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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI
PRÓ-REITORIA DE ENSINO
CENTRO DE CIENCIAS DA SAUDE - BIGUAÇU
CURSO DE PSICOLOGIA
ALINE CRISTINA DE CARVALHO
A TRAJETÓRIA HISTÓRICA E AS POSSÍVEIS PRÁTICAS DE
INTERVENÇÃO DO PSICÓLOGO FRENTE ÀS EMERGÊNCIAS E
AOS DESASTRES
BIGUAÇU
2009
1
ALINE CRISTINA DE CARVALHO
A TRAJETÓRIA HISTÓRICA E AS POSSÍVEIS PRÁTICAS DE
INTERVENÇÃO DO PSICÓLOGO FRENTE ÀS EMERGÊNCIAS E
AOS DESASTRES
Trabalho de Conclusão de Curso apresentado como
requisito para obtenção do grau de Bacharel em
Psicologia na Universidade do Vale do Itajaí, no
Curso de Psicologia.
Orientadora Profª. Msc. Ilma Borges.
BIGUAÇU
2009
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ALINE CRISTINA DE CARVALHO
A TRAJETÓRIA HISTÓRICA E AS POSSÍVEIS PRÁTICAS DE
INTERVENÇÃO DO PSICÓLOGO FRENTE ÀS EMERGÊNCIAS E
AOS DESASTRES
Este Trabalho de Conclusão de Curso foi considerado aprovado, atendendo os requisitos
parciais para obter o grau de Bacharel em Psicologia na Universidade do Vale do Itajaí, no
Curso de Psicologia.
Biguaçu, 26 de novembro de 2009.
Banca Examinadora:
_______________________________________
Prof.ª Msc. Ilma Borges – Orientadora
_______________________________________
Prof.º Msc. Henry Dario Cunha Ramirez – Membro
_______________________________________
Psicóloga Letícia Rauen Delpizzo - Membro
3
AGRADECIMENTOS
Aos meus pais Mário e Antonia, e aos meus irmãos André e Mara pelos
ensinamentos durante estes 21 anos de trajetória. Pelo carinho, amor, dedicação e
encorajamento. Pelo incentivo nos estudos, e principalmente por acreditarem em meu
potencial.
Ao meu namorado, João Ricardo pela compreensão nos dias de ausência, e pelos dias
dedicados a me auxiliar neste trabalho. Pelo incentivo aos meus estudos, respeito a minha
futura profissão e a profissional que quero ser. Agradeço, pois nestes anos de namoro foi
sempre presente, carinhoso, paciente, amoroso e muito companheiro.
As minhas amigas, Lu, Sami, Tutty, Rê, Sissa e Gi e aos meus amigos Gabe,
Jivs, Sandro, Doug, Di Be e Yuyu pelos longos anos de amizade e por me tornarem uma
pessoa melhor. Agradeço, pois se fazem presentes de perto ou de longe e deixam meus dias
mais felizes. Compreendem-me e me aceitam como sou. Animam-me e me acalmam, e
entendem meus “sumiços” em virtude dos estudos.
As amigas da faculdade, Lis, Lu, Ana, Vanessa, Mariza, Laís S., Thaiara, Laís F. e
Murilo por me acompanharem diariamente na faculdade e dividirem as alegrias e dificuldades
dos anos de graduação. Pelo reconhecimento e incentivo profissional.
A Joice, a Carol, a Le, ao Rê e a todos aqueles amigos que a vida foi colocando no
meu caminho, e que permanecem sendo pessoas fundamentais para minha felicidade e
crescimento pessoal.
Aos técnicos sociais da Caixa Econômica Federal e aos estagiários, pelo interesse e
incentivo aos meus estudos. Pelo aprendizado que me proporcionam diariamente. Pelo
acolhimento e paciência nos meus momentos de ansiedade. E pela flexibilidade nos dias em
que precisei me dedicar a esta monografia.
4
Ao Conselho Regional de Psicologia da 12ª Região de Santa Catarina, pela parceria
feita com o Departamento Estadual de Defesa Civil do referido Estado que me oportunizou o
estágio na Defesa Civil. E pelos materiais cedidos que ajudaram na produção desta pesquisa.
Ao diretor Márcio Luiz Alves e aos funcionários do Departamento Estadual de
Defesa Civil do Estado de Santa Catarina pela oportunidade de ter estagiado no local. Pelo
acolhimento e colaboração na minha busca de dados para esta pesquisa. E pelo aprendizado
vivenciado durante a enchente de novembro de 2008.
A Andrea Guimarães, psicóloga que participou da minha banca do projeto desta
monografia, e fez contribuições muito importantes. Pelos ensinamentos, incentivo aos estudos
e materiais que me indicou. E por sempre tão atenciosa e querida comigo.
Ao corpo docente do Curso de Psicologia da Universidade do Vale do Itajaí de
Biguaçu, que contribuiu na minha formação e capacitação para o desenvolvimento desta
pesquisa, e que diariamente dedicam-se a qualificação profissional de seus acadêmicos.
Ao Profº Henry Dario Cunha Ramirez e a Letícia Rauen Delpizzo, por aceitarem
prontamente o convite para fazer parte da banca. Ao Profº Dario agradeço pelas contribuições
em meu projeto de pesquisa, que me ajudaram no desenvolvimento desta monografia. E pelas
aulas de psicologia social que me motivaram a estudar mais sobre este campo de trabalho. A
Letícia, agradeço pelas oportunidades que me proporcionou, pelo incentivo a minha
qualificação profissional, pelo reconhecimento ao meu trabalho e por ser sempre tão carinhosa
e amiga.
Em especial agradeço a minha orientadora, Profª Ilma Borges, por ter aceitado o
desafio desta pesquisa inovadora. Pela dedicação e comprometimento. Por ter me auxiliado
em todos os momentos que precisei. Pela paciência, respeito, ética e relação de amizade
estabelecida. Manifesto minha grande admiração pelo seu trabalho, e carinho pelo tempo e
interesse investidos em minha formação.
A todos aqueles que contribuíram para meu crescimento pessoal e profissional.
5
RESUMO
Esta pesquisa objetivou tratar da relação entre o exercício profissional da psicologia
frente ao novo campo de trabalho denominado psicologia das emergências e dos desastres.
Buscou resgatar a trajetória histórica deste campo e apontar as novas perspectivas de atuação
do psicólogo em relação às políticas públicas, contribuindo para produção de conhecimento
que subsidie uma atuação consistente neste campo de trabalho. Para tanto, adotou-se a
metodologia da pesquisa qualitativa bibliográfica. Foram analisados conceitos referentes às
emergências e aos desastres, seus tipos e modos de avaliação; caracterizados pensamentos
teóricos de pesquisadores; apontadas possíveis relações entre a percepção social, a prevenção
e a resiliência; identificadas possíveis práticas de intervenções no campo; levantados
subsídios teóricos em termos de políticas públicas que favorecessem a inserção do campo
como lugar de trabalho social; e identificadas possíveis parcerias na inserção da psicologia
das emergências e dos desastres nas organizações de ação pública. O estudo foi concluído
entendendo que o incentivo à formação especializada neste campo, com ações voltadas para a
prevenção dos desastres através do desenvolvimento da percepção social dos riscos, e
unificado à abertura de cargos públicos para psicólogos atuarem neste campo, são algumas
das iniciativas que possibilitariam a construção de políticas públicas mais eficientes e
condizentes com a realidade social vivida nas diversas localidades do Brasil. Concluiu-se
também que a estabilidade dos cargos públicos possibilitaria um trabalho contínuo e de longo
prazo, através de um planejamento de trabalho interdisciplinar que contemplasse todas as
fases dos desastres e estabelecesse parcerias institucionais com profissionais historicamente
atuantes no campo. Estas iniciativas desenvolveriam a capacidade de resiliência individual e
comunitária da sociedade.
Palavras-Chaves: história; psicologia; desastres; intervenção; políticas públicas.
6
SUMÁRIO
1. INTRODUÇÃO ............................................................................................... 7
2. REFERENCIAL TEÓRICO .... ....................................................................14
2.1 ASPECTOS HISTÓRICOS DA INSERÇÃO DA PSICOLOGIA NO CAMPO DAS
EMERGÊNCIAS E DOS DESASTRES .................................................................................. 14
2.2 CONCEITUAÇÕES DAS EMERGÊNCIAS E DOS DESASTRES, SEUS TIPOS E
MODO DE AVALIAÇÃO. ...................................................................................................... 19
2.3 PRINCIPAIS PESQUISADORES E SEUS PENSAMENTOS TEÓRICOS SOBRE A
PSICOLOGIA DAS EMERGÊNCIAS E DOS DESASTRES.................................................22
2.4 POSSÍVEIS RELAÇÕES ENTRE A PERCEPÇÃO SOCIAL, A PREVENÇÃO E A
RESILIÊNCIA FRENTE ÀS EMERGÊNCIAS E AOS DESASTRES .................................. 24
2.5 PRÁTICAS DE INTERVENÇÕES DA PSICOLOGIA NO CAMPO DAS
EMERGÊNCIAS E DOS DESASTRES .................................................................................. 27
2.6 PSICOLOGIA DAS EMERGÊNCIAS E DOS DESASTRES COMO CAMPO DE
TRABALHO SOCIAL ............................................................................................................. 30
2.7 PARCERIAS NA INSERÇÃO DA PSICOLOGIA DAS EMERGÊNCIAS E DOS
DESASTRES NAS ORGANIZAÇÕES DE AÇÃO PÚBLICA .............................................. 32
3. METODOLOGIA ......................................................................................... 34
3.1 MÉTODO .......................................................................................................................... 34
3.2 ÉTICA ............................................................................................................................... 35
4. ASPECTOS CONCEITUAIS IDENTIFICANDO AS POSSÍVEIS
PRÁTICAS DE INTERVENÇÃO DO PSICÓLOGO FRENTE ÀS
EMERGÊNCIAS E AOS DESASTRES ......................................................... 37
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS ....................................................................... 45
6. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ........................................................ 47
7
1. INTRODUÇÃO
A presente monografia dedicou-se ao estudo da trajetória histórica e das possíveis
práticas de intervenção do psicólogo frente às emergências e aos desastres, pois jamais em
épocas anteriores, temas relacionados a emergências e desastres foram tão manifestos em
nível mundial como atualmente. Fatos que evidenciam a freqüência com que estes
acontecimentos têm sido apresentados encontram-se a seguir.
Conforme o artigo “Efeito à distância - Energia liberada pelo terremoto da Ásia pode
precipitar outros tremores fortes pelo planeta” de Carlos Fioravanti1, o tsunami ocorrido em
16 de dezembro de 2004, foi registrado como o maior terremoto ocorrido nos últimos 40 anos
e o quarto maior registrado desde que surgiram os primeiros sismógrafos, em 1900. Sendo a
primeira vez que se registrou um tremor tão forte - de magnitude nove, com ondas que
chegavam a 20 metros de altura. Segundo o artigo “O estresse pós-traumático em áreas
afetadas pelo tsunami” de Ivan Figueira2, após o desastre foram somados meio milhão de
feridos, 280 mil mortos em 13 países, 5 milhões de desabrigados, 25.000 desaparecidos e
mais de 1.000.000 de pessoas deslocadas para o sul da Ásia e África Ocidental; tratando-se do
maior número de mortes já documentado após um tsunami.
Em relatório publicado pela National Oceanic & Atmospheric Administration
(NOAA), Estados Unidos, em dezembro de 2005, referente ao Furacão Katrina de 29 de
agosto do mesmo ano, o qual atingiu a região do Golfo do México, consta que pelo menos
80% da cidade de New Orleans, nos Estados Unidos, estava sob inundação em 31 de agosto.
De acordo com o artigo “Vento de furacão esquenta debate sobre mudança climática” de
Yurij Castelfranchi3, o Katrina deixou 1,6 mil vítimas e danos de US$ 75 bilhões em New
Orleans. Três semanas após o Katrina, a tempestade tropical “Rita” atingiu a mesma região
agravando a situação crítica na qual esta já se encontrava.
Assim como no nível mundial, o Brasil também vem sendo marcado por debates e
ocorrências que remetem às emergências e aos desastres com uma freqüência crescente. No
site brasileiro “Desastres Aéreos” 4 encontra-se uma lista com os desastres aéreos ocorridos
1 Revista FAPESP (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo), São Paulo, ed. impressa 108, fev.
2005. 2 Revista Brasileira de Psiquiatria, São Paulo, p. 93 - 94. jun. 2005.
3 Revista Ciência e Cultura. São Paulo, v. 58, n. 3, jul./set. 2006.
4 www.desastresaereos.net
8
em nosso país e no mundo, pelo menos das últimas quatro décadas. Nela consta o acidente de
17 de julho de 2007, onde o avião Airbus A-320 da Empresa de Transportes Aéreos TAM,
derrapou na pista do Aeroporto de Congonhas, na Zona Sul da Cidade de São Paulo,
atravessando a Avenida Washington Luís e batendo em um prédio de carga e descarga da
mesma companhia aérea. O acidente deixou 199 pessoas mortas e ficou marcado como sendo
o maior da aviação no país.
