Post on 04-Jul-2015
A FUNÇÃO SOCIAL DA EMPRESA NA RECUPERAÇÃO
JUDICIAL
Juliana Raquel Fraga
Canoas
2010
JULIANA RAQUEL FRAGA
A FUNÇÃO SOCIAL DA EMPRESA NA RECUPERAÇÃO
JUDICIAL
Trabalho de conclusão de curso
apresentado à Faculdade de Direito do
Centro Universitário Ritter dos Reis, como
requisito parcial à obtenção do título de
Bacharel em Direito.
Orientador: Prof. Luis Felipe Spinelli
Canoas
2010
JULIANA RAQUEL FRAGA
A FUNÇÃO SOCIAL DA EMPRESA NA RECUPERAÇÃO JUDICIAL
Trabalho de Conclusão de Curso aprovado como requisito parcial à obtenção
do título de Bacharel em Direito, pela banca examinadora constituída por:
________________________________________Nome do Professor
________________________________________Nome do Professor
________________________________________Nome do Professor
Canoas
2010
DEDICATÓRIA
Aos meus pais, Irani e Ana, por todos
estes anos de amor e dedicação
destinados a mim e aos meus irmãos.
Ao Ismael, meu incentivador e amigo, que
esteve ao meu lado me auxiliando e
preenchendo-me percurso de amor e
carinho.
Ao meu sogro, Eloi, por todas as dicas e
ajudas que prestou durante esta jornada.
A todos que, das mais diversas formas,
me auxiliaram nessa empreitada.
E a Deus por todas as dádivas e
felicidades que venho colhendo em meu
caminho.
GRADECIMENTOS
Meus agradecimentos a todos os
professores do Curso de Bacharel em
Direito do Uniritter, os quais participaram
e são, em grande parte, responsáveis
pelo meu desenvolvimento profissional e
pessoal. Em especial quero agradecer a
meu orientador, o Prof. Luiz Felipe
Spinelli, que comigo esteve comprometido
e me auxiliou de forma excepcional,
nessa empolgante jornada.
O fim do direito é a paz, o meio de que se
serve para consegui-lo é a luta. Enquanto
o direito estiver sujeito às ameaças da
injustiça – e isso perdurará enquanto o
mundo for mundo -, ele não poderá
prescindir da luta. A vida do direito é a
luta: luta dos povos, dos governos, das
classes sociais, dos indivíduos. (Rudolf
von Ihering)
RESUMO
Este trabalho trata da função social da empresa e como esta influência o
instituto da recuperação judicial. Sendo a recuperação judicial um instituto
novo, pois este não existia no Decreto – lei 7.661/1945 se faz necessário
observar as principais diferenças e semelhanças entre o instituto da
concordata, principalmente a concordata preventiva (por ser a que mais se
aproxima da recuperação judicial), e identificar os possíveis impactos que o
reconhecimento a função social da empresa irá causar no deferimento e
andamento do processo de recuperação judicial. O texto ainda traz os motivos
que levaram o Decreto – lei 7.661/1945 ser substituído pela Lei 11.101/2005.
Ainda procura, por meio de manifestações do Poder Judiciário demonstrar
como a nova Lei vem se adaptando à realidade.
Palavras-chave: função social da empresa, preservação da empresa,
recuperação judicial, concordata preventiva.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ..............................................................................................9
1 A RECUPERAÇÃO JUDICIAL E A FUNÇÃO SOCIAL .............................141.1 A concordata no regime do Decreto – lei 7.661/45 ................................161.1.1 A flexibilização do instituto da concordata e a função social da empresa.........................................................................................................281.2 Da recuperação judicial............................................................................321.2.1 O reconhecimento da função social da empresa na recuperação judicial.............................................................................................................531.2.2 Contratualismo x Institucionalismo........................................................71
2 REPERCUSSÃO DA LEI 11.101/2005 E DE SUAS DIRETRIZES NO PROCESSO DE RECUPERAÇÃO DA EMPRESA EM CRISE.........................................................................................................782.1 Instituições................................................................................................882.2 Análise das manifestações do Judiciário..................................................94
CONCLUSÃO...............................................................................................102
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.............................................................105
INTRODUÇÃO
Durante sessenta anos o Decreto – lei 7.661/1945 foi quem ditou as
regras e as formas para que o empresário em crise pudesse sair desta ou
requerer a decretação de sua falência, sobrecarregando de responsabilidades
o devedor, não possibilitando a este muitas alternativas econômicas para
solucionar a falta de liquidez.
O regime falimentar da legislação de 1945 demonstrou-se notadamente
ultrapassada, pois regia um processo concursal que não viabilizava
mecanismos eficientes para que a empresa pudesse se recuperar da crise,
bem pelo contrário, a prática demonstrava um índicie muito maior de quebra
das empresas do que sua efetiva recuperação.
O Decreto – lei 7.661/45 previa como formas de recuperação da
empresa o instituto da concordata, o qual podia ser preventiva ou suspensiva.
No presente estudo a mais relevante é a concordata preventiva, pois a
recuperação judicial, prevista na Lei 11.101/2005, tendo está vindo para
substituir o Decreto-lei guarda algumas semelhanças com o antigo instituto. Já
a concordata suspensiva não foi mantida na nova lei, não havendo mais como
suspender o processo de falência em curso.
A concordata preventiva era um instrumento onde buscava-se, através
de dilação de prazos e remissão de parte das dívidas, a retirada da empresa da
crise. Mas seus métodos acabavam por não proporcionar a recuperação efetiva
de que a empresa necessitava.
Na sistemática do Decreto – lei a falência do devedor poderia ser
decretada pela simples impontualidade no pagamento de seus compromissos,
não sendo levada em consideração questões como a capacidade econômica e
financeira do devedor ou a boa-fé do mesmo em relação aos seus credores.
Estas considerações são de suma importância, por viabilizarem a recuperação
deste devedor, mantendo assim postos de trabalho, a circulação de bens e
serviços, entre outros benefícios a sociedade e ao próprio Estado com a
arrecadação de impostos.
A recuperação judicial prevista na Lei 11.101/2005, apesar de manter
algumas semelhanças com o instituto da concordata preventiva, tem seus
objetivos bem mais abrangentes, pois não visa apenas à satisfação dos
credores da empresa em crise, visa também à preservação da empresa e tudo
que este significa.
O Senador Ramez Tebet, em relatório sobre o projeto de Lei que
institui a Lei 11.101/2005, apresenta o principal objetivo da nova lei quando
menciona que “em razão de sua função social, a empresa deve ser preservada
sempre que possível, pois gera riqueza econômica e cria emprego e renda,
contribuindo para o crescimento e desenvolvimento social do País1”. O Senador
ainda refere que o trabalho do legislativo foi ajustado, não apenas no aumento
da eficiência econômica, mas, principalmente “pela missão de dar conteúdo
social à legislação2”.
A nova lei diluiu a responsabilidade do devedor, dividindo-a com os
credores e Poder Judiciário, os quais passam a ter uma participação mais ativa
no processo de recuperação da empresa.
Mas não é apenas a recuperação judicial novidade no campo do direito
concursal, pois a nova lei também traz a recuperação extrajudicial, onde
devedor e credores podem entrar em acordo sem a necessidade da
participação atuante do judiciário, bem como um regime especial de
recuperação para as pequenas e micro empresas, não sendo estes, foco do
presente estudo.
Hoje a empresa não é apenas uma mera produtora de bens e serviços,
ela é acima de tudo um poder, pois representa uma fonte geradora de
empregos e expansão da comunidade e sociedade em geral. A empresa é uma
das instituições mais significativa da atualidade, acabando por assumir
responsabilidades, não apenas com o seu interior, mas também com seu
1 SCHELLES, Marta Santiago de Oliveira. O Princípio da Preservação da Empresa no Novo Sistema Falimentar. Disponível em: < http://www.emerj.tjrj.jus.br/trabalhos_conclusao/trabalhos_22009/martaschelles.pdf>. Acesso em 22 de fevereiro de 2010.2 SCHELLES, loc cit.
exterior. Afinal, como Samuel Koenig3 profere, as instituições servem para
satisfazer as necessidades da sociedade; que vão desde as mais essenciais
até as relativamente sem importância, ou mais ou menos dispensáveis. Elas
acabam por servir como um meio de regular e controlar as atividades do
homem.
É dentro deste conceito que surge a função social da empresa e sua
importância nos tempos de hoje. O legislador, quando não definiu a função
social da empresa foi muito sensato, pois esta se adequa ao seu tempo e seus
significados podem: ser traduzidos de várias formas e possuírem significados
diferentes para cada ordenamento jurídico. Neste trabalho interessará apenas
o que a função social da empresa significa para o ordenamento brasileiro, não
havendo comparações com o direito de outros países.
Dentro das modificações trazidas pela Lei 11.101/2005, a que chama a
atenção é a possibilidade de o juiz, ao reconhecer a função social da empresa,
poder aprovar o plano de recuperação mesmo que este não seja aprovado
pelos credores em assembléia, dando assim liberdade ao juiz de interpretar a
norma de forma que está seja favorável, não apenas aos credores, mas
também aos outros interessados, pois como cita Humberto Theodoro Júnior4
sobre a questão:
Mesmo na atividade de interpretação da lei, que se reconhece não se fazer de forma mecânica e literal, a criatividade desempenhada pelo juiz para atualizar e compatibilizar a norma com o caso concreto e o momento da sua aplicação não lhe dá uma liberdade que possa significar a abertura para o arbítrio e a aventura, pois, como adverte PERLINGIERI, a interpretação é também uma atividade vinculada, controlada e responsável. Ou, segundo CAPPELLETTI, o juiz, na sua nobre missão de complementador da regra legislada, não um interprete completamente livre de vínculos, embora inevitavelmente criador do direito.
A relação história do instituto e sua evolução trazem muitas noções de
como este funcionava, o que precisava ser contornado e o que as mudanças
poderão causar, mas apesar disto este não será analisado no corpo do
trabalho, pois se dará mais espaço as questões técnicas do que históricas.
3 KOENIG, Samuel. Elementos de Sociologia. 6º. ed. Tradução Vera Borda. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1982, p. 92.4 THEODORO JÚNIOR, Humberto. O contrato social e sua função. 2ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2004, p. 117.
Para alcançar o entendimento do que é a função social da empresa, e
como a recuperação judicial se apresenta o trabalho será composto de dois
capítulos que possibilitarão identificar o instituto e como este, e o princípio da
função social, se desenvolvem na Lei 11.101/2005.
No primeiro capítulo se visualizará como funcionava o instituto da
concordata preventiva e como este não se adequa mais a realidade brasileira.
É identificado o funcionamento do processo de recuperação judicial, e como a
função social da empresa enquadra-se nesses processos tão distintos.
O segundo capítulo busca demonstrar algumas diferenças existentes
entre o Decreto-lei 7.661/45 e a Lei 11.101/2005, identificando suas relações; e
os principais institutos envolvidos na recuperação judicial da empresa.
Por fim, serão analisadas algumas manifestações do judiciário sobre
algumas matérias que acabam por impossibilitar a efetiva recuperação judicial
da empresa se forem seguidas pelos juízes, acabando assim sendo entendidas
como desnecessárias e que acabam indo ao encontro ao objetivo da Lei a qual
é a preservação da empresa, e aquelas que merecem maior atenção por ainda
trazer dúvidas em relação a sua utilização na prática pelos tribunais.
Portanto, o problema que se propõe é identificar como a Lei
11.101/2005 entende ser função social da empresa e como esta se insere e
vem se inserindo no cotidiano das empreses, sociedade e principalmente
dentro do ordenamento jurídico, em especial na recuperação judicial da
empresa.
1 A RECUPERAÇÃO JUDICIAL E A FUNÇÃO SOCIAL
Antes da promulgação da Lei 11.101/2005 a recuperação judicial já era
contemplada, não especificamente, mas ainda assim ocorria no mundo dos
fatos, mais como um fenômeno econômico do que jurídico. 5
O instituto da recuperação judicial da empresa só ingressou no
ordenamento jurídico brasileiro com o advento da Lei 11.101/2005. Pois até
então não havia qualquer referência à recuperação da empresa, apesar de o
Decreto-lei 7.661/1945 disciplinar o instituto da concordata, o qual prestava a
possibilidade de o empresário buscar judicialmente o retorno da saúde
econômica de seu empreendimento. No entanto ali, seus princípios e
fundamentos eram diversos da nova lei.
Na recuperação judicial o olhar do juiz não se restringe apenas ao
momento atual da empresa, mas tenta, sim averiguar as suas potencialidades
futuras. Ou seja, ele busca indicações de que a empresa em crise tem
potencialidade para se reerguer e permanecer no mercado. E está
potencialidade futura é demonstrada de acordo com Vigil Neto:
...não pelo desempenho momentâneo, mas pelo plano reorganizativo da empresa, que será avaliado pelos credores e pela sociedade. Dentro dessa análise geral, os credores também deverão observar a capacidade da empresa de cumprir as obrigações assumidas no plano recuperatório.6
A Lei 11.101/05 trouxe ao ordenamento jurídico uma abertura maior em
relação à real crise econômica da empresa e a oportunidade de buscar formas
mais efetivas para a recuperação da empresa. O regime da recuperação
judicial não “pré-diagnostica a doença e nem pré-determina o remédio”, ela
possibilita que o devedor busque junto aos credores as melhores formas de
retirar a empresa da situação de crise.7
5 BEZERRA FILHO, Manoel Justino. Nova Lei de Recuperação e Falências/ Lei 11.101 de 9 de fevereiro de 2005, comentário artigo por artigo. 3º ed., 2 tir. – São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005, p. 43.6 VIGIL NETO, Luiz Inácio. Teoria falimentar e regimes recuperatórios: estudos sobre a Lei 11.101/05. Porto Alegre: Livraria dos Advogados Editora, 2008, p.71.7 VIGIL NETO, Luiz Inácio. Teoria falimentar e regimes recuperatórios: estudos sobre a Lei 11.101/05. Porto Alegre: Livraria dos Advogados Editora, 2008, p.72.
O devedor deverá apresentar aos credores um plano reorganizativo da
sociedade, devendo este ser aprovado pelos mesmos, dependendo a
recuperação desta aprovação. Caso o plano seja reprovado poderá o juiz impor
o plano aos credores, desde que respeitado alguns requisitos e seja
reconhecido o desempenho de função social da empresa, caracterizando – se
este como “um ônus de submissão ao plano recuperatório imposto aos
credores em prol de um ganho social futuro”.8
Outro avanço da Lei 11.101/05 foi a ampliação do rol de credores, que
na concordata previa a participação apenas dos créditos quirografários. Quanto
a isto, Vigil Neto diz:
...fator que afetava a eficiência do regime foi ampliado na recuperação. Pois, se o caminho de reorganização da empresa passa pela construção coletiva de um projeto econômico e/ou financeiro deverá estender-se às relações jurídicas essenciais à manutenção da empresa, independentemente da natureza do crédito, tendo em vista que a recuperação não se resume a uma forma de repactuação do pagamento de dívidas, mas na própria reorganização da empresa.9
No instituto da recuperação judicial é possível identificar algumas
semelhanças com a concordata preventiva, pois a recuperação judicial também
visa a evitar a falência da empresa em crise, tem como objetivo buscar formas
de recuperar a saúde da empresa, tendo como principal diferença da
concordata preventiva que a primeira busca alternativas junto aos credores
para recuperar-se da crise enquanto a concordata preventiva é mais fechada,
não dando muitas opções ao empresário para buscar sua melhora.
Estes são apenas alguns dos avanços que a Lei 11.101/05 trouxe ao
ordenamento jurídico brasileiro. Mudanças estas que a prática já vinha
exigindo, há algum tempo, e que agora se faz necessário sejam estudadas a
fundo para que seja possível compreender por completo os novos rumos que
foram dados ao instituto da recuperação da empresa em crise e quais os
institutos que permaneceram.
8 Ibidem, p.71.9 Ibidem, p.72.
É importante entender o que é a crise da empresa. De acordo com
Fábio Ulhoa Coelho, para entender o seu significado é preciso distinguir as
crises econômica, financeira e patrimonial.
Por crise econômica deve-se entender a retração considerável nos negócios desenvolvidos pela sociedade empresária. (...)
A crise financeira revela-se quando a sociedade empresária não tem caixa para honrar seus compromissos. (...)
Por fim, a crise patrimonial é a insolvência, isto é, a insuficiência de bens no ativo para atender à satisfação do passivo.10
A empresa para requerer o benefício da recuperação judicial não
poderá ter as três espécies de crise, pois se assim o for ela só poderá requerer
a falência da empresa. Desta forma, para que a empresa possa passar pela
recuperação judicial só pode estar em crise econômico-financeira, do contrário
a falência da empresa é inevitável.
Com estas definições fica mais fácil entender como a recuperação
judicial se dá e a quem afeta. Daqui para frente serão identificados os
procedimentos, semelhanças entre a concordata preventiva e recuperação
judicial, e as inovações que a Lei 11.101/2005 trouxe ao direito falimentar
brasileiro.
1.1 A concordata no regime do Decreto – lei 7.661/45
O Decreto – lei 7.661/45 previa o instituto da concordata, o qual pode ser
conceituado como:
Benefício concedido por lei ao negociante insolvente e de boa-fé para evitar ou suspender a declaração de sua falência, ficando ele obrigado a liquidar suas dívidas segundo for estipulado pela sentença que concede o benefício.11
Para Ruben Ramalho concordata é
Uma forma legal de prorrogação de prazo ou de redução da dívida, com o objetivo de superar o estado de pré-insolvência do devedor comerciante ou industrial, evitando ou suspendendo a sua falência.12
10 VIGIL NETO, Luiz Inácio. Teoria falimentar e regimes recuperatórios: estudos sobre a Lei 11.101/05. Porto Alegre: Livraria dos Advogados Editora, 2008, p. 24-25.11 OLIVEIRA, Celso Marcelo de. Tratado de direito empresarial brasileiro. Campinas: LZN, 2004, p. 105.12 Ibidem, p. 104.
Segundo Fábio Ulhoa Coelho, o objetivo da concordata era resguardar
a empresa em crise das conseqüências da falência, evitando, assim, a
instauração do concurso falimentar.13
Dentro destes conceitos a concordata era divida em duas espécies, a
concordata preventiva, a qual era decretada antes da falência, possibilitando,
assim, ao empresário evitar a quebra de seu empreendimento, e a concordata
suspensiva, a qual era decretada quando o empreendimento já se encontrava
em processo de falência, mas esta era afastada, interrompendo desta forma o
procedimento liquidatório-solutório14 em curso, dando a possibilidade ao
empresário de retornar ao comando de sua atividade econômica, visando desta
forma a mantença do negócio.
