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Tribunal da Relação de ÉvoraProcesso nº 36/18.5GDFTR.E1
Relator: SÉRGIO CORVACHOSessão: 08 Outubro 2019Votação: UNANIMIDADEMeio Processual: RECURSO PENALDecisão: NEGADO PROVIMENTO
OFENSA À INTEGRIDADE FÍSICA QUALIFICADA
CRIME CONTINUADO ARMA
Sumário
I - O bem jurídico especialmente tutelado pela norma que prevê e pune os
atentados contra a integridade física de outrem é de natureza eminentemente
pessoal, pelo que está afastada a punição como um único crime continuado de
atos reiterados dessa natureza, ainda que cometidos sobre a mesma pessoa.
II - A agravação prevista no n.º3 do artigo 85.º da Lei n.º 5/2006, de 23 de
Fevereiro, opera pelo mero porte da arma pelo agente ou por um dos agentes,
não sendo necessário, para tanto, que dela se faça algum tipo de utilização,
quanto mais não seja a sua simples exibição, mesmo que o agente esteja
legitimado a deter a arma, no caso um machado, que é um instrumento de
aplicação definida.
III – O que a justifica a agravação é a perigosidade objetiva do objeto (arma),
que tem o condão de potenciar a danosidade da conduta integradora do crime.
Texto Integral
ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, NA SECÇÃO CRIMINAL DO TRIBUNAL
DA RELAÇÃO DE ÉVORA
I - Relatório
Por acórdão do Tribunal Colectivo proferido em 4/4/2019 no Processo Comum
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nº 36/18.5GDFTR, que correu termos no Juízo Central Cível e Criminal do
Tribunal Judicial da Comarca de Portalegre, foi decidido:
a) Absolver o arguido NG pela prática, como autor material, de um crime de
violência doméstica na pessoa de EN, p. e p. pelo artigo 152.º, n.º 1, alínea
b) e n.º 2, do Código Penal, condenando-o como autor material na prática, em
concurso efectivo, de dois crimes de ofensa à integridade física
qualificada na pessoa de EN, ambos p. e p. pelo artigo 145.º, n.º 1, alínea a) e
n.º 2, com referência ao artigo 132.º, n.ºs 1 e 2 alínea b), do Código Penal,
condenando-o na pena de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão
relativamente a cada um desses crimes;
b) Unificar as penas fixadas na alínea a), condenando o arguido NG na pena
única de 3 (três) anos e 8 (oito) meses de prisão efectiva;
c) Absolver a arguida EN pela prática, como autora material, de um crime de
violência doméstica na pessoa de NG, p. e p. pelo artigo 152.º, n.º 1, alínea
b) e n.º 2, do Código Penal, condenando-a como autora material na prática, em
concurso efectivo, de um crime de ofensa à integridade física qualificada
na pessoa de NG, p. e p. pelo artigo 145.º, n.º 1, alínea a) e n.º 2, com
referência ao artigo 132.º, n.º 1 e 2, alínea b), do Código Penal, na pena de 2
(dois) anos e 10 (dez) meses de prisão e de um crime de ofensa à
integridade física qualificada agravado na pessoa de NG, p. e p. pelo artigo
145.º, n.º 1, alínea a) e n.º 2, com referência ao artigo 132.º, n.º 1 e 2, alínea
b), do Código Penal e ao artigo 86.º, n.ºs 3 e 4, da Lei n.º 5/2006, de 23/02, na
pena de 3 (três) anos de prisão;
d) Unificar as penas fixadas na alínea c), condenando a arguida EN na pena
única de 4 (quatro) anos de prisão efectiva;
Com base nos seguintes factos, que então se deram como provados:
1. Os arguidos NG e EN viveram em união de mesa, cama e habitação desde o
ano de 2010 até Janeiro de 2015.
2. Na constância desta união de facto, nasceu a 8 de Setembro de 2010, BG.
3. Em data não concretamente apurada, mas que se situa no mês de Junho de
2018, os arguidos voltaram a viver em união de mesa, cama e habitação.
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4. Para tal fixaram residência na casa sita…, em Seda, propriedade de BN.
5. Em datas não concretamente apuradas, mas pelo menos com uma cadência
semanal, os arguidos discutiam entre si, no interior do domicílio comum.
6. Nessas circunstâncias, a arguida EN apelidava o arguido NG de “frouxo”.
7. E o arguido NG chamava à arguida EN “puta”.
8. No dia 25 de Agosto de 2018 os arguidos, quando se dirigiam para a sua
residência começaram a discutir por motivo não concretamente apurado.
9. Nessas circunstâncias de tempo e lugar, os arguidos começaram a gritar um
com o outro e bateram-se mutuamente atingindo o corpo um do outro.
10. No dia 3 de Setembro de 2018, junto ao portão de entrada da Tapada onde
residem, os arguidos começaram a discutir por motivo não concretamente
apurado.
11. Durante esta discussão, os arguidos bateram-se e empurraram-se
mutuamente, o que provocou a queda da arguida no chão.
12. Após, o arguido NG foi para a vila de Seda e de seguida a arguida EN
entrou no interior do veículo automóvel de matrícula LA e foi atrás do arguido
NG.
13. Chegada à paragem de autocarros da vila de Seda, sita na Estrada dos
Espinheiros, a arguida EN viu o arguido NG e imobilizou o seu veículo
automóvel, em frente ao veículo automóvel deste, vedando-lhe a passagem.
14. De seguida, a arguida saiu de dentro do seu veículo automóvel, os
arguidos envolveram-se novamente, batendo no corpo um do outro e, então, a
arguida retirou da sua viatura um machado, com cabo de madeira de cerca de
13 centímetros de lâmina e brandiu-o enquanto andava na direcção do
arguido.
15. Vendo a arguida com o machado nas mãos, o arguido começou a fugir à
volta do veículo automóvel.
16. A determinada altura, o arguido conseguiu deitar mãos ao machado e
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puxou-o logrando retirá-lo à arguida.
17. Em consequência da retirada do machado, a arguida caiu ao solo e ficou
com um ferimento na zona do queixo.
18. A arguida EN não quis receber auxílio médico.
19. Em consequência das agressões físicas atrás descritas nos pontos 6 a 9, os
arguidos ficaram com dores nas zonas atingidas e a arguida com hematomas
no corpo na face, nos braços e nas pernas.
20. Os arguidos são consumidores de produtos estupefacientes e de bebidas
alcoólicas.
21. O arguido NG foi condenado no processo número --/15.6GDFTR, que
correu termos no Juízo de Competência Genérica de Fronteira, Comarca de
Portalegre, na pena de 3 anos de prisão, suspensa, pela prática do crime de
violência doméstica sobre a arguida EN, transitada em julgado a 4 de Julho de
2016.