Um ano antes, em 29 de setembro de 2006, na região de Mato Grosso do Sul, ocorreu
uma colisão entre o Boeing 737-800 da Empresa de Transportes Aéreos Gol e um Jato XL600
Legacy fabricado pela Empresa Embraer. Esta vitimou 154 pessoas, segundo Relatório Final
da CENIPA (Centro de Investigação e Prevenção de Acidentes Aeronáuticos), 2008, do
Comando da Aeronáutica Nacional. Estes são exemplos de ocorrências recentes que
chamaram a atenção da população brasileira para a discussão de assuntos que perpassam a
esfera dos desastres.
No Brasil não são esperados terremotos, explosões vulcânicas e tsunamis, pois esse
não está localizado em uma posição geográfica que apresente risco de ocorrência desses tipos
de desastres naturais. Porém fatores como a falta de planejamento do desenvolvimento
urbano, a má distribuição de renda e a falta de consciência ambiental tornam o país um
multiplicador de áreas de risco para população.
Em 2004, com a ocorrência do Furacão Catarina, no sul do Estado de Santa Catarina,
a população brasileira foi despertada a pensar mais seriamente sobre as emergências e os
desastres como algo que pode acontecer no país, e não como algo distante. Segundo dados do
IBGE/DEDC5, foram 33.165 desabrigados, 4 mortos, 518 feridos e 7 desaparecidos. A
veiculação na mídia, deste e de outros desastres posteriores ocorridos no país, tornou a
profissão dos socorristas e principalmente da Defesa Civil gradativamente mais popular e
visivelmente mais atuante. Além disso, despertaram o interesse e a necessidade do estudo do
tema pelas mais diversas categorias profissionais.
Uma vez que as emergências e os desastres não eram um tema culturalmente incluso
como campo de estudo no Brasil, existe pouca base de dados produzida sobre o assunto,
diferentemente de outros países como Cuba, Chile e Peru, por exemplo, que científica e
culturalmente já desenvolvem estudo e preparo para situações emergenciais há décadas. Do
ponto de vista social mostra-se relevante o estudo e a produção científica através da pesquisa
5 IBGE - Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística / DEDC - Departamento Estadual de Defesa Civil de SC
9
sobre o tema em nosso país, visto que estes fenômenos afetam a vida, a saúde e o bem-estar
das populações atingidas direta e indiretamente.
O Estado de Santa Catarina dentre os Estados do Brasil, historicamente é o que mais
tem registros de desastres, sendo as inundações as responsáveis pelo maior número de
desabrigados e mortos nas últimas três décadas6. Contudo as inundações no ano de 2008
ultrapassaram todos os números anteriormente já registrados. Segundo o relatório do DEDC,
no dia 31 de novembro de 2008, Santa Catarina registrava 78.707 desalojados e desabrigados
(27.410 desabrigados, 51.297 desalojados), 19 desaparecidos confirmados e 114 óbitos. Ao
final do desastre o número de mortos chegou a 135.
Diante dos fatos apresentados, a psicologia, enquanto ciência que se dedica ao estudo
e promoção da saúde psíquica humana, passou a reconhecer a vulnerabilidade social e
ambiental na qual se encontra o país e, no ano de 2006, realizou o I Seminário Nacional de
Psicologia das Emergências e dos Desastres, em uma parceria entre a Secretaria Nacional de
Defesa Civil e o Conselho Federal de Psicologia. Em fevereiro de 2008, o Conselho Regional
de Psicologia da 12ª Região – Santa Catarina7 assinou o termo de cooperação com a
Secretaria Executiva de Justiça e Cidadania do Estado, onde propôs ações a serem
desenvolvidas junto com a Defesa Civil do Estado, firmando o compromisso da categoria
profissional no desenvolvimento de referências técnicas para atuação frente às emergências e
aos desastres.
Neste sentido, outras classes profissionais e instituições de poder público passaram a
solicitar atuação do profissional psicólogo em situações como: promoção da percepção de
áreas de risco principalmente em populações carentes, desenvolvimento de ações que
previnam as conseqüências dos eventos adversos, estudo das reações dos indivíduos frente
aos desastres, estudo das estratégias de promoção de atitudes mais pró-ativas e menos reativas
frente aos desastres, propostas de atuação que promovam o bem-estar dos indivíduos que se
encontram em abrigos temporários ou permanentes, dentre outros. Desta maneira, a psicologia
enquanto ciência iniciou um processo de estudo e busca de dispositivos eficazes de pesquisa e
intervenção sobre o tema em questão, firmando a relevância científica do estudo de assuntos
relacionados a emergências e desastres pela categoria profissional.
Para a acadêmica o estudo deste tema mostra-se importante, pois a mesma realizou
6 HERRMANN, M. L. de P. (org). Atlas de Desastres Naturais do Estado de Santa Catarina. Florianópolis:
SEA/DGED, 2007. 7 Informativo do Conselho Regional de Psicologia da 12ª Região. Florianópolis, ano II, ed. 2, fev. 2008.
10
estágio extracurricular voluntário em uma Organização Não Governamental que se
encontrava em área de risco, fato que lhe despertou interesse. Após, realizou outro estágio
também extracurricular voluntário, na Defesa Civil do Estado de Santa Catarina em agosto de
2008 e presenciou as conseqüências da enchente causada pelas chuvas nos últimos meses do
ano no Estado.
Entende-se que a atuação no desenvolvimento de políticas públicas condizentes com
a realidade vivida no Brasil passa pela ampliação da pesquisa e da inserção do profissional
psicólogo nos mais variados setores públicos sociais. O interesse da acadêmica na área da
psicologia social, e a necessidade da instrumentalização e do conhecimento para possível
atuação são fatores que motivaram o desenvolvimento desta monografia. A acadêmica
compreende também que é preciso levantar historicamente o quanto a profissão desenvolveu
seu pensamento e entendimento sobre as emergências e os desastres (enquanto produção de
conhecimento científico nacional) através de estudos e ações já implantados ou em
desenvolvimento, para que a partir disto seja possível sugerir estudos e propostas que visem
referências para atuação do psicólogo em eventos futuros.
Ao longo da monografia foi utilizado o termo “campo” para tratar da psicologia das
emergências e dos desastres, já que esta ainda encontra-se em processo de desenvolvimento
de estudos científicos e formulação base de dados nacional como “área” de atuação da
psicologia.
O tema da presente monografia tratou da relação entre o exercício profissional da
psicologia frente ao novo campo de trabalho denominado psicologia das emergências e dos
desastres, buscando resgatar historicamente a trajetória deste tema e as novas perspectivas de
atuação em relação às políticas públicas. Compreende-se que a produção desta pesquisa foi
uma forma de contribuir para produção de conhecimento que subsidie uma atuação
consistente e estimular que este tema torne-se um novo campo de trabalho para psicologia.
Em virtude das emergências e dos desastres serem um tema que vem se apresentando
no cotidiano dos brasileiros de forma crescente, exige um posicionamento científico relativo
aos processos sociais, educacionais, institucionais e de saúde envolvidos na construção do
pensamento popular e científico. Quando se comenta sobre desastres no país, estes
normalmente se referem aos de causas naturais. Isto ocorre, pois notícias veiculadas na mídia
que se relacionam, por exemplo, a atos de violência, dengue, AIDS, desemprego, poluição do
ar, desvios de curso de rios, não são compreendidas como desastres ou possíveis fatores de
11
origem destes. Porém, além dos desastres de causa natural (temperaturas extremas, erosão,
inundações, pragas vegetais, etc.), podemos verificar também os de origem tecnológica
(relacionados com construção civil, incêndios, meios de transporte sem menção de risco
químico ou radioativo, etc.), social (relacionados com ecossistemas urbanos e rurais,
convulsões sociais, conflitos bélicos, etc.) e biológicos (relacionados com ionosfera,
atmosfera, sismologia induzida, etc.) 8. Eventos acarretados por estas causas podem provocar
conseqüências tão sérias quanto os de origens naturais.
A psicologia enquanto ciência e profissão, ao observar estas conseqüências diretas ou
indiretas no meio-ambiente, na economia e no bem-estar da população, têm buscado
posicionamento através do estudo das práticas realizadas pelos profissionais historicamente
atuantes em situações adversas (Defesa Civil, Exército, Bombeiros, Marinha, Socorristas de
forma geral, entre outros), juntamente com o estudo da estrutura teórica e técnica já produzida
pela profissão. Com isso busca unir, adaptar, rever e repensar conceitos que desenvolvam
referências para atuação do psicólogo nesta área emergente.
Em países onde os desastres ocorrem com maior freqüência, a psicologia das
emergências e dos desastres possui estudo, pesquisa e técnicas de atuação em crescente
adiantamento. Por sua localização geográfica, Cuba, por exemplo, sofre desastres naturais
com uma freqüência maior que outros países e por este motivo, antes de 1900, a psicologia
das emergências e dos desastres já atuava neste local, porém não de forma sistematizada. Com
o acidente nuclear de Chernobyl, no ano de 1986, a antiga União Soviética pediu ajuda a
comunidade internacional, surgindo a necessidade de desenvolver um programa médico e
psicológico para atender os atingidos por desastres. Desta forma, nos últimos cem anos,
psicólogos de Cuba passaram a trabalhar no Centro Latino Americano de Medicina dos
Desastres, registrado no Ministério da Saúde Pública cubano, relacionado ao Centro de
Referência e Informação de Desastres. Colaboram com a Federação Latino-Americana das
Emergências e dos Desastres do Peru e foram solicitados e enviados em brigadas de
atendimento da Cruz Vermelha por pelo menos cinco vezes. No Chile, foi criada em 2004 a
Sociedade Chilena de Psicologia das Emergências e dos Desastres (SOCHPED), por uma
8Manuais de classificação de desastres - Site da Secretaria Nacional de Defesa Civil:
<http://www.defesacivil.gov.br/publicacoes/index.asp.> Acesso em: 18/02/2009.
12
iniciativa de quinze psicólogos que se reuniram com o corpo de bombeiros de Santiago para
descrever, explicar, desenvolver e capacitar pessoas no tema 9.
No Brasil é possível perceber movimentos pontuais no desenvolvimento do tema,
movimentos estes que são realizados por psicólogos, Defesas Civis e Corpo de Bombeiros em
nível estadual e/ou municipal. Como exemplo destes profissionais pode-se citar: Daniela
Lopes, psicóloga da Defesa Civil Nacional e Conselheira na Organização dos Estados
Americanos (OEA); Ângela Elizabeth Lapa Coelho, psicóloga e professora titular do
Programa de Mestrado em Psicologia da Universidade Católica Dom Bosco, Campo Grande,
MS; o psicólogo Francisco José Batista de Albuquerque, professor do Curso de Mestrado da
Universidade Federal da Paraíba e doutor em Psicologia Social. Estes profissionais
concentram-se nas regiões do país mais atingidas por desastres, não se mostrando
historicamente diferente, já que os locais mais desenvolvidos no assunto, normalmente são
também os mais atingidos.
Assim, considerou-se relevante historiar o quanto a produção científica sobre o tema
evoluiu nacionalmente e regionalmente, através da busca em base de dados e nas experiências
dos órgãos públicos envolvidos, como é o caso da Defesa Civil do Estado de Santa Catarina e
do Conselho Regional de Psicologia de Santa Catarina – 12ª Região.
Como forma de elaborar o processo de historiar, a presente monografia se baseou na
questão de compreender a posição na qual a profissão se encontra frente ao tema, e quais os
espaços prioritários a serem pensados. Compreende-se que a estimulação de discussões sobre
o tema possibilitará a construção de uma política pública eficiente frente aos fatos
emergenciais apresentados.
Portanto o objetivo geral da monografia consistiu em analisar a trajetória histórica e
as possíveis práticas de intervenção do psicólogo frente às emergências e aos desastres. Os
objetivos específicos direcionaram-se a: conceituar as emergências e os desastres explicitando
seus tipos e modo de avaliação; caracterizar o pensamento teórico dos pesquisadores; apontar
as possíveis relações entre a percepção social, a prevenção e a resiliência frente às
emergências e aos desastres; identificar possíveis práticas de intervenções no referido campo;
levantar subsídios teóricos em termos de políticas públicas que favoreçam a inserção da
psicologia das emergências e dos desastres como campo de trabalho social; e identificar as
9 I Seminário Nacional de Psicologia das Emergências e dos Desastres – Contribuições para Construção de
Comunidades mais Seguras. Brasília, p. 37, 8, 9 e 10 jun. 2006.
