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TRANSFORMAÇÕES SOCIAIS, DESENVOLVIMENTO
TECNOLÓGICO E A EDUCAÇÃO NA CONTEMPORANEIDADE
ARAÚJO, Karina de Toledo1 - UEM/UEL
Grupo de Trabalho – Comunicação e Tecnologia
Agência Financiadora: não contou com financiamento Resumo
Neste texto descrevemos, a partir de revisões bibliográficas, as transformações no mundo do trabalho e das forças produtivas na sociedade capitalista relacionadas às concepções e perspectivas da educação a partir de tais transformações. Primeiramente apresentamos a ascensão do trabalho manufatureiro, posteriormente, a constituição da industrialização em suas diferentes fases e características até chegarmos ao desenvolvimento das técnicas pautadas nas inovações tecnológicas – micro-informática ou terceira revolução industrial - que transformam significativamente os modos de produção e as forças produtivas. Destacamos a influência dessas transformações na maneira de ser, pensar e existir dos sujeitos sociais, assim como os conceitos e finalidades da educação a partir das transformações ocorridas no mundo do trabalho e os objetivos educacionais frente a formação instrumental. Finalmente instigamos reflexões sobre a necessidade de pensarmos uma educação para além da racionalidade técnica e da formação instrumental, ou seja, uma educação emancipatória por meio da crítica e que tome como sua condição e objetivo a formação humana. A educação para emancipação é preocupada e ocupada em não deixar morrer a crítica, o contraponto. O conteúdo deve ser ensinado com a finalidade maior de pensá-lo nessa sociedade para ir além dela. Para a emancipação. Palavras-chave: Transformações Sociais. Forças Produtivas. Tecnologia. Educação Contemporânea.
Introdução
A sociedade contemporânea assiste a uma degradação do ser humana nunca
experimentada anteriormente na história. Estamos passando por uma degradação ‘de
humanidade’. Os níveis de exclusão, de miséria e de todos os tipos violências se mostram de
maneira cada vez mais assustadora e, paradoxalmente, naturalizada. A necessidade de que
1 Discente do Curso de Doutoramento em Educação da Universidade Estadual de Maringá (UEM). Integrante do Grupo de Estudos e Pesquisa em Psicopedagogia, Aprendizagem e Cultura – GEPAC/UEM, vinculado ao Programa de Pós-Graduação em Educação – PPE/UEM. Professora do Depto. de Estudos do Movimento Humano (EMH) do Centro de Educação Física da Universidade Estadual de Londrina – UEL. katoledo11@yahoo.com.br
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tudo isso pareça natural nos remete ao pensamento de Kant: "[...] as pessoas aceitam com
maior ou menor resistência aquilo que a existência dominante apresenta à sua vista e ainda
por cima lhes inculca à força, como se aquilo que existe precisasse existir dessa forma"
(ADORNO, 1995, p.178).
Contraditoriamente, é nesta sociedade tão miserável das ‘condições e valores
humanos’, que a técnica, os recursos tecnológicos – a micro-eletroeletrônica, por exemplo – e
a ciência chegam a níveis de desenvolvimento altíssimo. É por esta, entre outras, que a
sociedade capitalista é considerada a sociedade da contradição. Quanto maior o
desenvolvimento e o progresso das técnicas, maior o regresso das condições humanas. Para
Adorno (1995, p. 175), essa é "[...] uma contradição que percorre toda a história burguesa” e,
acreditamos que ela adentre além da sociedade moderna, a sociedade em condições pós-
modernas. É esta na qual vivemos nesta segunda década do século XXI.
Conforme Ghiraldelli Jr (2007), a pós-modernidade não é uma época histórica, mas é
uma CONDIÇÃO. Entretanto, não são todos que reconhecem esta condição social, mas é
assim consideramos neste trabalho: vivemos na contemporaneidade (época) em condições
sociais pós-modernas devido as transformações ocorridas do mundo moderno para o
contemporâneo e sobretudo na própria contemporaneidade.
A educação – juntamente com a saúde, cultura, entre outros – atua como coadjuvante
neste cenário social pós-moderno. Acreditamos que as concepções de educação que temos
visto na atualidade culmina com a desvalorização da educação voltada a formação humana e,
consequentemente, uma ‘descrença’ em seus potenciais formadores para além da razão
instrumental. Ou seja, o que ocorre é a perpetuação do conceito de educação como formação
exclusivamente instrumental.
Sendo assim, os conceitos sobre educação na sociedade brasileira pós-moderna
continuam fundamentados em uma educação burguesa-moderna senão, ainda jesuítica-
medieval. A partir deste pensamento, podemos dizer que temos uma educação anacrônica e
entendemos ser este um dos determinantes para que as contradições sociais e condições
excludentes se perpetuem e, até mesmo, se alarguem. É urgente a necessidade de
compreendermos e fazermos uma educação em consonância com seu tempo, espaço e,
principalmente, com as necessidades dos atores e atrizes sociais que vivem na sociedade
contemporânea. A educação nos é essencial e pode desempenhar diferentes papéis que
dependem diretamente do objetivo almejado, objetivo este que pode ser a adaptação das
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pessoas às situações dadas ou a emancipação humana1. Uma educação que tenha como
objetivo a formação humana e social considerando a diversidade a partir de respeito as
diferenças e na exigência e exercício da igualdade de direitos. Uma educação na qual ensinar
e aprender sejam consideradas, acima de tudo, relações sociais.
A educação com vistas a emancipação deve possibilitar as pessoas a compreensão
das relações sociais de produção da sociedade capitalista, pois segundo Adorno (1995) é
justamente esta relação que impede a emancipação do indivíduo. Conhecer e refletir sobre as
relações de produção emancipa o sujeito social através da constituição da consciência crítica2.
Para tanto, é necessário um método de análise que ofereça possibilidades de se ir além do
senso comum, não qualquer método mas aquele que proporcione um entendimento de como
se dá as relações sociais de produção e suas influências determinantes na vida dos homens.
