essas intertextualidades pelas
possibilidades de compreender a realidade, como afirma Candido (2009), as
diferentes leituras feitas no decorrer da vida nos ensinam a ver a vida de uma outra
maneira, mais plena e mais significativa, pois o homem sempre teve necessidade de
fabulação, quanto mais entra na literatura, sai muito melhor, mais rico para
compreender melhor a si mesmo e ao mundo.
Nas alternativas “g” e “j”, enfoca-se a capacidade de exploração para
processo de compreensão do estético e literário. Nas demais alternativas, solicita-se
apenas e novamente a localização de informações.Não constatamos nenhum
tratamento quanto às questões estéticas do texto literário, mais uma vez Bakhtin
(1979[1997]) nos ajuda a detectar as problemáticas existentes neste aspecto, pois
foi exatamente este o ponto de sua crítica aos formalistas de sua época:
[...] não critica a própria oposição entre arte e não arte, entre poesia e discurso cotidiano, mas o ponto onde os formalistas procuram situá-la. “Os traços característicos do poético não pertencem à linguagem e aos seus elementos, mas somente às construções poéticas”,escreve Medvedev (p. 119; todas as referências remetem às edições originais), e acrescenta: “O objeto da poética deve ser a construção da obra literária” (p. 141). Mas o poético e o literário não são definidos de outro modo pelos formalistas: “Na criação poética, o enunciado rompeu seus laços com o objeto, tal como este existe fora do enunciado, do mesmo modo que com a ação [...]. A realidade do próprio enunciado não serve aqui a nenhuma outra realidade” (BAKHTIN 1979[1997] p. 6)
Podemos depreender que, na concepção do autor russo, a estética do texto
literário não está na materialidade do texto, mas na recriação desta, ou seja, na
arquitetônica, em nosso ponto de vista, é o acabamento que o leitor dará ao texto,
durante o processo de leitura, na interação entre leitor e autor da obra literária,
colocando em debate seus conhecimentos linguístico-discursivos (re)construídos
durante toda a sua vida nas diferentes práticas sociais de interação humana.
76
Nesse sentido, podemos concluir que a leitura, segundo este autor, para ser
uma experiência, precisa ser vivida como um acontecimento na vida do aluno. Para
isso o sujeito-leitor precisa reconhecer que a leitura faz parte da sua história de ser
no mundo.
Em nosso entendimento, o livro didático é uma ferramenta que pode
estabelecer esse intercâmbio com a vida em sociedade a partir dos textos que são
colocados para estudo em sala de aula. Compreendemos ainda que o material faz
circular todo além de conteúdos básicos para a construção do conhecimento faz
também circular discursos que podem ser debatidos e questionados.
Temos a seguir, um quadro que faz parte da a atividade seguinte. Ele contém
algumas informações a respeito dos tipos de rima que um poema pode apresentar.
O conhecimento dessas regras é importante para que o aluno saiba que o
texto literário apresenta algumas especificidades. Em se tratando de poemas, estes
podem ou não apresentar rimas. Saber que as terminologias foram criadas com um
fim também especifico, pois dependendo da posição que as rimas ocupam no verso,
estas podem produzir sons diferentes.
O aluno tem a oportunidade de observar que o texto literário é construído
com a linguagem do cotidiano, mediante o recurso de articulação da própria
linguagem que possibilita o uso e o jogo das palavras.
77
A nosso ver, todas as informações relacionadas à linguagem são de extrema
importância, visto que é pela linguagem que as convenções sociais se organizam,
assim, as regras existem em qualquer circunstância da vida, não muito diferente ao
que acontece na linguagem. As alternativas “a” e “b” da atividade acima, propõe o
que já dissemos anteriormente, a obviabilidade do texto, identificar elementos
textualmente explicitados, no caso do poema, o som produzido nos versos é
provocado pelo emprego da consoante “v”. A repetição dessa letra confere
musicalidade ao poema que combinada com outras palavras assemelham-se ao
barulho do vento.
A respeito dessas mesmas alternativas, a formulação de ambas é muito
simples, contudo, para responder a alternativa “b”, é necessário que o leitor tenha
sido capaz de identificar em “a” tal fonema para construir o sentido. Em nosso
entendimento, está presente a capacidade de localização de informações em “a” e
inferência local em “b”. Percebemos que há uma tentativa em explorar efetivamente
os elementos estéticos do poema através do recurso da figura de som, a aliteração
representado pelo fonema “v”.
A atividade abaixo faz parte da subseção “Praticando”, esta aparece em todas
as unidades de todos os volumes. Observamos nessa parte que a língua é estudada
em seus aspectos estruturais, como sistema, logo, a preocupação é ensinar a
78
gramática, o que acaba conferindo ao texto poético essa responsabilidade de ser
objeto de ensino gramatical. Ressaltamos que por tratar-se de uma das atividades
pertencentes à unidade prototípica, vimos por bem apresentá-la aqui, já que faz
parte da esfera a qual estamos analisando.
Como podemos notar, na questão “a’ por mais que se tenta trabalhar o
sentido literário, fica claro o tratamento dispensado pela obra didática que é a
identificação de um determinado tempo verbal justificando a intencionalidade de seu
uso. Portanto, o texto serve como objeto para estudar aspectos gramaticais.
As capacidades presentes na atividade acima são as mesmas descritas na
atividade acima, ou seja, de localização e de inferência local.
De um modo geral, as atividades mobilizam pouco as capacidades leitoras
que contribuem para a formação crítica do leitor literário, não coadunam com a
função social da literatura, que, a nosso ver, promovem uma inquietação no homem,
a ponto de tirá-lo de uma atitude de alienação imposta pela sociedade e que, ao
mesmo tempo, ocupa seu espaço enquanto sujeito de práticas culturais, capaz de
se ver como fonte e objeto do conhecimento.
Temos também nesta mesma subseção, o haicai, poema de origem japonesa,
que chegou ao Brasil no início do século 20 e hoje conta com muitos praticantes e
estudiosos brasileiros.
79
Vale ressaltar que esse tipo de poema só aparece no volume do 7º ano. Em
nenhum momento, a atividade faz referência sobre a forma, o conteúdo ou
quaisquer outras informações sobre esse gênero poético. A alternativa “a” mobiliza
as capacidades de inferência global e apreciação ética, levando o aluno a se
posicionar face à visão de mundo do eu lírico em relação à vida. Já a questão “b” é
de estudo gramatical. A nossa próxima atividade de leitura contempla o gênero
“cantiga de roda” conhecida universalmente, e que na atividade abaixo tem como
principal destaque o trabalho com a rima.
Nesta outra atividade, a cantiga de roda, gênero conhecido universalmente,
aparece com o objetivo de trabalhar as rimas como destacadas na questão “a”.
Neste caso aparece a mobilização de recursos linguísticos para a compreensão do
80
texto quanto a processos estéticos e literários. Consideramos uma atividade
simples, entretanto, a questão “a” evidencia bem o aspecto intencional do texto, bem
como sua estrutura, os quais ajudam na compreensão global do texto.
A questão “b” segue essa mesma abordagem, há uma preocupação em
identificar apenas o conteúdo temático. Em nenhum momento, a atividade apresenta
questões voltadas para o trabalho com gênero, na perspectiva bakhtiniana: conteúdo
temático, estilo e forma composicional. Semelhantemente ocorre em relação ao
material didático, este não faz no manual do professor nenhuma alusão a essas
contribuições. Analisaremos mais uma atividade desta unidade. O texto é um cordel,
construído a partir de elementos que se aproximam da arte de contar, como pode
ser visto no início da primeira. Como podemos observar, um dos recursos presentes
no texto são a rima e o ritmo, que ajudam o aluno na memorização e assimilação
do verso.