As concordatas podiam assumir diferentes modalidades, podendo elas
ser: remissória, onde o empresário poderia conseguir a remissão parcial de
suas dívidas, sendo este desconto de no máximo 50%(cinqüenta por cento) do
valor devido; e moratória a qual visava a dilação dos prazos de vencimento das
dívidas, que poderia chegar até dois anos, e a mista, onde previa a conjugação
dos dois efeitos, ou seja, a dilação do prazo para pagamento e o abatimento de
parte do valor da dívida. A mista possuía maior ênfase na lei, por ser a mais
utilizada, tendo seus prazos e valores remidos nos artigos 156, § 1º e 177,
parágrafo único do Decreto – lei.15
A concordata era destinada apenas ao comerciante, ou seja, ao
empresário comercial, fosse ele individual ou coletivo, tendo o instituto uma
natureza mercantil. Os devedores civis eram excluídos do benefício.16
A legitimidade para requerer a concordata era do devedor, sendo ele o
sujeito ativo da ação. Entretanto existiam hipóteses de representatividade,
como, por exemplo, o espólio do devedor o qual seria representado pelo
13 ULHOA COELHO, Fábio. Curso de direito comercial. 4º ed. rev. e atual. SP: Saraiva, 2003, v.3, p. 359.14 MELLO FRANCO, Vera Helena de e SZTAJN, Rachel. Falência e Recuperação da empresa em Crise: comparação com as posições do Direito Europeu. Rio de Janeiro: Elsevier, 2008, p. 213.15 OLIVEIRA, Celso Marcelo de. Tratado de direito empresarial brasileiro. Campinas: LZN, 2004, p. 113.16 RENQUIÃO, Rubens. Curso de direito falimentar. 4º ed. SP: Saraiva, 1995, vol.2, p. 25
inventariante do mesmo, devidamente autorizado pelos herdeiros.17 Bem como
no caso de sociedade anônima os legitimados para requerer o benefício seriam
os seus diretores, de acordo com a deliberação da assembléia de acionistas;
nas demais sociedades seriam pelo sócio que tivesse a qualidade de obrigar a
sociedade, e as em liquidação seria o liquidante devidamente autorizado.18
Na concordata o devedor – concordatário – permanecia na
administração plena de seus bens, e na gerência de seus negócios.19 Ficando
o devedor, na concordata preventiva, apenas sob a fiscalização do comissário,
o qual era escolhido dentre os maiores credores estabelecidos no foro da
concordata, devendo este ser nomeado pelo juiz no despacho inicial. O
comissário, ainda, tinha que ter reconhecida sua idoneidade moral e financeira,
estando suas funções dispostas no artigo 169 do Decreto – lei 7.661/45.20 De
acordo com Rubens Requião:
O comissário, assim, não deve imiscuir-se na administração da empresa; se o procedimento do concordatário, por ele verificado, for irregular, não só na sua atividade empresarial como em sua vida particular – como mantendo vida dissoluta, desregrada ou faustosa – deve comunicar o fato ao juiz. Dada a gravidade do ocorrido e de sua repercussão patrimonial, pode o juiz desde logo rescindir a concordata, declarando-lhe a falência.
Mas o comissário não pode determinar o modo de gestão da empresa, nem querer vetar certos atos do concordatário, relativos ao modo de gerir seu negócio.21
O comissário deveria apresentar em cartório, até cinco dias após a
publicação do quadro geral de credores, o relatório onde constava o estado
econômico do devedor, junto com as razões que levaram o mesmo a requerer
o benefício, as possibilidades deste de cumprir a concordata, bem como os
procedimentos do empresário em crise, antes e depois do pedido e, se existiam
atos revogáveis, estes deviam ser indicados, bem como seus responsáveis e
17BRITO, Thomás Raimundo; SOARES, Gabriela; PINHEIRO, Grazieli e PEREIRA, Lívia Sampaio. Da análise comparativa entre a recuperação judicial e a concordata. Disponível em: <http://www.fesmip.org.br/arquivo/publicacao/dir_comercial.pdf>. Acesso em 05 de março de 2010.18 OLIVEIRA, op cit., p. 120.19 RENQUIÃO, Rubens. Curso de direito falimentar. 4º ed. SP: Saraiva, 1995, vol.2, p. 36.20 OLIVEIRA, op cit., p. 126.21 RENQUIÃO, Rubens. Curso de direito falimentar. 4º ed. SP: Saraiva, 1995, vol.2, p. 36.
os dispositivos penais aplicáveis. Com base neste relatório é que os credores
poderiam buscar com segurança os fundamentos para seus embargos.22
O devedor permanecia na administração da empresa, visando sempre
o objetivo de retirar a empresa da crise, ou seja, recuperá - lá da crise
econômica, não podendo deixar de lado o principal intuito da concordata o qual
era pagar os credores conforme a proposta apresentada.
A concordata, tanto a suspensiva quanto a preventiva, reconhecia
apenas os créditos quirografários, sendo em relação a este ponto um tanto
quanto deficiente, uma vez que os créditos com garantia reais e trabalhistas
são, até hoje, os que mais necessitam de soluções e são os principais
causadores da quebra das empresas, e justamente estes não podiam ser
remidos e nem ter seus vencimentos dilatados de acordo com o Decreto-lei
7.661/45. A falta do reconhecimento dos créditos em garantia real e
trabalhistas não permitia uma criatividade maior por parte do devedor e nem
dos credores para criar possíveis soluções para o estado de bancarrota da
empresa.23
Sendo reconhecidos apenas os créditos quirografários, o credor com
garantia real tinha a opção de renunciar a sua garantia, desde que esta fosse
feita expressamente, junto ao cartório onde foi devidamente arquivada, pois
não há renuncia tácita, para assim, então, poder legitimar a habilitação de seu
crédito no concurso de credores.24
O pedido de concordata preventiva de acordo com o Decreto-lei
7.661/45 deveria ser feito ao juízo da comarca em que estava situado o
estabelecimento principal, sendo este a sede dos negócios da empresa. Em se
tratando de empresa estrangeira, mas com filial no Brasil, a competência era
do juízo onde se encontrava a filial. Estes requisitos permaneceram os mesmos
na Lei 11.101/2005, estando dispostos no artigo 3º da lei.
22 OLIVEIRA, Celso Marcelo de. Tratado de direito empresarial brasileiro. Campinas: LZN, 2004, p. 132.23 VASCONCELOS FERREIRA, Gecivaldo. Nova Lei de Falência e Recuperação de Empresas. Comentários sistemáticos. Primeira e Segunda Partes. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=6632>. Acesso em 17 de janeiro de 2010.24 KONDER COMPARATO, Fábio.Direito empresarial: estudos e pareceres. São Paulo: Saraiva, 1995, p.469-471.
Na petição inicial em que fosse requerida a concordata preventiva, o
requerente, ou seja, o empresário em crise tinha de fundamentar
minuciosamente seu estado econômico financeiro, e os motivos que o levaram
a requerer a concordata.
Nos pedidos da inicial o devedor deveria formular sua proposta de
pagamento das dívidas quirografárias, bem como indicar todos os credores e
respectivos endereços, sendo que a proposta de pagamento deveria ser dentre
as opções: remissória, quando fosse pago 50% do valor da dívida à vista;
dilatória, quando seria pago 100% da dívida no prazo de 24(vinte quatro)
meses e remissória-dilatória quando fosse fixado porcentagem de pagamento
da dívida em 60%(sessenta por cento), 75%(setenta e cinco por cento) ou 90%
(noventa por centro), no prazo, respectivamente, de 6(seis), 12(doze) e
18(dezoito) meses.25
Cumprido os requisitos o juiz, necessariamente, se não houvesse
nenhuma irregularidade, devia decidir pela concordata, não sendo necessária a
aprovação dos credores. Ou seja, bastava cumprir os requisitos e não havendo
nenhuma irregularidade nos documentos exigidos o juiz era obrigado a deferir a
concordata, independente da concordância dos credores u qualquer outro
interessado ou princípio. Caso o pedido não estivesse devidamente instruído
ou não existisse dúvida de que havia fraude o juiz declararia em 24 horas a
abertura da falência, observando o disposto no parágrafo único do art. 14 do
Decreto-lei.26
Dado o despacho inicial pelo juiz deferindo o processamento da
concordata, esta alcançava a principal conseqüência do instituto, o vencimento
antecipado de todos os créditos sujeitos aos seus efeitos e a suspensão das
ações e execuções contra o devedor. Os efeitos do despacho retroagia até a
propositura do pedido, junto com estas o juiz ainda nomeava o comissário,
mandava expedir edital com o pedido do devedor, a íntegra do despacho e a
25 BRITO, Thomás Raimundo; SOARES, Gabriela; PINHEIRO, Grazieli e PEREIRA, Lívia Sampaio. Da análise comparativa entre a recuperação judicial e a concordata. Disponível em: <http://www.fesmip.org.br/arquivo/publicacao/dir_comercial.pdf>. Acesso em 05 de março de 2010.26 OLIVEIRA, Celso Marcelo de. Tratado de direito empresarial brasileiro. Campinas: LZN, 2004, p. 140.
lista de credores, abria prazo para que os credores que não constavam da lista
apresentassem as declarações e documentos justificativos de seus créditos, e
por fim, determinava o prazo para que o devedor tornasse efetiva a garantia
por acaso tivesse oferecido.27
Para que o devedor pudesse requerer a concordata este deveria ser
comerciante e não possuir nenhum dos impedimentos elencados no art. 140 do
Decreto-lei 7.661/45, o qual exige que: o empresário deveria estar devidamente
registrado, assim como os documentos indispensáveis ao exercício legal da
atividade deviam estar arquivados no órgão em que fora registrado, o devedor
não deveria ter sido condenado por crime falimentar ou qualquer outro que
pudesse por em dúvida sua honestidade em relação a manter os negócios, não
poderia ter requerido igual benefício a menos de cinco anos, devia ter
requerido a autofalência no prazo de trinta dias do vencimento da obrigação
líquida, sem relevante razão de direito, bem como exercer regularmente a
atividade comercial no mínimo há dois anos, precisa possuir ativo o qual
correspondesse a mais de 50% (cinqüenta por cento) do seu passivo
quirografário, não ser falido, e se já o tiver sido ter cumprido com suas
obrigações, e por fim não possuir título protestado por falta de pagamento.28
Além dos requisitos formais já observados acima o empresário em
crise ainda tinha que comprovar sua honestidade e boa-fé, conforme J. X.
Carvalho de Mendonça:
A concordata preventiva, amparando altos interesses do devedor comerciante, mantendo-o à frente do seu estabelecimento e evitando a falência, é considerado um benefício, um favor, e por isso, fica dependente da mais exata honestidade e da mais comprovada boa-fé por parte do devedor.
Não só isso; o comerciante deve apresentar o curriculum vivendi. Uma só mancha que tenha na sua profissão mercantil o privaria desse favor.
Compreende-se, pois, como os juízes devem ser rigorosos na apreciação das alegações do devedor, se aparecer qualquer oposição. Se não forem parcos em conceder a concordata preventiva, degenerar-se-á o belo instituto.29
27 OLIVEIRA, loc cit.28 OLIVEIRA, Celso Marcelo de. Tratado de direito empresarial brasileiro. Campinas: LZN, 2004, p. 114.29ULHOA COELHO, Fábio. Direito empresarial: estudos e pareceres. São Paulo: Saraiva, 1995, p. 487.
Para que o devedor pudesse requerer a concordata este deveria ser
comerciante e não possuir nenhum dos impedimentos elencados no art. 140 do
Decreto-lei 7.661/45, o qual exige que: o empresário deveria estar devidamente
registrado, assim como os documentos indispensáveis ao exercício legal da
atividade deviam estar arquivados no órgão em que fora registrado, o devedor
não deveria ter sido condenado por crime falimentar ou qualquer outro que
pudesse por em dúvida sua honestidade em relação a manter os negócios, não
poderia ter requerido igual benefício a menos de cinco anos, devia ter
requerido a autofalência no prazo de trinta dias do vencimento da obrigação
líquida, sem relevante razão de direito, bem como exercer regularmente a
atividade comercial no mínimo há dois anos, precisa possuir ativo o qual
correspondesse a mais de 50% (cinqüenta por cento) do seu passivo
quirografário, não ser falido, e se já o tiver sido ter cumprido com suas
obrigações, e por fim não possuir título protestado por falta de pagamento.30
Além dos requisitos formais já observados acima o empresário em
crise ainda tinha que comprovar sua honestidade e boa-fé, conforme J. X.
Carvalho de Mendonça:
A concordata preventiva, amparando altos interesses do devedor comerciante, mantendo-o à frente do seu estabelecimento e evitando a falência, é considerado um benefício, um favor, e por isso, fica dependente da mais exata honestidade e da mais comprovada boa-fé por parte do devedor.
Não só isso; o comerciante deve apresentar o curriculum vivendi. Uma só mancha que tenha na sua profissão mercantil o privaria desse favor.
Compreende-se, pois, como os juízes devem ser rigorosos na apreciação das alegações do devedor, se aparecer qualquer oposição. Se não forem parcos em conceder a concordata preventiva, degenerar-se-á o belo instituto.31
Os contratos e ações trabalhistas não sofriam nenhuma espécie de
alteração com a instauração da concordata. Permanecendo a competência da
Justiça do Trabalho a ação e execução de seus créditos. Isto se devia a sua
natureza alimentar, sendo desta forma considerados privilegiados em face aos
outros créditos.30 OLIVEIRA, Celso Marcelo de. Tratado de direito empresarial brasileiro. Campinas: LZN, 2004, p. 114.31ULHOA COELHO, Fábio. Direito empresarial: estudos e pareceres. São Paulo: Saraiva, 1995, p. 487.
Importante ressaltar que quando do deferimento da petição inicial da
concordata preventiva pelo juiz este não a estava concedendo de imediato, ele
apenas estava autorizando o processamento da mesma. Pois o deferimento do
processamento da concordata dependia apenas do juiz, pois está não sofria
nenhuma influência de aceitação por parte dos credores, mas estes podiam
opor-se judicialmente ao pedido através dos embargos. Ainda que estes
embargos fossem restritos..32
Os embargos constituíam um direito de oposição por parte dos
credores referente ao pedido do autor e não do despacho inicial do juiz, o qual
devia ser praticado antes da sentença final.33
O despacho que defere o processamento da concordata era
irrecorrível, mas se o juiz não reconhecesse a concordata e acabasse por
decretar a falência, desta cabia o recurso da sentença declaratória da falência.
Mas como Celso Marcelo de Oliveira profere:
Isso não significa, porém, que qualquer credor, tomando conhecimento de alguma fraude evidente, deva manter-se inerte até o momento oportuno para a apresentação dos embargos. O art. 161 estabelece que, tão logo tenham sido cumpridas as formalidades inerentes à apresentação da petição inicial da concordata preventiva, a falência será também declarada se estiver equivocadamente caracterizada a fraude, que poderá vir ao conhecimento do juiz por representação de qualquer credor ou mesmo quando o magistrado a constate.34
Os fundamentos que possibilitavam o ingresso dos embargos estavam
dispostos no artigo 143 do Decreto – lei, sendo eles: quando o sacrifício do
credor fosse maior do que se efetivasse a liquidação na falência ou a
impossibilidade evidente de não cumprimento da concordata por parte do
devedor; quando da inexatidão do relatório do comissário ou laudo que
facilitasse a concessão do benefício; e se caracterizado qualquer ato de fraude
ou má-fé ou crime falimentar.35
32 RENQUIÃO, Rubens. Curso de direito falimentar. 4º ed. SP: Saraiva, 1995, vol.2, p. 4733 Ibidem, p. 48.34 OLIVEIRA, Celso Marcelo de. Tratado de direito empresarial brasileiro. Campinas: LZN, 2004, p. 155.35 OLIVEIRA, Celso Marcelo de. Tratado de direito empresarial brasileiro. Campinas: LZN, 2004, p. 155.
O prazo para ingressar com os embargos na concordata preventiva era
após a fase informativa, ou seja, quando os credores estavam habilitando seus
créditos, havia à apresentação do relatório do comissário e o devedor
comprovava, nesta mesma fase, o pagamento dos impostos federais, estaduais
e municipais e das contribuições previdenciárias relativas ao exercício da
atividade, sendo após estes publicados pelo escrivão, no Diário Oficial, a
abertura do prazo de cinco dias para os credores opor embargos ao pedido de
concordata.36
Decorrido o prazo sem apresentação dos embargos, era ouvido o
representante do Ministério Público, no prazo de cinco dias, e logo após os
autos iam conclusos ao juiz, o qual proferia a sentença, concedendo ou não a
concordata. Caso houvesse a interposição de embargos, o devedor tinha 48
horas para apresentar a contestação e com estas indicar as provas do alegado.
Encerrando o prazo do devedor os autos iam conclusos ao juiz o qual tina 48
horas para proferir o despacho deferindo as provas que entendia necessárias e
designando a audiência para julgamento dos embargos, dentro dos 10 dias
seguintes, os quais não poderiam ser ultrapassados.37
O devedor após requerer a concordata poderia apresentar pedido de
desistência, desde que esta fosse feita antes do despacho de deferimento do
processamento da mesma. Isto ocorria porque após o deferimento os efeitos
da instauração do processo não recaiam apenas sobre o devedor, mas
também sobre os seus credores.38 Mas a jurisprudência admitia a desistência
após o despacho inicial, desde que houvesse a concordância dos credores,
ficando a cargo do juiz decidir se procedente ou não à oposição dos credores.
Não bastava a simples desistência por parte do devedor, este tinha que
justificar o pedido, não podendo de qualquer forma desistir após o deferimento
do processamento quando este caracterizava a tentativa de burlar o
36 RENQUIÃO, Rubens. Curso de direito falimentar. 4º ed. SP: Saraiva, 1995, vol.2, p. 49.37 OLIVEIRA, op cit., p. 156.38 REQUIÃO, Rubens. Concordata preventiva. Desistência; conversão em falência. Título protestado. Revista de Direito Mercantil, Industrial, Econômico e Financeiro, n.1, p.99-110, ano X, 1971.
cumprimento das disposições legais ou interesses dos credores.39 Conforme
demonstram as decisões a seguir:
APELAÇÃO CÍVEL. CONCORDATA PREVENTIVA. DEPÓSITO DO VALOR. COMPROVAÇÃO. PERDA DO OBJETO. APELO PREJUDICADO.A recorrente pretendia obstar a homologação da desistência da demanda, fundamentando o pleito exclusivamente no fato de seu crédito não estar garantido.Todavia, levando em conta o depósito judicial efetuado pela concordatária, após a interposição do presente recurso, o apelo resta prejudicado.Apelo prejudicado.40
Concordata preventiva. Desistência. Deferimento do pedido. fato que, de per si, não justifica a decretação de falência se não provada nos autos a falta dos requisitos do art. 162 do Dec.-lei 7.661/45 ou manifestamente constatada a insolvência do devedor. Agravo de instrumento interposto contra a setença declaratória da quebra em tais circunstâncias. Mandado de segurança visando a lhe dar efeito suspensivo. Fumus boni júris e periculum in mora caracterozados. Segurança concedida. (TJSP – RT 643/81)41
O marco inicial da concordata era a sentença, este era o momento em
que o concordatário, ou seja, o devedor passava a se submeter ao controle
jurisdicional, ficando impedido, de acordo com o artigo 167 do Decreto – lei
7.661/45, a “alienar imóveis ou constituir garantias reais, salvo evidente
utilidade, reconhecidas pelo juiz, depois de ouvido o comissário” 42
A concessão da concordata por meio de sentença não podia confundir-
se com a decisão final de seu cumprimento, tanto que dessa sentença cabia o
recurso de agravo de instrumento.43
O pedido da rescisão da concordata cabia aos credores, sendo esta a
ação rescisória de sentença que concedeu a concordata, podendo ser 39 OLIVEIRA, OLIVEIRA, Celso Marcelo de. Tratado de direito empresarial brasileiro. Campinas: LZN, 2004, p. 156.40 PORTO ALEGRE. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. 5º Câmara Cível. Apelação Cível nº 70020620431/2007. Apelante: Comabe Indústria, Comércio, Importação e Exportação LTDA. Relator: Umberto Guasparine Sudbrack. Publicada em: 04 de março de 2009. Disponível em< http://www1.tjrs.jus.br/busca/?tb=juris> Acesso em 07 de junho de 2010.41 BEZERRA FILHO, Manoel Justino. Lei de Falências: comentada: método de estudo da lei de falências: doutrina: comentário artigo por artigo: jurisprudência recente (1.106 julgados)/ Prefácio Paulo Fernando Campos Salles de Toledo, 2º. Ed.rev., ampl. e atual. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2003, p, 447.42 BRITO, Thomás Raimundo; SOARES, Gabriela; PINHEIRO, Grazieli e PEREIRA, Lívia Sampaio. Da análise comparativa entre a recuperação judicial e a concordata. Disponível em: <http://www.fesmip.org.br/arquivo/publicacao/dir_comercial.pdf>. Acesso em 05 de março de 2010.43 OLIVEIRA, Celso Marcelo de. Tratado de direito empresarial brasileiro. Campinas: LZN, 2004, p. 157.
requerido de pleno direito quando o devedor não cumprir com as obrigações
assumidas, nestes casos a falência podia ser decretada pelo juiz ex officio, e
era caso de provocação dos credores os casos em que o devedor não adimplir
com as obrigações nos tempos devidos, pelos pagamentos antecipados feitos
a alguns credores em prejuízo de outros, quando o devedor abandonasse o
estabelecimento comercial, quando da venda por preço vil de bens do ativo,
quando da negligência por parte do concordatário em relação a continuação do
negócio, pela vida desregrada do devedor ou despesas evidentemente
supérfluas do concordatário, quando o responsável pela administração da
empresa em crise tivesse sido condenado por crime falimentar.