13
possíveis parcerias na inserção da psicologia das emergências e dos desastres nas
organizações de ação pública.
Finalmente, a metodologia caracterizou-se por um processo de caráter qualitativo
onde a coleta de dados se deu bibliograficamente através de documentos como periódicos,
publicações, impressos, relatos de experiências na área e pesquisa através da internet.
14
2. REFERENCIAL TEÓRICO
2.1 ASPECTOS HISTÓRICOS DA INSERÇÃO DA PSICOLOGIA NO CAMPO DAS
EMERGÊNCIAS E DOS DESASTRES
Os primeiros estudos psicológicos sobre os desastres iniciaram no ano de 1909.
Nesta época o médico psiquiatra e pesquisador Edward Stierlin desenvolveu, na costa leste
dos Estados Unidos, um estudo com 21 sobreviventes de um acidente numa mina em 1906.
Em 1908, estudou 135 pessoas após dois meses do acontecimento do terremoto Messina, na
Itália. Estes foram os primeiros ensaios para o entendimento de questões relacionadas às
emoções das pessoas envolvidas em desastres, segundo o artigo “Psicología en emergencias y
desastres una nueva especialidad” publicado por Álamo (2007).
Em 1917, no Canadá, ocorreu o desastre de Halifax onde a explosão causada pelo
choque acidental entre um navio cargueiro Francês cheio de explosivos e um navio Belga,
ocasionou um tsunami que destruiu boa parte da capital da província da Nova Escócia. Duas
mil pessoas morreram e nove mil ficaram feridas. Neste evento foram estudadas as variáveis
psicológicas envolvidas no evento, através de uma pesquisa científica realizada por Samuel
Price10
.
Em 1944, Lindemann realizou o primeiro estudo sobre a intervenção psicológica no
pós-desastre através da avaliação das respostas psicológicas dos sobreviventes e de seus
familiares no incêndio do Clube Noturno Coconut Grove, em Boston, Estados Unidos da
América. Foram registrados 400 óbitos neste evento11
.
Nos anos 60 e 70 a psicologia direcionou-se para análise das reações individuais no
pós-desastre. Em 1970, a Associação de Psiquiatria Americana publicou um manual de
“Primeiros Auxílios Psicológicos em Casos de Catástrofes”, o qual foi traduzido e adaptado
pelo médico psiquiatra Baltazar Caravedo, Assessor em Saúde Mental da Direção Geral de
Serviços Integrados de Saúde do Ministério da Saúde do Peru. Este manual descreve diversos
tipos de reações clássicas aos desastres e os princípios básicos para identificação das pessoas
10
Texto adaptado da fala de Ângela Lapa Coelho no I Seminário Nacional de PED – Contribuições para
Construção de Comunidades mais Seguras. Brasília, p. 62, 8, 9 e 10 jun. 2006. 11
Já referendado na nota nove.
15
“perturbadas emocionalmente” 12
. Somente em 1974, através do Instituto de Saúde Mental do
Departamento de Saúde dos Estados Unidos, surgiu a primeira lei de atuação e ajuda em
desastres na qual consta uma seção sobre orientação psicológica aos atingidos13
.
Em 1985 após o terremoto ocorrido na Cidade do México que causou a morte de
5000 pessoas, a Faculdade de Psicologia da Universidade Autônoma do México, com o
assessoramento de Israel, do Instituto Mexicano de Psicanálise e do Instituto Mexicano de
Segurança Social, iniciou um programa de intervenção em crises com o propósito de oferecer
apoio psicológico aos afetados pela tragédia14
. Neste mesmo ano, na Colômbia, o vulcão
Nevado Del Ruiz entrou em erupção e arrasou o povoado de Armero, resultando num saldo de
22.000 mortos e 5.000 feridos. Em agosto do ano seguinte, o Ministério da Saúde da
Colômbia, com o assessoramento da Organização Pan-Americana de Saúde (OPAS),
contando com a ajuda do Dr. Bruno Lima e da Dra. Raquel Cohen, psiquiatras pesquisadores
na área15
, estabeleceu um programa de atenção primaria em saúde mental para vítimas de
desastres.
Em 1991, a Cruz Vermelha criou o Centro de Copenhegue de Apoio Psicológico16
.
Em 2001 aconteceu um incêndio no mercado popular Mesa Redonda, localizado no centro de
Lima, Peru. Foram 274 mortos, 210 feridos e 15 carros destruídos. Neste episódio a
Sociedade Peruana em Emergências e Desastres foi acionada e atuou no sentido de
conscientizar a população das reações normais de luto. Para isto foi criada uma linha
telefônica chamada de “infosaúde”, que funcionou com atendimento de psicólogos durante 72
horas após o desastre. Os psicólogos neutralizavam boatos, davam informações verídicas e
atualizadas, coordenavam a atuação das diferentes religiões dentro dos necrotérios. Além
disso, foram disponibilizados psicólogos para acompanhar os familiares no reconhecimento
dos corpos e fornecer orientações de sensibilização. Quando estabilizados fisicamente, os
familiares eram abordados por uma equipe de “contenção de crises” 17
.
Em 2002, ocorreu o I Congresso de Psicologia das Emergências e dos Desastres em
Lima, Peru. Neste Congresso foi criada uma entidade denominada Federação Latino-
12
ALAMO, S. V. Psicología en emergencias y desastres una nueva especialidad. 2007. 13
Texto adaptado da fala de Horácio Toro Ocampo no I Seminário Nacional de PED – Contribuições para
Construção de Comunidades mais Seguras. Brasília, p.17, 8, 9 e 10 jun. 2006. 14
Já referendado na nota onze. 15
Já referendado na nota onze. 16
Texto adaptado da fala de Aléxis Lorenzo Ruiz no I Seminário Nacional de PED – Contribuições para
Construção de Comunidades mais Seguras. Brasília, p.37, 8, 9 e 10 jun. 2006. 17
Texto adaptado da fala de Desirée Salazar no I Seminário Nacional de PED – Contribuições para
Construção de Comunidades mais Seguras. Brasília, p.77, 8, 9 e 10 jun. 2006.
16
Americana de Psicologia das Emergências e dos Desastres - FLAPED, cujo objetivo foi reunir
psicólogos em sociedades nacionais no Peru e fazer com que os psicólogos que retornassem
aos seus países também fossem despertados pela mesma intenção18
.
Em 2004 foi criada a Sociedade Chilena de Psicologia das Emergências e Desastres –
SOCHPED, com os seguintes objetivos: descrever e explicar processos psicológicos que
aparecem nas emergências; desenvolver, aplicar e ensinar técnicas psicológicas para situações
de emergência; selecionar pessoas para integrar grupos de resgate e trabalhos de risco em
geral; capacitar psicologicamente a comunidade para enfrentar emergências19
.
No Brasil o primeiro registro do processo histórico de inserção da psicologia no
estudo, pesquisa e intervenção nas emergências e nos desastres é datado de 1987. Na cidade
de Goiânia, estado de Goiás, aconteceu o maior acidente radioativo do país. Centenas de
pessoas foram contaminadas acidentalmente através de radiações emitidas por uma cápsula
que continha Césio-137. O número de óbitos é incerto em virtude de a contaminação
radioativa ter um efeito longo, lento e gradativo. Segundo o Ministério Público pelo menos
600 pessoas morreram em seguida ao acidente, no entanto até hoje a população sofre as
conseqüências do mesmo20
. Em 1992 a UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro), a
UnB (Universidade de Brasília) e a UCG (Universidade Católica de Goiânia) em conjunto
com uma equipe de psicólogos Cubana, que já havia atuado no Acidente Nuclear de
Chernobyl, realizaram atendimento aos atingidos pelo Césio-137, adaptando o mesmo
programa utilizado em 1986 às necessidades da comunidade afetada21
.
Em 1997, no artigo “A Psicologia Social dos Desastres: existe lugar para ela no
Brasil?” publicado por Albuquerque, fez-se citação ao projeto de intercâmbio entre
professores da Universidade Federal da Paraíba e da Universidade de Manitoba, no Canadá,
que teve por objetivo trocar experiências e estabelecer pesquisas em comum, como forma de
ampliar os conhecimentos e preparar quadros capazes de fomentar estudos sobre o tema da
psicologia nos desastres.
O 1º Seminário Nacional de Psicologia das Emergências e dos Desastres –
Contribuições para a Construção de Comunidades mais Seguras, que ocorreu no ano de 2006
18
Texto adaptado da fala de Rodrigo Molina no I Seminário Nacional de PED – Contribuições para
Construção de Comunidades mais Seguras. Brasília, p.55, 8, 9 e 10 jun. 2006. 19
Texto adaptado da fala de Rodrigo Molina no I Seminário Nacional de PED – Contribuições para
Construção de Comunidades mais Seguras. Brasília, p.57, 8, 9 e 10 jun. 2006. 20
<http://www.brasilescola.com/quimica/acidente-cesio137.htm> 21
Já referendado na nota quinze.
17
na cidade de Brasília/DF, foi o marco da inserção da psicologia nesta área no Brasil,
colocando efetivamente este conhecimento à disposição da sociedade. Este seminário teve por
objetivo criar uma rede de intercâmbio com outros países e profissionais que integram a
União Latino-Americana de Psicologia-ULAPSI, buscando conhecer as experiências na
contribuição da psicologia neste campo de atuação e ampliar o diálogo com a categoria, a
sociedade e o governo. Buscou levantar referências nacionais para efetivação de políticas
públicas, considerando este campo de atuação profissional como emergente. Neste mesmo
momento aconteceu a 1ª Reunião Internacional por uma Formação Especializada em
Psicologia das Emergências e dos Desastres, a qual procurou sintetizar elementos curriculares
que devem compor a formação dos futuros profissionais que colaborariam com a Defesa
Civil22
.
Em Santa Catarina o processo de inserção da psicologia no estudo e intervenção em
emergências e desastres se deu oficialmente no ano de 2008. No dia 06 de fevereiro 2008, foi
assinado o Acordo de Cooperação entre o Conselho Regional de Psicologia da 12ª Região, a
Defesa Civil do Estado de Santa Catarina e sua Secretaria Executiva da Justiça e Cidadania.
Depois de firmado este acordo, através do Centro de Referências Técnicas em Psicologia e
Políticas Públicas – CREPOP, que funciona no CRP-12, foi desenvolvido um projeto regional
em conjunto com a Defesa Civil Estadual que teve por objetivo construir referências para
prática da psicologia catarinense na área das emergências e dos desastres, conforme diretrizes
do PAC23
. A partir disto foram realizados oito eventos regionais em diferentes localidades do
estado de Santa Catarina, onde houve a elaboração de um texto base e oficinas temáticas
sobre o assunto, contando com a presença de uma equipe de especialistas na área. Foi também
produzida e distribuída por todo estado de Santa Catarina uma cartilha com a finalidade de
promover a cultura de percepção de risco em comunidades.
Em agosto do mesmo ano, a acadêmica Aline Cristina de Carvalho, autora da
presente monografia, que na época se encontrava no quinto período do curso de psicologia da
Universidade do Vale do Itajaí em Biguaçu - SC, por interesse no estudo do tema procurou a
Defesa Civil do Estado de Santa Catarina solicitando ao Major Márcio Luiz Alves - Diretor
22
I Seminário Nacional de PED – Contribuições para Construção de Comunidades mais Seguras. Brasília,
8, 9 e 10 jun. 2006. Comissão organizadora: BOCK, A. M. B; OLIVEIRA, M. V. de; DUARTE, Y. M.;
ZAMBERLAM, T.; LOPES, D. da C. 23
O PAC - Programa de Aceleração do Crescimento, segundo material divulgado no site: www.fazenda.gov.br;
foi criado pelo Governo Federal em 22 de Janeiro de 2007 buscando a aceleração do crescimento econômico, o
aumento do emprego e a melhoria das condições de vida da população brasileira no período de 2007 a 2010.
18
do Departamento Estadual de Defesa Civil, que fosse aberto um campo de estágio na área das
emergências e dos desastres. A proposta foi aceita e através da parceria com o CRP-12 e com
a supervisão da professora Ilma Borges, deu-se início o primeiro estágio de psicologia das
emergências e dos desastres, na Defesa Civil no Brasil.
Juntamente com a abertura do estágio em psicologia das emergências e dos desastres,
foi aberto também um campo de estágio em psicologia organizacional, no qual a acadêmica
Joice Nascimento da Silva, que se encontrava no oitavo período do curso de psicologia da
Universidade do Vale do Itajaí em Biguaçu - SC ingressou na equipe, fazendo com que as
estagiárias tivessem uma atuação conjunta.