81
Temos inicialmente, neste segundo capítulo, uma proposta para um diálogo,
evidenciada no enunciado, o que pode auxiliar na compreensão do que será lido.
Identificamos assim três capacidades: Predição de conteúdos, a Definição de
objetivo e Levantamento de hipóteses. Todas favorecem a compreensão da leitura,
principalmente se apoiadas em outros conhecimentos como, por exemplo, a época
em que o texto foi escrito, informações sobre o autor, sobre outros textos lidos etc.
Nas palavras de Rojo (2004), o leitor não aborda o texto como uma folha em
branco, mas a partir da situação de leitura, de suas finalidades, da esfera de
comunicação em que ela se dá, de seu título, do levantamento de hipóteses que faz
a partir dos elementos pré-textuais. E, certamente, isso faz diferença no modo como
se lê, além das expectativas que são criadas a partir desses elementos. Percebemos
que a estratégia de leitura apresentada é a de indução, uma vez que o objetivo é
fazer com que os alunos mediante esse procedimento antecipem uma propriedade
do texto e, após a leitura, confirmem ou não a direção tomada antes da leitura. O
excerto abaixo comprova essa interpretação.
82
A seção começa com uma rápida biografia do autor do texto. No entanto, as
informações descritas sobre o autor não são trabalhadas em nenhuma das questões
das atividades de leitura. Na questão “1”, da subseção “Conversando sobre o texto”,
aparece a capacidade Checagem de hipóteses. Em nosso ponto de vista, é a
oportunidade que o aluno tem de verificar se suas expectativas ou formulações
foram correspondidas ou não, podendo confirmar, desconfiar, criar novos
questionamentos durante o processo de leitura, checando quais hipóteses se
adequariam às situações de leitura, construindo assim significados e sentidos acerca
do tema e do texto.
Na questão 2, constatamos a apreciação estética, pois o aluno é estimulado a
expressar seus sentimentos, suas emoções diante do texto lido. Consideramos esta
estratégia positiva, pois, ao tocar nesses elementos, esbarramos na sensibilidade,
contribuindo para que o leitor busque o melhor de si como ser humano. A literatura,
a nosso ver, não pode ser vista apenas como canal de informações, estratégias
pedagógicas na sala de aula; ao contrário, deve ser concebida como fenômeno
estético. Pensar a literatura, nesse viés, é reconhecê-la como arte literária. Arte
numa relação e dimensão dialógica entre o autor, o que cria, e o leitor, o
contemplador da obra lida, tendo em vista a sua inserção no meio social. Sobre este
aspecto Padilha (2005) nos esclarece
83
a formação do leitor literário e do apreciador da arte, que se inicia desde as primeiras séries, precisa levar em conta o universo cultural dos interessados, mesmo que não seja o mesmo (e fatalmente não será) do professor ou da academia, que influencia, direta ou indiretamente, a produção dos manuais didáticos. (PADILHA, 2005, p. 115).
Podemos depreender, a partir dessas contribuições, que a literatura pode ser
ensinada desde as séries iniciais, de maneira responsável e consciente. A respeito
da fruição, Cândido (2009) enfatiza
Negar a fruição da literatura é mutilar a nossa humanidade. Em segundo lugar a literatura pode ser um instrumento consciente de desmascaramento, pelo fato de focalizar as situações de restrição dos direitos, ou de negação deÌes, como a miséria, a servidão, a mutilação espiritual. Tanto num nível quanto no outro ela tem muito a ver com a luta pelos direitos humanos. (CÂNDIDO, 2009, p. 186)
Na visão deste autor, a fruição estética está intimamente imbricada na relação
entre literatura e direitos humanos. Ainda nas palavras deste estudioso, “a
organização da sociedade pode restringir ou ampliar a fruição deste bem
humanizador”. De nossa parte, acreditamos que a leitura de textos literários dá ao
leitor possibilidades de perceber-se no mundo, a compreender e a (re)conhecer as
diversas culturas existentes e o seu valor.
.
84
As questões de 4 a 8 são continuidade da subseção “Escrevendo sobre o
texto”. É importante ressaltar que na alternativa 4, há a mobilização da capacidade
de recuperação do contexto de produção, por meio de elementos da narrativa, além
disso, explora a função social que esse gênero ocupou num determinado tempo
histórico e o contextualiza com autores contemporâneos. Consideramos relevante,
tendo em vista que o aluno precisa situar-se no tempo e no espaço para, através
das informações, extrair elementos para o aprendizado.
Na questão 4, é tematizado o modo de composição tipológica, de maneira
que o aluno possa conhecer a característica do poema cordel, além da diversidade
de conteúdo temático que esse gênero discute . Nas questões de 5 a 8, aparecem
as capacidades de localização e de comparação de informações, além da
capacidade de inferência global. Na subseção Discutindo ideias, construindo valores
é mobilizada a capacidade de apreciação ética, levando o aluno a refletir sobre as
ações praticadas no dia a dia por pessoas na sociedade. Ou seja, o assunto
discutido no poema é colocado como situações da realidade.
A nosso ver, esse procedimento permite desenvolver capacidade de reflexão,
instigando no aluno a tomada de atitudes que considerem as ações éticas e morais
para um convívio social harmônico. Para Bakhtin e o Círculo, poderíamos vislumbrar
aqui uma relação entre o ético – “o mundo e suas mazelas” – e a expressão artística,
o estético, através, no caso, do gênero cordel. Em Explorando a linguagem, os
recursos linguísticos empregados nas alternativas, contribuem pouco para
compreensão quanto aos processos estéticos e literários.
A nosso ver, o tratamento dispensado ao estudo das rimas possibilita a
percepção quanto à articulação da linguagem literária, que é, por excelência, a porta
que se abre de um novo mundo para o leitor. No entanto, não é suficiente para
desenvolver a visão crítica. Entendemos que a linguagem quando bem articulada
tem o poder de criar outras realidades através da imaginação de seu produtor.Não
se pode enfocar simplesmente a forma pela forma. Há necessidade de se
estabelecer a relação da literatura com a vida em sociedade.
O estudo do gênero cordel pode ser muito interessante sob o ponto de vista
cultural, partindo do pressuposto de que as produções desse tipo de gênero são,
em sua maioria, da região Nordeste, consideramos que ele permite às pessoas de
outras regiões do país conhecer as características e os costumes de outras, já que
a linguagem representa a identidade cultural e histórica de um povo.
85
A seguir, temos o gênero Auto, texto originário da era medieval, estabelece na
atividade abaixo um diálogo intertextual.
Como dissemos acima, esta subseção não aparece em todas as unidades do
material. Notamos que o recurso intertextual foi empregado com o objetivo de
trabalhar a capacidade de comparação entre os dois gêneros, levar o aluno a
perceber alguma semelhança e/ou alguma diferença do tema. Constatamos que, a
partir do gênero cordel, há atividades com outros gêneros da mesma esfera literária
como o Auto, por exemplo. Assim, o poema de cordel inspirou o texto Auto da
86
compadecida. O autor Leandro Gomes de Barros é de uma época anterior à do
escritor Ariano Suassuna, que escreveu sua obra em 1955.
De nossa parte, entendemos que o aluno poderá encontrar dificuldades para
estabelecer tais relações no nível temático sem que haja a intervenção do professor,
pois se trata de capacidade de ativação de conhecimento de mundo. Segundo Rojo
(2004), são necessários alguns procedimentos para que a leitura atinja seu ápice de
compreensão, os quais estão ligados às capacidades de leitura: ativação e predição,
compreensão e inferência global etc. As questões acima não apresentam grau de
complexidade de modo a provocar no aluno uma reflexão crítica.