22. A arguida EN foi condenada no processo número --/15.0GDFTR, que
correu termos na Instância Central de Portalegre, Juiz 3, na pena de 4 anos e
dois meses, suspensos, pela prática sobre o arguido NG do crime de ofensas à
integridade física grave agravada, já transitada em julgado a 18 de Janeiro de
2017.
23. Ao actuar do modo acima descrito, o arguido NG quis atingir o corpo de
EN, provocando-lhe lesões físicas e dores, humilhando-a, ofendendo-a e
fazendo-a temer pela sua integridade física, o que efectivamente conseguiu,
bem sabendo que tais comportamentos eram idóneos a provocar naquela
marcas que afectaram o seu equilíbrio emocional.
24. Ao actuar do modo acima descrito, a arguida EN quis atingir o corpo de
NG, provocando-lhe lesões físicas e dores, humilhando-o, ofendendo-o e
fazendo-o temer pela sua integridade física, o que efectivamente conseguiu e
bem sabendo que tais comportamentos eram idóneos a provocar naquele
marcas que afectaram o seu equilíbrio emocional.
25. Agiram sempre os arguidos de forma livre, voluntária e consciente e bem
sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por Lei.
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Mais se provou quanto à arguida EN:
26. A subsistência económica do agregado da arguida era assegurada pelos
rendimentos provenientes do subsídio de desemprego recebido por NG e
outros rendimentos variáveis provenientes do salário de EN, trabalhadora
rural eventual e pelo apoio económico e logístico por parte da progenitora de
EN, auxiliar de acção directa. EN iniciou a união de facto com o pai da filha,
há cerca de dez anos, quando tinha 16 anos, e segundo a mesma foi desde o
início pautada por grandes dificuldades de relacionamento com episódios
graves de violência doméstica que deram origem a processos judiciais e
rupturas temporárias constantes. Desta relação nasceu uma filha, actualmente
com 8 anos de idade. A arguida evidencia ligação afectiva à filha. A vivência
conjunta e dinâmica familiar é descrita não só por conflitos e violência
constantes, mas também por elevada dependência afectiva. Na sequência do
agravamento dos conflitos, e após a última separação do casal foram
reguladas as responsabilidades parentais relativas à filha de ambos que ficou
entregue aos cuidados da mãe (arguida), com a atribuição de uma prestação
de alimentos da responsabilidade do pai.
27. EN é a mais nova de duas filhas de um casal com hábitos de trabalho e
inserido socialmente na comunidade. O pai faleceu há cerca de 5 anos vítima
de doença súbita, facto que acentuou a irreverência da arguida e provocou
alguma desestabilização económica no agregado. Descreve uma infância feliz
num contexto familiar tradicional, com vínculos afectivos. A arguida concluiu o
9º ano, e abandonou a escolaridade por desinteresse pelas actividades
lectivas, absentismo, irreverência e iniciando o percurso laboral com
irregularidade, primeiramente junto do progenitor, numa empresa de
construção civil e depois no sector da restauração e hotelaria como
indiferenciada e também em campanhas sazonais da agricultura. Está
habilitada com um curso de formação na área da estética – manicura. EN
iniciou comportamentos aditivos na fase da adolescência, designadamente
consumo regular de substâncias estupefacientes e de bebidas alcoólicas,
hábitos que diz ter abandonado após o cumprimento da medida de coação em
curso. No âmbito do presente processo, a arguida evidenciou um
comportamento compatível com as regras a execução da medida de coação de
obrigação de permanência na habitação.
28. Em termos de projecto de vida, a arguida pretende inserir-se
profissionalmente, ponderando também a possibilidade da prossecução dos
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estudo e da formação profissional, por forma a conseguir recursos para
proporcionar estabilidade e uma boa educação à filha. Paralelamente, refere a
intenção de não reatar a vida em comum com o pai da filha, situação que
considera nefasta para si e para a filha, expostas constantemente a conflitos.
No meio comunitário de residência, EN é detentora de uma imagem social
conotada com comportamentos aditivos e integração em grupo de pares com
problemáticas idênticas, pese embora não se registe hostilidade à sua
presença. A arguida evidencia consumos regulares de haxixe que refere ter
interrompido, pelo que não equaciona tratamento a este nível. EN dispõe do
apoio da mãe com quem reside e que se constitui como seu suporte afectivo e
material, bem como da sua filha.
29. A arguida, para além da condenação descrita no ponto 22, tem os
seguintes antecedentes criminais:
- No Processo n.º ---/07.4PBPTG, do 1.º Juízo do Tribunal da Comarca de
Portalegre, foi condenada por dois crimes de furto qualificado praticados em
14 de Fevereiro de 2008, em pena de trabalho a favor da comunidade. O
acórdão foi proferido em 17 de Outubro de 2008. Tal pena já foi declarada
extinta.
- No Processo n.º ---/09.0GBPTG, do Tribunal da Comarca de Fronteira, foi
condenada por um crime de furto qualificado praticado em 14 de Março de
2009, na pena de 1 ano e 5 meses de prisão suspensa na sua execução por
igual período. A sentença foi proferida em 23 de Novembro de 2009. Tal pena
já foi declarada extinta.
- No Processo n.º ---/09.3GCFTR, do Tribunal da Comarca de Fronteira, foi
condenada por um crime de ofensa à integridade física qualificada e um crime
de consumo de estupefacientes, praticados em 26 de Junho de 2009, nas
penas de 5 meses de prisão e 2 meses e 15 dias de prisão, respectivamente, e
em cúmulo jurídico que englobou também a pena do processo --/09.0GBPTG,
na pena única de 20 meses de prisão suspensa na execução por igual período.
A sentença foi proferida em 16 de Julho de 2010. Tal pena já foi declarada
extinta.
- No Processo n.º --/11.1GBPSR, do Tribunal da comarca de Ponte de Sôr, foi
condenada por um crime de condução sem habilitação legal praticado em 5 de
Fevereiro de 2011, na pena de 150 dias de multa à taxa diária de 5 euros. A
sentença foi proferida em 7 de Fevereiro de 2011. Tal pena já foi declarada
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extinta.
Mais se provou quanto ao arguido NG:
30. À data dos factos, NG desempenhava regularmente trabalhos eventuais na
agricultura ou construção civil, estando à data dos factos inscrito no Instituto
de Emprego e Formação Profissional, sendo beneficiário do subsídio de
desemprego. Simultaneamente fazia pequenos trabalhos eventuais por conta
própria. A subsistência económica do agregado era assegurada pelo montante
referente à prestação de subsídio de desemprego atribuído ao arguido, pelos
rendimentos variáveis provenientes do vencimento da companheira,
trabalhadora rural eventual e pelo apoio económico e logístico por parte da
progenitora desta, como auxiliar de acção directa.