O materialismo histórico3 possibilita a apreensão e a análise da realidade tal como se
apresenta através da categoria trabalho. Para o materialismo histórico, é na divisão do trabalho
que as relações sociais são estabelecidas e influenciam diretamente no modo de ser das
pessoas, dos sujeitos sociais. É o trabalho que determina a vida social e, as modificações
ocorridas nas relações sociais de produção acarretam em profundas mudanças nas atividades
humanas. O principal fator que contribui para a impotência do pensamento crítico é o modo
como o trabalho se organiza e se efetiva. É este fator que desencadeia e mantém todos os
outros. O objetivo deste artigo é, por meio de uma revisão bibliográfica, apresentar a relação
da constituição da sociedade moderna – burguesa - e da sociedade contemporânea e os
conceitos, fundamentos e perspectivas da educação. O trabalho, a produção de técnicas e as
inovações tecnológicas são orientadores para as discussões que serão apresentadas no decorrer
do texto.
A consituição da sociedade capitalista e a educação: as transformações do trabalho e das forças produtivas
1 Adorno (1995, p. 169-185) entende que a educação para a emancipação deve ter como propósito maior o esclarecimento. Isso significa uma consciência com maior autonomia crítica, capaz de situar o indivíduo consciente das relações produzidas na sociedade em que ele vive. Neste sentido, o método de análise defendido pelo autor deve centrar sua atenção nas relações sociais de produção da sociedade. 2 Entende-se crítica como a crítica da sociedade. 3 Ciência da História.
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O fundamento da sociedade burguesa4 é baseado na compra e venda da força de
trabalho. Este fundamento se estende pela modernidade e contemporaneidade pois, enquanto
não for alterado o fundamento da sociedade capitalista, não há uma passagem de sociedade.
A organização do trabalho nos moldes da sociedade capitalista, se dá através da
divisão do trabalho e os objetivos dessa divisão são:1- manutenção do lucro e acúmulo do
capital; 2- retirar o conhecimento de posse do trabalhador (expropriação do saber) e 3-
assumir o controle totalitário da produção e do trabalhador. A divisão provoca um processo de
desqualificação não só do trabalhador, mas da humanidade pois perde-se a capacidade de
aprender o que está nas bases do processo de produção.
A relação da divisão do trabalho com a manufatura se dá a partir de meados do séc.
XVI até a década de 70 do séc. XVIII. A manufatura mostra duas formas de origem: a origem
complexa (cooperação complexa) e a origem simples (cooperação simples). Na primeira,
eram necessários trabalhadores de vários ofícios independentes reunidos na mesma oficina
para formar o mesmo produto final, mas o capitalista detinha os meios de produção
(instrumentos) e comercializava os produtos (relações comerciais). Na manufatura simples,
era necessário reunir vários trabalhadores num único ofício, onde esses produziam as partes
mas vivenciavam a produção por inteiro.
Este período antecede e dá origem ao período manufatureiro, principalmente através
da cooperação simples. Nele, as duas formas de cooperação ainda dependiam da habilidade
do trabalhador, da segurança (domínio) e da aprendizagem. O trabalho é teórico-prático,
necessitava de uma prática reflexiva já que requeria idéias, criatividade, etc. e o objeto
(ferramenta) era subjugado a habilidade. Mas, a partir da especificação das ferramentas
(objetos e instrumentos) foi originada a divisão do trabalho. Toda esta especificação limitava
a habilidade e o conhecimento do trabalhador.
A manufatura se dividiu em heterogênea e orgânica (fazes de produção conexa -
produção em menor espaço e menor tempo de transição e produção), o capitalista tomou para
si o tempo e o espaço transformando-os em lucro (mais valia). A partir da divisão do trabalho,
a produção não foi mais integralizada (o trabalhador produzia só parte do produto), o sujeito
perdeu a capacidade de avaliar aquilo que produzia individualmente e o valor da mercadoria
passou a ser ditado pelo mercado. O trabalhador foi se tornando alienado na relação de
trabalho. Para Marx (1984, p. 403), é da divisão natural do trabalho que se estabelece a 4 O fundamento da sociedade foi alterado quando passou do artesanato (feudal) para o modo capitalista.
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divisão social do trabalho e que se estabelece a divisão manufatureira e, a própria divisão
manufatureira incrementa a divisão social do trabalho que produz a divisão do conhecimento.
A divisão do conhecimento é dada pela especialização cada vez maior.
A manufatura aumentou a riqueza social, a capacidade de produção e os modos de
produção, mas ocorreu perda de conhecimentos, habilidades, habilidade de pensamento,
ritmo, etc. Foi iniciado o processo de padronização do sujeito - perda da individualidade e da
identidade. A riqueza social se fez em detrimento da riqueza individual, o sujeito individual se
perdeu por detrás dos produtos e o trabalho submeteu o homem a disciplina exacerbada.
Nas três últimas décadas do séc. XVIII até os anos 70 do séc. XIX. A maquinaria foi
nascendo no interior da manufatura a partir da utilização, junção e especialização de
ferramentas e também da especialização de habilidades físicas e cognitivas dos trabalhadores.
As relações de trabalho na maquinaria, transformou o trabalhador em 'operador de máquinas'
e a experiência formativa (prática/empeírica), foi sendo corroída na base do trabalho - as
possibilidades formativas foram sendo diferenciadas por conta das transformações nas
relações do trabalho.
A maquinaria tem a finalidade de baratear o produto, aumentar a produção e não
diminuir a labuta (o objetivo é o lucro). Com a introdução das máquinas, acumula-se riqueza
em benefício do capital. Existia uma riqueza social, mas não foi consumida socialmente. A
alteração fundamental foi no instrumental do trabalho, os fundamentos da sociedade
capitalista não foram alterados e continuaram baseados na compra e venda da força de
trabalho.
Com a introdução das máquinas na produção, houve uma perda do contato físico do
trabalhador com o produto e o que restou a ele foi a força motriz, além disso, passa a ter o
papel de vigia e controlador da máquina. Foi o homem que adaptou a máquina por questão de
sobrevivência, perdeu o domínio sobre o objeto, sobre a máquina e como consequência
perdeu o domínio sobre o produto, foi obrigado a produzir o objeto tal como foi estabelecido
o que gera alienação5.