Cumpridas todas as obrigações assumidas na concordata, o
concordatário requeria ao juiz que este declarasse o cumprimento da mesma,
quando, então, era declarada extinta a concordata, sendo desfeitas, desta
forma, as figuras do comissário e do quadro geral de credores. A sentença que
julgava cumprida a concordata devia ser publicada por edital, no órgão oficial e
em jornal de grande circulação, iniciando, assim, o prazo de 10 dias para
reclamação dos interessados. Esta sentença era eminentemente declaratória.
Porém a declaração de cumprimento da concordata não se equivalia à
expressão “extinção das obrigações44”. Conforme Rubens Requião:
Se a sentença que julga cumprida a concordata declarasse extintas as obrigações do concordatário, o credor não habilitado, ou que teve negado o pagamento do seu crédito, não poderia, após a concordata, haver pela ação própria o seu crédito, na moeda da concordata. Por igual, ficaria sem aplicação o artigo 147, § 2º, pelo qual o credor quirografário excluído, mas cujo crédito tenha sido reconhecido pelo concordatário, pode exigir deste o pagamento da percentagem da concordata, depois de terem sido pagos todos os credores habilitados.45
1.1.1 A flexibilização do instituto da concordata e a função social da
empresa
O Decreto-lei 7.661/45 em sua vigência sofreu pequenas alterações.
Mas, em se tratando de matéria concursal, essas pequenas transformações
não foram o suficientes, uma vez que este setor jurídico sofre forte influência
44 OLIVEIRA, Celso Marcelo de. Tratado de direito empresarial brasileiro. Campinas: LZN, 2004, p. 158.45 OLIVEIRA, loc cit.
do mercado econômico, o qual é dinâmico e encontra-se em constantes
modificações, as quais trazem conseqüências sociais.46
De acordo com o doutrinador Waldo Fazzio Júnior:
A LFC – Decreto – lei 7.661/45 – tornou-se obsoleta e se seus princípios, no tocante aos efeitos do inadimplemento das obrigações, conservam relativa atualidade, o contexto de seus comandos passou a regular de forma deficiente e, às vezes, injusta, senão improdutiva, situações que demandavam um direito recursal mais ágil, protectivo da empresa, realista e eficaz.47
Estatísticas demonstram que durante a vigência do Decreto-lei
7.661/45, apenas 17% (dezessete por cento) das empresas sob concordata
judicial se recuperavam e se mantinham em atividade, enquanto as demais
83% (oitenta e três por cento) acabavam por ter decretada sua falência.48
Osvaldo Biolchi49 entendia que:
Nestes dias se impetra uma concordata ou uma falência com muita facilidade, observando-se um total abuso do instituto, pois quase 80% das empresas que pedem concordata não se recuperam mais e caminham, fatalmente, para a falência.
A concordata, bem como os institutos semelhantes que a antecederam,
nem sempre tiveram como finalidade encontrar a melhor solução para o
devedor ou a manutenção da empresa.
O Decreto-lei 7.661/45 era bem rigoroso quanto às formalidades, tanto
que o comerciante em crise tinha que ter muita cautela ao requerer a
concordata preventiva, já que poderia, ao invés de ter deferida a concordata,
ter a decretação da falência de sua empresa.
Conforme Waldo Fazzio Junior:
A crítica mais freqüente e procedente que sempre se formulou em relação à concordata preventiva focalizava o particularismo daquela solução preventiva da falência. A concordata só interessava aos credores quirografários e ao devedor. Realmente, o âmbito da concordata era muito estreito e relegava a um plano secundário o
46 FAZZIO JÚNIOR, Waldo. Nova lei de falência e recuperação judicial de empresas, 2. Ed. São Paulo: Atlas, 2005, p. 107.47 FAZZIO JÚNIOR, loc cit.48 SALAMANCHA, José Eli. A recuperação judicial de empresas e as dívidas fiscais. O Estado do Paraná, Curitiba, 25 dez. 2005, Caderno Direito e Justiça.49 OLIVEIRA, Celso Marcelo de. Tratado de direito empresarial brasileiro. Campinas: LZN, 2004, p. 178.
verdadeiro significado da empresa. Era só uma garantia dos credores.50
O regime adotado pelo Decreto-lei 7.661/45 não distinguia a empresa
(atividade) da figura do empresário, castigando a primeira pelas obrigações
inadimplidas pelo segundo, o que levava a um sistema em que todos os
envolvidos perdiam. Um exemplo era a sucessão tributária e trabalhista quando
da alienação de filial ou unidade produtiva, o que acabava por comprometer a
manutenção dos empregos e o pagamento de novos tributos. E até mesmo o
pagamento das obrigações inadimplidas do devedor sofria com o sistema, pois
não era possível levantar grandes valores com a alienação dos bens da
empresa em concordata devido aos riscos ao qual o comprador ficava exposto,
já que o novo dono herdava as dívidas tributárias e trabalhistas.51
Durante a vida do Decreto-lei é possível identificar que alguns de seus
comandos foram flexibilizados, na tentativa de tornar o instituto mais de acordo
com a realidade. Um exemplo são os documentos que deviam ser juntados
com o pedido inicial da concordata, o qual podia ser dilatado, em até no
máximo trinta dias, pelos juízes, não sendo desta forma declarada a falência de
imediato pelo juiz pela falta dos documentos.
Também, havia precedentes jurisprudenciais no sentido de que uma
simples irregularidade não faria com que o juiz decretasse a falência, isto
porque o juiz, mesmo sem a lei reconhecer, levava em consideração o
interesse público e social em manter operante a empresa em crise. Sendo este
o ponto mais próximo dos princípios da preservação e função social da
empresa, que constam no artigo 47 da nova lei.
50 FAZZIO JÚNIOR, Waldo. Nova lei de falência e recuperação judicial de empresas, 2. Ed. São Paulo: Atlas, 2005, p. 125.51 SECCHI MUNHOZ, Eduardo. Introdução da obra: Comentários à Lei de Recuperação de Empresas e Falência: Lei n. 11.101/2005, coordenação de Francisco Satiro de Souza Junior e Antônio Sérgio A. de Moraes Pitombo. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, p. 297-298.
Em decisão proferida pelo relator Fonseca Tavares52 do Tribunal de
Justiça de São Paulo, este ressaltou a possibilidade de aumentar o prazo para
a apresentação dos documentos, conforme:
Ao postulante dos benefícios da moratória pode vir a ser concedido prazo razoável para apresentação da documentação, algo que não atenta contra preceitos e regramentos legais, Isso se funda na circunstância de levantamentos e demonstrativos exigidos pela legislação especial serem de difícil elaboração, a demandar tempo para sua confecção, em meio às dificuldades ínsitas aos procedimentos de obtenção de certidões e documentos. Não pode após o aforamento do pedido de concordata preventiva, a requerente efetuar qualquer pagamento relativo ao quirografo até a respectiva data, mesmo que haja protesto, pois, do contrário quebrar-se-ia a igualdade entre os credores.
Outro exemplo de flexibilização é a ementa abaixo, o qual teve deferida
a concordata preventiva reconhecendo a finalidade social da empresa que
requereu o benefício:
Concordata preventiva. Devedor. Protesto de título. Existência. Deferimento. A existência de protesto de título contra o devedor não impede o deferimento da concordata preventiva, eis que a empresa deve ser preservada, para que atenda a sua finalidade social, com o corolário do princípio fundamental insculpido na CF/88, art. 1º. O valor social do trabalho do empresário, assim como a livre iniciativa estão consagrados no referido dispositivo constitucional, que tem de servir como norte ao intérprete do direito. E, havendo incompatibilidade entre o disposto na Lei Maior e na lei ordinária, a inadequação verificada resolve-se em favor da Almeida Melo – j. em 04.03.1999 – DJ 29.10.1999)53
Apesar desta decisão viabilizar a recuperação judicial, mesmo que
houvesse título protestado, as decisões judiciais se desencontravam em
relação a essa exigência, conforme decisão abaixo:
FALÊNCIA - Decretação - Decisão mantida - Concordata - Ausência de cumprimento do art. 158, IV, do Decreto-lei 7.661/45 - Irrelevância da juntada de outros documentos e papéis, e da existência de bens no estabelecimento comercial - Favor legal que visa a manter saudável a vida econômica da empresa e, com isso, garantir os interesses dos trabalhadores - Inocorreência de afronta aos fins sociais da lei e de desamparo legal ao ato judicial atacado - Descuido
52 SÃO PAULO. Tribunal de Justiça de São Paulo, 4º Câmara de Direito Privado. Agravo Regimental nº 116.847-4/2-01. Agravante: Hachul Engenharia e Empreendimentos Imobiliários LTDA. Agravado: Desembargador Relator. Relator: Fonseca Tavares. Publicada em 02 de junho de 1999. Disponível em <http://esaj.tj.sp.gov.br/cjsg/getArquivo.do?cdAcordao=1523351> Acesso em 07 de junho de 2010.53 CASTRO, Carlos Alberto Farracha de. Preservação da Empresa no Código Civil. Curitiba: Juruá, 2007, p. 46.
na observância do ônus de instruir correta e completamente o pedido inicial - Agravo improvido.54
O artigo 140, inciso II do Decreto-lei que declara a impossibilidade de
requerer a concordata o devedor que deixou de confessar a falência no período
de trinta dias após o vencimento de obrigação líquida não paga não deixa
dúvidas. Mas a aplicação desta afigurou-se odiosa, pois em muitas situações o
empresário, supondo que esta enfrentando dificuldades econômico-financeiras
transitórias, acaba não confessando a falência dentro do prazo de trinta dias.
Como refere Rubens Requião55, “a confissão de falência, dentro de trinta dias
do vencimento de obrigação líquida, seria uma medida deplorável, e sem
razões econômicas”.
Em meio às decisões, já analisadas, surgiram duas correntes, uma
mais rígida que aplicava o preceito legal literalmente; já a outra amenizava o
dispositivo, entende que era necessário que houvesse o protesto para impedir
a concessão da concordata preventiva. Estas correntes perduraram por um
tempo até que o Supremo Tribunal Federal, após iterativas decisões apaziguou
as divergências através da Súmula nº 190, a qual previa que “o não pagamento
de título vencido há mais de trinta dias, sem protesto, não impede a concordata
preventiva”.56
É possível verificar que a concordata não atendia mais as
necessidades sócias que provêm da devida manutenção que as empresas
necessitam. As empresas careciam de mecanismos que possibilitassem a
garantia do interesse social e dos próprios credores, tendo a Lei 11.101/2005
buscado atender as estas necessidades.57
1.2 Da recuperação judicial
54 SÃO PAULO. Tribunal de Justiça de São Paulo, 1º Câmara de Direito Privado. Agravo de instrumento nº 205.257 – 4/1. Agravante: Profissionais Gráficos e Editora LTDA. Agravada: Massa falida Profissionais Gráficos e Editora LTDA. Relator: Alexandre Germano. Publicada em 30 de outubro de 2001. Disponível em <http://esaj.tj.sp.gov.br/cjsg/getArquivo.do?cdAcordao=1706616> Acesso em 07 de junho de 2010.55 RENQUIÃO, Rubens. Curso de direito falimentar. 4º ed. SP: Saraiva, 1995, vol.2, p. 28-29.56 Ibidem, p. 29.57 BEZERRA FILHO, Manoel Justino. Nova lei de recuperação e falências comentada/ Lei 11.101, de 9 de fevereiro de 2005, comentário artigo por artigo. 3. Ed.,2 tir. São Paulo: Editora dos Tribunais, 2005, p. 35.
Apesar de a recuperação judicial ser um instituto novo, a Lei
11.101/2005 manteve certa semelhança procedimental com a concordata
preventiva do Decreto – lei 7.661/45. Esta semelhança encontra-se
principalmente, de acordo com Manuel Justino Bezerra Filho, “no sistema de
existir uma decisão inicial que defere o processamento e uma segunda que
defere o próprio pedido”58
Para Vigil Neto a modificação que Lei 11.101/05 traz para o
ordenamento é:
Em relação ao regime liquidatório de falência, a mudança foi mais principiológica do que estrutural, mas quanto aos regimes alternativos à liquidação a mudança foi principiológica e estrutural, não significando apenas uma nova nomenclatura do “remédio”, mas uma profunda alteração de sua “fórmula.59
A recuperação judicial tem como objetivo sanear a crise econômico-
financeira do empresário ou da sociedade empresária, ou seja, intenta
preservar a atividade empresaria para assim assegurar seu fim social. Busca-
se, na prática manter o negócio para assim satisfazer sua função social, bem
como preservar os direitos e interesses dos credores60.
Rachel Sztajn61 entende empresa como: “organização econômica que
atua em mercados e, cuja existência interessa à sociedade em geral, aos
exercentes da atividade, aos credores, aos consumidores ou clientes e ao
Estado.”
Se faz necessário conceituar a figura do empresário, pois este é sujeito
fundamental para entender o que é empresa, uma vez que a legislação
brasileira não define o que é empresa e sim quem é empresário, auxiliando sua
conceituação no entendimento do processo de recuperação judicial.
58 BEZERRA FILHO, Manoel Justino. Nova lei de recuperação e falências comentada/ Lei 11.101, de 9 de fevereiro de 2005, comentário artigo por artigo. 3. ed., 2 tir. São Paulo: Editora dos Tribunais, 2005, p. 128-129.59 VIGIL NETO, Luiz Inácio. Teoria falimentar e regimes recuperatórios: estudos sobre a Lei 11.101/05. Porto Alegre: Livraria dos Advogados Editora, 2008, p.68.60 MELLO FRANCO, Vera Helena de e SZTAJN, Rachel. Falência e Recuperação da empresa em Crise: comparação com as posições do Direito Europeu. Rio de Janeiro: Elsevier, 2008, p. 234.61 SZTAJN, Rachel. Introdução da obra: Comentário à lei de recuperação de empresas e falência: Lei 11.101/2005, coordenação de Francisco Satiro de Souza Junior e Antônio Sérgio A. de Moraes Pitombo. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, p. 218.
Empresário tem sua definição no artigo 966 do Código Civil, sendo ela:
Art. 966. Considera-se empresário quem exerce profissionalmente atividade econômica organizada para a produção ou a circulação de bens ou de serviços.
Desta conceituação destacam-se as noções de profissionalismo,
atividade econômica organizada e produção ou circulação de bens ou serviços.
O profissionalismo se caracteriza através de três ordens, as quais são
a habitualidade, ou seja, o profissional não pode realizar tarefas de modo
esporádico, tem que ser habitual; a pessoalidade, devendo o sujeito exercer a
atividade empresarial pessoalmente, diferenciando-o, assim, dos empregados,
os quais produzem ou circulam bens ou serviços em nome do empregador; e o
profissionalismo, o qual provém do monopólio das informações que o
empresário detém sobre o produto ou serviço objeto de sua empresa.62
A atividade econômica organizada significa que na atividade se
encontram articulada, pelo pessoa do empresário, os quatro fatores de
produção, sendo estes o capital, mão obra, insumos e tecnologia, estando
todos voltados para a geração de lucros para quem explora a atividade
empresária.63
A produção e circulação de bens ou serviço referem-se à fabricação de
produtos ou mercadorias e a busca do bem no produtor para trazê-lo ao
consumidor. Da definição de empresário é possível identificar o que é
empresa.64
É importante salientar que só se deve optar pela recuperação judicial,
quando esta se demonstrar mais benéfica para a sociedade. De acordo com
Eduardo Secchi Munhoz65:
... a lei falimentar deve procurar preservar os demais interesses envolvidos (investidores, trabalhadores, consumidores, comunidade local, coletividade em geral), devendo-se optar pela recuperação da
62 ULHOA COELHO, Fábio. Comentários à nova lei de falências e de recuperação de empresas: (Lei n. 11.101, de 9-2-2005). 7º edição, revisada. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 7 63 Ibidem, p. 7-8.64 Ibidem, p.9.65 SECCHI MUNHOZ, Eduardo. Anotações sobre os limites do poder jurisdicional na apreciação do plano de recuperação judicial. Revista de Direito Bancário e do Mercado de Capitais, São Paulo, v.10, n. 36, p.189.
empresa sempre que essa solução gerar maiores benefícios do que custos para a sociedade.
Em princípio, poder-se-ia imaginar que tal solução estaria em conflito com o interesse dos credores. Essa observação, porém, não corresponde à realidade, na maior parte das vezes, pois os credores também podem ser beneficiados pela recuperação; isso sempre ocorrerá quando a continuidade da empresa aumentar a probabilidade de recuperação de créditos e o valor respectivo em comparação com o que se obteria no processo de liquidação. “Considere-se, ainda, a possibilidade de o credor continuar a fazer negócios com a empresa recuperada”.
A recuperação judicial pode ser dividida em duas fases. Na primeira
identificamos o processamento da recuperação judicial, e na segunda fase
identificamos o deferimento da recuperação judicial.
Faz-se importante esta separação, devido às possíveis conseqüências
de cada uma, pois na fase de processamento da recuperação judicial caso esta
venha a ser indeferida pelo juiz, não acarretará na convolação da recuperação
em falência, já na fase do deferimento da recuperação, caso o empresário em
dificuldades recaia sobre alguma das hipóteses elencadas no artigo 73 da Lei
11.101/2005, teremos a convolação da recuperação judicial em falência.