Como se pode perceber, a relação que se estabelece entre os dois textos é
de nível temático, expressas pelas motivações das atitudes dos dois personagens. É
enfatizada a capacidade de comparação nas questões 1 e 2. Já nas questões 3 e 6,
a de inferência global. Todas, em nosso ponto de vista, mobilizam capacidades
mínimas para uma ação mais questionadora por parte do aluno, que contribua,
portanto, para uma melhor apreciação sobre o funcionamento de ambos os gêneros,
suas aproximações e distanciamentos.
A forma como essa subseção foi organizada lembra-nos de que as práticas
de letramento precisam ser ampliadas e isso cabe à escola como agência de
letramento. Ambos os gêneros circularam em contextos sociais diferentes, o que
possibilita ao aluno poder conhecer não somente o contexto social histórico, como
também o conteúdo temático, o estilo e a forma composicional de cada um,
elementos constitutivos, segundo Bakhtin (1952-1953 [2003]).
Aparece apenas o recurso de intertextualidade em torno do personagem João
Grilo. Para Rojo (2009, p.107), um dos objetivos da escola é justamente possibilitar
que seus alunos possam participar das várias práticas sociais que se utilizam da
leitura e da escrita, pois quanto mais acesso tiverem mais possibilidades terão para
o desenvolvimento de capacidades linguísticas e discursivas.
Percebemos que de certo modo, o livro reproduz práticas escolares
tradicionais pela forma como as perguntas são organizadas e direcionadas. Logo
abaixo, temos mais um exemplo, agora, com um excerto de romance, Iracema, de
José de Alencar, o qual está localizado na subseção Ampliando a linguagem.
Notamos que há uma preocupação em trabalhar a tipologia do texto e não ampliar a
discussão numa perspectiva crítica na construção do sentido.
87
Conforme podemos observar, as atividades propostas buscam relacionar os
dois textos pelo recurso de comparação, pois ambos apresentam a forma como
88
Iracema e Martim se conheceram. Portanto, são visíveis as capacidades de
localização e comparação de informações. Há certa progressão na abordagem das
atividades em que tais capacidades se fazem presentes, como podemos constatar
pela proposta de comparação entre duas modalidades de texto: poema e prosa.
Contudo, essa progressão está a serviço da tematização da tipologia do texto e não
da temática discutida no texto-fonte.
Como dissemos acima, não há problematização ou promoção de diálogo com
outras esferas sociais, nem tampouco, o incentivo do leitor a buscar outras fontes de
informações. Quando se desvia o foco para a tipologia, esquece-se da questão
genérica, e as atividades propostas passam a repetir as práticas tradicionais de
leitura e escrita.
Contudo, vale dizer que nesta subseção a capacidade de comparação é
intensificada, a nosso ver, com o objetivo de levar o aluno a perceber como cada um
dos textos se apresenta em suas especificidades. O texto A, por exemplo, está em
prosa. Já o texto B, em versos. Portanto, o aluno precisa, no ato da leitura, colocar
em ação a capacidade de percepção, observar a diferença que existe entre os dois
textos no modo de organização tipológica, por conseguinte, a linguagem literária.
De acordo com Cândido (2009), a literatura está no mesmo grau de
necessidades básicas do ser humano. Assim, o autor reafirma aquilo que se constitui
como direito universal do ser humano, as necessidades básicas. Em seu ponto de
vista, é impossível pensar nessas necessidades sem levar em consideração a
literatura, pois ela está imblicada em todas as ações do ser humano.
No entanto, adverte que, infelizmente, a literatura está restrita a um público
específico, pelo fato de a maioria não reconhecê-la como uma necessidade básica,
enxergando-a como um direito, no mesmo patamar dos direitos fundamentais. Nesse
sentido, a literatura é concebida não somente como parte integrante dos direitos do
homem, mas também como um fator de inclusão, um mecanismo de combate e
autorreconhecimento. Temos, a seguir, a reprodução gráfica apenas dos gêneros
que trabalham com a leitura.
Em nosso ponto de vista, o modo como o material didático trabalha o texto
literário ficou evidente que a literatura em relação a outros textos ocupa um lugar
menor e o tratamento deste é inadequado, deturpado, fragmentado, ou seja,
didatizado.
89
Neste outro exemplo, temos o poema narrativo que conta uma história
estruturada em versos. Aparece a capacidade de resgate da produção do gênero.
Por mais que estejamos analisando atividades de leitura, vale destacar a alternativa
“b”, envolvida numa proposta de produção escrita, o que equivale a possibilidades
de inserir o aluno em diferentes práticas letradas, seja elaborando registros de uma
atividade, escrevendo letras de música, seja transformando um gênero em outro.
São algumas estratégias que poderiam ser consideradas na promoção do
letramento. A respeito destas práticas, a pesquisadora Corti etal (2012), nos
apresenta uma reflexão.
Para refletir sobre a educação de jovens, é necessário, em primeiro, lugar, compreender quem são esses eles, o que fazem, o que
pensam, o que esperam e o que sentem diante do conhecimento. (CORTI, 2012, p. 17).
Coaduna neste mesmo pensamento Monte Mór (2013), o desenvolvimento de
capacidades críticas deve ser uma prioridade nas propostas educacionais, para
tanto, é necessário considerar as práticas de letramentos. Assim, em nosso ponto
de vista, com a leitura, não é diferente: indagar-se sobre o jovem leitor ou não leitor
90
implica, antes de qualquer coisa, saber quem é este jovem, o que lê, onde, quando e
por quê, bem como descobrir o que ele não lê, e os motivos desse distanciamento.
Nesse sentido, vale dizer que a escola, em grande parte, não considera o
conhecimento que o aluno já tem construído para, a partir deste, elaborar suas
práticas.
Antes de iniciar a interpretação do texto, de acordo com as sugestões no final
do livro, o professor poderá propor aos alunos uma encenação desse desafio. Além
de lhes propor que a atividade seja feita em duplas, orienta também a prestar
atenção à entonação dos enunciadores do texto. Notamos, logo no início desse
texto, na parte pré-textual, as capacidades de levantamento de hipóteses,
91
compreensão global e definição de objetivos. A forma como as autoras articularam
a apresentação do texto mobilizando tais capacidades contribui para criar
expectativas do que será tratado, e instiga principalmente a curiosidade, logo mexe
com o imaginário.
Após a apresentação do texto são apresentadas algumas informações acerca
do gênero proposto para leitura, a peleja, o qual será estudado não somente nas
atividades de leitura, mas nas demais seções deste capitulo. Vale lembrar, que a
unidade organiza-se em dois capítulos, cada um com leitura 1 e leitura 2. Além
disso, essas informações acompanham ilustrações dos instrumentos usados na
forma como esse gênero chega até o leitor, o que possibilita também o
conhecimento deles. Não podemos deixar de reconhecer que as informações
complementares favorecem a compreensão do gênero, já que resgata de forma
objetiva a sua origem e sua exposição e manifestação no decorrer do tempo.
92
Na subseção Conversando sobre o texto, nas questões 1 e 2, aparecem as
capacidades estéticas e éticas, as quais promovem não somente a interação entre
os alunos, mas os leva a refletir sobre a importância de ouvir a opinião do outro,
pois, muitas vezes, as pessoas têm conhecimentos e experiências para
compartilhar.
Ressaltamos que, na questão 1, está presente a capacidade de Checagem de
hipóteses completando, em nosso ponto de vista, o processo harmônico em relação
à capacidade de levantamento de hipóteses, presente na parte pré-textual.