Na produção manufatureira, o trabalho foi dividido em ofício e o ofício em tarefas
onde cada trabalhador fazia uma parte. Na produção industrial, estas partes foram reagrupadas
pelas máquinas mas, os sujeitos são isolados, dessa maneira, o trabalho apesar de simples se
tornou complexo e abstrato. "O conhecimento é produzido para atender as necessidades do
5 Não ocorre mais a experiência formativa.
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capital" (Marx, 1984, p. 441), quanto mais o trabalho se industrializou, mais o trabalhador
precisou do conhecimento científico e mais o capital tomou conta da ciência - produção de
conhecimento. A industrialização atingiu principalmente o transporte e a comunicação. Este
período foi o de maior expansão na construção das ferrovias e meios de comunicação mas, ao
mesmo tempo a comunicação e a relação social entre os homens foi se perdendo.
De acordo com Marx (1984, p. 449), entre as consequencias da industrialização estão
a escravização da família (inclusive mulher e crianças), o aumento da degradação humana,
barateamento da força de trabalho (inclusive pela simplificação da produção), o aumento nos
índices de mortalidade infantil, início do distanciamento entre pais e filhos, formação
(instrução) deficiente e com limitações - só se aprende a 'operar', fazer - o trabalhador é
facilmente substituído em seu trabalho o que aumenta o número de excluídos, aumento da
jornada de trabalho e desaparecimento das diferenças individuais dos trabalhadores, estes são
padronizados.
Com a máquina, o grau de percepção, atenção, memória, etc. foi diminuído e
moldado para atender o trabalho, além dessa limitação essas capacidades foram padronizadas
o que gerou a perda da capacidade de reflexão e questionamento. O trabalho se tornou
extremamente estafante. A degradação psíquica e cognitiva dos homens chegou a tal ponto
que eles passaram a destruir o instrumental de trabalho (Marx, 1984, p. 489), e não era
percebido que para mudar essa situação se fazia necessário ir de encontro às relações de
trabalho estabelecidas pela ordem capitalista e não atacar as máquinas.
Um marco para o capital e história do capitalismo, foi a guerra civil americana
(1860) que desencadeou o progresso e o aperfeiçoamento da indústria (Marx, 1984, p. 495).
Foi na década de 60 do séc. XIX, que se iniciou o processo de automação. A guerra civil
americana provocou o processo de imigração principalmente para a América do Sul o que
modificou os hábitos da região que recebeu os imigrantes (como exemplo, o setor de roupa
industrializada e alimentos enlatados), esses hábitos foram repercutidos para outros setores,
num sentido de 'padronização'.
Com o declínio da manufatura e a ascensão da industrualização, a escola pública é
originada na França no final do séc. XIX com o propósito de ser universal, obrigatória,
gratuita, laica. Em 1881 é promulgada a lei que decreta a obrigatoriedade do ensino e em
1882 é decretado a sua gratuidade e laicidade. A Educação Tradicional é, em seus moldes,
'livresca' e 'enciclopédica' centrada no conhecimento dos clássicos, e o professor ocupa um
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lugar privilegiado na escola e na sociedade justamente por ter o domínio sobre o
conhecimento a ser mostrado. A ênfase é no ensino e por esta razão era necessário o domínio
dos conteúdos pelos professores.
A democratização da educação no final do séc. XIX foi uma exigência econômica e
política. Econômica porque era necessário investir na força produtiva e política para conter os
movimentos de resistências desta forma, a escola tradicional tentou por em prática e efetivar a
'igualdade' (ideal burguês). A partir daí, o que aconteceu foi uma completa expropriação de
conhecimentos que revelava uma desigualdade cada vez maior. Na realidade a publicização
da escola serviu de 'arma' econômica e política para deter os grandes conflitos que vinham
acontecendo.
As três últimas décadas do séc. XIX e as três primeiras décadas do séc XX, foram
marcadas por novas mudanças tecnológicas que provocaram uma recomposição no sistema
produtivo. As transformações nas técnicas de produção modificaram a organização do
trabalho e consequentemente, no modo de ser do homem - valores, comportamentos,
habilidades, etc. Neste período as atenções do desenvolvimento tecnológico se
deslocaram da Europa para os Estados Unidos (Segunda Revolução Industrial). O
investimento na tecnologia (desenvolvimento técnico) e a mudança nos modos de produção,
tiveram como objetivo a valorização ainda maior do capital e o combate às organizações
operárias (ponto de vista social) - política sindical que exercia a pressão política dos
trabalhadores.
As transformações da técnica e a modificação na organização do trabalho,
potencializou a produção, aumentou o controle sobre o trabalhador, aumentou a expropriação
do saber operário, a padronização dos instrumentos, dos produtos e dos homens, e também
provocou transformações na composição da classe operária. Conforme Coriat (apud
PIMENTEL,1985, p.83), neste período Taylor retomou o estudo de forma metódica e
sistemática sobre a organização do trabalho, tendo em vista o objetivo de quebrar a resistência
operária e de diminuir controle do trabalhador sobre o produto (expropriação do saber
operário). A nova forma de organização proposta por Taylor baseou-se no desmembramento
das grandes máquinas em máquinas menores e mais específicas, dessa forma limitava e
controlava o saber do trabalhador.
A decomposição do trabalho aliada a especialização dos instrumentos levou a menor
fração do trabalho. O operário trabalhava com a especificidade da máquina e só tinha o
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conhecimento desta fração, desta forma ocorreu neste período o aprofundamento da divisão
entre a concepção e a execução do trabalho, não havia mais aprendizado mas, treinamento e a
produção foi padronizada - produção rígida, automação rígida.
O regresso das condições humanas aumentaram assim como aumentaram o progresso
das técnicas, a partir dessa relação a técnica não é neutra. Ocorre neste período uma tensão
entre o aspecto positivo e o negativo da transformação das técnicas de produção: o positivo é
que os instrumentos produzidos pelo homem poderia libertá-lo do trabalho, mas a técnica não
é explorada visando as necessidades humanas e sim às necessidades do mercado, do capital.