Cabe ressaltar que o primeiro exame feito pelo juiz, quando este
recebe a inicial requerendo a recuperação judicial, este não se atrela ao mérito
da recuperação judicial, pois o juiz no primeiro momento verifica apenas se a
inicial atende a todas as exigências de ordem processual imposta pela
legislação, ou seja, o deferimento da petição inicial não garante a concessão
do regime recuperatório e não obriga o magistrado a concedê-la no futuro.66
Contudo o processamento da recuperação judicial traz alguns efeitos sobre as
relações do requerente da recuperação e seus credores.
Na primeira fase identificamos os requisitos para ingressar com o
pedido de recuperação judicial, requisitos que se encontram no artigo 48 da Lei
11.101/2005, devendo ser atendidos cumulativamente, sendo eles:
Art. 48. Poderá requerer recuperação judicial o devedor que, no momento do pedido, exerça regularmente suas atividades há mais de 2 (dois) anos e que atenda aos seguintes requisitos, cumulativamente:
66 VIGIL NETO, Luiz Inácio. Teoria falimentar e regimes recuperatórios: estudos sobre a Lei 11.101/05. Porto Alegre: Livraria dos Advogados Editora, 2008, p.163.
I – não ser falido e, se o foi, estejam declaradas extintas, por sentença transitada em julgado, as responsabilidades daí decorrentes;II – não ter, há menos de 5 (cinco) anos, obtido concessão de recuperação judicial;III – não ter, há menos de 8 (oito) anos, obtido concessão de recuperação judicial com base no plano especial de que trata a Seção V deste Capítulo;IV – não ter sido condenado ou não ter, como administrador ou sócio controlador, pessoa condenada por qualquer dos crimes previstos nesta Lei.Parágrafo único. A recuperação judicial também poderá ser requerida pelo cônjuge sobrevivente, herdeiros do devedor, inventariante ou sócio remanescente
De acordo com o artigo acima exposto apenas o devedor é legitimado
a requerer a recuperação judicial, isto se dá pelo fato de que ele é quem está
exposto ao risco de ter a falência decretada, por este motivo a Lei afastou a
possibilidade do credor poder requerer a recuperação. Caso o devedor não
demonstre interesse em pedir a recuperação, esta não tem como ser imposta a
ele.67
A lei reconhece outros legitimados no parágrafo único do referido
dispositivo legal, contudo, todos os legitimados previstos, com legitimidade
secundária, não visam interesses próprios e sim os interesses da empresa em
crise.68
Outro requisito do já referido artigo é estar exercendo a atividade
empresaria regularmente a mais de dois anos, ou seja, a mais de 24 meses.
Devendo a expressão “há mais de dois anos” ser interpretada como a exatos
24 meses de atividade empresarial, ou período superior a este.69 A
regularidade da atividade não se refere apenas ao registro do empresário
individual ou sociedade empresaria na Junta de Comércio, e sim, também,
manter a escrituração atualizada e as publicações periódicas das
demonstrações contábeis em dia. Ou seja, para preencher o requisito da
67 ULHOA COELHO, Fábio. Curso de direito comercial. 4º ed. rev. e atual. SP: Saraiva, 2003, v.3, p. 125.68 VIGIL NETO, Luiz Inácio. Teoria falimentar e regimes recuperatórios: estudos sobre a Lei 11.101/05. Porto Alegre: Livraria dos Advogados Editora, 2008, p.146.69 SZTAJN, Rachel. Introdução da obra: Comentários à Lei de Recuperação de Empresas e Falência: Lei n. 11.101/2005, coordenação de Francisco Satiro de Souza Junior e Antônio Sérgio A. de Moraes Pitombo. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, p. 224.
regularidade temporal a empresa em crise deverá comprovar ter atendido os
três requisitos mencionados, no período de dois anos, exigidos na lei.70
Para Vera Helena de Mello, a exigência do lapso temporal de dois anos
“visa a demonstrar alguma viabilidade do empreendimento, que não se cuida
de aventura passageira”.71 Já para Rachel Sztajn72:
...se o comando vier a ser relaxado para fins de reduzir o termo para 24 meses, o risco é de, paulatinamente, abrandar-se o rigor normativo para aceitar pedidos que exerça a atividade irregularmente por algum período e, vendo-se diante da impossibilidade de obter a recuperação judicial por conta disso, tardiamente, se ocupe em regularizá-la, o que abre espaço para comportamentos oportunistas o que a norma não pode estimular nem consentir.
Encontramos também como requisito que o empresário não pode ser
falido, ou seja, se já houve sentença instaurando o concurso falimentar de
credores, este não poderá requerer a recuperação judicial, pois a lei entende
que não faz mais sentido recuperar uma empresa a qual teve decretada sua
falência, sendo os dois institutos incompatíveis. Se a empresa tiver apenas
títulos protestados ou a falência requerida, o devedor poderá, ainda assim,
requerer a recuperação judicial, bem como se este comprovar, através de
declaração, de que todas as obrigações advindas da falência já formam
extintas, terá direito ao beneficio. 73
O devedor não pode ter obtido o beneficio da recuperação judicial a
menos de cinco anos, pois se em período menor a empresa necessita,
novamente do beneficio para reorganizar os seu negocio, este “sugere falta de
competência suficiente para exploração da atividade econômica em foco”.74 No
Decreto – lei 7.661/45 também havia a vedação, no mesmo período, para
quem já houvesse impetrado concordata, havendo a possibilidade da redução
do lapso temporal caso houvesse desistência do pedido da mesma.75
70 VIGIL NETO, op cit., p.148.71 MELLO FRANCO, Vera Helena de e SZTAJN, Rachel. Falência e Recuperação da empresa em Crise: comparação com as posições do Direito Europeu. Rio de Janeiro: Elsevier, 2008, p. 235.72 SZTAJN, Rachel, loc cit.73 ULHOA COELHO, Fábio. Comentários à nova lei de falências e de recuperação de empresas: (Lei n. 11.101, de 9-2-2005). 2º edição, revisada. São Paulo: Saraiva, 2005, p.124 - 125.74 Ibidem, p.125.75 BEZERRA FILHO, Manoel Justino. Nova Lei de Recuperação e Falências/ Lei 11.101 de 9 de fevereiro de 2005, comentário artigo por artigo. 3º Ed., 2 tir. – São Paulo: Editora Revista
O último requisito define que o sócio - controlador e o administrador
não podem ter sidos condenados por crimes previstos na Lei 11.101/2005,
entendo-se este como condenação por sentença condenatória com transito em
julgado. Para o professor Ricardo José Negrão Nogueira, este requisito não é
essencial para o indeferimento do pedido de recuperação judicial, uma vez que
a “condição da empresa não pode ser confundida com a condição do
empresário”, dando como solução que dentre os meios de recuperação conste
a previsão da substituição do sócio – controlador ou administrador.76 Este
último requisito também constava da lei anterior, e foi alvo de severas criticas,
tendo sido chamado de “pessoalidade” da lei falimentar, pois de acordo com
Manoel Bezerra Filho77:
...além de não privilegiar a manutenção da empresa em funcionamento, ainda impedia que a sociedade empresarial, mesmo que saneada e em boas condições, porém em crise passageira, pudesse se valer então da concordata, ante os problemas pessoas que atingiam determinado administrador ou sócio – controlador.
Depois de preenchido estes requisitos o devedor tem ainda que
preencher algumas condições, tanto formais quanto materiais. Estas condições
estão elencadas no artigo 51 da Lei 11.101/2005, o qual indica os requisitos
que devem estar presente na redação da petição inicial que irá requerer o
beneficio da recuperação judicial.
Estes requisitos são: exposição das causas concretas da crise;
demonstrações contábeis; relação de todos os credores; relação dos
empregados; certidão de regularidade do credor emitida pela Junta Comercial;
relação dos bens particulares dos sócios – controladores e administradores;
extratos atualizados das contas bancárias e aplicações financeiras; certidões
de protesto de títulos; relação das ações judiciais em que o devedor figure
como parte.78
dos Tribunais, 2005, p. 133.76 VIGIL NETO, Luiz Inácio. Teoria falimentar e regimes recuperatórios: estudos sobre a Lei n° 11.101/05. Porto Alegre:Livraria do Advogado Editora, 2008, p 153.77 BEZERRA FILHO, Manoel Justino. Nova Lei de Recuperação e Falências/ Lei 11.101 de 9 de fevereiro de 2005, comentário artigo por artigo. 3º Ed., 2 tir. – São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2005, p. 133.78 VIGIL NETO, Luiz Inácio. Teoria falimentar e regimes recuperatórios: estudos sobre a Lei n° 11.101/05. Porto Alegre:Livraria do Advogado Editora, 2008, p 161.
O primeiro requisito que é a exposição das causas concretas da crise
deve ser feita através de um relatório, onde há a exposição de forma detalhada
e fundamentada das razões, situações, fatores ou eventos que levaram à
empresa a crise econômica – financeira. Esta exposição “permite avaliar as
probabilidades de recuperação da atividade se a crise vier a ser debelada
mediante a execução do plano79”.
Para Rachel Sztajn80 causa concreta significa:
Servirá para indicar o real motivo gerador do desequilíbrio patrimonial, a crise econômica – financeira. Ou seja, é preciso expor, de forma clara e articulada, as razões que geraram a crise da empresa que, como se intui, não é resultado de uma só decisão equivocada. Em atividade, série de atos ou negócios funcionalizados entre si para levar a um resultado, a crise é parte desse processo contínuo. O desfecho pode ser determinado pontualmente, porem não se desvincula da atividade.
Quanto ao requisito das demonstrações contábeis, esta se caracteriza
pelos instrumentos: balanço patrimonial, demonstração de resultados
acumulados, demonstração de resultado desde o último exercício e relatório
gerencial de fluxo de caixa e de sua projeção.81 Dos três primeiros instrumentos
o empresário em crise deve apresentar os últimos três exercícios sociais, ou
seja, os três últimos anos civis anteriores ao pedido.82 Para complementar a
peça informativa o empresário em crise deverá juntar as demonstrações
contábeis do momento atual da empresa, pois esta refletirá o estado presente
dos negócios.
Na relação de credores deve o requerente da recuperação judicial listar
nominalmente cada um e abranger não apenas as obrigações pecuniárias, mas
também as obrigações de fazer e dar. Devendo os credores sujeitos aos efeitos
da recuperação ser relacionados em tópico especial, o qual auxiliara o
79 MELLO FRANCO, Vera Helena de e SZTAJN, Rachel. Falência e Recuperação da empresa em Crise: comparação com as posições do Direito Europeu. Rio de Janeiro: Elsevier, 2008, p. 243.80 TAVARES GUERREIRO, José Alexandre. Introdução da obra: Comentário à lei de recuperação de empresas e falência: Lei 11.101/2005, coordenação de Francisco Satiro de Souza Junior e Antônio Sérgio A. de Moraes Pitombo. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, p. 250.81 ULHOA COELHO, Fábio. Comentários à nova lei de falências e de recuperação de empresas: (Lei n. 11.101, de 9-2-2005). 2º edição, revisada. São Paulo: Saraiva, 2005, p.147.82 VIGIL NETO, Luiz Inácio. Teoria falimentar e regimes recuperatórios: estudos sobre a Lei n° 11.101/05. Porto Alegre:Livraria do Advogado Editora, 2008, p 161..
administrador judicial na realização da publicação dos credores, exigido no
artigo 7º da Lei 11.101/2005.83Devem constar, ainda, o endereço de cada um
dos credores, bem como a natureza de seus créditos e o valor atualizado dos
mesmos, origem do crédito, suas condições de vencimento e a indicação do
respectivo registro contábil.84
Na relação de empregados deve constar o rol completo dos
funcionários da empresa em crise, bem como suas funções e seus créditos, a
título de saldo de salário, indenização e outros encargos e o respectivo mês
que se deu o vencimento da obrigação trabalhista.85
Umas das exigências para obter a recuperação judicial a qual não
demonstra relevância é a apresentação da relação de bens particulares dos
sócios – controladores e administradores, uma vez que existe a separação
patrimonial dos sócios e da sociedade de que fazem parte. Podendo esta
exigência permitir que os credores exerçam pressões para obterem a
satisfação de seus créditos, uma vez que o processo de recuperação não
tramita em segredo de justiça. Sem falar na possibilidade de os sócios e
administradores procurarem formas de criar escudos para proteger seus bens
mais precocemente.86 Mas é valida a negativa por parte do sócio – controlador
e administrador em não apresentar a relação de seus bens, pois a Constituição
Federal de 1988 garante em seu artigo 5º a inviolabilidade da vida privada, pois
nada pode forçá-los a apresentar a relação de seus bens particulares.87
É preciso juntar na inicial os extratos bancários atualizados, ou seja,
estes devem conter data anterior ao da distribuição do pedido de recuperação.
Devendo constar os extratos de todas as contas bancárias que a empresa
83 BEZERRA FILHO, Manoel Justino. Nova Lei de Recuperação e Falências/ Lei 11.101 de 9 de fevereiro de 2005, comentário artigo por artigo. 3º Ed., 2 tir. – São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2005, p. 148.84 ULHOA COELHO, Fábio. Comentários à nova lei de falências e de recuperação de empresas: (Lei n. 11.101, de 9-2-2005). 2º edição, revisada. São Paulo: Saraiva, 2005, p.148.85 ULHOA COELHO, loc cit.86 SZTAJN, Rachel. Introdução da obra: Comentário à lei de recuperação de empresas e falência: Lei 11.101/2005, coordenação de Francisco Satiro de Souza Junior e Antônio Sérgio A. de Moraes Pitombo. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, p. 255.87 ULHOA COELHO, op cit., p.149.
possui, bem como os fundos de investimentos, para que os credores saibam do
montante ativo que a empresa em crise possui.88
O pedido de certidões de protestos de títulos não influência na
concessão da recuperação judicial. Tais certidões servem apenas para
informar os credores da real situação da empresa em crise, devendo elas
serem expedidas pelos cartórios das comarcas onde a empresa possui sede e
filiais.
Dentro da relação das ações judiciais em andamento faz-se necessário
que conste a estimativa atualizada dos valores demandados, a qual serve para
“caracterização de êxito provável ou remoto na ação judicial, a fim de
determinar o modo como tais valores serão incluídos na contabilidade da
empresa”89.
A escrituração da empresa em crise não precisa ser depositada em
juízo, a não ser que o juiz determine, pois este será essencial ao administrador
judicial para saber o que vem acontecendo com o ente em recuperação. O juiz
só deve determinar o depósito da escrituração da requerente se houver risco
de adulteração ou perda da mesma. A escrituração deve ficar à disposição do
juiz e ser consultado por qualquer interessado que obtenha autorização judicial.
Esta disposição da escrituração existe porque a empresa que requer o
benefício da recuperação necessita se submeter ao dever de transparência,
fincando assim suspenso o sigilo da escrituração mercantil.90
Após a distribuição da petição inicial esta vai conclusa ao magistrado, o
qual analisará se a inicial possui todos os requisitos exigidos pela Lei
11.101/2005, sendo tal análise meramente formal, pois o juiz não avalia o
mérito do pedido. Deste primeiro exame duas hipóteses poderão ocorrer,
conforme Luiz Inácio Vigil Neto91:
88 ULHOA COELHO, Fábio. Comentários à nova lei de falências e de recuperação de empresas: (Lei n. 11.101, de 9-2-2005). 2º edição, revisada. São Paulo: Saraiva, 2005, p.150.89 BEZERRA FILHO, Manoel Justino. Nova Lei de Recuperação e Falências/ Lei 11.101 de 9 de fevereiro de 2005, comentário artigo por artigo. 3º Ed., 2 tir. – São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2005, p. 151.90 ULHOA COELHO, op cit. p.151.91 VIGIL NETO, Luiz Inácio. Teoria falimentar e regimes recuperatórios: estudos sobre a Lei n° 11.101/05. Porto Alegre:Livraria do Advogado Editora, 2008, p 163.
1) A petição inicial não se encontra em condições de deferimento: se não deferir pelo não atendimento de um ou vários requisitos, deverá observar algumas situações:1.1) se o indeferimento decorreu da não apresentação de documento ou não atendimento de requisito indicado na lei, deverá o juiz conceder prazo razoável para complementação da petição inicial;1.2) se o indeferimento decorreu da impossibilidade de cumprir com algum(ns) do(s) pressuposto(s) ou condição da lei, deverá o juiz indeferir a petição inicial, encerrando o processo. Nestas situações não haverá base jurídica para a decretação de oficio da falência.2) A petição se encontra em condições de deferimento: se todos os requisitos forem atendidos, o magistrado deferirá a petição inicial, autorizando o processamento do pedido.
Deve-se observar que a recuperação judicial não pode ser requerida
caso seja decreta a falência do devedor, pois na Lei 11.101/2005 não existe a
figura da concordata suspensiva e nem figura similar, não havendo como
suspender o processo de falência. Dessa forma, cabe postular a recuperação
somente antes da decretação da falência. Caso seja feito o pedido de falência,
por credor da empresa em crise, no prazo de defesa do devedor, ou seja, no
prazo para contestação, o devedor pode requerer o benefício da recuperação,
conforme o artigo 95 da Lei.92
Após a autorização do processamento da recuperação judicial
iniciamos a segunda fase, onde teremos a concessão real da recuperação
judicial. Mas quando deferida a inicial já visualizamos alguns efeitos, como a
suspensão da tramitação dos pedidos de falência existentes contra o
empresário em crise; a nomeação do administrador judicial, a dispensa da
apresentação das certidões negativas para o exercício de suas atividades
econômicas, exceto no caso de contrato com o Poder Publico ou outorga de
benefícios ou isenções fiscais ou creditícios, a suspensão de todas as ações de
execuções existentes contra o devedor. Também será publicado edital
contendo o resumo do pedido e da decisão que deferiu o processamento da
recuperação judicial, bem como a relação dos credores, abrindo-se prazo para
habilitação dos créditos. Ainda podem os credores, após o deferimento da
recuperação judicial, requerer a convocação da Assembléia Geral de Credores.
92 VASCONCELOS FERREIRA, Gecivaldo. Nova Lei de Falência e Recuperação de Empresas. Comentários sistemáticos. Primeira e Segunda Partes. Disponível em: < http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=6632>. Acesso em 17 de janeiro de 2010.
A figura do administrador judicial não existia no Decreto – lei, sendo
sua principal função a de fiscalizar o andamento da recuperação e
cumprimento do plano. Podendo ser tanto pessoa natural quanto jurídica e vem
substituir as figuras do antigo síndico, na falência, como o comissário das
concordatas. Este deve ser profissional habilitado, ou seja, que exerça
atividade que detenha alguma relação com as atribuições que lhe são
deferidas. O artigo 21 da lei indica alguns profissionais que podem assumir a
função, mas este não é taxativo. Assim como no Decreto – lei o administrador
judicial precisa ter idoneidade, conduta moral e responsabilidade no plano
financeiro, pois pode ter que vir a responder por seus atos, uma vez que se
torna responsável pelo bom andamento do plano de recuperação.93
O devedor permanece na administração dos seus negócios, mas este
deve prestar contas do desenvolvimento da atividade durante o período em que
perdurar a recuperação judicial, sobre pena de destituição de seus
administradores.94
A habilitação dos créditos é de extrema importância, pois procura,
assim, evitar fraudes, condutas de má-fé e assegura que todos os credores
terão tratamento proporcional ao crédito. A habilitação dos créditos
compreende três fases: a publicação da relação de credores, impugnação ou
postulação de inclusão e consolidação do quadro geral de credores.95
Segundo Waldo Fazzio Junior96:
A apresentação do crédito decorre de sua inserção na relação oferecida pelo administrador judicial ou de sua posterior inclusão, quando não integrante daquela. Também pode ocorrer fora do prazo previsto no art. 7º, § 1º, como retardatária.