Notamos, ainda, que este gênero é o único que se destaca com atividades que
exploram mais intensamente os recursos linguísticos, através dos jogos de palavras,
trocadilhos, rimas e figuras de linguagem que recriam a realidade de uma maneira
divertida e engraçada.
Na seção Escrevendo sobre o texto, notamos primeiramente as
características estruturais do gênero, presentes nas questões 1 e 2, mobilizando a
capacidade do contexto de produção do gênero e sua função social. Encontramos
na questão 2, alternativa D, a capacidade de exploração de recursos estéticos com o
objetivo de demonstrar a musicalidade presente nesse tipo de gênero. Também a
capacidade de adequação da linguagem de acordo com a situação de comunicação,
ou seja, a aproximação do aluno ao padrão linguístico do texto, na alternativa “F” .
Essa atividade possibilita ao aluno conhecer não somente o gênero e sua
organização tipológica, mas também o uso e a forma da linguagem empregada,
como, por exemplo, os sujeitos envolvidos nessa produção e recepção, que são os
cantadores e a plateia, além do contexto social em que esse tipo de gênero é
produzido, como as festas, as praças públicas, entre outros.
A exploração dessas capacidades favorece a formação do aluno como leitor
literário porque, a partir de práticas efetivas de aproximação do literário, o aluno
percebe a questão da sonoridade nos poemas, nas trovas, distinguindo entre
fonemas e repetições. Em nosso ponto de vista, a literatura tem seus elementos
próprios, meios singulares, que estimulam a imaginação por meio da transfiguração
da realidade, como também provoca a curiosidade e a motivação sobre
determinados fatos, assuntos que o leitor ainda desconhece, o que pode favorecer a
possibilidade de abertura para espaços para formação do leitor literário. Assim,
concordamos com Rezende (2013)
93
uma literatura seja real, próxima, democratizadora, efetivamente lida e discutida, aberta, sujeita à crítica, à invenção, ao diálogo, ao pastiche, à leitura irônica e humorada, inserida no mundo da vida e em conjunto com as práticas culturais e comunitárias, sem medo de julgamentos”( REZENDE, 2013, p.77).
Nesse sentido, é fundamental para promover a compreensão estabelecida
entre a literatura e a realidade social. Por outro lado, vale lembrar que esse tipo de
gênero circula mais na região Nordeste do país, refletindo variedades linguísticas
características de algumas partes dessa região. Além disso, explorar os recursos
linguísticos das rimas e estrofes presentes no texto contribui para a percepção da
linguagem literária.
Se observarmos bem, nessa mesma questão, aparece visivelmente uma
abordagem interacionista, propondo ao aluno o diálogo com os colegas, na criação
de possíveis descobertas a respeito do texto. Esta estratégia também é bastante
positiva, pois nessa inter(ação), há uma constituição entre sujeitos mediados pela e
na linguagem, produzindo e refratando os sentidos.
Para Freire (1998), na compreensão de leitura como leitura de mundo, o
significado de textos se expande para os vários contextos ou realidades com os
quais os indivíduos interagem, sendo essa interação reveladora a que o autor
denominou de “consciência crítica” desses participantes.
Nesse sentido é preciso ver o processo de leitura na sua abrangência social e
não apenas na sua dimensão textual. Assim, fica evidente a necessidade de dar
espaço ao trabalho com a linguagem, que se constitui um dos problemas apontados
em relação à proposta de pedagogia crítica desse autor. A respeito da educação
bancária e problematizadora, o autor assim as define
94
a prática bancária (...) implica uma espécie de anestesia, inibindo o poder criador dos educandos; a educação problematizadora, de caráter autenticamente reflexivo, implica um constante ato de desvelamento10 da realidade. A primeira pretende manter a imersão; a segunda, pelo contrário, busca a emersão das consciências, de que resulte sua inserção crítica na realidade. Quanto mais se problematizam os educandos, como seres no mundo e com o mundo, tanto mais se sentirão desafiados. Tão mais desafiados, quanto mais obrigados a responder ao desafio. Desafiados, compreendem o desafio na própria ação de captá-lo. Mas, precisamente porque captam o desafio como um problema em suas conexões com outros, num plano de totalidade e não como algo petrificado, a compreensão resultante tende a tornar-se crescentemente crítica, por isto, cada vez mais desalienada. (p.40).
Em nosso ponto de vista, a reflexão sócio-ideológica sobre a linguagem e o
discurso é fundamental para um trabalho voltado para o letramento crítico dos
alunos. A atividade abaixo retoma partes do texto selecionado para a leitura.
Como podemos observar, a atividade retoma partes dos versos do texto
Peleja, a nosso ver, com o propósito de fixar aspectos conteudísticos em relação as
figuras de linguagem, que são importantes na construção do texto. Ao retomar
parte do poema, o aluno entra novamente em processo de leitura , com
possibilidades para aprofundar em aspectos mais formais da linguagem, como
também o de buscar outros sentidos para a leitura até então não percebidos.
Nas três ocorrências, constatamos a capacidade de exploração de recursos
linguísticos e literários para a compreensão de processos estéticos. Além da
capacidade de comparação exigida entre os trechos A e B. Nessa construção,
10
Grifo nosso.
95
podemos pensar na relação entre linguagem, sentido e letramento critico. Pois é
pela linguagem que o leitor se manifesta, evocando determinados discursos,
posicionando-se e, consequentemente atribuindo sentido, numa atividade crítica,
problematizadora que se concretiza através da linguagem como prática social.
A atividade acima tematiza as variedades linguísticas, forma como a língua
varia de acordo com algumas condições. Tem como objetivo levar o aluno a
perceber que a língua não é fixa, homogênea, mas dinâmica e flexível, que muda
para atender certas necessidades de comunicação em determinados contextos.
Logo no início do enunciado é descrito que “a linguagem não está de acordo com as
normas urbanas de prestígio”.
Fica subtendido, em nosso ponto de vista, certo preconceito principalmente
pelo uso das palavras “acordo” e de “prestígio”. No entanto, é importante que os
alunos compreendam como as variações acontecem, a fim de conseguirem observar
que em cada contexto há uma maneira de falar mais adequada. Assim, é explorada
a capacidade relações e dimensões sociolinguísticas, no poema como um todo, já
que, no assunto tratado, configura-se o trabalho com as variedades linguísticas.
Nesta atividade, o aluno é conduzido a comparar essa variedade à variedade formal,
96
considerada a de maior prestígio social. No caso da peleja, o uso da variedade
linguística é bastante coerente dado o contexto de sua produção e recepção.
Além disso, há a presença do literário, para o qual existe certa permissão, no
sentido de não haver exigências quanto à gramática normativa. Como também a
presença dos recursos de rimas e musicalidade garantem certa permissibilidade e
liberdade de brincar com as palavras. Não sendo, portanto, alvo de preconceito. O
mesmo não aconteceria em outras situações do cotidiano em determinadas esferas
em que os sujeitos se veem obrigados a participar. Para finalizarmos nossas
análises, apresentamos o texto abaixo, que explicita um pouco mais este assunto, e
que faz parte da subseção acima “Ampliando a linguagem”.
Como podemos observar, as alternativas de “a” a “d” focalizam o uso e o
registro da linguagem nas diferentes variações da língua, explicitadas acima,
97
destacando as mudanças linguísticas. Com relação às capacidades, destacam-se as
de localização e comparação de informações evidenciadas na alternativa “a” e “d”.