31. NG iniciou a união de facto com a mãe da filha, há cerca de dez anos,
pautada desde o início por grandes dificuldades de relacionamento com
episódios de violência que deram origem a intervenção judicial. A relação
caracteriza-se por rupturas frequentes mas também por elevada dependência
afectiva.
32. A mãe de NG suicidou-se quando este tinha seis anos de idade, de seguida
foi integrado num agregado familiar do pai, disfuncional e residente na área
da grande Lisboa. Posteriormente ficou a cargo da avó paterna, elemento de
referência no seu trajecto vivencial. Relativamente ao progenitor os vínculos
parecem pouco consistentes. NG frequentou o ensino escolar, tendo concluído
o 9º ano de escolaridade, com 17 anos, após institucionalização na Casa Pia.
Posteriormente, ingressou na Escola Profissional Agrícola, em regime de
internato, frequentou o curso profissional de “Técnico de Gestão de
Ambiente”, onde permaneceu durante 3 anos, sem concluir o referido curso,
que lhe daria equivalência ao 12º ano, o qual veio a concluir, já em adulto, no
ensino nocturno, com cerca de 26 anos. Com 20 anos, o arguido passou a
residir com a avó na localidade de Seda e iniciou actividade laboral na área
agrícola, em campanhas sazonais e também na construção civil. No ano
seguinte iniciou a união de facto com a mãe da sua filha e co-arguida no
presente processo. Na sequência do agravamento dos conflitos, e após a
última separação do casal foram reguladas as responsabilidades parentais
relativas à filha de ambos, que ficou entregue aos cuidados da mãe, com a
atribuição de uma prestação de alimentos da responsabilidade do pai. NG
iniciou comportamentos aditivos na adolescência e mais tarde bebidas
alcoólicas. Após o início da medida de coacção de obrigação de permanência
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na habitação com vigilância electrónica (OPHVE), no âmbito do presente
processo, foi encaminhado para o Centro de Respostas integradas de
Portalegre (CRI), acompanhamento a que aderiu. Em 07jul2017 foi remetido
ao tribunal relatório de anomalias dando conta da falta de adesão de NG ao
acompanhamento da DGRSP, no âmbito do processo nº --/15.6GDFTR.
Encontra-se em curso a execução deste processo aguardando o arguido a sua
inserção no programa PAVD, que ficou suspensa por determinação judicial até
ao desfecho do presente processo. No meio comunitário de residência, o
arguido tem uma imagem que não lhe é desfavorável, embora seja conhecido
pela sua problemática aditiva.
33. Em termos de projecto de vida, o arguido pretende reinserir-se
profissionalmente podendo dessa forma cumprir o estipulado no processo de
regulação das responsabilidades parentais da filha e manter um
acompanhamento activo no seu processo educativo. Paralelamente, denotou
disponibilidade e interesse em dar cumprimento ao determinado na sentença
em execução, designadamente, a frequência do programa para agressores de
violência doméstica. NG tem apoio da avó paterna, em termos logísticos,
afectivos e económicos. Equaciona no entanto a possibilidade de afastamento
do meio residencial onde se insere, eventualmente na zona da grande Lisboa
onde a avó possui habitação.
34. O arguido, para além da condenação descrita no ponto 21, tem os
seguintes antecedentes criminais:
- No Processo n.º --/09.3GCFTR, do Tribunal da Comarca de Fronteira, por
sentença proferida em16/07/2010, transitada em julgado em 07/10/2010, foi
condenado por um crime de ofensa à integridade física qualificada, praticado
em 26 de Junho de 2009, na pena de 4 meses de prisão substituída por 120
dias de multa à taxa diária de €5,50. Esta pena foi declarada extinta.
- No Processo n.º --/11.0 GBPSR, do Tribunal da Comarca de Ponte de Sôr, por
sentença proferida em 23/01/2014, transitada em julgado em 24/02/2014, foi
condenado por um crime de consumo de estupefacientes, praticado em
05/02/2011, na pena de 4 meses de prisão suspensa na execução por um ano.
Esta pena foi declarada extinta.
O mesmo acórdão julgou os seguintes factos não provados:
a) No circunstancialismo descrito na acusação a arguida EN apelidou o
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arguido NG de “cabrão” e o arguido NG chamou “vaca” à arguida EN.
b) No dia 24 de Agosto de 2018, quando as moléstias físicas começaram, a
menor BG ainda estava dentro do domicílio comum, de onde foi retirada pela
avó materna BN.
c) A discussão ocorrida no dia 3 de Setembro de 2018 teve início no interior
do domicílio comum do casal.
d) Nessa ocasião, os arguidos desferiram chapadas e pontapés no corpo um do
outro.
e) Em consequência da conduta da arguida o arguido NG ficou com
hematomas na face, nos braços e nas pernas
f) No circunstancialismo descrito no ponto 14 a arguida perguntou ao arguido
NG se agora “não lhe batia”
g) Ao actuar do modo acima descrito, o arguido NG quis maltratar EN,
ofendendo-a na sua dignidade pessoal, o que efectivamente conseguiu.
h) Ao actuar do modo acima descrito, a arguida EN quis maltratar NG,
ofendendo-o na sua dignidade pessoal, o que efectivamente conseguiu.
Da referida sentença interpôs recurso a arguida EN, com a devida motivação,
tendo formulado as seguintes conclusões:
a) A factologia dada como provada resulta fundamental e unicamente na
valoração que o Tribunal a quo fez das declarações prestadas pelos arguidos
em sede de interrogatório de arguido detido e reproduzidas em sede de
audiência.
b) Com exceção das declarações prestadas pelos arguidos em sede de
interrogatório de arguido detido e reproduzidas em sede de audiência, não
existem quaisquer outros elementos probatórios que permitam sustentar a
factologia dada como provada e consequentemente a condenação da arguida.
c) Resulta assim que a condenação da arguida se funda exclusivamente na
valoração que o Tribunal a quo faz das declarações prestadas pelos arguidos
em sede de interrogatório de arguido detido e reproduzidas em sede de
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audiência ou seja tudo indica que as valorou como confissão, violando dessa
forma o disposto no nº2 do artigo 357º do C. P. P.
d) Legalmente afastada que a valoração, das declarações prestadas pelos
arguidos em sede de interrogatório de arguido detido e reproduzidas em sede
de audiência, como confissão, resta-nos a sua valoração ao abrigo da livre
apreciação da prova de que o Tribunal se encontra investido.