O planejamento inicial foi unificar a atuação das duas estagiárias, pois era um campo
de estágio novo e mostrava-se necessário que este processo de inserção acontecesse de forma
organizada e processual. Dessa maneira foi entregue um folder explicativo a todos os
membros da Defesa Civil onde continha informações sobre a psicologia organizacional e do
trabalho, a psicologia das emergências e dos desastres, a finalidade e os objetivos dos estágios
nestas áreas e a importância da produção de um Trabalho de Conclusão de Curso - TCC, na
área da psicologia das emergências e dos desastres. Neste folder continha também um
planejamento das atividades que seriam desenvolvidas.
Porém quando as atividades propostas estavam planejadas e prontas para serem
iniciadas, Santa Catarina sofreu a maior inundação de sua história, fato iniciado dia 21 de
novembro de 2008. Em virtude das proporções tomadas pelo evento, foi necessário postergar
a realização das atividades propostas anteriormente e iniciar um novo plano de enfrentamento
das circunstâncias frente ao desastre.
As estagiárias de psicologia da Defesa Civil Estadual, inicialmente realizaram a
mediação entre este e outros órgãos ligados a categoria dos psicólogos e assistentes sociais, os
quais se colocavam a disposição para ajudar os afetados. À medida que a situação se
agravava, as estagiárias passaram também a realizar um levantamento e atualização diária
sobre a situação dos abrigos que estavam sendo montados nos municípios catarinenses. Ao
final do dia, distribuíam todas estas informações atualizadas (o número de idosos, de crianças,
de adultos, de deficientes, de psicólogos, de assistentes sociais, etc.) aos diversos setores da
instituição, bem como aos conselhos estaduais representantes dos psicólogos e dos assistentes
sociais. Desta forma cada setor selecionava as informações que lhes eram mais relevantes.
19
Porém, com a situação climática ainda muito instável, e com o aumento acelerado do
número de abrigos no estado, no dia 30 de novembro de 2008, as estagiárias organizaram uma
reunião onde estiveram presentes: dois representantes da Aliança Internacional Save the
Children24
; cinco representantes do Conselho Regional de Psicologia da 12ª Região – Santa
Catarina; a Senhora Selma Terezinha Adão - Diretora de Assistência Social da Secretaria de
Assistência Social, Trabalho e Habitação do Estado de Santa Catarina; o Major Emerson Neri
Emerim - Secretário-Executivo do Departamento Estadual de Defesa Civil de Santa Catarina;
as Psicólogas Ana Lopes - Conselheira do Conselho Federal de Psicologia; e Daniela Lopes -
Psicóloga da Defesa Civil Nacional e Conselheira na Organização dos Estados Americanos
(OEA). Nesta reunião foi organizado um grupo de ajuda humanitária entre as instituições
presentes para atender aos atingidos pelo desastre.
Após esta iniciativa, a Associação Brasileira de Psiquiatria – ABP juntamente com a
Secretaria Estadual da Saúde e as Secretarias Municipais de Santa Catarina, definiu um plano
de ação emergencial no mês de dezembro. A partir de janeiro de 2009, os profissionais da
ABP realizaram capacitações para os indivíduos envolvidos no atendimento aos afetados
pelas inundações, baseados em um protocolo de atuação referenciado pela Organização das
Nações Unidas (ONU) e pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a
Cultura (UNESCO). Estas capacitações foram norteadas por um cronograma e buscaram
atingir as populações que lidam diretamente com aqueles que permanecem sofrendo as
conseqüências do desastre de novembro de 2008 25
.
2.2 CONCEITUAÇÕES DAS EMERGÊNCIAS E DOS DESASTRES, SEUS TIPOS E
MODO DE AVALIAÇÃO
Podemos citar diversificados conceitos sobre desastre, dentre eles o “Guia
Metodologica Para La Gestion Local de La Mitigacion y Manejo de Desastres en America
24
Organização sem fins lucrativos, nem filiação religiosa ou política, constituída por aproximadamente 90.000
membros em todo mundo. Foi fundada em novembro de 1919 e busca a proteção infantil e juvenil.
<http://www.savethechildren.org/> 25
Associação Brasileira de Psiquiatria – ABP / Estado de Santa Catarina / Secretaria de Estado da Saúde /
Superintendência de Planejamento e Gestão / Diretoria de Planejamento, Controle e Avaliação / Gerência de
Coordenação da Atenção Básica. Ofício circular nº 0519. Plano de ação emergencial de enfrentamento das
enchentes no Estado de Santa Catarina. Florianópolis, 23 dez. 2008.
20
Latina”, publicado por Mansilla, em 1998, na Coperation Italiana do México, define desastres
como a alteração ou interrupção da vida cotidiana de uma comunidade devido a um evento de
ordem natural, tecnológica ou provocada pelo homem, que produz efeito adverso sobre as
pessoas, suas atividades, seus bens e serviços do meio ambiente. É possível perceber uma
visão comunitária, bem como dos aspectos subjetivos do conceito de desastre apresentado
nesta definição.
Nacionalmente a Política Nacional de Defesa Civil 26
(2007) conceitua os desastres
como o resultado de eventos adversos, naturais ou provocado pelo homem, sobre um
ecossistema vulnerável, causando danos humanos, materiais e ambientais e conseqüentes
prejuízos econômicos e sociais. Nesta definição percebemos uma visão mais ampla em
relação aos desastres, sem ênfase em aspectos específicos como a anterior.
Para o desenvolvimento do presente tópico, utilizamos como base de dados a Política
Nacional de Defesa Civil, citada acima, por ser a publicação de referência nacional que trata
do tema dos desastres. Variações desta classificação podem ser verificadas regional ou
municipalmente, pois estas possuem autonomia para adequar a Política Nacional de acordo
com as necessidades locais desde que acompanhadas pelas respectivas regionais e a Secretaria
Nacional de Defesa Civil.
O termo emergência, que acompanha a denominação psicologia das emergências e
dos desastres, remete-se a situação crítica, acontecimento perigoso ou fortuito, incidente e/ou
caso de urgência. Já o termo situação de emergência se refere ao reconhecimento legal pelo
poder público de situação anormal, provocada por desastre, causando danos (superáveis) à
comunidade afetada27
.
Segundo a Política Nacional de Defesa Civil, os desastres, ameaças e riscos são
classificados de acordo com os seguintes critérios: quanto à evolução, quanto à intensidade e
quanto à origem.
Quanto à evolução, os desastres são classificados em:
- desastres súbitos ou de evolução aguda, que se caracterizam pela violência dos
eventos adversos causadores dos mesmos (deslizamentos, enxurradas, vendavais, terremotos,
erupções vulcânicas, chuvas de granizo e outros);
26
Ministério de Integração Nacional e a Secretaria Nacional de Defesa Civil. Política Nacional de Defesa Civil,
2007. 27
CASTRO A. L. C. de. Glossário de Defesa Civil: estudos de riscos e medicina de desastres. Ed. 2 -
Brasília: MPO, Departamento de Defesa Civil, 1998.
21
- desastres de evolução crônica ou gradual, que se mostram insidiosos e evoluem
através de etapas de agravamento progressivo (seca, erosão ou perda de solo, poluição
ambiental e outros);
- desastres por somação de efeitos parciais, caracterizados pela somação de
numerosos acidentes ou ocorrências, com características semelhantes, os quais, quando
somados, ao término de um período definem um grande desastre (cólera, malária, acidentes de
trânsito, acidentes de trabalho e outros).
Quanto à intensidade, os desastres são classificados em:
- acidentes, aqueles em que os danos e prejuízos conseqüentes são de pouca
importância para a coletividade;
- desastres de médio porte, aqueles em que os danos e prejuízos, embora importantes,
podem ser recuperados com os recursos disponíveis na própria área sinistrada;
- desastres de grande porte, aqueles que exigem reforço para os recursos locais
através do aporte regional, estadual, e/ou federal;
- desastres de muito grande porte, aqueles que para garantir uma resposta eficiente de
recuperação, exigem a intervenção coordenada dos três níveis do Sistema Nacional de Defesa
Civil – SINDEC (sistema que atua na redução de desastres em todo o território nacional) - e,
inclusive, de ajuda externa.
Quanto à origem, os desastres são classificados em:
- naturais, são causados por fenômenos e desequilíbrios da natureza, independentes
da ação humana;
- humanos ou antropogênicos, são provocados pelas ações ou omissões humanas;
- mistos, ocorrem quando as ações e/ou omissões humanas contribuem para
intensificar, complicar ou agravar os desastres naturais.
Dentro desta classificação referente à origem dos desastres, existem
subclassificações como: desastres naturais relacionados com a geodinâmica terrestre externa;
desastres naturais relacionados com o incremento das precipitações hídricas e com as
inundações; desastres relacionados com meios de transporte sem menção de risco químico ou
radioativo; desastres relacionados com a construção civil; desastres humanos relacionados
com conflitos bélicos; desastres humanos relacionados com doenças transmitidas por vetores
biológicos; desastres mistos relacionados com a geomorfologia, o intemperismo e a erosão;
22
dentre outras subclassificações que podem ser encontradas na Política Nacional de Defesa
Civil.
Para ilustrar a importância desta classificação podemos citar as secas no semi-árido
nordestino brasileiro, que se mensuradas em função da intensidade dos danos e dos prejuízos
econômicos e sociais em longo prazo, podem se caracterizar como um desastre muito mais
importante que terremotos, erupções vulcânicas e ciclones, freqüentes em outros países.
Assim, o estudo da intensidade dos desastres se revela de extrema importância, já que a
dosagem dos meios a serem utilizados é diretamente proporcional à intensidade dos danos e
prejuízos provocados pelos mesmos.
Além das classificações apresentadas, os desastres podem ser divididos em diferentes
fases considerando os seguintes aspectos globais:
- prevenção: avaliação (áreas de risco) e redução (implantação de medidas estruturais
e não-estruturais) de riscos de desastres;
- preparação: desenvolvimento institucional; desenvolvimento de recursos humanos;
desenvolvimento científico e tecnológico; mudança cultural; motivação e articulação
empresarial; informações e estudos epidemiológicos sobre desastres; monitorização, alerta e
alarme; planejamento operacional e de contingência; planejamento de proteção de populações
contra riscos de desastres focais; mobilização; aparelhamento e apoio logístico;
-resposta: socorro (pré – impacto; impacto e limitação dos danos), assistência às
populações vitimadas (atividades de logística, assistenciais e de promoção da saúde) e
reabilitação do cenário do desastre (avaliação de danos; vistoria e elaboração de laudos
técnicos; desmontagem de estruturas danificadas, desobstrução e remoção de escombros;
sepultamento, limpeza, descontaminação, desinfecção e desinfestação do ambiente;
reabilitação dos serviços essenciais; recuperação de unidades habitacionais de baixa renda).
-reconstrução: restabelecer os serviços públicos, a economia da área, o moral social e
o bem-estar da população. Procura recuperar os ecossistemas, reduzir as vulnerabilidades,
racionalizar o uso do solo e do espaço geográfico, realocar populações em áreas de menor
risco, modernizar as instalações e reforçar as estruturas.
2.3 PRINCIPAIS PESQUISADORES E SEUS PENSAMENTOS TEÓRICOS SOBRE A
PSICOLOGIA DAS EMERGÊNCIAS E DOS DESASTRES
23
No Brasil, as emergências e os desastres são ainda um tema pouco discutido pelos
psicólogos quando comparado a outros assuntos da psicologia. Em outros países já existe uma
mobilização da classe dos psicólogos frente ao tema, dentre eles o Chile, com a Sociedade
Chilena de Psicologia das Emergências e dos Desastres; e a Argentina, com a Sociedade
Argentina de Psicologia das Emergências e dos Desastres.
No dia 11 de setembro de 2007, no Hotel NH Parque Central na cidade de Havana,
Cuba, por uma iniciativa do Conselho Federal de Psicologia do Brasil - CFP e das autoridades
da ULAPSI (União Latino Americana de Entidades de Psicologia) foi criada a Rede Latino
Americana em Psicologia das Emergências e dos Desastres. Estiveram presentes as seguintes
entidades: Centro Latino Americano de Medicina de Desastres, Cuba- CLAMED; CFP,
Brasil; Associação Brasileira de Ensino de Psicologia, Brasil - ABEP; Sociedade Argentina
de Psicologia das Emergências e dos Desastres, Argentina – SAPSED; Sociedade Chilena de
Psicologia das Emergências e dos Desastres, Chile - SOCHPED; e Sociedade Peruana de
Psicologia das Emergências e dos Desastres, Peru - SPPED. Segundo as entidades presentes,
esta rede surgiu com o objetivo de cooperar com o intercâmbio e a investigação no campo da
psicologia das emergências e dos desastres, contribuindo com o desenvolvimento do tema no
continente sul–americano28
. Entre os representantes brasileiros interessados em fazer parte
desta rede destacaram-se Daniela da Cunha Lopes e Marcos Ribeiro Ferreira, representando a
ABEP; Marcus Vinicius de Oliveira Silva e Ângela Elizabeth Lapa Coelho, representando o
CFP29
.