Na alternativa “b” e “c” temos simultaneamente as capacidades de exploração das
relações sociolinguísticas e inferência local, já que respectivamente tentam
demonstrar a expansão do uso da linguagem, não somente pelo emprego do léxico,
neste caso, o emprego de gírias, mas o fato de mostrar ao aluno, que esse emprego
também pode estar relacionado à cultura, a idade do falante, a certas preferências
estilísticas e conhecimento que este tem sobre a língua(gem).
Assim, um dos recursos mais importantes desse gênero é, sem dúvida, a
linguagem utilizada, no caso, a coloquial, o que pode ser considerada inadequada
em alguns contextos em que a exigência seja outra, e não esta, ou seja, alguns
termos empregados podem não estar de acordo com a norma urbana de prestígio.
No entanto, é importante salientar, como dissemos acima, que o contexto em
que as pelejas são produzidas permite o emprego desse tipo de linguagem. Além
disso, favorece a comparação com outros gêneros de esferas diferentes e, por
conseguinte, a linguagem empregada neles.
Para nós, este recurso é válido para apresentar ao aluno a diversidade de
textos que circulam em nossa sociedade, como também mostrar o nível e o estilo da
linguagem correspondente a cada texto enunciado. Entretanto, reforçamos que esse
procedimento distancia do objetivo principal da seção que é a leitura. No mais,
queremos frisar que encontramos uma variedade de atividades em atividades de
leitura, no entanto, elas focalizam mais capacidades de compreensão do que de
interpretação. Portanto, exploram capacidades mínimas que contribuem para a
formação do leitor literário.
Ressaltamos ainda, que a maioria dos textos são excertos, vem
fragmentados, o que pode enfraquecer as atividades de leitura. Em nossa opinião,
tal fato prejudica a compreensão do aluno, pois não se tem acesso ao todo do texto,
deixando aspectos que podem interferir na compreensão geral, uma vez que, ao
privilegiar determinado aspecto, deixa-se um, em detrimento de outro, que poderia
ser mais significativo daquele que foi selecionado. De qualquer forma, a
fragmentação, a nosso ver, não é adequada para o ensino de leitura, pois existem
capacidades que podem ser desenvolvidas durante o ato de ler, pois se trata de um
processo que caminha para se solidificar. Além disso, como ficaria o trabalho com o
gênero, sem o estudo do “todo”, na perspectiva proposta pelos Parâmetros
98
Curriculares Nacionais, que se baseia na teoria bakhtiniana? Ainda que acreditamos
que a aprendizagem não se concretiza de modo completo, pois sempre haverá algo
de inacabado, partindo do pressuposto de que a aprendizagem é apreendida
concomitantemente à constituição do sujeito, e esta vai depender de práticas de
interação. Ainda que consideremos elementos dessa incompletude, eles são
necessários e importantes, pelo fato de a fragmentação poder omitir conhecimentos
e informações que venham a contribuir para a formação do leitor critico literário.
Assim, a nosso ver, considerar muito mais estas capacidades que outras de
cunho discursivo é não reconhecer que o individual é afetado pelo coletivo, ou seja,
pelo social. Justificam-se, com isso, os resultados já mencionados nesta pesquisa,
dos sistemas de avaliação a respeito da leitura, pois são as capacidades que mais
aparecem nos manuais didáticos, logo, os índices de leitura serão um reflexo dessa
produção, desse revozeamento, sem que haja, por parte do aluno questionamentos,
ou qualquer tipo de percepção em relação ao texto, pois segundo pesquisadores,
como Rojo (2004), Pereira (2004), existem níveis de letramento, quando maior for o
ambiente e as estratégias para a leitura e outros mediadores de aprendizagem,
maior será o nível de letramento do aluno.
Dessa forma, as capacidades textuais e discursivas são pouco exploradas,
aquelas que contribuem para uma interação participativa e critica da realidade social,
permitindo uma autonomia em relação à inserção do sujeito leitor em diferentes
contextos da sociedade. Nesse sentido, a linguagem, concebida como discurso,
permeia todo esse universo de relações, do imaginário, o processo de aquisição de
informações e de conhecimento, de modo que o aluno é levado a perceber que o
texto é um objeto inacabado, que só se completa no momento da interação com o
leitor.
De acordo com Vygotsky (1998), todas as atividades cognitivas básicas do
indivíduo ocorrem de acordo com sua história social e acabam se constituindo no
produto do desenvolvimento histórico-social de sua comunidade. Coaduna com este
mesmo pensamento Freire (2013), ao compreender que nenhuma atividade de
leitura deve ser iniciada sem que os alunos se encontrem suficientemente motivados
para isso. Nas palavras deste autor, devemos considerar o conhecimento prévio do
aluno, revelando, assim, uma capacidade cognitiva, no entanto, como já dissemos,
tais capacidades são insuficientes para uma leitura problematizadora, aquela que
(re) produz o sentido e a consciência do sujeito leitor.
99
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Este trabalho buscou, desde o seu início, discutir a formação do leitor literário
no Ensino Fundamental, sob o viés do letramento crítico. Para tal desafio,
propusemo-nos a analisar uma coleção de livros didáticos de língua portuguesa,
adotado por uma das escolas públicas da cidade de Cuiabá – MT, considerando
que, na maioria das escolas públicas brasileiras, o livro é uma das principais
ferramentas de apoio utilizada pelo professor para mediar os conteúdos de uma
dada área de conhecimento.
A respeito do livro didático, Barbosa (2001), nos ajuda a pensar o seu uso em
sala de aula
o livro didático acaba por definir o currículo – os objetivos que devem ser atingidos, os conteúdos que devem ser ensinados, a progressão curricular (ou a sua ausência), a metodologia de trabalho e, em alguns casos, até a forma de avaliação – esvaziando o papel do professor.(BARBOSA, 2001, p. 209)
Nas palavras desta pesquisadora, o livro didático, por razões históricas das
mais variadas ordens, acabou por assumir um lugar central nas práticas escolares,
sobretudo das escolas públicas. Uma das razões foi o aumento da demanda de
professores, que passaram a atuar a partir da década de 60, com a democratização
de acesso à escola, de tal modo que a contratação desses profissionais docentes
tornou-se mais ampla e menos seletiva. Barbosa (2001), aponta para certa
deteriorização da formação docente, e o livro didático teria tido, então, o papel de
suprir as lacunas.
De nossa parte, entendemos que o livro didático, sobretudo o de língua
portuguesa, preserva uma abordagem estruturalista da linguagem, numa tentativa
de uniformizar a língua, talvez pelo fato de a escola trabalhar com o ensino formal,
priorizando assim a variedade padrão, ou pelo fato do livro buscar atender às
exigências e interesses políticos e econômicos, tendo em vista o mercado editorial.
No mais, coadunamos com esta pesquisadora, no que se refere às práticas
pedagógicas, ritualizadas em sala de aula através do uso do livro didático,
assumindo algumas vezes uma abordagem canônica, que privilegia certos autores,
prioriza certas editoras, principalmente do sudeste do país.
Notoriamente, a escola é a instituição responsável pela preparação do aluno,
mediante uma ação pedagógica que deve estar vinculada ao mundo do trabalho e
às práticas sociais. No entanto, essa prática nem sempre está associada a correntes
100
teóricas que dão os subsídios para a ação pedagógica, além disso, nem sempre o
professor dispõe de estratégias para o desenvolvimento do letramento dos alunos.
Muitos ainda estão ancorados numa concepção de linguagem como código, como
estrutura, sem considerar os aspectos discursivos, logo, o ensino da leitura também
segue essa mesma trajetória. Levando em conta tal contexto, nosso estudo teve
como objetivo responder as seguintes questões de pesquisa:
1. Quais gêneros da esfera literária estão presentes em uma coleção de livros
didáticos de Língua Portuguesa do 6º ao 9º ano do Ensino Fundamental?