e) Compulsando as declarações prestadas pelos arguidos em sede de
interrogatório de arguido detido e reproduzidas em sede de audiência,
constata-se que ambos se acusam mutuamente imputando-se factos
suscetíveis de consubstanciarem a prática do crime pelo qual foram
condenados.
f) Considerando o interesse que cada um tem em imputar ao outro o
cometimento de tais factos e não estando nenhum deles vinculado à obrigação
de verdade, jamais poderemos dar a essas declarações, a necessária
credibilidade para sustentar a condenação que através do presente se
impugna.
g) Assim condenar a arguida com base exclusivamente nas declarações
prestadas pelos arguidos em sede de interrogatório de arguido detido e
reproduzidas em sede de audiência, sem qualquer credibilidade e valoradas ao
abrigo do principio da livre apreciação da prova, é, seguramente levar longe
demais o exercício de tal princípio.
h) Do acórdão ora recorrido consta que a arguida foi condenada por dois
crimes de ofensa à integridade física qualifica sendo um deles, o ocorrido
posteriormente, agravado pelo disposto no artigo 86º nº3 e 4 da Lei n.º
5/2006, de 23/02, por a arguida ter alegadamente empunhado um machado.
i) Sem conceder a valoração feita pelo Tribunal à quo, as declarações
anteriormente prestadas pelos arguidos e reproduzidas em audiência, das
mesmas não consta a prática de qualquer facto suscetível de consubstanciar o
cometimento do crime que à arguida é imputado ou qualquer outro, com
recurso ao uso desse machado.
j) Efetivamente dessas mesmas declarações apenas se pode extrair que a
arguida empunhou o machado em sua defesa e quanto muito como tentativa
de dissuadir o arguido NG de voltar a agredi-la, mas não que com ele tenha
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praticado qualquer agressão sobre o mesmo.
k) Salvo lapso da defesa, das declarações prestadas pelos arguidos em sede de
interrogatório de arguido detido e reproduzidas em sede de audiência quanto
ao episódio eventualmente ocorrido junto à paragem de autocarros da vila de
Seda, sita na Estrada dos Espinheiros, não resulta que aí tenham ocorrido
quaisquer agressões.
l) Acresce que nem o machado consubstancia uma arma aparente nem se
encontrava oculto no sentido de intencionalmente escondido com intenção de
fazer e fazer mesmo uso dele na prática da agressão que à arguida é imputada
e pela qual foi condenada.
m) Resulta assim não se verificar o agravamento do crime em causa porquanto
não subsumível ao estatuído no artigo 86º nº3 e 4 da Lei 5/2006 de 23/02.
n) Acresce ainda que os dois crimes pelos quais a arguida foi condenada
ocorreram num curto espaço temporal e visam a proteção do mesmo bem
jurídico.
o) Considerando que os mesmos foram executados por forma essencialmente
homogénea e num quadro de uma mesma solicitação exterior, agressão da
vítima sobre a arguida e não apresentação de queixa por aquela, encontra-se
assim diminuída consideravelmente a culpa desta.
P) Resulta assim estarmos na presença de um crime continuado e na de dois
crimes de ofensa à integridade física qualificada, impondo-se uma significativa
redução da respetiva pena por força do disposto no nº2 do artigo 30 do C.
Penal.
Termos estes os expostos em que deverá ser dado provimento ao presente,
revogando-se o douto acórdão e em consequência absolver-se a arguida do
crime de que vinha acusada por manifesta falta ou errada valoração da prova
produzida.
Caso assim não entendam os venerandos desembargadores, deverão
considerar não verificada a condição de agravamento do segundo crime
imputado à arguida por manifesta falta dos requisitos estatuído no artigo 86º
nº3 e 4 da Lei 5/2006 de 23/02, operando-se uma significativa redução na
respetiva pena, a qual não deverá exceder os dois anos, assim se respeitando
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os princípios da proporcionalidade e adequação.
Caso ainda assim não entendam os venerandos desembargadores, deverão
considerar que a situação dos autos é subsumível ao disposto no nº2 do artigo
30º do C. Penal e consequentemente ser a arguida condenada por um crime
continuado, operando-se, em conformidade, uma significativa redução na
respetiva pena, a qual não deverá exceder os dois anos, assim se respeitando,
igualmente, os princípios da proporcionalidade e adequação.
Vossas Excelências, Senhores Desembargadores, ao decidirem, farão, como
sempre
JUSTIÇA
O recurso interposto foi admitido com subida imediata, nos próprios autos, e
efeito suspensivo.
O MP respondeu à motivação do recurso, formulando as seguintes conclusões:
1. A decisão do Tribunal “a quo” não violou qualquer norma legal e foi
correctamente aplicada face à prova existente.
2. Não existindo qualquer erro na apreciação da matéria de facto provada.
3. Nem violação do princípio da livre apreciação da prova.
4. Como sobressai da fundamentação do acórdão, de forma clara, que a
actuação da arguida não se enquadra na figura do crime continuado.
5. Pelo que inexiste qualquer violação do preceituado no artigo 30.º do Código
Penal.
6. Revelando a douta decisão ora recorrida cuidadosa fundamentação, quer
quanto à matéria de facto quer no que concerne à matéria de direito.
7. Expressando uma acertada subsunção dos factos à lei.
8. E optando por uma pena que se julga justa e adequada face aos critérios
consignados nos artigos 40.º, 70.º, 71.º e 77.º do Código Penal.
Louvando-nos, pois, no bem fundado do douto acórdão recorrido somos de
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parecer que o recurso dele interposto não merece provimento.
V. Ex.as, porém, com superior apreciação e critério, farão, certamente, Justiça.
Pelo Digno Procurador-Geral Adjunto em funções junto desta Relação foi
emitido parecer sobre o mérito do recurso interposto no sentido da sua
improcedência.
O parecer emitido foi notificado aos sujeitos processuais, a fim de se
pronunciarem, nada tendo respondido.
Foram colhidos os vistos legais e procedeu-se à conferência.
II. Fundamentação
Nos recursos penais, o «thema decidendum» é delimitado pelas conclusões
formuladas pelo recorrente, as quais deixámos enunciadas supra.
A sindicância do acórdão sob recurso, tal como transparece das conclusões da
arguida recorrente, desdobra-se nas seguintes questões:
a) Impugnação da decisão sobre a matéria de facto;
b) Subsunção dos crimes por que a recorrente responde num único crime
continuado, nos termos do art. 30º nº 2 do CP;
c) Não agravação da conduta incriminada, nos termos do art. 86º nºs 3 e 4 da
Lei nº 5/2006 de 23/2.
A ordem por que enunciámos as questões suscitadas pela recorrente é aquela
que nos parece ser a da prioridade lógica da sua apreciação e não aquela pela
qual a arguida as expôs.