O quadro geral de credores é de publicação obrigatória e pode ocorrer
de duas formas. A primeira está no artigo 8º, parágrafo único da lei, onde não
apresentação de impugnação à listagem de verificação provisória dos créditos,
93 MELLO FRANCO, Vera Helena de e SZTAJN, Rachel. Falência e Recuperação da empresa em Crise: comparação com as posições do Direito Europeu. Rio de Janeiro: Elsevier, 2008, p. 5494 MELLO FRANCO, loc cit.95 FAZZIO JÚNIOR, Waldo. Nova lei de falência e recuperação judicial de empresas, 2. Ed. São Paulo: Atlas, 2005. P. 7996 Ibidem, p. 80
a qual é elaborada pelo administrador judicial e publicada. Não havendo
impugnação o juiz homologará a listagem, tornando-a definitiva, não sendo
necessária nova publicação, pois o prazo para impugnação é definitivo, não
tendo os credores outra oportunidade.97
A segunda forma se dá quando há apresentação de impugnação
dentro do prazo, a qual está prevista no artigo 8º da lei. Dessa forma inicia-se
um processo judicial de comprovação da existência, natureza e quantificação
do crédito, fincando o juiz incumbido de decidir. A decisão proferida é
recorrível, tendo o legislador optado pelo recurso de agravo para modificação
da decisão. Quando da tramitação do recurso duas situações se apresentam,
de acordo com Vigil Neto98:
1) determinar a exclusão temporária do crédito do quadro – geral enquanto não julgado o agravo;
2) determinar, provisoriamente, a inclusão do crédito julgado não habilitado em primeiro grau até a apreciação do agravo para garantir ao credor, exclusivamente, o direito de votar em assembléia geral.
A elaboração do quadro definitivo é função do administrador judicial, o
qual deve, juntamente com o juiz, assinar o quadro geral de credores definitivo
e publicá-lo ao término do prazo para impugnações ou do trânsito em julgado
da última impugnação.99
A Assembléia Geral de Credores é a reunião de todos os credores
habilitados, para que estes possam expressar seus interesses e buscar a
melhor forma para recuperar a empresa em crise para que seus créditos sejam
satisfeitos. A atribuição da Assembléia de Credores é: aprovar, rejeitar e revisar
o plano de recuperação judicial; aprovar a instalação do comitê de credores e
eleger seus membros; manifestar-se sobre o pedido de desistência da
recuperação judicial; eleger o gestor judicial, quando afastados os diretores da
sociedade empresária em crise; deliberar sobre qualquer outra matéria de
interesse dos credores.100
97 VIGIL NETO, Luiz Inácio. Teoria falimentar e regimes recuperatórios: estudos sobre a Lei 11.101/05. Porto Alegre: Livraria dos Advogados Editora, 2008, p.115.98 Ibidem, p.115 e 116.99 VIGIL NETO, Luiz Inácio. Teoria falimentar e regimes recuperatórios: estudos sobre a Lei 11.101/05. Porto Alegre: Livraria dos Advogados Editora, 2008, p.115-116.100 ULHOA COELHO, Fábio. Comentários à nova lei de falências e de recuperação de empresas: (Lei n. 11.101, de 9-2-2005). 7º edição, revisada. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 96
A Assembléia Geral é composta, de acordo com o artigo 41 da lei, das
seguintes classes de credores: 1) titulares de créditos derivados da legislação
do trabalho ou decorrentes de acidente de trabalho; 2) titulares de créditos com
garantia real; 3) titulares de créditos quirografários, com privilégio especial, com
privilégio geral, ou subordinado.101
Diferentemente do administrador judicial o Comitê de Credores é
opcional, e têm a função de auxiliar o judiciário como os demais órgãos que
fazem parte da recuperação judicial. Como já visto, compete a Assembléia
Geral constituí-la, podendo ser proposta por qualquer de suas classes. De
acordo com Vera Helena de Mello Franco e Rachel Sztajn102:
O comitê é órgão consultivo e de fiscalização e, na sua constituição, deve ser integrado por 1 representante efetivo de cada uma das classes de credores e mais dois suplentes de cada classe (art. 26 da LRE).
“Para a constituição do comitê de credores não se exige a
manifestação de todas as classes”103, pois basta a manifestação de apenas
uma das classes para que seja feita a constituição do comitê, podendo as
outras classes indicarem seus representantes, se assim, acharem interessante.
O representante pode ser escolhido entre os credores da classe ou, ainda,
escolher pessoa natural ou jurídica estranha ao quadro geral de credores,
sendo necessário que este último seja especialista; pode uma pessoa
representar mais de uma classe ao mesmo tempo, tendo em vista o possível
conflito de interesses existente entre as classes.104
Quando não houver a constituição do comitê, seus deveres serão
exercidos pelo administrador, e quando este for incompatível será exercido
pelo juiz, sendo suas atribuições: fiscalizar as atividades e examinar as contas
do administrador judicial; zelar pelo bom andamento do processo e pelo
cumprimento da lei; comunicar ao juiz, caso detecte violação dos direitos ou
101 VASCONCELOS FERREIRA, Gecivaldo. Nova Lei de Falência e Recuperação de Empresas. Comentários sistemáticos. Primeira e Segunda Partes. Disponível em: < http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=6632>. Acesso em 17 de janeiro de 2010.102 MELLO FRANCO, Vera Helena de e SZTAJN, Rachel. Falência e Recuperação da empresa em Crise: comparação com as posições do Direito Europeu. Rio de Janeiro: Elsevier, 2008. P. 69.103 Ibidem, p. 70.104 MELLO FRANCO, loc cit.
prejuízos aos interesses dos credores; apurar e emitir parecer sobre quaisquer
reclamações dos interessados; requerer ao juiz a convocação da assembléia
geral de credores; manifestar-se nas hipóteses previstas na lei; fiscalizar a
administração das atividades do devedor, apresentando, a cada trinta dias,
relatório de sua situação; fiscalizar a execução do plano de recuperação;
submeter à autorização do juiz, quando ocorrer o afastamento do devedor nas
hipóteses previstas na lei, a alienação de bens do ativo permanente, a
constituição de ônus reais e outras garantias, bem como atos de endividamento
necessários à continuação da atividade empresarial durante o período que
antecede a aprovação do plano de recuperação judicial.105
Após o deferimento do pedido de recuperação judicial o devedor não
poderá desistir deste sem antes reunir em Assembléia – Geral os credores,
para que estes concordem com a desistência do processo.
O principal objetivo desta segunda fase é a elaboração, apresentação,
por parte do devedor e votação pelos credores, que sofrem os efeitos da
recuperação judicial, do plano de recuperação da empresa em crise.
Vera Helena de Mello e Rachel Sztajn106 entendem o plano de
recuperação como sendo:
...um negócio de cooperação celebrado entre devedor e credor, homologado pelo juiz. No que diz respeito ao negócio de cooperação, assemelha-se ao contrato plurilateral; no que diz respeito à homologação, pode-se considerar forma de garantia do cumprimento das obrigações assumidas, com o que se reduzem custos de transação dada a coercitividade que dela, homologação, resulta.
A elaboração do plano é crucial para que os credores saibam como a
empresa irá agir para sair da crise e como fará para pagar suas dívidas,
devendo o plano ser um projeto detalhado das medidas a serem realizadas,
105 VASCONCELOS FERREIRA, Gecivaldo. Nova Lei de Falência e Recuperação de Empresas. Comentários sistemáticos. Primeira e Segunda Partes. Disponível em: < http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=6632>. Acesso em 17 de janeiro de 2010.106 MELLO FRANCO, Vera Helena de e SZTAJN, Rachel. Falência e Recuperação da empresa em Crise: comparação com as posições do Direito Europeu. Rio de Janeiro: Elsevier, 2008, p. 234.
onde contará as delimitações das estratégias utilizadas para alcançar o
sucesso da recuperação judicial.107 De acordo com Fábio Ulhoa Coelho108:
Depende exclusivamente dele a realização ou não dos objetivos associados ao instituto, quais sejam, a preservação da atividade econômica e cumprimento de sua função social. Se o plano de recuperação é consistente, há chances de a empresa se reestruturar e superar a crise em que mergulha. Mas se o plano for inconsistente, limitar-se a um papelório destinado a cumprir mera formalidade processual, então o futuro do instituto é a completa desmoralização.
O plano deve demonstrar a viabilidade econômica da empresa em
crise, ou seja, ele deve comprovar a capacidade da empresa para se
restabelecer economicamente e financeiramente, não podendo a
demonstração ser apenas jurídica, mas, também, matemática, das medidas
que serão aplicadas para que a crise seja superada.109 Também deverá
apresentar um laudo econômico – financeiro de avaliação dos bens e ativos da
empresa, o qual carecerá de profissional habilitado para tal, não podendo a
avaliação ser feito pelo próprio devedor.
O plano deverá ser apresentado 60 dias após a publicação da
sentença que deferiu o pedido da recuperação judicial, não podendo este prazo
ser prorrogado, e a não apresentação do plano no prazo acarretará na
decretação da falência, caindo em uma das hipóteses existentes no artigo 73
da Lei 11.101/2005.
O plano possui apenas quatro restrições previstas na lei, que o devedor
necessitará levar em conta quando da elaboração do projeto, as quais são:
Cláusula que proponha a venda de bem dado em garantia, com a supressão ou a substituição da garantia (artigo 50, § 1º): para produzir efeitos em relação ao credor beneficiário da garantia, deverá haver a sua expressa concordância. Dessa forma, se existirem dez credores que tenham a seu favor direitos reais de garantia hipotecária ao pagamento dos créditos, com uma hipoteca para cada dívida ativa, a proposição do devedor de substituição ou supressão das hipotecas para a venda dos respectivos imóveis não representa nulidade que afeta o plano de validade da cláusula, porém, produzirá efeitos
107 SZTAJN, Rachel. Introdução da obra: Comentário à lei de recuperação de empresas e falência: Lei 11.101/2005, coordenação de Francisco Satiro de Souza Junior e Antônio Sérgio A. de Moraes Pitombo. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, p. 265.108 ULHOA COELHO, Fábio. Comentários à nova lei de falências e de recuperação de empresas: (Lei n. 11.101, de 9-2-2005). 2º edição, revisada. São Paulo: Saraiva, 2005, p.159.109 SZTAJN, Rachel. Introdução da obra: Comentário à lei de recuperação de empresas e falência: Lei 11.101/2005, coordenação de Francisco Satiro de Souza Junior e Antônio Sérgio A. de Moraes Pitombo. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, op cit., p. 267.
somente para os credores que com ela concordem. A negativa de alguns a cláusula nem repercute na decisão dos que com elas concordaram;A cláusula que proponha a conversão dos créditos em moeda estrangeira para moeda nacional (artigo 50, § 2º): para produzir efeitos em relação aos credores, demanda a sua expressa concordância. Seguindo a forma exemplificativa anterior, em havendo trinta credores em moeda estrangeira, a apresentação de cláusula de conversão será eficaz para aqueles que aceitarem esta proposição. Para os demais, será mantida a cotação em moeda estrangeira....O plano não poderá prever prazo superior a 1 (um) ano para o pagamento dos créditos trabalhistas (artigo 54, “capvt”): diferentemente da fórmula anteriormente apresentada, a transgressão do enunciado, a partir da apresentação desta proposta em cláusula de plano recuperatório, implica a sua nulidade jurídica e a rejeição de oficio pelo magistrado, mesmo que os empregados estivessem dispostos a aceitá-la, uma vez que se trata de norma cogente;O plano não poderá prever prazo superior a 30 (trinta) dias para o pagamento dos créditos eminentemente salariais vencidos nos últimos 3 (três) meses e não superiores a 5 (cinco) salários mínimos por credor (artigo 54, parágrafo único): o mesmo deverá ser aplicado para a restrição contida no parágrafo único do artigo 54, com a diferença que neste dispositivo legal são tratados apenas os créditos salariais vencidos nos últimos três meses anteriores ao pedido e não superiores a cinco salários mínimos por empregado, que deverão ser honrados pelo devedor em até trinta dias contados da aprovação do plano.110
Após a apresentação do plano ao juiz, este irá publicar edital para
conhecimento dos credores do mesmo, e fixará prazo para que os credores
apresentem objeções ao plano elaborado pelo devedor. A objeção por parte de
qualquer credor torna imprescindível a convocação da Assembléia Geral de
Credores para deliberar sobre sua aprovação. Ou seja, para que o devedor
tenha o plano aprovado sem a necessidade de deliberação da assembléia é
necessário a aprovação unânime dos credores.111
Como o prazo para suspensão dos processos de execuções é de no
máximo 180 dias contados do deferimento do processamento da recuperação,
e após este período, restabelece-se o direito dos credores de prosseguir com
as suas execuções, se faz necessário que a assembléia geral de credores
ocorra dento do mesmo período, pois se assim não o for, o devedor perderá
110 VIGIL NETO, Luiz Inácio. Teoria falimentar e regimes recuperatórios: estudos sobre a Lei n° 11.101/05. Porto Alegre:Livraria do Advogado Editora, 2008, p 168.111 SECCHI MUNHOZ, Eduardo. Introdução da obra: Comentário à lei de recuperação de empresas e falência: Lei 11.101/2005, coordenação de Francisco Satiro de Souza Junior e Antônio Sérgio A. de Moraes Pitombo. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, p. 272.
uma das principais proteções que o processo de recuperação lhe oferece, que
é suspender as ações e execuções dos credores.112
Se não houver objeções ao plano o juiz concederá a recuperação
judicial ao devedor, passando-se então à execução do mesmo. Caso haja
objeções ao plano será realizada, então, a Assembléia Geral de Credores,
onde a deliberação se dará de acordo com o disposto no artigo 45 da Lei
11.101/2005, o qual exige um quorum especial para aprovação do plano. Caso
o plano seja rejeitado pela a assembléia geral, o juiz deverá decretar a falência,
hipótese esta que está prevista no artigo 73 da Lei 11.101/2005.
Porém o juiz tem o poder de impor aos credores o plano rejeitado,
desde que estejam presentes determinados requisitos, evitando assim, a
decretação da falência. Além dos requisitos presentes no artigo 58, §§ 1º e 2º,
os quais são: aprovação pela maioria dos créditos presentes, independentes de
classe; aprovação em pelo menos duas classes, se a assembléia tiver sido
composta de três classes, ou por uma classe, se a assembléia tiver
comparecido apenas duas classes; na classe que houver rejeitado, tiver o
plano obtido mais de um terço dos votos; o juiz, ainda, terá que reconhecer o
desempenho de função social pela empresa em crise, para assim poder impor
aos credores o plano rejeitado na assembléia geral de credores.113
A imposição do plano rejeitado pela a assembléia geral de credores
pelo juiz “não se constitui em um ato de vontade absoluta”114, pois para esta
imposição o magistrado tem de observar os requisitos acima enumerados e a
partir daí analisar de forma subjetiva, “se a empresa é estrategicamente
importante em seu contexto social”115.
Apesar dos administradores e o devedor permaneceram na condução
da empresa em crise, estes tem, após a distribuição do pedido de recuperação,
sua liberdade de atuação cerceada. A restrição mais importante é a da 112 SECCHI MUNHOZ, Eduardo. Introdução da obra: Comentário à lei de recuperação de empresas e falência: Lei 11.101/2005, coordenação de Francisco Satiro de Souza Junior e Antônio Sérgio A. de Moraes Pitombo. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, p. 273.113 VIGIL NETO, Luiz Inácio. Teoria falimentar e regimes recuperatórios: estudos sobre a Lei n° 11.101/05. Porto Alegre:Livraria do Advogado Editora, 2008, p 172 e 173.114 VIGIL NETO, Luiz Inácio. Teoria falimentar e regimes recuperatórios: estudos sobre a Lei n° 11.101/05. Porto Alegre:Livraria do Advogado Editora, 2008, p 172 e 173.115 VIGIL NETO, loc cit..
impossibilidade alienar ou onerar bens do ativo permanente, salvo se for
reconhecido pelo juiz a utilidade do ato, e depois de ouvido o comitê de
credores. Mas a decisão do comitê não vincula o juiz, o qual pode proferir
decisão contrária ao comitê, desde que, quando optar por permitir a alienação
ou oneração dos bens do ativo, reconheça a existência de evidente utilidade do
ato.116
A recuperação judicial pode se encerrar de duas formas. A primeira
quando o cumprimento da recuperação corresponde ao período de dois anos,
sendo, assim, proferida a sentença de encerramento pelo juiz, determinando,
desta forma, a quitação dos honorários do administrador e das custas
remanescentes, a apresentação, em quinze dias, do relatório do administrador
judicial, a dissolução dos órgãos auxiliares da recuperação judicial, ao quais é
o comitê de credores e assembléia geral, bem como a comunicação à Junta
Comercial do término do processo. E a segunda ocorre quando houver a
desistência por parte do devedor do benefício. Ao ser homologado a
desistência o devedor retorna a sua antiga condição jurídica a que se
encontrava antes do pedido de recuperação, podendo os credores retornar aos
seus direitos originários, como se o processo de recuperação nunca houvesse
existido.117
O juiz poderá decretar a falência durante o processo de recuperação,
conforme o artigo 73 da lei, quando: a assembléia geral assim deliberar, ou
seja, quando os credores que representam mais da metade do valor total dos
créditos presentes à assembléia geral deliberaram a favor da convolação; a
não apresentação do plano de recuperação no prazo de sessenta dias,
contados da decisão que deferiu o processamento da recuperação judicial; a
rejeição do plano pela assembléia geral de credores, em conformidade com o
procedimento próprio de votação estabelecido pela lei; e o descumprimento
das obrigações assumidas no plano de recuperação.118
116 SECCHI MUNHOZ, Eduardo. Introdução da obra: Comentários à Lei de Recuperação de Empresas e Falência: Lei n. 11.101/2005, coordenação de Francisco Satiro de Souza Junior e Antônio Sérgio A. de Moraes Pitombo. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, p. 315 e 316.117 ULHOA COELHO, Fábio. Comentários à nova lei de falências e de recuperação de empresas: (Lei n. 11.101, de 9-2-2005). 7º edição, revisada. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 207.118 KLEIN ZANINI, Carlos. Introdução da obra: Comentários à Lei de Recuperação de Empresas e Falência: Lei n. 11.101/2005, coordenação de Francisco Satiro de Souza Junior e Antônio Sérgio A. de Moraes Pitombo. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, p. 332-334.
A convolação do procedimento da recuperação judicial em falência não
anula os atos praticados durante a recuperação judicial, desde que estes
estejam de acordo com a lei. Os credores retornam ao status quo ante, sendo
deduzidos os valores eventualmente pagos pelo devedor durante o processo
de recuperação.