2. Dos gêneros literários encontrados, quais são trabalhados em atividades de
leitura?
3. Que capacidades leitoras são mobilizadas por meio das atividades nas seções de
leitura da coleção que colaboram para a formação do leitor crítico literário?
Para responder a primeira pergunta de pesquisa, fizemos um levantamento
quantitativo através da contagem manual, nas páginas de cada volume, catalogando
a ocorrência conforme a aparição de cada gênero, em planilha de Excel, como
podemos comprovar no gráfico 5, apresentado no capítulo 2 dessa dissertação,
retomado abaixo, em que os resultados estão descritos em quantidade total de
ocorrência e, dessa ocorrência, o total em leitura.
Gráfico 5
Fonte: elaboração própria
101
Ressaltamos ainda que os gráficos ilustrados no capítulo 2, no item 2.7, de
metodologia, demonstram os gêneros presentes em cada um dos volumes da
coleção analisada, respondendo assim, nossa primeira pergunta de pesquisa.
Conforme dados analisados anteriormente, encontramos no volume do 6º
ano, o total de 56 textos distribuídos em 12 gêneros. Desse total, 19,64% são
excertos que correspondem a 11 episódios. Como o nosso objetivo foi verificar a
leitura, esta aparece apenas em 15 ocorrências, o que corresponde a 26,78% em
leitura.
O 7º ano contemplou 86 ocorrências com textos distribuídas entre 21 gêneros
diferentes: peleja, quadrinha, trava-língua, auto, cantiga de roda, crônica, lenda entre
outros. O total de excertos foi em torno de 34,88%. Já o 8º ano com 66 textos que
foram distribuídos em 09 gêneros distintos, a saber: apólogo, biografia, conto, novela
etc. Desse total, 41 são excertos que totalizam um percentual de 62,12%. E, por
último, o 9º ano, com 40 sinalizações textuais em 09 gêneros entre eles: romance,
poema, conto etc. O total de excertos desse volume é de 85%, ou seja,
correspondente a 34 ocorrências.
O que nos chamou a atenção foi o fato de a maioria dos textos apresentar
resumidamente a obra original. Por um lado, pensamos que isto é devido às
condições de extensão do material impresso, que necessita também trabalhar outros
aspectos da área de linguagem, o que é coerente. Mas, por outro, preocupa-nos o
fato de a fragmentação limitar o trabalho com o texto numa visão teórico-didática,
através dos gêneros do discurso, abordagem defendida por Barbosa (2001), com
base nos pressupostos de Bakhtin/Volochínov (2006 [1929]). A orientação dada pela
fundamentação teórica de viés bakhtiniana, que também embasa os PCN, é de se
considerar sempre o “todo” ou a “totalidade do enunciado”, o que não acontece
nessa coleção, até mesmo por falta de indicações ao professor ou ao aluno de que
leiam, em momentos extraclasses, a obra toda.
Constatamos que a maioria dos textos é de autores brasileiros e que a
incidência maior é dos canônicos, como por exemplo Pedro Bandeira, Luis Fernando
Veríssimo, Ulisses Tavares, Marina Colasanti, Machado de Assis, William
Shakespeare, Tatiana Belinky, Fernando Veríssimo, Chico Buarque de Holanda,
Patativa do Assaré, Ariano Suassuna entre outros. O que acaba por atribuir certo
valor literário legal, permitido, legitimo, em detrimento de outras que implicitamente
não contêm.
102
Para responder a segunda pergunta de pesquisa, ancoramo-nos novamente
no gráfico 5. Dos gêneros encontrados, nos quatro volumes de 6º ao 9º ano,
constatamos, respectivamente, 15, 21, 15 e 08 ocorrências em leitura,
representadas pela cor verde no respectivo gráfico. Esses resultados nos levam a
refletir sobre o papel que a leitura e, principalmente a literatura ocupa na sala de
aula, conforme vários estudos apontados por pesquisadores, dentre eles Mello
(2009), citada anteriormente. Para esta pesquisadora, a literatura é um instrumento
que possibilita despertar sentimentos mais profundos no ser humano, além de
despertar o senso crítico e estético, além do fato perder espaço na vida social.
Nesse sentido, considera que nos tempos atuais está em extinção, assim como os
animais e vegetais que alguns lutam para preservar.
A literatura cada vez mais tem ocupado um espaço menor na sala de aula.
Assim, o texto literário tem sido enfocado numa visão puramente gramatical e
esquemática, numa didatização equivocada, sem que haja a exploração do trabalho
com a linguagem, através do estudo dos recursos estéticos e literários que o
constituem. Além disso, esquece-se um de seus aspectos fundamentais para a
formação integrada do homem: o seu caráter humanizador, aspecto importante do
ponto de vista de Cândido (2009).
Todo esse levantamento possibilitou encontrar dados para responder nossa
última pergunta de pesquisa. Quais capacidades leitoras as atividades mobilizam?
Os resultados apontaram que a incidência mais relevante é das capacidades de
compreensão, em detrimento das capacidades de interpretação, conforme
classificação de Rojo (2004), autora em que nos embasamos. Tampouco a coleção
explora aquelas que trabalham a estética e fruição do texto literário. Ou seja, o
tratamento dado à leitura literária é o mesmo que é dado à leitura dos textos em
gêneros das demais esferas, enfatizando capacidades básicas, como a localização e
cópia de informações, comparação e inferências simples.
Esta constatação já havia sido feita por Padilha (2005), na análise de livros do
início dos anos 2000. Agora, passados dez anos, pouco se tem avançado quanto ao
tratamento dispensado à leitura literária pelos manuais didáticos.
Antes de finalizarmos nossas considerações, apresentaremos, a seguir, um
texto narrativo, para verificar o tratamento dado aos gêneros do narrar, tendo em
vista que o corpus selecionado, conforme critério descrito em nosso capitulo de
103
metodologia, trouxe, em sua maioria, atividades de leitura relativas a textos em
gêneros poéticos.
A atividade abaixo está localizada neste mesmo volume do 7º ano, na
unidade 5, capítulo 2, leitura 1, e explora o gênero lenda.
O texto traz como ideia central o surgimento do rio Amazonas. A lenda é um
gênero que existe há muitos anos, passado de geração em geração, faz parte da
cultura popular. Portanto, carrega certa simbologia, já que a cultura e a crença
fazem parte desse tipo de história. Para verificarmos quais são as capacidades
mobilizadas, tomamos apenas a subseção “Escrevendo sobre o texto”, que faz parte
da seção “Estudo do texto”, como parâmetro para nossas observações e análise.
Assim, se observarmos bem, a maioria das alternativas focam mais capacidades de
compreensão que de interpretação.
Esta tendência nas atividades de leitura nos leva a recuperar as contribuições de
Bakhtin a respeito da compreensão ativa e passiva
A compreensão de uma fala viva, de um enunciado vivo é sempre acompanhada de uma atitude responsiva ativa (conquanto o grau dessa atividade seja muito variável); toda compreensão é prenhe de resposta e, de uma forma ou de outra, forçosamente a produz: o
104
ouvinte torna-se o locutor. A compreensão passiva das significações do discurso ouvido é apenas o elemento abstrato de um fato real que é o todo constituído pela compreensão responsiva ativa e que se materializa no ato real da resposta fônica subsequente. (BAKHTIN, (2003 [1952-1953])
Em nosso entendimento, a compreensão ativa corresponde à leitura critica,
autônoma e emancipada, aquela que seja capaz de posicionar-se frente às
situações que exijam poder de decisão, (auto)crítica), análise, além de estabelecer
relações lógicas e semânticas, o que equivale dizer que está no nível da abordagem
enunciativo-discursiva. O espaço em que o sujeito assume a voz, de forma
consciente, sensata, com autonomia. Já a compreensão passiva coaduna com a
leitura decodificativa, ainda presa ao sistema da língua, ou seja, com enfoque
mecânico na materialidade linguística, sem romper a barreira do verbal, para atingir
o extraverbal, espaço em que ocorrem as interações mediadas pelo fenômeno vivo
que é a linguagem.
