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ributaçãoributaçãoE M R E V I S T A Ano 16 N° 57 T
ISSN 1809-3426Uma publicação do Sindicato Nacional dos Auditores-Fiscais da Receita Federal do Brasil – Sindifi sco Nacional
Jul–Dez 10 Distribuição Dirigida
Seguridade Social
A falácia do défi cit
Entrevista
Denise Gentil defende o conceito constitucional de Seguridade Social Páginas 6 a 12
Edição EspecialCONAF 2010
Política de Distribuição - Tributação em Revista é uma publicação periódica do Sindifi sco Nacional - Sindicato Nacional dos Auditores-Fiscais da Receita Federal do Brasil. A revista tem acesso livre e é divulgada eletronicamente no endereço http://www.sindifi sconacional.org.br, no link publi-cações. Havendo interesse em receber um exemplar da publicação, entre em contato conosco pelo email: estudostecnicos@sindifi sconacional.org.br. Política Editorial - Tributação em Revista é um veículo de divulgação de ideias que explora temas tributários com ênfase em Economia e Direito Tributário; Política e Administração Tributária, Previdenciária e Aduaneira. Constitui-se num campo democrático aberto a discussão e a colaborações. Os artigos aqui divulgados são de inteira responsabilidade de seus autores e não refl etem, necessariamente, a opinião da entidade. Os autores interes-sados em publicar suas refl exões neste espaço devem remeter seus artigos para editor.revista@sindifi sconacional.org.br. Os artigos devem ser inéditos e estruturados segundo as normas técnicas da ABNT - Associação Brasileira de Normas Técnicas.
PREVIDÊNCIA SOCIAL PÚBLICAE CONDIÇÕES DE TRABALHOProjeto O Auditor e a Sociedade
A Previdência Social é indispensável para a sociedade brasileira. São 32 milhões de beneficiados que, dentre os idosos com mais de 65 anos, correspondem a 80% da populaçãao brasileira. A DEN compreende que um debate acerca dos desafios do regime previndeciário, que contemple relação à discussão das fontes de financiamento como dos benefícios e das políticas sociais decorrentes da execução do orçamento da Seguridade Social são essenciais para a sociedade brasileira.
Diretoria Executiva Nacional
programa de integração evalorização
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3quartos_previdencia.pdf 1 27/07/2010 13:42:30
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PREVIDÊNCIA SOCIAL PÚBLICAE CONDIÇÕES DE TRABALHOProjeto O Auditor e a Sociedade
A Previdência Social é indispensável para a sociedade brasileira. São 32 milhões de beneficiados que, dentre os idosos com mais de 65 anos, correspondem a 80% da populaçãao brasileira. A DEN compreende que um debate acerca dos desafios do regime previndeciário, que contemple relação à discussão das fontes de financiamento como dos benefícios e das políticas sociais decorrentes da execução do orçamento da Seguridade Social são essenciais para a sociedade brasileira.
Diretoria Executiva Nacional
programa de integração evalorização
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3quartos_previdencia.pdf 1 27/07/2010 13:42:30
s u m á r i os u m á r i oEDITORIAL
ENTREVISTAProfessora Denise Lobato Gentil
ARTIGOFinanciamento da Seguridade Social Análise Sob a Constituição Federal de 1988Eduardo Tanaka
ARTIGOA Previdência Social Como Renda Social no BrasilCélio Favoni e Solange de Cássia Inforzato de Souza
ARTIGOPrevidência Social e Constituição Federal: Qual é a Visão dos Juristas? Eduardo Fagnani
ARTIGOFinanciamento da Seguridade Social: do “Défi cit” da Previdência ao Superávit da SeguridadeÁlvaro Luchiezi Jr.e Osmar Rodrigues de Aquino Jr.
ARTIGOAs Contribuições Previdenciárias, o Emprego e a Garantia de uma Aposentadoria de Base para Todos os TrabalhadoresRosa Maria Marques
ARTIGOA Proposta de Reforma Tributária e seus Impactos na Arrecadação Previdenciária e no Mercado de TrabalhoLeonardo Alves Rangel, Graziela Ansiliero, Luis Henrique Paiva, Matheus Stivali e Edvaldo Duarte Barbosa
ARTIGOTributação da folha salarial no exterior e no BrasilAndré Gonçalves Diôgo de Lima
ARTIGOUma Nova Forma de Financiamento da Previdência Social Luigi Nese
ARTIGOA Desoneração da Folha e a Reforma PrevidenciáriaFloriano José Martins
ARTIGOO Fator PrevidenciárioCelecino de Carvalho Filho
QUESTÕES POLÊMICAS EM DIREITO TRIBUTÁRIOSupremo Tribunal Federal confi rma a inconstitucionalidade de contribuição previdenciária de inativos durante a EC nº 20/1998
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DIRETORIA EXECUTIVA NACIONAL (DEN)PresidentePedro Delarue Tolentino Filho1º Vice-PresidenteLupércio Machado Montenegro2º Vice-PresidenteSergio Aurélio Velozo DinizSecretário-GeralClaudio Marcio Oliveira DamascenoDiretor-SecretárioMauricio Gomes ZamboniDiretor de FinançasGilberto Magalhães De CarvalhoDiretor-Adjunto de FinançasAgnaldo NeriDiretora de AdministraçãoIvone Marques MonteDiretor-Adjunto de AdministraçãoEduardo TanakaDiretor de Assuntos JurídicosSebastião Braz da Cunha Dos Reis1º Diretor-Adjunto de Assuntos JurídicosWagner Teixeira Vaz2º Diretor-Adjunto de Assuntos JurídicosLuiz Henrique Behrens FrancaDiretor de Defesa Profi ssionalGelson Myskovsky Santos1ª Diretora-Adjunta de Defesa Profi ssionalMaria Cândida Capozzoli de Carvalho
2º Diretor-Adjunto de Defesa Profi ssionalDagoberto da Silva LemosDiretor de Estudos TécnicosLuiz Antonio BeneditoDiretora-Adjunta de Estudos TécnicosElizabeth de Jesus MariaDiretor de Comunicação SocialKurt Theodor Krause1ª Diretora-Adjunta de Comunicação SocialCristina Barreto Taveira2º Diretor-Adjunto de Comunicação SocialRafael Pillar JuniorDiretora de Assuntos de Aposentadoria,Proventos e PensõesClotilde GuimarãesDiretora-Adjunta de Assuntos deAposentadoria, Proventos e PensõesAparecida Bernadete Donadon FariaDiretor do Plano de SaúdeCarlos Antonio LucenaDiretor-Adjunto do Plano de SaúdeJesus Luiz BrandãoDiretor de Assuntos ParlamentaresJoão Da Silva dos SantosDiretor-Adjunto de Assuntos ParlamentaresGeraldo Marcio SecundinoDiretor de Relações IntersindicaisCarlos Eduardo Barcellos Dieguez
Diretor-Adjunto de Relações IntersindicaisLuiz Gonçalves BomtempoDiretor de Relações InternacionaisJoão Cunha da SilvaDiretora de Defesa da Justiça Fiscal e da Seguridade SocialMaria Amália Polotto AlvesDiretor-Adjunto de Defesa da Justiça Fiscal e da Seguridade SocialRogério Said CalilDiretor de Políticas Sociais e Assuntos EspeciaisJosé Devanir De OliveiraDiretores-SuplentesEduardo Artur Neves MoreiraKleber Cabral Conselho FiscalMembros TitularesRicardo Skaf AbdalaJose Benedito de MeiraMaria Antonieta Figueiredo Rodrigues Membros SuplentesIran Carlos Toneli LimaNorberto Antunes SampaioJosé Yassuo Hashimoto
Tributação em Revista é uma publicação do Sin-dicato Nacional dos Auditores-Fiscais da Receita
Federal do Brasil – Sindifi sco Nacional.
Conselho EditorialLupércio Machado Montenegro, Elizabeth de Jesus Maria; Kurt Theodor Krause; Tarcízio Dinoá Medeiros; João Cunha da Silva; Hélio Socolik, Ro-berto Barbosa de Castro e Luiz Antonio Benedito.
Coordenação Executiva Álvaro Luchiezi Jr.
Revisão Ana Carolina Pinheiro da Silva
EdiçãoÁlvaro Luchiezi Jr.
Projeto Gráfi coErika Yoda
Fotolito e ImpressãoKaco Gráfi ca
CapaNúcleo Cinco
Diagramação Washington Ribeiro (wrbk.com.br) 4613-DF
Tiragem desta edição3.000 mil exemplares
Produção EditorialPublicação Dirigida. Acesso livre no seguinte endereço eletrônico http://www.sindifi sconacional.org.br , link publicações. Para receber um exemplar da publicação, entre em contato pelo email:estudostecnicos@sindifi sconacional.org.br
Redação e correspondência SDS, Conjunto Baracat – 1º andar, salas 1 a 11 Brasília-DF - CEP 70392-900 Fonefax: 61 3218-5255
Colaboração:Os artigos, inéditos, devem ser enviados para Tributação em Revista – Sindifi sco Nacional, Departamento de Estudos Técnicos, SDS, Conjunto Baracat, salas 1 a 11, Brasília-DF, CEP 70.392-900 ou para o e-mail estudostecnicos@sindifi sconacional.org.br. Os textos serão submetidos ao Con-selho Editorial quanto à conveniência de publicá-los, poderão sofrer revisão e, se necessário, serão devolvidos ao autor com sugestões de mudanças ou solicitação de informações. Nenhuma modifi cação de estrutura ou conteúdo será feita sem consentimento do autor. As matérias publicadas por Tributação em Revista só poderão ser reproduzidas mediante autorização do Sindifi sco Nacional. Os originais devem ser apresentados em disquetes, CD-ROM ou enviados por email, em arquivos do Word e Excel (tabelas), corpo 12, até 15 páginas e deverão conter: Página inicial abordando os principais tópicos do artigo; Notas e referências bibliográfi cas; Currículo do autor (máximo 5 linhas).
ributaçãoT E M R E V I S T A
TRIBUTAÇÃO em revista 5
e DITORIAL
Uma das maiores conquistas da humanidade, nos tempos modernos, praticamente em sequência às revoluções industrial e urbana, reside na construção de redes de proteção social, das quais a seguridade social, abrangendo ações de saúde, previ-dência e assistência, é a mais importante. No Brasil, inclusive, a atual Constituição Federal faz a sua instrumentalização a partir do conceito básico da solidariedade e do pacto intergeracional.
A partir da existência de supostos ou reais défi cits crônicos, não apenas fi nanceiros, mas também atuariais, ultimamente aprofundou-se a discussão sobre o problema de esquematizar o fi nanciamento da previdência em harmonia com a política econômica e, em particular, com a política tributária.
Historicamente, o fi nanciamento da previdência tem-se assentado na contribuição do próprio segurado e na de seu empregador, sendo esta calculada sobre o total da folha de pa-gamentos. A conveniência de reduzir-se essa forma de contri-buição, substituindo-a por recursos originados dos impostos gerais, está no centro das discussões e desponta como tendên-cia. Com carradas de razão, preocupam-se os especialistas e a academia, que vislumbram risco na perda da principal fonte de fi nanciamento da previdência.
Sem embargo, há um sério problema de foco na discussão. Com efeito, a disputa centra-se na questão da espécie tributária (contribuição sobre a folha) fi cando esquecida ou completa-mente relegada a absoluta necessidade de fonte de recursos exclusiva e desvinculada do orçamento geral.
Embora a contribuição sobre a folha seja, juridicamente, encargo do empregador, do ponto de vista econômico fi nda sendo um imposto sobre o consumo, na medida em que é integrada ao custo dos bens e serviços produzidos e/ou um imposto pessoal do próprio trabalhador, na proporção em que ele supostamente poderia auferir salário maior, se não fosse o encargo. Em princípio, portanto, do ponto de vista estrito de técnica tributária, a contribuição poderia, em último caso, até mesmo vir a ser substituída por outra espécie.
O importante a ser preservado é aquilo que um século atrás os fundadores do sistema perceberam como fundamental: a ab-soluta necessidade de independência administrativa e fi nancei-ra da previdência social. Não foi por mero acaso que o advento
da previdência no Brasil representou, também, o nascimento do gênero autarquia no nosso direito administrativo – ressal-tando-se que o conceito de autarquia, hoje, está completamente deturpado e deixou, há muito, de ser um braço autônomo do Governo, como, realmente, era no início, assim como a para-fi scalidade no campo do direito fi nanceiro e depois tributário.
A Previdência Social, por defi nição, lida com fundos, ex-pectativas, direitos e obrigações de longo prazo, medido em gerações. A atuária é sua ferramenta principal. Um segurado que ingressa no sistema por volta de vinte anos de idade es-pera, com toda razão, que o retorno de suas contribuições se projete até sessenta, oitenta anos depois.
Em contraste, o Governo é obrigado a enfrentar, preponde-rantemente, problemas de curtíssimo, ou, no máximo, médio prazos, por mais que suas ações possam e devam ser guiadas por visão estratégica.
No entrechoque com a administração de curto prazo, no atendimento da legítimas pressões e da necessidade de atuação sobre problemas agudos nascidos da dinâmica econômica e social do País, é inevitável que a administração de longo prazo seja sacrifi cada. Na ordem natural das coisas, os problemas e necessidades emergentes passam a ter preferência sobre pro-blemas e necessidades situadas num ponto qualquer do futuro. Por isso, por exemplo, os fundos da previdência foram utiliza-dos na construção de Brasília e em outras ações de Governo.
Lamentavelmente, a tendência de todas as medidas relati-vas à previdência, seja quanto à sua administração, seja quanto ao seu fi nanciamento, têm apontado no sentido de ignorar a necessidade de autonomia. Atualmente, a gestão previdenciá-ria encontra-se incrustada na administração geral e o Governo chegou a propor, ofi cialmente, no bojo da reforma tributária, que a fonte de fi nanciamento da previdência seja integrada no orçamento geral. Mesmo que protegida por regra de vincula-ção automática, essa integração não pode deixar de ser vista como um péssimo augúrio. Se a previdência, que administra o longo prazo, precisar disputar recursos orçamentários com a administração de curto prazo, com toda certeza vai perder. Isso é claro prenúncio de crises e de decadência no futuro – e de retrocesso para a população brasileira.
6 TRIBUTAÇÃO em revista
Nesta entrevista a professora da Universidade Federal do Rio de Janeiro e pes-quisadora da Diretoria de Estudos Macroeconômicos do IPEA, Denise Lobato Gentil, questiona o “déficit” da Previdência Social, defendendo a aplicação do
conceito constitucional de Seguridade Social. A entrevistada também critica a manu-tenção do Fator Previdenciário, a criação da previdência complementar dos servidores públicos e defende a contribuição sobre a folha de pagamentos.
e ntrevista
Denise Lobato Gentil“O déficit da Previdência é um falso argumento. É uma construção ideológica, uma arma de luta
política dos conservadores.”
Tributação em Revista: Uma questão que está no cerne
das discussões acerca do financiamento da Segurida-
de Social no Brasil são as divergências entre aqueles
que defendem o princípio da totalidade estatuído na
Constituição Federal (artigos 194 e 195) e os defen-
sores da separação das fontes de custeio das políticas
de previdência, assistência social e saúde. Qual destas
duas abordagens a Sra. considera a mais apropriada?
Denise Gentil: Não posso tomar outra posição senão a de-
fesa do que diz a Constituição Federal e, como cidadã, exi-
gir seu cumprimento. No artigo 195 da Constituição, está
claramente dito que a seguridade social será financiada por
várias fontes de recursos como a contribuição dos empre-
gadores e trabalhadores à seguridade social (contribuição
ao INSS), a COFINS inclusive sobre importações, a CSLL e
a receita de concursos de prognósticos. Até 2007 a CPMF
também era uma fonte de recursos para a seguridade so-
cial. É importante ressaltar que a Constituição Federal de
1988, no mesmo artigo 195, também diz que a Seguridade
Social será financiada mediante recursos provenientes do
TRIBUTAÇÃO em revista 7
orçamento da União, além das contribuições sociais que
já mencionei. Ou seja, se um dia a seguridade for deficitá-
ria – o que definitivamente não é –, o governo deve entrar
com recursos do orçamento fiscal para cobrir a garantia de
direitos básicos da cidadania. O sistema foi criado com esta
estrutura financiamento, muito sólida e apoiada em uma
diversificada base de arrecadação que, até o momento, está
preservada no texto da Constituição. As investidas liberais-
-privatizantes não conseguiram, pelo menos até o momen-
to, viabilizar econômica e politicamente sua alteração.
T.R. Em geral, os sistemas de Seguridade Social
ou são financiados com recursos provenientes dos
tributos, via orçamento fiscal, ou por contribuições
específicas, calibradas segundo estimativas atua-
riais. O modelo brasileiro deveria ser alterado para
um regime de capitalização e cobertura não-universal
para ser atuarialmente sustentável?
D.G. Em primeiro lugar vamos deixar claro que o sis-
tema atual, que funciona num regime de repartição, é fi-
nanceiramente sustentável e vai muito bem. Esse é o ponto
de partida. As receitas cobrem completamente os gastos da
área de saúde, assistência social e previdência e ainda so-
bram recursos. Tanto é assim que há a desvinculação das
receitas da União (a DRU) sobre a arrecadação de contri-
buições sociais. Se não sobrassem recursos dessas fontes,
ninguém iria propor DRU, certo? Não se tira de onde há
escassez. Pois bem, se passasse a ser um regime de capita-
lização, baseado em princípios atuariais, seria um grande
retrocesso, porque não seria mais parte de uma política
social. Quem faz regime de capitalização é banco privado,
que trabalha com clientes que têm capacidade contributiva
individual e o banco objetiva lucro ao fazer essas operações
com seus clientes. No esquema de capitalização cada pes-
soa contribui individualmente para um fundo e só recebe-
rá, no futuro, uma renda proporcional ao que foi capaz de
contribuir. São esquemas caríssimos, não é para qualquer
um. Vale o individualismo – quem pode tem, quem não
pode, está fora. O problema é que há milhares de pessoas
que não têm renda para contribuir com nada ou que po-
dem recolher muito pouco, tão pouco que quando vierem
a necessitar de amparo ficarão completamente na miséria
quando passarem pelos riscos de desemprego, velhice, aci-
dente, doença, invalidez ou qualquer outro evento no qual
se vejam sem fonte de renda. O sistema público tem outros
objetivos. A política social tem o papel de proteger os cida-
dãos, principalmente nas crises econômicas e nas contin-
gências da vida, que são momentos em que o “mercado”
abandona as pessoas porque não tem compromisso algum
com a sobrevivência de ninguém. O Estado tem outro pa-
pel. Deve amparar os que não têm recursos para garantir
uma renda mínima de sobrevivência digna e, ir além, isto
é, usar a política social como alavanca para a promoção de
padrões de vida cada vez mais elevados para a população.
Portanto, o sistema tributário irá captar recursos de todos,
principalmente dos que têm maior capacidade econômica
para contribuir, para amparar os que tiverem menos, num
esquema universal, num esquema de solidariedade. A so-
ciedade se solidariza com o indivíduo quando o mercado o
coloca em dificuldades. Deixa de ser problema meramente
individual, dele cidadão, e passa a constituir uma responsa-
bilidade social, pública. O Estado assume a proteção social
como direito de todos os cidadãos porque a coletividade
decidiu que a destituição é incompatível com um patamar
civilizatório mais elevado.
“O sistema atual, que funciona num
regime de repartição, é financeiramente sustentável e vai muito bem. As receitas
cobrem completamente os gastos da área de
saúde, assistência social e previdência.”
8 TRIBUTAÇÃO em revista
T.R. Ainda sobre modelos de previdência e segu-
ridade social, os sistemas de seguridade na Améri-
ca Latina sofreram reformas nos últimos vinte anos.
Existe uma visão de que a maioria delas seguiu uma
estratégia liberal, buscando maior privatização da
previdência social. Qual é a sua opinião a respeito?
D.G. Muitos países da América Latina, como Chile
(1981), Peru (1993), Argentina e Colômbia (1994), Uru-
guai (1996), Bolívia e México (1997), El Salvador (1998) e
Costa Rica (2001) optaram por substituir, parcial ou inte-
gralmente, os sistemas públicos de repartição por sistema
privados obrigatórios de capitalização individual. Muitos
deles adicionaram medidas de desregulamentação do mer-
cado de trabalho e adotaram benefícios seletivos ao invés
de universais. Qual resultado de tudo isso? O nosso é o
melhor sistema de toda a América Latina. É aquele que tem
uma grande cobertura com benefícios permanentemente
reajustados e que permitiu ao país sair rapidamente da cri-
se mundial com quase zero de contágio. O sistema de se-
guridade social foi responsável pela criação de um mercado
interno poderoso e, mais do que isso, é capaz de estruturar
os salários no mercado de trabalho, definir o montante de
emprego, renda e PIB do país em função do efeito multipli-
cador que esse gasto propaga sobre o conjunto da econo-
mia. Cada R$1,00 gasto com o regime geral de previdência
social gera-se R$1,86 de renda para o conjunto das famílias
brasileiras e para cada R$1,00 gasto com o bolsa-família
são gerados R$2,25 de renda. Esse é o resultado de uma
importante pesquisa realizada no IPEA pela Diretoria de
Estudos Sociais. O sistema de seguridade social brasileiro
foi responsável pela acelerada redução da pobreza e, simul-
taneamente, pelo grande estímulo à demanda agregada que
resultou no maior dinamismo da economia brasileira como
não vivenciávamos há quase duas décadas.
T.R. Lemos e ouvimos com freqüência nos meios
de comunicação sobre a “crise financeira na previ-
dência social”, com déficits anuais alarmantes. Como
nosso sistema de seguridade social tem conseguido
sobreviver com tais déficits? Aliás, há realmente défi-
cit na Previdência Social ou no sistema de seguridade
social?
D.G. O déficit da Previdência é um falso argumento.
É uma construção ideológica, uma arma de luta política
dos conservadores. O superávit da seguridade social foi de
R$72,8 bilhões em 2007, de R$64,8 bilhões em 2008 e de
R$32,6 bilhões em 2009, segundo cálculos da ANFIP, que
se apóia nos preceitos da Constituição Federal para fazer
seus cálculos. Mesmo nos anos de crise internacional como
foram os anos de 2008 e 2009, e mesmo depois da perda
da CPMF, há superávit. Não dá para falar em crise da Previ-
dência com esses números, porque a Previdência está inse-
rida, pela Constituição de 1988, no sistema de seguridade
social, isto é, no seu universo de receitas e despesas. Isolar
o gasto da Previdência e compará-lo com apenas uma úni-
ca fonte de receita – quando existem muito mais fontes de
recursos para a previdência – é cometer o erro de ignorar
os dispositivos constitucionais com o objetivo de enviesar
o cálculo para que se chegue a uma situação deficitária que
é tecnicamente incorreta. Desse falso discurso parte-se para
as avaliações catastrofistas e para os apelos por reformas
restritivas de direitos e privatizantes. É preciso desmisti-
ficar esse discurso. Não existe uma trajetória explosiva de
déficit, como crê a sabedoria convencional e como alardeia
a grande mídia.
“A política social tem o papel de proteger os
cidadãos, principalmente nas crises econômicas e
nas contingências da vida, que são momentos em que o “mercado” abandona as pessoas porque não tem
compromisso algum com a sobrevivência de ninguém.”
TRIBUTAÇÃO em revista 9
T.R. Como entrariam o Regime Geral da Previ-
dência Social (RGPS) e o Regime Próprio de Previ-
dência Social dos Servidores Público (RPPS) nesta
contabilidade? Embora apenas o RGPS seja público
e universal, haveria uma competição por recursos en-
tre ambos os regimes, via orçamento fiscal? E mesmo
que houvesse a adoção do orçamento da seguridade
social, tal como preconizado pela Constituição Fede-
ral, não haveria direcionamento de recursos públi-
cos, via contribuição patronal da União, para o regi-
me público?
D.G. Apenas o RGPS é público, universal e integra o
orçamento da seguridade social; portanto, só os números
do RGPS têm que ser computados no resultado da seguri-
dade social. Num cálculo rigoroso, o RPPS dos servidores
federais deve ser excluído, por se tratar de um sistema que
estabelece uma relação entre a administração pública e seus
funcionários, patrocinado por contribuições específicas de
seus beneficiários que é a Contribuição ao Plano de Se-
guridade Social do Servidor (CPSSS) e pela contribuição
patronal da União. Esta contribuição patronal teria que ser
efetuada por meio de repasses do orçamento fiscal, mas es-
ses recursos são extraídos do sistema de seguridade social.
É muito freqüente que esses regimes distintos (o RGPS e o
RPPS) se misturarem nas estatísticas de despesas do gover-
no federal e, como conseqüência, o total dos gastos com a
previdência social pública ficam inflados.
T.R. A criação do fator previdenciário teria sido
uma forma velada de introduzir a aposentadoria por
idade já que, na prática, ele reduz o valor do salário-
-de-benefício para a grande maioria dos casos de apo-
sentadoria por tempo de contribuição. Gostaríamos
de ouvir sua opinião sobre o fator previdenciário. Ele
efetivamente discrimina os trabalhadores do RGPS?
A sua extinção, tal como proposta recentemente pelo
Congresso Nacional, e vetada pelo Presidente da Re-
pública, traria realmente um rombo nas contas pú-
blicas superior a R$ 10 bilhões até 2014, tal como
divulgado por órgãos do Poder Executivo?
D.G. Não defendo o fator previdenciário e nem a
idade mínima. Em primeiro lugar, esse tema está longe
de ser a questão central a ser debatida no momento, e
desvia as idéias do centro do problema, que não é fiscal,
mas político. Um debate sobre previdência tem que es-
tar inserido num contexto amplo, sobre os rumos que a
sociedade precisa trilhar para alcançar um outro pata-
mar civilizatório ideal, fazendo a partilha da riqueza que
gera entre as classes sociais. A nossa sociedade precisa
decidir em que patamar vai amparar as pessoas na velhi-
ce, no desemprego, na doença, na invalidez por acidente
de trabalho, na maternidade, enfim, como irá proteger
aqueles que estão inviabilizados, definitiva ou tempora-
riamente, para o trabalho e que perderam a capacida-
de de obter renda. São direitos conferidos aos cidadãos
de uma sociedade mais evoluída, que entendeu que o
mercado excluirá a todos nessas circunstâncias. Tratar
a Previdência no varejo, em pequenas parcelas, é des-
prezar o seu valor estratégico no conjunto das políticas
sociais. Além disso, é da mais alta relevância entender
que a Previdência é muito mais que uma transferência
de renda a necessitados: ela é um gasto autônomo, que
se converte integralmente em consumo de alimentos, de
serviços, de produtos essenciais e que, portanto, sai das
“A idade mínima ou o fator previdenciário buscam
manter os trabalhadores mais velhos por mais tempo no mercado de
trabalho e isso gera grande insegurança. Não bastasse a insegurança física que a velhice acarreta, há a
insegurança financeira.”
10 TRIBUTAÇÃO em revista
mãos dos beneficiários e volta para o mercado, dinami-
zando a produção, estimulando o emprego e multipli-
cando a renda. Os benefícios previdenciários têm um
papel importantíssimo como impulsionadores da eco-
nomia. Se você olha a questão por esse prisma, discutir
fator previdenciário e idade mínima como elementos de
redução de gastos torna-se irrelevante. Em segundo lu-
gar, porque a idade mínima ou o fator previdenciário
buscam manter os trabalhadores mais velhos por mais
tempo no mercado de trabalho e isso gera grande in-
segurança. Não bastasse a insegurança física que a ve-
lhice acarreta, há a insegurança financeira, que vem da
grande dificuldade, em alguns grupos de trabalhadores,
de manter o emprego a partir de uma determinada ida-
de, particularmente para aqueles que estão em trabalhos
onde se exige esforço físico ou em funções de melhor
remuneração, em que jovens podem substituir os mais
antigos com salários mais baixos, de início de carreira.
Como manter o emprego nessas condições até preencher
todos requisitos de idade para se aposentar com uma
remuneração melhor? Não se pode desvincular a pre-
vidência da realidade do mercado de trabalho e adotar
regras gerais como se todos os trabalhadores vivessem
a mesma realidade nas mesmas circunstâncias. Por úl-
timo, o fator previdenciário é altamente injusto porque
reduz, em média, o benefício das mulheres no ato da
aposentadoria, em 41,5% e, do homem, em 35%. O que
se economiza com o fator previdenciário é um valor ir-
risório para os cofres públicos, mas os danos que causa
ao trabalhador são muito grandes, além de se perder o
efeito econômico do multiplicador dessa parcela do gas-
to público sobre os empregos, a renda e a arrecadação
futura.
T.R. Qual sua opinião sobre o regime de previ-
dência complementar, para os servidores públicos,
previsto nos parágrafos 14 a 16 do art. 40 da Cons-
tituição Federal?
D.G. Vamos esclarecer uma coisa, como ponto de
partida. Os gastos da União com as remunerações de
funcionários públicos ativos e inativos permaneceram
estáveis, abaixo de 5% do PIB, ao longo do período de
1996 até 2009, com exceção do ano de 2001, que foi de
5,1% do PIB. A mesma estabilidade se verificou, durante
esse período, com os dados estaduais. No caso da União,
as receitas com contribuições para o Regime Próprio dos
Servidores (RPPS) cresceram após 2002, em termos reais
e nominais, em função da cobrança de inativos e pen-
sionistas a partir da reforma de 2003 e em função do
crescimento do quadro de servidores com os novos con-
cursos. Houve uma reconstrução do estado brasileiro a
partir de 2003 após um longo período de desmonte da
era liberal. Portanto, do ponto de vista financeiro, não
há problemas, hoje, com o RPPS porque a tendência é
de tranqüilidade financeira e auto-sustentabilidade. O
problema que vejo é com relação à previdência com-
plementar dos servidores, em regime de capitalização,
que ainda não foi regulamentada, mas que se vier a sê-lo
trará instabilidade financeira ao regime básico, em fun-
ção da perda de receitas futuras que irá provocar, além
de não proporcionar a mesma segurança aos servidores
que o sistema atual, totalmente apoiado pelo Estado. A
previdência complementar vai jogar o servidor na vul-
nerabilidade que o mercado financeiro proporciona e
a crise de 2008 é um belo exemplo do que significa a
instabilidade desse mercado. É uma montanha russa.
Enfim, a previdência complementar vai mesmo é trazer
grandes proveitos ao setor financeiro que está há mui-
to tempo querendo ficar com essa fatia de mercado dos
servidores que tem alto poder aquisitivo e baixo risco.
O fato real é que é totalmente desnecessário regular o
pilar de previdência complementar dos servidores se as
razões para isso estiverem relacionadas com a solvência
desse sistema.
T.R. As mudanças da estrutura demográfica
brasileira, somadas a uma tendência de redução
do índice de informalidade da economia, podem
estar prenunciando uma fase de conforto na admi-
nistração da previdência social, inclusive a ponto
TRIBUTAÇÃO em revista 11
de afastar a necessidade de novas reformas? O mo-
delo vigente de previdência seria sustentável num
cenário de expectativas de vida no limiar dos cem
anos? Como a ciência prenuncia para as próximas
décadas?
D.G. Sim, é verdade que a proporção de idosos au-
mentará no futuro e as despesas previdenciárias cres-
cerão. Mas é preciso muito cuidado com as conclusões
que se tiram dessa constatação, porque é um enorme
exagero fazer disso o nosso grande problema futuro.
Pelo contrário, não é um problema – esse é o efeito
daquilo que a humanidade sempre buscou ao desejar
prolongar a vida, é o efeito das grandes conquistas que
decorreram do avanço da educação e da informação,
do progresso das pesquisas científicas e das melhores
condições de vida alcançadas por nossa sociedade. Eu
penso que não se pode tratar essa questão reduzindo-a
meramente a um determinismo demográfico. O ponto
fundamental para dar sustentabilidade financeira a um
sistema previdenciário do futuro é conseguir manter ta-
xas elevadas de crescimento econômico, porque as vari-
áveis mais importantes do lado das receitas do sistema
são o emprego formal, o patamar de salários e a massa
de lucros. É preciso não esquecer que a Previdência não
é financiada apenas pelos trabalhadores ativos e seus sa-
lários, mas também por outras receitas tributárias que
derivam do lucro e do faturamento. Portanto, para que
o sistema previdenciário não passe por uma crise finan-
ceira o país terá que crescer a taxas elevadas, aumentar
a produtividade do trabalho com a introdução de novas
tecnologias, elevar o nível de ocupação formal e fazer
uma política salarial que permita elevar a renda média
dos trabalhadores. Se nós conseguirmos isso, não ha-
verá motivos para nos preocuparmos com o problema
do financiamento do sistema previdenciário no futuro,
porque os trabalhadores ativos serão em menor núme-
ro, mas em compensação serão muito mais produtivos e
gerarão mais bens e serviços que os de hoje. Os inati-
vos vão ser mantidos por trabalhadores que trabalharão
por menos tempo e produzirão muito mais, e o nosso
problema será, isto sim, o velho problema de sempre
– que é o de evitar as recessões econômicas e efetuar a
melhor divisão do resultado da produção entre os vários
membros da sociedade. Não se trata, portanto, de uma
dramática trajetória demográfica de envelhecimento da
população contra a qual não teremos outra escolha a não
ser sacrificar os que entram na velhice. É um contra-
-senso. Por que não pensar em reduzir o desemprego
ao mínimo possível para aumentar as receitas para o
sistema previdenciário? Por que não pensar em trazer
cada vez mais para o mundo formal os trabalhadores
que vivem na informalidade para que possam contribuir
para a previdência? Por que não pensar em reduzir as
incertezas dos investimentos dos empresários de forma
a estimulá-los a produzir cada vez mais? Por que não
pensarmos em como usufruir cada vez melhor da velhi-
ce, transformando os idosos nos grandes consumidores
do futuro, ao invés de insistir em mantê-los no trabalho,
que poderia ser ocupado por um cidadão mais jovem?
Trata-se, como você vê, muito mais de um problema de
origem econômica e tecnológica. Mas esta questão está
sendo tratada de forma estreita, como um problema de-
mográfico que, por sua vez, vai desaguar numa questão
fiscal isolada, apenas da Previdência e dos velhos. Daí
começam a surgir as propostas mais indecorosas, de cor-
te de direitos, elevação da idade mínima, redução do
“A previdência complementar vai jogar o
servidor na vulnerabilidade que o mercado financeiro proporciona e a crise de
2008 é um belo exemplo do que significa a instabilidade
desse mercado. É uma montanha russa.”
12 TRIBUTAÇÃO em revista
valor dos benefícios e aumento de contribuições. E o
que é pior, medidas desse tipo podem se revelar com-
pletamente inócuas para resolver o problema do finan-
ciamento do sistema. É um grande reducionismo opor-
tunista contra o qual a sociedade precisa se organizar,
debater e resistir.
T.R. A Sra. vê contribuição sobre a folha de pa-
gamentos como um dos pilares principais do finan-
ciamento da previdência?
D.G. Acho a contribuição sobre a folha de paga-
mentos fundamental. Ela é um dos sustentáculos do
Orçamento da Seguridade Social e isso faz uma grande
diferença, porque é uma fonte que, junto com as de-
mais receitas (CSLL, COFINS, PIS), foram pensadas
em 1988 para serem “intocáveis” pela disputa política,
pelas manipulações e arbitrariedades do jogo do poder
sobre o destino das verbas orçamentárias. Os recursos
destinados à proteção social foram considerados sagra-
dos pelos constituintes de 1988 porque eram projetados
para assegurar a cidadania e para dar condições míni-
mas de dignidade ao povo brasileiro. São recursos que
amparam os mais necessitados, os desprotegidos, que
não têm poder de pressão algum sobre os destinos dos
recursos públicos. Perder a tributação sobre a folha de
pagamentos substituindo-a por um tributo qualquer po-
deria acabar com essa salvaguarda orçamentária deixada
pelos constituintes de 1988 e lançaria os direitos sociais
no campo da disputa dos recursos do Orçamento Fiscal,
onde a apropriação das receitas do governo é feita pelos
grupos com maior capacidade de fazer prevalecer suas
demandas e seus interesses. A Previdência seria colocada
na arena da disputa dos recursos públicos do Orçamen-
to Fiscal onde levaria enorme desvantagem em função
dos poderosos interesses que trafegam na órbita do or-
çamento público. É preciso que se diga que há uma pro-
posta de alteração na legislação visando reduzir a cota
patronal sobre a folha de pagamentos e muitos chegam
a propor até mesmo sua eliminação. Eu diria que não é
um exagero supor que os resultados dessa operação são
imprevisíveis. Pode acontecer que isso provoque uma
mera desoneração do capital que resultará na incorpo-
ração de maior margem de lucro, com nenhum impacto
ou com baixo impacto sobre a formalização do trabalha-
dor e sobre o aumento do emprego. E por quê? Porque
essa margem de lucro maior pode ir para aplicações no
mercado financeiro, onde é muito rentável e tem baixo
risco. O que faz aumentar o trabalho formal e reduzir o
desemprego são taxas de crescimento do PIB cada vez
maiores. Quando a economia cresce, como acontece
agora no país, o emprego formal dispara e o desemprego
cai rápida e progressivamente. E isso se consegue por
meio de políticas macroeconômicas de estímulo à de-
manda agregada eficientes, como a redução da taxa de
lucro, o aumento do crédito e o crescimento do gasto
público. São elas que aumentam o consumo. Se não
houver consumo suficiente para indicar aos empresários
que vale a pena investir e produzir porque as vendas são
certas, se não houver esta percepção, a desoneração da
folha pode cair a zero e ainda assim eles não contratarão
mais trabalhadores. Portanto, sou muito cética quanto
aos resultados positivos de uma política de desoneração
da folha de pagamentos. Acho que a Previdência perderá
recursos e não será compensada proporcionalmente por
mais empregos e mais formalização.
“Acho a contribuição sobre a folha de pagamentos fundamental. Ela é um dos sustentáculos do
Orçamento da Seguridade Social e isso faz uma grande
diferença, porque é uma fonte intocável pela disputa
política”
TRIBUTAÇÃO em revista 13
a RTIGO
Financiamento da Seguridade Social Análise Sob a Constituição Federal de 1988
Depreende-se do conceito de Seguridade Social que as
ações devem ser tanto dos Poderes Públicos como de toda
sociedade. E, também, percebe-se que Seguridade Social é
gênero do sub-grupo: previdência social, assistência social
e saúde. Assim, sempre que utilizamos o termo Segurida-
de Social, estamos a falar nas suas três espécies, podendo
ser esquematizadas da seguinte forma:
1- Auditor Fiscal da Receita Federal do Brasil, lotado em Curitiba-PR. Diretor adjunto de administração do Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal do Brasil – Sindifi sco Nacional. Especialista em Direito Constitucional. Professor de Direito Constitucional e Direito Previdenciário. Vice-presidente de Política de Classe da AFIPA. Autor de diversos livros sobre Direito Previdenciário.
2. Caput do artigo 194 da Constituição Federal de 1988.
Eduardo Tanaka1
1. Introdução
O fi nanciamento da Seguridade Social é um tema que
tem sido discutido sob diversos aspectos tais como: eco-
nômicos, estatísticos, sociológicos, tributários. Portanto,
faz-se importante uma análise sob o aspecto da Constitui-
ção da República Federativa do Brasil de 1988. Este artigo
procura abordar o presente tema, principalmente no que
concerne ao mito do défi cit previdenciário.
2. A Seguridade Social – Breve Consideração
Para que o termo Seguridade Social seja compreendido
é necessário atentar ao seguinte conceito2:
A seguridade social compreende um conjunto inte-grado de ações de iniciativa dos Poderes Públicos e da sociedade, destinadas a assegurar os direitos re-lativos à saúde, à previdência e à assistência social.
14 TRIBUTAÇÃO em revista
É interessante fazer uma sucinta diferenciação entre
estas três espécies:
• A Previdência Social:
• será organizada sob a forma de regime geral, de
caráter contributivo e de filiação obrigatória, ob-
servados critérios que preservem o equilíbrio fi-
nanceiro e atuarial. Os Benefícios são administra-
dos e concedidos pelo INSS. Já o Custeio fica por
conta da Secretaria da Receita Federal do Brasil,
órgão responsável pela arrecadação e fiscalização
das contribuições sociais.
• A Assistência Social:
• será prestada a quem dela necessi-
tar, independentemente de contribuição
à seguridade social, e tem por objetivos:
I - a proteção à família, à maternida-
de, à infância, à adolescência e à velhice;
II - o amparo às crianças e adolescentes carentes;
III - a promoção da integração ao mercado de trabalho;
IV - a habilitação e reabilitação das pes-
soas portadoras de deficiência e a promo-
ção de sua integração à vida comunitária;
V - a garantia de um salário mínimo de benefício
mensal à pessoa portadora de deficiência e ao ido-
so que comprovem não possuir meios de prover à
própria manutenção ou de tê-la provida por sua
família, conforme dispuser a lei.
• A Saúde:
• é direito de todos e dever do Estado, garantido
mediante políticas sociais e econômicas que visem
à redução do risco de doença e de outros agravos e
ao acesso universal e igualitário às ações e serviços
para sua promoção, proteção e recuperação.
A saúde, cujas ações partem do Sistema Único de Saú-
de, é acessível a todas pessoas, independentemente de
classe social e não há necessidade de contribuição para
Seguridade Social.
3. A Seguridade Social e o Princípio do Estado De-
mocrático de Direito
Para que se possa discorrer a respeito dos aspectos
constitucionais do financiamento da seguridade social é
necessária uma análise preliminar de um dos mais impor-
tantes princípios da nossa Carta Magna: O Princípio do
Estado Democrático de Direito.
Conforme o caput do artigo 1º da Constituição Fede-
ral:
A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Di-reito e tem como fundamentos: (...) (grifo nossos).
Pode-se observar que nossa Lei Maior traz o referido
princípio estampado em seu artigo 1º, que, na visão de
José Afonso da Silva3:
a configuração do Estado Democrático de Direito não significa apenas unir formalmente os conceitos de Estado Democrático e Estado de Direito. Consis-te, na verdade, na criação de um conceito novo, que leva em conta os conceitos dos elementos compo-nentes, mas os supera na medida em que incorpora um componente revolucionário de transformação status quo. E aí se entremostra a extrema importân-cia do art. 1º da Constituição de 1988, quando afir-ma que a República Federativa do Brasil se constitui um Estado Democrático de Direito, não como mera promessa de organizar o Estado, pois a Constituição aí já está proclamando e fundando. É um tipo de Es-tado que tende a realizar a síntese do processo con-traditório do mundo contemporâneo, superando o Estado capitalista para configurar um Estado promo-tor de justiça social que o personalismo e o monismo político das democracias populares sob o influxo do socialismo real não foram capazes de construir.
Naturalmente, o que Silva quis dizer é que um Estado
Democrático de Direito vai além do conceito de Estado de
Direito e além do conceito de Estado Democrático, pois
ele se fundamenta em um Estado preocupado com a ver-
dadeira justiça social. Pois, como aduz Silva:
3. Silva, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. São Paulo: Malheiros Editores, 29ª edição, 2007, p. 119.
TRIBUTAÇÃO em revista 15
O certo, contudo, é que a Constituição de 1988 não promete a transição para o socialismo com o Estado Democrático de Direito, apenas abre as perspectivas de realização social profunda pela prática dos di-reitos sociais, que ela inscreve, e pelo exercício dos instrumentos que oferece à cidadania e que possibi-lita concretizar as exigências de um Estado de justi-ça social, fundado na dignidade da pessoa humana.
Desta forma, como conseqüência do princípio do
Estado Democrático de Direito, a República Federativa
do Brasil deve ter como objetivos fundamentais4, den-
tre outros: construir uma sociedade livre justa e solidá-
ria; erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as
desigualdades sociais e regionais; promover o bem de
todos. Assim, não é benesse de Governo algum investir
e priorizar a Seguridade Social, pois, prioritariamente,
é obrigação Constitucional de mais alto estirpe imposta
a todos, pois tal mandamento é um princípio Consti-
tucional.
Portanto, é missão constitucional do Poder Público
pautar suas ações na constante persecução à justiça
social.
4. A Seguridade Social e o Princípio da Solidarie-
dade
Constituem objetivos fundamentais da República Fe-
derativa do Brasil: - construir uma sociedade livre, justa
e solidária. Assim preconiza o artigo 3º, inciso I da Cons-
tituição Federal.
O homem é um ser social por natureza. Uns depen-
dem dos outros para sua própria sobrevivência. Desta
forma, todos aqueles que produzem, que trabalham, de-
vem contribuir com parte de seus ganhos para com os
que precisam de alguma assistência. É o chamado Pacto
Intergeracional.
Os valores arrecadados hoje serão utilizados imedia-
tamente para custear os benefícios e serviços de hoje.