Com a automação rígida o capital aumentou o controle sobre o processo produtivo e
sobre o operário, aumentou significativamente a obtenção do lucro e acarretou em uma
diminuição dos acidentes de trabalho (consequentemente, diminuição com indenizações).
Das últimas décadas do séc. XIX até a metade do séc. XX, mais precisamente até o
final da déc. de 50, ocoreu um período de grande expansão do capital como resposta ao
período de crise que antecedeu a produção homogênea (produção em série), e culminou com
as duas grandes guerras que também proporcionaram a expansão e a colonização do capital
através do domínio e conquista de novos mercados e patentização de novos eventos de grande
impacto, como aço, energia elétrica, motor de explosão, o petróleo , o telégrafo elétrico que
causou surpreendente expansão nos sistemas de comunicação e consequentemente uma
expansão na rede de comércio e no modo de produção capitalista.
De acordo com Harvey (1992), Ford acreditava na construção de um novo tipo de
sociedade através da aplicação adequada do poder cooperativo de regulamentação da
economia a partir da racionalização do processo de trabalho. Na racionalização do trabalho,
foi aumentado o valor da hora de trabalho e diminuída a jornada (5 dólares e 8 horas de
trabalho) essas mudanças tiveram o objetivo de estimular o consumo pois, a produção em
massa teve que eqüivaler o consumo em massa. "As alterações da produtividade em massa
provocaram alterações do conceito de estética física (ambiente) - adaptação do homem ao
novo ambiente físico - funcionalidade estética" (HARVEY, 1992, p.131). Outro objetivo foi o
de tentar diminuir a resistência sindical. Os sindicatos na América eram menos combatidos
por causa dos imigrantes, que se submetiam com maior facilidade ao capitalismo.
Os aspectos que caracterizaram a forma de organização do trabalho baseada no
fordismo foram: o estímulo ao consumo de massa e a introdução da linha de montagem
(esteira rolante), mas essa organização enfrentou duas dificuldades para sua disseminação,
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sendo a resistência dos trabalhadores ao novo sistema e os modos e mecanismos da
intervenção estatal (HARVEY, 1992, p. 123 e 124). Novas concepções administrativas
científicas e poderes estatais foram dados a pertir do "Estado do Bem Estar Social" através de
conquistas conseguidas pelos sindicatos na Inglaterra e nos Estados Unidos. (p.125).
As duas grandes guerras contribuíram para a expansão da industrialização através da
indústria bélica e também de outros de produtos como: medicamentos, alimentação, estuário,
calçados entre outros ramos da industrialização. A expansão foi consequencia principalmente
da 1ª guerra e a flexibilização nos processos de produção foi levada pela II Guerra Mundial.
Nas primeiras décadas do séc. XX, a educação rompe com os ideais da revolução
burguesa e tem o compromisso de 'educar' para o trabalho, onde o 'pensar' caberia a poucos.
Com a divisão do trabalho e a consequente expropriação dos conhecimentos, a escola deveria
garantir a formação do sujeito burguês. Neste cenário, os fundamentes da escola nova e,
posteriormente a educação tecnicista passam a orientar a educação formalizada. A escola nova
tinha como características a liberdade, a igualdade e a atividade. Na escola nova o ensino era
centrado no aluno e garantia condições para que se desenvolvessem suas potencialidades
individuais de acordo com seu ritmo. O professor era organizador, somente dando condições
para que as atividades acontecessem (espaço e tempo).
A educação tecnicista que se fundamenta no trabalho no interior das indústrias. Nesta
educação, a escola é organizada por princípios administrativos e de organização do trabalho
(supervisão, coordenação, professores, currículos, etc.) importados das empresas, e os
conteúdos (disciplinas) de cunho humanista foram retirados. A Educação Tecnicista é
centrada nos instrumentos, meios e recursos que, se bem selecionados, dispostos e manejados
por si só promovem o aprendizado.
Um dos principais autores que fundamentou a educação tecnicista foi o americano B.
F. SKINNER, influenciado pelos fundamentos da filosofia positivista de COMTE. Apesar
dele buscar uma 'mudança' na nova ordem, contribuiu para a manutenção da ordem vigente
(mercado). A teoria de Skinner procura controlar as leis que regulam o comportamento do
sujeito. Na escola, o aprendizado é garantido através do reforço e o afeto é desvinculado do
comportamento no trabalho.
Assim, como acontece a divisão do trabalho, deve acontecer a divisão dos conteúdos
– discipinas - e, como o controle dos instrumentos, meios e recursos era o suficiente para a
eficácia na escola, o planejamento era tido como principal recurso e instrumento para
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promover o aprendizado. Em resumo, na educação tecnicista, a ênfase era no planejamento, os
conteúdos fragmentados e naturalizados (desprovidos do movimento da história, sem
significado social) e o reforço era importante para a aprendizagem. Um dos recursos
utilizados é a tecnologia aplicada a educação (máquina de ensinar). Esse período foi
caracterizado por grande abundância em termos de produtos, no entanto foi um período em
que a expropriação do conhecimento foi intensificada, pois com a produção em massa veio a
alienação em massa, que impedia o homem de pensar diferente dos termos de produção
capitalista.
O realinhamento produtivo ocorreu a partir dos anos 60 do século XX, mais
precisamente nas décadas de 70 e 80 e o que leva esta transfomação no mundo do trabalho
(chamada de 3ª revolução industrial) é a reconversão produtiva ocorrida nos Estados Unidos e
alguns países da Europa como Inglaterra e França. A reconversão produtiva foi provocada
pela decadência da forma de organização do trabalho taylorista-fordista, que procurava
atender somente as necessidades sociais postas pelo mercado de trabalho.