A propósito da impugnação da decisão sobre a matéria de facto, convirá
recordar que tem vindo a constituir jurisprudência constante dos Tribunais da
Relação a asserção segundo a qual o recurso sobre esta matéria não envolve
para o Tribunal «ad quem» a realização de um novo julgamento, com a
reanálise de todo o complexo de elementos probatórios produzidos, mas antes
tem por finalidade o reexame dos erros de procedimento ou de julgamento,
que tenham afectado a decisão recorrida e que o recorrente tenha indicado, e,
bem assim, das provas que, no entender deste, impusessem, e não apenas
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sugerissem ou possibilitassem, uma decisão de conteúdo diferente.
A impugnação da decisão sobre a matéria de facto, deduzida pela recorrente,
comporta, por sua vez, duas vertentes.
Por um lado, a recorrente vem arguir a invalidade da valoração, em sede de
acórdão, das declarações prestadas pelos arguidos, aquando do respectivo
primeiro interrogatório judicial, em situação de detenção, por violação do
disposto no nº 2 do art. 357º do CPP.
Como adiante melhor se verá, foi a valoração conjunta das declarações, cuja
validade agora se impugna, que serviu de fundamento à convicção probatória
do Tribunal Colectivo, relativamente aos factos dos pontos 1 a 20 da matéria
assente.
Por outro lado, argumenta a recorrente que as referidas declarações não são
merecedoras de credibilidade, por não estarem os declarantes sujeitos ao
dever de verdade e terem interesse em imputar um ao outro a prática de
crimes, e delas não resulta que, aquando do episódio ocorrido junto da
paragem de autocarro da vila de Seda, tenha havido agressões e que a arguida
tenha empunhado o machado com o propósito de com ele atingir o também
arguido NG, mas apenas para se defender dele ou de o dissuadir de continuar
a agredi-la (pontos 13, 14, 15 e 16 da matéria provada).
Para fundamentação do juízo probatório nele emitido, o acórdão recorrido
expende (transcrição com diferente tipo de letra):
1.3. CONVICÇÃO DO TRIBUNAL E EXAME CRÍTICO DAS PROVAS:
O Tribunal formou a sua convicção com base na análise, crítica e global, de
toda a prova produzida em audiência, bem como da prova documental que
consta dos autos, com recurso a juízos de experiência comum, nos termos do
artigo 127º do C.P.P..
No caso em apreço, perante o silêncio dos arguidos na audiência de
julgamento, atendendo a que a testemunha BN recusou-se a prestar
depoimento ao abrigo do artigo 134.º, alínea a), do Código de Processo Penal e
na ausência de testemunhas presenciais dos factos descritos na acusação, a
convicção do Tribunal baseou-se, fundamentalmente, nas declarações
prestadas pelos arguidos em sede de interrogatório judicial, nos termos e em
conformidade com o previsto no artigo 141.º, n.º 4, al. b) do citado diploma
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processual penal.
Assim, tendo por base a valoração crítica das referidas declarações prestadas
pelos arguidos em sede de primeiro interrogatório e reproduzidas em sede de
audiência de julgamento, o Tribunal deu como provada a factualidade vertida
nos pontos 1 a 20 dos factos provados.
Com efeito, o arguido NG referiu que regressou ao Alentejo para dar apoio à
avó e à filha, tendo reatado a relação sentimental com a arguida EN em Junho/
Julho de 2018; referiu a existência de discussões várias entre o casal,
motivada pelos ciúmes da arguida, pelo estilo de vida que esta possui, pelo
temperamento da arguida e por questões monetárias, mencionado ainda que
nessas discussões a arguida grita e lhe chama frouxo, tentando o arguido pôr
termo às discussões saindo momentaneamente de casa, mas que a arguida
persiste nessas discussões seguindo-o, como ocorreu no dia 03.09.2018,
descrevendo que nessa data a discussão entre o casal começou junto ao portão
da quinta onde residem, que ocorreram empurrões mútuos e que a EN
escorregou, arranhou-se um bocado, nas costas e nos braços e nas pernas,
tendo o arguido abandonado esse local na sua viatura, dirigindo-se para a Vila
de Seda; de seguida a arguida na sua viatura seguiu-o e junto à paragem do
autocarro bloqueou o carro do arguido, tirou a machada da bagageira do carro
dela e foi em direcção ao arguido com a machada para a usar no arguido, que
andava à volta do carro, até que conseguiu puxar-lhe a machada das mãos, o
que fez com que a arguida caísse ao chão e ficasse com um ferimento no
queixo; então, o arguido atirou a machada para o quintal de uma habitação
próxima daquele local; o arguido relatou ainda a situação ocorrida no dia 25
de agosto, afirmando que nesse dia a arguida vinha do trabalho no campo
(segundo o arguido, apesar da arguida sair do trabalho às 2 horas da tarde, só
chegou a casa às 7 porque fora “dar na coca”, juntamente com um amigo para
um bairro na cidade de Abrantes); quando chegou a casa a arguida começou a
gritar, dizendo ao arguido que ele é um frouxo e que queria cerveja, sempre
com maus modos; o arguido acabou por ir buscar cerveja com ela, mas ela foi
sempre a “moer-lhe” o juízo, até que se envolveram os dois em agressões
físicas.
Já a arguida EN, em sede de interrogatório judicial, referiu que reatou a sua
relação amorosa com NG em Julho de 2018, passando ambos a viver na casa
da mãe da arguida, sita em Seda, mas que sempre tiveram muitas discussões,
com uma periodicidade quase diária, ocasiões em que o arguido lhe chamava
puta, e outros nomes (que não concretizou), disse ainda que o arguido não
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quer que ela frequente o café e que as discussões eram motivadas por ciúmes
da arguida, dizendo ainda que se bateu no arguido foi para se defender; no
que se refere ao episódio situado no dia 3 de Setembro a arguida disse que
estava a chegar a casa, no caminho velho, e disse-lhe “mentiste-me”, ele
agarrou-a pelos braços e mandou-a ao chão e desferiu-lhe pontapés na cabeça,
após o arguido abandonou o local e a arguida foi atrás dele, chegada à
paragem do autocarro parou a sua viatura barrando o veículo do arguido, este
bateu-lhe e arguida bateu-lhe também para se defender e tirou a machada que
trazia na bagageira do seu carro e disse que lhe partia o carro todo
acrescentando “ tu não gozas com a minha cara e hoje se a guarda vier é a tua
avó que os vai chamar”, entretanto ele tirou a machada das mãos da arguida e
atirou-a para local que a arguida não logrou identificar.