Assim, o sistema contributivo do Regime Geral de Previ-
dência Social é o de repartição simples.
5. O Financiamento da Seguridade Social
O caput do artigo 195 da Constituição Federal trata
do financiamento da Seguridade Social:
A seguridade social será financiada por toda a so-ciedade, de forma direta e indireta, nos termos da lei, mediante recursos provenientes dos orçamentos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, e das seguintes contribuições sociais:I - do empregador, da empresa e da entidade a ela equiparada na forma da lei, incidentes sobre: a) a folha de salários e demais rendimentos do tra-balho pagos ou creditados, a qualquer título, à pes-soa física que lhe preste serviço, mesmo sem víncu-lo empregatício; b) a receita ou o faturamento; c) o lucro; II - do trabalhador e dos demais segurados da pre-vidência social, não incidindo contribuição sobre aposentadoria e pensão concedidas pelo regime geral de previdência social de que trata o art. 201;III - sobre a receita de concursos de prognósticos.IV - do importador de bens ou serviços do exterior, ou de quem a lei a ele equiparar.
Ao ler o citado caput do art. 195 da Constituição Fe-
deral, depreendemos que além das contribuições sociais,
a Seguridade Social deve ser financiada mediante recur-
sos provenientes dos orçamentos da União, dos Estados,
do Distrito Federal e dos Municípios, que, em regra são
receitas provenientes dos impostos.
Desta forma , a Seguridade Social, cumprindo o prin-
cípio Constitucional da diversidade da base de finan-
ciamento5 , deve ser financiada tanto por recursos das
contribuições sociais, quanto por impostos arrecadados.
Por óbvio as contribuições sociais devem, ou pelo
menos deveriam, ser aplicadas exclusivamente para o
financiamento da Seguridade Social e, assim, cumprir
o papel social do Estado Democrático de Direito. E, no
caso em que as despesas para com a Seguridade Social
superem a arrecadação das contribuições sociais, não há
que se falar em déficit. Pois, os recursos provenientes dos
orçamentos dos entes estatais, também, integram o orça-
mento securitário,
4. Artigo 3º da Constituição Federal.
5. Art. 194, parágrafo único, inciso VI da Constituição Federal de 1988.
16 TRIBUTAÇÃO em revista
Como reza a Carta Magna, quando se fala em Segurida-
de Social, referem-se às três espécies (Saúde, Previdência
Social e Assistência Social). O artigo 195 da Constituição
Federal descreve um modelo de financiamento global da
Seguridade Social. E, historicamente, a Seguridade Social
tem demonstrado sucessivos superávits. Conforme dados
da Secretaria do Tesouro Nacional – STN – e do Sistema
Integrado de Administração Financeira do Governo Fede-
ral – SIAFI – no primeiro semestre de 2009 o superávit da
Seguridade Social foi de R$20,03 bilhões6.
Então, como se falar em déficit previdenciário se o
encontro das Receitas e Despesas da Seguridade Social é
superavitário? Acentua-se, que em períodos de crise eco-
nômica, como no primeiro semestre de 2008, o saldo po-
sitivo beirou R$35,15 bilhões, o que equivale a 2,97% do
PIB7.
Mesmo, também, a previdência urbana, apresenta-se
superavitária, dispensando qualquer tipo de financiamen-
to, que não se origine das contribuições sociais sobre a
folha de pagamentos8. O superávit da previdência urba-
na vem a prover parte da previdência rural, obedecendo
ao art. 201, parágrafo 9º, que estabelece que “os diversos
regimes de Previdência social se compensarão financeira-
mente, segundo critérios estabelecidos em lei”. Portanto, o
famigerado déficit previdenciário corresponde aos benefí-
cios pagos aos segurados rurais e mais especificamente os
ditos “segurados especiais9” que não dispõem de receita
suficiente, mas que devem ser amparados pelo sistema se-
curitário, obedecendo-se ao princípio da solidariedade e
do Estado Democrático de Direito.
Assim, as receitas arrecadadas de todas as contribui-
ções sociais devem ser destinadas a toda Seguridade So-
cial. Isto porque, a Constituição Federal de 1988 não trou-
xe em seu bojo a especificação. A Carta Magna definiu que
a lei orçamentária anual compreenderá, dentre outros, o
orçamento da seguridade social, abrangendo todas as en-
tidades e órgãos a ela vinculados, da administração direta
ou indireta, bem como os fundos e fundações instituídos e
mantidos pelo Poder Público10.
Além das contribuições sobre a folha de pagamento,
ditas contribuições previdenciárias, há outras fontes de
financiamento que são capazes de distribuir a receita se-
curitária de forma a cumprir com o objetivo da universa-
lidade da cobertura e do atendimento e da seletividade e
distributividade na prestação dos benefícios e serviços11.
Sendo assim, quando se trata do orçamento da Seguri-
dade Social, deve-se ter em mente que as receitas securitá-
rias devem financiar integralmente a Saúde, a Assistência
Social e a Previdência Social.
Infelizmente, o que tem sido divulgado é apenas o re-
sultado financeiro do Regime Geral da Previdência Social
por meio do contraste entre a arrecadação das contribui-
ções sociais sobre a folha de pagamentos e as despesas
com benefícios previdenciários do INSS.
Entretanto, como já abordado, as contribuições sociais
não se resumem apenas por aquelas sobre a folha de pa-
gamentos. A Seguridade Social é financiada, também, pela
COFINS, PIS, Contribuição Social sobre o Lucro Líquido,
concursos de prognósticos, dentre outras. E, todas as re-
ceitas da Seguridade Social são capazes de cobrir com su-
perávit todas as suas despesas. Então, como aceitar o mito
do déficit apenas da Previdência Social, se o orçamento
da Seguridade Social é superavitário? E mesmo que seu
orçamento fosse deficitário, ainda há a previsão constitu-
cional12 de recursos do orçamento fiscal a ser injetados no
sistema securitário.
6. Revista de Seguridade Social. ANFIP, 2009, nº101, p28.
7. Revista de Seguridade Social. ANFIP, 2009, nº101, p28.
8. Estas são as Contribuições Sociais Previdenciárias, propriamente ditas.
9. O art. 195, § 8º da Constituição Federal de 1988, aborda o conceito de segurado especial: “o produtor, o parceiro, o meeiro e o arrendatário rurais e o pescador artesanal, bem como os respectivos cônjuges, que exerçam suas atividades em regime de economia familiar, sem empregados permanentes, contribuirão para a seguridade social mediante a aplicação de uma alíquota sobre o resultado da comercialização da produção e farão jus aos benefícios nos termos da lei.”
10. Art. 165, § 5º, VI da Constituição Federal de 1988.
11. Art. 194, parágrafo único, incisos I e III da Constituição Federal de 1988.
12. Art. 195, caput.
TRIBUTAÇÃO em revista 17
Porém, o que ocorre com os recursos securitário é o
inverso do que deveria ser. Pois, como se não bastasse,
ainda assim, o orçamento da Seguridade Social é usurpa-
do por meio da famigerada Desvinculação de Recursos da
União – DRU. Esta desvinculação teve início por meio da
Emenda Constitucional de Revisão nº 1, de 1994, com a
criação de um “Fundo Social de Emergência (FSE); tendo
sido prorrogada pelas Emendas Constitucionais nº 10 e 17
e, posteriormente, Emenda Constitucional nº 27, que ins-
titui a Desvinculação das Receitas da União (DRU), sendo
prorrogada pelas Emendas Constitucionais nº 42 e nº 56,
nesta até 2011.
Assim, a DRU desvincula 20% das contribuições so-
ciais, que deveria prover a Seguridade Social, mas que é
usurpado para composição do superávit primário e, por
conseqüência, é utilizado para pagar juros da dívida.
Esse flagrante desrespeito à Seguridade Social retira as
receitas da sociedade brasileira. Receitas estas que deve-
riam promover de forma mais ampla a justiça social, mas
que, por meio da DRU, segue um caminho inverso, ao
devolver estes valores aos detentores do grande capital.
6. Conclusão
É notório que a Previdência Social é o maior distribui-
dor de rendas do país, fomentando a economia local e,
conseqüentemente, são fontes essenciais de financiamento
de grande parte de pequenos municípios espalhados pelo
Brasil. O dinheiro dos benefícios previdenciários e assis-
tenciais alavanca a economia, traz dignidade aos desfavo-
recidos e minimiza as dificuldades de milhares e milhares
de famílias.
O governo deveria abandonar a falácia do déficit pre-
videnciário, haja vista que a arrecadação das contribuições
sociais é superavitária. Isto demonstra uma clara violação
ao Princípio Constitucional da Publicidade13, ao trazer in-
formações e dados manipulados, e que, perigosamente,
servem de amparo para que os detentores do grande capi-
tal e o governo possam vilipendiar a Previdência Social e
reforçar suas teses da desoneração da folha de pagamento,
da manutenção do fator previdenciário e de demais regras
que podem trazer grandes prejuízos aos trabalhadores.
Por outro lado existe a DRU, que apesar de integrar a
Constituição Federal através de Emendas Constitucionais
que a prorrogam ciclicamente, é inconstitucional, pois
retira do orçamento da Seguridade Social um montante
considerável que deveria ser investido na Saúde, Assis-
tência Social e Previdência Social, transferindo-o para o
orçamento fiscal, desrespeitando o artigo 195 da Carta
Magna que prevê as fontes de financiamento que deve-
riam abastecer a Seguridade Social. Isto, conseqüentemen-
te, também viola o princípio do Estado Democrático de
Direito, dificultando que objetivos fundamentais da Re-
pública Federativa do Brasil sejam alcançados, tais como a
erradicação da pobreza e da marginalização e redução das
desigualdades sociais e regionais 14.
REFERÊNCIAS
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília: Senado Federal, 1988.
Silva, José Afonso da. Curso de Direito Constitucio-nal Positivo. São Paulo: Malheiros Editores, 29ª edi-ção, 2007.
Tanaka, Eduardo. Direito Previdenciário. Rio de Ja-neiro: Editora Campus Elsevier, 2009.
Mendes, Gilmar et al. Curso de Direito Constitucio-nal. São Paulo: Saraiva, 2009.
Moraes, Alexandre de. Direito Constitucional. São Paulo: Editora Atlas, 2009.
Ferreira Filho, Manoel Gonçalves. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Saraiva, 2006.
ANFIP. Revista de Seguridade Social. 2009, nº101.
MARTINS, Sérgio Pinto. Direito da Seguridade So-cial. 21 ed. São Paulo: Editora Atlas, 2004.
13. Art. 37, caput da Constituição Federal de 1988.
14. Art. 3º, inciso III da Constituição Federal de 1988.
18 TRIBUTAÇÃO em revista
a RTIGO
A Previdência Social Como Renda Social no Brasil
Célio Favoni1
Solange de Cássia Inforzato de Souza2
incorpora uma preocupação acerca do crescimento da po-
pulação brasileira maior de 60 anos, estimando que em
2020 aproximadamente 15% da população será composta
por idosos.
Recentemente, políticas sociais se fazem presentes no
âmbito da assistência e previdência social. Neri et al (2008)
destaca: o Benefício de Prestação Continuada (BPC) ins-
tituído em 1993 pela Lei Orgânica da Assistência Social
(LOAS) e destinado à população com 65 anos ou mais e
a portadores de defi ciência incapacitados para o trabalho,
que possuem renda familiar per capita inferior a ¼ do sa-
lário mínimo; a Política Nacional do Idoso (PNI) aprovada
em 1994 com o objetivo assegurar ao idoso seus direitos
sociais; a Política Nacional de Saúde do Idoso, elaborada
pelo Ministério da Saúde em 1999, que determinou me-
1. Introdução
A previdência social nasceu da necessidade de assegu-
rar os bens materiais essenciais para o futuro dos indiví-
duos e resultou de um sentimento de solidariedade que
se manifestou no atendimento à população vulnerável. No
entanto, a Previdência Social Brasileira, a partir da segunda
metade da década de 1990, passou a enfrentar pressões de-
fi citárias em função da construção do sistema de proteção
social, do crescente número de aposentadorias, das ques-
tões demográfi cas e das alterações no mercado de trabalho.
O comportamento das variáveis demográfi cas denun-
cia o aumento da expectativa de sobrevida da população,
queda da fecundidade e aumento da longevidade. Essa in-
teração tem levado a um maior crescimento da população
idosa em relação aos demais grupos. Camarano (2002)
1. Graduação em Ciências Econômicas pela Universidade Estadual de Londrina - UEL (1998). Mestre em Economia pela Universidade Estadual de Maringá - UEM (2003). Atualmente é professor associado da Faculdade de Tecnologia de Jahu, vinculada ao Centro Estadual de Educação Tecnológica “Paula Souza”, autarquia do governo do estado de São Paulo.
2. Graduação em Ciências Econômicas pela Universidade Estadual de Londrina (1983), mestrado em Economia pela PUC de São Paulo (1992) e doutorado em Educação: História, Política, Sociedade pela PUC de São Paulo (2002). Atualmente é professora associada da Universidade Estadual de Londrina. Tem experiência na área de Economia, principalmente nos temas: mercado de trabalho, economia do bem estar social, desigualdade social e de renda.
TRIBUTAÇÃO em revista 19
didas preventivas e ampliou a assistência médica e “[...] o
Estatuto do Idoso, em 2003, que estabelece direitos sociais
e promove equidade em diferentes campos entre idosos e
demais membros da população, lhes conferindo cidadania
e auto-estima” (Neri et al, 2008, p. 7).
A Previdência Social Brasileira tem apresentado a sua
face social e geradora de renda social signifi cativa, parti-
cularmente como política pública social no combate à po-
breza e como base de sustentação da economia de muitas
localidades brasileiras.
Diante desse contexto, este trabalho tem como objeti-
vo evidenciar o papel da Previdência Social como política
pública de renda e de infl uência econômica nos Estados e
municípios, a partir dos dados sobre os benefícios previ-
denciários, do Fundo de Participação dos Estados e Muni-
cípios (FPE/FPM) e também dos benefícios do Programa
Bolsa Família (PBF), cuja base está no MPAS (2010), STN
(2010) e MDS (2010).
Na primeira seção deste artigo discute-se o Estado do
Bem Estar, a evolução histórica da previdência social no
Brasil e a importância dos benefícios previdenciários sobre
a renda das famílias e sobre a economia dos estados bra-
sileiros. Em seguida, analisam-se os dados e, ao fi nal, as
conclusões são apresentadas.
2. Da origem e desenvolvimento do Estado do Bem
Estar à Previdência Social Brasileira
A tarefa de explicar a origem e o desenvolvimento
do Welfare State é complexa e requer alguns cuidados.
Oliveira (1998) descreve que o que se chama de Welfa-
re State, como conseqüência das políticas originalmente
anticíclicas de teorização keynesiana e constituiu-se no
padrão de fi nanciamento público da economia capitalista.
Este pode ser sintetizado na sistematização de uma esfera
pública onde, a partir de regras universais e pactuadas, o
fundo público, em suas diversas formas, passou a ser o
pressuposto do fi nanciamento da acumulação de capital,
de um lado, e, de outro, do fi nanciamento da reprodução
da força de trabalho, atingindo globalmente a população
por meio dos gastos sociais.
Marques (1997) enfatiza que o Welfare State é re-
sultado de um longo processo de construção, e com-
preende um conjunto e políticas sociais desenvolvidas
pelo Estado no intuito de prover a cobertura dos riscos
advindos da invalidez, velhice, acidente de trabalho e
de desemprego.
Na literatura especializada, a origem do Estado do
Bem-Estar está associada a diferentes causas sob dife-
rentes enfoques, entre os quais se destaca o artigo de
Arretche (1995). Inicialmente, a autora classifi cou o
surgimento do Welfare Sate em duas versões: a) a que
atribui a origem do estado do bem-estar aos fatores eco-
nômicos, e a segunda, que busca fontes explicativas do
fenômeno nos fatores políticos.
Numa segunda classifi cação a autora, subdividiu os
condicionantes econômicos entre os que compreendem
o Welfare State como uma necessidade advinda das mu-
danças provocadas pela industrialização nas sociedades,
alterando radicalmente a vida familiar, diminuindo sua
capacidade de determinar a reprodução da força de tra-
balho, e os que vêem o Welfare State como resposta às
demandas de acumulação e legitimação do sistema capi-
talista, aumentando a produtividade e rebaixando o custo
da mão de obra.
Dos autores que explicam os condicionantes políticos
como determinantes do Welfare State, Arretche (1995)
destacou Marshall, por sua obra Cidadania, Classe Social
e Status. Para ele, o Estado do Bem-Estar é resultado da
ampliação progressiva de direitos na sociedade, que, ini-
cialmente, conquistou direitos civis, logo após os direitos
“A Previdência Social tem uma face social como
política pública no combate à pobreza e como base de
sustentação da economia de muitas localidades”
20 TRIBUTAÇÃO em revista
políticos e, em seguida, direitos sociais com a distribuição
da riqueza socialmente produzida.
Independentemente das interpretações e pensamentos
até aqui expostos, o fenômeno do Welfare State teve sua
incontestável expansão no período pós-guerra, pela mani-
festação das preocupações distributivas fundadas na con-
cepção do trabalho como atividade social e na responsabi-
lidade social do empregador e do Estado. O Welfare State
e o estado keynesiano surgiram em conseqüência da crise
de 1929 e puderam ser vistos como modelo de uma nova
forma de hegemonia burguesa, e por isso foi amplamen-
te utilizado ao fim da década de 1940, quando o regime
fordista de acumulação tornou-se hegemônico no mundo.
As décadas de 50 e 60 foram marcadas por grandes
transformações nas estruturas econômicas e sociais. Esse
período correspondeu a uma fase excepcional do capita-
lismo, talvez única. A economia mundial se internacio-
nalizou, ampliando significativamente a importância do
comércio realizado entre as nações (HOBSBAWM, 1995)
A economia capitalista mundial cresceu entre as dé-
cadas de 1950 e 1970, com baixas taxas de desemprego.
Para essa expansão combinaram-se o progresso técnico, a
organização fordista de produção e trabalho, o “salário in-
direto”, e a presença “estrutural e insubstituível” do fundo
público (OLIVEIRA, 1998).
Após os anos de maior expansão do capitalismo, duran-
te os quais o investimento do capital manteve os programas
de proteção social, o Estado do Bem- Estar defrontou, nas
décadas posteriores, com uma realidade inversa à do perío-
do anterior. A partir dos anos de 1980, os países desenvol-
vidos assistiram a uma mudança radical de sua estrutura de
emprego e de sua capacidade de gerar trabalho.
No Brasil, a forma histórica como se constituiu o mo-
delo de proteção social, embora apresente a mesma traje-
tória dos países desenvolvidos, obedeceu a algumas pecu-
liaridades. A política social foi utilizada desde a década de
20, e, principalmente após 1930, como instrumento de
participação em um contexto de limitação ao estabeleci-
mento de uma ordem democrática, onde o Estado inter-
veio com grande autonomia.
Ao final da década de 70 e início dos anos 80, aprofun-
daram-se a crise fiscal e o desequilíbrio externo. O qua-
dro de crise marcou o processo de transição para a Nova
República, que propôs novamente a análise das políticas
sociais como um problema de eficácia gerencial das políti-
cas públicas, com base em conceitos defendidos pelos or-
ganismos internacionais (WINCKLER & MOURA NETO,
1992).
Sem ter consolidado o Estado do bem-estar, e como
decorrência do processo de crescente fragilização financei-
ra, na década de 90, o Estado brasileiro viu reduzida sua
capacidade de investir, emergindo um crescente conflito
entre a gestão financeira do Estado e a sua conseqüente di-
ficuldade de suprir os programas assistenciais no combate
à pobreza, ao desemprego, à saúde e à velhice.
O discurso neoliberal debatido neste período foi se
desfazendo ao logo do período Collor, FHC e Lula, resul-
tando somente na forma de acesso as aposentadorias e o
valor dos benefícios (MARQUES et al., 2009).
2.1 - Previdência Social no Brasil
No que se refere à institucionalidade, considera-se a
Lei Eloy Chaves, de 1923, o ponto de partida do sistema
previdenciário brasileiro, que estabeleceu as bases legais
e conceituais da posterior previdência social, e também o
precedente do uso da previdência como meio de lidar com
a questão social (MALLOY, 1986).
No decorrer das décadas de 20 e 30, foi incisiva a in-
tervenção do Estado sobre as instituições previdenciárias,
no sentido de redirecionar a natureza de seus objetivos,
“A Constituição de 1988 significou o ápice do processo de universalização, garantindo a ampliação da cobertura da
proteção social para segmentos até então desprotegidos.”
TRIBUTAÇÃO em revista 21
gestão, organização e padrão de financiamento (ANDRA-
DE, 1999). A administração dos fundos de aposentado-
rias, porém, era realizada pelos próprios empregadores e
empregados, sem a participação do Estado.
Como o pequeno número de segurados proporcionava
recursos insuficientes para o funcionamento das Caixas de
Aposentadorias e Pensões (CAP´s) em moldes estáveis, foi
necessário imprimir uma mudança de orientação ao siste-
ma (STEPHANES, 1998). Começou, então, uma nova fase,
em que a vinculação passou a ser feita pela categoria pro-
fissional. Foram criados os Institutos de Aposentadorias
e Pensões (IAP’s) e a cobertura previdenciária estendida à
virtual totalidade dos trabalhadores urbanos e a boa parte
dos trabalhadores autônomos. O Estado, que até então se
mantivera afastado da administração dos sistemas, assu-
miu mais estreitamente a gestão das novas instituições.
Mas em matéria de proteção social, a organização em
institutos apresentava uma série de problemas. Além de
excluir os trabalhadores rurais e os do setor informal urba-
no, não protegia muitos assalariados do próprio mercado
formal, uma vez que não exerciam profissão nos ramos de
atividade contemplados pelos institutos.
A primeira medida para diminuir a disparidade exis-
tente entre as categorias profissionais e a unificação da
previdência foi a promulgação da Lei Orgânica da Previ-
dência Social - LOPS de 1960. Sua grande importância
residiu no fato de haver uniformizado as contribuições e
os planos de benefícios, extinguindo os institutos por ca-
tegoria (RANGEL et al., 2009).
Em 1967, no âmbito das reformas empreendidas pelo
regime militar, e decorridos seis anos da promulgação
da LOPS, a unificação institucional foi efetivada através
da criação do Instituto Nacional da Previdência Social
(INPS). Em 1974, por meio do desdobramento do antigo
Ministério do Trabalho e Previdência Social, foi criado o
Ministério da Previdência e Assistência Social (MPAS), que
veio a responder pela elaboração e execução das políticas
de previdência, assistência médica e social.
Mas o grande momento de estruturação da proteção
social brasileira ocorreu no ano de 1988, a partir da pro-
mulgação da nova Constituição, dando origem ao concei-
to de Seguridade Social, que envolve além da previdência,
também assistência social e saúde.
O termo Seguridade Social é um conceito estruturan-te das políticas sociais cuja principal característica é de expressar o esforço de garantia universal da pres-tação de benefícios e serviços de proteção social pelo Estado. Neste sentido, sua base de financiamento é bem mais ampla que a do seguro social, conceito que orientou a política previdenciária brasileira desde os anos de 1920, organizada sob inspiração do modelo alemão, criado por Bismark na segunda metade do século XIX (DELGADO et al., 2009, p. 21).
A Constituição de 1988 deu forma às propostas que
já vinham sendo discutidas na sociedade desde o final da
década de 70 e significou o ápice do processo de univer-
salização. A Constituição vem garantir a ampliação da co-
bertura da proteção social para segmentos até então des-
protegidos.
As mudanças introduzidas a partir de 1991 (Lei 8.212
e 8.213/91) regulamentaram os novos dispositivos da
Constituição de 1988, estabelecendo, por exemplo, o va-
lor do salário mínimo como piso para pagamento de bene-
fícios, reduzindo o limite de idade para as aposentadorias
rurais e equiparação entre as chamadas “previdência rural”
e “previdência urbana” resultando em novos aumentos no
estoque de aposentadorias (ANDRADE, 1999). Essas mu-
danças da Constituição (principalmente a universalização
dos benefícios) alimentaram discussões neoliberais, nos
anos posteriores, acerca da reforma e equidade da Previ-
dência Social Brasileira e buscaram atuar no sentido con-
trário à ampliação da cobertura dos programas de segu-
rança de renda à população brasileira (JACCOUD, 2009).
Para os defensores do Estado Mínimo, a responsabi-
lidade pelo crescimento do déficit fiscal do governo e do
aumento do “Custo Brasil” estaria no aumento das despe-
sas da previdência impulsionada após os novos direitos
advindos da nova constituição.
Prosperaram, no início dos anos 1990, diversas pro-
postas de reforma da Previdência Social Brasileira, inspira-
das no modelo chileno de capitalização, em que o valor do
22 TRIBUTAÇÃO em revista
benefício está atrelado ao valor “depositado” e capitalizado
de cada contribuinte ao longo da vida produtiva.
Somente com a posse do novo governo em 2003 e
aproveitando o otimismo em volta dele, houve nova pro-
posta de reforma na qual incluíram desta vez os servidores
públicos em que se limitou um teto máximo para as futu-
ras aposentadorias e incluiu a contribuição sobre o valor
das aposentadorias (MARQUES et al., 2007). Entretanto,
as mudanças introduzidas não visaram à passagem do sis-
tema de repartição para o de capitalização.
3. Previdência Social Brasileira e Inclusão Sócio-
-Econômica
No interior dos debates acerca da reforma previden-
ciária, e diante dos défi cits persistentes nas contas da
previdência desde meados da década de 90, a dimensão
fi nanceira desse particular fundo público é enfatizada,
obscurecendo a sua face social e geradora de renda.
Segundo Barros et al., (2010), o Brasil possui uma
distribuição de renda per capita extremamente desigual,
pois apesar da melhoria da vida da população pós Plano
Real, ainda persiste uma perversa desigualdade de ren-
da. Conforme os dados apresentados na Gráfi co 1 se ob-
serva que a parcela de renda apropriada pelos 50% mais
pobres é ligeiramente maior do que a parcela apropriada
pelos 1% mais ricos. Outra constatação que ilustra o ní-
vel de desigualdade é o fato de que a parcela apropriada
pelos 10% mais ricos representa mais de 43% da renda
total.
O Brasil ocupa o 75º lugar no ranking mundial do
IDH - Índice de Desenvolvimento Humano, que analisou
condições de vida, educação e renda de 182 países em
2007. Apesar de melhora nos últimos anos, as condições
de vida desigual, corroem quase 1/5 do padrão de desen-
volvimento do país (PNUD, 2010).
Esta situação seria ainda mais grave caso não houves-
Gráfi co 1 - Desigualdade Social Brasileira - 1976/2008
TRIBUTAÇÃO em revista 23
se programas de transferências previdenciárias. Dados do
MPAS (2010a) destacam que há cerca de 56 milhões de
pessoas em situação de pobreza no Brasil. Caso a Previ-
dência Social não existisse, este número saltaria para mais
de 79 milhões de pessoas, ou seja, somente a Previdência
foi responsável por retirar das condições de pobreza mais
de 20 milhões de brasileiros (Gráfi co 2).
É interessante frisar que as transferências previden-
ciárias conseguiram benefi ciar todas as faixas etárias da
população brasileira, mas a situação de pobreza seria ain-
da mais crítica para a população idosa (≥ 60 anos), pois
representam mais de 10% da população brasileira (IPEA,
2010), e estimativas do MPAS indicam que mais de 81%
deles estão protegidos pelos benefícios da Previdência. São
mais de 17 milhões de idosos que recebem algum tipo de
benefício e em muitas vezes como a única fonte de renda
da família (Tabela 1). Batista et al., (2009), concluiu, com
dados da PNAD (2007), que sete de cada dez idosos vi-
viam em domicílios com até 02 salário mínimos (SM) de
renda per capita e que é baixa a incidência de idosos em
situação de pobreza, ou seja, com renda per capita inferior
a ½ SM, isto devido em grande parte aos rendimentos dos
benefícios previdenciários3.
Em 2009, a Previdência Social Brasileira atendeu entre
benefícios urbanos, rurais e assistenciais, 26,6 milhões de
pessoas. Isto equivale mais do que a soma da população
do Chile e Uruguai (Gráfi co 3).
Um dado interessante a destacar é que dos benefícios
Gráfi co 2 - Percentual de Pobres* no Brasil, por idade, com e sem Transferências Previdenciárias – 2008. Fonte: MPAS (2010a) elaborado a partir de dados PNAD/IBGE (2008)
*Linha de pobreza = ½ salário mínimo.
3- Consideram os valores advindos do Instituto Nacional de Seguro Social (INSS), sejam eles aposentadorias, pensões ou Benefício de Prestação Continuada (BPC)
24 TRIBUTAÇÃO em revista
emitidos, a maioria deles foi de até 02 salários mínimos.
O valor médio dos benefícios pagos pela Previdência So-
cial, nos cinco primeiros meses do ano de 2010, foi de
R$ 719,20. A maior parte dos benefícios (69,5%) pagos
em maio de 2010 tinham valor de até um salário mí-
nimo, contingente de 19,0 milhões benefi ciários diretos
(MPAS, 2010c).
Se considerarmos que os mais pobres possuem uma
propensão marginal a consumir maior que as pessoas com
rendimento elevado, ou seja, qualquer acréscimo em sua
Categorias Homens Mulheres TotalAposentados 6.950.143 5.306.168 12.256.311
Pensionistas 126.099 2.237.270 2.363.369
Aposentados e pensionistas 220.707 1.397.096 1.617.803
Contribuintes não benefi ciários 678.869 273703 952.572
Total protegidos (a) 7.975.818 9.214.237 17.190.055
Residentes (b) 9.214.542 11.824.542 21.039.084
Cobertura – Em % ((a)/(b)) 86,60% 77,90% 81,70%
Tabela 1 - Brasil: Proteção Previdenciária para a População Idosa em 2008
Cobertura Social entre os Idosos – 2008 (Inclusive Área Rural da Região Norte) Fonte: PNAD/IBGE – 2008. Extraído de MPAS (2010a)
Gráfi co 3 - Evolução da Quantidade de Benefícios Emitidos pela Previdência, 2001-09Fonte: MPAS (2010)
TRIBUTAÇÃO em revista 25
renda será igualmente gasto, então boa parte da demanda
agregada nacional depende direta ou indiretamente des-
tes benefícios sociais. Percebe-se que a cada R$ 4,00 gas-
tos no país, R$ 1,00 encontra-se vinculado diretamente à
economia social. Se for contabilizado também o seu efeito
multiplicador (elasticidade de 0,8) pode-se estimar que
quase metade de toda a produção de riqueza nacional se
encontra relacionada à dinâmica da economia social (PO-
CHMANN, 2010)
A expansão do número de aposentadorias e pensões
combinada com a elevação do salário mínimo são colo-
cados como fator de aumento no déficit previdenciário,
segundo a visão fiscalista: Receitas (contribuição de em-
presas e trabalhadores) menos Despesas (pagamento de
aposentadorias e pensões).
É essa matemática financeira, instituída pela Lei de
Responsabilidade Fiscal (LC 101/2000 que se convencio-
nou chamar de “déficit da previdência”. Em 2009, esse
“déficit” teria alcançado R$ 43,6 bilhões, correspondente
a 1,38% do PIB (MPAS, 2010b).
Outra forma de encarar a questão pode ser chamada
de constitucionalista, uma vez que se pauta pelos princí-
pios da Constituição Federal que em seu artigo 195 es-
tabelece que a:
Seguridade Social será financiada por toda a socie-dade de forma direta e indireta, nos termos da lei, mediante recursos provenientes dos orçamentos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Muni-cípios e das contribuições de empregador e trabalha-dor (BRASIL, 1988).
Estes preceitos definem a Previdência como parte da
Seguridade e determinam uma base de financiamento di-
versificada para o sistema.
Atualmente as principais fontes de arrecadação para a
Seguridade Social, além das contribuições previdenciárias
de trabalhadores e empresas sobre folha, são: Contribuição
para o Financiamento da Seguridade Social – COFINS; e
Contribuição Social sobre o Lucro Líquido – CSLL.
Caso também sejam incluídas no sistema de proteção
social as ações voltadas para garantir renda ao desempre-
gado e ao trabalhador de baixa renda, a Seguridade passa
a ter a atribuição de conceder o seguro-desemprego e o
abono salarial e a contar com as fontes de receitas que
financiam esses benefícios, incorporando-se às anteriores
os Programas de Integração Social e de Formação do Patri-
mônio do Servidor Público (PIS/PASEP). Nesta nova mate-
mática, a receita total da Seguridade superaria as despesas4
(DIEESE, 2007)
Quando analisamos o efeito das transferências previ-
denciárias nas unidades da federação, identificamos que os
valores repassados através dos benefícios terminam sendo
à base da economia de boa parte dos municípios brasi-
leiros. Nesses, os benefícios previdenciários constituem,
com freqüência, a única renda monetária que milhões de
famílias recebem. “A Previdência Social é uma das poucas
políticas públicas que funcionam no Brasil, reduzindo as
desigualdades sociais e exercendo influência extraordiná-
ria na economia de um incontável número de municípios
brasileiros” (FRANÇA, 1999).
Analisando a Tabela 25, constata-se que os benefí-
cios previdenciários injetaram, em 2009, mais de R$
218 bilhões na economia dos estados e municípios bra-
sileiros (7% do PIB), enquanto que a soma dos valores
enviados pelo Tesouro Nacional na forma de Fundo de
Participação dos Estados e Municípios (FPM/FPE6) e o
Programa Bolsa Família (PBF), não atingiu R$ 90 bi-
lhões (2,81% do PIB).
O repasse do Fundo de Participação dos Estados (FPE)
4- Considerando esta metodologia de cálculo, a receita total da Seguridade superou a despesa em R$ 47,9 bilhões em 2006, equivalente a 2,06% do PIB (DIEESE, 2007).
5- A análise entre Benefícios/FPE/FPM e PBF é pertinente, pois todos são recursos advindos do Governo Federal.
6- O Fundo de Participação dos Municípios (FPM) é uma transferência Constitucional (CF, Art. 159, I, b), composto de 22,5% da arrecadação do Imposto de Renda (IR) e do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI). A Constituição de 1988 fixou em 21,5% o percentual da arrecadação líquida do IR e IPI a ser destinado para a formação do FPE, que deverá ser dividido entre os estados (STN, 2010).
26 TRIBUTAÇÃO em revista
é maior para os estados do Nordeste, com destaque a
Bahia, Ceará e Maranhão, assim como os valores do Pro-
grama Bolsa Família (PBF) também foi maior para Bahia e
Pernambuco, seguido por São Paulo e Minas Gerais. Com
relação aos recursos do Fundo de Participação dos Muni-
cípios (FPM), os estados que mais receberam foram São
Paulo, M. Gerais e Bahia.
Quanto a isto, nada de diferente do que se imagina-
va, com maior participação dos estados nordestinos nos
repasses destas transferências constitucionais. O destaque
está na observação dos estados que mais recebem recursos
da previdência social. São os estados mais ricos da federa-
ção que receberam a maior parte das transferências previ-
denciárias em 2009. Somente a região sudeste incorporou
mais de 52% do total pago em benefícios da previdência,
estando São Paulo com 28,4%, seguindo pelo Rio de Ja-
Estado/Região FPE FPM Benefícios PBFACRE 1.238,60 208,5 440,6 70,4
AMAPÁ 1.235,40 139,6 234,2 52,5
AMAZONAS 1.010,30 561 1.558,00 297,6
PARÁ 2.212,90 1.453,10 4.104,80 713,6
RONDÔNIA 1.019,40 362,5 997,6 117,4
RORAIMA 898,2 250,5 177 48
TOCANTINS 1.571,40 565,3 838,5 120,3
Total Região Norte 9.186,20 3.540,40 8.350,60 1.419,80
ALAGOAS 1.506,20 947,3 2.578,60 417,7
BAHIA 3.402,00 3.634,20 12.979,60 1.662,70
CEARÁ 2.656,40 2.079,10 7.354,80 1.008,10
MARANHÃO 2.613,50 1.662,50 4.703,40 943,3
PARAÍBA 1.733,90 1.288,70 3.636,40 477,1
PERNAMBUCO 2.498,30 2.004,40 8.564,90 1.063,40
PIAUÍ 1.564,60 1.026,50 2.661,40 433,1
R. GRANDE DO NORTE 1.512,70 989,1 2.886,40 330,9
SERGIPE 1.504,50 579,3 1.703,40 227,9
Total Região Nordeste 18.992,10 14.211,10 47.068,90 6.564,30
DISTRITO FEDERAL 249,9 65,3 2.280,50 33,9
GOIÁS 1.029,40 1.448,50 4.279,90 271,2
MATO GROSSO 835,6 737,4 1.827,60 145
MATO GROSSO SUL 482,3 607,2 1.889,40 116,5
T. Região Centro Oeste 2.597,20 2.858,40 10.277,40 566,6
ESPÍRITO SANTO 543,1 687,8 3.791,80 180
MINAS GERAIS 1.612,80 5.242,40 23.505,10 1.045,80
RIO DE JANEIRO 553,1 1.176,10 24.081,00 616,8
SÃO PAULO 362,1 5.288,30 62.047,60 1.054,50
Total Região Sudeste 3.071,10 12.394,60 113.425,60 2.897,20
PARANÁ 1.043,90 2.733,60 12.098,20 404,3
RIO GRANDE DO SUL 852,6 2.711,10 17.847,60 424,9
SANTA CATARINA 463,4 1.551,70 9.024,90 130,2
Total Região Sul 2.359,90 6.996,50 38.970,70 959,4
Estado/Região FPE FPM Benefícios PBF
TOTAL BRASIL 36.206,40 40.001,00 218.093,30 12.407,30
%PIB (2009) - TOTAL 1,15% 1,27% 6,94% 0,39%
Tabela 2: Valores dos Benefícios Previdenciários/FPM/FPE/PBF-2009
Fonte: Elaboração Própria. Dados MPAS (2010), STN (2010) e MDS (2010).
TRIBUTAÇÃO em revista 27
neiro (11,4%) e Minas Gerais (10,7%).
Quando se analisa a relação entre benefícios pre-
videnciários e os demais recursos, verificou-se uma
disparidade de valores e alguns aspectos emergem. O
pagamento dos benefícios previdenciários foi superior
a todos os demais repasses, em quase todos os estados
brasileiros, com exceção ao Acre, Amapá, Roraima e To-
cantins (Tabela 3).
Em média os valores dos benefícios foram 6 vezes
maiores do que o Fundo de Participação dos Estados (FPE)
e destaque seja feito novamente a São Paulo: o estado tem
direito por lei a receber somente 1% do FPE e quando
comparamos o valor recebido deste fundo (R$ 362 mi-
lhões) com os repassados pela previdência social (R$ 62
bilhões), chegamos a uma relação no mínimo interessante
do ponto de vista econômico e fiscal: o pagamento dos
benefícios correspondeu a mais de 171 vezes os repasses
do FPE, ou seja, mantidos os valores de 2009, o estado de
São Paulo precisaria de 171 anos de recebimento do FPE
para atingir o valor de 1 ano de pagamento dos benefícios
da previdência.
Em relação ao FPM, os benefícios previdenciários fo-
ram 5,5 vezes maiores, evidenciando que, como na maio-
ria dos municípios do país, a Previdência Social desempe-
nhou um papel importante. Destaque seja feito ao Distrito
Federal em que a Previdência Social Brasileira injetou 35
vezes a mais do que os valores do FPM, seguido pelo Rio
de Janeiro onde a relação foi de 20 vezes maior.
França (1999), trabalhando com dados de 1998, des-
creveu exemplos da influência dos benefícios na econo-
mia dos municípios, tais como Santa Maria do Cambucá
(PE) onde os pagamentos de benefícios foram 539,9 vezes
maiores do que a arrecadação (ou seja, seriam necessários
539,9 anos de arrecadação para pagar um ano de benefí-
cios), ou Souto Soares (BA) em que os benefícios foram
113,4 vezes maiores do que o arrecadado. Favoni & Souza
(2004), ao verificar a relação entre benefícios e FPM na re-
gião da Associação dos Municípios do Médio Paranapane-
ma (AMEPAR), no Paraná, constaram que dos 21 municí-
pios que a compõem, os pagamentos dos benefícios foram
maiores em 20 deles, com destaque a cidade de Londrina
em que a relação foi de 14,8.
Quando se compara com o Programa Bolsa Família,
sistema não-contributivo e que beneficia qualquer famí-
lia em uma faixa de renda, a relação entre os benefícios e
os valores deste programa chega a ser 17 vezes maior no
país. No estado de Santa Catarina esta relação chegou a
69 vezes, seguido pelo DF e São Paulo com 67 e 58 vezes,
respectivamente.
Estado/Região FPE FPM Benefí-cios
ACRE 0,4 2,1 6,3
AMAPÁ 0,2 1,7 4,5
AMAZONAS 1,5 2,8 5,2
PARÁ 1,9 2,8 5,8
RONDÔNIA 1 2,8 8,5
RORAIMA 0,2 0,7 3,7
TOCANTINS 0,5 1,5 7
ALAGOAS 1,7 2,7 6,2
BAHIA 3,8 3,6 7,8
CEARÁ 2,8 3,5 7,3
MARANHÃO 1,8 2,8 5
PARAÍBA 2,1 2,8 7,6
PERNAMBUCO 3,4 4,3 8,1
PIAUÍ 1,7 2,6 6,1
RIO GRANDE DO NORTE 1,9 2,9 8,7
SERGIPE 1,1 2,9 7,5
DISTRITO FEDERAL 9,1 34,9 67,3
GOIÁS 4,2 3 15,8
MATO GROSSO 2,2 2,5 12,6
MATO GROSSO DO SUL 3,9 3,1 16,2
ESPÍRITO SANTO 7 5,5 21,1
MINAS GERAIS 14,6 4,5 22,5
RIO DE JANEIRO 43,5 20,5 39
SÃO PAULO 171,4 11,7 58,8
PARANÁ 11,6 4,4 29,9
RIO GRANDE DO SUL 20,9 6,6 42
SANTA CATARINA 19,5 5,8 69,3
TOTAL BRASIL 6 5,5 17,6
Tabela 3: Relação Valor Benefícios sobre valor FPE/FPM e PBF - 2009
Fonte: Elaboração Própria. Dados MPAS (2010), STN (2010) e MDS (2010).
28 TRIBUTAÇÃO em revista
4. Considerações Finais
Para ordenar as questões referentes à importância da
Previdência Social Brasileira como fator de desenvolvi-
mento social das famílias brasileiras e econômica dos es-
tados buscou, inicialmente, resgatar a literatura sobre o
surgimento, desenvolvimento e crise do Estado do Bem
Estar (Welfare State), pré-condição para a discussão sobre
a economia social.
As questões normalmente discutidas são os aspectos ne-
gativos da previdência, sendo o déficit previdenciário colo-
cado como alvo central para os desajustes fiscais do governo.
Não há dúvida que ajustes devem ocorrer, buscando a
viabilidade do sistema no curto e também no longo prazo,
mas os dados mostram que a presença dessa fonte de ren-
da para inúmeras famílias brasileiras, que a partir da Cons-
tituição de 1988, dentro do conceito de Seguridade Social,
passou a ser universal para todos os trabalhadores, tornou
melhores as condições de vida da população, amenizando
a questão da pobreza, principalmente nos pequenos mu-
nicípios brasileiros.
Além da importância da Previdência Social Brasileira
como “mola propulsora” da economia da maioria dos es-
tados e municípios e impulsionadora da riqueza nacional,
em todos os estados da federação, também há de se desta-
car que os benefícios pagos são com freqüência utilizados
como “microcrédito” rural, colaborando também nas pe-
quenas propriedades rurais.
Em suma, a Previdência Social deve ser encarada como
política pública de renda, cuja finalidade é garantir repo-
sição de renda, tirando as pessoas da pobreza, e não como
fonte de riqueza pessoal, transformando-a num fundo
com arrecadação e despesas.
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REFERÊNCIAS
30 TRIBUTAÇÃO em revista
a RTIGO
Previdência Social e Constituição Federal: Qual é a Visão dos Juristas?
Eduardo Fagnani 1
conservadores resistem em aceitar o que reza a Constitui-
ção. A mesma negativa tem sido praticada por todos os
governos desde 1988.
O debate proposto por esses segmentos trata a Previ-
dência Social (rural e urbana) separadamente da Segu-
ridade Social, contrariando o artigo 194. Também des-
consideram que, para fi nanciar a Seguridade Social (e,
portanto, a Previdência), foram instituídas fontes de fi -
nanciamento contributivas (folha de salários) e não con-
tributivas (impostos gerais) constitucionalmente vincu-
ladas ao Orçamento da Seguridade Social (artigo 195).