1.2.1 O Reconhecimento da Função Social da Empresa na
Recuperação Judicial
Há duas formas de o regime recuperatório ser concedido: 1º) o plano
reorganizativo tenha sido aprovado pela maioria dos créditos presentes na
assembléia geral de credores, contados de acordo com o artigo 45 da Lei
11.101/2005; 2º) quando o plano reorganizativo é imposto aos credores pelo
juiz, uma vez que este identifique a função social da empresa, e que estejam
preenchidos os requisitos do artigo 58, § 1º e § 2º da Lei 11.101/2005.
Para o autor Luiz Inácio Vigil Neto119:
A função social, ainda que essencial para a decisão judicial de imposição do plano rejeitados aos credores, não recebeu, contudo, uma definição por parte do legislador. Essa correta opção do legislador brasileiro deveu-se à idéia de não se propor um modelo estático de cognação do instituto. Em outras palavras, a função social é um valor cultural de um povo que se expressa, nos eixos cartesianos de tempo e espaço sociais.
Não apenas o princípio da função social da empresa deve ser levado
em consideração quando da imposição aos credores do projeto recuperatório,
também necessitam ser observados todos os princípios dispostos no artigo 47
da Lei 11.101/2005, o qual prevê:
Art. 47. A recuperação judicial tem por objetivo viabilizar a superação da situação de crise econômico-financeira do devedor, a fim de permitir a manutenção da fonte produtora, do emprego dos trabalhadores e dos interesses dos credores, promovendo, assim, a preservação da empresa, sua função social e o estímulo à atividade econômica.
O presente artigo demonstra a opção legislativa no que concerne à
recuperação da empresa em crise econômica financeira. A busca pela
manutenção de empregos, o respeito aos interesses dos credores, a garantia
119 VIGIL NETO, Luiz Inácio. Teoria falimentar e regimes recuperatórios: estudos sobre a Lei 11.101/05. Porto Alegre: Livraria dos Advogados Editora, 2008, p.143.
da produção dos bens ou serviços em mercados são os objetivos tutelados na
reorganização da empresa em crise, não esquecendo, de respeitar os preceitos
econômicos da organização das empresas, sua participação no mercado, no
criar e distribuir bem estar e na geração de riquezas. Em suma, o esforça da
nova disciplina é manter a empresa em funcionamento quando está se
demonstre viável. É nítido o abandono da visão da legislação revogada, pois
ela dava prioridade a retirada do comerciante inábel ou inepto do mercado,
tanto que por qualquer motivo a concordata preventiva era indeferida, sendo a
decretação da falência um ato compulsório. A nova legislação procura analisar,
antes da quebra, as probabilidades de sobrevida do negócio, tendo a mesma
administração ou outra, sendo alterado assim o foco da tutela, o qual era
antigamente o credor e a confiança, para, agora, vir tutelar o devedor de boa-
fé.120
Os princípios alocados na Lei 11.101/2005 são frutos da evolução do
direito falimentar, que ao longo do tempo identificou a necessidade de se
modificar pra assim poder se adequar à nova realidade econômica e social, a
qual bradava por um ordenamento que identificasse a atividade empresária e o
próprio empresário como agentes sociais importantes para o desenvolvimento
da sociedade.121
Tanto o princípio da preservação da empresa quanto o da função social
da empresa tem sua origem no artigo 170 da Constituição Federal de 1988,
instaurando assim um novo panorama jurídico, onde a ordem econômica é
centrada não só na dignidade da pessoa humana, mas também na livre
iniciativa, na valorização do trabalho humano e na função social da propriedade
privada, proporcionando repercussões na forma de se interpretar e por em
prática a legislação, em especial a Lei 11.101/2005.122
120 SZTAJN, Rachel. Introdução da obra: Comentários à Lei de Recuperação de Empresas e Falência: Lei n. 11.101/2005, coordenação de Francisco Satiro de Souza Junior e Antônio Sérgio A. de Moraes Pitombo. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, p. 222-223121 SCHELLES, Marta Santiago de Oliveira. O Princípio da Preservação da Empresa no Novo Sistema Falimentar. Disponível em: < http://www.emerj.tjrj.jus.br/trabalhos_conclusao/trabalhos_22009/martaschelles.pdf>. Acesso em 22 de fevereiro de 2010.122 CASTRO, Carlos Alberto Farracha de. Preservação da Empresa no Código Civil. Curitiba: Juruá, 2007, p. 23.
O princípio da função social da propriedade merece destaque, pois
deste deriva o princípio da função social da empresa, o qual reconhece a
necessidade e a importância da continuação das atividades empresariais,
mesmo que está encontre-se em crise, uma vez que a atividade das empresas
ativa a economia como um todo, proporcionando a geração de postos de
trabalho, contribuindo, assim, para a satisfação das necessidades essenciais
do indivíduo.123
Já o princípio da preservação da empresa não está expressamente
previsto na Constituição Federal, mas é por ela defendido, uma vez que seu
intuito é plenamente compatível com os direitos e princípios previstos na carta
magna. Sendo, desta forma, o princípio da preservação da empresa um
“princípio constitucional não escrito124”.
A Constituição Federal em seu artigo 170 elege também como princípio
da ordem econômica a busca pelo pleno emprego, não podendo, desta forma,
falar na busca do pleno emprego sem propiciar a preservação da empresa,
pois, afinal é a atividade empresarial que gera boa parte dos postos de trabalho
e é umas das principais fontes de tributos para o estado. Como ressalta Carlos
Alberto Farracha de Castro125:
Sem preservação da atividade empresarial inexiste emprego, razão pela qual não há como se valorizar o trabalho, motivo por que a pretensão do legislador constituinte ficaria reservada ao seu imaginário. Em outras palavras, o princípio da busca do pleno emprego, corresponde a preservação da empresa (de que é corolário o da recuperação da empresa), segundo o qual, diante das opções legais que conduzem a dúvida entre aplicar regra que implique a paralisação da atividade empresaria e outra que possa também prestar-se à solução da mesma questão ou situação jurídica sem tal conseqüência, deve ser aplicada essa última, ainda que implique sacrifício de outros direitos também dignos de tutela jurídica.
O princípio da preservação da empresa não deriva apenas da busca do
pleno emprego, mas também do princípio da função social da propriedade, o
qual não permite a aniquilamento de empresas produtivas, só porque não
atende mais aos interesses individuais e patrimoniais de seus titulares.126
123 CASTRO, loc cit.124 CASTRO, Carlos Alberto Farracha de. Preservação da Empresa no Código Civil. Curitiba: Juruá, 2007. P. 42.125 Ibidem, p. 43.126 CASTRO, loc cit.
O reconhecimento do princípio da preservação da empresa como
princípio constitucional não escrito auxilia na concretização dos princípios
fundamentais, principalmente o da dignidade da pessoa humana, ou seja, “sua
preservação está em conformidade com os postulados do atual sistema
constitucional, cuja preocupação primeira é atender e preservar os interesse
sociais do homem, em sua plenitude”.127
Quando analisada a questão da empresa em dificuldade econômico-
financeira, sendo esta transitória, para que seja possível a sua recuperação e
preservação, no momento de crise, se faz necessário privilegiar a preservação
da empresa em prejuízo de outros princípios, sempre que a empresa
demonstrar-se viável.128
Ao se buscar a preservação da empresa deve-se se ter o cuidado de
manter apenas as empresas viáveis, aquelas que tenham relevante
importância social. É de extrema importância analisar os custos que serão
gerados na conservação da empresa em crise no mercado, não devendo estes
custos superar os da extinção da mesma, através do processo liquidatório.129
Conforme Fábio Ulhoa Coelho130:
Nem toda a falência é um mal. Algumas empresas, porque são tecnologicamente atrasadas, descapitalizadas ou possuem organização administrativa precária, devem mesmo ser encerradas. Para o bem da economia com um todo, os recursos – materiais, financeiros e humanos – empregados nessa atividade devem ser realocados para que tenham otimizada a capacidade de produzir riqueza. Assim, a recuperação da empresa não deve ser vista como um valor jurídico a ser buscado a qualquer custo. Pelo contrário, as más empresas devem falir para que as boas não se prejudiquem. Quando o aparato estatal é utilizado para garantir a permanência de empresas insolventes inviáveis, opera-se uma inversão inaceitável: o risco da atividade empresarial transfere-se do empresário para os seus credores.
127 CASTRO, Carlos Alberto Farracha de. Preservação da Empresa no Código Civil. Curitiba: Juruá, 2007. P. 46128 Ibidem, p. 47.129 SCHELLES, Marta Santiago de Oliveira. O Princípio da Preservação da Empresa no Novo Sistema Falimentar. Disponível em: < http://www.emerj.tjrj.jus.br/trabalhos_conclusao/trabalhos_22009/martaschelles.pdf>. Acesso em 22 de fevereiro de 2010.130 ULHOA COELHO, Fábio. Comentários à nova lei de falências e de recuperação de empresas: (Lei n. 11.101, de 9-2-2005). 7º edição, revisada. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 129.
Desta forma, acabam-se incumbindo aos operadores do direito a
análise do caso concreto, com base no princípio da preservação da empresa e
outros que norteiam a ordem econômica, para decidir se a empresa merece o
amparo judicial no sentido de ser preservada; ou caso, se demonstre mais
benéfico às outras empresas que integram o mercado e a sociedade que esta
seja liquidada imediatamente, que assim ocorra.
Para que ocorra a preservação da empresa é necessário que o juiz não
se restrinja apenas ao momento atual, mas sim à potencialidade futura da
empresa em crise. Esta potencialidade deverá ser demonstrada não pelo
desempenho momentâneo, mas em seu plano reorganizativo, o qual será
avaliado pelos credores e pela sociedade, podendo assim, ser observado se a
empresa possui capacidade de cumprir com as obrigações assumidas no plano
de recuperação.131
Para Fábio Ulhoa Coelho, o exame da viabilidade da atividade
empresária em crise deve ser feito, pelo judiciário, através dos seguintes
vetores: importância social; mão de obra e tecnologias empregadas, volume do
ativo e passivo, tempo de empresa e o porte econômico.132
A importância social refere-se a dois aspectos, sendo eles: as
condições econômicas que demonstrem possível o reerguimento da atividade
empresária não podem ser ignoradas, bem como a sua relevância para a
economia local, regional e nacional. Em outros termos, “que valha a pena para
a sociedade brasileira arcar com os ônus associados a qualquer medida
recuperatória de empresa não derivada de solução de mercado133”.
A mão-de-obra e tecnologia empregadas, nesse aspecto, devido à
evolução das empresas, por muitas vezes se excluem e por outras se
completam. Sobrepesar estes vetores é complexo, pois a recuperação da
empresa com tecnologia defasada e que depende de modernização pode
131 VIGIL NETO, Luiz Inácio. Teoria falimentar e regimes recuperatórios: estudos sobre a Lei n° 11.101/05. Porto Alegre:Livraria do Advogado Editora, 2008, p. 71.132 ULHOA COELHO, Fábio. Comentários à nova lei de falências e de recuperação de empresas: (Lei n. 11.101, de 9-2-2005). 7º edição, revisada. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 144-145.133 ULHOA COELHO, loc cit.
implicar o fim de postos de trabalho, mas se a tecnologia não for renovada, a
empresa pode não conseguir se reorganizar.
O volume do ativo e do passivo significa analisar qual a natureza da
crise, pois na medida em que estas se relacionam, a recuperação necessitará
de soluções mais complexas. É importante salientar que a análise financeira da
empresa cumpre papel relevante.
O tempo da empresa leva em conta quanto tempo esta encontra-se
atuando no mercado. Todavia, isto não significa que as empresa com menor
tempo não possam requerer o benefício da recuperação, pelo contrário
qualquer empresa viável e que preencha os requisitos da lei possuem esse
direito. A principal influência do tempo na concessão da recuperação é que as
empresas mais jovens terão que ter o potencial econômico e a importância
social realmente relevante.
E, por fim, o porte econômico trata do tamanho da empresa a se
recuperar, pois as medidas reorganizativas de uma empresa grande não serão
as mesmas adotas por um microempresário, devendo desta forma identificar o
porte da empresa, pois quanto menor está for, menor será sua importância
social.
Para Paulo Penalva Santos134
Naturalmente a apreciação da viabilidade não se deve se limitar a
uma análise meramente financeira da empresa... A viabilidade
dependeria, em resumo da resposta às seguintes indagações
formuladas pelo Prof. Paillusseau: Qual a importância em relação aos
concorrentes? Quanto valem seus produtos e serviços no mercado?
Qual é a qualidade da sua organização de produção? Quais são os
investimentos que devem ser feitos? Todas essas perguntas e outras
mais é que permitem traçar ao menos um parâmetro para se saber se
a empresa é ou não viável.
134 PENALVA SANTOS, Paulo. O novo projeto de recuperação da empresa. Revista de Direito Mercantil, São Paulo, v.39, n. 117. p. 128, jan./mar.2000.
Outro princípio previsto no artigo 47 da lei é o da função social da
empresa, o qual, como dito, deriva da função social da propriedade, o qual se
encontra no artigo 170 da Carta Maior.
A função social da propriedade se restringiu por muitos anos as
propriedades agrárias, pois estas eram sinônimo de poder econômico, por
outro lado a propriedade dos bens de consumo passaram a ter grande
relevância social, influenciado, desta forma, as interpretações restritivas do
direito de propriedade. Logo se tornou evidente que a utilização do termo tinha
que ser ampliada, passando a empresa a representar “o principal motor do
sistema econômico, influenciando de forma crescente as relações sociais”.135
De início não havia previsão legal expressa da função social da
empresa, tendo a doutrina que identificar – a através das diversas formas de
propriedade, como a propriedade de bens de consumo e bens de produção -, o
controle da empresa, dando-lhe, assim, força aplicativa.136
A extensão da função social para a empresa justifica o reconhecimento
de alguns direitos fundamentais da pessoa jurídica. Esta extensão da função
social influenciou, na prática, as transformações sofridas pelo direito
empresarial brasileiro. Para Calixto Salomão Filho quando a função social
passa a se referir à empresa “sua disciplina transforma-se em algo fortemente
ligado ao interesse estatal em uma disciplina ligada ao interesse de grupos
afetados pela atividade da empresa137”.
A função social ao ser entendida como princípio, abre caminho para a
aplicação deste não só para a empresa como para toda a relação civil,
surgindo, assim, a idéia de função social do contrato.138
135 SALOMÃO FILHO, Calixto. Função social do contrato: primeiras anotações. Revista de Direito Mercantil: Industrial, Econômica e Financeira, São Paulo, v. 42, n. 132. p. 7-24, out./dez. 2003, p. 7.136 Ibidem, p.8.137THEODORO JÚNIOR, Humberto. O contrato social e sua função. 2ª edição. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2004.Direito Mercantil: Industrial, Econômica e Financeira, São Paulo, v. 42, n. 132. p. 7-24, out./dez. 2003, p. 8.138 SALOMÃO FILHO, Calixto. Função social do contrato: primeiras anotações. Revista de Direito Mercantil: Industrial, Econômica e Financeira, São Paulo, v. 42, n. 132. p. 7-24, out./dez. 2003, p. 8.
De acordo com Humberto Theodoro Júnior139:
Para uns, a função social estaria localizada no propósito de colocar o interesse coletivo acima do interesse individual, o que, no domínio do contrato, implicaria a valorização da solidariedade e cooperação entre os contratantes. A base da função social do contrato estaria no principio da igualdade, o qual atuaria, in casu, para superar o individualismo, de modo a fazer com que a liberdade de cada um dos contratantes “seja igual para todos”. Seria a idéia de igualdade na dignidade social ou na liberdade “para todos”, que faria com que o contrato, outrora concebido de maneira individualista, possa passar a exercer, na sociedade, uma “função social”.
Alguns doutrinadores conceituam a função social do contrato situando-
o apenas na relação dos contratantes com o meio social. Para o professor
Antônio Junqueira de Azevedo140, os contratos devem estabelecer-se numa
ordem social harmônica, devendo impedir qualquer prejuízo à coletividade que
provenha da relação firmada no contrato. Desta forma, o contrato “deve
apresentar-se como um comportamento social sempre adequado”. 141
Função significa dizer que é o papel que alguém ou algo deve
desempenhar em determinadas circunstâncias. Falar em função, portanto,
corresponde a definir um objetivo a ser alcançado. O contrato passa a exercer
uma função social quando visa o princípio da igualdade, o qual se volta para a
idéia de dignidade social ou liberdade “para todos”, sobrepondo-se, assim, o
interesse coletivo sobre o individual.142
Para Calixto Salomão Filho143:
Não é tarefa fácil atribuir sentido jurídico específico ao termo função. Expressão genérica, plena de significado moral e social, a tendência natural é sempre no sentido de sua ampliação. (...)
É também bastante evidente que o simples envolvimento da esfera de terceiros não é o suficiente para definir e delimitar a função social. A expressão interesse de terceiros é por demais vaga para definir o objeto de tutela de princípio tão importante.
139 THEODORO JÚNIOR, Humberto. O contrato social e sua função. 2ª edição. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2004, p. 43.140 Ibidem, p. 48141 THEODORO JÚNIOR, loc cit.142 Ibidem, p. 43143 SALOMÃO FILHO, Calixto. Função social do contrato: primeiras anotações. Revista de Direito Mercantil: Industrial, Econômica e Financeira, São Paulo, v. 42, n. 132. p. 7-24, out./dez. 2003, p. 10.
Presta-se um maior serviço ao instituto jurídico da função social do
contrato se forem analisados os verdadeiros interesses sociais em jogo,
podendo estes interesses ser traduzidos nos princípios da eticidade e da
socialidade. Onde o primeiro se aplica as regras como a da lealdade e
solidariedade entre os contratantes, e a segunda refere-se à preocupação com
a ordem econômica e social, ambos os princípios devem ser analisados no
plano “do impacto do contrato com terceiros ou com o meio social em sentindo
mais amplo”.144
O que se deve dizer é que tanto o direito de propriedade quanto o direito de contratar devem, para ser dignos de alguma tutela pelo direito, atender a uma função na sociedade.145
Humberto Theodoro Júnior, ainda ressalta que:
Para que se conceba um conceito adequado de função social do contrato é preciso que se busque também um elemento externo ao contrato. Por isso não basta apenas aquela relação de proporcionalidade entre os princípios. É necessário que com o contrato se atinja o bem comum, ou em outras palavras, é preciso que o contrato seja bom para os indivíduos que o celebram e bom para a sociedade.