Disse ainda a arguida que as suas pernas estão negras, que tem “altos” na
cabeça e os joelhos cheios de arranhões.
Cotejada a versão de cada um dos arguidos e tendo em consideração que
ambos têm, evidentemente, um interesse directo e pessoal nas situações
relatadas, circunstância que, como é lógico, eiva de particular subjectividade e
parcialidade as respectivas descrições dos factos, o que não pode deixar de
ser ponderado pelo Tribunal em sede de valoração crítica dessas declarações,
importa identificar concretamente que factos são relatados de forma uniforme
e consentânea entre si por cada um dos arguidos e que são os seguintes:
factualidade descrita nos pontos 1 a 5 e 10, 12 a 13, 14 (em parte), 15 a 18
dos factos provados a versão dos arguidos é absolutamente consensual, além
de ser igualmente corroborada pelo teor dos documentos juntos aos autos a
fls. 35/36 (cópia do assento de nascimento de BG), 37/40 (cópias dos assentos
de nascimento dos arguidos), 158/160 (fotografias), 161 (auto de apreensão) e
pelas declarações da testemunha EB, militar da GNR que efectuou a
apreensão do machado, pelo que, se concluiu pela sua verificação.
No mais as declarações prestadas pelos arguidos não foram inteiramente
coincidentes, não porque as versões apresentadas pelos arguidos fossem
dissonantes ou inconciliáveis, mas porque se tratam de factos referidos apenas
por um dos arguidos, concretamente quanto à factualidade vertida nos pontos
6 e 7, relatada apenas pelo arguido. Todavia, afigura-se absolutamente crível
que, face à exaltação do momento e até à motivação subjacente a algumas das
discussões havidas entre o casal, que nessas ocasiões a arguida se dirigisse ao
arguido apelidando-o de frouxo enquanto este apelidava aquela de puta, como
foi aliás confirmado pelo arguido quer enquanto autor quer enquanto
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ofendido.
Já a prova da factualidade referente ao episódio situado no dia 25 de
Setembro resultou apenas das declarações do arguido, na medida em que
apenas este mencionou a existência de uma discussão nesse dia, seguido de
agressões mútuas entre os arguidos. Este episódio foi descrito pelo arguido de
forma coerente e circunstanciada, sendo a sua descrição condizente com a
natureza e com o temperamento próprio da relação do casal, i. e., sempre
marcada por acesas discussões, elevada emotividade, ciúme e uma particular
intensidade e dependência relacional.
Assim, face a esta versão e na falta de outra prova em sentido contrário, o
Tribunal concluiu que a versão do arguido foi suficientemente credível para
sustentar a prova dos factos descritos nos pontos 8 e 9.
A principal divergência detectada entre a versão de cada um dos arguidos
radica, fundamentalmente, na descrição relativa ao episódio ocorrido no dia
03.09.2018, junto ao portão da quinta onde residiam os arguidos e depois,
num segundo momento, junto à paragem do autocarro. De acordo com o
arguido NG, naquele primeiro momento, a arguida caiu após empurrões
mútuos; já a arguida refere que, num primeiro momento, junto ao portão da
tapada, na sequência de uma discussão, o arguido agarrou-a pelos braços e
atirou-a ao chão, pontapeando-a e que depois, junto à paragem do autocarro o
arguido bateu-lhe e arguida bateu-lhe também para se defender.
Perante estas declarações que, como acima já se salientou, estão naturalmente
eivadas de parcialidade e subjectividade próprias dos intervenientes dos
factos, o Tribunal, mais uma vez, teve de ponderar na natureza e
agressividade que sempre marcou esta relação e os foros de certeza que deve
presidir o espírito do julgador na apreciação da prova, nesta perspectiva, não
havendo nenhuma outra prova quanto a esta matéria, apenas foi possível
concluir que também nesta ocasião, junto ao portão da quinta, os arguidos se
agrediram e empurraram mutuamente, o que provocou a queda da arguida e
que, no segundo momento, junto à paragem do autocarro, os arguidos
envolveram-se novamente, batendo no corpo um do outro, conforme decorre
dos pontos 11 e 14 dos factos provados.
A prova dos factos vertidos em 19 teve por base as regras da experiência
comum, à luz das quais as agressões perpetradas contra cada um dos arguidos
são idóneas a causar ferimentos dores na respectiva vítima, tendo ainda sido
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considerado o teor das fotografias constantes de fls. 510/514. De salientar que
concretamente quanto esta factualidade, foram igualmente consideradas as
declarações da testemunha HN, militar de GNR que no exercício das suas
funções se dirigiu à habitação dos arguidos no dia 25/08/2018, tenha
mencionado que nessa data observou hematomas no corpo da arguida, não
tendo detectado qualquer ferimento no corpo do arguido NG.
No que tange ao elemento subjectivo enformador das condutas em análise, os
factos descritos nos pontos 23 a 25 resultam do cotejo da matéria objectiva
dada como provada, que permitiram a este Tribunal inferir a sua verificação,
com base em regras de experiência comum e recorrendo a princípios lógico-
racionais. Com efeito, face à factualidade objectiva provada não existe
qualquer dúvida quanto à actuação livre e voluntária dos arguidos, e quanto à
sua intenção de ofender o corpo e integridade física do visado.
Por último, para a determinação da situação pessoal e familiar dos arguidos,
bem como a prova dos factos vertido no ponto 20, fundou-se o Tribunal no teor
dos relatórios sociais junto aos autos.
Foi ainda considerada o teor dos CRC de fls. 605/612 para a prova dos
antecedentes criminais dos arguidos e da factualidade vertida em 21 e 22.
O nº 2 do art. 357º do CPP, cuja transgressão a recorrente invoca, dispõe:
As declarações anteriormente prestadas pelo arguido reproduzidas ou lidas
em audiência não valem como confissão nos termos e para os efeitos do artigo
344.º.
Por sua vez, o art. 344º do CPP é do seguinte teor
1 - No caso de o arguido declarar que pretende confessar os factos que lhe são
imputados, o presidente, sob pena de nulidade, pergunta-lhe se o faz de livre
vontade e fora de qualquer coacção, bem como se se propõe fazer uma
confissão integral e sem reservas.
2 - A confissão integral e sem reservas implica:
a) Renúncia à produção da prova relativa aos factos imputados e consequente
consideração destes como provados;
b) Passagem de imediato às alegações orais e, se o arguido não dever ser
absolvido por outros motivos, à determinação da sanção aplicável; e
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c) Redução da taxa de justiça em metade.
3 - Exceptuam-se do disposto no número anterior os casos em que:
a) Houver co-arguidos e não se verificar a confissão integral, sem reservas e
coerente de todos eles;
b) O tribunal, em sua convicção, suspeitar do carácter livre da confissão,
nomeadamente por dúvidas sobre a imputabilidade plena do arguido ou da
veracidade dos factos confessados; ou
c) O crime for punível com pena de prisão superior a 5 anos.