Ignoram o papel do Poder Público, de organizar a Segu-
ridade Social tratando, de forma integrada, institucional
e fi nanceiramente, os setores da Previdência (Rural e Ur-
bana), Assistência Social, Saúde e Seguro – Desemprego
(Artigos 165, 204 e 58 das Disposições Transitórias). E,
fi nalmente, desconsideram que a Constituição Federal
1. Apresentação
O objetivo desse texto é chamar a atenção para a con-
tribuição fundamental que os profi ssionais da área do di-
reito detêm no debate atual acerca da Previdência Social.
Creio que, nos últimos 22 anos, os princípios basilares da
Seguridade Social consagrados pela Constituição de 1988
não têm sido respeitados, confi gurando-se um cenário de
aparentes inconstitucionalidades. Todavia, sendo econo-
mista, não tenho competência técnica para defender essa
crença. Por isso, conclamo esses profi ssionais, para que
participem mais diretamente desse debate, que me parece
muito mais apropriado aos advogados constitucionalistas
do que aos economistas com viés de atuários.
A refl exão aqui proposta subdivide-se em duas partes.
Na primeira são feitas breves considerações sobre o debate
político e econômico sobre a questão da Previdência Social
entre 1988 e 2010. A questão de fundo é que os setores
1- Professor do Instituto de Economia da Unicamp.
TRIBUTAÇÃO em revista 31
estabelece mecanismos de controle social e democrático
para assegurar que os princípios orientadores da Orga-
nização da Seguridade Social e do Orçamento da Segu-
ridade Social sejam efetivamente cumpridos pelo Exe-
cutivo Federal (Inciso VII do Parágrafo Único do Artigo
194).
Na segunda parte, argumento que há diversos prin-
cípios norteadores da Constituição Federal que, aparen-
temente, têm sido descumpridos por todos os governos
desde 1988. Do meu ponto de vista, optaram por desfi -
gurar princípios fundamentais da Organização da Segu-
ridade Social, do Orçamento da Seguridade Social e do
seu controle social (Conselho Nacional da Seguridade
Social). Procuram enquadrar a Previdência Social como
um ponto alheio à Seguridade Social e, assim, restringir
a questão fi nanceira da Previdência Social como se fosse
tema meramente atuarial.
Todavia, como disse, sendo economista, não tenho
competência técnica para comprovar essa visão. Assim, o
propósito desta parte do texto é incentivar o debate en-
tre juristas e constitucionalistas. Entretanto, se essa minha
crença estiver tecnicamente correta, pergunto aos profi s-
sionais do Direito, se não caberia à sociedade civil impe-
trar Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADIN)?
2. Um Longo Processo de Negação da Constituição2
As décadas entre 1960 e 2010 marcam o fi m dos
chamados “trinta anos de ouro” de “capitalismo domes-
ticado” e a ascensão do neoliberalismo em escala glo-
bal. Essa onda esmaeceu somente após 2008, com o
colapso do sistema fi nanceiro internacional. Nessa era
de hegemonia dos mercados, os direitos trabalhistas e
os sistemas de proteção social dos países desenvolvidos
estiveram tensionados por uma onda avassaladora de re-
formas visando ao retrocesso. Mais graves foram suas
consequências para os países periféricos, que destruí-
ram sem piedade seus ainda embrionários aparatos de
proteção.
O Brasil, todavia, num primeiro momento, seguiu a
rota inversa. Nos anos fi nais da década de 1970 e ao
longo dos anos de 1980, caminhamos na contramão do
mundo. Fomos salvos pelo movimento político interno.
Os ventos da redemocratização do país, mais intensos a
partir de meados dos anos de 1970, sopraram na direção
contrária dessa via de destruição. O notável movimento
social que lutava pela redemocratização do país cons-
truiu uma agenda de mudanças que visava, em última
instância, ao acerto de contas com a ditadura militar.
Naquele momento, não havia solo fértil para que a in-
vestida neoliberal germinasse. A rota forjada pelo movi-
mento social tinha como destino a Assembléia Nacional
Constituinte (ANC). Após uma árdua marcha, a Consti-
tuição de 1988 restabeleceu a democracia e consagrou
as bases de um sistema de proteção social universal e
inspirado no Estado de Bem-estar Social.
É admirável é que essa conquista histórica não tenha
sido obra de nenhum governo. Foi obra construída con-
tra os governos: contra o governo da ditadura e contra
parcela do governo da Nova República. Não foi obra de
nenhum partido: foi construída por parlamentares de-
mocráticos de todos os partidos. Foi obra construída
contra a elite internacional e o pensamento “único” neo-
liberal já então hegemônico em todo o mundo.
Um feito histórico, pelas circunstâncias adversas e por
contrariar profundamente os interesses das elites nacio-
nais que jamais aceitaram o golpe; notável também em
função dos seus números: mais de 10% do gasto público,
em relação ao PIB, passaram a ser vinculados constitucio-
nalmente aos direitos sociais.
Um dos focos dessa contrariedade é o capítulo sobre a
Seguridade Social. Desde os trabalhos da ANC, recorrem
ao falso argumento de que o “défi cit” da seguridade seria
um “tsunami” devastador das contas públicas. Esforçam-
-se para “comprovar” a inviabilidade fi nanceira da Previ-
dência e propõem reformas para fazer retroceder conquis-
tas – muitas das quais já efetivadas.
2- Baseado em Fagnani (2007).
32 TRIBUTAÇÃO em revista
2.1 – A Tese do “País Ingovernável”
Durante a acirrada disputa na ANC, alguns opositores
dos novos direitos sociais foram bastante criativos em seus
argumentos. O líder do PFL (hoje Democratas), deputado
José Lourenço, chegou a pregar o fechamento da Consti-
tuinte por um ato de força do governo. (Matemática con-
fusa. Veja, 27/7/1988).
Mas nada se compara a um ato emblemático, do presi-
dente José Sarney. Quando teria início a votação da última
fase da ANC, numa derradeira tentativa para modificar os
rumos dos trabalhos, Sarney convocou cadeia nacional de
rádio e televisão para “alertar o povo e os constituintes”
para “os perigos” que algumas das decisões contidas no
texto aprovado no primeiro turno representavam para o
futuro do país. Defendeu a tese que o país tornar-se-ia
“ingovernável”. O inimigo da governabilidade era a segu-
ridade que causaria uma “explosão brutal de gastos públi-
cos” (Sarney vai à TV criticar o projeto. Gazeta Mercantil.
27/7/1988).
O discurso de Sarney provocou a imediata e memo-
rável defesa da ANC feita pelo deputado Ulysses Guima-
rães. A Constituição será a “guardiã da governabilidade”,
sentenciou. Reportou-se a um conjunto de aspectos “inau-
gurais” do texto que seria submetido ao crivo da revisão
constituinte. Em seguida, concluiu seu discurso fulminan-
do, magistralmente, a tese do ‘desgoverno’:
Senhores constituintes: a Constituição, com as corre-ções que faremos, será a guardiã da governabilidade. A governabilidade está no social. A fome, a miséria, a ignorância, a doença inassistida são ingovernáveis. A injustiça social é a negação do governo e a con-denação do governo (...). Repito: esta será a Cons-tituição Cidadã, porque recuperará como cidadãos milhões de brasileiros. Cidadão é o usuário de bens e serviços do desenvolvimento. Isso hoje não acontece com milhões de brasileiros segregados nos guetos da perseguição social. Esta Constituição, o povo brasi-leiro me autoriza a proclamá-la, não ficará como bela estátua inacabada, mutilada ou profanada. O povo nos mandou aqui para fazê-la, não para ter medo. (...). (Ulysses Guimarães. “Esta constituição terá cheiro de amanhã, não de mofo”. Folha de S. Paulo, 28/7/1989)
Após quase 20 anos, não se pode afirmar que a se-
guridade tenha quebrado o país, ou que ela seja a prin-
cipal vilã do ajuste fiscal e do desgoverno. Por outro
lado, ela é, sem dúvidas, um dos principais pilares da
governabilidade, como profetizou Ulysses Guimarães.
Entre 1988 e 2009, o número de beneficiários da
Seguridade Social (INSS Urbano e Rural, Loas e Seguro-
-Desemprego) saltou de 8 para 32 milhões de pessoas.
Seu formidável efeito distributivo fica mais evidente se
também contabilizarmos os seus beneficiários indire-
tos. Segundo o IBGE, para cada beneficiário direto há
2,5 beneficiários indiretos, membros da família. Dessa
forma, a seguridade beneficia, direta e indiretamente,
mais de 100 milhões de pessoas, metade da população
do País. Na década de 1990, a participação da renda
da Seguridade na composição da renda familiar urbana
passou de 10% para 24%; e, na renda familiar rural,
de 9 para 26%. Hoje, mais de 80% dos idosos recebem
aposentadoria ou pensão. Por conta disso, a taxa de in-
cidência da pobreza nos grupos etários com mais de 65
anos é de apenas 10%. Sem os benefícios, mais de 70%
dos idosos estariam abaixo da linha de pobreza.
2.2 – Reedições da Tese da Ingovernabilidade:
1989/1990
Roberto Campos foi um dos mais ácidos críticos das
conquistas sociais de 1988. Coerente com suas crenças
liberais, em suas memórias (Campos, 1994), afirma que
a Carta “encerra duas curiosidades”. É ao mesmo tem-
po um “hino à preguiça” e uma “coleção de anedotas.”
Representa um “estímulo à ociosidade”. Julgava-a como
um ato de “anacronismo moderno”. Descreveu-a como
um “misto de regulamento trabalhista e dicionário de
utopias”, o “canto do cisne do nosso nacional-populis-
mo”.
Essa visão de Campos tem inspirado muitos espe-
cialistas. Giambiagi (2007), por exemplo, escreveu o
seguinte sobre a Carta de 1988:
TRIBUTAÇÃO em revista 33
Daqui a 50 anos, quando os historiadores se debru-çarem sobre o período vivido pelo Brasil nas últimas duas décadas, não tenho dúvidas de que, na hora de apontar o momento em que o país se perdeu nos descaminhos das opções erradas, a Constituição de 1988 será julgada com extrema severidade. O pên-dulo, claramente, foi longe demais naquele momen-to. (Giambiagi, 2007)
O economista Maílson da Nóbrega ( 2005), ratifica
essa mesma visão crítica:
Os constituintes erigiram uma obra arcaica e sem originalidade. Buscaram distribuir uma riqueza que não existia. Não perceberam as transformações que havia tornado obsoletas as normas com as quais pre-tendiam forjar uma nova sociedade. Avançaram no restabelecimento de direitos individuais e das insti-tuições democráticas, mas introduziram privilégios corporativistas, moveram-se por preconceitos antica-pitalistas e adotaram visões de mundo equivocadas. A constituição de 1988 nasceu velha e se tornou um obstáculo ao desenvolvimento. Podemos consumir duas gerações buscando eliminar seus graves defei-tos.
No final dos anos 80, essa convicção do escritor Maíl-
son da Nóbrega já estava impregnada nas ações do então
Ministro da Fazenda. Em meados de 1988, a área econô-
mica do governo deflagrou diversas estratégias+9 visando
a impedir a consumação dos novos direitos constitucio-
nais. Uma delas, implementada no bojo do chamado “Pla-
no Verão” (janeiro de 1989), determinou que o Instituto
de Administração da Previdência Social (IAPAS), que ze-
laria pelo cumprimento da Constituição no que se refere à
gestão do Orçamento da Seguridade Social, fosse transfe-
rido para o ministério da Fazenda. As receitas da Seguri-
dade Social passaram a ser recolhidas e administradas pelo
Tesouro Nacional.
Essa decisão caminhava, flagrantemente, na direção
oposta ditada pela Constituição de 1988, recém promul-
gada. Por ser inconstitucional, ela foi recebida com revolta
pelas forças políticas que lutaram na ANC pelas mudanças
nesses setores. O senador Almir Gabriel (PMDB-PA), rela-
tor do projeto da seguridade social da nova Constituição,
por exemplo, criticou duramente a transferência, que teria
sido fruto da “total incompetência, irracionalidade e vi-
são medíocre do governo” no trato das questões sociais.
Acusando o governo de “completa irresponsabilidade
administrativa”, o senador advertiu que a medida era in-
constitucional. Na opinião de senador a medida seria “um
desastre total”. Antevendo os fatos, o senador não tinha
dúvidas de que os recursos da Previdência seriam utili-
zados para “tapar o buraco” do déficit público. Por isso,
“não via nenhum amparo jurídico ou constitucional para
a transferência, tentada há mais de 25 anos pelo governo”
(Senador condena a mudança do IAPAS. O Estado de S.
Paulo, 14/1/1989).
Diversas outras manobras foram utilizadas com o pro-
pósito de retardar a efetivação desses direitos e desvirtuar
o espírito de alguns determinados dispositivos constitu-
cionais. Dentre elas, destaca-se o intencional descumpri-
mento dos prazos constitucionais, visando a desfigurar ou
postergar o início da vigência dos novos direitos.
Como mostram Azeredo (1989 e 1990) e Teixeira
(1991), no final do Governo da Nova República, o Exe-
cutivo não observou os prazos estabelecidos pela Cons-
tituição. Não formulou o Projeto de Lei de Organização
da Seguridade Social estabelecido pela Constituição. Em
flagrante inconstitucionalidade, optou por formular pro-
jetos de lei setoriais (saúde, previdência, assistência social
e seguro-desemprego), separados e desarticulados, frag-
mentando a seguridade social.
Os mesmos autores revelam que o Executivo também
não formulou uma Proposta de Orçamento da Seguridade
Social, tal como estabelecido na Constituição da Repúbli-
ca. A ação da área econômica caminhou exatamente na
direção oposta:
• foram adotadas medidas visando a capturar os re-
cursos constitucionais vinculados ao Orçamento
da Seguridade Social para o financiamento do dé-
ficit público;
• não foi cumprida a obrigatoriedade constitucional
de Transferência de Recursos Fiscais para Finan-
ciar a Seguridade Social; e
• mais da metade da receita prevista como arreca-
dação da COFINS em 1989 foi destinada ao paga-
34 TRIBUTAÇÃO em revista
mento dos inativos e pensionistas da União, outra
medida inconstitucional denunciada pelos setores
que lutaram pela seguridade social na ANC.
O argumento da “catástrofe” fiscal também foi retomado
pela área econômica para justificar as deformações impos-
tas na fase de regulamentação complementar da Seguridade
Social. A previdência social foi particularmente vítima des-
sa estratégia alarmista. O discurso oficial era claro e direto:
as causas do déficit da previdência eram os novos direitos,
cujos impactos financeiros “não foram avaliados pelos cons-
tituintes”; estes, de forma “irresponsável”, criaram “despesas
sem contrapartida de receitas”; logo, caso o Congresso não
apontasse novas fontes de financiamento ou cortasse des-
pesas pré-existentes, a única alternativa técnica possível era
negar a concessão dos novos direitos.
2.3 – A Revisão Constitucional de 1993
A partir de 1990, os ventos também mudaram por
aqui. O Brasil fez sua opção tardia pelo neoliberalismo. A
força do movimento social esgotara-se. Os conservadores,
reorganizados pela eleição de Collor, abraçaram as teses
do Consenso de Washington, antagônicas aos princípios
da Constituição recém conquistada. E passaram a empre-
gar todos os meios possíveis para fazer retroceder os avan-
ços sociais de 1988.
Os constituintes de 1988 determinaram que a Consti-
tuição fosse revisada em 1993, integralmente, pela maioria
absoluta dos votos do Congresso Nacional. Esse seria o
momento aguardado para, de uma vez por todas, enterrar
a “anacrônica” Constituição da República. Nesse contex-
to, a estratégia do Governo Collor para a política social era
formular nova agenda de reformas, na expectativa dessa
revisão constitucional prevista para 1993. Entretanto, as
turbulências decorrentes do impeachment do presidente
Collor ao longo de 1992 e as indefinições e instabilida-
des presentes em 1993 acabaram inviabilizando a revisão
constitucional. Assim, o funeral da Carta de 1988 teve de
ser adiado.
Enquanto aguardava a revisão constitucional – que
acabou não ocorrendo – o Governo Collor deflagrou uma
estratégia que visava a obstruir ou desfigurar a legislação
constitucional complementar. O Plano de Organização
e Custeio da Seguridade Social só foi regulamentado em
julho de 1991.3 A Lei sancionada tornou constitucional
algumas das transgressões adotadas desde o final do Go-
verno José Sarney.
A reforma administrativa empreendida por Collor
também desconsiderou a Seguridade Social. Teixeira
(1991:31) sublinha que o governo federal, “ao invés de
constituir o Ministério da Seguridade Social”, optou “pelo
caminho da fragmentação, abandonando o conceito de se-
guridade e empreendendo uma volta atrás na própria con-
cepção do sistema de proteção, reforçando a velha idéia de
seguro. Reunindo os antigos INPS e IAPAS em um único
instituto que não por acaso chamou de Instituto Nacional
do Seguro Social (INSS) e, ademais, colocando toda a es-
trutura previdenciária sob a jurisdição do velho Ministério
do Trabalho e da Previdência Social”.
2.4 – A Emenda Constitucional 20/1998
O calvário da Seguridade Social e do Orçamento da
Seguridade Social continuou no período 1993/2002. Em
1994, o Executivo federal implantou a atual Desvincula-
ção das Receitas da União (DRU), que captura 20% dos
recursos constitucionais vinculados ao Orçamento da Se-
guridade Social, demais políticas sociais federais e recur-
sos do FPE e FPM. Para confundir os incautos, chamaram
essa medida iníqua de Fundo Social de Emergência – que
dura até hoje, renomeado de Desvinculação das Receitas
da União (DRU).
Além disso, nessa quadra, o campo conservador teve
êxito na realização da Reforma da Previdência. A Emenda
Constitucional n. 20, de 1998, desmontou algumas con-
quistas de 1988 e instituiu regras mais severas que as pra-
ticadas nos países desenvolvidos da OCDE. Para justificar
esse legado de destruição, além dos argumentos falaciosos
de sempre sobre a “catástrofe” fiscal, inovaram ao difun-
3- Lei n. 8.213/91.
TRIBUTAÇÃO em revista 35
dir a visão do aposentado como portador de ‘privilégios’
inaceitáveis, um verdadeiro ‘marajá’, que ameaçava a es-
tabilidade recém conquistada e os “sólidos” fundamentos
econômicos. O próprio presidente da República denomi-
nou-os de “vagabundos”.
A reforma da Previdência realizada em 1998 (Emenda
Constitucional n.20) suprimiu parcialmente o legado da
Constituição de 1988. Dentre o conjunto de medidas ado-
tadas destacam-se: substituiu-se a comprovação do “tem-
po de serviço” pelo “tempo de contribuição”; eliminou-se
a aposentadoria proporcional; desvincularam-se o benefí-
cio previdenciário e o salário mínimo, para os benefícios
acima do piso; e rebaixou-se o teto nominal dos benefí-
cios. Por razões de espaço, comentamos aqui apenas as
mudanças introduzidas na idade mínima e no tempo de
contribuição.
Para os contrarreformistas, uma das distorções do
Regime Geral da Previdência Social (RGPS) era a aposen-
tadoria em idade considerada precoce. Essa crítica esta-
va parcialmente correta. De fato, não houve consenso na
ANC para introduzir o limite de idade (55 anos para apo-
sentadoria). Sem a fixação da idade mínima, prevaleceu a
aposentadoria “por tempo de serviço” aos 35 anos para o
homem e aos 30 anos para a mulher.
Todavia, para corrigir esta distorção, a EC n. 20/98
proposta pelo Executivo preconizava regras draconianas
de acesso: acumulavam idade mínima (65 anos para ho-
mens e de 60 anos para mulheres) mais tempo de contri-
buição (35 anos para homens e 30 anos para mulheres).
Felizmente, não houve consenso em torno desse ponto no
Congresso Nacional. Com o texto final aprovado, a partir
de 1998 passaram a existir duas alternativas para a apo-
sentadoria:
• a aposentadoria “por idade” – 65 anos para ho-
mens e 60 anos para mulher, além da exigência de
contribuição mínima por 15 anos; e
• a aposentadoria “por tempo de contribuição” –
35/30 anos e idade mínima de 53/48 anos. Nesse
caso, até que os contribuintes atinjam 65/60 anos,
passou a incidir o chamado “fator previdenciário”,
criado posteriormente (1999), que suprime parce-
la expressiva do valor do benefício, incentivando a
postergação da aposentadoria.
No caso da “aposentadoria por idade”, conseguiu-se
transpor para o Brasil, padrões semelhantes ou superiores
aos existentes em países desenvolvidos. A idade mínima
de 65 anos não era adotada sequer em países como a Bél-
gica, Alemanha, Canadá, Espanha, França e Portugal (60
anos) e os EUA (62 anos), por exemplo; e equivale ao pa-
râmetro seguido na Suécia, Alemanha, Finlândia e Áustria
(65 anos), por exemplo. A própria Organização Mundial
de Saúde (OMS) faz uma distinção, ao definir a popula-
ção idosa, entre países desenvolvidos (acima de 65 anos)
e países em desenvolvimento (acima de 60 anos) (FIBGE,
2002:9).
No caso da “aposentadoria por tempo de contribui-
ção”, passou-se a exigir a comprovação de 35 anos para
os homens e de 30 anos para as mulheres. Esse patamar
é superior ao estabelecido, por exemplo, na Suécia (30
anos) e a Finlândia (30 a 39); e se aproxima do nível vi-
gente em outros: EUA (35 anos), Portugal (36), Alemanha
(35 a 40) e França (37,5), dentre vários. Nesse caso, até
que os contribuintes atinjam 65/60 anos, passou a incidir
o chamado “fator previdenciário” (criado em 1999) que
suprime parcela do valor do benefício e posterga o início
da aposentadoria.
Assim, tanto a idade mínima (65 e 60 anos) quanto o
tempo de contribuição (35 e 30 anos) são elevados em re-
lação aos padrões estabelecidos em países desenvolvidos.
A vigência dessas regras mostra-se paradoxal, se conside-
ramos que não há como demarcar qualquer equivalência
entre esses países e o nosso contexto socioeconômico e
demográfico de capitalismo tardio.
2.5 – O “Déficit Nominal Zero”
Entre 2003 e 2010 não foi diferente. Em meados de
2005, o Ministério da Fazenda reprisou os mesmos man-
tras apocalípticos para justificar o programa visando ao
“déficit nominal zero”. Ocultaram, aos incautos, que o
36 TRIBUTAÇÃO em revista
ajuste repousava sobre o que restou da Seguridade. Uma
única exceção, o economista Raul Veloso, foi direto ao
ponto:
O superávit primário acabou. (...) A única saída seria cortar despesas constitucionalmente obrigatórias – em bom português previdência, saúde, educação e assistência social. (Folha de São Paulo, 2/9/ 2005)
Para completar, tiveram a ousadia de propor a amplia-
ção da DRU dos atuais 20% para 40%. A tese do país in-
governável foi reeditada pela ortodoxia econômica que
recomendou que todos os todos os esforços fossem con-
centrados “na mãe de todas as reformas, que será a pre-
videnciária, sem a qual o país será inviável” (sic) (Fabio
Giambiagi, Valor, 18/10/2005).
De forma correta, o programa do “déficit nominal
zero” foi bombardeado pela ministra da Casa Civil, Dil-
ma Roussef. Considerou-o uma “simplificação grosseira”.
Comparou-o ao “enxugamento de gelo”, pois não atacava
o problema central dos juros elevados. A ministra reba-
teu a falácia de que “investimento é bom, gasto corrente é
ruim”. E apontou que, para o plano dar certo, seria ainda
necessário “combinar com os russos”: a imensa maioria
da população destituída, que demanda serviços de saúde,
assistência social, educação e proteção na velhice.
2.6 – O Fórum Nacional da Previdência Social
No início de 2007 o Executivo federal instituiu o Fó-
rum Nacional da Previdência Social (FNPS). De caráter
tripartite – governo, empresários e trabalhadores – o Fó-
rum pretendia gerar consensos para a implantação de uma
nova rodada de reformas da Seguridade Social.
Essa iniciativa proporcionou outra oportunidade para
que os setores conservadores tentassem concluir o servi-
ço que vem fazendo desde a Assembleia Nacional Cons-
tituinte. No debate proposto por esse segmento transpa-
rece uma construção ideológica baseada em mitos e fatos
parciais. Tentam “comprovar” inviabilidade financeira da
Seguridade Social e fazer retroceder conquistas – – muitas
das quais já efetivadas. Prevaleceu a visão de que a nature-
za da questão financeira da Previdência Social decorreria
exclusivamente de fatores endógenos ao próprio sistema:
em síntese, o desequilíbrio financeiro seria consequência
exclusiva do crescimento dos gastos com benefícios, refle-
xos da suposta “generosidade” do atual plano de benefí-
cios (Tafner, 2007).
Omitem que a natureza da questão do financiamento
da Previdência Social é preponderantemente exógena. Está
relacionada ao estreitamento das fontes de financiamento
do sistema, consequência das opções macroeconômicas
adotadas nas últimas décadas que resultaram em baixo
crescimento e estreitaram as bases de financiamento da
Previdência. Ressalta-se aqui que compreender a natureza
da questão financeira do sistema previdenciário – endóge-
na ou exógena – é ponto crucial para definir os rumos do
planejamento governamental. O diagnóstico que privile-
gia a preponderância dos fatores endógenos implica fazer
reformas que cortem os gastos correntes. Entender que os
fatores exógenos prevalecem aponta para a alternativa do
desenvolvimento econômico. Conclui-se que a alternativa
mais eficaz e justa para enfrentar a questão financeira da
Previdência é crescimento da economia. Sem crescimento
não há saídas civilizadas para a Previdência Social – nem
para o país (Fagnani, Henrique e Lúcio, 2008).
2.7 – Reforma Tributária e Seguridade Social
Atualmente há um novo espectro de desconstrução
da Seguridade Social. O projeto de Reforma Tributária
que tramita no Congresso Nacional (PEC 233/08) (CE-
SIT, 2008). Em termos sintéticos, a Proposta de Emenda
Constitucional (PEC) 233/2008 que trata da reforma tri-
butária e se encontra em tramitação na Câmara dos Depu-
tados, prevê:
• A criação de um Imposto sobre Valor Adiciona-
do (IVA-F), com a extinção de quatro tributos
federais: Contribuição para o Financiamento da
Seguridade Social (COFINS); a contribuição para
o Programa de Integração Social (PIS); a Contri-
buição de Intervenção no Domínio Econômico
incidente sobre a Importação e a Comercialização
TRIBUTAÇÃO em revista 37
de Combustíveis (CIDE); e a Contribuição Social
do Salário-educação;
• A extinção da Contribuição Social do Lucro Líqui-
do (CSLL), incorporada ao Imposto de Renda das
Pessoas Jurídicas (IRPJ);
• A destinação de percentuais da arrecadação do
IVA-F e as do IR e IPI para as ações de governo
antes atendidas pelas contribuições – definindo a
emenda 38,5% para seguridade social e 6% para
o amparo ao trabalhador, e, enquanto não edita-
da Lei Complementar, 2,5% para o ensino funda-
mental.
• A desoneração gradativa da folha de contribuição
dos empregadores para previdência social;
• A unificação nacional da legislação do Imposto so-
bre Circulação de Mercadoria e Serviços (ICMS),
eliminando-se a “guerra fiscal”;
O principal objetivo da PEC é a simplificação da estru-
tura fiscal, extinguindo-se tributos e reduzindo-se cobran-
ças cumulativas sobre um mesmo produto, em diversas
etapas de produção e circulação da mercadoria.
A simplificação da estrutura tributária é alvissareira.
Todavia, há dois pontos cruciais que gostaríamos de assi-
nalar. Em primeiro lugar, a ausência de objetivos voltados
para a justiça fiscal, na medida em que a PEC não sinaliza
a construção de um sistema tributário progressivo, pauta-
do pela tributação da renda e do patrimônio.
Em segundo lugar, a ameaça latente de desmonte das
bases de financiamento das políticas sociais conquistadas
pela Constituição de 1988. Observe-se que por detrás
da simplificação e racionalização esconde-se o fim das
vinculações, a desoneração da folha de contribuição dos
empregadores para previdência social a extinção de fon-
tes de financiamento do Orçamento da Seguridade Social
(COFINS; PIS; Contribuição Social do Salário-educação; e
CSLL). A concretização dessas mudanças – sem a garan-
tia constitucional de vinculação de recursos num patamar
adequado para fazer frente aos gastos – fragiliza o finan-
ciamento da educação e enterra o Orçamento da Seguri-
dade Social (artigo 196 da Constituição Federal). Assim,
afeta a sustentação dos gastos em setores como previdên-
cia social (INSS urbano e Previdência Rural), Assistência
Social, Saúde, Seguro-Desemprego, geração de emprego e
capacitação profissional (Fundo de Amparo ao Trabalha-
dor - FAT).
Eliminar a vinculação constitucional de fontes de fi-
nanciamento significa ampliar o poder discricionário da
área econômica. A sociedade dará um cheque em branco
para a ortodoxia econômica e coroar, sobre o manto da
racionalidade do sistema tributário, um longo processo de
tentativas desses segmentos pela “flexibilização” da gestão
orçamentária. Sabemos todos que nos momentos de aper-
to fiscal os gastos sociais são os mais penalizados.
O debate continuará na próxima década. Seja qual for
o Presidente eleito em outubro de 2010 a reforma da Pre-
vidência Social e a Reforma Tributária voltarão á ordem
do dia.
3. Inconstitucionalidades Aparentes
Em suma, a questão de fundo é que os setores conser-
vadores resistem em aceitar o que reza a Constituição. A
mesma negativa tem sido praticada por todos os governos
desde 1988. Optaram por desfigurar e descumprir princí-
pios fundamentais da Organização da Seguridade Social,
do Orçamento da Seguridade Social e dos mecanismos
que asseguravam o controle social sobre os rumos das po-
líticas de saúde, previdência e assistência social (Conselho
Nacional da Seguridade Social)
Após 22 anos, tenho a percepção da presença de um
conjunto de inconstitucionalidades. Todavia, como disse,
sendo economista, não tenho competência técnica para
comprovar essa visão. Assim, o propósito desta parte do
texto é incentivar o debate entre juristas e constituciona-
listas.
3.1 – Organização da Seguridade Social
O Poder Público jamais Organizou a Seguridade Social
como rezam os artigos 194, 201 e 59 (Disposições Transi-
38 TRIBUTAÇÃO em revista
tórias) da Carta de 1988 e, posteriormente, pela Lei Orgâ-
nica da Seguridade Social (Lei 8.212/1991) e pela Emenda
Constitucional 20/1998.
A Constituição de 1988 instituiu a Seguridade Social,
integrada pelos setores da Saúde, Previdência e Assistência
Social e Seguro- Desemprego4:
Art. 194, “A Seguridade Social compreende um con-junto integrado de ações de iniciativa dos Poderes Públicos e da sociedade, destinado a assegurar os di-reitos relativos à saúde, à previdência e à assistência social”.
O Parágrafo único desse artigo explicita os princípios
norteadores da ação do Poder Público na e Organização da
Seguridade Social:
Compete ao Poder Público, nos termos da lei, or-ganizar a seguridade social, com base nos seguintes objetivos:I - universalidade da cobertura e do atendimento;II - uniformidade e equivalência dos benefícios e ser-viços às populações urbanas e rurais;III - seletividade e distributividade na prestação dos benefícios e serviços;IV - irredutibilidade do valor dos benefícios;V - equidade na forma de participação no custeio;VI - diversidade da base de financiamento;VII - caráter democrático e descentralizado da gestão administrativa, com a participação da comunidade, em especial, de trabalhadores, empresários e aposen-tados.
A Carta de 1988 estabeleceu prazos objetivos para o
Poder Público organizar a Seguridade Social de acordo
com os objetivos estabelecidos no Artigo 194. O art. 59
dos Atos das Disposições Constitucionais Provisórias é
claro nesse sentido:
Os projetos de lei relativos à organização da segu-ridade social e aos planos de custeio e de benefício serão apresentados no prazo máximo de seis meses da promulgação da Constituição ao Congresso Na-cional, que terá 6 meses para apreciá-los”. O parágra-fo único complementa: “Aprovados pelo Congresso Nacional, os planos serão implantados progressiva-mente nos 18 meses seguintes”.
Entretanto, esse artigo da Constituição Federal foi
olimpicamente descumprido. O Executivo não observou
os prazos e não formulou o Projeto de Lei de Organização
da Seguridade Social estabelecidos pela Constituição da
República. Em flagrante inconstitucionalidade, a postura
do Executivo foi formular projetos de lei setoriais (saú-
de, previdência, assistência social e seguro-desemprego),
separados e desarticulados, fragmentando a seguridade
social.5 Esta fragmentação da Seguridade Social não foi re-
tificada pelo Congresso Nacional.6
Foi somente em 1991 (com três anos de atraso) que a
Lei Orgânica da Seguridade Social (Lei 8.212) procurou
regulamentar a Organização da Seguridade Social prevista
no artigo 194 da CF estabelecendo que:
As ações nas áreas de Saúde, Previdência Social e As-sistência Social, conforme o disposto no Capítulo II, do Título VIII, da Constituição Federal, serão orga-nizadas em Sistema Nacional de Seguridade Social, na forma desta Lei.
O Artigo 6º institui o Conselho Nacional da Seguri-
dade Social cujas competências, expressas no Artigo 7º,
caminhavam claramente no sentido de cumprir o que de-
termina o Artigo 194 da CF de 1988:
4- Embora não seja explicitado no artigo 194, a Seguridade Social também incorporava o Seguro-Desemprego, conforme determina Art. 201, IV. Da mesma forma o Artigo 239 determina que a arrecadação decorrente das contribuições para o Programa de Integração Social (PIS) e para o Programa de Formação do Patrimônio do Servidor Público (PASESP) “passa a partir da promulgação desta Constituição, a financiar, nos termos que a lei dispuser, o programa do seguro-desemprego e o abono de que trata o § 3º deste artigo”. Da mesma forma, como veremos, o Artigo 195 inclui o PIS/PASEP como fontes do Orçamento da Seguridade Social vinculadas, constitucionalmente, ao financiamento dos setores que compõem a Seguridade Social.
5- Analisando os projetos de regulamentação que tramitavam no Congresso Nacional em 1989, Azeredo (1990:12) constatou essa fragmentação nos seguintes termos: ”O que existe são dois projetos: um sobre previdência, elaborado pelo ministério da Previdência, e outro sobre saúde, preparado pelo ministério da Saúde. A seguridade social é apenas mencionada em dois artigos do projeto sobre previdência social, em que se reafirmam os preceitos constitucionais que definem a seguridade e estabelecem seus prin-cípios gerais. A primeira observação a ser feita a respeito da proposta do Executivo é que não há nenhuma preocupação em dar corpo à ideia da seguridade social definida na Constituição. Os projetos nada mais são do que a tentativa de regulamentar de forma estanque apenas as áreas de previdência social e saúde”.
6- Para Teixeira (1991:32): “O Congresso não apenas não opôs grande resistência, como até vem contribuindo para a descaracterização da seguridade. Exemplo disto foi a incapacidade revelada de apresentar um projeto de lei orgânica da seguridade social, integrando suas diversas partes em um todo único e coerente. Ao aceitar o caráter fragmentário dos projetos de regulamentação, em que previdência, saúde e assistência social são tratadas em textos separados, o congresso não recupera a essência do que ele mesmo havia criado, enquanto Constituinte, e colabora para o retrocesso a que hoje assistimos”.
TRIBUTAÇÃO em revista 39
“Art. 7º Compete ao Conselho Nacional da Seguri-dade SocialI - estabelecer as diretrizes gerais e as políticas de integração entre as áreas, observado o disposto no inciso VII do art. 194 da Constituição Federal; II - acompanhar e avaliar a gestão econômica, finan-ceira e social dos recursos e o desempenho dos pro-gramas realizados, exigindo prestação de contas;III - apreciar e aprovar os termos dos convênios fir-mados entre a seguridade social e a rede bancária para a prestação dos serviços;IV - aprovar e submeter ao Presidente da Repúbli-ca os programas anuais e plurianuais da Seguridade Social;V - aprovar e submeter ao Órgão Central do Sistema de Planejamento Federal e de Orçamentos a propos-ta orçamentária anual da Seguridade Social;VI - estudar, debater e aprovar proposta de recom-posição periódica dos valores dos benefícios e dos salários-de-contribuição, a fim de garantir, de forma permanente, a preservação de seus valores reais;VII - zelar pelo fiel cumprimento do disposto nesta Lei e na legislação que rege a Seguridade Social, as-sim como pelo cumprimento de suas deliberações;VIII - divulgar através do Diário Oficial da União, todas as suas deliberações;IX - elaborar o seu regimento interno.
Todavia, os Artigos 6º e 7º da Lei Orgânica da Se-
guridade Social (1991) jamais foram implantados. Ob-
serve-se que, posteriormente, a Emenda Constitucional
20/1998 manteve a obrigatoriedade do Poder Público na
tarefa de Organizar a Seguridade Social (Artigo 194). To-
davia, mais uma vez, esses dispositivos legais não saíram
do papel.
Mais grave, como veremos mais à frente, em 2001, o
Conselho Nacional da Seguridade Social foi extinto pelo
artigo 35 da Medida Provisória 002.216 - 037 de 2001
que revoga os artigos 6º, 7º (entre outros) da Lei Orgâni-
ca da Seguridade Social (8.212, de 24 de julho de 1991)
havia instituído. Portanto através de MP, acabou-se com o
que reza o Parágrafo único do artigo 194 da CF e o Poder
Público deixou de ter responsabilidade de Organizar a Se-
guridade Social.
Fica minha pergunta aos profissionais do direito: uma
Medida Provisória tem força legal para extirpar um dos
núcleos centrais da Seguridade Social determinado pela
Constituição da República?
3.2 – Organização da Seguridade Social e Orçamento
da Seguridade Social
Para financiar a Seguridade Social, a Constituição de
1988 introduziu o “Orçamento da Seguridade Social” (Ar-
tigo 195), constituído por um conjunto de fontes de re-
cursos vinculadas ao financiamento dos setores da Saúde,
Previdência Social, Assistência Social e Seguro Desempre-
go (Artigo 201).
A Organização da Seguridade Social têm uma variável
financeira. Pelo Parágrafo Único do artigo 195, compete
ao Poder Público organizar a Seguridade Social de acordo
com um conjunto de objetivos, com destaque para a “V -
equidade na forma de participação no custeio”
Ou seja, o ponto de partida do processo de elaboração
do Orçamento da Seguridade Social é a elaboração dos
planos de custeio dos setores da saúde, assistência social
e previdência social (INSS Rural e Urbano). Em outras
palavras, As despesas previstas no Orçamento da Seguri-
dade Social deveriam resultar da consolidação dos planos
de custeio dessas áreas que integram a Seguridade Social.
Observe-se o que reza o texto constitucional:
A proposta de Orçamento da Seguridade Social será elaborada de forma integrada pelos órgãos respon-sáveis pela saúde, pela previdência social e pela as-sistência social, tendo em vista as metas e priorida-des estabelecidas na lei de diretrizes orçamentárias, assegurada a cada área a gestão de seus respectivos recursos. (art. 195, §2º)
Como referido no tópico anterior, a Carta estabeleceu
prazos objetivos para a “organização da seguridade social”
o que também incluía a elaboração conjunta pelos minis-
térios envolvidos dos planos de custeio e benefícios das
áreas de Saúde, Previdência e Assistência Social (ver art.
59 dos ADP, acima mencionado).
Essa determinação constitucional foi mantida pela
Lei Orgânica da Seguridade Social (1991) e pela Emenda
Constitucional 20/1998. Todavia, isso jamais foi cumpri-
do. Todos os governos desde 1989 optaram pela fragmen-
tação da gestão financeira e institucional da Seguridade
Social.
40 TRIBUTAÇÃO em revista
3.3 – Orçamento da Seguridade Social e a Lei Orça-
mentária Anual
A terceira aparente inconstitucionalidade é que desde
1989 o Executivo Federal jamais apresentou o Orçamento
da Seguridade Social, rigorosamente como reza o artigo, 165.
Pela Carta de 1988, o Orçamento da Seguridade Social
passou a ser parte da “Lei Orçamentária Anual”. O Título
VI (“Da tributação e do Orçamento”) institui como “leis
de iniciativa do Poder Executivo”, o “Plano Plurianual”, as
“Diretrizes Orçamentárias” e a “Lei Orçamentária Anual”.
A “Lei Orçamentária Anual” compreendia o “Orçamento
Fiscal”, o “Orçamento de Investimentos das Empresas Es-
tatais” e o “Orçamento da Seguridade Social”.
Portanto, anualmente o Executivo federal é obrigado a
apresentar essas três peças que integravam “Lei Orçamen-
tária Anual”. Observe que o Orçamento da Seguridade So-
cial abrangia todas as entidades e órgãos vinculados, dos
setores que compõem a Seguridade Social (art. 165, §5º):
Art. 165. Leis de iniciativa do Poder Executivo esta-belecerão:I - o plano plurianual;II - as diretrizes orçamentárias;III - os orçamentos anuais.(...)§ 5º - A lei orçamentária anual compreenderá:I - o orçamento fiscal referente aos Poderes da União, seus fundos, órgãos e entidades da administração di-reta e indireta, inclusive fundações instituídas e man-tidas pelo Poder Público;II - o orçamento de investimento das empresas em que a União, direta ou indiretamente, detenha a maioria do capital social com direito a voto;III - o orçamento da seguridade social, abrangendo todas as entidades e órgãos a ela vinculados, da ad-ministração direta ou indireta, bem como os fundos e fundações instituídos e mantidos pelo Poder Público.
Um dos argumentos em defesa do Orçamento da Segu-
ridade Social era que ele proporcionaria o maior controle
social sobre recursos que financiavam as políticas sociais.
Em tese, a consolidação dessas fontes e dos respectivos
usos numa única peça orçamentária, sujeita ao acompa-
nhamento do Congresso Nacional, proporcionaria maior
“transparência” e controle sobre o uso dos recursos desti-
nados ao gasto social.
Assim, com o Orçamento da Seguridade Social, pro-
curava-se assegurar fontes vinculadas de recursos para o
financiamento da Seguridade Social e, ao mesmo tempo,
garantir que esses recursos não fossem capturados pela
área econômica do governo e desviados para outras ati-
vidades – prática recorrente na história da política social
brasileira e, em particular, durante o regime militar.
Esses objetivos seriam alcançados pelo Conselho Na-
cional da Seguridade Social (comentado mais adiante) e
pelos artigos 165 (acima transcrito) e 166 da Constituição
Federal, reproduzido a seguir:
Art. 166. Os projetos de lei relativos ao plano plu-rianual, às diretrizes orçamentárias, ao orçamento anual e aos créditos adicionais serão apreciados pe-las duas Casas do Congresso Nacional, na forma do regimento comum.§ 1º - Caberá a uma Comissão mista permanente de Senadores e Deputados:I - examinar e emitir parecer sobre os projetos re-feridos neste artigo e sobre as contas apresentadas anualmente pelo Presidente da República;II - examinar e emitir parecer sobre os planos e pro-gramas nacionais, regionais e setoriais previstos nes-ta Constituição e exercer o acompanhamento e a fis-calização orçamentária, sem prejuízo da atuação das demais comissões do Congresso Nacional e de suas Casas, criadas de acordo com o art. 58
Todavia, esses dispositivos nunca foram aplicados de
acordo com, as reais motivações dos constituintes.
3.4 – Orçamento da Seguridade Social
Para financiar a Seguridade Social (saúde, previdência,
assistência e seguro-desemprego) a Constituição introdu-
ziu o Orçamento da Seguridade Social (OSS), integraliza-
do por fontes contributivas (INSS Urbano e Seguro-De-
semprego) e por impostos gerais (INSS Rural, Assistência
Social e SUS) (art. 195), com destaque para:
• Recursos dos orçamentos da União, do DF, dos es-
tados e dos municípios.
• Contribuições sobre a folha de salários (Previdên-
cia Urbana).
• Contribuição sobre o Lucro Líquido das Empresas
(CSLL).
TRIBUTAÇÃO em revista 41
• PIS-PASEP: 60% da arrecadação (fonte do seguro-
-desemprego) (art. 239).
• Contribuição sobre o Financiamento da Segurida-
de (COFINS).
• Receita dos concursos de prognósticos e loterias.
Destaque-se que a utilização de fontes de financiamen-
to que incidissem sobre o faturamento (COFINS) e o lu-
cro das empresas (CSLL) era uma das bandeiras da agenda
reformista explicitada, por exemplo, no documento do
PMDB (1982). Essas duas fontes de financiamento foram
criadas pela Constituição de 1988 para custear, sobretudo,
os benefícios não contributivos (Saúde, Assistência Social
e Previdência Rural).