A organização taylorista-fordista nunca foi tranquila pois sempre enfrentou a
resistências dos sindicatos e necessitava de trabalhadores. Esta forma de trabalho não se
organizava sem os trabalhadores e estes, sabendo disso, provocavam resistências. Estes
embates proporcionaram ganhos sociais ('bem estar social') e as indústrias eram obrigadas a
adotar rodízios pelos postos de trabalho e reagrupar tarefas, já que a divisão e a 'mecanização'
dos gestos foi acentuada até o limite humano suportável. Todas essas dificuldades obrigou o
capital a pensar em mudanças na organização do trabalho e, entre essas mudanças foi
instaurado o reagrupamento de tarefas (uma das características da 3ª revolução industrial). O
reagrupamento não devolveu ao homem a dignidade de ter o conhecimento como um todo
(autonomia), pois não havia condições de 'devolver' o conhecimento tirado, este continua
corroído. Este ponto foi um dos que proporcionou a decadência da organização taylorista-
fordista que chegou ao ponto de 'dividir o indivisível'.
Após as duas grandes guerras, as indústrias foram obrigadas a contratar pessoas não
capacitadas para produzir mais em menos tempo e , além disso, o mesmo trabalhador era
obrigado a realizar mais que uma tarefa e também a realizar tarefas que nunca haviam
realizados. Alguns pontos contribuíram para a transformação da organização nos modos de
produção: reagrupamento de tarefas; diminuição de operários especializados; grande
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deslocamento do setor de produção para o setor de manutenção (controle) e sofisticação
tecnológica do sistema produtivo (ponto alto da produção flexível).
A diminuição do consumo levou a indústria a criar estratégias, e uma dessas
estratégias foi produzir para uma 'pequena' classe dominante, onde os produtos atenderiam às
características individuais dos consumidores. Isto interessaria ao mercado e ao consumo e, os
meios de comunicação de massa vieram a atender este interesse.
Essas estratégias necessitavam de uma reorganização nos modos de produção e um
reajustamento das máquinas já que a produção devia ser menor, mais rápida e atender os
consumidores de forma personalizada (atender à pedidos, sistema de encomendas).
As transformações ocorridas durante as décadas de 70 e 80 foram marcadas por um
período de reestruturação econômica e política, dessa forma social. A produção flexível é
baseada na computadorização dos sistemas produtivos com base na microeletrônica
(HARVEY, 1992, p.140).
A acumulação flexível alterou as máquinas, essas foram reacopladas e
informatizadas, o sistema de controle é disfarçado e acontece via computador, o produto
assume formas diferentes, a 'alimentação' das linhas de montagem é realizado pelos
computadores e a circulação da mercadoria é em tempo mínimo.
As consequencias da flexibilização da produção (HARVEY, 1992, p.141-143) foram
dadas através da diminuição drástica do trabalho vivo, aumento brutal do desemprego, rápida
destruição de habilidades, reconstrução de 'novas' habilidades, retrocesso no poder dos
sindicatos, trabalho em domicílio, exploração do trabalho da mulher e deforma a idáia de
família. A aceleração da produção deveria estar preenchendo a aceleração do consumo (idéia
de que tudo que é novo é melhor) e o supérfulo tomado como necessidade fundamental.
Conforme Harvey (1992, p.150-155), a informação se tornou uma mercadoria muito
valorizada e o mercado foi marcado tanto por transações financeiras como por transações de
produtos. Estas transformações fizeram com que a capital financeira do mundo se transferisse
rapidamente de um lugar para o outro. Incidiu também sobre o setor político (desmonte do
'bem estar social'), o Estado se omitia de responsabilidades sociais e passava para as empresas
essas funções através dos 'patrocínios'.
A produção rígida ainda se mostra presente, mas tendia a ser substituída pela
produção flexível através da força da concorrência. Nos países não desenvolvidos, ainda hoje,
há formas de trabalhos que não são derivados nem da automação flexível e nem da automação
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rígida, e com o desemprego um novo setor de trabalho é explorado, é o chamado trabalho
informal. Apesar da capacidade de produzir mais, não significa que a sociedade
A mais recente reorganização do processo produtivo deve-se a automação flexível e
a informatização na produção. Novos conceitos e novas organizações do trabalho e da
produção são resultantes da utilização das novas tecnologias: eletrônica e informática. O
computador controla a produção e, consequentemente o trabalhador.
A integração do processo produtivo a partir da reintegração das tarefas (das partes) e
a flexibilização - que tem sua base na informatização aplicada a produção e também nas
pesquisas encomendadas e financiadas pelo capital - são dois aspectos presentes na
reorganização do trabalho.
O início do processo de reorganização da produção se deu a partir das 'ilhas de
montagem' (CORIAT, 1988. p.16). Nesse sistema as linhas de montagem são organizadas em
grupos de trabalhadores o que faz com que ocorra a diminuição dos postos de trabalho e o
aumento das tarefas do grupo. Os grupos tem no máximo quatro trabalhadores e deixa
transparecer uma ('falsa') maior autonomia, pois o trabalho se torna menos enfadonho. O
discurso do capital atualmente se dá no sentido de que a automação flexível consegue
humanizar o trabalho, mas este argumento não se sustenta já que o trabalhador não reúne
concepção e execução durante a produção desta forma, não vincula uma relação com o objeto
de acordo com sua vontade.
A reorganização do processo de produção necessita da informatização para atender o
novo tipo consumo e a concorrência, torna-se necessário as linhas flexíveis de produção que
gerem produtos adaptáveis e diferenciados e assim correspondam à nova demanda. Couriat
(1988, p. 20) explica que as linhas são flexíveis "porque são capazes de fabricar, sem exigir
uma reorganização maior, diferentes produtos, a partir da mesma organização básica de
equipamentos e com um intervalo reduzido de adaptação."
As produções com base nas inovações de equipamentos (automação programável)
são, a partir da natureza das funções assumidas, agrupadas em: a) meios de operação:
acoplamento de ferramentas nas máquinas e manipuladores; b) alimentação das linhas de
montagem: abastecimento da linha de montagem através de trolleys comandados por
computador; c) controle de equipamentos de produção: via computador, aumento de controle
de produção e do trabalho humano; d) auxílio a projetos (COURIAT, 1988, p. 22 e 23).