4 - Verificando-se a confissão integral e sem reservas nos casos do número
anterior ou a confissão parcial ou com reservas, o tribunal decide, em sua livre
convicção, se deve ter lugar e em que medida, quanto aos factos confessados,
a produção da prova.
Da conjugação dos normativos acabados de transcrever resulta claro que o nº
2 do art. 357º não enuncia qualquer proibição de valoração probatória, mas
antes determina que a eventual confissão integral e sem reservas, feita pelo
arguido em declarações prestadas em momento processual anterior ao da
audiência de julgamento, não dá origem a qualquer das consequências
previstas no art. 344º, em que avulta, na perspectiva do interesse do arguido
confitente, a redução da taxa de justiça, prescrita pela al. c) do nº 2.
A valoração probatória em julgamento de declarações prestadas pelo arguido
em fase processual anterior, independentemente da sua vontade, é regulada
pelo nº 1 al. b) do art. 357º do CPP:
A reprodução ou leitura de declarações anteriormente feitas pelo arguido no
processo só é permitida:
a)…; ou
b) Quando tenham sido feitas perante autoridade judiciária com assistência de
defensor e o arguido tenha sido informado nos termos e para os efeitos do
disposto na alínea b) do n.º 4 do artigo 141.º.
A al. b) do nº 4 do art. 141º do CPP, para que remete o normativo antecedente,
estatui:
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b) De que não exercendo o direito ao silêncio as declarações que prestar
poderão ser utilizadas no processo, mesmo que seja julgado na ausência, ou
não preste declarações em audiência de julgamento, estando sujeitas à livre
apreciação da prova.
As declarações, reproduzidas em audiência e valoradas no acórdão recorrido,
foram prestadas aquando do seu primeiro interrogatório judicial, em
13/9/2018 (vd. acta de julgamento a fls. 661 a 663).
Do auto que formalizou o primeiro interrogatório dos arguidos, junto a fls. 115
a 122, resulta que cada um deles foi assistido, nesse acto, pela ilustre
advogada que assumia então o patrocínio da respectiva defesa, tendo sido
comunicadas a ambos as advertências impostas pela al. b) do nº 4 do art. 141º
do CPP.
Nestas condições, mostram-se reunidos os requisitos de validade da valoração,
em sede de decisão final, das declarações anteriormente prestadas pelos
arguidos, a qual se encontra sujeita à regra geral da livre apreciação
Procedemos à audição do registo auditivo dos elementos de prova pessoal
relevantes para a impugnação em apreço.
A recorrente pugna por uma descredibilização geral das declarações
prestados pelos arguidos em primeiro interrogatório, incluindo, algo
paradoxalmente, as que ela própria prestou, pois tal desvalorização, no actual
estado do processo, seria vantajosa à sua estratégia de defesa.
No trecho do acórdão recorrido, dedicado à motivação do juízo probatório, o
Tribunal Colectivo efectuou uma análise crítica aprofundada dos únicos
elementos prova pessoal disponíveis.
Tal análise crítica não passa ao lado daqueles aspectos que, no entender da
recorrente seriam justificativos da denegação de poder de convicção aos
meios de prova examinados, como seja não estarem os arguidos sujeitos ao
dever de verdade, ocuparem ambos os declarantes, simultaneamente, a
posição de arguido e de ofendido no processo, terem óbvio interesse no
desfecho deste e terem produzido declarações fortemente moldadas pelo seu
interesse processual, mas também pelas emoções do conflito entre os dois,
subjacente ao procedimento criminal dos autos.
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Ainda assim, o Tribunal não optou por rejeitar em bloco o conteúdo das
declarações em causa, o que garantiria a impunidade aos dois arguidos
(proporcionando uma saída «salomónica» para o processo, estando em causa
crimes recíprocos), mas antes logrou selecionar, mediante um juízo lógico,
racional e não arbitrário, os factos que lhe mereciam crédito e aqueles que lho
não mereciam.
Semelhante operação não passou pela adesão do Tribunal de julgamento a
alguma das versões em confronto ou pelo apuramento de uma espécie de
média aritmética entre as duas.
Nesta conformidade, o exame crítico de prova, elaborado pelo Tribunal «a
quo» não nos merece censura, do ponto vista dos critérios que devem orientar
a livre apreciação da prova, nos termos do art. 127º do CPP, mormente, a
experiência comum, a normalidade das coisas e a lógica geralmente aceite,
tendo presente que é apanágio a primeira instância a imediação no contactos
com os meios de prova pessoal.
Por isso, impõe-se confirmar o juízo de prova impugnado.
De resto, também a recorrente carece de razão quando alega que não resulta
das declarações dos arguidos que tenha havido agressões, aquando do
episódio descrito nos pontos 13 e 14 da matéria assente.
No que se refere ao uso do machado, a arguida prestou declarações em
primeiro interrogatório, que não se ajustam totalmente à versão dos factos
que veio defender em sede de recurso, pois afirmou que foi o arguido NG
quem empunhou o machado contra ela, pelo que carece de apoio probatório a
tese da recorrente.
Consequentemente, teremos de concluir pela improcedência da impugnação
da decisão sobre a matéria de facto, deduzida pela arguida EN.
Seguidamente, conheceremos das questões jurídicas suscitadas pela
recorrente.
Em matéria de unidade pluralidade de infracções, rege o art. 30º do CP:
1 - O número de crimes determina-se pelo número de tipos de crime
efectivamente cometidos, ou pelo número de vezes que o mesmo tipo de crime
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for preenchido pela conduta do agente.
2 - Constitui um só crime continuado a realização plúrima do mesmo tipo de
crime ou de vários tipos de crime que fundamentalmente protejam o mesmo
bem jurídico, executada por forma essencialmente homogénea e no quadro da
solicitação de uma mesma situação exterior que diminua consideravelmente a
culpa do agente.
3 - O disposto no número anterior não abrange os crimes praticados contra
bens eminentemente pessoais.
A arguida recorrente foi condenada em primeira instância pela prática de dois
crimes de ofensa à integridade física qualificada p. e p. pelas disposições
conjugadas dos arts. 145º nºs 1 al. a) e 2 e 132º nº 1 e 2 al. b) do CP, ambos na
pessoa do mesmo ofendido, sendo um deles agravado, nos termos do art. 86º
nº s 3 e 4 da Lei nº 5/2006 de 23/2.