A inclusão de base de financiamento baseada no lucro
e no faturamento também tem amparo no Parágrafo Úni-
co do artigo 195 (VI), segundo o qual compete ao Poder
Público organizar a Seguridade Social, de acordo com um
conjunto de objetivos, com destaque para a “diversidade
da base de financiamento”
Para compreender melhor o conjunto de fontes de
financiamento que compõe o Orçamento da Seguridade
Social, observe-se o que reza o artigo 195 da CF 1988 e as
novas redações dadas por leis posteriores que, no entanto,
não alteram o seu núcleo fundamental:
Art. 195. A seguridade social será financiada por toda a sociedade, de forma direta e indireta, nos termos da lei, mediante recursos provenientes dos orçamentos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Mu-nicípios, e das seguintes contribuições sociais: I – do empregador, da empresa e da entidade a ela
equiparada na forma da lei, incidentes sobre: a) a folha de salários e demais rendimentos do tra-balho pagos ou creditados, a qualquer título, à pes-soa física que lhe preste serviço, mesmo sem vínculo empregatício; b) a receita ou o faturamento; c) o lucro; II - do trabalhador e dos demais segurados da previ-dência social, não incidindo contribuição sobre apo-sentadoria e pensão concedidas pelo regime geral de previdência social de que trata o art. 201; III - sobre a receita de concursos de prognósticos.IV - do importador de bens ou serviços do exterior, ou de quem a lei a ele equiparar. § 1º - As receitas dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios destinadas à seguridade social cons-tarão dos respectivos orçamentos, não integrando o orçamento da União.§ 2º - A proposta de orçamento da seguridade social será elaborada de forma integrada pelos órgãos res-ponsáveis pela saúde, previdência social e assistência social, tendo em vista as metas e prioridades estabe-lecidas na lei de diretrizes orçamentárias, assegurada a cada área a gestão de seus recursos.§ 3º - A pessoa jurídica em débito com o sistema da seguridade social, como estabelecido em lei, não po-derá contratar com o Poder Público nem dele receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios.§ 4º - A lei poderá instituir outras fontes destinadas a garantir a manutenção ou expansão da seguridade social, obedecido o disposto no art. 154, I.§ 5º - Nenhum benefício ou serviço da seguridade social poderá ser criado, majorado ou estendido sem a correspondente fonte de custeio total.§ 6º - As contribuições sociais de que trata este artigo só poderão ser exigidas após decorridos noventa dias da data da publicação da lei que as houver instituído ou modificado, não se lhes aplicando o disposto no art. 150, III, “b”.§ 7º - São isentas de contribuição para a seguridade social as entidades beneficentes de assistência social que atendam às exigências estabelecidas em lei.§ 8º O produtor, o parceiro, o meeiro e o arrenda-tário rurais e o pescador artesanal, bem como os respectivos cônjuges, que exerçam suas atividades em regime de economia familiar, sem empregados permanentes, contribuirão para a seguridade social mediante a aplicação de uma alíquota sobre o resul-tado da comercialização da produção e farão jus aos benefícios nos termos da lei. § 9º As contribuições sociais previstas no inciso I do caput deste artigo poderão ter alíquotas ou bases de cálculo diferenciadas, em razão da atividade econô-mica, da utilização intensiva de mão de obra, do por-te da empresa ou da condição estrutural do mercado de trabalho. § 10. A lei definirá os critérios de transferência de recursos para o sistema único de saúde e ações de assistência social da União para os Estados, o Dis-trito Federal e os Municípios, e dos Estados para os
“O Orçamento da Seguridade Social procurava garantir
que os recursos não fossem capturados pela área econômica
do governo e desviados para outras atividades.”
42 TRIBUTAÇÃO em revista
Municípios, observada a respectiva contrapartida de recursos. § 11. É vedada a concessão de remissão ou anistia das contribuições sociais de que tratam os incisos I, a, e II deste artigo, para débitos em montante supe-rior ao fixado em lei complementar. § 12. A lei definirá os setores de atividade econômica para os quais as contribuições incidentes na forma dos incisos I, b; e IV do caput, serão não-cumula-tivas. § 13. Aplica-se o disposto no § 12 inclusive na hi-pótese de substituição gradual, total ou parcial, da contribuição incidente na forma do inciso I, a, pela incidente sobre a receita ou o faturamento.
Quando os constituintes de 1988 instituíram o OSS,
sequer foram ousados. Apenas aprofundaram o padrão
clássico de fontes tripartites, introduzido pelo conserva-
dor Bismarck na Alemanha (1880) que, posteriormente,
foi difundido em outros países. No Brasil esse padrão foi
introduzido ao longo do “Estado Novo” e mantido até a
década de 1980. A Constituição de 1988 apenas aperfei-
çoou esse padrão internacional.
Em outras palavras, o Orçamento da Seguridade So-
cial foi inspirado no padrão universal clássico, baseado
na contribuição tripartite (empregados, empregadores e
impostos/governo): recursos dos empregados e emprega-
dores (sobre a folha de salários para a previdência) e do
governo (contribuições das empresas sobre o lucro, sobre
o faturamento e sobre parte do PIS-Pasep, dentre outras),
um conjunto de impostos gerais que financiam os bene-
fícios não contributivos (INSS Rural, Assistência Social e
Saúde)
O quadro abaixo (IPEA 2005) mostra que ao instituir-
mos o OSS, não inventamos a roda. Para um conjunto de
países europeus a seguridade é financiada, em média, por
38% da contribuição dos empregadores; 22% pela con-
tribuição dos empregados; e 27% da contribuição do go-
verno (impostos). Em alguns países a participação relativa
dos impostos, que financia os benefícios não contributi-
vos, varia entre 40% e 64%.
PaísesComposição das despesas - %
Total % PIBEmpregadores Empregados Impostos Outras
Alemanha 36,9 28,2 32,5 2,4 100,0 29,5
Áustria 37,1 26,8 35,3 0,8 100,0 28,7
Bélgica 49,5 22,8 25,3 2,4 100,0 26,7
Dinamarca 9,1 20,3 63,9 6,7 100,0 28,8
Espanha 52,7 16,4 26,6 4,0 100,0 20,1
Finlândia 37,7 12,1 43,1 7,1 100,0 25,2
França 45,9 20,6 30,6 2,9 100,0 29,7
Grécia 38,2 22,6 29,1 10,1 100,0 26,4
Irlanda 25,0 15,1 58,3 1,6 100,0 14,1
Itália 43,2 14,9 39,8 2,1 100,0 25,2
Luxemburgo 24,6 23,8 47,1 4,5 100,0 21,0
P. Baixos 29,1 38,8 14,2 17,9 100,0 27,4
Portugal 35,9 17,6 38,7 7,8 100,0 22,7
Reino Unido 30,2 21,4 47,1 1,3 100,0 26,8
Suécia 39,7 9,4 46,7 4,2 100,0 32,3
Europa dos 15 38,3 22,4 35,8 3,5 100,0 27,3
Tabela 1 - Composição das Fontes de Financiamento da Seguridade Social - OCDE
Fonte: Eurostat.
TRIBUTAÇÃO em revista 43
3.5 – Captura de Recursos do Orçamento da Seguri-
dade Social
Outra aparente inconstitucionalidade é a recorrente
captura dos recursos do Orçamento da Seguridade Social
para outras finalidades não previstas no artigo 194.
Estudos de Gentil (2007) mostram que as contas do
Orçamento da Seguridade Social sempre foram superavi-
tárias para todo o período 1989/2007. A autora destaque
que os recursos excedentes foram utilizados para contri-
buir para pagar a conta financeira (de juros e amortização
da dívida pública). Trabalho recente de Costa (2010) re-
vela que “em 2009, o superávit do sistema de Seguridade
Social foi de R$ 32,6 bilhões”.
Porque os constituintes vincularam constitucional-
mente recursos do OSS aos setores que compõem a Segu-
ridade Social? Para evitar uma prática corrente na Ditadu-
ra Militar: a captura de fontes de financiamento do gasto
social pela área econômica do governo. Naquela época,
ao invés da política econômica financiar a política social,
dava-se o inverso.
Essa prática da Ditadura Militar foi sofisticada e apro-
fundada pelos governos democráticos desde 1989. Diver-
sas medidas foram adotadas de forma inconstitucional vi-
sando a capturar os recursos constitucionais vinculados ao
Orçamento da Seguridade Social para o financiamento de
outros itens de gasto.
Um caso exemplar do início desse processo contínuo
de desfiguração, ao arrepio da Carta Magna, pode ser per-
cebido pela utilização de recursos do Orçamento da Segu-
ridade Social, para pagar despesas com servidores inativos
da União em 1989.
A previdência do servidor público não integrava a se-
guridade social (ver artigo 194). Os pensionistas e segura-
dos do serviço público sempre foram pagos com recursos
do Tesouro Nacional (rubrica “Encargos Previdenciários
da União, EPU”).
Apesar disso, em 1989, mais da metade da receita pre-
vista como arrecadação da COFINS foi destinada ao paga-
mento dos inativos e pensionistas da União. Apenas uma
pequena parcela da arrecadação dessa contribuição social
foi destinada à cobertura dos benefícios da previdência so-
cial.7 Tratava-se de medida inconstitucional, denunciada
pelos setores que lutaram pela seguridade social na ANC8.
É emblemático que esse desvio de recursos foi admiti-
do, pública e impunemente, pelo então ministro da Previ-
dência e Assistência Social, Jáder Barbalho, em entrevista
concedida à revista Veja, em meados de 1989:
O problema do déficit da previdência social está sen-do gerado por fatores externos à previdência social. Do Finsocial (COFINS), a que a Previdência teria direito, só foi repassado 0,32%. O que a Secretaria de Planejamento argumenta é que esse dinheiro foi repassado para outros setores do governo que com-põem o conjunto da seguridade social – que abrange o ministério da Saúde e até mesmo os pensionistas da União. Além disso, outra fonte de renda, a Con-tribuição Social sobre os Lucros das empresas, caiu com o Plano Verão, reduziu-se ao meio. De um to-tal de três bilhões, a Previdência só recebeu 1,5 bi-lhão de cruzados novos. Depois, a Previdência tinha previsto em seu orçamento uma aplicação de saldo de caixa que daria, mensalmente, 2,5 bilhões. Mas como não há caixa, e sim déficit de caixa, não foi possível aplicar nada.
7- Azeredo (1990) ressalta essa malversação dos recursos do Cofins-Finsocial: “Também não está sendo cumprido o preceito das Disposições Transitórias da Constituição (art. 56), que prevê a incorporação à seguridade de cinco dos seis décimos percentuais correspondentes à alíquota de contribuições do Finsocial. A análise da distribuição da receita deste Fundo no Orçamento da União (...) mostra que mais da metade dos recursos está destinada ao custeio da despesa com inativos e pensionistas da União. Sem dúvida, os Encargos Previdenciários da União (EPU) representam uma despesa de natureza previdenciária. No entanto, não se pode incluí-la no conceito de seguridade, na medida em que o regime de previdência dos funcionários públicos da União não atende a um dos princípios básicos da seguridade social, que diz respeito à universalidade. Vale lembrar que a inclusão do art. 56 nas Disposições Constitucionais Transitórias visava, exatamente, a criar um mecanismo que permitisse financiar a expansão da des-pesa com benefícios, prevista já para o ano de 1989. Cabe observar ainda que, em 1988, as despesas com EPU foram financiadas com recursos ordinários do Tesouro e com receitas de Títulos de responsabilidade do Tesouro Nacional. Em resumo, uma parcela substantiva do Finsocial está sendo subtraída indevidamente do custeio da seguridade social”.
8- Em meados de 1989, o senador Almir Gabriel (PSDB-AC), que havia sido relator da proposta da Seguridade Social na ANC, por exemplo, denunciou a inconstitucio-nalidade da manobra nos seguintes termos: “É interessante, para o governo, que o déficit público apareça na Previdência exatamente por este motivo: como não se pode aumentar a receita com impostos, o déficit da Previdência é um pretexto. Recursos que deveriam ter sido alocados no ministério foram desviados para outros setores, para cobrir outros setores, para cobrir outros buracos de caixa. Além de deixar de custear a máquina previdenciária, não arcando com as despesas administrativas e de pessoal, o governo está utilizando parte do Finsocial para pagar os segurados e pensionistas da União, que sempre foram pagos com recursos do Tesouro Nacional e não do IAPAS” (Governo aumentará contribuições para sanear previdência, Folha de S.Paulo, 17/5/1989).
44 TRIBUTAÇÃO em revista
Perguntado pelo jornalista se seria “ético transferir di-
nheiro da Previdência para pagar pensionistas da União”,
como fez o então ministro do Planejamento João Batista
de Abreu, o ministro retrucou e voltou a admitir a incons-
titucionalidade das ações do governo do qual fazia parte:
Não vou discutir ética. Não interessa o conflito meu com o João Batista. As conversas com ele têm sido amigáveis. O grande problema do ministro do Plane-jamento é que ele tem vários déficits para administrar. Na hora que eu pedir para ele mandar o Finsocial para Previdência, ele pode chegar e perguntar: ́ Como é que eu vou pagar os pensionistas da União? ` Isso porque o déficit da Previdência é resultado do déficit da União. Todo mundo deve ser pago com o dinheiro da seguri-dade social, mas a maior parte foi destinada ao paga-mento dos pensionistas da União. (Um rombo federal. Entrevista com Jáder Barbalho. Veja, 31/5/1989)
Esse exemplo emblemático de desvios e desfigurações
do final dos anos de 1980 teve prosseguimento em todos
os governos posteriores até os dias atuais.
3.6 – Previdência: “Déficit” ou Manipulação Contábil?
Com base no que foi dito anteriormente sobre a Or-
ganização da Seguridade Social e sobre o Orçamento da
Seguridade Social, outro falso argumento é que há “déficit”
sempre que a contribuição dos empregados e empregado-
res para a previdência social urbana for insuficiente para
bancar os gastos com o INSS Urbano e o INSS Rural.
Veja-se, por exemplo, que em recente entrevista à impren-
sa, um ex-membro da área econômica do governo, afirmou:
Essa discussão sobre se tem déficit ou não é surrea-lista, é quase uma picaretagem intelectual. (Marcos Lisboa, entrevista, O Estado de S. Paulo, 2/9/07).
Ainda sobre esse tema, outro especialista escreveu:
Discutir se a Previdência tem déficit ou não, é irrele-vante. Estamos lidando com um problema real: o Bra-sil tem regras generosas de aposentadoria e há cada vez mais gente que recebe recursos do Estado, com idades precoces ou tendo feito contribuições escassas. Saber se a receita do imposto X deve ser do INSS ou do Tesouro não tem importância nenhuma para efei-tos do que estamos tratando. O problema é real não contábil. (Fabio Giambiagi, Valor Econômico 4/7/07).
A verdade é que não existe base técnica para tais
ilações. Mais grave: não creio que exista base constitu-
cional. Os princípios basilares da Constituição de 1988,
não rezam que folha de salário formal urbana (trabalha-
dores e empresas) seja responsável pela cobertura dos
gastos com a Previdência Urbana e a Previdência Rural.
Ora, o INSS rural é um benefício não contributivo.
Em 1988 os constituintes asseguram aos trabalhadores
rurais o direito à aposentadoria mediante a comprova-
ção de tempo de trabalho. Foi uma medida de justiça
social para beneficiar trabalhadores rurais que entraram
no mercado de trabalho a partir de década de 1940 e
sempre foram marginalizados por políticas de proteção
social. Houve naquele momento um pacto social para
resgatar uma injustiça histórica cometida contra esse
segmento.
Daí a necessidade de instituir impostos gerais (como
a CSLL e o COFINS) para financiar a Previdência Rural.
Por outro lado, a Carta de 1988 fixou uma contribui-
ção com base muito limitada, absolutamente insuficien-
te para financiar os mais de 8 milhões de beneficiários
diretos do INSS Rural. Observe o que reza o Inciso IV,
Parágrafo 8º do artigo 195:
§ 8º O produtor, o parceiro, o meeiro e o arrenda-tário rurais e o pescador artesanal, bem como os respectivos cônjuges, que exerçam suas atividades em regime de economia familiar, sem empregados permanentes, contribuirão para a seguridade social mediante a aplicação de uma alíquota sobre o resul-tado da comercialização da produção e farão jus aos benefícios nos termos da lei.
“Outro falso argumento é que há “déficit” sempre que a
contribuição para a previdência urbana for insuficiente para bancar os gastos com o INSS
Urbano e o INSS Rural.”
TRIBUTAÇÃO em revista 45
Essa base de contribuição é ainda mais restringida
pelas isenções fiscais dadas ao agronegócio exportador
(Emenda Constitucional 33).
Em suma não se pode considerar a Previdência Social
apartada da Seguridade Social. Da mesma forma não se
pode considerar excluir o financiamento da Previdência So-
cial (Rural e Urbana) do Orçamento da Seguridade Social.
Insisto, a Carta de 1988 contempla benefícios contri-
butivos (INSS urbano e Seguro-Desemprego) e benefícios
não contributivos (INSS Rural, Loas e SUS). Os primeiros
são financiados pela folha de salário formal urbana (traba-
lhadores e empresas) e pelo PIS/PASEP. Os segundos por
impostos pré-existentes (Recursos de Prognósticos) e por
outros criados pelos constituintes (CSLL e COFINS) para
essa finalidade exclusiva
Como vimos o Orçamento da Seguridade Social sem-
pre foi superavitário desde 1989, a despeito da DRU e das
renúncias fiscais. Portanto, à luz da Constituição da Re-
pública não há como se falar em “déficit” na Previdência
Social. Na verdade sobram recursos que são utilizados em
finalidades não previstas na lei.
É verdade, todavia, que a redação dada ao artigo 201
pela reforma conservadora de 1998 (Emenda Constitucio-
nal 20) possibilita uma interpretação dúbia:
Art. 201. A previdência social será organizada sob a forma de regime geral, de caráter contributivo e de filiação obrigatória, observados critérios que preser-vem o equilíbrio financeiro e atuarial, e atenderá, nos termos da lei, a: I – cobertura dos eventos de doença, invalidez, mor-te e idade avançada; II – proteção à maternidade, especialmente à gestante; III – proteção ao trabalhador em situação de desem-prego involuntárioIV – salário-família e auxílio-reclusão para os depen-dentes dos segurados de baixa renda; V – pensão por morte do segurado, homem ou mu-lher, ao cônjuge ou companheiro e dependentes, ob-servado o disposto no § 2º.
Essa nova redação do Artigo 201 procura excluir a Pre-
vidência Social da Seguridade Social; e, mais especifica-
mente, subtrair do financiamento do INSS rural as demais
fontes de financiamento baseadas em impostos vinculadas
ao Orçamento da Seguridade Social.
Assim a Previdência Social (Urbana e Rural) deveriam
observar “critérios que preservem o equilíbrio financeiro
e atuaria”. É uma redação ambígua, porque, como obser-
vado, não se pode afirmar que a Previdência Rural tenha
“caráter contributivo”, dada sua reduzida base de financia-
mento. Além disso, os incisos da nova redação do artigo
201 não há qualquer referência ao INSS Rural.
Se essa interpretação prevalecer, fica aqui outra ques-
tão aos especialistas do direito: não haveria uma fragrante
oposição da nova redação do Artigo 201, dada pela EC
20/98, com os Artigos 194 e 195?
3.7 – Forma de Apresentação dos Dados pelo MPAS
Outra aparente inconstitucionalidade é a forma de
apresentação dos dados financeiros da Previdência So-
cial pelo Ministério da Previdência e Assistência Social –
MPAS, desde 1989. O MPAS não considera a Previdência
como integrante da Seguridade. Parte do princípio de que
a folha de salário do trabalhador urbano deve cobrir o gas-
to com o INSS urbano e do INSS rural. O resultado é um
“rombo” da Previdência, em função dos gastos do INSS
rural – na medida em que, atualmente, a Previdência Ur-
bana é superavitária.
Ora, insisto que os artigos 194 e 195 rezam que o INSS
rural (não contributivo) deve ser coberto pelas receitas de
impostos. Com base no critério oficial, quem fala em “Dé-
ficit” da Previdência comete o mesmo equívoco de senten-
ciar o “rombo” das contas do Legislativo, do Judiciário e
das Forças Armadas (também financiadas por impostos).
3.8 – Conselho Nacional da Seguridade Social
Um dos argumentos em defesa do Orçamento da Segu-
ridade Social era que ele proporcionaria o maior controle
social sobre recursos que financiavam as políticas sociais.
Em tese, a consolidação dessas fontes e dos respectivos
usos numa única peça orçamentária, sujeita ao acompa-
nhamento do Congresso Nacional, proporcionaria maior
“transparência” e controle sobre o uso dos recursos desti-
nados ao gasto social.
46 TRIBUTAÇÃO em revista
Como sublinhei, com o Orçamento da Seguridade
Social procurava-se assegurar fontes vinculadas de re-
cursos para o financiamento da seguridade social e, ao
mesmo tempo, garantir que esses recursos não fossem
capturados pela área econômica do governo e desviados
para outras atividades, prática recorrente na história da
política social brasileira e, em particular, durante o regi-
me militar.
Esses objetivos seriam alcançados pelos artigos 165,
166, 194 e 195 da Constituição Federal. Todavia, o ins-
trumento fundamental para assegurar o controle social
sobre as fontes e usos dos recursos do Orçamento da Se-
guridade Social era a instituição do Conselho Nacional
da Seguridade Social.
O parágrafo único do artigo 194 da CF reza que
“compete ao Poder Público, nos termos da lei, organizar
a seguridade social, com base nos seguintes objetivos:
(...) VII – caráter democrático e descentralizado da ges-
tão administrativa, com a participação da comunidade,
em especial de trabalhadores, empresários e aposenta-
dos”.
Posteriormente, o artigo 5º da Lei Orgânica da Segu-
ridade Social (Lei 008.212/1991), ao tratar da Organiza-
ção da Seguridade Social, estabelece que “As ações nas
áreas de Saúde, Previdência Social e Assistência Social,
conforme o disposto no Capítulo II do Título VIII da
Constituição Federal serão organizadas em Sistema Na-
cional de Seguridade Social, na forma desta Lei. E o Arti-
go 6º institui o Conselho Nacional da Seguridade Social
nos seguintes termos:
“Art. 6º Fica instituído o Conselho Nacional da Se-guridade Social, órgão superior de deliberação co-legiada, com a participação da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Municípios e de represen-tantes da sociedade civil. § 1º O Conselho Nacional da Seguridade Social terá dezessete membros e respectivos suplentes, sendo: a) 4 (quatro) representantes do Governo Federal, dentre os quais, 1(um) da área de saúde, 1(um) da área de previdência social e 1(um) da área de assis-tência social;b) 1 (um) representante dos governos estaduais e 1 (um) das prefeituras municipais;c) 6 (seis) representantes da sociedade civil, sendo 3 (três) trabalhadores, dos quais pelo menos 1 (um) aposentado, e 3 (três) empresários;c) oito representantes da sociedade civil, sendo quatro trabalhadores, dos quais pelo menos dois aposentados, e quatro empresários;d) 3 (três) representantes dos conselhos setoriais, sendo um de cada área da Seguridade Social, con-forme disposto no Regimento do Conselho Nacio-nal da Seguridade Social.d) 3 (três) representantes membros dos conselhos setoriais, sendo um de cada área da seguridade so-cial, conforme disposto no Regimento do Conselho Nacional da Seguridade Social.§ 2º Os membros do Conselho Nacional da Segu-ridade Social serão nomeados pelo Presidente da República.§ 3º O Conselho Nacional da Seguridade Social será presidido por um dos seus integrantes, eleito entre seus membros, que terá mandato de 1 (um) ano, vedada a reeleição, e disporá de uma Secretaria--Executiva, que se articulará com os conselhos se-toriais de cada área.§ 4º Os representantes dos trabalhadores, dos em-presários e respectivos suplentes serão indicados pelas centrais sindicais e confederações nacionais e terão mandato de 2 (dois) anos, podendo ser recon-duzidos uma única vez.§ 5º As áreas de Saúde, Previdência Social e Assis-tência Social organizar-se-ão em conselhos setoriais, com representantes da União, dos Estados, do Dis-trito Federal, dos Municípios e da sociedade civil.§ 6º O Conselho Nacional da Seguridade Social reunir-se-á ordinariamente a cada bimestre, por convocação de seu presidente, ou, extraordina-riamente, mediante convocação de seu presidente ou de um terço de seus membros, observado, em ambos os casos, o prazo de até 7 (sete) dias para realização da reunião.§ 7º As reuniões do Conselho Nacional da Seguri-dade Social serão iniciadas com a presença da maio-ria absoluta de seus membros, sendo exigida para deliberação a maioria simples dos votos.§ 8º Perderá o lugar no Conselho Nacional da Se-guridade Social o membro que não comparecer a 3 (três) reuniões consecutivas ou a 5 (cinco) interca-
“O Orçamento da Seguridade Social
proporcionaria maior controle social sobre
recursos que financiariam as políticas sociais.”
TRIBUTAÇÃO em revista 47
ladas, no ano, salvo se a ausência ocorrer por moti-vo de força maior, justificado por escrito ao Conse-lho, na forma estabelecida pelo seu regimento.§ 9º A vaga resultante da situação prevista no pará-grafo anterior será preenchida através de indicação da entidade representada, no prazo de 30 (trinta) dias.§ 10. As despesas porventura exigidas para o com-parecimento às reuniões do conselho constituirão ônus das respectivas entidades representadas. § 11. As ausências ao trabalho dos representantes dos trabalhadores em atividade, decorrentes de sua participação no Conselho, serão abonadas, com-putando-se como jornada efetivamente trabalhada para todos os fins e efeitos legais.
Por sua vez, o Artigo 7º estabelece as competências
do Conselho Nacional da Seguridade Social na Organiza-
ção da Seguridade Social e no Controle sobre a Execução
do Orçamento da Seguridade Social:
Art. 7º Compete ao Conselho Nacional da Seguri-dade SocialI - estabelecer as diretrizes gerais e as políticas de integração entre as áreas, observado o disposto no inciso VII do art. 194 da Constituição Federal; II - acompanhar e avaliar a gestão econômica, finan-ceira e social dos recursos e o desempenho dos pro-gramas realizados, exigindo prestação de contas;III - apreciar e aprovar os termos dos convênios fir-mados entre a seguridade social e a rede bancária para a prestação dos serviços;IV - aprovar e submeter ao Presidente da República os programas anuais e plurianuais da Seguridade Social;V - aprovar e submeter ao Órgão Central do Sis-tema de Planejamento Federal e de Orçamentos a proposta orçamentária anual da Seguridade Social;VI - estudar, debater e aprovar proposta de recom-posição periódica dos valores dos benefícios e dos salários-de-contribuição, a fim de garantir, de for-ma permanente, a preservação de seus valores reais;VII - zelar pelo fiel cumprimento do disposto nesta Lei e na legislação que rege a Seguridade Social, as-sim como pelo cumprimento de suas deliberações;VIII - divulgar através do Diário Oficial da União, todas as suas deliberações;IX - elaborar o seu regimento interno.
O Artigo 8º reforça a determinação Constitucional de
que as propostas orçamentárias para as áreas de saúde,
assistência social e previdência social fossem feitas de
forma integrada e articuladas:
Art. 8º As propostas orçamentárias anuais ou plu-rianuais da Seguridade Social serão elaboradas por Comissão integrada por 3 (três) representantes, sendo 1 (um) da área da saúde, 1 (um) da área da previdência social e 1 (um) da área de assistência social.
Entretanto, o Conselho Nacional da Seguridade So-
cial não foi instituído. Parte da Lei Orgânica da Segu-
ridade Social (Lei 008.212/1991) foi revogada pela Lei
nº 8.619/1993 e pela Lei 9.032/ 1995. Posteriormente,
a Emenda Constitucional no 20/1998 deu nova redação
ao parágrafo único do artigo 194 da CF de 1988, cuja
redação passou a ser:
“VII - caráter democrático e descentralizado da admi-nistração, mediante gestão quadripartite, com partici-pação dos trabalhadores, dos empregadores, dos apo-sentados e do Governo nos órgãos colegiados.
Todavia, em 2001, O Conselho Nacional da Segurida-
de foi extinto pelo artigo 35 da Medida Provisória 2.216
- 037 de 2001. Essa MP revoga os artigos 6º, 7º (entre
outros) da Lei nº 8.212, de 24 de julho de 1991 que o
havia instituído.
Portanto através de MP um dos pilares da Segurida-
de Social previsto no texto Constitucional de 1998 e na
Emenda Constitucional 20/1998 foi implodido. Fica mi-
nha pergunta aos Constitucionalistas: uma Medida Pro-
visória tem força legal para extirpar um dos núcleos cen-
trais da Organização da Seguridade Social determinado
pela Constituição da República?
“Todos os governos, desde 1988, optaram por desfigurar e descumprir
princípios fundamentais da Organização da Seguridade
Social.”
48 TRIBUTAÇÃO em revista
4. Conclusões e Perspectivas
Nas duas partes deste texto procurei ressaltar que a
com a Constituição de 1988, o Brasil conseguiu construir
um razoável sistema de proteção social, na contramão do
neoliberalismo. Esse processo teve início com o movimen-
to social que emergiu no final dos anos 70, no bojo da luta
pela redemocratização do país. Todavia, as classes domi-
nantes jamais aceitaram tais avanços que, em última ins-
tância, apenas asseguraram as bases para a construção de
uma sociedade democrática e justa. Na Assembléia Nacio-
nal Constituinte (ANC) usaram todos os meios disponí-
veis para impedir essas conquistas. Desde então investem
– e lograram êxitos – para retroceder a cidadania social
recém conquistada.
Nos últimos 22 anos, no tocante à Seguridade Social, a
Constituição Cidadã viveu um calvário e sobreviveu muti-
lada e transfigurada. Todos os governos, desde 1988, op-
taram por desfigurar e descumprir princípios fundamen-
tais da Organização da Seguridade Social, do Orçamento
da Seguridade Social e dos mecanismos que asseguravam
o controle social sobre os rumos das políticas de saúde,
previdência e assistência social (Conselho Nacional da Se-
guridade Social)
Após mais de 20 anos de debates baseados em mitos
e falsos argumentos, alimentados por amplos setores da
mídia e do mercado, pergunto se a impetração de Ações
Diretas de Inconstitucionalidade (ADIN) não seria o cami-
nho mais adequado a ser trilhado pelo movimento social
e sindical?
Sendo economista, não tenho competência técnica
para responder a essa questão. O propósito deste texto é
incentivar o debate entre juristas e constitucionalistas. A
contribuição desses profissionais é fundamental neste mo-
mento, sobretudo pela perspectiva de novas tentativas de
reformas e subtração de direitos que certamente emergirão
na próxima gestão de governo, seja qual for o vencedor.
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50 TRIBUTAÇÃO em revista
a RTIGO
Financiamento da Seguridade Social: do “Défi cit” da Previdência ao Superávit da
SeguridadeÁlvaro Luchiezi Jr.1
Osmar Rodrigues de Aquino Jr.2
sistema da Seguridade Social, ao qual se integra a Previ-
dência Social, não são colocados em prática, orçamentária
e fi nanceiramente. Se o fossem, as contas da Seguridade
Social – e não unicamente da Previdência Social – são, de
fato, superavitárias.
A Constituição Federal de 1988 (CF/88) inovou ao
ampliar as bases de fi nanciamento do sistema de Segurida-
de Social, acrescentando-lhe impostos pagos pela socieda-
de e contribuições sociais vinculadas, além da tradicional
fonte da folha de salários.
Este artigo analisa a questão da Seguridade Social à luz
dos preceitos constitucionais, argumentando que o propa-
lado défi cit da previdência é, de fato, inexistente se consi-
1. Introdução
O Governo Federal tem afi rmado a existência de um
desequilíbrio nas contas da Previdência Social, que a faz
fechar no vermelho a um longo período e que esse dese-
quilíbrio se torna cada vez maior ao passar dos anos e, des-
sa forma, fi ca impedido de realizar maiores investimentos.
O polêmico “défi cit da Previdência Social” ganha, assim,
as manchetes dos noticiários e torna-se lugar comum no
debate sobre a Previdência Social.
Em oposição, muitas entidades de classes e estudiosos
do assunto propugnam pela inexistência do “défi cit” argu-
mentando que os preceitos constitucionais defi nidores do
1- Economista, Gerente de Estudos Técnicos do Sindifi sco Nacional
2- Economista, Assessor de Estudos Técnicos do Depto de Estudos Técnicos do Sindifi sco Nacional
TRIBUTAÇÃO em revista 51
derada a concepção mais ampla do sistema de Seguridade
Social. Para tanto, está dividido em seis seções. Além desta
introdução, a segunda apresenta um breve histórico da Se-
guridade Social no Brasil; a terceira tece considerações so-
bre o seu financiamento; a quarta apresenta e critica o me-
canismo de Desvinculação das Receitas da União (DRU); a
quinta analisa do chamado “déficit” da Seguridade Social,
mostrando por meio de argumentos e números que se tra-
ta de uma abordagem que vai de encontro aos preceitos
constitucionais, os quais, aplicados corretamente, resulta-
riam em superávit; e a sexta tece conclusões centradas no
fato de que a ideia de que a Seguridade Social é deficitária
precisa ser revertida.
2. Seguridade Social no Brasil
A Seguridade Social designa um conjunto integrado de
ações do Estado e da sociedade voltadas a assegurar aos
cidadãos os direitos relativos à previdência, à assistência
social e à saúde. Ela inclui, também, a proteção ao traba-
lhador desempregado, via seguro-desemprego. A Seguri-
dade Social deve estar baseada num sistema de medidas
públicas capaz de fazer frente às privações econômicas e
sociais a que estão sujeitos os cidadãos, e sem as quais seus
rendimentos estariam ameaçados em razão de “enfermida-
de, maternidade, acidentes de trabalho, enfermidade pro-
fissional, emprego, invalidez, velhice e morte, assistência
médica e apoio à família e filhos”3. Sobressai daí que a Se-
guridade Social deve prever “garantias contra contingên-
cias sociais que ameacem a sobrevivência do indivíduo”4.
As ações de previdência são asseguradas por um sis-
tema de Previdência Social Pública constituído em bases
contributivas. As de assistência social, não contributivas,
destinam-se às camadas mais carentes da população, ou
seja, à proteção a indivíduos e grupos familiares em situ-
ação de risco, em especial à velhice e à invalidez. As de
saúde, também sem caráter contributivo, são representa-
das pelo Sistema Único de Saúde (SUS), extensivo à toda a
população. As competências administrativas e financeiras
das ações de previdência e assistência social e de saúde
cabem ao Ministério da Previdência Social, Ministério da
Fazenda e Ministério da Saúde, enquanto que a adminis-
tração do seguro-desemprego cabe ao Ministério do Tra-
balho e Emprego.
As bases legais do sistema de Seguridade Social repou-
sam numa bem construída regulamentação infra-constitu-
cional, regulamentando todos os aspectos que englobam a
Seguridade Social: Previdência Social; Assistência Social;
atenção à saúde; o Seguro-Desemprego e Abono Salarial.
O conceito de Seguridade Social passou a fazer parte
do vocabulário brasileiro a partir da CF/88, sendo um dos
maiores avanços, em termos de política social desde então
pois as três políticas passaram a ser englobadas num mes-
mo sistema. A incorporação do conceito na Carta Magna
surgiu da pressão de diversos setores da sociedade organi-
zada, especialmente trabalhadores, a partir da redemocra-
tização do país, no início da década de 1980.
O sistema de proteção social previsto O artigo 194
da CF/88 estrutura-se a partir do princípio da universa-
lidade da cobertura e atendimento, e da seletividade e
distributividade na prestação de serviços e benefícios. A
universalidade diz respeito à saúde e previdência rural,
enquanto que a seletividade refere-se à assistência social.
Universalidade significa que a proteção deverá atingir a
todos os cidadãos em todas as suas necessidades. Seletivi-
dade significa que cada serviço que compõe a Seguridade
Social aplica-se a uma determinada necessidade, cabendo
ao legislador selecionar aquelas aplicáveis a cada situação.
Desde a promulgação da CF/88, os sucessivos gover-
nos buscaram realizar alterações na Previdência Social. As
mais significativas foram as Emendas Constitucionais n.°
20 (EC 20/98), de dezembro de 1998 e n.° 41, de dezem-
bro de 2003 (EC 41/03).
A EC 20/98 introduziu modificações nos benefícios
previdenciários, tanto do Regime Geral da Previdência
Social (RGPS) quanto do Regime Próprio da Previdência
Social (RPPS).
3- OIT. Convenção no. 102: Normas Mínimas da Seguridade Social. Genebra: OIT, 1952.
4- DIEESE. Previdência Social brasileira: concepção constitucional e tentativas de desconstrução. Nota Técnica no 51. São Paulo, set. 2007, p. 3
52 TRIBUTAÇÃO em revista
Para os trabalhadores do setor privado as principais
mudanças relacionaram-se à concessão de benefícios pela
Previdência Social. Vale ressaltar as seguintes: alteração da
forma de aposentadoria, passando de tempo de serviço
para tempo de contribuição (35 anos para homens e 30
para mulheres); aposentadoria por idade para os homens
aos 65 anos e mulheres aos 60; criação do Fator Previden-
ciário e o fim da aposentadoria proporcional.
Em relação ao RPPS, foram implementadas as seguin-
tes modificações: incorporação do tempo de contribuição
em substituição ao de tempo de serviço (35 anos homem
e 30 anos mulher); introdução do critério de idade para
a aposentadoria integral (60 anos homem e 55 mulher),
com no mínimo 10 anos de efetivo exercício no serviço
público e 5 anos no cargo em que será aposentado; apo-
sentadoria compulsória aos 70 anos com proventos pro-
porcionais ao tempo de contribuição e não mais ao tempo
de serviço; introdução do cálculo do valor da aposentado-
ria pela média das contribuições previdenciárias, no mes-
mo molde do que ocorre no RGPS; a determinação de que
apenas os servidores efetivos podem pertencer ao RPPS,
entre outras.
A EC 41/03 teve com principal objetivo o setor públi-
co, aprovada em tempo recorde, e apesar da forte oposição
dos servidores públicos, incluindo ao RPPS as seguintes
medidas: caráter contributivo e solidário, inclusive dos
aposentados mediante contribuição do ente público e dos
servidores, ativos e inativos; teto para o valor da aposen-
tadoria do servidor público e contribuição incidente sobre
o valor da aposentadoria, com alíquota de 11%; a criação
da Previdência Complementar, de caráter optativo, para o
Servidor Público.
Apesar das diversas reformas no sistema brasileiro de
Seguridade Social brasileiro, em linhas gerais ele se man-
tém tal como previsto na CF/88. Algumas características
fundamentais não se alteraram: cobertura universal e re-
gime de repartição, público. Da forma como ele está hoje
implementado ainda é baixa a sua observância dos prin-
cípios constitucionais. Por exemplo, há sérios questiona-
mentos quanto à aplicação do princípio da arredutibilida-
de dos vencimentos - manutenção do poder de compra
dos benefícios. Os critérios de correção dos benefícios têm
sido bastante questionados quando comparados com a
evolução do salário mínimo ou mesmo com o valor das
contribuições ao sistema.
A fim de permitir o controle social e a devida transpa-
rência gerencial – administrativa e financeira – das contas
da Seguridade Social, e assim cumprir o princípio consti-
tucional da descentralização administrativa e caráter de-
mocrático da Seguridade Social, a Lei n.° 8.212/91 criou o
Conselho Nacional de Seguridade Social (CNSS) que tinha
entre outras atribuições aprovar o Orçamento da Seguri-
dade Social (OSS), submetendo-o aos órgãos competen-
tes. Até o ano de 1998 o CNSS funcionou colegiadamente
com a participação de representantes das três esferas de
governo e da sociedade civil. As reformas e tentativas de
reformas colocadas em prática ao final da década de 1990
tornaram o funcionamento CNSS inviável e ele terminou
por ser extinto formalmente em 1999. Desde então, os re-
cursos da Seguridade Social passaram a ser utilizados para
financiar os superávits primários da União.
Vaz e Martins5 indicam que em 1998 as contas do setor
público tinham um déficit de 0,01% do PIB, passando a
um superávit de 4,3% em 2006. Neste mesmo período a
carga tributária dos tributos da União cresceu de 20,7%
para 23,8% do PIB, sendo que as contribuições sociais sal-
5- VAZ, e MARTINS. Práticas Orçamentárias a Esvaziar a Seguridade Social. In. “Previdência Social - Como Incluir os Excluídos? Uma Agenda Voltada para O Desenvolvi-mento.” São Paulo: LTr, 2008.
“Os critérios de correção dos benefícios têm sido bastante questionados
quando comparados com a evolução do salário
mínimo.”
TRIBUTAÇÃO em revista 53
taram de 9,9% para 13,4%, enquanto que os impostos e
taxas caíram de 8,3% para 7,9%. Há, portanto, correlação
explícita entre o aumento da carga tributária e o financia-
mento dos superávits primários das contas do Governo
Federal. E mais, estes recursos vieram não dos impostos e
taxas, mas sim das contribuições sociais, leia-se, do finan-
ciamento do OSS via desvinculações, a seguir analisadas.
Em que pese a concepção universalista da Constituição
garantindo a todos o direito de ingressar, mediante contri-
buição no RGPS, o direito aos benefícios assistenciais no
caso de necessidade e à saúde, a Seguridade Social jamais
foi operacionalizada.
A previsão constitucional ficou ainda mais enfraque-
cida diante da crise de financiamento do Estado dos anos
1990 somada ao fraco desempenho da nossa economia
(baixas taxas de crescimento do PIB), que se fez acompa-
nhar de altos níveis de desemprego e de informalização de
trabalho. Este contexto fortaleceu o discurso da necessida-
de de uma reforma da previdência em lugar de um fortale-
cimento do mandado constitucional. Ocorreu, nos dizeres
de Delgado6, um processo de “desconstrução” do sistema
de seguridade social no Brasil, em oposição à “construção”
ocorrida com a CF/88. Este processo foi acompanhado de
fortes desvios de recursos orçamentários que acabaram
por concretizar uma falsa situação deficitária na Seguri-
dade Social, o que justificou as reformas da Previdência
Social que se seguiram.
3. O Financiamento da Seguridade Social
As fontes de financiamento de recursos para o Orça-
mento da Seguridade estão explicitadas no artigo 195 da
CF/88.
Detalhadamente, as fontes de custeio para as despesas
da seguridade social são as seguintes:
• Contribuições dos empregadores e trabalhadores
para a Seguridade Social – INSS, incidente sobre a
folha de salários;
• Contribuição para o financiamento da Seguridade
Social (COFINS), incidente sobre a receita e o fa-
turamento das empresas;
• Contribuição Social Sobre o Lucro das Pessoas
Jurídicas (CSLL), incidente sobre o lucro das em-
presas;
• Receitas de concursos de prognósticos;
• do importador de bens ou serviços do exterior
Além destes, constituem também fonte de financia-
mento os recursos dos Orçamentos Fiscais da União, Es-
tados, Distrito Federal e Municípios, originários, dentre
outras fontes, da arrecadação de impostos e receitas patri-
moniais, além de outras receitas.
Para financiar as ações da Seguridade Social, o art. 165
da CF/88 determina que a Lei Orçamentária Anual (LOA)
preveja o Orçamento da Seguridade Social (OSS) englo-
bando todos os órgãos, da administração direta e indireta,
relacionados à Seguridade Social.
O inciso XI do art. 167 da CF/88, incluído pela Emen-
da Constitucional n.º 20, determina que as contribuições
do empregador sobre a folha de salário e aquelas do tra-
balhador sejam restritas ao pagamento de benefícios do
RGPS do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS). São,
portanto, inconstitucionais quaisquer medidas que des-
viem recursos das fontes do INSS.
4. Desvinculação das Receitas da União (DRU)
A Emenda Constitucional de Revisão (ECR) n°1/94,
art. 71, instituiu o Fundo Social de Emergência (FSE), vi-
gente entre 1994 e 1995. Objetivando a reparação finan-
ceira da União e a estabilização econômica, a ECR 1/94
transferiu recursos do OSS, com o intuito de equilibrar
as contas públicas. As principais fontes do fundo foram
assim constituídas:
I - Imposto de Renda (IR) e proventos de qualquer na-
tureza incidentes na fonte sobre pagamentos efetuados
pela União e/ou suas fundações e autarquias;
II – Imposto sobre Propriedade Territorial Rural (ITR),
6- DELGADO, Guilherme C. Seguridade Social: origens e evolução institucional. s.n., s.d.
54 TRIBUTAÇÃO em revista
IR de qualquer natureza e Imposto sobre Operação Fi-
nanceira (IOF);
III – Contribuição social sobre o lucro dos contribuin-
tes; e
IV – 20% da receita de todos os impostos e contribui-
ções arrecadados pela União (grifo nosso).