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A nova engenharia produtiva assume tendências e, entre elas está a Integração
(integração das seqüências temporais da produção) e a flexibilidade determinada pelas novas
características da demanda (voláteis, instáveis e diferenciadas) e como conseqüência da
concorrência entre empresas. A flexibilização no plano econômico permite ao capital explorar
o máximo possível a utilização das diferentes capacidades (recursos) de uma mesma máquina.
Couriat (1988, p. 33-53) descreve cinco novas formas de automação na ordem
cronológica em que elas foram elaboradas e postas em prática. A primeira é a linha integrada
de fabricação (FIF): ilhas de montagem, a segunda é a linha assincrônica de montagem
(LAM): início da aplicação da informática sobre a produção - o objetivo da primeira aplicação
da informática na produção é o controle sobre os trabalhadores e também sobre a vida dos
homens; posteriormente, apresenta-se a linha integrada flexível (robotgate): considerada a
mais avançada do ponto de vista tecnológico ('indústria de ponta') pois, além de integrada ela
é altamente flexível. A quarta é denominada Kan-ban (5 zeros: estoque zero, defeitos zero,
pane zero, demora zero papel zero): não demanda novas tecnologias e consiste na
reorganização do trabalho e, a última é a MRP (planejamento do material requerido):
produção com base nas previsões de consumo vinculada diretamente com a informação de
consumo.
As mudanças na organização do trabalho provocam modificações sociais, entre as
quais a necessidade de equacionar as reivindicações dos trabalhadores e adaptar o mercado
produtivo às demandas. Potencializa a exploração do trabalho morto.
As novas formas de organização da produção influenciaram e continuam a
influenciarem diretamente o modo de ser do sujeito social. Todo arsenal técnico que deveria
dominar a natureza e livrar o trabalhador da labuta, domina também o homem. O controle é
simultâneo sobre a liberdade social e a individual. O capital coopta para si a força física e
também as capacidades intelectivas e psíquicas de uma só vez na sociedade e em cada
indivíduo. Essas capacidades têm uma formação unidimensional, são formadas como convém
para a ordem capitalista às medidas de suas necessidades.
As relações sociais de produção deixam o sujeito sem reação, o ser humano encontra
dificuldades em resistir ao 'conforto tecnológico', pois a alta tecnologia permite 'popularizar' o
consumo, os produtos.
O sentido de liberdade não é mais o mesmo, os homens passam a lutar por uma
liberdade individual ao invés de lutarem por uma liberdade social. O conhecimento é a
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racionalidade unidirecional (a razão atende ao capital) e o individualismo nasce das relações
deste trabalho. Isto ajuda a garantir a falta de resistência ao controle estabelecido e, desta
maneira, a oposição ao sistema é corroído pelo processo de trabalho e as necessidades
supérfluas passam a ser essenciais (COURIAT, 1988, p. 24).
A sociedade industrial se mantêm estimulando o consumo e o desperdício, é através
do consumo que o mercado controla o indivíduo, o sujeito se trona submisso ao objeto, o
controle da liberdade nunca foi tão grande pois a sociedade que forma padrões de
comportamento e de pensamento (id p. 32 e 33). A sociedade capitalista usa a comunicação de
massa para manter a alienação.
Para Marcuse (1973, p. 35), na contemporaneidade vivemos em regresso e não
progresso. Regresso nas condições humanas. As implicações sociais da tecnologia moderna
possui os seguintes aspectos: processo de uniformização da individualidade e o impacto das
novas forças produtivas sobre a deformação da individualidade. É difícil para o homem
entender este controle, pois ele é conduzido de maneira sutil, imperceptível. O capital coopta
para si o conhecimento, as formas de pensamento e determina a formação.
A tecnologia não se restringe a técnica, significa no contexto da história muito mais
que mudança da técnica, é todo um conjunto de conhecimento a serviço da produção e do
consumo da técnica tal como o consumo e a produção da técnica se realizam na nossa
sociedade. A técnica se pudesse ser tomada em si, seria um processo neutro, mas como serve
a determinados propósitos não pode ser pensada desta forma, pois prioriza as necessidades do
capital, do mercado e não as necessidades humanas (MARCUSE, 1941, p. 113).
Na sociedade capitalista, é priorizada a racionalidade dominante e a padronização da
individualidade. As características individuais vão sendo minadas e a indústria cultural
impregna no sujeito necessidades individuais produzidas pelo mercado. O controle da
produção vai se concentra no capital e o trabalho se torna, cada vez mais, um meio de
obtenção de lucro e deixa de ser um lugar de realização pessoal.
Para Marcuse (1941, p.123), convivemos com duas verdades: a consciência crítica,
emancipatória e a consciência instrumental, técnica. A racionalidade é instrumental (serve
para a manutenção da ordem vigente), mas anterior a esta se encontra a racionalidade
emancipatória, é a razão iluminista - consciência crítica, capaz de perceber a potencialidade -
onde o sujeito se liberta e deixa de ser subjugado (id. p.115). Quando a razão passa a dominar
a fé, parecia ter chegado os tempo de emancipação, de libertação, tudo pode ser observado,
5178
mas a ciência conduz os homens ao experimentalismo, controlado pelos próprios homens e os
instrumentos que ele próprio criou.
A manutenção da impotência da razão crítica ou do pensamento crítico para Marcuse
(1941, p.124-135) segue determinados fatores: o modo como o trabalho se organiza e se
efetua (fator que desencadeia e mantém todos os outros); o crescimento do aparato
tecnológico a serviço tanto da produção como da comunicação; a incorporação ao sistema
vigente de camadas ou setores da sociedade que eram de oposição, de protesto; o isolamento
do indivíduo na multidão (razão instrumental corrói a individualidade); a criação de uma base
comum de experiência para diferentes profissões (sensação de igualdade através do domínio
das técnicas, do conhecimento e de 'novas' habilidades) e o aumento da burocracia, tanto
estatal como privada (aumento do controle).