A função primária do contrato é a função econômica e está jamais pode
ser descartada ou anulada em prol, por exemplo, de uma atividade assistencial,
pois a contrato cabe uma função social, mas não uma função de assistência
social. A função social e econômica são institutos jurídicos distintos, mas
devem coexistir harmonicamente, tendo a função social o atributo de indicar os
limites do contrato em relação o quanto este pode atingir terceiros.146
A função social é uma cláusula geral, sendo assim, está não prescreve
uma conduta, mas define valores e princípios. As cláusulas gerais são ponto de
referência e oferecem ao interprete os limites para a aplicação das demais
disposições normativas, ou seja, estas descrevem valores. Ressalta Humberto
Theodoro Júnior147
O julgamento segundo clausulas gerais autorizadas pela lei não é, em hipótese alguma, “uma tarefa arbitrária”. Ao complementar uma
144 THEODORO JÚNIOR, Humberto. O contrato social e sua função. 2ª edição. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2004, p. 49.145 Ibidem, p. 83.146 THEODORO JÚNIOR, Humberto. O contrato social e sua função. 2ª edição. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2004, p. 100147 Ibidem, p. 135
norma legal em branco, o juiz tem de se ater à realidade da figura jurídica, sua estrutura e funcionalidade, aplicando sempre os princípios informativos do sistema. “Toda e qualquer reconstrução dogmática está, em primeiro lugar, atada aos valores e diretivas do ordenamento, os quais exigem do juiz não apenas ato de vontade, mas, fundamentalmente, ato de conhecimento e de responsabilidade”. Não é por outra razão que a Constituição exige, sob pena de nulidade, que toda a decisão judicial seja fundamentada (CF, art. 93, IX). Somente com a explicitação dos elementos de fato e de direito em que a sentença se apoiou haverá condições de aferir-lha a conformidade com o sistema normativo axiológico determinado pela Constituição.
De acordo com Arnoldo Wald:
Se o direito tem a dupla finalidade de garantir tanto a justiça quanto a segurança, é preciso encontrar o justo equilíbrio entre as duas aspirações, sob pena de criar um mundo justo, mas inviável, ou uma sociedade eficiente, mas injusta, quando é preciso conciliar justiça e eficiência. Não devem prevalecer nem o excesso de conservadorismo, que impede o desenvolvimento da sociedade, nem o radicalismo destruidor, que não assegura a continuidade das instituições. O momento é de reflexão e construção para o jurista, que, abandonando o absolutismo passado, deve relativizar as soluções, tendo em conta tanto os valores éticos, quanto as realidades econômicas e sociais.
Ainda cabe ressaltar que sendo a preservação da empresa princípio
constitucional, este pode ser concebido como a desmaterialização da riqueza,
este se deve a função social da propriedade, o qual não permite a extinção das
empresas produtivas, pois sua extinção não atende aos interesses coletivos,
mas, “tão-somente, aos individuais e patrimoniais dos seus titulares”.148
Ademais, tem-se o entendimento que a empresa constitui a noção atual de
propriedade. Conforme Orlando Gomes149:
O jurista que observa a paisagem da vida econômica contemporânea se convencerá de que a evolução das estruturas da economia relegou a segundo plano, sob a perspectiva social, a atividade de gôzo do proprietário quando comparado à atividade produtiva do empresa. (...) Dessa constatação, surgiu a categoria jurídica da empresa, introduzida no centro do sistema do direito privado. (...) O exercício da atividade econômica pela organização de bens e pessoas nessas unidades orgânicas cada dia maiores e mais poderosas exige disciplina que encare o direito de propriedade sob novas perspectivas. Sendo a empresa em última análise, um dos modos de seu exercício e devendo subordinar-se esse exercício ao interesse geral, o poder jurídico que o pressupõe deixa de ser, nesse ponto, um direito subjetivo puro, pó que não é mais, exclusivamente “um poder da vontade para a realização de um interesse próprio”, senão um poder que, embora exercido com fim lucrativo, e, portanto, no
148 CASTRO, Carlos Alberto Farracha de. Preservação da Empresa no Código Civil. Curitiba: Juruá, 2007, p. 43-44.149 CASTRO, loc cit.
interesse de quem exerce, deve ao mesmo tempo legitimar-se pela realização de interesse extra-pessoal transindividual. Desse modo, o proprietário na veste do empresário ou empreendedor tem deveres e responsabilidades.
A essência da função social decorre de sua evolução e utilização na
realidade histórica, revelando, assim, o valor nele embutido, o qual dado a ele
pela própria sociedade.150
Na medida em que a função social da propriedade deixa de vislumbrar
apenas as propriedades agrárias e passa se fundar nas relações comerciais e
industriais mais complexas, a essência contida no princípio tem de se
transformar. Passando, assim, do direito de propriedade as relações jurídicas,
“em um primeiro momento aquelas envolvidas pela empresa e, em seguida,
pelos contratos em geral”. Desta forma, tornou-se importante prever como a
esfera social era afetada por estas relações.151
Antes de ser identificada a função social da empresa os doutrinadores
buscavam na função social dos bens de produção e dos bens de consumo a
forma de identificar o controle que empresa exercia na sociedade.
Fábio Konder Comparato152 classifica bens de produção e bens de
consumo como:
Os bens de produção são móveis ou imóveis, indiferentemente. Não somente a terra, mas também o dinheiro, sob a forma de moeda ou de crédito, podem ser empregados como capital produtivo. De igual modo os bens destinados ao mercado, isto é, as mercadorias, pois a atividade produtiva é reconhecido, na análise econômica, não pela criação de coisas materiais, mas pela criação de valor. Mas as mercadorias somente se consideram bens de produção enquanto englobadas na universalidade do fundo de comércio; uma vez destacadas dele, ao final do início do ciclo distributivo, ou elas incorporam a uma atividade industrial, tornando-se insumos de produção, ou passam à categora de bens de consumo.
A classificação dos bens de produção e dos bens de consumo não se
encontra em sua natureza ou consistência, mas sim em sua destinação. “A 150 SALOMÃO FILHO, Calixto. Função social do contrato: primeiras anotações. Revista de Direito Mercantil: Industrial, Econômica e Financeira, São Paulo, v. 42, n. 132. p. 7-24, out./dez. 2003, p. 9.151 SALOMÃO FILHO, Calixto. Função social do contrato: primeiras anotações. Revista de Direito Mercantil: Industrial, Econômica e Financeira, São Paulo, v. 42, n. 132. p. 7-24, out./dez. 2003, p. 10.152 COMPARATO, Fábio Konder. Função Social da propriedade dos bens de produção. Revista de Direito Mercantil, Industrial, Econômico e Financeiro, São Paulo, v. 25, n. 63, p. 71-79, jul.-set. 1986, p. 72.
função que as coisas exercem na vida social é independente da sua estrutura
interna”.153
Antigamente o intuito da propriedade privada era o de proteger o
indivíduo e sua família de possíveis necessidades materiais, e isto justifica a
importância dada para a propriedade agrária, sendo a forma de obter a
subsistência do indivíduo e de sua família. Hoje a propriedade privada deixou
de ser o único meio de garantir a subsistência da família, em seu lugar, em vez
da subsistência, encontra-se a garantia de emprego, salário justo, e as
“prestações sociais devidas ou garantidas pelo Estado, como a previdência
contra os riscos sociais, a educação e a formação profissional, a habitação, o
transporte e o lazer.154”
Quando se fala em função social da propriedade não significa que este
restringe o uso e o gozo dos bens de seu proprietário. A função, aqui, deve ser
entendida como um poder, mais especificamente, “o poder de dar ao objeto da
propriedade destino determinado, de vinculá-lo a certo objetivo”.155 Já o social
demonstra o objetivo, o qual corresponde ao interesse coletivo e não ao
interesse próprio do proprietário; “o que não significa que não possa haver
harmonização entre um e outro”.156 Mas, mesmo assim, se está perante a um
interesse coletivo, sendo a função social um poder-dever do proprietário,
podendo até mesmo ser sancionado pela justiça.157
Em outras palavras a função social da propriedade é um poder-dever
não somente no sentido negativo, em relação ao “respeito a certos limites
estabelecidos em lei para o exercício da atividade, mas, também, na acepção
positiva, de que algo deve ser feito ou cumprido”, devendo está ser
desempenhada para a satisfação da coletividade.158
153 Ibidem, p. 73.154 COMPARATO, Fábio Konder. Função Social da propriedade dos bens de produção. Revista de Direito Mercantil, Industrial, Econômico e Financeiro, São Paulo, v. 25, n. 63, p. 71-79, jul.-set. 1986, p.73155 Ibidem, p.75.156 COMPARATO, loc cit.157 COMPARATO, loc cit.158 Ibidem, p. 41.
Dentro da Constituição Federal de 1988, a função social da
propriedade é apresentada “como imposição do dever positivo de uma
adequada utilização dos bens, em proveito da coletividade”.159
Adilson Abreu Dallari e Lúcia Valle Figueiredo160 entendem como
função social da propriedade que:
Todo o individuo tem a obrigação de cumprir na sociedade uma certa função, na razão direta do lugar que nela ocupa. Ora, o detentor de riqueza, pelo próprio fato de deter a riqueza, pode cumprir uma certa missão que só ele pode cumprir. Somente ele pode aumentar a riqueza geral, assegurar a satisfação de necessidades gerais, fazendo valer o capital que detém. Está, em conseqüência, socialmente obrigado a cumprir esta missão e só será socialmente protegido se cumpri-la e na medida em que o fizer. A propriedade não é mais o direito subjetivo do proprietário; é a função social do detentor da riqueza.
A empresa, hoje, compõe-se na base da sociedade, e este resulta do
exercício do direito a propriedade. Deste modo, configura-se,
predominantemente, em uma situação econômica. Na opinião de Clóvis Couto
e Silva161, “o conceito de empresa antecede o seu reconhecimento pela ordem
jurídica”. Conforme destaca Fábio Konder Comparato:
Uma instituição social que, pela sua influência, dinamismo e poder de transformação, sirva de elemento explicativo e definidor da civilização contemporânea, a escolha é indubitável: essa instituição é a empresa. É dela que depende, diretamente, a subsistência da maior parte da população ativa deste país,pela organização do trabalho assalariado. A massa salarial já equivale, no Brasil, a 60% da renda nacional. É das empresas que provém a grande maioria dos bens e serviços consumidos pelo povo, e é delas que o Estado retira a parcela maior de suas receitas fiscais. É em torno da empresa, ademais, que gravitam vários agentes econômicos não – assalariados, como os investidores de capital, os fornecedores, os prestadores de serviço.162
Deste modo a função social da empresa é irreversível, dada a sua
importância e movimentação da sociedade ser dependente, de certo modo, de
sua existência; sem falar do alcance desta ao Estado como um todo, pois é por
intermédia da empresa que o Estado arrecada tributos indispensáveis, para
que este possa cumprir com suas despesas e obrigações.
159 Ibidem, p. 43.160 DALLARI, Adilson Abreu/ FIGUEIREDO, Lúcia Valle. Temas de direito urbanístico. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais LTDA. 1987, p. 5.161 CASTRO, Carlos Alberto Farracha de. Preservação da Empresa no Código Civil. Curitiba: Juruá, 2007, p. 135.162 Ibidem, p. 135-136.
Alguns doutrinadores entendem que a função social da empresa
determina que a exploração da atividade empresarial não interesse apenas
empresário e, também, não, deve buscar o lucro de forma desenfreada, pois os
interesses e exercícios da exploração da propriedade devem ser tencionados à
sociedade, atingindo, desta forma, trabalhadores, fornecedores, meio
ambiente, fisco e todos aqueles que têm relação com a empresa. Em suma, a
função social da empresa “implica um dever social que exige consonância
entre interesses particulares da sociedade e o interesse coletivo”.163
Sendo assim, a função social da empresa representa a superação do
individualismo, devendo o direito individual coexistir, harmonicamente, com a
funcionalização do princípio, exercendo, assim, um papel produtivo, o qual
favorece toda a sociedade. Em outras palavras “a atividade empresarial
apresenta um caráter dúplice, uma vez que serve não só ao sujeito proprietário,
como também, às necessidades sociais”.164
Cabe ressalvar que a função social não deve ser encarada como algo
exterior à propriedade, mas sim, como componente integrante de sua própria
estrutura.165
É entendimento de alguns doutrinadores, como Fábio Konder
Comparato, que não há como a empresa exercer sua atividade tendo em vista
a função social da empresa, pois não há como o administrador da empresa
praticar atos gratuitos e não razoáveis em benefício da comunidade em torno
da empresa, mesmo que autorizado legalmente. A razoabilidade da atuação
dos administradores está estritamente ligada à lucratividade da empresa, a
qual é a essência da sociedade, sem o lucro não há como a empresa resistir.166
Nas palavras de Fábio Konder Comparato167:
163 CASTRO, Carlos Alberto Farracha de. Preservação da Empresa no Código Civil. Curitiba: Juruá, 2007, p. 138.164 CASTRO, loc cit.165 ALVES PESSOA, Mariana. A função social da empresa como Princípio do direito civil constitucional. Disponível em: <http://www.juspodivm.com.br/artigos/artigos_53.html>. Acesso em 24 de janeiro de 2010.166 COMPARATO, Fábio Konder. Estado, Empresa e Função Social. Revista dos Tribunais, São Paulo, v. 732, p. 38, out. 1996, p. 45.167 COMPARATO, Fábio Konder. Estado, Empresa e Função Social. Revista dos Tribunais, São Paulo, v. 732, p. 38, out. 1996, p. 45.
É imperioso reconhecer, por conseguinte, a incongruência em se falar numa função social das empresas. No regime capitalista, o que se espera e exige delas é, apenas, a eficiência lucrativa, admitindo-se que, em busca do lucro, o sistema empresarial como um todo exerça a tarefa necessária de produzir ou distribuir bens e de prestar serviços no espaço de um mercado concorrencial. Mas é uma perigosa ilusão imaginar-se que, no desempenho dessa atividade econômica, o sistema empresarial, livre de todo controle dos Poderes Públicos, suprirá naturalmente as carências sociais e evitará abusos; em suma, promoverá a justiça social.
Fábio Leandro Tokars168 entende a função social como:
Um paliativo retórico aos efeitos concretos de nossas políticas econômicas, a qual pode ser definida como instrumento de aparente conquista social que, na realidade, acaba por atuar exatamente de forma oposta, mantendo privilégios ou impedindo a real conquista dos interesses sociais.
A realização, por parte da empresa, de sua finalidade lucrativa,
garante, por conseqüência, melhoria de vida aos seus empregados,
fornecedores, consumidores, enfim, trás benefícios a sociedade, não
significando que a empresa deva substituir ou fazer às vezes do Estado169. Em
outras palavras, se considerarmos que a empresa possui função social, então
está acaba sendo, também, responsável em relação à garantia dos direitos
individuais dos cidadãos, ou seja, a empresa passa a ser responsável não
apenas por melhorar o aspecto econômico, mas também o social, da
comunidade que nela está inserida.170
Em suma:
Podemos afirmar que atribuir alguns deveres sociais a essas entidades não significa esquivar o Estado de funções que lhe são próprias. Na economia moderna, ambos devem trabalhar juntos, pois é notório que a atividade empresarial assumiu dimensões extraordinárias que cada vez mais vêm se acentuando nesta época de globalização... Importante ressaltar que sua contribuição à sociedade não significa diminuição dos lucros. Pelo contrário, podemos felizmente constatar uma sensível melhora nas condições econômico-financeiras das instituições que têm adotado medidas de caráter social.
168 CASTRO, Carlos Alberto Farracha de. Preservação da Empresa no Código Civil. Curitiba: Juruá, 2007, p. 140.169 CAPEL FILHO, Hélio. A Função Social da Empresa: adequação às exigências do mercado ou filantropia? Disponibilizado em: <http://jusvi.com/artigos/15411>. Acesso em 17 de janeiro de 2010.170 ARNOLDI, Paulo R. Colombo/MICHELAN, Taís C. de Camargo. Novos enfoques da função social da empresa numa economia globalizada. Revista de Direito Mercantil, São Paulo, v.39, n. 117. p. 159, jan./mar.2000, p. 120.
A função social não cabe apenas à empresa, pois seus
administradores também possuem deveres sociais, estando este disposto no
artigo 116, parágrafo único da Lei 6.404/1976:
Art. 116. (...)
Parágrafo único. O acionista controlador deve usar o poder com o fim de fazer a companhia realizar o seu objeto e cumprir sua função social, e tem deveres e responsabilidades para com os demais acionistas da empresa, os que nela trabalham e para com a comunidade em que atua, cujos direitos e interesses deve lealmente respeitar e atender.
Quando se trata de exploração empresarial a função social não cabe
ao proprietário, mas ao administrador ou controlador. Importante se faz
distinguir, pois o poder de controlar não se confunde com a propriedade.171
Desta forma, exige-se do administrador que este empregue em suas
funções o máximo dever de diligência, lealdade e informação, não só com os
acionistas da empresa, mas, também, para com a comunidade em sua vota.
Apesar do aludido diploma legal tratar apenas das sociedades por
ações, não restam dúvidas de que este se aplica a qualquer atividade
empresarial, exercida de modo individual ou sobre qualquer forma societária
prevista no Código Civil, e que a lista de elementos extra-societários que a
empresa deve respeitar e atender não pode pautar-se unicamente pela
obtenção de lucro, devendo a empresa atender, também, os direitos do
consumidor, o regime de livre concorrência, a preservação do meio ambiente,
do patrimônio histórico e cultural do País, dentre outros. De acordo com Mauro
Rodrigues Penteado172:
Em razão dessa função de grande relevo é que a nova Lei estrutura mecanismos que conduzam à sua preservação, superando as naturais crises econômicas e financeiras pelas quais venha a passar o devedor empresário.
Por fim, o desenvolvimento econômico e em conseqüência a busca
pelo lucro não se demonstram incompatíveis com a consolidação da função
171 COMPARATO, Fábio Konder. Função Social da propriedade dos bens de produção. Revista de Direito Mercantil, Industrial, Econômico e Financeiro, São Paulo, v. 25, n. 63, p. 71-79, jul.-set. 1986, p.77.172 PENTEADO, Mauro Rodrigues. Introdução da obra: Comentários à Lei de Recuperação de Empresas e Falência: Lei n. 11.101/2005, coordenação de Francisco Satiro de Souza Junior e Antônio Sérgio A. de Moraes Pitombo. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, p. 73.
social da empresa, ainda que este seja apontado como o gerador das
desigualdades sociais e da “exploração econômica da classe de trabalhadores
pelos detentores do capital”.173 A função social da empresa, ainda, refere-se à
organização empresarial, cuja existência está estritamente ligada à atuação
responsável na esfera econômica, não para cumprir as obrigações típicas do
Estado, muito menos para substituí-lo, mas sim na acepção de que, sua
existência deve ser calculada para criar postos de trabalho, respeitar o meio
ambiente e a coletividade, sendo por estes motivos que se busca sua
preservação.174
1.2.1.1 Contratualismo x institucionalismo
Ao analisarmos os fundamentos do direito societário estamos ao
mesmo tempo analisando as funções das sociedades.175 Considerado as
teorias contratualista e institucionalista identificamos até que ponto as
sociedades tem responsabilidades sociais com os terceiros que não estão
envolvidos, e até onde pode ou deve ir esta responsabilidade da empresa com
o universo que a cerca.