Por este último inciso ficou instituída, já em 1994, o
que hoje se denomina DRU, segundo a qual 20% das re-
ceitas de impostos e contribuições não são destinados às
despesas orçamentárias, órgãos ou fundos originalmente
previstos.
Seguiu-se à ECR 1/94 a Emenda Constitucional nº. 10 (EC
10), aprovada em março de 1996. O FSE passou a chamar-se
Fundo de Estabilização Fiscal (FEF), vigorando até junho de
1997 e prorrogado até 1999 por meio da EC 17/97.
Extinto em 1999, o FEF deu lugar à Desvinculação de
Receitas da União (DRU), estabelecida pela EC nº. 27/00,
alterada pelas EC 42/03 e EC 56/07, esta última vigen-
te até o ano de 2011. A contribuição de intervenção no
domínio econômico sobre combustíveis (CIDE-Combustí-
veis) foi incluída junto a impostos e contribuições sujeitos
à desvinculação.
A função primordial da DRU é a de formação de supe-
rávit primário. As receitas desvinculadas servem para co-
brir eventuais desajustes no Orçamento Fiscal da União.
Este mecanismo tem custado muito caro para a Seguridade
Social, pois esses recursos que são transferidos para outros
fins poderiam ser utilizados em maiores investimentos em
saúde, assistência e previdência social.
A título de ilustração, o total geral de receitas desvin-
culadas do orçamento da União entre 2006 e 2009 ultra-
passou os R$ 330 bilhões a preços correntes.
A Tabela 1 faz uma estimativa da DRU total e da inci-
dente sobre as contribuições sociais para o período 2006-
09. O item I apresenta o total de receitas, constituídas
pelas receitas de impostos, de contribuições sociais e de
contribuições econômicas. Para apurar a base de cálculo
da DRU é preciso fazer as exclusões previstas legalmente.
Estas estão explicitadas no item II e são compostas7: das
contribuições previdenciárias para o RGPS (INSS), com
base no inciso XI do art. 167 da Constituição; por analo-
gia, a Contribuição para o Plano de Seguridade Social do
Servidor; a receita de Contribuição para o Salário-Educa-
ção, decorrente do disposto no § 2º do art. 76 das Dispo-
sições Constitucionais Transitórias. Excluindo-se o item II
do item I, obtém-se a base de cálculo da DRU (item III)
sobre a qual aplica-se o percentual de 20%, obtendo-se o
item IV, que por sua vez, é composto de 20% das receitas
de impostos e de contribuições sociais e econômicas (dis-
criminação do item IV).
Os recursos da Seguridade Social desvinculados pela
DRU são os seguintes8:
a. Contribuição para o Financiamento da Segurida-
de Social;
b. Cota-Parte da Contribuição Sindical
c. Contribuição sobre os Concursos de Prognósticos;
d. Contribuições para os Programas de Integração
Social e de Formação do Patrimônio do Servidor
Público;
e. Contribuição Social sobre o Lucro Líquido das
Pessoas Jurídicas;
f. Contribuição sobre Movimentação Financeira ou
Transmissão de Valores e de Crédito de Natureza
Financeira (exclusive a parcela destinada ao Fun-
7- Conforme STN, Relatório Resumido da Execução Orçamentária do Governo Federal e Outros Demonstrativos 2009, p.7
8- Idem
“A DRU custa caro para a Seguridade Social. Estes
recursos, transferidos para outros fins, poderiam ser
utilizados em maiores investimentos em saúde,
assistência e previdência social.”
TRIBUTAÇÃO em revista 55
do de Combate e Erradicação da Pobreza).
Os resultados da Tabela 1 indicam que no período
2006-09 o mecanismo da DRU desviou de suas vincu-
lações legais um total de R$ 330,8 bilhões dos quais R$
152,8 foram de contribuições sociais que seriam destina-
das à Seguridade Social.
Segundo estimativas de Gentil9, no período 2000-
2005 foram desviados pela DRU, em valores correntes,
R$ 104,27 bilhões, montante que supera, em todos os
anos do período, os gastos com saúde. Apenas com o
mecanismo da DRU teria sido suficiente para gastar mais
do que o dobro do que o Governo Federal gastou com
saúde nos seis primeiros anos da década, o que melho-
raria consideravelmente o combalido sistema de saúde
pública brasileiro.
5. O Falacioso “Déficit” da Seguridade Social
Embora o Orçamento da Seguridade Social tivesse
sido elaborado pelo CNSS em seus primeiros anos de
funcionamento, ele nunca chegou a se definir de forma
autônoma, pois de fato referia-se ao financiamento e aos
benefícios da Previdência Social.
Após determinação da Lei de Diretrizes Orçamentá-
rias (LDO) de 2005 (Lei n° 10.934, de 11/08/04), a Se-
cretaria do Tesouro Nacional (STN) passou a explicitar o
montante de recursos desvinculados da seguridade so-
cial, mas permanece a falta de discriminação e clareza na
divulgação dos dados da execução orçamentária.
Até 2002, as propostas de leis orçamentárias encami-
nhadas pelo Poder Executivo e aprovadas pelo Congres-
so Nacional não tratavam das despesas e das receitas da
seguridade social de forma separada do orçamento fis-
cal. A Lei Orçamentária, em cada ano, tratava de forma
homogênea as despesas e receitas das esferas fiscal e da
seguridade social, num único instrumento denominado
“orçamento fiscal e da seguridade social”. Em 2003, após
15 anos de existência na Constituição, o projeto e a lei
orçamentária aprovada trouxeram o montante das recei-
tas e das despesas dos orçamentos fiscal e da Seguridade
Social separados. Contudo, essa apresentação limitou-se
a uma estrutura formal de orçamento, sem qualquer con-
trole social.
2006 2007 2008 2009I. Total das Receitas 486.583,51 560.274,42 630.551,58 636.079,84
I.1. Receita de Impostos 165.843,67 195.546,27 248.659,45 235.609,12
I.2. Receita de Contribuições Sociais 309.862,03 352.482,49 370.822,04 390.477,47
I.3. Receita de Contribuições Econômicas 10.877,81 12.245,66 11.070,09 9.993,25
II. Exclusões (Contribuições Sociais) 142.851,46 155.152,81 170.338,35 191.247,27
II.1. INSS 122.466,38 139.706,07 160.848,60 180.653,01
II.2. Salário-Educação 6.930,35 2.158,32 2.611,28 3.057,59
II.3. CPMF - Fundo de Combate e Erradicação da Pobreza 8.547,25 7.639,96 250,29 -22,80
II.4. CPSS - Contribuição do Plano de Seguridade Social dos Servidores Públicos 4.907,48 5.648,46 6.628,18 7.559,48
III. Base de Cálculo da DRU ( I - II ) 343.732,06 405.121,61 460.213,22 444.832,57
IV. DRU ( III * 20% ) 68.746,41 81.024,32 92.042,64 88.966,51
IV.1. Impostos ( I.1 * 20% ) 33.168,73 39.109,25 49.731,89 47.121,82
IV.2. Contribuições Sociais [ ( I.2 - II) * 20%] 33.402,11 39.465,94 40.096,74 39.846,04
IV.3. Contribuições Econômicas ( I.3 * 20% ) 2.175,56 2.449,13 2.214,02 1.998,65
Tabela 1 - Desvinculação de Recursos da União - 2006-09.
Fonte: Balanço Geral da União - 2006-09 a partir da metodologia empregada por DIAS, F., Desvinculação das Receitas da União, Gastos Sociais e Ajustes Fiscais . Brasília: Senado Federal, 2008.
9- GENTIL, D. A Política Fiscal e a Falsa Crise da Seguridade Social Brasileira – Análise financeira do período 1990–2005. Tese de Doutorado. 2006, p. 47
56 TRIBUTAÇÃO em revista
Descrição 2006 2007 2008Receitas Primárias (A) 264,49 304,23 331,12
1. Contribuições sociais 261,92 299,16 326,91
RGPS 123,52 140,41 163,36
CSLL 21,80 26,86 34,00
COFINS 71,38 81,08 96,08
PIS/PASEP 11,38 12,43 14,80
CPMF 20,24 23,00 0,63
CPSS (1) 12,00 13,63 16,07
Custeio das Pensões Militares 1,02 1,03 1,21
Concursos de Prognósticos 0,58 0,71 0,77
2. Receitas próprias dos órgãos integrantes do orçamento da seguridade social 1,97 2,66 3,17
Saúde 1,39 1,83 2,22
Previdência 0,21 0,45 0,51
Assistência 0,20 0,22 0,28
Outras Seguridade 0,17 0,17 0,16
3. Taxas e outras receitas arrecadadas por órgãos integrantes da Seguridade Social 0,60 2,42 1,04
Despesas Primárias (B) 303,69 337,57 371,65
1. Principais benefícios da seguridade social 248,61 276,04 307,18
Benefícios do Regime Geral da Previdência Social 166,31 183,08 201,42
Pagamento a servidores inativos da União, Ex-Territórios e FCDF 48,17 52,79 58,89
Benefícios assistenciais LOAS/RMV 11,57 13,47 15,64
Pagamento de seguro-desemprego e abono salarial 14,91 17,96 20,69
Bolsa-Família 7,64 8,76 10,52
2. Salários dos servidores ativos do orçamento da seguridade social (1) 7,47 7,74 8,62
Previdência Social 2,65 2,74 2,74
Saúde 4,55 4,70 5,53
Demais 0,28 0,31 0,35
3. Outras despesas de custeio e capital da seguridade social 47,61 53,79 55,85
Cumprimento de precatórios e sentenças judiciais 0,75 0,42 0,50
Benefícios a servidores públicos 1,53 1,69 1,73
Ministério da Saúde 35,54 40,51 44,05
Demais 9,79 11,17 9,57
Resultado (A - B) -39,20 -33,34 -40,52
Tabela 2 - Resultado Primário da Seguridade Social - 2006-08. Em R$ bilhões
Fonte: Secretaria de Orçamento Federal Elaboração: Departamento de Estudos Técnicos do Sindifisco Nacional Nota: (1) Considera a contribuição patronal paga pela União ao Regime Próprio de Previdência dos Servidores Públicos.
TRIBUTAÇÃO em revista 57
O resultado “deficitário” da Seguridade Social é, de
fato, o resultado financeiro do RGPS. Das receitas líqui-
das subtraem-se as despesas com benefícios do INSS, con-
forme indicam os dados da Tabela 2. Nesta contabilidade
(“oficial”) o resultado orçamentário da Seguridade Social
será sempre negativo. A contabilidade é bem mais ampla
do que a divulgada mensalmente pelo Governo Federal.
Considerado o conceito constitucional de Seguridade
Social, o resultado contábil inverte o sinal: de negativo
passa a positivo. Por esta ótica, há diversas metodologias
de cálculo do Resultado da Seguridade Social. A metodo-
logia proposta na tabela 3 por Gentil10 é apropriada para
10- GENTIL, D. Idem. A autora considerou como receitas os ingressos legalmente vinculados ao sistema de seguridade social e das despesas as liquidadas e pagas, utili-zando-se a classificação por função. A autora não inclui o RPPS dos servidores federais por ser um sistema que estabelece uma relação entre a administração pública e seus funcionários, patrocinado por contribuições específicas de seus beneficiários (CPSSS) e pela contribuição patronal da União. Também não inclui nas receitas da seguridade social a própria CPSSS, a contribuição ao custeio e pensões de militares e nem as contribuições ao FGTS, FUNDESP, FUNPEN e outras.
2006 2007 2008RECEITA(1)
Contribuição para a Previdência Social (CPS) 123.520 140.411 163.355
COFINS 92.235 102.462 120.801
CPMF 32.081 36.483 1.147
CSLL 28.070 34.411 43.969
Receita de Concursos e Prognósticos 1.536 1.905 2.047
PIS/PASEP(2) 14.537 16.026 18.959
TOTAL DA RECEITA 291.979 331.698 350.278
DESPESA(3)
Saúde 40.577 40.215 44.552
Previdência(4) 164.554 181.445 198.893
Assistência Social 21.554 24.653 28.660
Abono Salarial e Seguro Desemprego 14.910 17.956 22.282
TOTAL DA DESPESA 241.595 264.269 294.387
RECEITA - DESPESA 50.384 67.429 55.891
RECEITA COM DRU(5) 16.692 29.171 18.506
Tabela 3 - Resultado da Seguridade Social 2006-08 Em R$ milhões
Fonte:STN. Relatório Resumido da Execução Orçamentária do Governo Federal e Outros Demonstrativos; MPS. Boletim Estatístico da Previdência Social; MTE. Relatório de Gestão do FAT Exercício 2009; ANFIP. Análise da Seguridade Social 2009A partir da metodologia proposta por GENTIL, D. L. A Política Fiscal e a Falsa Crise da Seguridade Social Brasileira – Análise financeira do período 1990–2005. p. 47(1) Exclui a Cotribuição ao Plano de Seguridade Social do Servidor Público - CPSSS e a contribuição ao custeio de pensões militares.(2) Inclui apenas 60% da receita com PIS PASEP. Os 40% restantes são destinados ao BNDES.(3) Despesa liquidada e paga por Função, inclusive pessoal e dívida. Seguro-desemprego é da funçãoseguridade social. Excluídas as despesas com FAT.(4) Estão excluidos os gastos com inativos do RPPS civis e militares.(5) Cálculo da Receita excluída a DRU segundo metodologia proposta por DIAS (vide Tabela 1). OBS: A Contribução para a Previdência Social não está sujeita à DRU. Destina-se integralmente à Previdência.
58 TRIBUTAÇÃO em revista
exemplificar a discrepância entre ambos os conceitos.
No período 2006-08 a contabilidade oficial apresenta
um déficit de R$ 113,06 bilhões em valores correntes
(linha “Resultado” da Tabela 2). O resultado seria supe-
ravitário, em R$ 64,4 bilhões (última linha da Tabela 3)
se fosse considerado o conceito constitucional de Segu-
ridade Social.
A Tabela 3, baseada na metodologia proposta por
Gentil11, reproduz apropriadamente as receitas e des-
pesas da Seguridade Social. Observe-se que este saldo é
positivo mesmo considerando-se a DRU (duas últimas li-
nhas da tabela 3). Ele é obtido deduzindo-se da receita o
percentual de 20% da DRU incidente sobre as contribui-
ções sociais destinadas à Seguridade Social. Obtém-se,
assim, um novo valor para as receita do qual se deduz a
despesa, resultando no saldo superavitário.
O OSS, pelo seu verdadeiro conceito, o constitucio-
nal, e não aquele considerado pelo Governo Federal, é de
fato superavitário mesmo não tendo sido concebido com
este propósito. Afinal, ele deveria ser a fonte de recursos
que, comprovadamente, existem e que, bem aplicados,
seriam suficientes para gerarem serviços de saúde, de as-
sistência e previdência social em quantidade e qualidade
bastante superior do que aqueles efetivamente prestados
à sociedade brasileira que depende do sistema público de
seguridade social.
A lógica perversa de apresentar a seguridade social
como deficitária repete-se Na proposta lei orçamentária
anual 2010 (PLOA 2010). O artigo 2° da Lei 12.214 de
26/01/2010 que estima a receita e a despesa do orçamen-
to da União para 2010, diz que a seguridade social terá
uma receita de R$ 425,5 bilhões. As despesas projetadas
são de R$ 465,9 bilhões (inciso II, art° 3°). A diferença
de R$ 40,4 bilhões de acordo com o PLOA será coberta
pelo orçamento fiscal.
6. Conclusão
A não implementação do OSS e a existência do me-
canismo da DRU justificam erroneamente que o siste-
ma previdenciário brasileiro é deficitário e causador do
déficit público. Se o OSS fosse implementado e a DRU
eliminada não existiria “déficit previdenciário”, como
na realidade não existe, e as tentativas de “ajuste”, com
sucessivas reformas, não teriam sentido de existir.
A presente análise permite concluir que:
a. O desequilíbrio orçamentário está no orçamen-
to fiscal e não no orçamento da seguridade so-
cial ou no orçamento da previdência social.
b. A seguridade não recebe recursos do orçamento
fiscal, ao contrário, parte substancialmente eleva-
da de seus recursos financia o orçamento fiscal.
c. A política econômica utiliza-se dos recursos da
Seguridade Social para assegurar a solvência da
dívida pública e dar credibilidade ao regime de
metas de inflação, precarizando serviços essen-
ciais à sobrevivência da população
O chamado “déficit” da Seguridade Social deve ser
repensado urgentemente à luz da Constituição. Caso
contrário, o brasileiro contribuinte e trabalhador conti-
nuará a ser penalizado com os maus serviços prestados
pelo sistema de seguridade social e com os parcos bene-
fícios da aposentadoria, reduzidos que são pelo despre-
zível fator previdenciário.
O Orçamento da Seguridade Social deve ser imple-
mentado imediatamente, já a partir do próximo ano fis-
cal de tal sorte que todos os recursos que são devidos
à Seguridade Social lhe sejam restituídos. Os cálculos
orçamentários que determinam o falacioso “déficit” da
seguridade social devem ser revistos, incorporando
apropriadamente os mandados constitucionais dos ar-
tigos 194 e 195.
11- GENTIL, idem. A metodologia de cálculo nela empregada difere dos dados oficiais. “Do lado das receitas, são computados os ingressos de recursos legalmente vincu-lados ao sistema de seguridade social, (...)l. Do lado das despesas, foram levantadas aquelas liquidadas e pagas, utilizando-se a classificação por função (saúde, assistência social e previdência), (...). Incluem-se nessas despesas por função, gastos com pessoal, outros custeios e encargos da dívida (p.47)
TRIBUTAÇÃO em revista 59
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DELGADO, G.. O orçamento da seguridade social pre-cisa ser recuperado. Políticas Sociais, Brasília, IPEA, n. 5, ago 2002, p. 111-114.
A revisão da forma de cálculo do OSS propiciaria
que dois princípios básicos da Seguridade sejam aten-
didos: a sustentabilidade financeira intertemporal e a
concessão de benefícios dignos. Sucessivos governos
têm proposto reformas que seguem duas lógicas: as
restrições advindas do gargalo fiscal e as mudanças de-
mográficas e do mercado de trabalho. Ora, não se deve
penalizar o cidadão brasileiro com a prestação de ser-
viços de assistência social, previdenciária e de saúde de
baixíssima qualidade em favor dos superávits fiscais e
consequente pagamento da dívida pública. Abandona-
da esta lógica perversa, os saldos positivos do OSS, cor-
reta e apropriadamente administrados, seriam capazes
de fazer frente às questões demográficas e de mercado
de trabalho. O pagamento de benefícios dignos ao be-
neficiários do RGPS é fator de estímulo ao crescimento
econômico, pois gera um círculo virtuoso na economia,
impulsionando a demanda com reflexos positivos sobre
a produção e o emprego.
Para que essa lógica financeira perversa seja afasta-
da do caminho da Seguridade Social, o mecanismo da
DRU não pode ser prorrogado para além de 2011. Deve
mesmo ser revisto antes disto, restituindo à Seguridade
Social os recursos constitucionais que lhe são devidos.
Por fim, uma vez desfeita a lógica financeira perversa e
re-estabelecido o equilíbrio da Seguridade Social, algumas
políticas públicas, ainda não colocadas em prática no Bra-
sil, contribuiriam para maior sustentabilidade do sistema
de Seguridade Social. Dentre elas, políticas distributivas
que, por vias do aumento paulatino da renda per capita e
familiar, ofereçam o devido suporte financeiro ao estudo e
treinamento dos mais jovens. Combinadas a elas, políticas
educacionais que privilegiem a permanência do estudante
na escola em tempo integral e aumentem a escolaridade
média do brasileiro. Estas políticas, bem calibradas, atuam
como estímulo natural à maior permanência dos trabalha-
dores no mercado de trabalho, amenizando as disparida-
des existentes.
60 TRIBUTAÇÃO em revista
REFERÊNCIAS
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TRIBUTAÇÃO em revista 61
a RTIGO
As Contribuições Previdenciárias, o Emprego e a Garantia de uma Aposentadoria de Base para Todos
os TrabalhadoresRosa Maria Marques1
No caso específi co do Regime Geral da Previdência
Social (RGPS), a proposta de substituição de parte ou
do todo da contribuição social patronal decorre da idéia
dela ser obstáculo à contratação, sendo, portanto, enten-
dida como a principal causa do trabalho informal e do
desemprego. Essa compreensão dos determinantes do
emprego e do mercado informal está claramente explícita
na justifi cativa da proposta de reforma tributária encami-
nhada pelo executivo ao fi nal de 2008. Antes disso, po-
rém, foi contemplada nas propostas encaminhadas pelo
então presidente Fernando Collor, em 1991, quando a
extinção das contribuições sobre os salários estava asso-
ciada ao aumento da alíquota da contribuição sobre o
faturamento. Durante os cinco primeiros anos da década
de 1990, vários outras propostas que tinham o mesmo
1. Introdução
A pertinência ou não das contribuições de emprega-
dos e empregadores, calculadas sobre os salários, entrou
na agenda de discussão da sociedade brasileira desde o
início dos anos 1990, quando aqui o ideário neoliberal
francamente encontrou eco. Nesse momento, ao lado das
principais agências internacionais, com destaque para o
Banco Mundial e para o Fundo Monetário Internacional,
a mídia e alguns economistas e políticos brasileiros pas-
saram a defender toda sorte de desregulamentações a fi m
de que o mercado pudesse atuar livremente, o que, no
seu entender, levaria a um equilíbrio superior a qualquer
arranjo que contasse com a participação do Estado. Isso se
aplicaria para todas as esferas de atividade, nelas incluídas
as políticas sociais.
1- Professora titular do Departamento de Economia e do Programa de Pós-graduação em Economia Política da PUCSP.
62 TRIBUTAÇÃO em revista
fundamento foram apresentadas à sociedade brasileira.
Entre elas destacam-se: aquela que ficou conhecida por
Projeto do Instituto Atlântico; a do Instituto Liberal; a
da Federação Brasileira dos Bancos (FEBRABAN); a da
Comissão executiva da reforma fiscal – governo Itamar
Franco; a da Federação das Indústrias do Estado de São
Paulo (FIESP); a proposta de Roberto Macedo; a da Fun-
dação Instituto de Pesquisas Econômicas (FIPE) e a do
Fundo Monetário Internacional2. No início do governo
Lula, o Ministério da Previdência Social divulgou vários
estudos sobre alternativas ao financiamento do RGPS.
Vários deles retomavam o entendimento das contribui-
ções patronais como obstáculo ao emprego formal.
Na Europa, principalmente nos países onde o finan-
ciamento da aposentadoria é sustentado largamente pe-
las contribuições sociais calculadas sobre o salário, essa
discussão começou bastante antes, a partir da segunda
metade dos anos 1970, quando ficou evidente que as ta-
xas de desemprego iriam se manter elevadas e quando a
crise de financiamento dos sistemas de proteção social
teve início. Um dos resultados de todos esses anos de
discussão foi um razoável acúmulo de artigos e relatórios
de pesquisa, o que facilita a avaliação dos prós e os con-
tras dessa proposta.
O que de verdadeiro existe nessa argumentação?
Quais seriam as implicações e conseqüências da subs-
tituição da contribuição patronal pelo faturamento, no
caso brasileiro? Mas, ao mesmo tempo, que possibili-
dades esta substituição poderia abrir, no plano teórico?
Essa proposta encontra paralelo na experiência de outros
países? Problematizar e responder a essas perguntas são
os objetivos deste artigo.
Este artigo está dividido em três partes. Na primeira,
são discutidos vários aspectos relacionados à proposta de
substituição da contribuição patronal: a relação entre a
contribuição patronal, os salários, o emprego, a formali-
dade e o custo da força de trabalho; a separação entre a
contribuição paga pelo empregador e pelos trabalhado-
res, do ponto de vista jurídico e econômico; e a relação
entre custo da mão de obra e a contribuição patronal,
com destaque para as indevidas comparações internacio-
nais. A segunda parte do artigo faz um balanço da litera-
tura sobre as propostas de substituição ou complemen-
tação das contribuições calculadas sobre o salário pela
contribuição e pelo imposto sobre o valor adicionado,
com ênfase em seus argumentos e nas críticas recebidas.
A última parte é reservada, além das principais conclu-
sões apresentadas anteriormente, para uma reflexão so-
bre uma aposentadoria de base financiada mediante im-
postos
2. A contribuição patronal em discussao
2.1 – As contribuições sobre os salários, o emprego,
a informalidade e o custo da força de trabalho3
A discussão sobre a adequação das contribuições so-
ciais incidentes sobre o salário teve início, na Europa,
nos países onde elas financiam largamente a aposentado-
ria, quando se esgotava o padrão de acumulação funda-
do no fordismo, o que levou as principais economias do
mundo a entraram em crise nos anos 1973 / 1974. As re-
flexões sobre o tema, bem como suas propostas, tinham
como eixo duas questões: a) de que forma poderia o
sistema de contribuições se tornar mais equânime, mais
favorável ao emprego e melhor adaptado à natureza e às
modalidades dos diferentes benefícios sociais concedidos
pela proteção social? b) quais tipos de recursos seriam
mais adequados para o desenvolvimento e melhoria dos
benefícios, para o enfretamento do envelhecimento da
população, do crescimento do volume e dos custos do
risco doença e do desemprego?
a. O exame da literatura permite se agrupar as críti-
cas dirigidas às contribuições incidentes sobre o
salário segundo três ângulos:
b. no plano econômico – a contribuição patronal é
entendida como um fator que onera o custo da
2- Para uma análise detalhada das propostas apresentadas na primeira parte dos anos 1990, ver Médici e Marques (1995).
3- Uma parte deste item foi baseada em MARQUES e EUZÉBY (2003), mas os dados foram atualizados.
TRIBUTAÇÃO em revista 63
força de trabalho e, por conseqüência, que pre-
judica as empresas e os países na concorrência
internacional. Por isso, incentivaria a substitui-
ção dos trabalhadores pelas máquinas (processo
de substituição capital – trabalho) e penalizaria as
empresas intensivas em força de trabalho. Além
disso, quando a contribuição é sujeita a teto, o que
não é o caso do Brasil, pesaria mais fortemente
sobre o custo da mão de obra menos qualificada
do que da qualificada. No país, ainda, a contribui-
ção patronal seria um dos fatores determinantes
da ampla informalidade do mercado trabalho.
c. no plano da justiça social - as contribuições dos
empregadores e dos empregados não consideram
a capacidade contributiva real (MINISTERE DE
LA SOLIDARITE NATIONALE. Rapport Maillet,
1982).
no plano da racionalidade do financiamento da pro-
teção social – o uso da contribuição de empregados e
empregadores, calculada sobre os salários, é adequado à
solidariedade inerente presente na proteção do tipo segu-
ro, isto é, quando estão associadas ao financiamento de
benefícios que guardam uma certa relação com os salá-
rios, como é o caso da aposentadoria.
Quando os benefícios não têm por objetivo compen-
sar a perda de salário (tais como benefícios às famílias,
saúde, renda concedida às pessoas idosas independente-
mente da duração e da renda da sua vida ativa ou mes-
mo valores pagos aos jovens à procura do primeiro em-
prego), o financiamento através dos impostos seria mais
adequado à ausência de qualquer ligação entre os benefí-
cios pagos e as rendas profissionais de seus beneficiários.
De acordo com esse ponto de vista, o financiamen-
to do SUS, do Programa Bolsa Família e do benefício
de prestação continuada (BPC) da Assistência Social
(portadores de deficiência e idosos de baixa renda) não
apresentaria nenhuma incompatibilidade entre fonte e
natureza da despesa. O mesmo ocorreria em relação a
maior parte dos benefícios pagos pelo RGPS a título de
aposentadoria. No caso das aposentadorias rurais, con-
tudo, essa compatibilidade não existiria nem quando
foram financiados pelas contribuições de empregados e
empregadores urbanos e nem quando a receita de outras
contribuições passou a financiá-los. Na medida em que
o benefício pago aos rurais (a título de aposentadoria)
constitui-se, na verdade, em uma renda de base e, para
guardar uma relação adequada entre a receita e a nature-
za da despesa, este benefício deveria ser pago mediante
impostos.
2.2 – A separação entre contribuição dos emprega-
dores e dos empregados
O princípio da participação dos empregadores e dos
assalariados no financiamento da aposentadoria está pre-
sente desde os primeiros sistemas de seguro social. Ele
figura, com destaque, nas recomendações 67 e 69 adota-
das em 1944 pela Conferência Geral da OIT.
Apesar de bem fundamentada no plano jurídico,
do ponto de vista econômico a distinção entre contri-
buições patronais e salariais aparece como ambígua. De
um lado, pode-se entender que o conjunto dessas duas
contribuições está a cargo (a eles pertencem) dos assala-
riados quando se considera que o empregador poderia
aumentar o salário líquido (deixando de recolher aos or-
ganismos de proteção social) sem que isso alterasse qual-
quer determinação de preços. Por outro lado, contudo,
se pode considerar exatamente o contrário, isto é, que o
empregador suporta a totalidade das contribuições, pois
o que conta, do ponto de vista dos custos de produção,
é o custo total da mão de obra, pouco interessando a
maneira como ele se reparte entre salários diretos líqui-
dos (efetivamente pagos aos assalariados) e contribuições
sociais, sejam elas salariais ou patronais.
Mas na medida que as contribuições – relativas aos
empregadores e aos trabalhadores - são pagas à Previ-
dência Social para serem redistribuídas aos assalariados
em função de critérios precisos, elas constituem salário
diferido e a determinação jurídica de sua repartição entre
contribuição a cargo dos empregadores e contribuição a
cargo dos assalariados é, a esse olhar, artificial.
64 TRIBUTAÇÃO em revista
2.3 – O custo da mão de obra e as contribuições pa-
tronais: as comparações espúrias
No Brasil, boa parte das propostas de reformulação das
bases do financiamento do RGPS que apareceram na déca-
da dos 1990 argumentava que as alíquotas aqui aplicadas
eram elevadas em relação às praticadas em outros países.
Exemplos disso são encontrados nas propostas menciona-
das na parte relativa à introdução deste artigo. Contudo,
as alíquotas da contribuição patronal, incidentes sobre os
salários, não podem ser objeto de simples comparação
internacional para se dizer se o custo da mão de obra é
maior ou menor em um determinado país. Para que tal
comparação seja adequada, é preciso se levar em conta o
salário líquido e a participação do Estado no financiamen-
to da aposentadoria e da proteção social em geral.
Comparações entre países com níveis semelhantes de
desenvolvimento econômico e social, como é o caso da
União Européia, mostram claramente que, onde os encar-
gos sociais são pesados, os salários brutos são relativamen-
te baixos. Este é o caso da França, da Espanha ou da Suécia.
Inversamente, na Dinamarca ou nos Países Baixos, onde os
encargos sociais são baixos, os salários brutos são eleva-
dos. Isso se explica pelas diferenças de modalidades de
financiamento da proteção social. Na Dinamarca, onde a
proteção social é financiada essencialmente por impostos,
os salários brutos são elevados, mas eles são fortemente
taxados pelos impostos sobre a renda e sobre o consumo.
Já nos Países Baixos, onde os salários brutos são igual-
mente elevados, as contribuições sociais dos assalariados
é que são pesadas. As comparações internacionais que se
baseiam somente nos encargos sociais não têm, então ne-
nhuma significação. Do ponto de vista da competitividade
das empresas, são os custos da mão de obra entendidos
na sua totalidade (salários brutos mais os encargos sociais
patronais) que convém considerar e comparar (EUZEBY,
1999 e 2003). (Tabela 1 e Gráfico 1).
PaísesContribuições
dos Empregadores
Contribuições dos Segurados
Financiamento Fiscal
Outras TotalDespesas
(% do PIB)
Alemanha DE 35,2P 28,0P 35,0P 1,8P 100 29,4
Áustria AT 37,7 27,2 33,7 1,4 100 28,8
Bélgica BE 49,7 21,3 27,6 1,4 100 29,7
Dinamarca DK 11,5 20,9 61,9 5,7 100 30,1
Espanha ES 48,0P 15,3P 34,6P 2,1P 100 20,8
Finlândia FI 37,9 11,8 43,2 7,1 100 26,7
França FR 44,1P 21,2P 31,4P 3,3P 100 31,5
Grécia EL 35,5 22,8 31,8 9,9 100 24,2
Irlanda IE 26,1 15,5 53,5 4,9 100 18,2
Itália IT 40,9P 15,8P 41,7P 1,6P 100 26,4
Luxemburgo LU 26,9 25 43,4 4,7 100 21,9
Países Baixos NL 32,8P 32,6P 21,7P 12,9P 100 28,2
Portugal PT 31,2 15,2 43,9 9,7 100 24,7*
Reino Unido UK 35,8 10,0P 52,7P 1,5P 100 26,8
Suécia SE 40,3 9,5P 47,3P 2,9P 100 32,3
Média UE – 25 países 38,5P 20,0P 38,1P 3,4P 100 27,4
Tabela 1 - Receitas relativas e Despesas da proteção social União Européia – 2007
P = provisório; * = 2004.Fonte: Eurostat. Elaboração própria
TRIBUTAÇÃO em revista 65
3. Um balanço da literatura sobre as propostas de
substituição ou complementação da contribuição
patronal calculada sobre o salário
a) Substituição pela contribuição sobre o valor adi-
cionado
Segundo GUBIAN (1997), a idéia de contribuições
sobre o valor adicionado, descartada no início dos anos
1980, foi retomada, por diversas vezes, nas discussões
sobre o fi nanciamento da proteção social francesa. Em-
bora essa alternativa não tenha sido até hoje implemen-
tada no país, seus argumentos reaparecem recorrente-
mente.
O uso do valor adicionado é evocado como alternati-
va ao fi nanciamento estritamente salarial na perspectiva
de uma melhoria da situação do emprego. Consideran-
do uma carga global idêntica, a extensão da base seria
acompanhada da diminuição da alíquota sobre o salário
e, assim, haveria uma transferência de carga das empre-
sas intensivas em mão de obra em direção àquelas muito
mecanizadas. A nova base seria neutra em relação aos
fatores de produção, pois pesaria tanto sobre a utilização
do trabalho (salários), como sobre o capital (amortiza-
ção). A adoção do valor adicionado suprimiria, então,
toda discriminação na escolha dos fatores de produção
e realizaria uma maior equidade na repartição do fi nan-
ciamento da seguridade entre as empresas.
O valor adicionado dessa contribuição não se con-
funde com a base de incidência do imposto sobre o valor
adicionado (TVA). Isso porque se refere tão somente ao
valor adicionado produzido pela empresa, quer dizer a
diferença entre as receitas da atividade da empresa e o
consumo intermediário. A nova contribuição se aplica-
ria, então, não somente sobre os salários, mas também
sobre os custos fi nanceiros, as amortizações e os lucros.
Ela afetaria toda a produção e se aplicaria às exporta-
Gráfi co 1 - Custo da hora da mão de obra em euros para alguns países da União Européia - 2006
66 TRIBUTAÇÃO em revista
ções, aos bens estocados e às amortizações. Diferente-
mente, a TVA não incide sobre as exportações e sobre as
amortizações. O encargo da contribuição seria suporta-
do pela empresa, enquanto que a TVA pesa diretamente
sobre o consumidor.
O impacto da contribuição sobre o valor adicionado
sobre o emprego residiria na diminuição do custo do
trabalho e no aumento do custo do capital. Dessa forma,
as empresas seriam incentivadas a utilizar mais mão de
obra e a fazerem uso, por mais tempo, de seus equipa-
mentos. Dessa forma, elas reduziriam o investimento de
substituição (homens por máquinas) e manteriam efeti-
vos de trabalhadores mais numerosos.
Segundo a simulação apresentada no Relatório Ripert
(Commissariat Général du Plan, 1977), uma diminuição
de 10 pontos percentuais da contribuição patronal sobre
os salários, compensada pela criação de uma nova con-
tribuição de 3,5% sobre o valor adicionado, com base
em dados de 1977, resultaria na criação de 180.000
novos empregos, em seis anos. Vários anos depois, a
pedido do então primeiro ministro Leonel Jospin, Man-
livaud, foi examinada as conseqüências no curto, médio
e longo prazo de uma modificação de base das contri-
buições patronais. Entre outras importantes contribui-
ções, o Relatório Malinvaud estimou que uma redução
do custo da mão de obra em torno de 3% geraria, em 10
anos, 70.000 empregos. Já uma redução da contribuição
patronal de 3%, compensada por uma contribuição so-
bre o valor adicionado da ordem de 2%, resultaria numa
diminuição do custo da mão de obra de 1%, com pouco
impacto sobre o emprego (MALINVAUD, 1998). Bossier
e outros estimaram, para a Bélgica, que a redução linear
de 1,3 ponto percentual, correspondente a uma redução
do custo da mão de obra de 1%, criaria 5.300 empre-
gos no primeiro ano e 11.200 após 5 anos. No caso da
redução levar em conta a intensidade do uso da força
de trabalho, de forma que a diminuição variaria entre
0,06 a 2,57 pontos percentuais, a redução do custo seria
de 2,5 pontos nos setores intensivos de mão de obra e
a criação do emprego se elevaria a 26.800 no fim do
mesmo período (BOSSIER et alli, 19954). Os resultados
dessas simulações e de várias outras que se acumulam
na literatura mostram que os impactos estimados são di-
versos e incertos.
As principais críticas aos modelos que estimam im-
pactos significativos sobre o emprego da adoção da con-
tribuição sobre o valor adicionado são:
a. mantido o nível de receitas idêntico, a exten-
são da base das contribuições patronais para o
conjunto do valor adicionado não resultaria em
diminuição da contribuição global das empresas
no financiamento da proteção social, mas provo-
caria a transferência da carga das empresas in-
tensivas em mão de obra para as empresas mais
mecanizadas.
b. os modelos supõem que as empresas beneficiá-
rias da diminuição da carga iriam repassar essa
vantagem a seus preços, o que deveria reduzir a
inflação e melhorar o emprego devido ao efeito
do crescimento do consumo. Essa suposição é
considerada muito otimista, pois há a probabili-
dade das empresas não repassarem a redução do
custo para os preços e, das outras, aumentarem
os seus.
c. setores de base que seriam penalizados, tais
como o gás, a eletricidade e o refino do petró-
leo, provocariam inevitavelmente efeitos sobre
os custos de produção do conjunto dos outros
setores.
d. os estudos não levam em conta os efeitos indi-
retos das variações dos encargos sociais nos pre-
ços dos produtos intermediários e nos bens de
4- O estudo realizado por Bossier testou a possibilidade da compensação da redução da contribuição patronal de 1,3 ponto percentual através do aumento ou da criação de várias alternativas, tais como o aumento de 1,5 ponto da TVA, que passaria de 20,5% para 22%; a introdução da taxa sobre o CO2 e a introdução da Contribuição Social Generalizada do tipo francês (mas com uma base mais ampla, pois englobaria os lucros das empresas) de 0,47%. Bossier testou, também, o impacto isolado da introdução dessas outras fontes de recursos. Os resultados das estimativas de impacto da redução da contribuição patronal compensada pelo aumento ou pela introdução de outras fontes, do ponto de vista da luta contra o desemprego, mostraram que essa medida é insuficiente e pouco eficaz.
TRIBUTAÇÃO em revista 67
equipamento. Em outras palavras, os mecanis-
mos considerados pelos modelos, especialmente
quanto à formação dos preços e aos fenômenos
de substituição do capital e do trabalho, estão
longe de estarem demonstrados empiricamente
(MINISTERE DE LA SOLIDARITE NATIONA-
LE, Rapport Maillet e Rapport Peskine, 1982 e
MALINVAUD, op. cit).
e. consideram que a redução da carga das empre-
sas beneficiárias melhora sua competitividade e
se traduz no aumento das exportações, o que é
discutível. A mão de obra não é a única condição
da competitividade. A ela se soma a qualidade
do produto, o cumprimento dos prazos, entre
outras condições.
f. não é certo que uma diminuição do custo relati-
vo do trabalho prolongue o tempo de utilização
dos equipamentos e, por isso, é incerto seu efei-
to sobre o emprego. Assim se manifesta sobre
este assunto o relatório Malinvaud: “Estão clara-
mente em causa as decisões de longo prazo dos
empregadores, decisões que dependem pouco
das condições correntes de custo, mas muito das
antecipações quanto às condições futuras” (Op.
cit, p. 15)
g. os investimentos seriam penalizados duas ve-
zes: quando a contribuição repercutisse sobre
os preços dos bens de equipamentos e quando
a contribuição incidisse sobre sua amortização,
pois ela faz parte do valor adicionado. Também
o lucro seria penalizado, enquanto componen-
te do valor adicionado. Esses dois elementos, se
desestimularem o investimento, podem ter con-
seqüências para a competitividade das empresas
no mercado internacional.
h. as simulações limitam-se a medir as variações
setoriais dos encargos sociais que resultariam
de um financiamento sobre o valor adicionado.
Não se preocupam em estimar o impacto macro-
econômico da transferência de carga das empre-
sas intensivas em mão de obra para as empresas
mais mecanizadas, nem mesmo em verificar se
as desigualdades das cargas sociais constituem
um fator de desigualdade no desempenho eco-
nômico (DELEECK, 1978 e NEUBOURG e
CASPERS, 1982). Os resultados de um estudo
econométrico, sobre 50 setores da economia
francesa, mostram que a relação contribuição
patronal sobre o valor adicionado (indicador de
desigualdade na repartição dos encargos sociais)
não exerce influência significativa nem sobre a
rentabilidade, nem sobre a capacidade de autofi-
nanciamento desses diferentes setores (EUZEBY,
1977). Um outro estudo francês destaca que o
grupo de indústrias intensivas em mão de obra é
muito heterogêneo, comportando empresas com
baixos salários, competitivas no mercado inter-
nacional ou não (Commissariat General du Plan,
1977).
i. no plano prático, sua aplicação apresenta difi-
culdades não desprezíveis. O próprio Relatório
Chadelat, ao propor que a contribuição sobre o
valor adicionado seja realizada de forma gradu-
al, reconhece essas dificuldades. Também esse
relatório propõe a exclusão da administração
pública, das associações, das empresas familia-
res, das explorações agrícolas, e das empresas
com valor adicionado inferior a 3 milhões de
francos (CHADELAT, 1997)5. Em outras pala-
vras, a noção de valor adicionado não se aplica à
atividade de todos os empregadores.
j. é um equívoco pensar que a base valor adicio-
nado é mais favorável que a base massa salarial
para a regulação das finanças da proteção social.
5- O Relatório Chadelat propôs, de fato, duas sugestões: introdução da contribuição do valor adicionado e uma modulação das taxas de contribuições patronais, calculada sobre o salário, em função da relação da massa salarial sobre o valor adicionado. Uma e outra seriam aplicadas à saúde e não à aposentadoria. Euzeby destaca, afora outras observações, a complexidade da implantação dessa segunda proposta (Euzeby, 2000).
68 TRIBUTAÇÃO em revista
O valor adicionado é mais sensível que a massa
salarial às flutuações conjunturais.Além disso, é
instável e conhecido somente a posteriori, en-
quanto que os salários constituem uma base re-
lativamente estável e fácil de ser percebida (MA-
LINVAUD, op. cit., 1998).
k. a dissociação entre a contribuição social patro-
nal e o emprego de assalariados pode tornar essa
contribuição um verdadeiro imposto fiscal. Na
perspectiva de aporte de recursos de impostos
para o financiamento da proteção social, convém
perguntar quais são os benefícios que deveriam
ser assim financiados e se a implantação de um
encargo sobre o valor adicionado é a melhor mo-
dalidade. Da mesma forma, convém reafirmar
que nem sempre os encargos sociais incidentes
sobre o salário são injustificados. Somente quan-
do a contribuição financia benefícios que não
têm por objetivo compensar a perda da renda
profissional se pode falar que consiste de um en-
cargo injustificado sobre o emprego. Nesse caso,
sua substituição por um financiamento com base
em imposto aparece como a solução mais lógica.
Mas para as contribuições que financiam bene-
fícios calculados em função dos salários, não há
verdadeiramente razão para serem financiados
por outra fonte que não a incidente sobre o salá-
rio. As contribuições, de empregados e emprega-
dores, integram o custo normal do trabalho, pois
constituem salário diferido.