Esses psicólogos destacam-se nacionalmente como precursores do estudo do tema no
país. Ângela Coelho e Daniela Lopes, em particular, possuem material científico produzido a
partir de seus estudos e experiências pessoais na área.
No artigo “Percepção de Risco no Contexto da Seca: Um Estudo Exploratório”
(2007), Ângela Coelho apresenta uma visão teórica da importância do desenvolvimento de
um pensamento da percepção de risco como um fator determinante para significação de
28
Maiores informações ver site:
<http://www.sld.cu/galerias/pdf/sitios/desastres/comunicado_de_la_red_latinoamericana_de_psicologia_en_eme
rgencias_y_desastres.pdf> 29
Maiores informações ver site:
<http://www.sld.cu/galerias/pdf/sitios/desastres/definicion_de_principios_de_la_red.pdf>
24
eventos adversos, já que as possíveis conseqüências destes eventos são interações dos
contextos sociais e ambientais, bem como da historia passada e presente de cada indivíduo.
Daniela Lopes, no texto “Psicologia das Emergências e dos Desastres no Brasil”,
disponibilizado no material entregue no 4º Fórum Nacional de Defesa Civil, ocorrido em
outubro de 2007, no município de Jaraguá do Sul, em Santa Catarina, concorda com as
colocações da autora citada anteriormente. Daniela Lopes acrescenta que apesar do
imaginário edênico da população brasileira acreditar que mora em um país imune a desastres,
o Brasil é um país muito vulnerável a eventos adversos. Isto ocorre em virtude do alto grau de
vulnerabilidade decorrente das condições sociais precárias de grande parcela da população.
Por este motivo a autora defende que a construção de referências para o campo da psicologia
das emergências e dos desastres deve se dedicar principalmente à prevenção, enfatizando o
desenvolvimento de uma cultura de percepção de riscos por parte da população.
Além destas autoras, outros pesquisadores brasileiros vêm discutindo o tema, como é
o caso do psicólogo Francisco José Batista de Albuquerque (Doutor em Psicologia Social e
Professor do Curso de Mestrado da Universidade Federal da Paraíba), que em conjunto com o
psicólogo Carlos da Silva Cirino, em janeiro de 2000, escreveu o artigo “Percepção de Risco
e Vulnerabilidade Social”, no qual defendeu que populações bem preparadas para ocorrência
de desastres podem sofrer efeitos mínimos ou moderados dos mesmos. No artigo, os autores
esclarecem que as pessoas são afetadas pelos desastres em diferentes intensidades em virtude
do nível de vulnerabilidade no qual se encontram.
A intensidade com que os indivíduos são afetados pelos eventos adversos, segundo
Daniela Lopes (2007), também permite uma classificação quanto aos níveis de vitimados.
Esta se refere à forma como o indivíduo está inserido em um evento, pois existem pessoas que
são diretamente afetadas (expostas ao evento) e indiretamente afetadas (aquelas que integram
o cenário do evento, ou ficam sabendo dele e sentem-se mobilizadas de alguma forma pelo
mesmo). No decorrer do desenvolvimento da monografia, foi analisado o pensamento destes e
outros autores a serem pesquisados.
2.4 POSSÍVEIS RELAÇÕES ENTRE A PERCEPÇÃO SOCIAL, A PREVENÇÃO E A
RESILIÊNCIA FRENTE ÀS EMERGÊNCIAS E AOS DESASTRES
25
Para relacionarmos percepção social, prevenção e resiliência é necessário
primeiramente elucidar conceitos intrínsecos a estes temas, como os termos risco e
vulnerabilidade.
Segundo a Política Nacional de Defesa Civil (2007) risco é a relação existente entre a
probabilidade de uma ameaça de evento adverso/acidente se concretizar, em relação ao grau
de vulnerabilidade do sistema receptor (ambiente/local em questão) e seus efeitos. Logo este
grau de vulnerabilidade é a relação entre a condição intrínseca ao corpo ou sistema receptor,
em intercâmbio com a magnitude do evento/acidente, sendo medida em termos de intensidade
dos danos prováveis. Portanto o risco é determinado pela probabilidade de uma ameaça se
tornar um desastre, que está diretamente ligado ao grau de vulnerabilidade do local que será
afetado, já que dependendo do grau de vulnerabilidade os riscos de danos físicos, materiais e
psíquicos podem ser potencializados ou minimizados.
Segundo Coelho (2007) apud Smith (1992, p. 6) o termo risco é usualmente
interpretado como um sinônimo para perigo. Porém, a autora acrescenta que risco, definido
tecnicamente, inclui a possibilidade de que um perigo real pode acontecer. O perigo é
definido como "... uma ameaça potencial para seres humanos e seu bem estar..." e risco como
"... a probabilidade da ocorrência do perigo" (Idem, p. 6). Desta maneira, para a autora, os
desastres podem ser vistos como "a ocorrência de um perigo."
Por sua vez, percepção social nos desastres é identificar as vulnerabilidades e tentar
minimizar as ameaças que colocam em risco a vida das pessoas, suas propriedades e o
ambiente. Segundo Albuquerque (1997, p. 240), "o trabalho a ser desenvolvido pelos agentes
sociais com relação às situações de desastres ou de vulnerabilidade se encontra na preparação
da comunidade para o enfrentamento da possibilidade de ocorrência dos fenômenos”.
Albuquerque traz em seu texto “A Psicologia Social dos Desastres: existe lugar para ela no
Brasil?” uma visão da percepção social da comunidade como um todo e não somente dos
indivíduos. Coloca que populações bem preparadas podem desenvolver atitudes mais
proativas de enfrentamento aos desastres.
Esta percepção social do perigo e dos riscos está ligada também a crenças, valores e
experiências individuais, que podem ao mesmo tempo ser comunitárias. Por exemplo, uma
comunidade que já foi afetada por uma enchente pode ter uma percepção diferente do evento
em relação a outra comunidade que é afetada pela primeira vez. Da mesma forma um
26
indivíduo desta comunidade já afetada anteriormente pode ter uma visão diferente de outro de
sua mesma comunidade, pois as vivências, as perdas (materiais, humanas) podem ter ocorrido
de maneira diferenciada para os dois.
Daí vem a importância de se trabalhar a percepção social das comunidades em
relação aos desastres. Este trabalho permite que a comunidade passe a se prevenir de eventos
adversos. Muitas vezes não é possível deslocar esta população para outro local mais seguro,
porém através de ações sócio-educativas que podem ser implantadas pelos níveis
governamentais e comunitários, é possível trabalhar com esta comunidade para que ela aja de
forma a se prevenir dos efeitos de um desastre.
Isto implica nos conceitos de prevenção de desastres e prevenção de riscos. O
primeiro se trata de um conjunto de ações destinadas a reduzir a ocorrência e a intensidade de
desastres naturais ou humanos, através da avaliação e redução de ameaças e/ou
vulnerabilidades, minimizando os prejuízos sócio-econômicos e danos humanos, materiais e
ambientais. O segundo, por sua vez, se trata de estudos que visam minimizar riscos de
desastres, buscando aumentar margens de segurança e reduzir as possibilidades de ocorrência
de acidentes ou minimizar os danos causados pelos mesmos30
.
A Política Nacional de Defesa Civil (2007) traz como objetivo geral de seu trabalho
reduzir desastres, e como uma de suas diretrizes a priorização de ações relacionadas com a
prevenção de desastres, através de atividades de avaliação e de redução de riscos. Para isto a
percepção social aliada à prevenção são ferramentas importantes de trabalho.
O desenvolvimento de uma atitude preventiva frente aos desastres favorece também
a resiliência dos indivíduos após a ocorrência de um evento adverso. Resiliência segundo
Grotberg (2001) é a capacidade humana de enfrentar, superar, ser fortalecido e transformado
por experiências de adversidade.
O Major Márcio Luiz Alves, Diretor do Departamento Estadual de Defesa Civil do
Estado de Santa Catarina, afirma que segundo a ONU a resiliência é como uma teia de aranha
que recebe um impacto, desce, porque pesa com violência, e vai voltando a uma situação de
normalidade. Para o Major a resiliência é o desenvolvimento da capacidade no ser humano de
absorver esse impacto e voltar a uma situação de normalidade, com menor efeito e dano
possível.
30
CASTRO, A. L. C. de. Glossário de Defesa Civil: estudos de riscos e medicina de desastres. Brasília: MPO,
Departamento de Defesa Civil, ed. 2, 1998.
27
A palavra dano, mencionada pelo Major, é conceituado pela Política Nacional de
Defesa Civil (2007) como a medida que define a intensidade ou severidade da perda humana,
material ou ambiental (física ou funcional) resultante de um evento adverso/acidente.
Desta maneira os conseqüentes danos de um desastre, influenciam na capacidade de
enfrentamento/superação das comunidades frente aos eventos. Assim, a resiliência dos
afetados por desastres se encontra diretamente relacionada aos danos (humanos, materiais e
ambientais) que estes sofreram, bem como ao modo como o grupo em questão desenvolveu
sua capacidade de percepção social dos desastres, e como se planejou para prevenção dos
mesmos.
2.5 PRÁTICAS DE INTERVENÇÕES DA PSICOLOGIA NO CAMPO DAS
EMERGÊNCIAS E DOS DESASTRES
Segundo Alamo (2007) 31
, a psicologia das emergências e dos desastres relaciona-se
com a psicologia clínica, social, organizacional, educacional, da saúde, do desenvolvimento,
dentre outras. Isto faz com que o profissional psicólogo que deseja atuar no campo das
emergências e dos desastres necessite se desenvolver de forma multidisciplinar e
interdisciplinar, já que este campo requer conhecimentos em diversas áreas de seu estudo e
formação, além de informações complementares de outros profissionais.
Como foi apresentado no item que tratou dos Aspectos Históricos da Inserção da
Psicologia no tema das Emergências e dos Desastres, a mesma se deu pelo estudo das reações
psíquicas geradas no pós-desastre. Esta vertente de estudo influenciou a classificação das
práticas de intervenção do psicólogo que inicialmente apresentaram-se com base nas reações
psíquicas dos indivíduos afetados por desastres. O artigo “O Impacto provocado por Traumas
Psicológicos em Emergências e Desastres”, de Eliana Torga (2007) 32
, é um exemplo deste
tipo de classificação, pois são estabelecidas três fases para descrição do comportamento dos
indivíduos: pré-impacto, impacto e pós-impacto.
31
Já referenciado na nota onze. 32
TORGA, E. O Impacto provocado por Traumas Psicológicos em Emergências e Desastres. 2007.
28
No pré-impacto é anunciada a ocorrência de um fenômeno ou evento adverso que
desencadeará um desastre. Nesta fase o indivíduo apresenta medo, confusão mental,
passividade, negação do risco, resistência à mudança e invulnerabilidade.
No impacto, o evento adverso manifesta-se, e o indivíduo apresenta reações que
podem durar dias ou horas como: ansiedade; medo; preocupação; vergonha; culpa;
desorientação; lentidão de raciocínio; dificuldade de compreensão; indecisão; confusão com
relação ao tempo; dependência, gratidão, docilidade com relação aos socorristas e
autoridades; rebeldia, culpando autoridades e exigindo atenção prioritária para suas
necessidades; e pode sofrer a influência do “boato”.
Já no pós-impacto, fase imediatamente posterior ao fim da manifestação do evento
adverso, o indivíduo se encontra com reações psíquicas de desespero, luto, aflição,
vulnerabilidade, vitimização, menos valia e isolamento.
Em contrapartida a esta classificação, no livro “Administração para Abrigos
Temporários” (2006) 33
, são apresentadas três fases de resposta ao desastre com base em
informações do National Center for Post-Traumatic Stress Disorder (Centro Nacional para
Transtorno do Estresse Pós-Traumático) 34
, apresentadas como fase: de impacto, imediata do
pós-desastre e de recuperação.
A fase do impacto, diferentemente da compreensão do autor anterior, ocorre
imediatamente após o desastre. Neste momento o individuo demonstra atitude heróica e de
proteção a vida, com distorções cognitivas e dissociação.
A fase imediata do pós-desastre é a de recuo do impacto e início do resgate das
atividades habituais. O indivíduo apresenta negação, apatia, desorientação, ansiedade, medo,
desespero e tristeza.
Já a fase de recuperação é compreendida como um período prolongado de
ajustamento e retorno ao equilíbrio anterior, com a presença das seguintes características
psíquicas: desilusão, raiva, solidão, frustração, aceitação das perdas e avaliação da situação.