É justamente aqui que consideramos o nosso trabalho como uma das
possibilidades de (re)discutirmos como fenômeno principal a leitura, numa
perspectiva enunciativo-discursiva, já que ela permeia todas as práticas de atividade
humana. Advogamos justamente por um trabalho com a leitura que se direcione para
uma compreensão mais ativa, por parte de nossos estudantes, dos fenômenos
discursivos e ideológicos da linguagem, a partir das possibilidades apresentadas
pelo texto literário. Conforme já assinalamos anteriormente, constatamos, nos
manuais analisados, que as atividades de leitura mobilizam muito mais capacidades
de compreensão que capacidades discursivas.
Com especial destaque para as capacidades de localização e comparação de
informações, consideradas por Rojo (2004) como básicas, insuficientes para uma
leitura crítica. Além dessas, evidenciamos outras como, por exemplo, as de
inferência local e global, percepção de intertextualidade, exploração da
materialidade do texto entre outras. Em nossa opinião, essas capacidades, da forma
que são trabalhadas em atividades simplificadas, têm pouca ou quase nenhuma
participação na formação do leitor critico literário. Vale ressaltar que, na avaliação
deste material didático, referentemente à seção “Estudo do texto”, descrita na
resenha do PNLD (2014),
consideram-se tais atividades profícuas para a formação do leitor. No âmbito da leitura, além da diversidade de gêneros, tipos e autores da coletânea, as atividades contemplam diferentes estratégias
105
cognitivas para a reconstrução de sentidos e a consequente compreensão global do texto. Propriedades textuais e discursivas, argumentatividade, planos enunciativos, relações e recursos de coesão e coerência, além da própria materialidade do texto, são questões também exploradas nas atividades. No caso dos textos literários, são recorrentes as propostas de apreciação estética e de exploração dos efeitos de sentido, o que propicia a formação do leitor para textos dessa natureza. (PNLD 2014, p. 115)
Entretanto, nossas análises evidenciaram o oposto, com base no
levantamento de dados, nos gráficos da análise quantitativa e nos quadros de
capacidades leitoras, da análise qualitativa, as atividades priorizadas para leitura
não contribuem para a formação leitora dos alunos numa perspectiva de letramento
crítico. Tampouco para o letramento literário, dada a insuficiência da quantidade de
ocorrências de textos em gêneros dessa esfera, como também daqueles destinados
à leitura, embora este não seja a nossa abordagem.
Além disso, as atividades não mobilizam capacidades que explorem
recursos linguísticos para a compreensão do texto quanto a processos estéticos e
literários, o envolvimento do leitor na leitura dos vazios do texto, a percepção da
interdiscursividade, as relações e dimensões sociolinguísticas, os planos
enunciativos, como também do não estímulo à fruição estética e à apreciação crítica
da produção literária. Aliás, vale enfatizar que, sobre esta última capacidade, não
encontramos, nos volumes analisados, nenhuma atividade a que contemplasse.
Não evidenciamos, também, nenhum estímulo à leitura da obra de que o texto
faz parte com outras obras relacionadas, e a discussão de questões relativas à
diversidade sociocultural quase não aparece.
Notamos, ainda, uma diminuição dos textos literários na passagem dos
volumes, ao invés de aumentar, eles diminuíram, a comprovar pela ocorrência do 6º
ano com 86 textos para o 9º ano com apenas 40. Isso traduz uma falta de aumento
da complexidade em relação à leitura literária, e falta de progressão no decorrer dos
volumes.
Concordamos com Rojo (2012), nesse contexto, de leitura e letramento, ao se
pensar no ensino de leitura na escola significa pensar nas relações sociais das
diferentes práticas envolvidas em que o uso da linguagem se faz necessária, com
possibilidades a diferentes acessos, incluindo-se, nesse cenário, os múltiplos
letramentos. Isso significa considerar as maneiras multimodais para a construção do
sentido. Relacionar o ensino de leitura e escrita à diversidade cultural, de forma
106
global e contextualizada. Acrescenta-se, da mesma forma, o que Corti etal (2012)
defende, os letramentos “invisíveis”, aqueles que a escola não incorpora nas práticas
didáticas porque privilegia gêneros oficiais, canonizados na esfera escolar, sem
considerar as várias práticas de letramento nas quais o aluno está imerso todos os
dias, tanto de textos orais como escritos.
Assim, na visão desta pesquisadora, todo esse conjunto de usos sociais da
leitura e da produção escrita, de usos orais baseados em discursos constitui formas
de letramento variadas e significativas na constituição dos sujeitos.
De nossa parte, acreditamos que inclui-se nesse conjunto, a leitura literária
dada a importância na formação integrada do homem e sua relação com a
sociedade. Outro dado que nos chamou a atenção foi o resultado da análise
quantitativa, o qual nos possibilitou identificar o total de ocorrências dos gêneros
presentes nos manuais analisados, e desse total verificar quais efetivamente tratam
da leitura.
Nossa pesquisa revelou que a quantidade é mínima em dois aspectos:
primeiro, a quantidade de gêneros literários em relação a outros de esferas sociais
diferentes; segundo, das ocorrências encontradas, são pouquíssimos aqueles
destinados à leitura, como por exemplo, o gênero “Poema” com 21 textos, presentes
no volume do 6º ano, mas somente 01 texto é usado para atividade de leitura. Os
demais estão contemplados nas seções “A língua em estudo”, “Refletindo e
conceituando”, “Praticando” entre outras, numa perspectiva mais estruturalista que
discursiva, esquecendo-se de privilegiar a leitura do texto literário e, principalmente,
sua função na dinâmica social.
Vale ressaltar ainda que, embora alguns gêneros abordasse a leitura, não
significa que esta tenha sido tratada numa perspectiva discursiva, problematizadora,
crítica, ou, que tenha contemplado capacidades suficientes para o letramento crítico
dos alunos. É necessário, pois, ampliar as práticas e capacidades de leitura dos
alunos, mas antes disso, implica, em nossa opinião, reconhecer que eles já
participam do mundo letrado e, de outro, identificar as diferentes maneiras como isso
acontece. Coadunamos com Kleiman (2007), ao salientar que o professor é o
principal agente de letramento, logo, cabe a ele o papel de criar estratégias que
possibilitem a aprendizagem dos alunos, a começar pela identificação do que eles
são e fazem. Creio que este seja um trabalho que leve em conta a ZPD do aluno, na
visão de Vygotsky, conforme descrevemos no segundo capítulo desse trabalho.
107
Assim, a partir do momento em que as experiências de leitura do aluno forem
reconhecidas pela escola, o letramento do aluno então passa a ser definido como o
objetivo da ação pedagógica, logo o movimento será da prática social para o
conteúdo, nunca o contrário. Acreditamos que, dessa forma, a aprendizagem fará
muito mais sentido para o aluno, pois as interações construídas no âmbito escolar
possibilitarão ao aluno saber como agir discursivamente numa dada situação.