Esse conjunto de críticas e ponderações justifica por-
que os poderes públicos de diferentes países não im-
plantaram, após tantos anos de debates e análises, a con-
tribuição e ou o imposto sobre o valor adicionado, em
substituição à contribuição patronal calculada sobre os
salários. As estratégias para enfrentar o envelhecimento
da população – provocado pelo aumento da expectativa
de vida e pela redução da taxa de fertilidade – tem sido,
até o momento, largamente apoiada na ampliação da
idade para a aposentadoria. No atual momento, quando
vários países da União Européia estão buscando alter-
nativas para redução de seu déficit público, a reforma
dos sistemas de aposentadoria está novamente em alta,
com ênfase, mais uma vez, na ampliação da idade para a
aposentadoria. Essa iniciativa tem recebido franco repú-
dio da população, cujo maior exemplo é a manifestação
realizada na França, em 27 de maio de 2010.
b) Imposto sobre o valor adicionado
Aparece como uma modalidade sedutora do ponto
de vista da competitividade das empresas e do emprego,
pois incide sobre as importações, exonerando as exporta-
ções. A substituição parcial da contribuição patronal so-
bre os salários pelo aumento da TVA encorajaria, então,
as exportações e tornaria menos competitivas as merca-
dorias fabricadas no estrangeiro, especialmente aquelas
importadas de países de baixos salários. Apesar disso, a
literatura aponta vários problemas na sua utilização:
a. o primeiro deles é que a TVA não incide sobre os
investimentos e, por isso, não é neutro (à dife-
rença da contribuição sobre o valor adicionado)
em relação à utilização dos fatores de produção.
Desse ponto de vista, se pode considerar que a
TVA tem efeitos análogos àqueles das contribui-
ções patronais sobre os assalariados.
b. no plano do comércio exterior, a diminuição
da contribuição patronal compensada pela TVA
apareceria como uma medida protecionista, com
todos os riscos que isso envolve.
c. Bossier estimou que um aumento de 1,5 pontos
percentuais na TVA provocaria perda de 9.300
postos de trabalho, em cinco anos, na Bélgica,
devido à combinação dos efeitos sobre os preços
e sobre o volume da atividade (BOSSIER et alli,
op. cit., 1995).
d. a Comissão Européia estimou que a redução da
contribuição patronal em 1% em relação ao PIB,
compensada por aumento da TVA teria efeito
nulo na Comunidade Européia (Comission des
Comunautes Européennes, 1993).
TRIBUTAÇÃO em revista 69
4. Possibilidades abertas pelo financiamento me-
diante impostos e principais conclusões
A cobertura do risco velhice sempre foi extrema-
mente reduzida no Brasil, apresentando taxa significativa-
mente bastante inferior a os países europeus e até mesmo
de alguns da América Latina (PINHEIRO, 2000). Esse
baixo nível de cobertura deve-se à estrutura do mercado
de trabalho brasileiro, praticamente dividido (com osci-
lações a depender de ciclos econômicos de crescimen-
to mais robustos) entre um mercado formal e um outro
informal. As raízes da informalidade são múltiplas, mas
se pode dizer que ela está associada a um tipo particular
de exploração, fundado na espoliação da mão de obra e
não em ganhos de produtividade. Esse tipo de exploração
permanece como um dos traços característico da acumu-
lação do capital no país, mesmo depois da abolição da
escravatura e da industrialização brasileira, com a entra-
da maciça de capitais estrangeiros e com a concentração
da produção em grandes empresas. Essa realidade não é
apenas do Brasil, sendo um traço da América Latina, com
raras exceções.
O baixo grau de cobertura do RGPS constitui um
grande desafio a ser enfrentado, de modo que qualquer
agenda transformadora da realidade social brasileira de-
veria incluir propostas no sentido de ampliar essa cober-
tura. Mas para isso ser atingido não é possível se esperar
que as ações fiscalizadoras do Estado brasileiro e outras
ações acabem por formalizar todo o mercado de trabalho,
processo que pode demorar um tempo demasiado. Nesse
sentido, o financiamento da aposentadoria mediante im-
postos poderia ser um instrumento poderoso na concre-
tização da universalização do risco velhice. Ocorre que o
benefício assim garantido estaria associado diretamente
a um direito decorrente da cidadania, concedido a todos
no momento de perda da capacidade ao trabalho. E o mo-
mento, isto é, a idade em que isso ocorreria, seria fruto
de negociação entre os vários segmentos da sociedade. O
benefício garantido, por sua vez, perderia qualquer rela-
ção com o salário anterior do beneficiado, constituindo-
-se, portanto, em uma renda de base6. O valor da renda de
base seria, por sua vez, também fruto de acordo societal.
Esse desenho ideal esboçado acima corresponderia à
implantação de uma aposentadoria financiada completa-
mente pelo Estado e garantidora de um valor considerado
adequado para a velhice, tal como existe em alguns paí-
ses europeus. Mas não há nenhum exemplo histórico de
implantação de uma aposentadoria de base universal em
país que tenha estruturado sua aposentadoria com base
em contribuições calculadas sobre o salário. As situações
existentes referem-se à garantia de um valor para aqueles
que comprovarem uma situação de renda extremamente
baixa, como é o caso do BPC, no Brasil, para idosos.
A inexistência de experiências anteriores não signifi-
ca, contudo, que propostas nessa direção não pudessem
ser encaminhadas, mas o grau de dificuldade para sua
implantação seria mais elevado, principalmente porque
implicaria comprometimento de recursos públicos. Sua
implantação não depende da extinção do regime de apo-
sentadoria contributivo (empregados e empregadores),
mas certamente exigiria a redefinição do piso do bene-
fício.
Mas a proposta de substituição da contribuição pa-
tronal – no todo ou na parte – por outra fonte de finan-
ciamento, tal como recorrentemente é encaminhada no
Brasil – não guarda nenhuma relação com o desenho aci-
ma descrito. Trata-se de pura e simplesmente de reduzir
o custo da mão de obra, entendendo que isso reduziria o
desemprego e favoreceria a formalização e a competitivi-
dade dos produtos brasileiros. Essa compreensão, contu-
do, apresenta uma série de problemas: a) não é consensu-
al na teoria econômica. Por exemplo, os economistas de
inspiração keynesiana atribuem à expectativa de retorno
do investimento a causa primeira da decisão do investi-
mento, gerador de novos empregos; b) as simulações de
impacto dessa substituição apresentam resultados incer-
tos; c) países com competitividade expressiva têm ele-
vado custo de mão de obra, tal como se vê no Gráfico 1,
apresentado na primeira parte deste artigo.
6- Para uma discussão detalhada do conceito de aposentadoria (renda) de base, ver Marques e Euzéby (2005)
70 TRIBUTAÇÃO em revista
REFERÊNCIAS
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TRIBUTAÇÃO em revista 71
a RTIGO
A Proposta de Reforma Tributária e seus Impactos na Arrecadação Previdenciária e no Mercado de Trabalho
Leonardo Alves Rangel1
Graziela Ansiliero2
Luis Henrique Paiva3
Matheus Stivali4
Edvaldo Duarte Barbosa5
que precisaria ocorrer no mercado formal de trabalho para
compensar a desoneração.
Após esta introdução, a segunda seção trata das princi-
pais justifi cativas da desoneração – a começar por um dos
marcos iniciais da discussão (OCDE, 1994a e 1994b); A
seção três volta-se para simulações de desoneração e seus
impactos de curto prazo sobre a arrecadação. Trata-se de
mensurar, ceteris paribus, quais seriam as perdas de ar-
recadação em alguns cenários de desoneração, com base
no desempenho do Regime Geral de Previdência Social
(RGPS) ao longo do ano de 2008. Esta mensuração permi-
te avaliar, por sua vez, o que precisaria ocorrer no mercado
1. Introdução
A desoneração da contribuição patronal com base na
folha de pagamentos está há vários anos na pauta da dis-
cussão previdenciária e ganhou força ultimamente com
a proposta de reforma tributária - Proposta de Emenda
Constitucional (PEC) 233 de 2008.
Os objetivos deste trabalho são apresentar os pontos
da PEC 233 que tratam da desoneração da folha de pa-
gamentos, avaliar, em termos gerais, a racionalidade de
propostas desta cunha; verifi car quais seriam os impactos
de curto prazo de algumas destas propostas e sugerir o
1- Técnico do Planejamento e Pesquisa do Ipea lotados na Diretoria de Estudos e Políticas Sociais.
2- Especialista em Políticas Públicas e Gestão Governamental lotada no MPS.
3- Especialista em Políticas Públicas e Gestão Governamental lotado no MDS.
4- Técnico do Planejamento e Pesquisa do Ipea lotados na Diretoria de Estudos e Políticas Sociais.
5- Auditor Fiscal da Receita Federal do Brasil lotado no MPS.
72 TRIBUTAÇÃO em revista
de trabalho, em termos de aumento da formalidade e dos
rendimentos, para compensar as perdas de arrecadação.
Finalmente, na quarta e última seção, são apresentadas as
principais conclusões do trabalho.
2. As Justificativas da Desoneração
2.1 – Tributação da Folha e a Teoria Econômica Tra-
dicional
A folha de pagamentos é uma base importante para
a tributação na maioria dos Estados modernos. Quase
universalmente, os recursos arrecadados sobre esta base
são direcionados para o financiamento de políticas sociais
(saúde, previdência etc.), sejam estas universais ou não.
Desta forma, países com Estado de bem-estar mais desen-
volvido apresentam uma maior participação dos tributos
sobre folha, tanto em termos de participação na arreca-
dação total, quanto em termos de proporção do produto
interno bruto (PIB).
A teoria econômica tradicional prediz a geração de ine-
ficiências e desemprego causados por este tipo de tributa-
ção, uma vez que há dois salários no mercado: o salário
líquido recebido pelo empregado e o salário acrescido de
tributos, pago pelo empregador. Neste contexto, a tributa-
ção sobre a folha de pagamentos é apontada como respon-
sável pela elevação do custo do trabalho.
No início da década de 1990, com a elevação acen-
tuada das taxas de desemprego na Europa, onde se con-
centram países com Estados de bem-estar desenvolvidos,
foi diagnosticado, no OECD Jobs Study (OCDE, 1994a
e 1994b), que os elevados tributos sobre a folha de pa-
gamentos eram um dos responsáveis pelo mau funciona-
mento dos mercados de trabalho e, assim, pela elevação
do desemprego. A proposta para conseguir a redução do
desemprego seria a redução dos tributos sobre folha e a
diminuição das políticas do Estado de bem-estar social.
Esta interpretação do impacto dos tributos sobre folha
de pagamento no mercado de trabalho considera, impli-
citamente, que a incidência do imposto recai totalmente
sobre o empregador, que enfrenta um preço (salário) mais
alto do que o determinado pelo mercado. Entretanto, nada
garante que esta suposição seja correta. O estudo da inci-
dência dos impostos é um problema tradicional do campo
da economia do setor público, que mostra que a incidên-
cia efetiva dos impostos depende muito mais das elastici-
dades-preço de oferta e demanda do produto tributado do
que da imposição legal da incidência. No caso do mercado
de trabalho, isto é especialmente relevante, porquanto os
encargos sobre folha resultarão em desemprego apenas
quando não puderem ser repassados aos trabalhadores
na forma de salários mais baixos. Quando a incidência do
imposto sobre folha recair sobre os trabalhadores, a pre-
visão teórica é de que haverá salários menores em vez de
desemprego.
Neste contexto, o impacto dos impostos sobre folha
de pagamento no mercado de trabalho tem sido estuda-
do enquanto um problema de incidência tributária. Se a
incidência é maior sobre os empregados, uma possível de-
soneração causaria elevação dos salários; se a incidência
é maior sobre os empregadores, a desoneração elevaria o
número de empregos.
2.2 – Desoneração da Contribuição Patronal, Mer-
cado de Trabalho Brasileiro e Arrecadação Previden-
ciária
No Brasil, com a elevação do desemprego e da in-
formalidade durante a década de 1990, estruturou-se o
argumento de que a base de arrecadação da Previdência
Social passava por um processo irreversível de erosão, ra-
zão pela qual se deveriam buscar fontes alternativas. Em
alguma medida associada a esta primeira justificativa, uma
segunda foi desenvolvida, a de que o caráter solidário do
RGPS deveria ser aplicado também às bases tributárias: a
migração de parte da contribuição previdenciária para a
receita ou o faturamento poderia produzir mais justiça ou
solidariedade tributária. Finalmente, alguns pesquisado-
res sustentaram que o aumento das alíquotas previden-
ciárias nas últimas décadas seria diretamente responsável
pela crise de formalidade dos anos 1990. Daí decorre que
sua redução poderia elevar a formalização e, com isso, a
TRIBUTAÇÃO em revista 73
arrecadação previdenciária. Em comum, os três argumen-
tos levaram em conta um fato estilizado sobre o mercado
de trabalho ao longo dos anos 1990: vivia-se um período
de crise do mercado formal de trabalho. Estas justificati-
vas são apresentadas com algum detalhe no restante desta
subseção.
Ao longo dos anos 1990, até o início dos anos 2000,
uma série de estudos acerca de mercado de trabalho (por
exemplo, Neves et al., 2000; Cardoso, 2000; Neri, 2003)
apontava, ainda que com diagnósticos muito distintos,
para a erosão da principal base de financiamento da Previ-
dência Social, o emprego formal.
Tais estudos apontaram para uma constante e preocu-
pante queda da formalidade no mercado de trabalho. Os
trabalhadores registrados (com carteira de trabalho assina-
da), que correspondiam a 53,7% do mercado de trabalho
metropolitano em 1992, chegariam a 45,1% em 2002; en-
quanto isso, a soma dos trabalhadores sem carteira assi-
nada e por conta própria, que em 1992 era de 40,9% do
mercado de trabalho metropolitano, chegou a 50,1% em
2002 (sempre médias anuais de dados da PME).6
Tendo em vista que a partir de 1995 o valor da arreca-
dação previdenciária passou a ser insuficiente para cobrir
as crescentes despesas com pagamento de benefícios, é
possível perceber o quadro geral no qual reverberou, en-
tre formuladores de políticas, legisladores e estudiosos do
tema, a percepção da deterioração do mercado de trabalho
metropolitano. Uma das preocupações passou a ser, como
esperado, a busca por fontes alternativas de financiamen-
to7.
O primeiro argumento favorável à desoneração das
contribuições sobre a folha de pagamento poderia ser as-
sim entendido: a queda da formalidade no mercado de
trabalho – tida como elemento exógeno e vista, muitas ve-
zes, como inexorável – minava a base de financiamento da
Previdência Social, que teria que ser reconstruída valendo-
-se de outros tributos.
Com certa frequência, é possível encontrar um segun-
do argumento, associado ao primeiro: defende-se que os
aumentos ocorridos nas alíquotas previdenciárias (que, no
caso da contribuição patronal, variaram, ao longo das últi-
mas décadas, de 3% para 20%) atingiram mais fortemente
firmas e setores intensivos em mão de obra, desestimulan-
do a geração ou a formalização de vínculos empregatícios
(DONADON, p. 6, mimeo). Restaria ao governo buscar
“uma nova composição de financiamento [...] mais justa
e mais equânime”.
Uma terceira linha de argumentação fez associação
aparentemente mais clara, mas não necessariamente corre-
ta, sugerindo que a queda da formalidade no mercado de
trabalho não seria um fenômeno externo ou inexorável: ao
contrário, ela decorreria fundamentalmente da tributação
previdenciária sobre a folha de salários.
Os trabalhos de Neri (2000; 2001; 2003; 2006) es-
tão, provavelmente, entre os mais incisivos no estabele-
cimento de uma conexão entre a informalidade no mer-
cado de trabalho e a tributação previdenciária. Segundo
o autor, a “estrutura de custos e benefícios associados à
legislação trabalhista e previdenciária leva à informali-
dade como modalidade de evasão fiscal” (2006, p. 20).
Quer dizer, a conjunção do crescimento dos encargos
fiscais com a percepção de um fraco tax-benefit linkage
(nas palavras do autor, “sem que correspondentes bene-
fícios sociais fossem percebidos individualmente”) levou
à decisão de empregadores e trabalhadores pela informa-
lidade enquanto forma de evasão fiscal. A informalidade
teria então laços menos estreitos com o descumprimento
dos direitos trabalhistas. Nas palavras de Neri (2001, p.
68), “direitos trabalhistas são independentes do caráter
legal da relação de trabalho assumida. [...] as firmas hon-
6- Estudos posteriores (Paiva, 2003; Ramos e Ferreira, 2005; entre outros), avaliando dados da PNAD/IBGE para todo o país, concluíram que o fenômeno da crescente informalidade estava circunscrito às regiões metropolitanas (justamente as cobertas pela PME/IBGE) e não encontrava correspondência no Brasil não metropolitano. Neste, embora as taxas de formalização continuassem inferiores às encontradas nas regiões metropolitanas, a tendência, inversamente à detectada nestas regiões, era de crescimento da formalidade.
7- Entende-se, assim, a alteração que a Emenda Constitucional (EC) no 41/2003 introduziu no Art. 195 da CF/1988, possibilitando a substituição parcial ou total da contri-buição patronal incidente sobre a folha de salários por contribuição específica incidente sobre a receita ou faturamento, a ser aplicada de forma não cumulativa.
74 TRIBUTAÇÃO em revista
ram por antecipação os direitos devidos, levando a uma
alta efetividade [das] cláusulas [trabalhistas] no setor in-
formal do mercado de trabalho”. Assim, a informalidade
seria uma estratégia das empresas para diminuírem os
custos da mão de obra, sem, no entanto, acarretar preju-
ízos pecuniários aos funcionários.
Visto que o RGPS apresentou, durante algumas déca-
das, aumento nas alíquotas de contribuição previdenciária
e, entre o fi nal dos anos 1980 e meados dos anos 1990, o
mercado de trabalho brasileiro teria sido marcado por uma
queda na taxa de formalização, o autor associou os dois
fatos, enquadrando-os na chamada curva de Laffer. Neste
caso, a queda da arrecadação (determinada pelo recuo nas
taxas de formalização) seria, em grande medida, função da
contínua elevação da contribuição previdenciária (trânsito
entre os pontos A e B no Gráfi co 1).
O autor supõe que o crescimento da informalidade es-
taria relacionado ao fato de se estarmos no trecho descen-
dente da curva de Laffer. Segundo esta hipótese, o progres-
sivo aumento de alíquotas teria impacto positivo sobre a
arrecadação de tributos até um ponto determinado, a par-
tir do qual começaria a comprometer a arrecadação pela
diminuição de sua base. Assim, o aumento das alíquotas
previdenciárias teria, de início, engendrado o aumento da
arrecadação. Com o tempo, entretanto, causaria o aumen-
to da informalidade e, por conseguinte, a queda na arre-
cadação – de onde se poderia concluir que um recuo nas
alíquotas implicaria novo aumento da base de arrecadação
(trabalho formal) e, consequentemente, aumento da arre-
cadação.
Essa terceira linha de argumentação não menciona a
substituição (total ou parcial) da contribuição patronal so-
bre a folha de pagamento por um tributo sobre a receita ou
o faturamento. Espera-se que, na trajetória descendente da
curva de Laffer, a redução das alíquotas conduziria, por
si mesma, a um incremento da arrecadação. O argumen-
to de que estaríamos na trajetória descendente da curva
de Laffer, ademais, considerou outra hipótese: a de que
empregadores e trabalhadores do setor informal estariam
dispostos – e não encontrariam obstáculos – a migrar para
o setor formal caso o custo–benefício da formalidade fosse
menor.
Gráfi co 1 – Curva de Laffer
TRIBUTAÇÃO em revista 75
O ponto a destacar-se, portanto, é que os diversos
diagnóstico que deram base à ideia da desoneração da fo-
lha de pagamento no Brasil levam a propostas bastante
diferentes: em um caso, parece ser fundamental que a de-
soneração seja acompanhada de mudanças tributárias que
compensem a perda de arrecadação; em outro, os próprios
efeitos positivos da desoneração sobre o mercado de traba-
lho proporcionariam esta compensação.
2.3 – A PEC 233/2008 e sua Proposta de Desonera-
ção8
Em fevereiro de 2008, o governo federal enviou ao
Congresso Nacional Proposta de Emenda à Constituição
que “altera o Sistema Tributário Nacional”, e afeta de ma-
neira significativa o financiamento da seguridade social e,
de modo particular, da previdência social. Em tramitação
na Câmara dos Deputados, a PEC 233/2008, vem se as-
sociar a outras duas medidas de iniciativa de Deputados
Federais, todas motivadas em solucionar dois graves pro-
blemas do sistema tributário nacional: a guerra fiscal e a
complexidade de tributos.
Em alguma medida, e a depender da regulamentação,
investe contra o tamanho da carga tributária, pois, em
seu Artigo 11, propõe a desoneração da folha de salários.
No entanto, não define se haverá compensação, o que
implica, potencialmente, no agravamento das contas da
previdência. A definição do quanto e do como – se vai
haver compensação, por exemplo – se farão as reduções
graduais das contribuições sobre a folha é remetida a lei
complementar.
O quanto será esta desoneração se encontra implícito,
sendo explicitado na Exposição de Motivos. Concretamen-
te, no artigo 11 se lê que “lei definirá reduções gradativas
da alíquota da contribuição” “do empregador, da empresa
e da entidade a ela equiparada (...) incidente (...) sobre a
folha de salários”9 “a serem efetuadas do segundo ao séti-
mo ano subsequente ao da promulgação desta Emenda”.
Já na “Cartilha da Reforma-Tributaria” se aponta que “a
principal medida de desoneração proposta é a redução de
20% para 14% da contribuição dos empregadores para a
previdência, a qual seria implementada ao ritmo de um
ponto percentual por ano, a partir do segundo ano após a
aprovação da Reforma”.
Em termos gerais a Reforma Proposta implica nas se-
guintes mudanças: a) extinção de 5 tributos federais, com
a incorporação dos encargos da CSLL ao IRPJ e a criação
de um imposto federal de valor agregado (IVA-F) em subs-
tituição à Contribuição para o Pis, à Cofins, à CIDE-Com-
bustíveis e ao Salário Educação ; b) padronização da tribu-
tação do ICMS, com o emprego do princípio de destino e a
uniformização das alíquotas, tornando nacional a política
de desoneração da cesta básica e de outros produtos de
primeira necessidade ; c) desoneração da folha, tanto pelo
fim do Salário Educação como pela desoneração da contri-
buição patronal, determinada no Art. 11; d) desoneração
das exportações e dos investimentos, no âmbito da criação
do IVA e da uniformização do ICMS.
Este trabalho, no entanto, apenas se preocupará com
os impactos de curto prazo da desoneração da folha de
pagamentos no tocante ao resultado previdenciário. É jus-
tamente sobre estes impactos que a seção seguinte tratará.
3. Simulações de Desoneração: Impactos de Curto
Prazo da Desoneração e Possíveis Fontes Alternati-
vas
Conforme apresentado anteriormente, a PEC 233/2008
trata explicitamente da redução da desoneração sobre a
folha de pagamentos. O que tem impactos diretos no fi-
nanciamento da Seguridade Social, mais especificamente
do Regime Geral de Previdência Social (RGPS). Esta seção
apresentará os impactos de curto prazo de algumas possí-
veis formas de desoneração da folha.
8 - O objetivo desta seção é apenas apresentar a proposta da PEC 233/2008 no tocante a tributação sobre a folha de salários. Para uma discussão mais aprofundada sobre a reforma tributária, cf. Políticas Sociais: Acompanhamento e Análise, nº 16, capítulo de previdência social (2008), ANFIP (2008), entre outros.
9- A redação recortada aqui proposta não se altera se baseada na CF como atualmente redigida como na nova redação do artigo 195.
76 TRIBUTAÇÃO em revista
A parcela da arrecadação das contribuições de empre-
gados e empregadores para o RGPS representou em 2008
cerca de dois terços da arrecadação líquida total deste re-
gime. É evidente, portanto, que a arrecadação do RGPS e
seus resultados em termos da relação entre receitas e des-
pesas guardam relação estreita com as contribuições dire-
tas de segurados e empregadores.
Neste sentido, o objetivo desta seção é avaliar o impac-
to tributário de curto prazo da desoneração da contribui-
ção patronal sobre a folha de pagamento de duas manei-
ras: uma desoneração linear (da forma como colocada na
PEC 233/2008) e uma desoneração focalizada. Supõe-se
que estes impactos de curto prazo dos diferentes tipos de
desoneração terão que ser compensados. Dessa maneira,
são também avaliadas as possibilidades de compensação,
em termos das consequências positivas da desoneração
sobre o mercado de trabalho (isto é, formalização ou au-
mento da remuneração, ou uma combinação dos dois)10.
3.1 – Impactos de Curto Prazo da Desoneração
Foram realizados dois exercícios de desoneração: i) de-
soneração linear; e ii) desoneração focalizada da alíquota
patronal sobre a folha. Suas características e os resultados
são apresentados a seguir.
3.1.1 – Cálculo de Impacto da Redução Linear da
Alíquota Patronal sobre a Arrecadação Líquida
Entende-se por redução linear da alíquota patronal a
desoneração que é feita independentemente dos valores
dos salários dos trabalhadores. Foram considerados para
o cálculo de impacto apenas os segmentos de emprega-
dores que seriam beneficiados pela redução da alíquota
patronal. Não se encontram neste grupo as empresas que
atualmente já são contempladas por regimes diferencia-
dos de contribuição ao RGPS, como aquelas vinculadas
ao Simples, as entidades filantrópicas (das áreas de saú-
de, educação e assistência social), os empregadores ru-
rais (pessoa física e jurídica), os clubes de futebol e os
setores voltados à exportação agrícola. Em relação a estes
empregadores, resta considerar a contribuição relativa
aos empregados, realizada normalmente e que integra a
rubrica de receitas correntes.
Após a exclusão dos montantes arrecadados em nome
destes empregados vinculados a empresas em regimes es-
peciais de contribuição, que não teriam ganho adicional
com a desoneração, restaram apenas os valores recolhi-
dos efetivamente pelas empresas e instituições sujeitas às
regras gerais do RGPS. Uma desoneração deverá afetar
as contribuições patronais – de 22,5% para instituições
financeiras e de 20% para empresas em geral e demais
instituições – sobre remunerações de empregados, traba-
lhadores avulsos e contribuintes individuais prestadores
de serviços a empresas. O resultado desta tentativa de
mensuração de impacto consta da tabela 1.
Este exercício, com base na arrecadação verificada
em 2008, mostra que o impacto de desoneração de cada
ponto percentual representaria, naquele ano, uma queda
na receita de R$ 4,14 bilhões. Assim, se a alíquota fosse
reduzida de 20% para 15%, 10% ou 5%, haveria uma
necessidade de compensação da ordem de, respectiva-
mente, R$ 20,70 bilhões, R$ 41,40 bilhões e R$ 62,11
bilhões para que o patamar de arrecadação se mantivesse
o mesmo. Em um cenário de desoneração total (alíquota
patronal de 0%), a compensação deveria ser de R$ 82,82
bilhões.11 Percebe-se também que para a situação hipo-
tética de adoção imediata da desoneração que tratada na
reforma tributária, a necessidade de compensação seria
superior a R$ 24 bilhões, e que se não houvesse uma
compensação imediata, o resultado das contas previden-
ciárias observaria uma piora de mais de 68%.
Os resultados das estimativas de impacto apontam
para forte perda de arrecadação líquida para previdência,
10- Para maiores detalhes sobre a base de dados e o tratamento feito para a realização das diversas estimativas feitas, ver Rangel et al (2008 ?)
11- No caso das instituições financeiras, permaneceria o adicional de 2,5 p.p. de alíquota patronal em relação às demais empresas e instituições.
TRIBUTAÇÃO em revista 77
mesmo para pequenas reduções de alíquota, o que denota
um alto custo para a desoneração linear. Devido a este re-
lativo alto custo, surgiram propostas alternativas de deso-
neração, que são tratadas neste texto como desonerações
focalizadas. Na subseção seguinte, são feitas estimativas de
impacto para este tipo de desoneração.
3.1.2 – Cálculo de Impacto de Reduções Focalizadas
da Alíquota Patronal sobre a Arrecadação Líquida
Desonerações focalizadas da forma como são tratadas
neste trabalho não são objeto da PEC 233/2008. Mas, op-
tou-se por apresentar seus impactos, pois além de serem
menos custosas em termos fiscais, têm a característica de
ampliarem a progressividade da contribuição patronal em
folha de pagamentos.
Nesta subseção, as desonerações focalizadas são esti-
madas de duas formas: i) isenção da contribuição patronal
sobre parcela de R$100,00 do rendimento de cada contri-
buinte empregado; e ii) desoneração (tanto da contribui-
ção patronal quanto a do empregado) sobre o primeiro SM
pago pelos empregadores aos seus empregados.
A isenção da contribuição sobre uma parcela no valor
de R$ 100,00 do rendimento mensal de cada contribuin-
te empregado corresponde a uma redução de R$ 20,00 no
Alíquota Patronal INSS
ArrecadaçãoDespesa Previ-
denciária
Resultado Previdenciário
Arrecadação Líquida
Perda de Arreca-dação (R$)
Perda de Arreca-dação (%)
Resultado Previ-denciário
Variação no Resultado
20% 167.415,9 - - 203.622,6 (36.206,7) -
19% 163.275,1 (4.140,8) -2,5% 203.622,6 (40.347,5) 11,4%
18% 159.134,3 (8.281,6) -4,9% 203.622,6 (44.488,3) 22,9%
17% 154.993,4 (12.422,4) -7,4% 203.622,6 (48.629,2) 34,3%
16% 150.852,6 (16.563,2) -9,9% 203.622,6 (52.770,0) 45,7%
15% 146.711,8 (20.704,0) -12,4% 203.622,6 (56.910,8) 57,2%
14% 142.571,0 (24.844,8) -14,8% 203.622,6 (61.051,6) 68,6%
13% 138.430,2 (28.985,6) -17,3% 203.622,6 (65.192,4) 80,1%
12% 134.289,4 (33.126,4) -19,8% 203.622,6 (69.333,2) 91,5%
11% 130.148,6 (37.267,2) -22,3% 203.622,6 (73.474,0) 102,9%
10% 126.007,8 (41.408,0) -24,7% 203.622,6 (77.614,8) 114,4%
9% 121.867,0 (45.548,8) -27,2% 203.622,6 (81.755,6) 125,8%
8% 117.726,2 (49.689,6) -29,7% 203.622,6 (85.896,4) 137,2%
7% 113.585,4 (53.830,4) -32,2% 203.622,6 (90.037,2) 148,7%
6% 109.444,6 (57.971,2) -34,6% 203.622,6 (94.178,0) 160,1%
5% 105.303,8 (62.112,1) -37,1% 203.622,6 (98.318,8) 171,5%
4% 101.163,0 (66.252,9) -39,6% 203.622,6 (102.459,6) 183,0%
3% 97.022,2 (70.393,7) -42,0% 203.622,6 (106.600,4) 194,4%
2% 92.881,4 (74.534,5) -44,5% 203.622,6 (110.741,2) 205,9%
1% 88.740,6 (78.675,3) -47,0% 203.622,6 (114.882,0) 217,3%
0% 84.599,8 (82.816,1) -49,5% 203.622,6 (119.022,8) 228,7%
Tabela 1 - Arrecadação líquida, despesa e resultado previdenciário – Impacto da desoneração da folha de pagamentos
das empresas e órgãos públicos (redução da alíquota previdenciária patronal) – 2008
Fonte: INSS (fluxo de caixa ajustado pelo sistema Informar); Datamart/CNIS; BEPS; AEPS.Elaboração: SPS/MPS.
Em R$ milhões correntes
78 TRIBUTAÇÃO em revista
valor da contribuição patronal para cada empregado, o que
gera um impacto fiscal de R$ 5,7 bilhões – naturalmente
excluídos aqueles empregadores já contemplados por me-
canismos específicos de contribuição previdenciária.
Alternativamente, algumas propostas de desoneração
têm sido desenhadas de modo a proporcionarem também
algum efeito sobre a desigualdade de distribuição de rendi-
mentos. A proposta predominante defende a desoneração
das alíquotas de contribuição apenas para o primeiro SM,
tanto para o empregado quanto para o empregador. Para
seus defensores, esta proposta teria o mérito de garantir
aos trabalhadores ganhos diretos com a desoneração12
A tabela 3 apresenta três combinações de alíquotas pa-
tronais e de empregados. No caso mais extremo, as alíquo-
tas de contribuição sobre o primeiro SM seriam uniformi-
zadas por meio da redução para 4% para os empregados,
ao passo que para os empregadores a alíquota de contri-
buição sobre o primeiro SM seria de 15%. Esta proposta
focalizada resultaria em uma perda de arrecadação previ-
denciária da ordem de R$ 13,0 bilhões, impacto similar
àquele observado para a desoneração linear de 3 p.p. da
cota patronal incidente sobre a massa salarial atualmente
sujeita às regras do RGPS.13
Há ainda outra possibilidade de desoneração não ex-
plorada neste capítulo. Trata-se de uma desoneração espe-
cífica para jovens entre 16 e 24 anos, ou, de forma mais
abrangente, entre 16 e 29 anos. A justificativa é que, em
razão de a taxa de cobertura previdenciária para estes gru-
pos etários, principalmente entre 16 e 24 anos, ser inferior
à do conjunto da população, a desoneração focalizada nes-
te grupo poderia ter como resultado uma maior formaliza-
ção no mercado de trabalho e, consequentemente, amplia-
ção da taxa de cobertura previdenciária destes grupos.14
Desoneração FocalizadaPerda de Arrecadação (R$)
CP = 0%
Empregados 5.224.548.165,9
Contribuintes Individuais 498.164.380,0
Total 5.722.712.545,9
Tabela 2 - Redução da base de cálculo da contribuição
patronal (R$ 100,00 mensais por vínculo) – cota patronal
(empresas em geral, instituições financeiras e órgãos pú-
blicos) – 2008 Em R$ milhões correntes
Fonte: Fluxo de caixa do RGPS; Datamart/CNIS; Informar. Elaboração: SPS/MPS.
Desoneração FocalizadaPerda de Arrecadação (R$)
CP = 15/% e CE = 4% CP = 18/% e CE = 4% CP = 18/% e CE = 5%
Cota Patronal 5.728.209.430,09 2.291.283.772,03 2.291.283.772,03
Empregados 5.306.181.730,98 2.122.472.692,39 2.122.472.692,39
Contribuintes Individuais 422.027.699,1 168.811.079,6 168.811.079,6
Cota dos Empregados 7.243.622.560,6 7.243.622.560,6 5.708.439.381,2
Total 12.971.831.990,64 9.534.906.332,59 7.999.723.153,19
Tabela 3 - Perda de arrecadação com a desoneração parcial do primeiro SM – cota patronal (empresas em geral, instituições
financeiras e órgãos públicos) e cota de empregados (total de segurados inscritos na categoria de empregados)* – 2008
Fonte: Fluxo de Caixa do RGPS; Datamart/CNIS; Informar. Elaboração: SPS/MPS. * No caso dos contribuintes individuais prestadores de serviços a empresas ou equiparadas, apenas a alíquota patronal varia, permanecendo em 11% a alíquota devida pelo trabalhador. A redução da alíquota dos empregados foi atribuída a todos os empregados, mesmo àqueles cujos empregadores contribuem de forma diferenciada para a Previdência Social.
12- Em que pese o risco de subdeclaração de rendimentos dos trabalhadores.
13- Ressalte-se que, nos dois últimos exercícios, a alíquota reduzida (ou zerada, no caso da desoneração da base para os primeiros R$ 100,00) seria aplicada apenas até os limites estabelecidos. Cada real que excedesse os limites definidos nas duas simulações (1 SM ou R$ 100,00) seria tributado com base nas regras e alíquotas vigentes atualmente.
14- Para maiores detalhes sobre a base de dados e o tratamento feito para a realização das diversas estimativas feitas, ver Rangel et al (2008)
TRIBUTAÇÃO em revista 79
3.2 – Compensação da Perda de Curto Prazo por
Meio da Massa Salarial
Avalia-se, nesta subseção, em que escala deveria variar a
massa salarial (por aumento do emprego formal ou aumen-
to dos salários) para que fossem compensadas as perdas de
arrecadação que viriam com a desoneração da contribuição
patronal, linear ou focalizada, sobre a folha de pagamentos.
Um elemento a se considerar, neste caso, é que os possíveis
efeitos benéficos da desoneração da folha sobre o mercado
de trabalho ocorreriam no médio ou longo prazo, enquanto
a perda ocorreria tão logo fosse feita a desoneração.
O exercício proposto para esta subseção consiste em es-
timar a expansão necessária da massa salarial para contra-
balançar a perda de arrecadação decorrente da redução de
cada ponto percentual da alíquota patronal de contribuição
previdenciária, para o caso de uma desoneração linear, ou
a ampliação necessária da massa salarial para compensar
as desonerações focalizadas propostas anteriormente. Para
tanto, buscou-se mensurar o montante de massa salarial
que compensaria a perda inicial por meio de incremento
nos recolhimentos da alíquota de empregados, do SAT, das
alíquotas de exposição a agente nocivo, da taxa de adminis-
tração da arrecadação de terceiros (apenas da parcela oriun-
da de empresas em geral) e da alíquota patronal.
Alíquota Patronal INSS
Massa Salarial
Massa SalarialDiferença em relação à
massa salarial verificadaVar. % em relação à massa
salarial verificada
20% 387.285,9 - -
19% 401.566,0 (14.280,1) 3,7%
18% 416.866,3 (29.580,4) 7,6%
17% 433.300,0 (46.014,1) 11,9%
16% 450.998,0 (63.712,1) 16,5%
15% 470.112,1 (82.826,2) 21,4%
14% 490.819,1 (103.533,2) 26,7%
13% 513.327,0 (126.041,2) 32,5%
12% 537.881,4 (150.595,5) 38,9%
11% 564.774,7 (177.488,8) 45,8%
10% 594.357,6 (207.071,7) 53,5%
9% 627.055,1 (239.769,2) 61,9%
8% 663.386,2 (276.100,3) 71,3%
7% 703.992,4 (316.706,5) 81,8%
6% 749.675,3 (362.389,4) 93,6%
5% 801.450,4 (414.164,5) 106,9%
4% 860.623,7 (473.337,8) 122,2%
3% 928.902,6 (541.616,7) 139,8%
2% 1.008.564,3 (621.278,4) 160,4%
1% 1.102.713,9 (715.428,0) 184,7%
0% 1.215.699,2 (828.413,3) 213,9%
Tabela 4 - Massa salarial de órgãos do poder público e empresas não beneficiadas pelo Simples ou outras renúncias da con-
tribuição patronal – valores em milhões de R$ correntes – impacto da desoneração da folha de pagamentos (redução linear
da alíquota previdenciária patronal) – 2008*
Fonte: INSS (fluxo de caixa ajustado pelo sistema Informar).Elaboração: SPS/MPS. * Inclusive os valores pagos a título de décimo terceiro salário e adicional de férias, sobre os quais também incide contribuição previdenciária.
80 TRIBUTAÇÃO em revista
Esse aumento da massa salarial, caso viesse a ocorrer,
poderia ser resultado de pelo menos três cenários bási-
cos. Caso o emprego formal permaneça constante, ou seja,
caso a medida não produza impactos sobre a formalização,
as variações na massa teriam que ocorrer unicamente em
função do aumento do rendimento médio dos emprega-
dos já contribuintes. Outra possibilidade extrema é que
o ajuste venha a ocorrer fundamentalmente sobre o em-
prego formal, com aumento do número de contribuintes
e estabilidade dos rendimentos. A hipótese intermediária
é que a medida, desde que gere os efeitos positivos es-
perados, provoque efeitos tanto sobre o emprego formal
quanto sobre o rendimento.15
3.2.1 – Compensação por Meio da Massa Salarial
para Desoneração Linear
Os resultados, para cada nível de desoneração linear,
com base nos 12 meses de 2008, estão expostos na tabela
4. Caso a alíquota de contribuição patronal fosse reduzi-
da sem que novas fontes de arrecadação fossem criadas,
passando de 20% para 15%, 10% ou 5%, haveria uma
necessidade de crescimento imediato da massa salarial da
ordem de, respectivamente, 21,4%, 53,5% e 106,9% para
que o patamar de arrecadação se mantivesse o mesmo no
acumulado do ano.
Para o caso da redução para 14% proposta pela refor-
ma tributária, observa-se que a massa salarial deveria ser
26,7% superior a observada para compensar os efeitos da
desoneração.
Supondo-se que sejam mantidos fi xos o rendimento
médio e a proporção de vínculos16 por nível de alíquota
de contribuição dos empregados (8,0%, 9,0% e 11,0%),
a quantidade de vínculos adicionais necessários para cada
grau de desoneração pode ser observada no Gráfi co 2.
Observa-se que com a alíquota patronal em 14%, o
total de empregos formais deveria ser instantaneamente
maior em mais de 4 milhões para compensar essa desone-
ração. Note-se que tanto o resultado para crescimento da
formalização, como o de elevação salarial com emprego
constante para compensar a desoneração proposta signifi -
cam forte crescimento em comparação ao que foi observa-
do no ano de 2008.
15- Embora não pareça razoável supor que a desoneração provocasse efeitos importantes na quantidade de pessoas empregadas em órgãos do poder público vincu-lados ao RGPS, pode-se imaginar alguma variação no rendimento destes empregados. Por esta razão, nesta simulação foram consideradas as empresas em geral e os órgãos do poder público.
Gráfi co 2 - Quantidade de Vínculos Formais Necessários para Neutralizar o Impacto da Supressão de Cada Ponto Percentual da Alíquota Previdenciária Patronal (Empresas em Geral, Órgãos do Poder Público e Instituições Financeiras) - 2008
TRIBUTAÇÃO em revista 81
3.2.2 – Compensação por Meio da Massa Salarial
para Desoneração Focalizada
Como já colocado, a desoneração focalizada não esta
prevista na proposta de reforma tributária encaminhada ao
Congresso Nacional via PEC 233/2008. Trate-se de uma
contribuição, ainda que marginal, deste trabalho para o
debate sobre a desoneração da folha de pagamentos.
Para a desoneração focalizada em R$ 100,00 por vín-
culo da contribuição patronal, sem que novas fontes de
arrecadação fossem criadas, haveria uma necessidade de
crescimento da massa de salários da ordem de 5,12%,
para que a arrecadação não se alterasse. Caso a necessi-
dade de compensação se desse apenas pelo crescimento
dos vínculos formais, supondo-se que sejam mantidos
fixos o rendimento médio e a proporção de vínculos
por nível de alíquota de contribuição dos empregados, a
quantidade média de novos vínculos necessários para tal
magnitude de desoneração é da ordem de 1,24 milhão
(tabelas 5 e 6).
Em se tratando da desoneração parcial focalizada sobre
o primeiro SM de salário pago, para as três combinações
de alíquotas utilizadas nas simulações anteriores, a fim de
que a arrecadação não se alterasse, a necessidade de cres-
cimento da massa salarial se encontra na tabela 5.
Para o caso da compensação ocorrer apenas pelo cres-
cimento dos vínculos formais, sempre mantidos fixos o
rendimento médio e a proporção de vínculos por nível de
alíquota de contribuição dos empregados, a quantidade
de vínculos adicionais necessários pode ser observada na
tabela 6.
Deve-se ter em mente que as taxas de crescimento da
massa salarial e do número de vínculos estimadas na tabe-
la 6 são expressivas e dependerão de aumento substancial
na quantidade de vínculos empregatícios formais ou de
aumento da remuneração dos empregados formais. Mas
ainda assim, são inferiores na comparação com a necessi-
dade de vínculos adicionais oriunda da proposta de deso-
neração da folha proposta na reforma tributária. Ademais,
ainda que tais volumes de massa salarial sejam atingidos, a
defasagem temporal entre a redução da alíquota e a recu-
peração da arrecadação – em função do tempo de resposta
das variáveis rendimento médio e emprego formal – pro-
duzirá um aumento da necessidade de financiamento do
RGPS no curto prazo.
O confronto dos resultados obtidos com os registros
da Relação Anual de Informações Sociais (Rais) evidencia
que para se neutralizarem os efeitos da desoneração ape-
nas com os efeitos da própria medida sobre o emprego
formal ou sobre o rendimento dos empregados celetistas
há que se ter um desempenho em patamar semelhante ao
que recentemente tem se observado. Desempenho este
bastante expressivo, mas cuja continuidade e sustentabi-
lidade nos próximos anos ainda é bastante questionável.
Concretamente, os dados da Rais, nos anos recentes, mos-
tram crescimento da massa salarial anualizada de 7,7%,
entre 2008 e 2007, e de 9,1% e 9,2%, para os dois anos
Massa Salarial Valores Correntes (R$) Variação (%)
Montante Atual (2006) 387.285.882.072,7 -
Montante Necessário para Neutralizar a Desoneração - -
Cenário I (Isenção Patronal para R$ 100,00) 407.111.635.520,4 5,12%
Cenário II (1o. SM: Patronal 15% e Empregados 4%) 434.817.676.390,7 12,27%
Cenário III (1o. SM: Patronal 18% e Empregados 4%) 421.202.351.650,4 8,76%
Cenário IV (1o. SM: Patronal 18% e Empregados 5%) 415.466.892.385,0 7,28%
Tabela 5 - Massa salarial adicional para compensar uma desoneração focalizada (empresas em geral, órgãos do poder
público e instituições financeiras) – 2008
Fonte: Fluxo de caixa do RGPS; Datamart/CNIS; Informar. Elaboração: SPS/MPS.