Após a descrição das transformações no mundo do trabalho e das relações das forças
produtivas, as perguntas que fazemos é: quais são as consequências das inovações
tecnológicas e a transformações no processo de trabalho na qualificação do trabalhador? E a
educação? Quais as interferências das características e mudanças no mundo do trabalho na
educação e na escola?
As transformações ocorridas nas formas de produção e na organização do trabalho
trouxeram problemas educacionais de ordem objetiva e subjetiva. A educação se mostra
descontextualizada e o ensino de conteúdos desprovidos da vertente histórica que os origina.
Pinto (1991, p. 52) argumenta que as formas mais integradas6 e flexíveis de
organização do trabalho, possibilitam a transformação do trabalho fragmentado, padronizado
e repetitivo pelo trabalho flexível e integrado, o que possibilita a criação de novas
perspectivas para a educação. Essa integração do trabalho sugere uma intelectualização da
produção e consequentemente uma intelectualização do trabalhador e dos homens
(convergência nos interesses do capita e do ensino).
A intelectualização do trabalho e dos homens é fundamentada no pressuposto de que,
as necessidades de adaptação do sujeito às novas tecnologias estão ligadas a "inteligência e ao
conhecimento" já que o nível de mobilidade e plasticidade do trabalhador é elevado e a
informação é entendida como 'conhecimento' (PINTO, 1991, p.53). As novas de produção
pressupõem as necessidades de novas formas de capacidades e habilidades como, por
exemplo, lidar com símbolos verbais e numéricos. 6 A autora parte do pressuposto que a junção de partes é igual ao todo e, se esquece que a junção deveria ser entre concepção e execução.
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A automação flexível determina o trabalho e consequentemente os conteúdos de
ensino e a ação escolar que deve objetivar a adaptação dos sujeitos às novas formas de
produção, já que essas requerem novas competências e novas habilidades. Nessa perspectiva
(PINTO, 1991), define que a qualidade do ensino é definida pelas demandas tecnológicas. (o
que se ensina, como se ensina e para que se ensina é determinado pelas demandas imediatas
do capital). Entretanto, as novas capacidades intelectivas7 são pré-determinadas pela
tecnologia (determinismo tecnológico) e por essa razão, não é permitido ao homem maior
controle sobre o processo de trabalho.
A educação não pode tomar a demanda tecnológica como objetivo final pois, desta
forma será uma educação para a adaptação (sem ruptura) e sim deve tomar a demanda do
capital como ponto de partida e buscar a transformação. Em contrapartida, nessa sociedade a
verdade é ditada pela lógica formal (razão instrumental), o conteúdo educacional é
fragmentado e as partes se explicam por si. Sendo assim, existe a necessidade de considerar
os valores externos à escola que estão postos na sociedade. Silva T. (1992) procura atender
essa necessidade através da análise da relação entre a divisão social do trabalho, o processo de
(des) qualificação e as divisões educacionais.
Perspectivas da educação: a formação instrumental e a formação humana
A divisão do trabalho traz consigo o processo de desqualificação não só do
trabalhador, mas da humanidade e atinge seu ponto máximo na divisão entre concepção
(quem pensa) e execução (quem faz). Perde-se a capacidade de apreender o que está nas bases
do processo de produção, desta forma, ocorre uma deformação ao invés de uma formação do
sujeito pois este se forma através da cultura mercantil e dos meios de comunicação de massa.
A educação não produz divisão (concepção e execução) - ela ocorre o âmbito do trabalho -
mas, a educação forma indivíduos para atender essa divisão. A escola deve dar condições de
permanência do sujeito, caso contrário ela favorecerá a exclusão e consequentemente, essa
exclusão.
O sistema educacional se divide em níveis e em especialidades e perde a noção da
totalidade. As áreas de conhecimento específicas que não mantém um único método de
análise, proporciona um aumento na divisão do ensino. O processo de desqualificação não se 7 POLICOGNIÇÃO: raciocínio demarcado, baseado na informação e não permite compreender os problemas sociais e o processo de humanização)
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dá somente no setor técnico profissionalizante, se reflete também na formação básica. A
educação têm que saber seus objetivos. Que tipo de formação se pretende?.
O processo de desqualificação (produção flexível, automação flexível) se reflete no
interior da escola através da educação virtual. Os que fazem o trabalho intelectual não
escapam dessa degradação na formação (deformação). Acredita-se que atualmente há uma
formação mais ampla e geral através da requalificação do trabalho, do trabalhador e da
educação escolar. A automação flexível junta a concepção da execução , mas não resolve o
problema, pois quem concebe, se restringe a um só sistema. Se tornou mais abstrato e a
divisão permanece. Ocorre então a formação de novas capacidades, mas dentro da lógica
capitalista e não uma requalificação no sentido da formação geral.
O problema da desqualificação passa pela questão do conteúdo em sala de aula
(como e, em que perspectivas é trabalhado) e, é preciso ter clareza em relação ao saber a ser
ensinado. Percebe-se um descompromisso do educador, sob a crença de que o aluno aprende
por si, isso provoca um certo descompromisso com relação aos conteúdos. A
interdisciplinaridade requer pressupostos teóricos e norteadores únicos e não diversificados
(critério teórico e metodológico). Caso não queira romper com o método da ciência e da
história, só se pode pensar com uma única base. O diálogo não pode ser de opiniões (com
base no senso comum e na percepção imediata). Só estão preocupados com um único
referencial teórico aqueles que trabalham em uma perspectiva histórico-cultural. Se o método
de análise não permite analisar as contradições e os embates, corre-se o risco de ficar exposto
à razão instrumental.
Como afirma Silva (1992, p. 65-67), a desqualificação no interior da escola, é
simultâneo à redução do tempo dedicado à reflexão, ao estudo e ao ensino propriamente dito.
Reflexões estas, que levem a análise e articulação do conhecimento para além do que está
posto. A reflexão tem que ser guiada por um método e pelo professor.
Considerações Finais
A educação por si só não pode transformar o quadro anteriormente relatado, mas
pode tirar do centro do debate a questão da qualificação e desqualificação e, mostrar que o
núcleo maior é a divisão do trabalho (SILVA, 1992 p.172).