Pesquisadores como Vygotsky e Freire também apontam vantagens na
aprendizagem do aluno quando submetidos às diferentes práticas sociais de
interação humana. Em nosso entendimento, essa aprendizagem começa pela
linguagem, já que ela é um modo de inserção social. Logo, os sujeitos se constituem
na alteridade. Não podemos ignorar o papel que a literatura ocupa na formação do
indivíduo, pelo fato de estar articulada com o mundo da vida, com a história e o
contexto social-econômico-cultural. Retomamos Cândido (2004), “o poder formador
dos textos que trazem “livremente em si o que chamamos de bem e o que
chamamos de mal” e, por isso, humanizam”
Entendo aqui por humanização [...] o processo que confirma no homem aqueles traços que reputamos essenciais, como o exercício da reflexão, a aquisição do saber, a boa disposição para com o próximo, o afinamento das emoções, a capacidade de penetrar nos problemas da vida, o senso da beleza, a percepção da complexidade do mundo e dos seres, o cultivo do humor. A literatura desenvolve em nós a quota de humanidade na medida em que nos torna mais compreensivos e abertos para a natureza, a sociedade, o semelhante. (CÂNDIDO, 2004, p. 180)
Em nosso ponto de vista, num mundo e numa escola cada vez mais
pragmáticos, reconhecer o direito à literatura implica primeiramente quebrar alguns
paradigmas na concepção daqueles que se dedicarão à formação desse tipo de
leitor, pois é necessário antes ter compreendido que a literatura é indispensável,
porque transgride o senso comum, porque nos desloca, permitindo um olhar
diferente para o mundo, porque nos faz descobrir o que não pensávamos existir,
inclusive em nós. Como também, reconhecer o poder político-pedagógico que ela
pode exercer, além do potencial formador para a garantia de autonomia e liberdade.
Mas as mudanças só começarão a acontecer, de fato, quando houver uma
ação conjunta entre os participantes dessa esfera, tendo em foco que tipo de leitor
queremos formar, que tipo de cidadãos, para quê? E, por quê? Em nossa
compreensão, os materiais didáticos fazem parte integrante do processo de ensino-
aprendizagem, logo deveriam proporcionar conteúdos e atividades de leitura que
108
reunisse temáticas e que apontassem sugestões, estratégias e recursos mais
significativos que pudessem desenvolver as capacidades leitoras dos alunos.
Tais fatos ficaram comprovados não somente pelas nossas análises, mas
também por pesquisadores renomados como Bunzen (2009), ao demonstrar, através
de suas pesquisas, o interesse em se corresponder às exigências do mercado
editorial, o que acaba, de certo modo, cristalizando os conteúdos, reduzindo as
obras, como demonstramos anteriormente sobre as ocorrências de excertos.
Essa fragmentação ficou muito evidente nos últimos volumes analisados, com
especial destaque para o volume do 9º ano, demonstrado graficamente em nosso
capítulo de análise quantitativa. As atividades de leitura ao focar os recursos
literários dão muito mais ênfase às questões formais do texto que aos aspectos
literários propriamente.
Sabemos que, nas últimas décadas, o Ensino de Língua Portuguesa tem
avançado consideravelmente, no Brasil, com práticas centradas no uso da
linguagem e na formação de leitores dos mais variados gêneros de texto, assim, a
nosso ver, torna-se necessário (re)pensar o lugar da literatura, no âmbito escolar,
de modo a proporcionar ao aluno o desenvolvimento de capacidades não somente
leitoras, mas para a formação humana, crítica e autônoma,
Nesse sentido, concordamos com o que postulam os PCN (1998, p. 23) “Toda
educação comprometida com o exercício da cidadania precisa criar condições para
que o aluno possa desenvolver sua competência discursiva”.
Em nosso ponto de vista, essa competência vai além das práticas
cristalizadoras de ensino de língua e de linguagem. Ao contrário, está vinculada às
novas concepções de linguagem, numa perspectiva e enunciativo-discursiva em que
o sujeito é capaz de realizar ações de forma consciente e critica, corroborando
também nesse contexto, o que vínhamos afirmando desde o início, as estratégias de
ensino numa visão de letramento crítico que, a nosso ver, promove o
desenvolvimento de capacidades autonímicas para atuar em diversas práticas de
interação humana.
Assim, uma vez mais, sustentamo-nos na proposta metodológica dos PCN
Os textos organizam-se sempre dentro de certas restrições de natureza temática, composicional e estilística, que os caracterizam como pertencentes a este ou aquele gênero. Desse modo, a noção de gênero, constitutiva do texto, precisa ser tomada como objeto de ensino. Nessa perspectiva, necessário contemplar, nas atividades de ensino, a diversidade de textos e gêneros, e não apenas em função
109
de sua relevância social, mas também pelo fato de que textos pertencentes a diferentes gêneros são organizados de diferentes formas. (PCN 1998, p.23)
Nesse sentido, a linguagem é, antes de tudo, uma relação de poder, sendo o
texto objeto de ensino para propiciar ao aluno momento de interação e reflexão. Por
fim, ao que se refere à leitura, objeto de nossas reflexões, concordamos com Cafiero
(2005)
a leitura como processo de construção de sentidos significa dizer que quando alguém lê um texto não está apenas realizando uma tradução literal daquilo que o autor do texto quer significar, mas que está produzindo sentidos, em um contexto concreto de comunicação
a partir do material escrito que o autor fornece. (CAFIERO/CEALE, 2005, p. 17)
Com base em tudo que foi pesquisado, lido, discutido chegamos a uma
conclusão a respeito do leitor crítico literário, é o sujeito que adquiriu, através da
leitura, habilidades para lidar com textos orais e escritos, o que significa saber fazer,
e capacidade discursiva, que significa saber utilizar a linguagem de modo diferente
de acordo com o contexto em que está inserido. E o principal de todos, é enxergar-
se como sujeito protagonista, que ocupa uma posição, no tempo, na história, na
sociedade, na comunidade, cercado pela linguagem humana, suscetível às relações
de dominação e de poder. Cabe a ele ser participante ou não, assumir atitudes e
comportamentos questionadores que promovam o bem-estar social, um sujeito com
autonomia e liberdade para fazer suas escolhas e assumir as responsabilidades por
essas escolhas.
Cientes das limitações desta pesquisa, por conta das coerções de tempo e
espaço para aprofundar mais nossos estudos, gostaríamos de adiantar que analisar
um material didático, obervando suas falhas, não tem produzido, na esfera da
produção didático–editorial, muitas transformações. Contudo, desejo que nossos
achados se unam a várias vozes que têm denunciado o desserviço que os manuais
didáticos têm oferecido aos professores e alunos brasileiros no tocante à formação
de leitores, e mais especificamente, de leitores literários, como bem tem sido
colocado por vários pesquisadores, dentre eles Padilha (2005), dissertações também
provenientes do Programa de Pós-graduação em Estudos de Linguagem, de Erdei
(2014) e Oliveira (2010) e estudiosos especialistas na questão da leitura literária,
pesquisadores como Paiva(2004-2007), com experiência na área da Educação, na
formação de professores e da Literatura, com ênfase em História e Sociologia da
leitura e práticas culturais de letramento e pesquisas sobre leitura, e Pinheiro (1992),
110
com experiência em literatura e ensino, poesia, literatura infantil, contos e literatura
de cordel entre outros trabalhos.
Faz-se mister continuar essa investigação na direção de formulação de
novas propostas de didatização da leitura literária no Ensino Fundamental, para que
se possibilitem novos caminhos metodológicos ao professor, reinvestindo na
consideração da literatura como meio humanizador, como bem coloca Candido. Só
assim uma luz poderá surgir em meio à escuridão das possibilidades leitoras do
estudante brasileiro, iluminando a sua formação, de forma integral, participativa,
crítica e cidadã.
111
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