82 TRIBUTAÇÃO em revista
imediatamente anteriores.16 Por sua vez, o Cadastro de
Empregados e Desempregados do Ministério do Trabalho
e Emprego (CAGED/MTE) tem registrado recordes suces-
sivos nos últimos anos. Em 2008, o saldo anual foi de 1,45
milhão de postos formais gerados.
Embora os últimos resultados tenham proporcionado
uma redução da necessidade de financiamento do RGPS
no ano de 2008, não se pode dizer que esta seja uma ten-
dência sustentável de longo prazo. Com efeito, em 2009 a
necessidade de financiamento voltou a subir – e as proje-
ções de longo prazo realizadas pela Secretaria de Políticas
de Previdência Social do MPS também indicam uma ten-
dência de crescimento para as próximas décadas (Schwar-
zer et al., 2009). Caso uma desoneração da contribuição
previdenciária sobre a folha de pagamentos seja feita sem
compensação por meio de outras bases tributárias, há um
claro risco de que esta situação se deteriore.
4. Conclusões
Invariavelmente, sempre que o crescimento econômi-
co se mostra incapaz de absorver a crescente mão-de-obra
que entra no mercado de trabalho ano a ano, o debate
sobre o alto custo de contratação, especialmente os cus-
tos previdenciários, ganham força no Brasil. Nos últimos
anos, além dos motivos expostos neste trabalho que re-
montam aos anos da década de 1990, também há a discus-
são sobre a reforma tributária (PEC 233/2008) e o alívio
da tributação sobre a folha de pagamentos.
Ora, na grande maioria dos países com a mínima pre-
tensão de Estado de Bem-Estar, o financiamento das polí-
ticas de seguridade social tem a participação das empresas,
via tributo sobre a folha de salários. Não há motivos para
ser diferente no Brasil.
Neste contexto, este trabalho busca contribuir no
imenso debate sobre a desoneração da tributação sobre a
folha e a formalização da mão-de-obra. Buscou-se calcular
o impacto de curto prazo de duas formas de desoneração:
linear e focalizada. Além disso, apresentou a forma pela
qual o mercado de trabalho deveria reagir via elevação da
massa salarial e crescimento do emprego formal para com-
pensar a diminuição da arrecadação. Os resultados encon-
trados mostram que os custos de curto prazo são grandes.
Evidentemente, maiores para desoneração linear que para
a focalizada.
No campo das críticas ao tipo de desoneração proposta
na PEC 233/2008, destaque-se que dado que já existem
mecanismos de desoneração e simplificação tributária
para muitas das micro e pequenas empresas do país (Sim-
ples e Super Simples), a desoneração linear, que tratará
de forma igual empresas fortemente estruturadas ou não,
poderá resultar apenas em alívio tributário para as grandes
empresas a um forte custo para o sistema previdenciário.
Portanto, é necessário deixar explícito que qualquer
proposta de desoneração previdenciária terá custos, e
estes custos deverão ser compensados. A desoneração
linear pura e simples não parece ser mais vantajosa que
16- A referência são os valores informados em dezembro de cada ano e atualizados segundo o Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC) a preços de dezem-bro de 2008.
Vínculos Adicionais Quantidade Média
Total Atual (2006) 21.838.372
Vínculos Adicionais para Neutralizar a Desoneração -
Cenário I (Isenção Patronal para R$ 100,00) 1.239.050
Cenário II (1o. SM: Patronal 15% e Empregados 4%) 2.970.593
Cenário III (1o. SM: Patronal 18% e Empregados 4%) 2.119.677
Cenário IV (1o. SM: Patronal 18% e Empregados 5%) 1.761.228
Tabela 6 - Quantidade de vínculos formais necessários para neutralizar o impacto da supressão desoneração focalizada
(empresas em geral, órgãos do poder público e instituições financeiras) – 2008
Fonte: Fluxo de caixa do RGPS; Datamart/CNIS; Informar. Elaboração: SPS/MPS.
TRIBUTAÇÃO em revista 83
a desoneração focalizada, que inclusive pode ter efeitos
benéficos sobre a renda do trabalhador. E mesmo que o
mercado de trabalho consiga compensar a perda de arre-
cadação de curto prazo, não se pode deixar de observar
a necessidade de sustentabilidade do sistema no longo
prazo o que garantirá a manutenção do atual contrato de
solidariedade intergeneracional, base do nosso sistema
de previdência social.
Por fim, entende-se que a reforma tributária nas bases
que foi colocada com a PEC enviada ao Congresso Na-
cional trará grandes consequências para toda a Segurida-
de Social brasileira, no que tange ao seu financiamento.
Entretanto, não esteve no escopo deste trabalho tratar de
tantas e delicadas questões como estas. Reconhece-se sim
a necessidade de mais debates, mas a contribuição que
este trabalho tentou oferecer foi o tamanho da compen-
sação fiscal que a previdência social deverá receber, caso
a desoneração aconteça da forma como está colocada.
Outrossim, se é para tratar de desoneração, sua focali-
zação apresenta resultados fiscais menos intensos que a
linear, e ainda pode trazer ganhos em termos de distribui-
ção pessoal de renda.
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84 TRIBUTAÇÃO em revista
a RTIGO
Tributação da folha salarial no exterior e no Brasil1
André Gonçalves Diôgo de Lima2
sobre a folha. Há um aumento no custo da mão de obra
formalizada, o que tornaria o Brasil menos atrativo para
investimentos produtivos.
Diante deste cenário, propõe-se a análise da tribu-
tação sobre a folha incidente em vários países, fazendo
uma comparação com a tributação sobre a folha numa
série de países, a saber, Alemanha, Canadá, França, Rei-
no Unido, Brasil e Índia, Eslováquia. Esta análise com-
parativa terá como objetivo observar o comportamento
da tributação sobre a folha em outros países, bem como
os principais benefícios que cada sistema entrega aos
contribuintes. Foram escolhidos países bastante dis-
tintos, com sistemas de civil Law e commom Law, fe-
derações e países unitários, desenvolvidos e em desen-
volvimento, além de uma experiência que conta com o
1 – Dos propósitos da pesquisa e seu objetivo
A tributação incidente sobre a folha de pagamentos
ou salários é alvo de constantes críticas3. Argumenta-
-se que a tributação gera uma série de incentivos ne-
gativos aos empregadores para a contratação de novos
funcionários, sendo contrária, pois, à geração de em-
prego formal. Isto ocorreria porque se eleva o custo de
contratação, havendo uma lacuna entre o valor pago a
título de salário e o valor efetivamente despendido pelo
empregador. Esta lacuna seria preenchida basicamente
pelas contribuições para o fi nanciamento da seguridade
social (que inclui pensões e seguros de toda sorte).
Outro fator negativo levantado na discussão acerca
da tributação sobre a folha de pagamentos diz respeito à
diminuição da competitividade causada pela tributação
1- Este artigo é baseado em relatório sobre o tema desenvolvido no contexto da pesquisa “Reforma Tributária – Efi ciência, Simplifi cação, Transparência e Susten-tabilidade”, realizada pelo NEF – Núcleo de Estudos Fiscais da Fundação Getúlio Vargas de São Paulo, sob a coordenação do Prof. Eurico Marcos Diniz de Santi e com o apoio do Sindifi sco Nacional. O artigo contou com a orientação técnica do Prof. Eurico de Santi.
2- Estudante de Direito e Pesquisador do NEF – Núcleo de Estudos Fiscais da FGV-SP.
3- Neste sentido, observar os vários trabalhos de José Pastore.
TRIBUTAÇÃO em revista 85
sistema de flat tax (Eslováquia). Dessa forma, busca-se
uma visão mais ampla a respeito do tema.
Entretanto, é importante observar que a tributação
sobre a folha de pagamentos geralmente destina-se ao
financiamento da previdência social, tanto a parcela
paga pelo empregado quanto a paga pelo empregador,
sendo que parte do valor arrecadado pode financiar
serviços para quem não é/foi contribuinte. No conceito
de previdência social inclui-se uma série de benefícios
como, por exemplo, seguro desemprego, auxílio mater-
nidade, pensões, aposentadorias etc.
Neste sentido, não caberá juízo de valor acerca de
quais direitos e garantias deveriam ser implementados
ou excluídos. Apenas se demonstrará o que cada país
cobra e o que ele oferece.
2 – Seguridade, Previdência e Tributação no Canadá
As primeiras leis canadenses a respeito de segurida-
de social (pensões para idosos, deficientes etc.) datam
do início do século passado. No país há um sistema de
pensão universal para todos os cidadãos acima de 65
anos.
As pensões pagas para aqueles que não são contri-
buintes são financiadas totalmente pelo Estado, não
havendo pagamento por parte do empregador ou do
empregado. Assim, pode-se observar que no Canadá
não há financiamento direto da previdência por parte
de seus contribuintes para aqueles beneficiários que
não contribuíram. Não haveria, pois, solidariedade nas
contribuições para financiamento da seguridade social.
Nos casos dos trabalhadores canadenses, tem-se que
a contribuição é de 4,95% de todos os ganhos da pes-
soa, sendo que o piso para contribuição é de C$3.500
(cerca de US$ 4.060) e o teto é de C$46.300 (US$
53.700). Os trabalhadores com ganhos abaixo de C$
3.500 são incluídos no plano de pensão universal, fi-
nanciado com fundos da União. Já nos casos dos traba-
lhadores autônomos (profissionais liberais), tem-se que
a alíquota é de 9,9% dos ganhos, dado as mesmas bases
dos empregados. Os limites dos valores de ganhos são
reajustados anualmente, dado o crescimento médio do
salário na indústria.
Os empregadores, por sua vez, pagam 4,95% do to-
tal da folha de salários. Os limites dos valores de ganhos
são reajustados anualmente, dado o crescimento médio
do salário na indústria.
No Canadá há a competência para a cobrança de con-
tribuições previdenciárias tanto por parte da União, quan-
to por parte das Províncias. Neste sentido, tomaremos
como exemplo as contribuições cobradas pela província
de Quebec, pois esta é a Província mais autônoma.
Já a título de seguro saúde e seguro maternidade,
os contribuintes são todos os assalariados, incluindo os
funcionários públicos (há cobertura praticamente para
toda a população). O seguro pode ser utilizado em ou-
tras províncias e até mesmo no exterior (atendidas al-
gumas condições).
Neste caso de Quebec, a alíquota da contribui-
ção para este fim é de 0,484% dos rendimentos do
empregado, sendo que o teto da base de cálculo é de
C$62.000(US$71.900). As províncias de Alberta e Bri-
tish Columbia cobram prêmios dos seguros. Ontário
cobra um prêmio baseado nos rendimentos ganhos aci-
ma de um certo limite. As demais Províncias não co-
bram prêmios para estes seguros. Há também financia-
mento do governo federal. Este é feito via transferência
condicionadas e sua fonte é basicamente o orçamento
geral do Estado.
Os profissionais liberais pagam, no caso de Quebec,
0,737% da renda tributável para fins de financiamento
dos seguros saúde e maternidade. Nas demais Provín-
cias há o mesmo sistema já descrito no parágrafo ante-
rior.
Já o empregador paga 0,677% sobre a folha de pa-
gamentos em Quebec. Nas demais províncias há uma
variação de 1% a 4,5% de tributação sobre a folha de
pagamentos.
No caso de acidente de trabalho, o Canadá também
possui uma legislação que garante cobertura completa
para praticamente todas as atividades, seja industrial,
86 TRIBUTAÇÃO em revista
comercial, desportiva etc.
Estas legislações variam entre as Províncias, toda-
via os custos para segurar os acidentes de trabalhos são
incorridos exclusivamente pelos empregadores, sendo
que as alíquotas variam de acordo com a Província e de
acordo com a atividade desempenhada pelo profissio-
nal. Os valores recebidos pelos segurados variam de 75
a 90% dos ganhos, dependendo da província. Nos casos
de perda de capacidade de trabalho parcial, o valor da
pensão varia de acordo com o grau de perda da capaci-
dade. Os valores pagos também cobrem as pensões para
viúvas(os), órfãos e outros dependentes.
No caso do seguro desemprego, tem-se a cobertura
para todos os assalariados, inclusive funcionários pú-
blicos. Há a exclusão de cobertura para os profissionais
liberais.
O financiamento do seguro desemprego é pago tan-
to pelos empregados quanto pelos empregadores. Os
primeiros pagam às Províncias uma alíquota de 1,73%
dos ganhos (esta alíquota também cobre os benefícios
do seguro saúde e maternidade, menos na Província de
Quebec, em que a alíquota é de 1,38%). Os empregado-
res, por sua vez, pagam uma alíquota de 2,42% sobre a
folha de pagamentos (em todas as Províncias, menos em
Quebec, em que é 1,93%). O teto máximo de ganhos
para contribuições é de C$42.300 (US$49.000).
Abaixo segue uma tabela resumindo as alíquotas co-
bradas no Canadá:
3 – Seguridade, Previdência e Tributação na Índia
As principais leis garantidoras de seguridade social
da Índia foram criadas a partir da segunda metade do
século passado, sendo que a lei garantidora do seguro
contra acidentes de trabalho é da década de 20.
Não há um sistema de seguridade universal na Ín-
dia. Esta só é garantida para os trabalhadores de certos
setores e que contribuem para os fundos que financiam
os programas de seguridade.
A despeito da existência de sistemas de previdência
social na Índia, estes ainda são débeis e insuficientes.
A maior parte da arrecadação do sistema de previdên-
cia indiano advém das contribuições dos trabalhadores
formais e das contribuições incidentes sobre folhas de
pagamento. Entretanto, apenas 7% dos trabalhadores
indianos estão trabalhando na formalidade. Ademais,
parte expressiva da população indiana (inclusive aque-
la apta ao trabalho) está localizada nas regiões rurais
do país, sendo desprovida de trabalho formal e, conse-
CONTRIBUINTE ALÍQUOTA BASE DE CÁLCULO TIPO
Empregado 4,95% Ganhos anuais“Aposentadoria
InvalidezViuvez”
Profissional Liberal 9,90% Ganhos anuais
Empregador 4,95% Folha de salário
Empregado 0,484% (Quebec) Ganhos anuais
“Seguro SaúdeSeguro Maternidade”
Profissional Liberal 0,737% (Quebec) Ganhos anuais
Empregador 0,677% (Quebec) Folha de salário
EmpregadorVaria de acordo com a província e
a atividade do empregador* Acidente de trabalho
Empregado 1,73% (1,38% em Quebec) Ganhos anuais
Seguro desempregoProfissional Liberal Não aplicável
Empregador 2,42% (1,93% em Quebec) Folha de salário
Tabela 1 – Alíquotas cobradas no Canadá
TRIBUTAÇÃO em revista 87
qüentemente, de serviços de seguridade social.
Tratando de seguridade social, a Índia dispõe de le-
gislação prevendo aposentadoria, pensões no caso de
invalidez e para viuvez. São beneficiados por este siste-
ma os empregados que recebem menos de 6.500 rúpias
por mês (US$153,3) em estabelecimentos com, no mí-
nimo, 20 empregados ou relacionados em uma das 182
categorias de negócios relacionadas. Há possibilidade
de adesão a planos de seguridade voluntários nos casos
em que os ganhos do empregado superem 6.500 rúpias.
Relevante observar que há expressa exclusão de
profissionais liberais, agricultores e empregados de co-
operativas com menos de 50 trabalhadores. Ademais,
nos estados de Jammu e Kashmir não há cobertura de
seguridade social.
O financiamento destes serviços previdenciários
é realizado por meio da cobrança de uma alíquota de
12% sobre o salário dos empregados dos estabeleci-
mentos com menos de 20 funcionários e que estejam
cobertos pelo plano de previdência.
Além desta alíquota, temos que o empregador deve
contribuir com 3,67% do valor da folha salarial mensal,
mais 1,1% para financiar os custos administrativos do
fundo que arrecadará os montantes.
O empregador ainda é onerado em 12,33% sobre a
folha de pagamentos mensal para financiar os planos
de pensão. O governo, seja nacional ou sub-nacional,
não contribui com nenhum valor, seja para o fundo de
previdência ou para os fundos de pensão.
A Índia também possui legislações orientadas a ga-
rantir assistência nos casos de doença ou maternidade.
A lei que trata do seguro contra acidentes de trabalho
é de 1948, enquanto que a lei que disciplina a licença
maternidade é de 1961. Elas garantem, entre outras coi-
sas, o pagamento de 1.000 rúpias (US$23,6) no nasci-
mento de um filho e um auxílio funeral de 3.000 rúpias
(US$71).
Estão cobertos com seguro saúde e licença ma-
ternidade aqueles que recebam até 10.000 rúpias
(US$235,8) por mês em estabelecimentos com, no mí-
nimo, 20 trabalhadores (10 no caso de manufaturas).
Entretanto, uma série de Estados ainda não possui esta
parte do sistema de previdência, entre eles Manipur,
Tripura, Sikkim e Mizoram. Ademais, são excluídos os
profissionais liberais, os trabalhadores sazonais, os agri-
cultores e outros. As grávidas recebem assistência por 2
meses após o nascimento do bebê.
Umas das fontes de financiamento para esta parte da
seguridade é 1,75% dos rendimentos dos empregados
cuja renda diária seja maior que 70 rúpias (US$1,65).
O empregador também contribui com 4,75% sobre
a folha de pagamentos de todos os empregados. Ade-
mais, como já exposto, o Estado contribui com 12,5%
dos custos com assistência médica.
Importante salientar que as contribuições a título de
financiamento do seguro saúde e maternidade também
financiam os seguro acidente de trabalho e o seguro de-
semprego.
Eles podem ser utilizados por aqueles que ganham
até 10.000 rúpias por mês e trabalham em estabeleci-
mentos com, no mínimo 10 empregados (10 no caso de
manufaturas) que dão direito a tal serviço.
O benefício do seguro desemprego é igual a 50%
do salário que serviu de base para a contribuição e será
pago por até 6 meses.
Abaixo segue uma tabela resumindo as alíquotas co-
bradas na Índia:
4 – Seguridade, Previdência e Tributação no Brasil
As primeiras leis que tratam de seguridade social no
Brasil datam no início do século passado, entretanto foi
a partir da promulgação da constituição de 1988 que
leis mais abrangentes foram criadas, sendo seguidas
pela criação ou majoração de contribuições para dar su-
porte financeiro às garantias e aos direitos criados.
O sistema de previdência brasileiro não é universal
em todos os aspectos, tendo o trabalhador (ou o empre-
gador) que contribuir para a seguridade a fim de que
haja a garantia para uma série de situações, como de-
semprego ou acidentes de trabalho.
88 TRIBUTAÇÃO em revista
Não obstante, há alguns direitos universais como
uma pensão para idosos (a partir dos 65 anos) que não
recebam outros benefícios da seguridade e se enqua-
drem nas especificações do Instituto Nacional de Segu-
ridade Social (INSS).
A seguridade social no Brasil é financiada por uma
série de contribuições pagas tanto por empregados
quanto empregadores cujas bases de cálculo são os ren-
dimentos dos funcionários ou as folhas de salários da
empresas. Ademais, a seguridade também é financiada
por outras contribuições cuja base de cálculo não onera
a folha de pagamentos e, caso haja déficit, o governo
federal arca com este.
Quanto a pensões para aposentadoria, invalidez e
viuvez o sistema brasileiro cobre praticamente toda a
população, desde que esta tenha trabalho formalizado e
contribua para a previdência social, que define critérios
e valores predeterminados. Deve-se observar que a pre-
vidência brasileira existe em paralelo às previdências do
setor público e dos militares.
Quanto à alíquota paga com base no salário do
empregado, temos que esta é de 7,65% para salários-
-de-contribuição de até R$800,45 (US$444,7), 8,65%
para salários-de-contribuição entre R$800,45 e R$900
(US$500), 9% para salários-de-contribuição R$900,01
e R$1.334,07 (US$741,1) e 11% salários-de-contribui-
ção entre R$1.334,08 e 2.668,15 (US$1.482,3).
Nos casos de profissionais liberais ou de segurados
facultativos que optarem pela exclusão do direito à apo-
sentadoria por tempo de contribuição, a alíquota é de
11%. Caso queiram o benefício de aposentadoria a alí-
quota é de 20%.
Entende-se por salário-de-contribuição todos os
rendimentos do trabalhador. Deve-se observar os limi-
tes mínimos e máximos das bases para contribuição.
O mínimo de ganhos mensais para se tornar um con-
tribuinte é R$510 (US$280), que é o valor do salário
mínimo no Brasil. O teto é R$3416 (US$1.898).
Já o empregador deve contribuir com uma alíquota
de 20% sobre a folha de pagamentos. Não obstante, mi-
cro e pequenos empresários pagam um valor que pode
variar de 3 a 8,25% sobre os valores declarados de re-
ceita bruta (notar que aqui se englobam também outros
tributos, pois paga-se, com uma única guia, vários de-
les, como forma de simplificação)
O segurado pela previdência social no Brasil garante
direito à aposentadoria (65 anos para homens e 60 para
mulheres, sendo 5 anos a menos nos casos de trabalha-
CONTRIBUINTE ALÍQUOTA BASE DE CÁLCULO TIPO
Empregado 12% Ganhos mensais
“AposentadoriaInvalidezViuvez”
Profissional Liberal Não tem previsão legal *
Empregador 17,60% Folha de salário
Empregado 1,75% Ganhos anuais
“Seguro SaúdeSeguro MaternidadeAcidente de trabalhoSeguro desemprego”
Profissional Liberal 4,75% Ganhos anuais
Governo 12,5 dos custos de assistência médica Folha de salário
Tabela 2 – Alíquotas cobradas na Índia
TRIBUTAÇÃO em revista 89
dores rurais) com pensões que variam entre 70 e 100%
do valor do salário-de-contribuição utilizado como
base. Já no caso de invalidez, o segurado tem direito a
100% da média dos ganhos (relativos aos salários-de-
-contribuição) por tempo indefinido. O mesmo ocorre
nos casos de pensão por viuvez, sendo que todos os li-
mites são de no mínimo R$510 e no máximo US$3.416.
Deve-se observar também que no Brasil existe uma
série de contribuições setoriais cujo intuito é o finan-
ciamento de programas de incentivos a determinadas
áreas cuja base de cálculo é a folha de pagamentos da
empresa. Neste sentido, tem-se o SEBRAE (alíquota de
0,3%), SESI, SESC, SEST (alíquota média de 1,5$) e
SENAI, SENAC, SENAT (com alíquota média de 1%).
No que diz respeito ao seguro contra acidentes de
trabalho tem-se que no Brasil o financiamento se dá por
um adicional de 1 a 3% pagos pelos empregadores, de-
pendendo do nível de risco ao qual o empregado fica
exposto. No caso de trabalhadores rurais há o pagamen-
to de 0,1% sobre a venda dos produtos agrícolas. O
seguro desemprego cobre tanto a invalidez temporária
quanto a permanente, sem que haja limite de duração
para o recebimento do benefício.
Também há no Brasil o seguro desemprego. Este é
financiado com recursos das contribuições previdenci-
árias pagas por empregados e empregadores e possui
um sistema particular para fazer com que o empregado
poupe. O Fundo de Garantia por tempo de Serviço
(FGTS) é um recolhimento compulsório de 8% do salá-
rio do empregado feito pelo empregador, a fim de que
aquele faça poupança. Foi criado em meados da déca-
da de 60 e tinha como objetivo aumentar a poupança
nacional e dar alguma garantia ao trabalhador em caso
de demissão (visto que fora criado em um momento
em que a estabilidade empregatícia no setor privado foi
abolida no Brasil). O FGTS pode ser retirado (total ou
parcialmente) em ocasiões especiais, tais como perda
de emprego sem justa causa, casamento, aposentadoria
etc.
Por fim, há a contribuição constitucional chamada
de salário-educação, cujo fim não é propriamente o fi-
nanciamento da seguridade social, mas sim o financia-
mento da educação básica no Brasil. Entretanto, esta
contribuição torna-se relevante para o estudo, pois sua
alíquota de 2,5% incide sobre a folha de salários das
empresas.
Abaixo segue uma tabela resumindo as alíquotas co-
bradas no Brasil:
CONTRIBUINTE ALÍQUOTA BASE DE CÁLCULO TIPO
Empregador 20% (12% empregados domésticos) Folha de salário AposentadoriaInvalidezViuvez
Seguro MaternidadeSeguro desemprego
Empregado8 a 11% (20% nos casos de profis-sionais liberais ou 11% em caso de
renúncia de aposentadoria
Salário-de-contribuição (rendimentos totais do empregado)
Empregador 1 a 3%Total das remunerações pagas ou
creditadasAcidente de trabalho
Empregado Um dia de trabalho por ano Um dia de trabalho por ano Imposto sindical
Empregado 8% Salário FGTS
Empregado Em média 1,5% Folha de salário Financiamento do sistema S
Empregador 2,50% Folha de salário Salário Educação
Tabela 3 – Alíquotas cobradas no Brasil
90 TRIBUTAÇÃO em revista
5 – Seguridade, Previdência e Tributação na Fran-
ça
As primeiras leis que tratam de seguridade social na
França são do fim do século XIX e início do século XX.
No país há um sistema universal de assistência social
para todos os residentes, dados determinados critérios.
Também há sistemas de previdência específicos para
determinados setores, como agricultura, mineração etc.
As fontes de recursos para financiamento da segu-
ridade social na França advêm tanto dos empregados
e empregadores quanto do próprio governo, que pode
fazê-lo por meio de aporte direto de recursos ou de sub-
sídios em determinadas áreas.
Para o financiamento da seguridade na parte que
trata das pensões por idade, invalidez e viuvez, se tem
que o segurado deve contribuir com 6,65% do benefí-
cio que ele terá direito (há casos específicos em que se
pode chegar a pagar 11,37%). O teto para contribuição
é de €2.773 (US$4.078).
Por sua vez, o empregador deve contribuir com
8,3% da folha de pagamentos (folha total das pensões
que os funcionários terão direito). Além deste percentu-
al, será acrescido 1,6% a título de prêmio para o seguro
de vida (para os casos de viuvez).
Na França, em geral, as pensões por idade são pagas
dada a idade mínima de 60 anos (recebimento do valor
total da pensão) mais, no mínimo, 160 pagamentos a
previdência (estes pagamentos são feitos trimestralmen-
te e passíveis de abatimentos dadas certas condições).
Ressalta-se que os períodos em que o contribuinte não
estava trabalhando (recebendo auxílio desemprego,
saúde etc.) contam para fins de pagamentos a previdên-
cia. O benefício máximo que pode ser recebido é igual a
50% do valor usado como referência para o pagamento
da seguridade.
Aqueles que possuem renda inferior a €7.720
(US$11.353) e têm idade acima de 65 anos (60 anos
nos casos de certos tipos de invalidez) possuem direito
a pensão por idade. Da mesma forma, possuem direi-
to aqueles que possuem algum tipo de invalidez (que
será aferida para observância de determinados critérios
como a perda de até 2/3 da capacidade de trabalho em
qualquer ocupação) e terceiros que possuem direito a
pensão por viuvez. Nestes últimos casos, o valor má-
ximo a ser recebido é de até 50% do valor usado como
referência para a o pagamento da seguridade.
No caso da seguridade, no que se refere a seguro
saúde e maternidade, tem-se que as fontes de recursos
são provenientes tanto do governo, quanto dos empre-
gados e empregadores. De maneira geral, os benefícios
do seguro saúde são de 50% da média dos últimos 3
meses antes do início da incapacidade. Já no caso do
benefício maternidade, o valor é de 100% da média dos
ganhos dos antes meses anteriores ao parto.
Os empregados contribuem com 0,75% dos ganhos
brutos. Aposentados também contribuem, mas com
1,4% do valor da contribuição (são isentos aqueles que
recebem pensão, mas são de baixa renda) mais 2,4%
dos rendimentos de previdência privada, caso possuam.
Já os empregadores contribuem com 12,8% do valor
da folha de pagamentos, mais 0,3% sobre a folha para o
financiamento de programas de contribuição para fun-
dos de assistência. Além disso, os empregadores ainda
recolhem 0,13% sobre os lucros para o financiamento
destes programas.
O governo contribui com 12% de adicional sobre
uma série de operações, como tributação sobre álcool,
tabaco etc.
O seguro contra acidentes de trabalho na França é
financiado totalmente pelo empregador. O prêmio de-
pende do grau de risco que o trabalho oferece, mas, em
média, é cerca de 2,26% da folha de pagamentos.
O valor do benefício recebido é de 60% da média
dos ganhos do último mês trabalhado nos primeiros 28
dias, após este período o valor passa a ser de 80% dos
ganhos. No caso de invalidez total, o valor do benefício
é de 100% do valor base para cálculo da contribuição.
Todos os custos médicos são arcados por um fundo pró-
prio para este fim e não há limite para os tratamentos.
Nos casos de seguro desemprego, tem-se que o fi-
TRIBUTAÇÃO em revista 91
nanciamento é realizado tanto pelo empregado quanto
pelo empregador. O segurado contribui com uma alí-
quota de 2,4% sobre os ganhos usados como base para
a contribuição. Já o empregador deve contribuir com
4% sobre a folha de pagamentos (folha total das pen-
sões que os funcionários terão direito). Ademais, ainda
há um adicional de 0,15% sobre a mesma base para o
financiamento de um fundo de garantia caso a empresa
torne-se insolvente.
Por fim, ainda há uma contribuição para financia-
mento de uma pensão familiar para famílias que tenham
ou adotem filhos. A contribuição é feita por profissio-
nais liberais e pelos empregadores, sendo que estes pa-
gam 5,4% da renda e 5,4% da folha de pagamentos,
respectivamente.
6 – Seguridade, Previdência e Tributação no Reino
Unido
As primeiras leis relativas à seguridade social no
Reino Unido datam no início do século passado. No
país há um sistema de previdência que contempla toda
a população. Entretanto, deve-se ressaltar que há várias
exceções e limitações para a concessão dos benefícios,
dado parâmetros pré-estabelecidos.
As fontes de recursos para os benefícios relativos
à pensão por idade, invalidez, viuvez, seguro saúde,
maternidade, acidente de trabalho e desemprego são
custeados com recursos dos empregos, empregadores
e governo.
Neste sentido, os empregados contribuem com uma
alíquota de 11% sobre os ganhos semanais, sendo o piso
de £105 (US$219) e o teto de £770 (US$1.640). Não
obstante, mulheres casadas ou viúvas contribuem com
uma alíquota diferenciada de 4,85% sobre a mesma
base. Há uma adicional de 1% sobre os ganhos sema-
nais nos casos em que renda semanal ultrapasse £770.
Já contribuintes voluntários do sistema de segurida-
de devem pagar uma contribuição fixa de £8,1 (US$17)
por semana.
Os profissionais liberais, por seu turno, devem pa-
gar uma contribuição fixa no valor de £2,3, nos casos de
casos de ganhos superiores £4.825 (US$10.052). Casos
os ganhos superem £5.435 (US$11.323) haverá ainda
um adicional de 8% sobre os ganhos que ultrapassa-
CONTRIBUINTE ALÍQUOTA BASE DE CÁLCULO TIPO
Empregado 6,65% Ganhos que terá com o benefícioAposentadoria
InvalidezViuvez
Profissional Liberal Não aplicável Não aplicável
Empregador 9,90%Folha de salários (folha total das pen-sões que os funcionários terão direito)
Empregado 0,75% (1,4% aposentados) Rendimentos brutos
“Seguro Saúde
Seguro Maternidade”
Profissional Liberal Não aplicável Não aplicável
Empregador 13,1% (Quebec) Folha de salário
Governo 12%Adicional sobre tributos como cigarros,
fármacos etc.
Empregador 2,26% Folha de salário Acidente de trabalho
Empregado 2,40% Ganhos que terá com o benefício
Seguro desempregoProfissional Liberal Não aplicável Não aplicável
Empregador 4%Folha de salários (folha total das pen-sões que os funcionários terão direito)
Profissional Liberal 5,40% RendimentosPensão familiar
Empregador 5,40% Folha de pagamentos
Tabela 4 – Alíquotas cobradas na França
92 TRIBUTAÇÃO em revista
rem este valor, sendo o teto de £40.040 (US$83.417).
Ultrapassando-se o teto, ainda paga-se outro adicional
de 1%.
Já o empregador deve contribuir com 12,8% sobre
as folha de todos os funcionários que recebam acima de
£105 (US$219).
Importante observar que 15% do valor das contri-
buições são destinadas ao Serviço Nacional de Saúde,
com o intuito de financiar os custos dos tratamentos de
saúde da população.
As aposentadorias no Reino Unido são cedidas a ho-
mens com mais de 65 anos e mulheres com mais de 60
(há uma regra para que progressivamente as mulheres
passem a se aposentar mais tarde, com 65 anos, assim
como os homens, devendo haver a igualdade até 2020).
O tempo de contribuição é de até 44 anos, todavia há
uma série de regras que diminuem esse tempo, podendo
ser diminuído, em certos casos, para 30 anos. Caso haja
menos tempo de contribuição e o contribuinte atinja a
idade para se aposentar, a pensão será diminuída, dado
determinados critérios. Há uma série de outros bene-
fícios para aposentadorias, como a aposentadoria para
pessoas que nunca contribuíram.
O benefício é, no máximo, de £90.7 (US$189), to-
davia pode-se ter uma série de adicionais, casos sejam
atendidos certos critérios, como possuir dependentes
ou postergar a aposentadoria.
Já o benefício nos casos de invalidez é de £84,5
(US$176) por semana, havendo possibilidade de adi-
cionais dados certos critérios, como, por exemplo, de-
pendentes. No caso de pensão por viuvez, se tem que
a pensão é, em geral, de £90,7, podendo variar dados
certos critérios.
Já o seguro contra acidentes de trabalho cobre todos
os empregados e profissionais liberais, com benefícios
que variam de acordo o grau de invalidez causada pelo
acidente.
Nos casos de benefícios relativos a seguro saúde e
maternidade, tem-se que o empregador é responsável
pelo pagamento nos casos de doença do empregado
(£75,4 (US$157), havendo casos em que o empregador
paga apenas partes dos custos). Nos casos de seguro
maternidade, o empregador contribui com 8% dos cus-
tos (que variam se o seguro é para o homem ou para
a mulher, variando de £63,75 por semana a £117,18
por semana). Ressalta-se que os serviços de saúde são
providos por serviços públicos ou por profissionais com
contratos com o estado.
7 – Seguridade, Previdência e Tributação na Eslo-
váquia
As primeiras leis eslovacas acerca de seguridade so-
cial e previdência datam do final do século XVIII e iní-
cio do século XIX, como é o caso das relativas à aposen-
tadoria, invalidez, viuvez, maternidade e seguro saúde.
Na Eslováquia, parte dos valores pagos por empre-
gadores e empregados são depositados diretamente em
uma conta individual de cada segurado. Também há
a possibilidade de haver o pagamento de custeio dos
fundos de pensão, sendo que tal cobrança só pode ser
feita aos contribuintes voluntários, com uma alíquota
máxima de 1% sobre o montante dos pagamentos men-
sais e 0,07% sobre a média mensal do valor líquido do
patrimônio sob custeio do fundo.
Relevante notar que o governo cobre qualquer tipo
de déficit e aporta recursos para subsidiar os pagamen-
tos para uma série de situações. Ele aporta valores que
variam entre 18 e 70% para, por exemplo, pensões de
idosos que possuem crianças doentes.
O valor mínimo para as contribuições à previdência
é de 8.100 koruna (aproximadamente 360 dólares). En-
tretanto, há a possibilidade de diminuição dos valores
piso para as contribuições nos casos em que o contri-
buinte tenha algum tipo de invalidez que diminuía sua
capacidade de trabalho.
A pensão por idade na Eslováquia é concedida aos
homens a partir de 62 anos e para mulheres a partir
dos 56 anos, sendo que a pessoa deve ter contribuído
por, no mínimo, 10 anos. Não obstante, a idade para
concessão de aposentadoria das mulheres está sendo
TRIBUTAÇÃO em revista 93
aumentada gradualmente até atingir o mesmo nível da
dos homens, ou seja, 62 anos.
Para a seguridade relativa à pensão por idade, in-
validez e viuvez, os empregados contribuem com uma
alíquota de 4% sobre os valores dos ganhos mensais
cobertos, sendo que nenhum valor é deposita em conta
individual. Não obstante, os contribuintes voluntários
contribuem com uma alíquota de 18% sobre os ganhos
individuais, sendo que metade (9%) é depositada na
conta individual.
O empregador, por seu turno, contribui com uma
alíquota de 14% sobre a folha de pagamentos, sendo
que 9% vai diretamente para as contas individuais dos
empregados. Como já exposto, o governo arca com
quaisquer déficits e aporta montantes para subsidiar al-
guma categorias e pessoas em determinadas situações.
O valor da pensão por idade é calculado utilizando-
-se a média dos ganhos durante o período de contri-
buição e há sistemas de aumento da aposentadoria para
aquelas pessoas que optem por postergá-la. Neste sen-
tido, a aposentadoria é aumentada em 0,5% para cada
mês que o contribuinte adia a aposentadoria.
Para a aposentadoria por invalidez, aplicam-se as
mesmas disposições acerca da pensão por idade, no que
couber. Já para os casos de pensão por viuvez, tem-se
que o valor da pensão é igual a 60% do valor da pensão
que recebida pelo de cujus.
Para o financiamento das pensões relativas a seguro
saúde e maternidade, tem-se que os empregados contri-
buem com uma alíquota de 5,4% sobre os valores dos
ganhos mensais cobertos. O profissional liberal, por
sua vez, contribui com uma alíquota de 18,4% sobre os
ganhos declarados. Já o empregador contribui com uma
alíquota de 11,4% sobre a folha de pagamentos coberta.
Para ambos os benefícios há um período de carência
de quase 3 anos (2 anos antes da invalidez ou do nas-
cimento do bebê, mais 270 dias antes dos 2 anos). Não
obstante, não há carência para o benefício do seguro
saúde em geral.
Relevante notar que os benefícios médicos incluem
desde simples tratamentos até internações, tratamentos
dentários e vacinação.
Já o seguro contra acidentes de trabalho é financia-
do totalmente pelo empregador, com uma alíquota de
0,8% sobre a folha de pagamentos. Entretanto, o go-
verno arca com qualquer déficit. Não há carência para
o recebimento do benefício. Há uma lista, definida em
lei, de 47 doenças ocupacionais que são cobertas pelo
CONTRIBUINTE ALÍQUOTA BASE DE CÁLCULO TIPO
Empregado11% (4,85% no caso se viúvas e mu-lheres casadas). Adicional de 1% para
ganhos acima de £770Ganhos semanais
“AposentadoriaInvalidezViuvez
Acidente de trabalhoSeguro desemprego”
Contribuintes voluntários Montante fixo de £8,1 por semana
Empregador 12,80%Folha de salários (funcionários que
ganham acima de £105 por semana)
Profissional liberalMontante fixo de £2,3 para ganhos acima de £4.825. Alíquota adicional de 8%
para ganhos entre £5.435 e £40.040. Acima do teto adicional de 1%
Governo Cobre possíveis déficits
Empregador
8% Total do custo (dados os limites) Seguro maternidade
Total dos custos, dado os limites estabelecidos (em certos casos há pagamento parcial)
Seguro saúde
Governo92% Total do custo (dados os limites) Seguro maternidade
Em certos casos há o pagamento de pequena parcela dos custos do seguro saúde Seguro saúde
Tabela 5 – Alíquotas cobradas no Reino Unido
94 TRIBUTAÇÃO em revista
seguro contra acidentes de trabalho.
Os valores recebidos variam entre 55% e 80%, de-
pendendo se a invalidez é temporária ou é necessário
reabilitação, dos ganhos médios diários do empregado.
No caso de invalidez permanente, os valores podem
chegar a 80%, dependendo do grau de invalidez, a ser
aferido por um perito médico da Agência de Seguridade
Social.
No caso de seguro desemprego, tem-se que este é fi-
nanciado pelo empregado com 1% sobre os ganhos co-
bertos, sendo que os contribuintes voluntários pagam
2% de alíquota sobre a mesma base. Já o empregador
contribui com 1% sobre a folha de pagamentos e o go-
verno arca com qualquer déficit. O seguro é no valor de
50% sobre os ganhos médios do empregado, durante 6
meses.
8 – Seguridade, Previdência e Tributação na Ale-
manha
As primeiras leis alemãs acerca de seguridade social
e previdência datam do final do século XVIII e início do
século XIX, como é o caso das relativas à aposentadoria,
invalidez, viuvez, maternidade e seguro saúde.
Após a unificação alemã acorrida em 1990, os siste-
mas de seguridade e previdência continuaram existindo
de forma apartada, havendo a consolidação apenas em
1992, por meio de uma lei nacional. Não obstante, não
foi possível fazer a plena equivalência, no que diz res-
peito à previdência, o que levou a criação de parâmetros
diferentes para os estados que pertenciam à Alemanha
Oriental.
Sendo esse um sistema provisório com vista a equa-
cionar disparidades entre as duas “Alemanhas”, agora
unidas, serão expostos apenas os dados relativos à pre-
vidência do lado ocidental.
Assim como nos outros países já pesquisados, a for-
ma de financiamento da seguridade e previdência alemã
se dá majoritariamente por meio de tributação sobre a
folha de pagamentos, variando apenas a cesta de be-
nefícios que são concedidos para aqueles incluídos no
sistema.
Relevante notar que governo alemão aporta subsí-
CONTRIBUINTE ALÍQUOTA BASE DE CÁLCULO TIPO
Empregado 4% Ganhos cobertos
“AposentadoriaInvalidezViuvez”
Profissional Liberal 18% Ganhos cobertos
Empregador 14% Folha de pagamentos
Governo Qualquer déficit
Empregado 5,40% Ganhos cobertos
“Seguro SaúdeSeguro Maternidade”
Profissional Liberal 18,40% Ganhos cobertos declarados
Empregador 11,40% Folha de pagamentos coberta
Governo Qualquer déficit
Empregador 0,80% Folha de pagamentos total Acidente de trabalho
Empregado Não se aplica Seguro desemprego
Tabela 6 – Alíquotas cobradas na Eslováquia
TRIBUTAÇÃO em revista 95
dios específicos na previdência para compensar os cus-
tos dos benefícios que não são relativos a benefícios
oriundos dos pagamentos dos prêmios.
O valor mínimo para as contribuições à previdência
é de 400 euros (aproximadamente 588 dólares). Há a
possibilidade de diminuição das alíquotas nos casos em
que o contribuinte receba entre 401 e 800 euros por
mês.
A pensão por idade na Alemanha é concedida aos
65 anos de idade, podendo ser antecipada em determi-
nados casos em que haja algum tipo de invalidez que
diminua a capacidade de trabalho. Entretanto está ha-
vendo uma mudança gradual para que a idade mínima
suba para 67 anos. Neste sentido, todas as pessoas nas-
cidas após 1694 só poderão se aposentar aos 67 anos.
Ademais, a partir de 2012 a pensão integral só será paga
aos contribuintes que aportaram recursos por, no míni-
mo, 45 anos.
Para a seguridade relativa à pensão por idade, in-
validez e viuvez, os empregados contribuem com uma
alíquota de 9,95% sobre os valores dos ganhos mensais,
havendo possibilidade de alíquotas menores para quem
recebe entre 401 e 800 euros. Não obstante, os contri-
buintes voluntários (autônomos) contribuem com uma
alíquota de 19,9% sobre os ganhos individuais.
O empregador, por seu turno, contribui com uma
alíquota de 9,95% sobre a folha de pagamentos, todavia
recolhe uma alíquota de 15% sobre os ganhos nos casos
em que empregue trabalhadores que recebem menos de
400 euros.
O valor da pensão por idade é calculado utilizan-
do-se uma série de cálculos que garantem “pontos” ao
contribuinte, que os acumula durante os anos de con-
tribuição. Além disso, há a utilização da média total dos
valores das contribuições e de um fator previdenciário
para os cálculos do valor da pensão.
Para a aposentadoria por invalidez, aplicam-se as
mesmas disposições acerca da pensão por idade, no que
couber. Todavia, o fator utilizado para o cálculo dos
benefícios pode mudar nos casos de invalides total ou
parcial. Já para os casos de pensão por viuvez, tem-se
que o valor da pensão também é calculo de acordo com
um fator previdenciário, mais os anos de contribuição e
o valor esperado para a pensão.
Para o financiamento das pensões relativas a seguro
saúde e maternidade, tem-se que os empregados con-
tribuem com uma alíquota média 7,9% (isto porque as
alíquotas podem variar) sobre os valores dos ganhos
mensais, havendo um teto para as o pagamento de
contribuições. Profissionais liberais não se enquadram
nessa categoria para fins de previdência, não havendo,
pois, contribuição. Já o empregador contribui com uma
alíquota de 7% sobre a folha de pagamentos coberta,
tendo um teto para tais pagamentos. Ademais, o em-
pregador pode pagar uma alíquota majorada para 13%,
nos casos em que o empregado receba menos de 400
euros por mês.