5181
Boaventura de Sousa Santos (apud SILVA, 1996, p.15-33), propõe os fundamentos
de um projeto educativo com vistas a emancipação humana (educação para a emancipação).
De acordo com as idéias do autor, vive-se em um tempo paradoxal, de um lado o
desenvolvimento tecnológico extraordinário intitulado de globalização (capaz de suprir as
necessidades da sociedade em todos os níveis) e, de outro lado vive-se a repetição do passado
através da regressão das condições humanas (expropriação, miséria, violência, etc.) e de
estagnação da consciência de transformação social é essa repetição eterna do presente - nas
bases da produção social do trabalho: como está organizado e como se realiza, racionalidade
instrumental no pensamento e no modo de ser dos homens, e a filosofia burguesa que faz com
que o sujeito enxergue a ordem posta como a ordem de 'progresso' - que consuma a vitória do
capitalismo burguês.
Contra esse estado de estagnação, é necessário uma educação com vistas a
emancipação, que tem no conflito8 seu eixo principal para a formação dos sujeitos sociais, dos
seres humanos. Inseridos nesse "projeto educativo emancipatório" (SANTOS apud SILVA,
1996, p. 17) estão três conflitos de conhecimento descritos a seguir (id, p.18 -32).
Aplicação técnica e aplicação edificante da ciência: A técnica (conhecimento
científico) não é produzida e consumida a medida das necessidades humanas fundamentais,
mas sim de acordo com as necessidades do mercado. Há uma fusão entre a ciência e produção
capitalista, o que provoca a aplicação técnica em detrimento da razão. Os meios são tomados
como fins últimos e a ética perde de vista a preocupação com o sujeito. Para que esta
aplicação seja alterada, é proposto um modelo alternativo denominado de aplicação edificante
da ciência que tem como objetivo contrapor o estabelecido.
Na aplicação edificante, a ética não pode ser tomada como a ética do mercado, os
meios não podem ser tidos como fim e a ciência deve lutar para enriquecer culturas locais. O
conflito é o eixo, no contexto ensino-aprendizagem, entre o modelo de aplicação técnica e o
edificante e sinaliza para a necessidade de se pensar em formas alternativas da produção e
aplicação da ciência. No modelo proposto professores e estudantes terão que utilizar as
pedagogias das ausências. Esta é a base da pedagogia do conflito, onde a imaginação da
experiência passada e presente deve ser posta e pensada com o objetivo de supor diferentes
consequencias da aplicação da ciência se outras opções tivessem sido tomadas. Só a
8 O conflito serve para vulerabilizar e desestabilizar os modelos epistemológicos dominantes e para olhar o passado através do sofrimento humano que, por via deles e da iniciativa humana a eles referida, foi indesculpavelmente causado (SANTOS apud SILVA,1996,p. 33).
5182
imaginação das consequências do que nunca existiu poderá desenvolver o espanto e a
indignação perante as consequências do que existe.
O conhecimento como regulação e conhecimento como emancipação: Este conflito
se estende ao próprio conhecimento a ser aplicado e parte da idéia da transição
paradigmática9.
O conhecimento-como-regulação consiste numa tragetória entre um ponto de ignorância designado por caos e um ponto de conhecimento, designado por ordem. O conhecimento-como-emancipação consiste numa tragetória entre um ponto de ignorância chamado colonialismo e um ponto de conhecimento chamado solidariedade (SANTOS apud SILVA, 1996, p. 24).
A regulação posta é baseada na razão instrumental ( o sistema capitalista tem que
desenvolver diariamente novos 'artifícios de encantamento' para manter a dominação, que pela
contradição que gerada encontra dificuldades para se manter) que está ligado a forma de
como se dá o trabalho. O conhecimento como regulação tem de sersubstituído pelo
conhecimento como emancipação através da capacidade de análise dos diferentes conteúdos
de ensino, com o objetivo de alcançar a educação como formação do sujeito.
O conflito entre o Imperialismo cultural e multiculturalismo, parte da análise sobre o
domínio crescente da cultura imperialista ocidental auxiliado pela globalização que tende a
devorar as pequenas culturas milenares. A educação emancipatória deve lutar pela discussão
consciente entre culturas diferentes, livre de preconceitos postos pela cultura dominante. Deve
ser procurado nas culturas o que elas tem de humano, para que seja copiado e transportado
para a nossa sociedade e não colocar a cultura burguesa como a melhor, a mais avançada e
mais completa.
O conflito cultural deve estar no centro do currículo do projeto educativo
emancipatório. "Um relacionamento mais igualitário, mais justo que nos faça aprender o
mundo de modo edificante, emancipatório e multicultural. Será este o critério último da boa e
da má aprendizagem." (SANTOS apud SILVA, 1996, p.33).
A educação tem que considerar a adaptação, mas ir além dela e, através de uma
educação crítica, explicitar a sociedade capitalista e perceber a positividade excludente e
miserável no sentido humano que se instala. Esta educação deve tomar as necessidades
humanas em todas as suas dimensões como ponto de chegada. Desta forma, Adorno (1995,
9 A partir da reconstituição desse conflito matriarcal, se aprofunde a crise da confiaça epistemológica da ciência moderna e se criem energias para a emergência de novos conflitos epistemológicos (SANTOS, B., 1996, p. 24).
5183
p.180) chama a atenção para a necessidade do fortalecimento do 'eu' como subsídio para a
consciência crítica.
A emancipação só tem chance de se regular numa sociedade que não seja a
capitalista. “[...] a única concretização efetiva da emancipação consiste em que aquelas
poucas pessoas interessadas nesta direção orientem toda a sua energia para que a educação
seja uma educação para a contradição e para a resistência" (ADORNO, 1995, p. 183). A
educação para emancipação é preocupada e ocupada em não deixar morrer a crítica, o
contraponto. O conteúdo deve ser ensinado com a finalidade maior de pensá-lo nessa
sociedade para ir além dela.
REFERENCIAS
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