Além das classificações já apresentadas, que são definidas pelas reações psíquicas
dos indivíduos afetados por desastres enquadradas nos diferentes momentos do mesmo,
33
GOVERNO DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO / SECRETARIA DE ESTADO DA DEFESA CIVIL /
SUBSECRETARIA ADJUNTA DE OPERAÇÕES / INSTITUTO TECNOLÓGICO DE DEFESA CIVIL /
ESCOLA DE DEFESA CIVIL. Administração para Abrigos Temporários. Secretaria de Estado da Defesa
Civil do Rio de Janeiro – SEDEC. Rio de Janeiro, 2006. A organização do presente trabalho foi de Sérgio
Simões – Coronel Bombeiro Militar do Rio de Janeiro, Brasil. 34
Maiores informações no site: <http://www.ncptsd.va.gov/ncmain/index.jsp.> Acesso em: 17 mai. 2009.
29
existem as delimitadas pelas reações psíquicas de estresse esperadas pelos indivíduos no
decorrer do processo inteiro de um desastre. Alguns sintomas mais freqüentemente
identificados estabelecem um panorama que facilita a tomada de medidas que amenizem o
sofrimento e diminuam as chances do desenvolvimento de patologias. Segundo o mesmo
autor, estes estágios de estresse se dividem em fase de: alerta, resistência, quase-exaustão e
exaustão.
Na fase de alerta o indivíduo apresenta grande produtividade por conta da adrenalina
produzida, causando aumento da energia e do vigor. Euforia, dificuldade de dormir, tensão,
dor muscular, azia, irritabilidade, sensibilidade excessiva, ansiedade e inquietação, são
sintomas que identificam esta fase. Na fase de resistência o individuo tenta resistir ao estresse,
apresentando problemas de memória e muito cansaço.
Na fase de quase-exaustão o organismo não consegue mais resistir ou adaptar-se a
situação e sofre um colapso gradual. Os sintomas são: insônia; cansaço mental; dificuldade de
concentração; perda de memória imediata; embotamento emocional; falta de criatividade;
diminuição da produtividade; impotência ou perda do desejo sexual; infecções ginecológicas;
doenças de pele; queda de cabelo; gastrite ou úlcera; alterações de peso; apatia; ansiedade;
crises de pânico; alterações dos níveis de pressão arterial, colesterol e/ou triglicerídeos e
distúrbios de menstruação. Por fim, na fase de exaustão, para se recuperar o sujeito necessita
de ajuda médica além da psicológica, pois perde o sono; o desejo sexual; não produz por não
ter interesse nem concentração para tal; fica desgastado e com seu sistema imunológico
gravemente afetado; não se socializa e perde o senso de humor.
Além destas classificações de reação de uma população genericamente atingida por
desastres, existem ainda aquelas referentes aos grupos específicos, como a dos grupos
considerados de risco (crianças, mulheres e idosos) e a dos membros das equipes de resposta,
que serão tratadas no corpo deste trabalho.
Com a Política Nacional de Defesa Civil, deliberada pelo Ministério da Integração
Nacional e pela Secretaria Nacional de Defesa Civil, em Brasília – Distrito Federal, no ano de
2007, estabeleceram-se quatro fases para planos diretores de enfrentamento dos eventos
adversos. A psicologia começou a adequar suas diretrizes de classificação das respostas e das
reações anteriormente apresentadas, bem como suas possíveis intervenções nas quatro fases
estabelecidas por esta Política Nacional. As fases dividem-se em: prevenção de desastres,
preparação para emergências e desastres, resposta aos desastres e reconstrução.
30
Durante o processo que envolve todas as fases estabelecidas pela Política Nacional
de Defesa Civil, a psicologia dedica-se a informar, capacitar, mobilizar socialmente,
diagnosticar e intervir, de acordo com a demanda apresentada pelo evento adverso (tipo,
intensidade, amplitude, etc.).
A partir disto, diversos planos de atuação da psicologia podem ser elencados e
subdivididos em cada uma destas fases. Este conteúdo foi trabalhado no corpo do presente
projeto de conclusão de curso. Vale salientar que o psicólogo atuante em emergências e
desastres, enquanto profissional comprometido e ético, deve trabalhar em qualquer fase de um
evento adverso buscando ações que visem construir políticas públicas de longo prazo,
minimizando os efeitos do evento e promovendo a saúde e bem-estar dos grupos sociais.
2.6 PSICOLOGIA DAS EMERGÊNCIAS E DOS DESASTRES COMO CAMPO DE
TRABALHO SOCIAL
As emergências e os desastres, que por variados motivos se apresentam com uma
freqüência crescente ao redor do mundo, mostram-se como campo relevante para ampliação
da atuação da psicologia na esfera dos grupos sociais. Esta conjuntura faz com que o debate
do tema seja importante para o desenvolvimento de políticas públicas que contemplem
questões relacionadas à saúde psíquica e física dos cidadãos, e, para o desenvolvimento de um
posicionamento do poder público condizente com a realidade vivida em cada região, de forma
que alcance todas as classes sociais.
Em 31 de maio de 2004, através da carta interministerial n°- 00012/MI/MDS/MDA
assinada por Patrus Ananias, Ministro de Estado do Desenvolvimento Social e Combate à
Fome; Ciro Ferreira Gomes, Ministro de Estado da Integração Nacional; Miguel Rossetto,
Ministro de Estado do Desenvolvimento Agrário; foi encaminhada ao Presidente da
República Luiz Inácio Lula da Silva uma solicitação para aprovação da Medida Provisória nº
190, de 31 de maio 2004 - dou de 01/06/2004 – convertida na Lei nº 10.954, de 29/09/2004.
Nesta carta constam as seguintes colocações ministeriais:
(...) 3. Os estratos populacionais menos favorecidos e os países menos
desenvolvidos, por apresentarem maiores vulnerabilidades culturais, econômicas e
sociais, sofrem com mais intensidade os efeitos dos desastres. Os estudos
epidemiológicos demonstram, e a própria Organização das Nações Unidas
31
reconhece que, nos últimos anos, os desastres naturais produziram danos muito
superiores aos provocados pelas guerras. Por outro lado, os desastres provocados
pelo homem são cada vez mais intensos, em função de um desenvolvimento
econômico e tecnológico pouco preocupado com os padrões de segurança da
sociedade. 4. Num exame retrospectivo, constata-se que, após muitas décadas de
esforço, foram poucos os avanços alcançados na redução das vulnerabilidades da
sociedade brasileira aos desastres, mesmo àqueles de natureza cíclica como a seca,
os incêndios florestais, os deslizamentos e as inundações. Não há implementação de
política pública de defesa civil que alcance todos cidadãos brasileiros e quem mais
sofre com os desastres são os mais pobres. Para a gestão de riscos, com intervenção
preventiva, poupando milhares de vidas e economizando escassos recursos, é
imperioso reverter a lógica perversa de atuações espasmódicas administrando
desastres. (...) 6. A implementação de política específica para atendimento de
populações, no âmbito do programa Resposta aos Desastres, não implica a exclusão
das populações atendidas, de outras ações e políticas que se destinam ao apoio a
populações vulneráveis e em condição de risco social (...).
Apesar da finalidade da lei apresentada ser a aprovação do Auxílio Emergencial
Financeiro para atendimento das populações atingidas por desastres, é possível perceber na
fala dos ministros uma preocupação com ações que objetivam o bem-estar da população não
apenas nos momentos de resposta aos desastres, mas também através de políticas que
promovam uma redução da vulnerabilidade e dos riscos sociais. As medidas históricas de
atuação reativa a desastres, e não preventiva aos mesmos, tornam a perda econômica e de
vidas muito maior do que poderia ser, caso fossem considerados aspectos integrais nas ações
preventivas e de reabilitação, segundo a fala dos Ministros.
Fica clara também nas falas ministeriais a necessidade de uma Política Pública de
Defesa Civil, com intervenção preventiva, que abarque a segurança da sociedade. Desta forma
a psicologia frente à construção de políticas públicas de enfrentamento às emergências e aos
desastres, e enquanto ciência dedicada ao estudo da subjetividade humana e à promoção da
saúde dos indivíduos, pode explanar seus pensamentos e buscar firmar a importância de seus
serviços em todas as fases de um desastre.
O posicionamento na busca de consolidar políticas públicas que garantam os direitos
humanos dos indivíduos frente às emergências e aos desastres, bem como de produzir
referências para prática do psicólogo que apontem este campo como área de atuação
profissional, encontra respaldo na fala dos ministros anteriormente citada, quando trata do
sofrimento dos cidadãos afetados por todas as fases de um desastre.
Na presente monografia, a principal análise consiste em rever historicamente a
psicologia e sua interface com o campo da psicologia das emergências e dos desastres,
buscando refletir sobre as práticas de intervenção que tratam deste, como mais um potencial
32
campo de estudo e trabalho do psicólogo. A estruturação desta análise foi delimitada e
detalhada no decorrer da monografia, pois se trata de um trabalho bibliográfico.
2.7 PARCERIAS NA INSERÇÃO DA PSICOLOGIA DAS EMERGÊNCIAS E DOS
DESASTRES NAS ORGANIZAÇÕES DE AÇÃO PÚBLICA
À medida que a densidade populacional aumentou de forma desordenada, a
população de baixo poder aquisitivo passou a ocupar áreas de risco social nos grandes centros
urbanos. A ocupação destas áreas se deu pelo aumento do custo de vida em locais centrais,
considerados seguros, restando as regiões periféricas das cidades como alternativa para
construção das moradias destas populações.
Considerando que estas regiões normalmente se encontram nos altos dos morros,
beira de rios e beiradas de rodovias, por exemplo, o acesso e a permanência nestas localidades
são difíceis e inseguros, principalmente quando consideramos populações de idosos, crianças
e deficientes. Em virtude do conjunto de fatores que fazem dessas regiões áreas de elevada
vulnerabilidade social, estas populações em situação de risco passaram a ser atingidas com
maior intensidade pelos desastres.
Diante deste quadro social, o poder público, através da Constituição da República
Federativa do Brasil (1988), comprometeu-se com a segurança pública quando diz que: “A
segurança pública é dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, exercida para a
preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio.” Para cumprir
com o dever de zelar pela integridade física, mental e social de todos os indivíduos, foram
criados os seguintes órgãos: polícia federal; polícia rodoviária federal; polícia ferroviária
federal; polícias civis; polícia militar e corpos de bombeiros militares35
.
Com a criação destes órgãos, podemos citar instituições que atuam em parceria
durante episódios emergenciais e são historicamente reconhecidas pelo trabalho realizado,
como é o caso do Exército, Corpo de Bombeiros, Marinha, Aeronáutica, Socorristas e Defesas
Civis. Estas parcerias entre instituições se fazem necessárias, pois as proporções que um
desastre pode tomar não permitem que a atuação profissional se realize de forma
35
Título V – Da Defesa do Estado e das Instituições Democráticas, Cap. III – Segurança Pública, art. 144
33
individualizada. Neste contexto institucional e político é possível analisar a inserção da
psicologia enquanto ciência e profissão no âmbito das emergências e dos desastres.
A psicologia dedica-se à compreensão da subjetividade e dos fenômenos
psicológicos que constituem o desenvolvimento humano. De acordo com o seu
desdobramento histórico vem buscando promover a saúde universal dos indivíduos através da
compreensão de que os aspectos psíquicos, físicos e mentais funcionam diretamente
interligados.
Quando falamos em ações preventivas e de minimização do impacto dos desastres,
estamos falando também em preservação do bem-estar dos indivíduos e conservação ou
restabelecimento da normalidade no cotidiano destes. É possível observarmos que aspectos
subjetivos são determinantes para que as condições de vida acima citadas sejam alcançadas.
No Brasil, ainda não foram incluídos no quadro de vagas de funcionários públicos
atuantes diretamente nesta área, psicólogos que venham a trabalhar nas questões dos
desastres. A presente monografia tem por objetivo também levantar esta discussão, visto que
é possível constatar demanda de trabalho para este profissional nos diversos espaços que
envolvem o tema. A abertura de vagas para psicólogos em concursos públicos no Brasil
permitiria o reconhecimento do trabalho da categoria profissional, o desenvolvimento de um
projeto de atuação social nas mais diferentes fases dos desastres e por conseqüência, um
atendimento populacional que viesse a abarcar as reais necessidades da população do ponto de
vista subjetivo. A construção social, política e institucional da inserção dos serviços da
psicologia no campo das emergências e dos desastres, em parceria principalmente com
instituições como o Corpo de Bombeiros e Defesas Civis, apresenta-se evidente no trabalho e
foi debatida no decorrer desta monografia.
34
3. METODOLOGIA
A presente monografia consistiu em uma pesquisa de caráter qualitativo. Segundo
Ozella (2003, p. 122) 36
“a abordagem qualitativa pretende conhecer, esclarecer, entender, e
interpretar os processos que constituem os fenômenos, objetos de investigação.”.
Gil (1996) afirma que as pesquisas qualitativas têm como objetivo principal a
descoberta de intuições ou o aprimoramento de idéias. Seu planejamento é bastante flexível,
de maneira que possibilitam a consideração dos mais variados aspectos relacionados ao fato
estudado.