No caso de seguro doença, o empregador deve pagar
100% do valor do salário do empregado por seis meses.
Após esse período, um fundo previdenciário destinado
para esse fim arca com 70% (sendo o limite 90%) dos
ganhos brutos.
Quanto ao seguro maternidade, tem-se que a mu-
lher passa receber a média dos ganhos dos últimos três
meses, sendo o início dos pagamentos seis semanas
antes da data esperada para o parto e durante as oito
semanas subseqüentes ao nascimento da criança. Um
fundo previdenciário paga até 13 euros por dia, sendo
que o restante é arcado pelo empregador.
Já o seguro contra acidentes de trabalho é financiado
totalmente pelo empregador, com uma alíquota média
de 1,32% sobre a folha de pagamentos. As alíquotas
efetivas dependem do grau de risco que a atividade de-
sempenhada gera. Entretanto, o governo subsidia esse
sistema no que concerne aos acidentes de trabalho para
agricultores. Nos casos de total invalidez, a pensão é
equivalente a dois terços da média dos ganhos do ano
anterior. Nos casos de invalidez parcial, há cálculos
para se estabelecer o valor da pensão.
No caso de seguro desemprego, tem-se que este é
96 TRIBUTAÇÃO em revista
financiado pelo empregado com 1,65% sobre os ganhos
cobertos, sendo que os contribuintes voluntários pagam
3,3% de alíquota sobre a mesma base. Já o empregador
contribui com 1,65% sobre a folha de pagamentos e o
governo arca com qualquer déficit. O seguro é no valor
de 67% sobre os ganhos médios do empregado se esse
tiver filhos e 60%, caso não tenha. Não há prazo para o
seguro desemprego.
9 – Considerações finais
Como observado, os países analisados possuem sis-
temas de tributação sobre a folha de pagamentos seme-
lhantes ao Brasil, tributando tanto o trabalhador quanto
o empregador, além de criar tributos específicos para
custear determinados benefícios.
Outro elemento que pôde ser observado é que em
alguns países há programas que incentivam a posterga-
ção da aposentadoria, bem como a igualdade nos trata-
mentos de homens e mulheres.
Não se pode afirmar, a partir das informações co-
lhidas, que a tributação sobre a folha no Brasil é exces-
sivamente alta, pois é necessário que se observe, con-
comitantemente, todos os benefícios concedidos pelo
sistema de seguridade social.
Neste sentido, pode-se observar o caso da Índia.
Neste país a tributação sobre a folha de pagamentos é
baixa, mas, por outro lado, a cesta de serviços ofere-
cida à sociedade é bastante reduzida. Sendo assim, a
discussão sobre o peso dos tributos sobre a folha passa
também pelo modelo de Estado que se quer.
CONTRIBUINTE ALÍQUOTA BASE DE CÁLCULO TIPO
Empregado 9,95% Ganhos
“AposentadoriaInvalidezViuvez”
Profissional Liberal 19,90% Ganhos
Empregador9,95% (15% para ganhos inferiores a
400 euros)Folha de pagamentos
Governo Subsídio para compensar custos de benefícios não cobertos pelos prêmios
Empregado 7,9% (média) Ganhos cobertos
“Seguro SaúdeSeguro Maternidade”
Profissional Liberal Não aplicável
Empregador 7% (Média) Folha de pagamentos coberta
Governo Subsídio para compensar custos de benefícios não cobertor pelos prêmios
Empregador 1,325 Folha de pagamentos total Acidente de trabalho
Empregado 1,655
Seguro desempregoProfissional Liberal 3,30%
Empregador 1,65%
Tabela 7 – Alíquotas cobradas na Alemanha
TRIBUTAÇÃO em revista 97
a RTIGO
Uma Nova Forma de Financiamento da Previdência Social
Luigi Nese 1
ta viável, baseada em um estudo elaborado pela FGV/
SP: a substituição de recolhimento Patronal ao INSS por
uma contribuição sobre Movimentação Financeira. É a
solução apresentada pelo setor de serviços, responsável
por 66% do PIB Nacional e por 35% dos empregos em
2009, e que cresce em média, mesmo em anos de crise,
2,5% ao ano.
O objetivo é desonerar o trabalho, eliminando as
contribuições patronais sobre a Folha de Pagamento,
como 20% de INSS, 2,5% Salário Educação e 0,2%
INCRA. É a busca de uma alternativa capaz de gerar
volume fi nanceiro que irá comportar essa substituição
dos recursos, sem ter um impacto negativo junto à so-
A importância da Previdência Social para o bem es-
tar brasileiro é signifi cativa. Ela funciona como o maior
distribuidor de renda do país, atendendo a todas as
classes sociais. Porém, seu crescente défi cit (média de
R$ 40 bilhões nos últimos 5 anos) inviabiliza reajustes
previdenciários sufi cientes para repor perdas passadas.
Além disso, o ciclo de vida mais longo promove o enve-
lhecimento da população brasileira, pressionando o or-
çamento previdenciário com novos clientes que entram
no sistema todos os anos.
Para resolver esse impasse, a CNS/FESESP (Confede-
ração Nacional de Serviços / Federação de Serviços do
Estado de São Paulo), entra no debate com uma propos-
1- Presidente da CNS-Confederação Nacional de Serviços.
98 TRIBUTAÇÃO em revista
ciedade: basta descontar 0,69% sobre a movimentação
financeira. Esse tipo de imposto é de fácil fiscalização,
pois é feito diretamente na movimentação financeira
bancária, permitindo que todos possam contribuir para
a melhoraria da arrecadação da Previdência Social.
Os reflexos dessa mudança de base tributária são
numericamente positivos em relação à arrecadação do
INSS. De acordo com o quadro abaixo:
Conforme o quadro de estudo elaborado pela FGV/
SP, a implantação desta proposta de Contribuição Sobre
Movimentação Financeira oferece vários pontos positi-
vos para todo o espectro social, num curto espaço de
tempo.
Neste cenário, observa-se um avanço no PIB de
1,65% em razão da mudança da estrutura tributária.
Esse crescimento do nível de atividade econômica seria
acompanhando por uma elevação de 1,60% no empre-
go. A substituição de tributos passa a incidir não so-
mente no setor formal da economia, mas também sobre
a economia informal.
O efeito multiplicador dessa expansão da base de
arrecadação reduz a carga tributária, estimulando assim
o crescimento econômico. Os índices de inflação, por
conseqüência, apresentam variações negativas, tanto o
IGPM 0,75% quanto o IPC 0,45%, visto que tanto o
custo como a carga tributária serão reduzidos, propor-
cionando assim um maior fôlego. Cria-se uma alíquota
única, o que torna mais fácil o seu cálculo e fiscalização.
Em contrapartida, a CNS/FESESP propõe que, para
implantar o projeto, haja um aumento de 0,69% dos
salários de pessoas em contrato CLT. A finalidade é não
onerar o funcionário com os encargos tributáveis, quan-
do o mesmo for sacar os recursos no banco.
Veja quadro abaixo:
Nos quadros abaixo, podemos realizar um compara-
tivo utilizando os anos de 2009 e 2010:
R$ Aumento de 0,69% Mov. Financeira 0,69%
Salário 2.000,00 2.013,80 13,90
Tabela 2 - Simulação da Contribuição Sobre Movimentação Financeira
Elaboração: DEPEC - Departamento de Econômia - Conferderação Nacional de Serviços
PIB Elevação de 1,65%
EMPREGO Aumento de 1,60% no nível geral de emprego
IGPM Redução de 0,75% no IGPM
IPC Redução de 0,45% no IPC
Demanda Total Elevação de 1,77%
Tabela 1 - Reflexo para a Economia
Fonte: Fundação Getulio VargasElaboração: Confederação Nacional de Serviços - Departamento Econômico*Movimentação Financeira de 0,69%
TRIBUTAÇÃO em revista 99
Gráfi co 1 - Contribuição sobre Mov.Financeira (0,69%) X Recolhimento Empresa sobre Folha de Pgto ao INSS (20%) - 2009Elaboração: Confederação Nacional de Serviços - Departamento Econômico Fonte: INSS e Banco Central Dezembro - 2009 * Movimentação Financeira de 0,69%
Gráfi co 2 - Contribuição sobre Mov.Financeira (0,69%) X Recolhimento Empresa sobre Folha de Pgto ao INSS (20%) - 2010Elaboração: Confederação Nacional de Serviços - Departamento EconômicoFonte: INSS e Banco Central* Movimentação Financeira de 0,69%Julho - 2010
100 TRIBUTAÇÃO em revista
No gráfi co nota-se que no período de 2009 há uma
diferença negativa (-3,88) entre o modelo atual de arre-
cadação do INSS e a arrecadação da Contribuição Sobre
Movimentação Financeira; já no período de 2010 essa
diferença fi ca em 2,5% positiva para a arrecadação so-
bre movimentação fi nanceira sobre INSS.
Vejamos no quadro abaixo o período de 2006 a 2008.
Como podemos analisar através do gráfi co acima,
caso fosse adotado a sistemática proposta, a arrecadação
da Previdência Social teria um acréscimo de receita por
parte do INSS e somente no ano de 2009 teríamos um
défi cit de arrecadação.
Gráfi co 3 - Mov. Financeira X Recolhimento Empresa X Saldo do INSS - (2006 - 2008) Elaboração: Confederação Nacional de Serviços - Departamento EconômicoFonte: INSS e Banco CentralSetembro - 2010* Movimentação Financeira de 0,69%
Ano Var %
2006 0,9%
2007 0,4%
2008 2,2%
2009 -4,3%
2010* 0,5%
Tabela 3 - % Variação entre arrecadação movimentação fi nanceira X arrecadação INSS
Elaboração: Confederação Nacional de Serviços - Departamento Econômico2010* (período de janeiro a agosto de 2010)
TRIBUTAÇÃO em revista 101
Vejamos agora num período mais prolongado de
2000 a 2010.
Pelo gráfi co percebe-se na arrecadação simulada da
Previdência Social uma distribuição mais uniforme, eli-
minando picos de dezembro, benefi ciando as empresas
e a previdência, com este fl uxo dos recursos.
Outro fator importante seria a redução da inadim-
plência e informalidade, pois cada empresa, profi ssio-
nal liberal ou cidadão que tivesse sua conta bancária,
estaria contribuindo para o sistema previdenciário.
Haveria então uma melhora no relacionamento en-
tre empregado e empregador, eliminando sensivelmen-
te as alternativas que são utilizadas para a redução da
carga tributária, resultando em ações como “PLR”, “CLT
Flex.”, “Cooperativa PJ’s”, “Cota de benefícios”, que são
instrumentos legais, porém de difícil controle e implan-
tação.
É importante ressaltar a causa dos refl exos positivos
da implantação deste novo sistema de tributação, tan-
to no crescimento das atividades econômicas do país
Gráfi co 4 - Recolhimento Empresa ao INSS X Movimentação Financeira Simulada - (2000 à 2010) Elaboração: Confederação Nacional de Serviços - Departamento EconômicoFonte: INSS e Banco CentralSetembro - 2010*Movimentação Financeira de 0,69%
REFERÊNCIAS
quanto na redução de preços: trata-se da redução das
distorções de preços e das inefi ciências que surgem com
a elevada tributação sobre mão-de-obra, que incide ex-
clusivamente sobre a economia formal, onerando a pro-
dutividade. A redução da carga tributária com a amplia-
ção da base de contribuintes para a Previdência Social,
com a inclusão de parte da economia informal e sone-
gadores, permite que seja obtida a mesma arrecadação
num ambiente de maior prosperidade econômica.
FGV. Fundo sobre a Carga Tributária no Setor de Servi-ços e Impactos da Desoneração da Folha de Pagamen-tos na Economia Brasileira. São Paulo: FGV, 2009.
CONFEDERAÇÃO NACIONAL DE SERVIÇOS. De-partamento Econômico. SÃO PAULO, 2010.
102 TRIBUTAÇÃO em revista
a RTIGO
A Desoneração da Folha e a Reforma Previdenciária
Floriano José Martins1
Por ouro lado, o peso da carga tributária não deve
ser impeditivo ao desenvolvimento social e econômico,
portanto, deve ser compatível com as riquezas produ-
zidas em uma sociedade.
Não há no mundo civilizado critérios objetivos
para estabelecer quando uma tributação está ou não
“de bom tamanho”, ou seja, compatível com as neces-
sidades da população e a quantidade dos serviços pres-
tados pelo Estado.
Se compararmos com alguns países, conforme estu-
do da Secretaria da Receita Federal do Brasil, com dados
de 2008, verificamos que, enquanto o Brasil tem uma
carga tributária de 34,4%, alguns países têm carga me-
nor, como o Japão (17,6%), México (20,4%), Turquia
(23,5%), Estados Unidos (26,9%), Irlanda (28,3%),
1. Princípios Tributários
Todos nós sabemos que o Estado precisa de dinhei-
ro para pagar suas contas, e a principal fonte de recur-
sos para efetuar despesas são os impostos.
Nesse sentido, nós que fizemos parte do Estado, ao
decidirmos tributar a nós mesmos, estamos decidindo
sobre a maneira pelas quais os recursos exigidos para
atender às necessidades sociais serão retirados de to-
das as nossas famílias e das empresas que possuímos, e
destinados a bens e serviços públicos.
É pensamento constante que os tributos deveriam
impor o menor custo possível à sociedade e que o ônus
dos mesmos deveria ser distribuído da maneira mais
igualitária, ou seja, o sistema tributário deveria ser tan-
to eficiente quanto eqüitativo.
1- Vice Presidente para Assuntos de Seguridade Social – ANFIP (Associação Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal do Brasil).
TRIBUTAÇÃO em revista 103
Suíça (29,4%), Canadá (32,2%) e Espanha (33%).
Porém, acima do Brasil, estão Reino Unido (35,7%),
Alemanha (36,4%), Portugal (36,5%), Luxemburgo
(38,3%), Hungria (40,1%), Noruega (42,1%), Fran-
ça (43,1%), Itália (43,2%), Bélgica (44,3%), Suécia
(47,15) e Dinamarca (48,3%). Portanto, segundo o es-
tudo, a carga tributária, em tese, mostra uma estreita
ligação ao perfil de países com maior ou menor grau de
demanda social à população.
Um sistema tributário justo é aquele que tributa
menos a produção e mais a renda. Todo o sistema tri-
butário deve buscar um equilíbrio social entre capi-
tal e trabalho e procurar diminuir a tributação sobre
consumo e salários, ampliando-se a tributação sobre
o capital, especialmente a sua transmissão, as grandes
fortunas e os ganhos financeiros.
No Brasil, não tão diferente dos demais países, há
discussão de toda ordem, em função da alta carga tri-
butária, do seu sistema tributário e, talvez, muito mais
sobre o retorno de seus benefícios.
Entretanto, nos parece que a crítica de maior alcan-
ce advém dos agentes econômicos, deixando patente o
efeito negativo que impede o desenvolvimento compe-
titivo, e a eficácia das negociações brasileiras, visando
a sua integração em blocos de comércio.
Por outro lado, não é menos verdade, que na dis-
cussão, de nosso sistema tributário, os maiores debates
tem sido com os próprios segmentos econômicos, dei-
xando de lado da discussão os demais setores envolvi-
dos, ou seja, a grande massa da sociedade laborativa.
Até porque o debate é travado mais sobre a ótica eco-
nômica do que a social.
Entretanto, nada ou muito pouco é tributado em re-
lação aos fabulosos lucros das grandes empresas, pois
todo tipo de tributação recai sobre o preço final do
produto, ou seja, em quem compra (na pessoa de carne
e osso).
Porém, seguindo alguns princípios de direito e de
justiça, até mesmo de igualdade, o princípio da Capa-
cidade Contributiva existe, não somente para proteger
o cidadão contra os abusos do poder do Estado, mas
para a busca de uma tributação mais igualitária e mais
justa.
E este princípio, qualquer que seja ele, está inti-
mamente ligado ao modelo de Estado: a forma de ser
financiado, os serviços públicos que serão prestados,
quem se utiliza dos serviços públicos, como se dis-
tribuem pela Federação a responsabilidade pelos ser-
viços e a repartição tributária, os setores sociais que
responderão pelos tributos, o objeto da tributação, os
incentivos tributários, além da própria administração
tributária e sua hierarquização. Portanto, definir sobre
quem, direta ou indiretamente, recaem esses encargos
correspondem opções políticas, que podem resultar
em concentração ou distribuição de renda, privilégio a
setores e agentes econômicos, ampliar ou diminuir as
desigualdades regionais, e ainda servir de instrumento
para o desenvolvimento social e econômico.
2. A Seguridade Social e seus efeitos
O processo constituinte, nascido em 1988, produ-
ziu grandes avanços no campo social. Entre eles, cita-
mos o da Seguridade Social. Seu conceito: “um conjun-
to de ações destinadas a assegurar direitos relativos à
saúde, previdência e assistência social”; os princípios
e a identificação com a cidadania, com uniformidade,
equidade e universalidade; e o seu Orçamento próprio
(o principal instrumento de efetivação desses direitos,
com pluralidade de fontes de financiamento e progra-
mações de despesas dos órgãos responsáveis pela pres-
tação dessas funções públicas).
Daí o financiamento dessas ações ser definido como
um encargo da sociedade em seu conjunto e os riscos
cobertos não como mera contrapartida de contribui-
ção individual, mas como obrigações assumidas pela
Seguridade Pública, enquanto instrumento de política
social.
Estudos sobre a análise do Orçamento da Segurida-
de Social, anualmente divulgado pela ANFIP (Associa-
ção Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal
104 TRIBUTAÇÃO em revista
do Brasil), revelam que a receita vem superando em
todos os anos as despesas, saldos esses que podem am-
pliar as ações de todo o sistema de Seguridade Social.
Somente em 2009 foram R$ 32,60 bilhões de superávit
(Anfip, Análise da Seguridade Social, 2009 –www.an-
fip.org.br).
Aliás, a análise das ações da Seguridade Social é
muito importante para a compreensão do papel dos
principais programas da construção do mercado inter-
no brasileiro na mobilidade social determinada pela re-
dução brutal da miséria e no aumento significativo dos
setores da classe média.
Mesmo com seus recursos alocados para outros fins
que não da Seguridade Social, além da Desvinculação
de Receitas da União – DRU, instrumento que retira de
sua receita vultosa quantia de recursos e que deveria
fazer parte de seu orçamento e das diversas renúncias
praticadas, com impacto direto nas receitas, suas ações
tem superado em muito, inclusive para fazer face ao
enfrentamento da crise.
Assim, constata-se que o processo constituinte pro-
duziu grandes avanços no campo social. Mas, é im-
prescindível que esse processo seja mais transparente,
principalmente quanto à segregação dos Orçamentos
Fiscal e da Seguridade Social, onde a sociedade possa
analisar com mais detalhes os fluxos financeiros e de
programações de despesas entre esses orçamentos.
A defesa da Seguridade Social, do seu Orçamento e a
preservação de suas fontes exclusivas de financiamento
é dever de todas as entidades e setores organizados da
nossa sociedade que lutam pelos direitos sociais, prin-
cipalmente quanto à proposta de Reforma Tributária,
atualmente no congresso. Além de não avançar rumo à
desejável e necessária justiça tributária, subtrai da Se-
guridade a exclusividade de parte de suas receitas e a
pluralidade de suas fontes de financiamento, represen-
tadas pela existência das contribuições sociais sobre o
lucro e o faturamento.
Implementar reformas que desconstituam a Seguri-
dade pode ser o primeiro passo para a retomada do dis-
curso em defesa da necessária reforma da previdência.
Aliás, a Reforma da Previdência tornou-se uma
questão recorrente e, portanto, considerada a “salva-
ção da pátria” para muitos, independente dos sacrifí-
cios necessários à determinada classe de trabalhadores,
mesmo que seja a parcela do menor poder aquisitivo.
3. A desoneração da Folha de Salários
Dentro da proposta da Reforma Tributária (PEC
233) está inclusa a redução da alíquota de contribuição
patronal à Previdência, que hoje é de 20% sobre a folha
de salário. A alíquota seria reduzida em um ponto per-
centual por ano a partir de 2010 e, em 2015, chegaria
a 14%. Com isso, o governo abriria mão de cerca de R$
24 bilhões e atenderia a uma reivindicação antiga dos
empresários.
Sem entrar no mérito das outras rubricas, em face
do espaço, analisemos esta proposta, essência deste ar-
tigo.
Diversas e variadas opiniões cercam o assunto e,
pelo menos um ponto vem sendo questionado, por di-
versos especialistas, o que poderá haver aumento da
carga tributária, para compensar o que seria desone-
rado.
A questão da flexibilidade da cota patronal previ-
denciária vem sendo motivo de intenso debate entre os
tributaristas e em círculos empresariais e parlamenta-
res, além da pressão das entidades de trabalhadores, os
quais temem pelo futuro incerto de seus direitos pre-
videnciários.
A importância dessa matéria se justifica pela con-
trovérsia em torno da relação que se estabelece entre a
redução de custo e a geração de empregos, ou seja, até
que ponto a desoneração da folha das empresas pos-
sibilitaria o crescimento do mercado formal e, conse-
qüentemente, a recuperação da receita previdenciária,
com a expansão da cobertura do sistema.
Aliás, não se tem bons exemplos, em outros paí-
ses, de que a redução da alíquota incidente da folha
de salário tenha resultado em aumento do número de
TRIBUTAÇÃO em revista 105
empregos, simplesmente. Portanto, não existe consen-
so na experiência internacional de que a redução dos
custos trabalhistas implicará em aumento do empregos
ou melhoria do desempenho da economia.
O aumento de empregos, tal como aconteceu nos
últimos anos, gerando em torno de 13 milhões de car-
teiras assinadas, de 2004 a 2009, apesar da crise, foi
em função da aplicação do modelo de desenvolvimento
social e econômico.
Mesmo assim, o Brasil, seguindo a tendência mun-
dial, busca novas formas de financiamento da Previ-
dência Social, o que não deveria, pois, seu sistema de
Seguridade Social foi sempre equilibrado. Aliás, até
o seu subsistema previdenciário contributivo urbano
está superavitário, o que demonstra, como sempre foi
afirmado, por diversas especialistas, que basta que haja
o crescimento da economia para que a previdência pos-
sa ser equilibrada.
Porém, é preciso nessa discussão analisar os en-
cargos que compõe o custo da mão-de-obra, além da
contribuição previdenciária (22%), as outras contri-
buições sociais, tais como: FGTS (8%), Salário-Educa-
ção (2,5%), INCRA (0,2% a 2,5%), todo o sistema “S”
(5,8%), sem falar na remuneração paga diretamente ao
trabalhador, como as férias, décimo terceiro e descanso
semanal.
Discutir essas contribuições é fundamental, para
que tenhamos uma visão, não só de toda a oneração do
custo da mão-de-obra, mas identificar quais delas são
prioritárias para a sociedade como um todo e/ou que
possam ter outras formas de receitas, para fazer face
suas ações.
Na esteira da Previdência Social a Emenda Consti-
tucional nº 47, de 2005, alterou o parágrafo 9o, do art.
195 da CF, possibilitando a tributação diferenciada em
razão de alguns critérios e com objetivo de desonerar a
folha de pagamento:
§ 9º As contribuições sociais previstas no inciso I do caput deste artigo poderão ter alíquotas ou bases de cálculo diferenciadas, em razão da ativi-
dade econômica, da utilização intensiva de mão--de-obra, do porte da empresa ou da condição estrutural do mercado de trabalho.
Com base neste dispositivo nasceram as Leis Com-
plementares 123 e 128, o chamado Simples Nacional,
onde foi significativo o número de adesão a esse siste-
ma, totalizando hoje mais de três (3) milhões de em-
presas, embora o impacto das receitas não tenha sido
nas mesmas proporções.
Mesmo com o sucesso de adesão do sistema Sim-
ples, é por demais arriscado sugerir que deva existir
uma única fonte de financiamento e aceitar a transfe-
rência de impostos para atender as políticas sociais, o
que pode, simplesmente, tornar inviável um dos meca-
nismos mais poderosos que possam existir para a redu-
ção das disparidades.
É importante esclarecer que o elevado nível de en-
cargos sociais (se é que existe) sobre a folha salarial é
devido à necessidade de garantir um nível de rendi-
mentos, ao segurado, próximo ao auferido durante a
vida laboral ativa, sem falar, é claro, no redutor que o
Fator Previdenciário produz.
4. Proposta de Faturamento Líquido
É interessante observar que proposta de reforma
alguma analisa se o peso de salários e encargos em re-
lação ao PIB é inadequado. As propostas continuam
presas à idéia de que é preciso dar mais estímulos aos
empresários para investir, sem considerar a fragilidade
da demanda efetiva observada na economia.
Talvez a mais consistente reforma fosse a de pro-
mover mudanças na tributação de renda e proprieda-
de que diminuam a grande disparidade social que nos
coloca entre um dos países mais desiguais do mundo.
Porém, dentro do atual modelo econômico brasi-
leiro, exigir que as contribuições sobre a folha de sa-
lários arquem com a integralidade das despesas com
benefícios (previdenciários urbanos e rurais) oneram
demasiadamente as obrigações sociais das empresas e
tornam o emprego formal desestimulador, pelo porte
106 TRIBUTAÇÃO em revista
dos encargos de que se trata e pela desproporção en-
tre a contribuição do empregado e a do contribuinte
individual.
Em pior situação estariam às empresas que se uti-
lizam de mão-de-obra intensiva. Ampliando sua carga
tributária, o modelo estaria induzindo à redução dos
postos de trabalho e agravando ainda mais a situação
da Previdência.
Por outro lado, mesmo com um saldo bastante po-
sitivo, a diversificação de fontes de financiamento da
Seguridade Social (faturamento/receita, lucro líquido e
folha de salários), a cargo da empresa, determinada no
texto constitucional está a exigir um processo contínuo
e permanente de correlação entre as contribuições so-
ciais derivadas nessas fontes, objetivando um equilí-
brio gradativo desses encargos, visando não prejudicar
a necessária automação das empresas nem punir aque-
las que utilizem intensivamente mão-de-obra.
Evidentemente, um maior gerenciamento nas ações
arrecadadoras, inibindo a evasão fiscal, tanto no setor
informal, quanto no formal, fazendo com que todos os
contribuintes em potencial se conscientizem, da cha-
mada “solidariedade contributiva”, é urgente e neces-
sário.
Medidas que possibilitem o desenvolvimento sus-
tentado, com crescimento econômico e social (como já
dito), com política de pleno emprego, principalmente,
dirigido à infra-estrutura, saúde, educação, saneamen-
to básico etc, são também prementes.
Neste sentido, no bojo da atual discussão sobre de-
soneração da folha de salários para o financiamento da
Previdência Social, sugerimos a Contribuição Social
sobre o Faturamento Líquido, entendido este como a
diferença entre o Faturamento Bruto e o valor da folha
de salários que serve de base à contribuição previden-
ciária.
Essa proposta, caso implantada, permitiria no curso
de um período não muito longo, fruto da experiência
observada, caminhar paulatinamente no progressivo
aumento da contribuição sobre o faturamento, dimi-
nuindo-se, ainda que proporcional o encargo sobre a
folha de salários, uma vez que dificilmente, poder-se-ia
pensar na sua desoneração total.
Nesta hipótese, haveria favorecimento à formaliza-
ção da mão-de-obra, sem, entretanto, desestimular as
empresas que investem em modernização, objetivan-
do melhoria dos níveis de competitividade.
No mesmo sentido, poder-se-ia simular novos ce-
nários vinculando a outro tributo que venha substi-
tuir a COFINS/CSLL, sempre com o objetivo de in-
centivar o processo produtivo. O foco é privilegiar as
atividades econômicas intensivas em mão-de-obra, de
tal maneira que o mercado formal seja preservado e
intensificado e, para esse fim, evitar perdas de receita
para o sistema.
A referida proposta é uma pequena colaboração, no
sentido de provocar uma ampla discussão em torno do
financiamento da Seguridade Social, da alta carga tri-
butária, principalmente no atual modelo econômico,
onde sua conseqüência é o maior privilégio das em-
presas com maior suporte tecnológico, maiores ganhos
de escala, maiores lucros, e aquelas em que na compo-
sição final das receitas têm maior participação: as de
origem financeira.
TRIBUTAÇÃO em revista 107
a RTIGO
O Fator Previdenciário1
Celecino de Carvalho Filho2
Ademais, é o benefício mais caro da previdência, por-
que atende aos trabalhadores de maior renda, representando
quase a metade (46,5%) das despesas com aposentadorias,
e dos mais duradouros, porque a tônica dessa aposentadoria
é sua concessão precoce, tornando o Brasil campeão nessa
matéria.
Pois bem, provavelmente consciente das distorções ir-
refutáveis da aposentadoria por tempo de contribuição, o
governo (Executivo e Legislativo), em vez de enfrentar o
problema, divulgando essas informações à exaustão, discu-
tindo-as com a sociedade, propondo soluções baseadas na
doutrina e na experiência internacional, opta por apresentar
alternativas ilusórias que só criam mais resistência a qual-
quer mudança no sentido de extirpar esse benefício do con-
junto de prestações de seus regimes de previdência.
Primeiro, para fi car nas mais recentes, troca-se o termo
serviço por contribuição, para eliminar os chamados tempos
fi ctícios; depois, inclui-se em reforma constitucional o limite
de idade fi xo, fazendo uma enorme confusão ao inverter o
que recomenda a doutrina3, afi rmando que, dessa forma, o
problema dessa aposentadoria estaria resolvido.
O Brasil tem sido pródigo em não enfrentar seus pro-
blemas estruturais, de forma direta e aberta, razão pela qual
continuamos registrando índices inomináveis de desigualda-
de socioeconômica e de baixa qualidade de vida.
Na Previdência Social não tem sido diferente.
Há décadas, estudiosos apontam a aposentadoria por
tempo de serviço, atualmente aposentadoria por tempo de
contribuição, como uma das principais distorções do nosso
sistema previdenciário.
Não sem razão, porque essa aposentadoria, a rigor, só
atende a um dos princípios fundamentais que devem reger
um regime de previdência, que é a contribuição.
Não atende ao primeiro de todos os princípios, a uni-
versalidade de acesso. Atualmente, cerca de 28% dos contri-
buintes têm direito a esse benefício, porque os demais não
completam o tempo de contribuição, dados o não registro
da carteira de trabalho e a alta rotatividade da mão de obra.
Fundamentalmente, em regra, os que obtêm essa apo-
sentadoria estão em plena capacidade laborativa, o que nega
outro princípio basilar de qualquer regime previdenciário
calcado na doutrina e na boa técnica.
1- Adaptação de artigo publicado no blog Rumos do Brasil
2- Economista, Especialista em Seguridade Social e Educador Previdenciário
108 TRIBUTAÇÃO em revista
O Supremo Tribunal Federal derrubou essa tentativa,
que seria apenas mais uma empulhação, porque em nada
resolveria o problema, vez que o limite de idade proposto,
além de fi xo, já correspondia à idade de concessão dessa
aposentadoria.
Perdida essa batalha, que custou muito caro aos cofres
públicos no viesado processo de negociação com o Congres-
so Nacional, passou-se a buscar outros remendos, difi cul-
tando o acesso à aposentadoria por tempo de contribuição4,
cujo único objetivo era reduzir a despesa.
Assim surgiu a aberração chamada Fator Previdenciário:
tecnicamente, é uma fórmula que considera a idade, tempo
de contribuição, além da expectativa de sobrevida na data da
concessão do benefício.
Na prática, primeiro, foi uma resposta à negativa do STF
em manter o limite de idade proposto na Emenda Constitu-
cional n. 20.
Em segundo lugar, é um forte redutor do valor dessa
aposentadoria, de forma mais acentuada para as mulheres,
mas com o falso discurso de bases doutrinárias e ainda o es-
cárnio de utilização contraditória de uma musa (gênero mais
prejudicado) para dourar a pílula de um esbulho de solução.
Os dados atuais não deixam dúvida quanto essa cha-
mada vitória para o Executivo: economizaram-se nesses 10
anos mais de 12 bilhões de reais.
Perdeu-se, porém, além de mais uma oportunidade de
iniciar a solução defi nitiva para essa distorção, a credibi-
lidade do regime, frustrando expectativas, porque mudou
a regra de concessão de um benefício, que é um insofi s-
mável equívoco, mas que continua no rol dos benefícios
oferecidos.
A diferença é que, se for solicitado observando-se apenas
o tempo de contribuição, a redução, normalmente, situa-se
na casa dos trinta por cento, para os homens, e percentual de
desconto ainda maior para as mulheres.
A solução que tenho proposto é adotar-se um processo
de transição, considerando a existência do fator previdenciá-
rio e a grande difi culdade política de extinção pura e simples
dessa aposentadoria.
Esse é um benefício, fundamentalmente, da classe mé-
dia, que tem enorme poder de pressão. Os outros obstáculos
são o populismo do Executivo, nada de desgaste da imagem
presidencial, e a fragilidade do Congresso Nacional, face aos
seus lastimáveis e corriqueiros desmandos.
Entendo que a forma possível de solução desse problema
é transitar da aposentadoria por tempo de contribuição para
a aposentadoria por idade, esse sim, um benefício com total
respaldo na doutrina e na boa técnica previdenciárias.
Assim, proponho considerar a idade média de concessão
da aposentadoria por tempo de contribuição, aos 53 anos,
para o homem, e aos 48, para a mulher e, a cada ano, acres-
centar-se mais um ano como limite de idade, até atingirem-
-se os limites de 65 e 60 anos, respectivamente, para o ho-
mem e para a mulher.
Ao mesmo tempo, promover o desconto gradual do efei-
to do fator previdenciário, reduzindo-o proporcionalmente
nesses doze anos de transição, até a sua extinção.
Dessa forma, ao atingirem-se os limites de idade de 65
anos, para o homem e 60, para a mulher, automaticamente,
a aposentadoria por tempo de contribuição equiparar-se-á à
aposentadoria por idade, ao mesmo tempo em que se extin-
gue também o fator previdenciário.
Idêntica providência deve ser adotada para o regime de
previdência dos servidores públicos civis, ainda que não te-
nha o fator previdenciário.
Com isso, encerra-se um triste capítulo do rol das distor-
ções do nosso sistema previdenciário, cuja origem remonta
ao Decreto de 1° de outubro de 1821, do Príncipe Regente
Pedro de Alcântara, que concedia aposentadoria aos mestres
e professores com 30 anos de serviço.
Esse próprio Decreto, já prevendo que muitos, apesar
das difi culdades da época, não perderiam a capacidade de
trabalho e, não querendo se aposentar, teriam um abono de
25% de seu salário, outra distorção, extinta em 1991.
3- Qualquer regime de previdência baseado na doutrina clássica as pessoas só devem utilizar de benefício quando perdem a capacidade de trabalho, na medida em que são atingidas pelos chamados riscos sociais: doença, invalidez, desemprego involuntário, idade avançada e morte, além de maternidade e reclusão, tudo mediante contribuição. Assim, por exemplo, a aposentadoria por idade, sendo um benefício programável, só deve ser concedida se o segurado tiver um mínimo de contribuições vertidas ao seu regime de previdência.
4- Duas das alternativas apresentadas como solução para a aposentadoria por tempo de contribuição foram as fórmulas 95, para o homem, e 85, para a mulher, que resultariam da soma da idade da pessoa com o seu tempo de contribuição, apenas mais uma tentativa de não enfrentamento da verdadeira questão: a imperiosa necessidade de extinção dessa aposentadoria.
TRIBUTAÇÃO em revista 109
Supremo Tribunal Federal confi rma a inconstitucionalidade de contribuição previdenciária
de inativos durante a EC nº 20/1998
qUESTÕES POLÊMICAS EM DIREITO TRIBUTÁRIO
Natureza: Ação Direta de Inconstitucionalidade
Órgão julgador: Plenário do Supremo Tribunal Federal
Nº do Processo: ADI 2189 e ADI 2158
Relator: Ministro
Matéria: Contribuição previdenciária: incidência sobre proventos da inatividade e pensões de servidores públi-cos – Inconstitucionalidade – EC nº 20/1998
Recorrente: Procuradoria Geral da Republica e Associação dos Magistrados Brasileiros
Requerido: Governador do Estado do Paraná
Data da Decisão: 15/09/2010
Publicação: Aguardando publicação do inteiro teor do acórdão
Texto da Decisão: ADI 2189/PR - O Tribunal, por maioria e nos termos do voto do Relator, rejeitou a preliminar de prejudicialidade, contra os votos dos Senhores Ministros Marco Aurélio, Ellen Gracie e Celso de Mello. No mérito, por unanimidade e nos termos do voto do Relator, julgou procedente a ação direta. Votou o Presidente, Ministro Cezar Peluso. Impedido o Senhor Ministro Gilmar Mendes. Ausente, justifi cadamente, o Senhor Ministro Ricardo Lewandowski. Plenário, 15.09.2010.
ADI 2158/PR - O Tribunal, por maioria e nos termos do voto do Relator, rejeitou a preliminar de prejudicialidade, contra os votos dos Senhores Ministros Marco Aurélio, Ellen Gracie e Celso de Mello. No mérito, por maioria e nos termos do voto do Relator, julgou procedente em parte a ação direta, contra os votos dos Senhores Ministros Marco Aurélio e Ayres Britto, que não declaravam a inconstitucionalidade do Decreto nº 721/99. Votou o Presidente, Minis-tro Cezar Peluso. Impedido o Senhor Ministro Gilmar Mendes. Ausente, justifi cadamente, o Senhor Ministro Ricardo Lewandowski. Falou pela requerente o Dr. Alberto Pavie Ribeiro. Plenário, 15.09.2010.
110 TRIBUTAÇÃO em revista
O Supremo Tribunal Federal pacifi cou o entendimen-
to de que é inconstitucional a lei, editada sob o amparo da
Emenda Constitucional nº 20/98, que prevê a incidência de
contribuição previdenciária sobre os proventos dos servido-
res públicos inativos e respectivos pensionistas.
O Supremo Tribunal Federal julgou procedentes duas
Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADIs) que chegaram
à Corte há 10 anos, questionando a legislação do estado do
Paraná que instituiu contribuição previdenciária para inati-
vos e pensionistas.
A ADI 2189 foi ajuizada na Corte pela Procuradoria-Ge-
ral da República para questionar expressões constantes da Lei
12.398/98, do Paraná, que tratava da cobrança. Segundo a
PGR, tais dispositivos, que determinaram expressamente o
pagamento de contribuição previdenciária sobre proventos e
pensões de servidores do Estado do Paraná, seriam inconsti-
tucionais. A partir da Emenda Constitucional nº 20/98, fi cou
vedada a instituição de cobrança previdenciária sobre pro-
ventos, aposentadorias e pensões, argumentou a PGR.
O plenário do STF foi unânime na decisão de inconstitu-
cionalidade de todos os dispositivos questionados pela PGR.
A segunda ADI 2158, foi ajuizada no STF pela Associa-
ção dos Magistrados Brasileiros para questionar a mesma
Lei 12.038/98, do Estado do Paraná, e ainda o Decreto nº
721/99, editado para regulamentar a lei.
Os dispositivos questionados, segundo a Associação,
teriam criado um serviço autônomo, denominado Paraná
Previdência, por meio do qual todos os magistrados, apo-
sentados e pensionistas de magistrados, foram obrigados a
contribuir para essa nova entidade previdenciária.
Ambas as entidades, sustentaram a tese de que após a
redação dada pela EC nº 20/98, passou a ser considerada
inconstitucional a instituição da cobrança previdenciária em
questão.
Na ADI 2158, a decisão foi pela procedência parcial, uma
vez que dois dispositivos questionados não foram declarados
inconstitucionais pelos Ministros do STF.
O Ministro José Antonio Dias Toffoli decidiu aplicar,
quanto a esses dois pontos específi cos o artigo 69, inciso I,
da Lei 12.398/98 e artigo 7º do Decreto 721/99 , a técnica
da declaração de inconstitucionalidade sem redução de texto.
Os ministros Marco Aurélio Mello e Carlos Ayres Britto
divergiram do relator apenas quanto à declaração de incons-
titucionalidade do Decreto 721/99. Para os dois, não cabe
o controle de constitucionalidade de atos regulamentares,
como é o caso dessa norma.
Ressalta-se que a vigência das normas estavam suspensas
desde o ajuizamento das ações, vez que foram concedidas
cautelares que tiveram como efeito a suspensão das leis ques-
tionadas, até o julgamento fi nal.
Importante dizer que a Emenda Constitucional no 20/98
consolidou o novo modelo previdenciário com ênfase no ca-
ráter contributivo e na necessidade de equilíbrio fi nanceiro e
atuarial, alterando signifi cativamente a redação original dada
ao art. 40 da Constituição Federal, modifi cando as regras da
aposentadoria.
Ela estabeleceu critérios e limitações para a organização
dos regimes próprios de previdência social para os servidores
públicos. Dentre as inovações apresentadas pela EC 20/98
está a criação da contribuição obrigatória, custeada mediante
as contribuições de todos os servidores ativos. Tais contribui-
ções deveriam resguardar o equilíbrio fi nanceiro e atuarial do
regime.
O limite de valor para os proventos foi modifi cado, não
podendo exceder, por ocasião de sua concessão, a remunera-
ção referente ao cargo efetivo em que se deu a aposentadoria
ou que serviu de referência para a concessão da pensão.
Para cálculo e concessão de benefi cio foi vedada a inclu-
são de parcelas remuneratórias especifi cas.
A EC 20/98 manteve a revisão de proventos na mesma
proporção e data que em houver modifi cação na remune-
ração dos servidores ativos. Todos os benefícios e vantagens
concedidos aos servidores em atividade foram estendidos aos
inativos.
A partir da EC 20/98, o direito previdenciário transitou
do caráter universal/solidário para o tributário/compulsório/
contributivo com clara demonstração de inobservância à tra-
dicional jurisprudência fi rmada pelos tribunais de vedar essa
exigência de taxação após o advento da aposentadoria.
Assim, chega ao fi m essa polêmica surgida com a edição
da EC nº 20 e que desrespeitava os direitos dos servidores
ativos e inativos, prevalecendo a justiça.
Alexandra Trentini
Advogada – Assessora de Diretoria
Departamento de Estudos Técnicos
Sindifi sco Nacional
Lei Orgânica do Fiscoboa para a Sociedade
essencial para o Brasil
Desde 2005, o SINDIFISCO NACIONAL (Sindicato dos
Auditores-Fiscais da Receita Federal do Brasil) tem
defendido a aprovação de uma Lei Orgânica do Fisco –
LOF que garanta à sociedade brasileira uma Receita
Federal do Brasil (RFB) mais justa e transparente.
A LOF é um conjunto de normas que estabelece, entre
outras medidas, autonomia técnica e independência à
RFB. Trata-se de um instrumento jurídico que assegura
uma fiscalização tributária moderna, independente e
livre de pressões externas.
Benefícios para a Sociedade Fim da Ingerência na ReceitaTratamento isonômico aos contribuintes
Incentivo à discussão da Justiça Fiscal
Defender uma Lei Orgânica para a Receita Federal do Brasil significa defender uma moderna administração tributária, previdenciária e aduaneira, garantindo múltiplas fontes de recursos para o financiamento de políticas da Seguridade Social, objetivando uma redução das desigualdades sociais e a continuidade do desenvolvimento econômico e social.
Diretoria Executiva Nacional
programa de integração evalorização
C
M
Y
CM
MY
CY
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K
LOF.pdf 1 27/07/2010 14:02:54
Lei Orgânica do Fiscoboa para a Sociedade
essencial para o Brasil
Desde 2005, o SINDIFISCO NACIONAL (Sindicato dos
Auditores-Fiscais da Receita Federal do Brasil) tem
defendido a aprovação de uma Lei Orgânica do Fisco –
LOF que garanta à sociedade brasileira uma Receita
Federal do Brasil (RFB) mais justa e transparente.
A LOF é um conjunto de normas que estabelece, entre
outras medidas, autonomia técnica e independência à
RFB. Trata-se de um instrumento jurídico que assegura
uma fiscalização tributária moderna, independente e
livre de pressões externas.
Benefícios para a Sociedade Fim da Ingerência na ReceitaTratamento isonômico aos contribuintes
Incentivo à discussão da Justiça Fiscal
Defender uma Lei Orgânica para a Receita Federal do Brasil significa defender uma moderna administração tributária, previdenciária e aduaneira, garantindo múltiplas fontes de recursos para o financiamento de políticas da Seguridade Social, objetivando uma redução das desigualdades sociais e a continuidade do desenvolvimento econômico e social.
Diretoria Executiva Nacional
programa de integração evalorização
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