Independentemente de saber se estão reunidos os pressupostos do crime
continuado, previstos no nº 2 do art. 30º do CP, a aplicação dessa figura
jurídico-penal às condutas por que a recorrente responde mostra-se excluída à
partida, por força do disposto no nº 3 do mesmo normativo.
Na verdade, o bem jurídico especialmente tutelado pela norma incriminadora
das infracções, por cuja prática a arguida foi condenada, é a integridade física,
a qual se caracteriza, sem sombra de dúvida, como um valor eminentemente
pessoal.
De resto, os crimes de ofensa à integridade física integram, na sistemática do
Código Penal, a categoria dos «crimes contra as pessoas», tratada no Título I
do Livro II.
Assim, e sem necessidade de ulteriores considerações, terá a pretensão
recursiva de fracassar, nesta parte.
No que se refere à agravação de um dos crimes, a mesma encontra-se prevista
nos nºs 3 e 4 do art. 86º da Lei nº 5/2006 de 23/2:
3 - As penas aplicáveis a crimes cometidos com arma são agravadas de um
terço nos seus limites mínimo e máximo, exceto se o porte ou uso de arma for
elemento do respetivo tipo de crime ou a lei já previr agravação mais elevada
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para o crime, em função do uso ou porte de arma.
4 - Para os efeitos previstos no número anterior, considera-se que o crime é
cometido com arma quando qualquer comparticipante traga, no momento do
crime, arma aparente ou oculta prevista nas alíneas a) a d) do n.º 1, mesmo
que se encontre autorizado ou dentro das condições legais ou prescrições da
autoridade competente.
Com eventual relevo para o caso concreto, temos a al. d) do nº 1 do mesmo
artigo, que reza:
d) Arma branca dissimulada sob a forma de outro objeto, faca de abertura
automática ou ponta e mola, estilete, faca de borboleta, faca de arremesso,
cardsharp ou cartão com lâmina dissimulada, estrela de lançar ou equiparada,
boxers, outras armas brancas ou engenhos ou instrumentos sem aplicação
definida que possam ser usados como arma de agressão e o seu portador não
justifique a sua posse, as armas brancas constantes na alínea ab) do n.º 2 do
artigo 3.º, aerossóis de defesa não constantes da alínea a) do n.º 7 do artigo
3.º, armas lançadoras de gases, bastão, bastão extensível, bastão elétrico,
armas elétricas não constantes da alínea b) do n.º 7 do artigo 3.º, quaisquer
engenhos ou instrumentos construídos exclusivamente com o fim de serem
utilizados como arma de agressão, artigos de pirotecnia, exceto os fogos-de-
artifício das categorias F1, F2, F3, T1 ou P1 previstas nos artigos 6.º e 7.º do
Decreto-Lei n.º 135/2015, de 28 de julho, e bem assim as munições de armas
de fogo constantes nas alíneas q) e r) do n.º 2 do artigo 3.º, é punido com pena
de prisão até 4 anos ou com pena de multa até 480 dias.
A definição legal de «arma branca», para os efeitos previstos na Lei nº 5/2006
de 23/2, é fornecida pela al. m) do nº 1 do art. 2º desse diploma legal:
«Arma branca» todo o objeto ou instrumento portátil dotado de uma lâmina ou
outra superfície cortante, perfurante ou corto-contundente, de comprimento
superior a 10 cm (…).
Por sua vez, a al. ab) do n.º 2 do art. 3º da Lei a que nos reportamos é do
seguinte teor:
ab) As armas brancas com afetação ao exercício de quaisquer práticas
venatórias, comerciais, agrícolas, industriais, florestais, domésticas ou
desportivas, ou objeto de coleção, quando encontradas fora dos locais do seu
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normal emprego e os seus portadores não justifiquem a sua posse.
A agravação do segundo crime praticado pela arguida EN contra NG baseou-
se em ter ela empunhado contra este um machado, nas condições descritas
nos pontos 14 a 16 da matéria provada.
Independentemente de definições legais, um machado corresponde ao
conceito corrente (que não técnico-jurídico), que temos de «arma branca».
Concretamente, o machado empunhado pela arguida EN, no
circunstancialismo apurado nos autos, integra também o conceito legal de
arma branca, relevante para a agravação que nos ocupa, desde logo em razão
da dimensão da sua lâmina.
Ainda assim, o machado é um instrumento com aplicação definida, é
normalmente utilizado em actividades agrícolas ou florestais e a arguida, nas
declarações que prestou, afirmou que o usava para «ir à lenha».
Nestas condições, não é pelo menos claro se, no momento em que a arguida
empunha o machado contra NG, se encontrava fora do local do normal
emprego desse instrumento.
Foi este contexto fáctico-jurídico, que levou o MP a não deduzir acusação
contra a arguida EN, por um eventual crime de detenção de arma proibida p. e
p. pelo art. 86º nº 1 al. d) da Lei nº 5/2006 de 23/2, conforme despacho de
arquivamento a fls. 604 e 605.
Contudo, a agravação, que agora nos interessa, não depende da
censurabilidade criminal autónoma da detenção da arma, pois ocorre mesmo
que o agente se encontre autorizado ou dentro das condições legais ou
prescrições da autoridade competente.
Nos termos do disposto no nº 4 do art. 86º da Lei nº 5/2006 de 23/2, a
agravação do crime tem lugar se o agente ou um dos agentes for detentor de
arma «aparente ou oculta».
Como é sabido, tal locução consta da al. f) do nº 2 do art. 204º do CP como
circunstância agravante qualificativa do crime de furto tipificado no art. 203º.
Ora, temos vindo a entender que a referida formulação implica que a
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agravação opere pelo mero porte da arma pelo agente ou por um dos agentes,
não sendo necessário, para tanto, que faça dela algum tipo de utilização,
quanto mais não seja a sua simples exibição.
Nesta ordem de ideias, teremos de concluir que a agravação prevista nº 3 do
art. 86º da Lei nº 5/2006 de 23/2 deve funcionar, mesmo quando o agente
esteja legitimado a deter a arma, como parece ser o caso, pois aquilo que a
justifica é a perigosidade objectiva do objecto (arma), que tem o condão de
potenciar a danosidade da conduta integradora do crime sujeito à agravação.
Consequentemente, carece a recorrente de razão, também quanto à questão
agora em apreço, improcedendo o recurso por inteiro.
III. Decisão
Pelo exposto, acordam os Juízes da 1ª Secção Criminal do Tribunal da Relação
de Évora em negar provimento ao recurso e confirmar a decisão recorrida.
Custas pela recorrente, fixando-se em 3 UC a taxa de justiça.
Notifique.
Évora, 8-10-19 (processado e revisto pelo relator)
(Sérgio Bruno Povoas Corvacho)
(João Manuel Monteiro Amaro)
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