Dentro de um referencial teórico com base epistemológica na psicologia histórico-
cultural, a pesquisa qualitativa se dedica a compreender os eventos investigados,
descrevendo-os e procurando as suas possíveis relações, integrando o individual com o social
(AMORIM, 2002).
Com base nestes conceitos e na configuração social que vivenciamos hoje, foi
utilizada uma perspectiva dialética da compreensão dos aspectos culturais, educacionais e
sociais. Pois conforme Ozella (2003), “Estudar alguma coisa historicamente significa estudá-
la no processo de mudança (...)”.
Tendo como premissa básica para o desenvolvimento desta pesquisa a visão
filosófica acima descrita, apresentamos a seguir o recorte metodológico que serviu de
fundamento para a discussão do tema.
3.1 COLETA DE DADOS
Gil (2008, p. 50), ressalta que especificamente no caso da pesquisa bibliográfica,
base da presente monografia, a principal vantagem reside no fato de:
(...) permitir ao investigador a cobertura de uma gama de fenômenos muito mais
ampla do que aquela que poderia pesquisar diretamente. Esta vantagem se torna
particularmente importante quando o problema de pesquisa requer dados muito
36
OZELLA, S. Pesquisar ou construir conhecimento – O ensino da pesquisa na abordagem sócio-histórica.
BOCK, A. M. B (org.). In: A perspectiva sócio-histórica na formação em psicologia. Petrópolis – RJ, ed. Vozes,
2003. Cap. 4, p. 113 - 131.
35
dispersos pelo espaço. (...) A pesquisa bibliográfica também é indispensável nos
estudos históricos. Em muitas situações não há outra maneira de conhecer os fatos
passados senão com base em dados secundários.
Segundo Rauen (1999, p. 28), o fluxo da pesquisa bibliográfica passa pelas seguintes
fases:
1. Determinação do problema e dos objetivos. Nesta fase o pesquisador está
elaborando as linhas mestras gerais do trabalho.
2. Elaboração do plano de trabalho. Esta fase consiste em planejar procedimentos de
levantamento bibliográfico (identificação, localização e compilação).
3. Levantamento do material bibliográfico. O pesquisador identifica, localiza, e
compila os materiais que serão utilizados na pesquisa propriamente dita.
4. Leitura do material.
5. Fichamento. Fase em que o pesquisador toma os apontamentos que se farão
necessários para a elaboração do relatório.
6. Redação do trabalho.
A forma de coleta de dados utilizada para o desenvolvimento desta monografia foi a
partir de documentos como livros de referência, periódicos, publicações, impressos, relatos de
experiências na área e pesquisa através da internet.
3.2 ÉTICA
A ética na pesquisa científica se mostra como tema central para discussão em
quaisquer perspectivas de trabalho. No âmbito da pesquisa bibliográfica, questões éticas
envolvendo o plágio são recorrentemente apontadas. Em virtude deste método de pesquisa
científica se desenvolver a partir da coleta de materiais já produzidos, é necessário estarmos
atentos para não cometer plágios, copiando idéias e afirmações de outros autores.
Segundo Debert (2003, p. 03) “(...) nos debates sobre ética, procedimentos éticos e
códigos de ética, os interesses dos grupos pesquisados devem preceder os interesses da
pesquisa.”. 37
Tendo em vista que a produção científica das ciências humanas tem por objetivo
ampliar conhecimentos através da pesquisa e do estudo de questões pertinentes ao
desenvolvimento humano, a presente monografia foi produzida de acordo com os
37
DEBERT, G. G. Poder e Ética na Pesquisa Social. Ciência e Cultura. São Paulo, v. 55, n. 3, p. 3, jul./set.
2003.
36
procedimentos e códigos éticos cabíveis à ciência psicológica, comprometendo-se com os
grupos e temas pesquisados.
37
4. ASPECTOS CONCEITUAIS IDENTIFICANDO AS POSSÍVEIS
PRÁTICAS DE INTERVENÇÃO DO PSICÓLOGO FRENTE ÀS
EMERGÊNCIAS E AOS DESASTRES
É pertinente no desenvolvimento do resgate histórico proposto como objeto de
estudo para esta pesquisa, uma análise reflexiva sobre os aspectos teóricos convergentes, a
partir dos autores que deram suporte à construção do referencial teórico em discussão. Serão
apontados aspectos relativos ao desenvolvimento da percepção de riscos; ao processo de
elaboração do luto natural (não patológico); à capacidade de resiliência apresentada frente ao
desastre, que se apresenta de forma compatível com a bagagem histórica individual e
comunitária; à necessidade da presença do trabalho do profissional psicólogo em todo
processo que envolve as emergências e os desastres; às atribuições específicas da profissão
nos contextos emergenciais; à necessidade do desenvolvimento do estudo neste campo; à
importância da interdisciplinaridade do trabalho do psicólogo que deseja atuar nos eventos
adversos; a importância da criação de parcerias institucionais e do desenvolvimento de
políticas públicas amparadas pelos conhecimentos da psicologia e de forma eficiente.
Albuquerque (1997, p.243) diz que:
(...) no Brasil o grau de vulnerabilidade a que a população esta exposta é muito
grande, se comparada com a vulnerabilidade em outros países onde condições
sociais estão mais bem equacionadas. Isto porque neste país, a péssima distribuição
da riqueza está aliada à ausência de serviços governamentais de amparo social aos
mais carentes, e até mesmo às populações mais bem aquinhoadas. Os serviços
públicos de saúde e educação funcionam em péssimas condições, favorecendo um
ambiente de risco e vulnerabilidade permanente, impossibilitando a segurança
institucional suficiente para que os indivíduos possam responder eficientemente às
situações de desastres.
Este ambiente de risco e vulnerabilidade permanente ao qual o autor se refere quando
trata da situação de grande parcela da população brasileira, influencia diretamente no
desenvolvimento dos recursos psicológicos, sociais e físicos que as populações utilizam para
o enfrentamento dos eventos adversos, e, portanto para sua capacidade de resiliência. Coêlho
(2007 apud Ursano, Kao & Fullerton, 1992) diz que o significado de todo evento adverso é
uma interação complexa entre o evento, o passado e o presente da pessoa, bem como o seu
contexto social. Para os sobreviventes de um evento, este significado determina como a
situação é vivenciada inicialmente, a maneira em que a recuperação ocorre e a forma pela
qual a vida será restabelecida.
38
Esta significação dos indivíduos afetados por desastres é citada por Lopes (2007, p.
1) na seguinte fala: “é necessário romper com esse modelo cultural de falta de percepção de
risco, de desproteção diante dos eventos que têm produzido não só perdas materiais, mas
principalmente humanas”. A percepção social de riscos mostra-se fundamental para o
desenvolvimento de comportamentos pró-ativos frente aos desastres. Para Albuquerque
(1997), Coelho (2007), Lopes (2007) e outros estudiosos no tema, a percepção social é a
chave do processo de trabalho da psicologia das emergências e dos desastres. Segundo estes
autores, o desenvolvimento da mesma, utilizado para o aprimoramento dos recursos
psicológicos, sociais e físicos dos grupos sociais, é determinante para a admissão de uma
cultura preventiva aos desastres no país, bem como para minimização das possíveis
conseqüências dos eventos que estes tenham que enfrentar.
Quando falamos das conseqüências de um evento, nos remetemos à fase do desastre
onde a psicologia historicamente atuou, ou seja, a reconstrução. Para tratarmos disto,
trazemos o conceito de trauma: “experiência que explode a capacidade de suportar um revés,
nos traz a perda de sentido, desorganização corporal e paralisação da consciência temporal.
(...), pode deixar marcas que influenciam a criatividade e a motivação para a vida, pois produz
bloqueios que se estendem à existência, já que o que dá sentido ao mundo fica abalado com a
surpresa de o sujeito ver-se sem condições e com medo do futuro” 38
. O estresse pós-
traumático, por exemplo, deriva do conceito de trauma, pois ocorre normalmente após um
evento compreendido psiquicamente como fortemente ameaçador. É um quadro clínico,
definido pelo DSM-IV 39
, onde o abalo do trauma, provocado pelo impacto do evento, faz
com que o indivíduo passe a sentir insônia, isolar-se socialmente, baixar a auto-estima, ter
capacidade de concentração reduzida, pensamentos suicidas, entre outros.
Conforme foi explanado no referencial teórico em discussão, este é um diagnóstico
que pode aparecer em indivíduos afetados por desastres, mas a maior parcela desta população
não o desenvolve. Segundo Lopes (2007, p. 03):
(...) essas pessoas, de maneira geral, são capazes de superar a crise principalmente se
tiverem fortalecidas, previamente, suas próprias capacidades de resposta, tanto
individual como comunitária, já que o que agrava a repercussão emocional de um
38
BRUCK, N. R. V. A Psicologia das Emergências: Um estudo sobre angústia pública e o dramático
cotidiano do trauma. Porto Alegre, 2007. 195 f. Tese (Doutorado em Psicologia) - PUCRS, Fac. de Psicologia.
Professor orientador: Dr. Pedrinho Guareschi.. 39
Associação Psiquiátrica Americana (APA). DSM–IV (Diagnostic and Statistical Manual of Mental
Disorders - Fourth Edition / Manual Diagnóstico e Estatístico de Doenças Mentais - Quarta Edição).
Washington, 1994.
39
evento para os diferentes grupos é não saber o que fazer diante da dimensão dos
desastres, o que aprofunda a crise.
Os indivíduos afetados por desastres não costumam desenvolver patologias, mas
vivenciam um processo de luto decorrente de perdas humanas, materiais e ambientais. Uma
questão importante para reflexão da psicologia é se o processo de luto que ocorre nos
momentos posteriores aos desastres é o mesmo processo vivenciado por indivíduos que
sofrem perdas em situação ambiental de normalidade.
Diante do que foi visto ao longo da monografia, fica evidente que as ações da
psicologia frente às emergências e aos desastres devem se estender por todo o processo que
envolve estes eventos. E esta evidência se mostra como foco fundamental de análise para a
psicologia e os psicólogos no momento atual, suscitando as seguintes questões: de que forma
a psicologia pode atuar em todas as fases que envolvem as emergências e os desastres; como
seria construído um projeto de atuação da categoria que garantisse políticas públicas
eficientes de atenção subjetiva às pessoas afetadas por eventos adversos; quais são as
atribuições destinadas ao trabalho do psicólogo neste campo, e quais não são de sua
competência.
Em relação às atribuições da formação profissional do psicólogo no campo das
emergências e dos desastres, houve um avanço no ano de 2009 com a publicação da carta
circular Nº. 023/2009 da Associação Brasileira de Ensino de Psicologia (ABEP). Nesta carta
consta que a ABEP, o Conselho Federal de Psicologia (CFP) e a Secretaria Nacional de
Defesa Civil, no dia 14 de agosto de 2009, assinaram um protocolo de intenção visando
estabelecer condições necessárias para uma cooperação técnica entre os mesmos. O objetivo é
garantir que os conteúdos subjetivos inerentes à formação e o exercício profissional do
psicólogo sejam contemplados na Política Pública de Defesa Civil.
Os autores Albuquerque (1997), Molina (2006), Coelho (2007) e Lopes (2007)
sugerem as seguintes ações para o trabalho da psicologia:
Albuquerque (1997) sugere um viés interdisciplinar de atuação:
- Realizar diagnoses no interior de favelas, para identificar as necessidades da
população frente aos órgãos públicos e conscientizar para participação desta população no
enfrentamento de algum desastre, ou de sua evolução;
- Oferecer cursos profissionalizantes realizados por agentes de desenvolvimento,
como forma de capacitar a população, ou pelo menos a sua parte mais jovem, no sentido de
40
minimizar a sua permanência no ciclo vicioso da miséria, a qual favorece sua permanência em
locais de vulnerabilidade social;
- Implantar políticas públicas de minimização do impacto destes eventos através de
metas de longo prazo.
Molina (2006) 40
traz ações utilizadas pela SOCHPED (Sociedade Chilena de
Psicologia das Emergências e dos Desastres), com ações voltadas para os membros da
sociedade e dividindo os eventos adversos em fases:
- Pré-desastre – capacitar e treinar habilidades de resposta da população diante de
uma emergência; assessorar na definição de planos de emergência; selecionar pessoal para
integrar as equipes de primeiras respostas; e implantar planos de monitoramento de estado de
saúde mental destas equipes de resposta;
- Durante a emergência – intervir em crises; aplicar planos de manejo hospitalar em
crises; manejar pacientes e familiares que cheguem a crises decorrentes de emergência ou
desastre (diretriz da OPS – Organização Pan-americana de Saúde);
- Pós-emergência – avaliar o impacto psicológico e as possíveis estratégias de
manejo; investigar os efeitos produzidos pela emergência para melhorar respostas diante de
uma possível repetição; realizar módulos de auto-cuidado para equipe de primeira resposta e
funcionários de centros hospitalares em geral.
Coelho (2007) sugere ações de desenvolvimento de estudo no tema, voltadas à
perspectiva social:
- Pesquisar sobre percepção de risco, prevenção de desastres e estratégias de
mitigação no contexto urbano;
- Desenvolver estratégias eficazes de administração de risco, requerendo
conhecimento do ambiente físico, dos processos sociais, psicológicos e econômicos que
podem afetar as respostas das pessoas às condições ambientais de perigo;
- Adotar uma perspectiva social e preventiva na psicologia;
- Construir novos modelos teóricos de atenção à saúde e de participação social;
- Articular as instituições de ensino, comunidade e serviços.
Lopes (2007, p. 04 - 05) possui uma fala voltada para ações técnicas e as divide
de acordo com as fases dos desastres estabelecidas pela Política Nacional de Defesa Civil:
40
Texto adaptado da fala de Rodrigo Molina no I Seminário Nacional de PED – Contribuições para
Construção de Comunidades mais Seguras. Brasília, p. 56, 8, 9 e 10 jun. 2006.
41
- Prevenção - elaborar um plano de contingência para psicólogos na defesa civil de
acordo com a prevalência de desastres e com a vulnerabilidade das comunidades (mulheres,
crianças, portadores de necessidades especiais); participar do planejamento e elaboração do
plano de contingência elaborado pelas instituições de defesa civil garantindo que a atenção
psicológica esteja presente nas ações de redução de risco e de assistência; capacitar as equipes
de defesa civil para a valorização dos aspectos subjetivos e emocionais presentes na gestão de
risco; oportunizar a coesão comunitária; prever e organizar treinamentos para profissionais
que atuam no SUS; planejar e executar programas de prevenção nas escolas; planejar e
executar programas de educação comunitária em defesa civil; incentivar atividades coletivas
de reconstrução; organizar a capacitação de voluntários; participar da elaboração treinamentos
de diferentes profissionais;
- Preparação - organizar simulados; dirigir reuniões de organização do plano de
chamada; organizar a ocupação do espaço da mídia;
- Resposta – elaborar triagem (por nível de comprometimento e local); analisar
cenários; acolher; identificar demandas; orientar equipes; incentivar manutenção dos vínculos
familiares; orientar e capacitar voluntários; restaurar minimamente o cotidiano das pessoas;
promover os trabalhos de oficinas e recreação nos abrigos; promover procedimentos que
garantam a equidade no atendimento às pessoas; realizar atenção às equipes de socorro;
desenvolver estratégias para combater abusos;
- Reconstrução - incentivar manutenção dos vínculos familiares; combater a prática
de abusos (sexual, de drogas); restabelecer o coletivo: familiar/vizinhança (garantir o
restabelecimento da rede de apoio); incentivar a reconstrução coletiva; monitorar reações
emocionais; intervir psicologicamente em caráter clínico nos níveis individual, grupal e
comunitário; incentivar os afetados pelo desastre a se integrar no processo de reconstrução
enquanto protagonistas do mesmo; cuidar para que sejam preservados os lugares de memória.
Pela fala dos autores é possível perceber um direcionamento convergente no que
tange as responsabilidades governamentais e comunitárias. Fica evidente também a
necessidade da postura de trabalho interdisciplinar que o psicólogo envolvido nas
emergências e desastres deve ter.
Ressaltamos a importância de planejar ações voltadas ao principal objeto de estudo
da psicologia que é a subjetividade humana, para não criarmos direcionamentos de atuação no
42
campo das emergências e dos desastres que se mostrem tecnicistas e/ou desviem-se da
competência profissional do psicólogo.
O desenvolvimento de recursos humanos; a promoção da saúde, da moral social e do
bem-estar emocional através de trabalhos preventivos; o desenvolvimento motivacional e a
assistência na recuperação das populações vitimadas, de acordo com a demanda apresentada
em cada evento, são diretrizes de atuação que a psicologia não deve perder de vista em suas
intervenções frente às emergências e aos desastres. Estes direcionamentos possibilitam ações
com conseqüências sobre a recuperação de ecossistemas, a redução de vulnerabilidades e a
construção de políticas públicas eficientes (que alcancem todas as classes sociais).
Destacamos outra evidencia apontada no processo de desenvolvimento da
monografia: a necessidade da produção de pesquisa e extensão da psicologia neste campo de
trabalho que se realizam no Brasil. Em outros países, citados ao longo da monografia, isto é
feito de forma sistematizada. Mas por se tratarem de culturas e ambientes diferentes, os
conhecimentos produzidos nem sempre são aplicáveis a realidades diferentes, fazendo com
que necessitemos de pesquisas voltadas à realidade que vivenciada aqui no Brasil.
Segundo Marcos Antônio Mattedi (Mestre em Sociologia Política e Diretor do
Instituto de Pesquisas Sociais da Universidade Regional de Blumenau /SC), a psicologia pode
contribuir neste campo de duas formas: produzindo conhecimento através da criação de
programas de pós-graduação ou linhas de pesquisa, com a incorporação do tema das
emergências e dos desastres na formação e na extensão; e estabelecendo intercâmbio
internacional. Na extensão, Mattedi sugere a incorporação do tema no Programa Saúde da
Família, pois segundo o autor, os psicólogos possuem conhecimento deste programa
interdisciplinar e este alcança com maior facilidade as comunidades carentes. A curto prazo,
ele sugere promover eventos junto à comunidade e conhecer a experiência internacional. A
médio prazo, implantar programas e linhas de pesquisa que contemplem a mobilização, a
problematização e o interesse no campo. E a longo prazo, fazer com que o trabalho da
psicologia se torne obrigatório na intervenção em emergências e desastres41
.
Para construir um programa de formação em psicologia das emergências e dos
desastres, Pitágoras Bindé (Professor da Universidade Federal do Rio Grande do Norte,
Doutor pela Eberthard-Karls-Universität-Tübigen, Alemanha, na área de prevenção e combate
41
Texto adaptado da fala de Marcos Antônio Mattedi no I Seminário Nacional de PED – Contribuições para
Construção de Comunidades mais Seguras. Brasília, p. 56, 8, 9 e 10 jun. 2006.
43
a desastres) 42
, aponta alguns desafios: desenvolver uma cultura preventiva e de aplicabilidade
dos saberes psicológicos; transitar em diferentes áreas da psicologia, como a comunitária,
clínica, ambiental, do transito, da saúde mental, psicopatologia, psicotraumatologia; trabalhar
em equipes com paradigmas, geralmente diferentes ou desconhecidos pelo psicólogo; adotar
flexibilidade metodológica visando buscar respostas práticas, sustentadas por um
planejamento estratégico; gerenciar crises junto à população e aos profissionais envolvidos
neste contexto; implementar uma rede nacional para o desenvolvimento da psicologia das
emergências e dos desastres no país, em nível de graduação e pós-graduação. O autor sugere
que a formação em psicologia das emergências e dos desastres ocorra através da ênfase
curricular deste tema, dos estágios básicos, estágios profissionalizantes, atividades
multidisciplinares e trabalhos de conclusão de curso, abordando conteúdos inerentes à
psicologia e interdisciplinares.
Para que sejam colocadas em prática as propostas de incluir estagiários trabalhando
com o tema da psicologia das emergências e dos desastres, de produzir monografias neste
campo de estudo e de criar formações de psicólogos das emergências e dos desastres, fica
evidente, com a produção desta monografia, que são necessárias criações de parcerias
institucionais e desenvolvimento de políticas públicas comprometidas com a minimização da
alta vulnerabilidade e dos riscos sociais vividos cotidianamente no Brasil.
Para tanto, é imprescindível que a psicologia das emergências e dos desastres se
torne uma área de atuação no campo social e estabeleça parcerias com profissionais já
atuantes em eventos adversos (Bombeiros, Defesas Civis, Exército, Marinha e Socorristas de
forma geral). Porém, o trabalho interdisciplinar não pode funcionar enquanto não houver um
projeto de atuação social que contemple todas as fases dos desastres, não somente a da
reconstrução, e que atue conjuntamente com profissionais das mais diversas áreas. Segundo
fala do Major Márcio Luiz Alves, Diretor do Departamento de Defesa Civil do Estado de
Santa Catarina, nenhum elemento (indivíduo) pode trabalhar em um evento adverso sem ter
participado de todo o processo.
Portanto, a presente monografia defende a abertura de vagas para psicólogos junto
aos órgãos públicos de assistência responsáveis e credenciados pela sociedade para atuar neste
campo, como forma de produzir uma ação continua destes profissionais nos municípios onde
42
Texto adaptado da fala de Pitágoras Bindé no I Seminário Nacional de PED – Contribuições para
Construção de Comunidades mais Seguras. Brasília, p.56, 8, 9 e 10 jun. 2006.
44
atuariam. Isto possibilitaria o conhecimento diário sobre a área de intervenção e a produção de
um projeto preventivo condizente com a realidade vivida no local.
45
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
A presente monografia se propôs a analisar a trajetória histórica e as possíveis
práticas de intervenção do psicólogo frente às emergências e os desastres, considera-se que a
finalidade foi alcançada ao longo do desenvolvimento da mesma.
No referencial teórico e no desenvolvimento da presente monografia foram
analisados conceitos referentes às emergências e aos desastres, tipos e modos de avaliação;
caracterizados pensamentos teóricos de pesquisadores; apontadas possíveis relações entre a
percepção social, a prevenção e a resiliência frente às emergências e aos desastres;
identificadas possíveis práticas de intervenções no campo; levantados subsídios teóricos em
termos de políticas públicas que favorecessem a inserção do campo como lugar de trabalho
social; e identificadas possíveis parcerias na inserção da psicologia das emergências e dos
desastres nas organizações de ação pública.
Após as leituras e análises realizadas durante o desenvolvimento desta monografia, a
autora constatou que a psicologia enquanto ciência ainda carece da produção de estudos e
pesquisas referentes às emergências e aos desastres. No Brasil, o material científico existente
sobre o tema é insuficiente frente à demanda de trabalho que os eventos adversos têm
apresentado à categoria profissional. A autora compreende que a pesquisa no tema é
fundamental para a elaboração de um planejamento que abarque as especificidades locais,
considerando o Brasil um país com demandas variadas. O desenvolvimento do estudo,
pesquisa e planejamento é indispensável para uma posterior atuação profissional.
É fundamental que o profissional psicólogo atue em todas as fases dos eventos
adversos, porém com ênfase em ações de caráter preventivo. O trabalho de percepção social
dos riscos pode minimizar as conseqüências individuais e comunitárias dos desastres.
Entretanto as políticas públicas brasileiras ainda mantêm um padrão assistencialista e
emergencial, concentrando o atendimento nas fases posteriores a ocorrência dos desastres.
No intuito de priorizar a atuação em ações preventivas e desenvolver políticas
públicas voltadas para esse interesse, faz-se urgente pensar a presença do profissional
psicólogo nos órgãos públicos que lidam com esta atividade. A criação de cargos de
psicólogos especialistas em emergências e desastres providos por concursos públicos
garantiria a estabilidade do profissional. A permanência no cargo possibilitaria que o
46
profissional psicólogo desenvolvesse um projeto de prevenção sócio-educativo de longo prazo
e que este fosse executado de maneira contínua, minimizando a probabilidade de interrupções.
Além disso, a criação de cargos públicos para psicólogos possibilitaria uma atuação
interdisciplinar, considerando a integralidade na atuação às necessidades dos atingidos.
Encerra-se o trabalho de conclusão de curso almejando que esta pesquisa sirva de
estímulo para continuação do estudo da psicologia das emergências e dos desastres sob
diferentes perspectivas filosóficas, antropológicas, psicológicas e metodológicas, e que esse
tema seja levado para debate em sociedade, contribuindo assim, para a evolução do processo
de percepção social dos riscos.
Por fim conclui-se que os objetivos foram devidamente caracterizados e avaliados a
partir do quadro conceitual hoje disponível pela literatura. Desse modo, a acadêmica enquanto
pesquisadora entende que a pesquisa possibilitou o desenvolvimento no estudo de um campo
de atuação emergente para psicologia. Este estudo se mostra de relevante interesse social,
tendo em vista o aumento gradativo do contingente populacional e a insuficiência de
planejamento urbano, que conseqüentemente aumentam a vulnerabilidade social e os fatores
de risco sociais. Estes fatos evidentes no cenário atual brasileiro, somam-se e contribuem para
mudanças sociais, climáticas, tecnológicas e de saúde pública, as quais influenciam no
aumento da ocorrência de diversos tipos de desastres. Portanto concluímos que o estudo do
tema pelas mais diversas categorias profissionais se faz indispensável e urgente.
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6. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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