A visão alcançada pela sociedade unipessoal leva a dois
entendimentos distintos, um vê a sociedade como um contrato e o outro como
uma sociedade organizada como instituição. Estes entendimentos nos levam
as teorias contratualista e institucionalista.176
A teoria contratualista é contrária à concepção de que a empresa deve
ter como prisma o interesse social, ou seja, está apóia que o interesse da
sociedade deva ser o mesmo do seu grupo de sócios. Sendo o interesse dos
sócios o interesse social da empresa. Dentro do contratualismo alguns autores
173 CASTRO, Carlos Alberto Farracha de. Preservação da Empresa no Código Civil. Curitiba: Juruá, 2007, p. 149.174 SZTAJN, Rachel. Introdução da obra: Comentários à Lei de Recuperação de Empresas e Falência: Lei n. 11.101/2005, coordenação de Francisco Satiro de Souza Junior e Antônio Sérgio A. de Moraes Pitombo. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, p. 223175 SALOMÃO FILHO, Calixto. O Novo Direito Societário, 3. Ed. São Paulo: Malheiros, 2006, p. 25176 SALOMÃO FILHO, Calixto. O Novo Direito Societário, 3. Ed. São Paulo: Malheiros, 2006, p. 26
definem interesse social de forma abstrata e típico, “reduzindo-o ao interesse à
maximização do lucro”, está constitui à noção clássica da teoria. 177
O Contratualismo moderno não vê o interesso apenas em torno única e
exclusivamente do grupo de sócios. De acordo com Calixto Salomão Filho:
O interesse social é predefinido: sobre ele os órgãos sociais não têm qualquer influência (o que não corria na definição clássica pura, onde; ainda que formalmente identificado à maximização de lucros; o fulcro da definição do interesse era sua identificação com o interesse do grupo de sócios atuais, qualquer que fosse).
Do ponto de vista prático, o efeito óbvio é o estímulo à busca desenfreada de aumento do valor de venda das ações por todos os agentes do mercado.178
No contratualismo os sócios se unem para um fim comum, contudo os
sócios se obrigam apenas com os interesses um dos outros e não com os da
sociedade a sua volta.179
A teoria institucionalista nasceu na Alemanha após a Segunda Guerra
Mundial, sendo vista como uma forma de desenvolver a sociedade que se
encontrava destruída no pós - guerra. Está postulava o reconhecimento de
diversas classes de interesses que iam além dos sócios, ou seja, devia-se
reconhecer o interesse, também, dos trabalhadores e da coletividade. A soma
destes interesses se “traduz no interesse à preservação da empresa”.180
Após um período no qual o institucionalismo era mais publicista, ou
seja, buscava-se a preservação da personalidade jurídica da sociedade, veio
um institucionalismo mais organizativo, onde o interesse dos sócios não
prevalecia sobre o interesse social. O interesse social busca a manutenção da
empresa e são discutidas formas para alcançar e garantir este objetivo.181
De acordo com Calixto Salomão Filho:
Ao contrário da concepção contratualista, no institucionalismo o conflito de interesses, ainda que existente na prática, não é requisito teórico para a explicação do funcionamento social. Com isso quer-se
177 Ibidem, p. 26-28.178 Ibidem, p.30.179 Ibidem, p.36.180 SALOMÃO FILHO, Calixto. O Novo Direito Societário, 3. Ed. São Paulo: Malheiros, 2006, p.33 e 34.181 Ibidem, p.35.
dizer que a diferença entre um sistema integracionista (como é o institucionalismo), que pressupõe a colaboração na persecução de um interesse social predeterminado, e um sistema autônomo (como o contratualismo), que pressupõe a existência de contraposição interna de interesses, está na limitação do objeto do conflito. O que a primeira concepção fez foi limitar o objeto do conflito às questões de rentabilidade e às questões organizativas, ambas paramentradas pelo interesse à preservação da empresa.182
Na teoria institucionalista é possível visualizar os interesses
efetivamente contrapostos, pois de um lado temos os conflitos de interesse dos
sócios conjuntamente com os interesses dos órgãos sociais.183
No sistema societário brasileiro visualizamos no artigo 981 do Código
Civil que sociedade é um contrato plurilateral, onde as partes se obrigam entre
si para alcançar um fim comum, nesta definição encontramos todos os traços
da teoria contratualista, uma vez que este não vislumbra os interesses dos
órgãos sociais. De forma geral parte da doutrina encontra nas disposições
legais a teoria contratualista da sociedade.184
Há vestígios da teoria institucionalista na Lei 6.404/76 em seu artigo
116 o qual prevê que o acionista controlador deverá realizar o objetivo a e
função social da empresa, está faz com que as outras regras do ordenamento
devem ser revistas pela perspectiva institucionalista.185
Hoje há uma junção das teorias contratualista e institucionalista, pois
não há como pensar só nos interesses dos sócios, como na contratualista, e
nem tampouco ficar só na preservação da empresa. “Deve isso sim ser
relacionado à criação de uma organização capaz de estruturar de forma mais
eficiente as relações jurídicas que envolvem a sociedade”.186
Devido esta mistura da teoria contratualista e da institucionalista o
entendimento do que é a empresa teve que passar por uma reforma, pois como
profere Fábio Konder Comparato em “A reforma da empresa”187:
182 SALOMÃO FILHO, loc cit.183 SALOMÃO FILHO, loc cit.184 SALOMÃO FILHO, Calixto. O Novo Direito Societário, 3. Ed. São Paulo: Malheiros, 2006, p.36.185 Ibidem, p.38.186 Ibidem, p.42.187 COMPARATO, Fábio Konder. A reforma da empresa. Revista de Direito Mercantil, Industrial, Econômico e Financeiro, v. 50, p. 57-74, 1983, p. 57.
Se quiser indicar uma instituição social que, pela sua influência, dinamismo e poder de transformação, sirva como elemento explicativo e definidor da civilização contemporânea, a escolha é indubitável: essa instituição é a empresa.
O maior questionamento dessa mistura de teorias é se levarmos a
sério que a empresa deve cumprir sua função social como ficaria o lucro?
Como compatibilizar o objetivo da empresa que é o lucro e sua função social?
Comparato188 entende que:
O lucro da gestão empresarial é o saldo positivo de um balanço geral de ingresso e dispêndios... toda a empresa, mesmo não lucrativa, deve trabalhar em regime de economicidade, comportando um equilíbrio estrutural entre ingressos e dispêndios.
Mas a Constituição Federal não prevê nos princípios do art. 170 a
lucratividade empresarial, não sendo o lucro um objetivo obrigatório. O lucro é
apenas um objetivo lícito, não há sua inclusão na esfera social, nos interesses
da coletividade.189 Sendo assim uma empresa que tem sua atividade focada no
interesse social não pode centrar-se no lucro, desta forma quando a empresa
entra em estado de crise a solução jurídica não pode apenas levar em
consideração o interesse dos credores, pois deve reconhecer o interesse da
coletividade na preservação da instituição.190
Uma das reformas pela qual a empresa se submeteu foi separação da
figura do empresário da empresa, pois não é justo a empresa sofrer a punição
pelos atos faltosos do empresário, ou seja, devendo ser “a preservação da
empresa como centro autônomo de interesses, sem prejuízo da punição e do
afastamento do empresário faltoso191”.
Alberto Asquine192 visualizou a empresa através de diversos perfis,
sendo eles:
188 Ibidem, p. 62.189 COMPARATO, Fábio Konder. A reforma da empresa. Revista de Direito Mercantil, Industrial, Econômico e Financeiro, v. 50, p. 57-74, 1983, p. 62.190 Ibidem, p. 65.191 Ibidem, p. 66.192 ASQUINI, Alberto. Perfis da empresa. Revista de Direito Mercantil, Industrial, Econômico e Financeiro, São Paulo, n. 104, p. 109-126, out.-dez. 1996. Traduzido por Fábio Konder Comparato do artigo “Profili dell’impresa”, publicado em 1943, na Rivista del Diritto Commerciale, v. 41, I, p. 123.
Perfil subjetivo: A empresa como empresário... A organização econômica da empresa pelo seu vértice, usando a palavra em sentido subjetivo como sinônimo de empresário.
Não é, portanto, empresário, quem exerce uma atividade econômica às custas de terceiros. Não é, tampouco, empresário, quem presta um trabalho autônomo de caráter exclusivamente pessoal, seja de caráter material, seja de caráter intelectual. Não é ainda empresário quem exerce uma simples profissão (o guia, o mediador, o carregador etc.) nem de regra, quem exerce uma profissão intelectual (a advogado, o médico, o engenheiro etc.) a menos que o exercício da profissão intelectual “dê lugar a uma atividade especial, organizada sob forma de empresa”.
Perfil funcional...vista funcional ou dinâmica, a empresa aparece como aquela força em movimento que é a atividade empresarial dirigida para um determinado escopo produtivo.
...a empresa em sentido funcional “é a atividade profissional organizada do empresário”.
Perfil patrimonial e objetivo: a empresa como patrimônio “aziendal” e como estabelecimento...o fenômeno econômico da empresa, projetado sobre o terreno patrimonial, dá lugar a um patrimônio especial distinto, por seu escopo, do restante patrimônio do empresário (exceto se o empresário é pessoa jurídica, constituída para o exercício de uma determinada atividade empresarial, caso em que o patrimônio integral da pessoa jurídica serve àquele escopo).
Perfil corporativo: a empresa como instituição...a empresa é considerada do ponto de vista individualista do empresário, segundo o perfil corporativo, a empresa vem considerada como aquela especial organização de pessoas que é formada pelo empresário e pelos empregados, seus colaboradores. O empresário e seus colaboradores dirigentes, funcionários, operários, não são de fato, simplesmente, uma pluralidade de pessoas ligadas entre si por uma soma de relações individuais de trabalho, com fim individual; mas formam um núcleo social organizado, em função de um fim econômico comum, no qual se fundem os fins individuais do empresário e dos singulares colaboradores: a obtenção do melhor resultado econômico, na produção.
Assim como Comparato, Asquine também identifica a empresa como
instituição. Pois ele entende que de todos os perfis analisados, o perfil
corporativo da empresa é o exemplo típico de instituição, pois nesta a empresa
é uma organização de pessoas, onde se compreende o empresário e seus
colaboradores, sendo identificado um fim comum, ou seja, “a conquista de um
resultado produtivo, socialmente útil, que supera os fins individuais do
empresário (intermediação lucro) e dos empregados (salário).193”
193 ASQUINI, Alberto. Perfis da empresa. Revista de Direito Mercantil, Industrial, Econômico e Financeiro, São Paulo, n. 104, p. 109-126, out.-dez. 1996. Traduzido por Fábio Konder Comparato do artigo “Profili dell’impresa”, publicado em 1943, na Rivista del Diritto Commerciale, v. 41, I.Diritto Commerciale, v. 41, I, p. 124.
Hoje é inviável a empresa pensar apenas no lucro, pois está não tem
como fugir dos interesses que a circundam, devendo, como foi visto, dar
atenção a função social da empresa e buscar, quando está for benéfica a
sociedade, sua preservação.
2 REPERCUÇÃO DA LEI 11.101/2005 E DIRETRIZES NO
PROCESSO DE RECUPERAÇÃO JUDICIAL DA
EMPRESA EM CRISE
Quando a lei 11.101/05 entrou em vigor está não revogou de imediato
o Decreto – lei 7.661/45, pois a passagem de um sistema para outro é delicada
e há situações que merecem um tratamento diferenciado. Assim como há
mudanças significativas que devem ser analisadas com mais tenacidade.194
O período para cumprimento da recuperação judicial, a exemplo do que
ocorria na concordata, é de dois anos, onde identificamos duas fases, a
primeira é de negociação do plano e a segunda refere-se à execução e
cumprimento da recuperação judicial da empresa em crise. Mas o plano pode
prever o cumprimento das obrigações em período superiores há estes dois
anos. Sendo que nos primeiros dois anos de execução do plano o devedor
ficará sobre a fiscalização do Poder judiciário, dos credores, através da
assembléia geral, do comitê de credores e do administrador judicial, ficando a
cargo do comitê de credores informarem o juiz, através de relatórios mensais, o
bom andamento do plano, denunciar ocasionais irregularidades, apurar e emitir
pareceres sobre as reclamações dos interessados. O administrador judicial,
além de fiscalizar o andamento do plano, pode requerer, em caso de
descumprimento do mesmo, a falência do devedor.195
Após o período de dois anos o processo de recuperação judicial é
encerrado por sentença, mas se as obrigações previstas no plano são
superiores a este período, o devedor deverá seguir cumprindo-o, caso este
194 FAZZIO JÚNIOR, Waldo. Nova lei de falência e recuperação judicial de empresas, 2. Ed. São Paulo: Atlas, 2005, p. 36.195 SECCHI MUNHOZ, Eduardo. Introdução da obra: Comentário à lei de recuperação de empresas e falência: Lei 11.101/2005, coordenação de Francisco Satiro de Souza Junior e Antônio Sérgio A. de Moraes Pitombo. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, p. 302.
venha a descumprir-lo o juiz só poderá decretar a falência quando os credores
informarem o descumprimento, caso contrário não haverá a convolação da
recuperação em falência.196
Enquanto que na concordata preventiva o cumprimento desta não
poderia ser superior ao período de dois anos, devendo o período ser contado a
partir da data do ingresso do pedido da concordata em juízo.197
A Lei 11.101/2005 inovou em seu artigo 50 ampliando os meios de
recuperação judicial, o qual traz hipóteses exemplificativas e não taxativas
como ocorria no Decreto – lei 7.661/45, onde os meios que a concordata podia
adotar eram apenas os descritos no referido decreto.
A concordata possuía o intuito de solucionar as crises de iliquidez
temporária, sendo disponibilizada a empresa em crise a dilação do prazo para
pagamento, remissão parcial do valor dos créditos quirografários ou combinar
as duas opções, ou seja, dilatar o prazo e remir com parte dos créditos, sendo
estes os únicos meios disponibilizados para a realização da concordata.198
Já no artigo 50 da Lei 11.101/2005 encontramos como meios para a
recuperação judicial:
Art. 50. Constituem meios de recuperação judicial, observada a legislação pertinente a cada caso, dentre outros:I – concessão de prazos e condições especiais para pagamento das obrigações vencidas ou vincendas;II – cisão, incorporação, fusão ou transformação de sociedade, constituição de subsidiária integral, ou cessão de cotas ou ações, respeitados os direitos dos sócios, nos termos da legislação vigente;III – alteração do controle societário;IV – substituição total ou parcial dos administradores do devedor ou modificação de seus órgãos administrativos;V – concessão aos credores de direito de eleição em separado de administradores e de poder de veto em relação às matérias que o plano especificar;VI – aumento de capital social;VII – trespasse ou arrendamento de estabelecimento, inclusive à sociedade constituída pelos próprios empregados;
196 SECCHI MUNHOZ, Eduardo. Introdução da obra: Comentário à lei de recuperação de empresas e falência: Lei 11.101/2005, coordenação de Francisco Satiro de Souza Junior e Antônio Sérgio A. de Moraes Pitombo. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, p. 303.197 REQUIÃO, Rubens. Curso de Direito Falimentar. 2º Vol. 16º edição. São Paulo, 1995, p. 126-128. 198 SZTAJN, Rachel. Introdução da obra: Comentário à lei de recuperação de empresas e falência: Lei 11.101/2005, coordenação de Francisco Satiro de Souza Junior e Antônio Sérgio A. de Moraes Pitombo. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, p. 232.
VIII – redução salarial, compensação de horários e redução da jornada, mediante acordo ou convenção coletiva;IX – dação em pagamento ou novação de dívidas do passivo, com ou sem constituição de garantia própria ou de terceiro;X – constituição de sociedade de credores;XI – venda parcial dos bens;XII – equalização de encargos financeiros relativos a débitos de qualquer natureza, tendo como termo inicial a data da distribuição do pedido de recuperação judicial, aplicando-se inclusive aos contratos de crédito rural, sem prejuízo do disposto em legislação específica;XIII – usufruto da empresa;XIV – administração compartilhada;XV – emissão de valores mobiliários;XVI – constituição de sociedade de propósito específico para adjudicar, em pagamento dos créditos, os ativos do devedor.§ 1o Na alienação de bem objeto de garantia real, a supressão da garantia ou sua substituição somente serão admitidas mediante aprovação expressa do credor titular da respectiva garantia.§ 2o Nos créditos em moeda estrangeira, a variação cambial será conservada como parâmetro de indexação da correspondente obrigação e só poderá ser afastada se o credor titular do respectivo crédito aprovar expressamente previsão diversa no plano de recuperação judicial.
No inciso I do artigo 50, identificamos que a dilação do prazo é
parecida com a existente na antiga concordata dilatória, com a diferença que a
dilação referida no inciso I do artigo 50 não atinge os créditos posteriores a
concessão do beneficio da recuperação. Quando o inciso fala em condições
especiais, este pode ser considerado como a remissão de parte da divida, bem
como a redução dos juros anteriormente cobrados.199 Este inciso é o único
meio o qual guarda alguma semelhança com o Decreto – lei 7.661/45.
O inciso II do art. refere a mecanismo de recuperação a reorganização
societária da empresa, devendo está seguir o disposto no Código Civil, ou da
Lei nº 6.404/1976 que dispõe sobre as sociedades anônimas. A transformação,
fusão, incorporação e cisão – incorporação, ainda que não esteja mencionada
no inciso – recai tanto sobre as relações internas quanto externas da
sociedade. A transformação é quando se modifica a estrutura societária, ou
seja, quando a organização da sociedade muda de forma. A fusão ocorre
quando há a soma dois ou mais patrimônios societários, ou seja, a criação de
uma nova pessoa jurídica, desparecendo as anteriores. A cisão “é a divisão
patrimonial com versão da(s) parcela(s) cindida(s) em nova(s) sociedade(s) e o
199 MELLO FRANCO Vera Helena de e SZTAJN Rachel. Falência e Recuperação da empresa em Crise: comparação com as posições do Direito Europeu. Rio de Janeiro: Elsevier, 2008, p. 237.
desaparecimento da anterior200”. Das alternativas mencionadas, apenas a
transformação terá deliberação exclusiva dos sócios ou acionistas, pois as
demais dependem da deliberação dos membros da outra sociedade que
deverão demonstrar seu interesse, sendo interessante evidenciar quando da
demonstração aos credores e magistrado a manifestação dos sócios da outra
sociedade que venham a fazer parte da operação.201
O inciso III refere-se à troca do controlador, sendo o controle “a forma
de poder que leva tanto a formulação de políticas e estratégias administrativas
quanto a condução dos negócios sociais.202”. Há dentro da sociedade o
controle interno, o qual é praticado pelos sócios ou acionistas através das
assembléias – gerais ou reuniões de sócios, e o controle externo o qual resulta
de acordos entre a sociedade e terceiros, tendo estes poder veto em relação
há algumas matérias. De acordo com Rachel Sztajn203: “Presume-se que a
intenção é de, mediante cessão de controle, facilitar mudanças na formulação
das diretrizes administrativas”.
Já o inciso IV prevê a modificação dos administradores ou dos órgãos
da administração. A questão que este inciso suscita é se a modificação dos
administradores é uma avaliação da aptidão ou capacidade deste de
administrar a sociedade? Não seria justo imputar ao administrador a
responsabilidade pelo resultado, a não ser que este agisse com culpa ou dolo.
Deste inciso surgem diversos questionamentos sobre sua utilização, devendo
desta forma ter cuidado ao aplicá-lo.204
O inciso VI quando considera o aumento do capital um dos meios de
recuperação deveria indicar que este pode ser feito pelo aporte de recursos
pelos próprios sócios da empresa em crise, por novos investidores, como pela
conversão de dívida em capital. Outra possibilidade é a conferência de bens,
200 SZTAJN, Rachel. Introdução da obra: Comentário à lei de recuperação de empresas e falência: Lei 11.101/2005, coordenação de Francisco Satiro de Souza Junior e Antônio Sérgio A. de Moraes Pitombo. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, p. 232.201 Ibidem, p. 233-234.202 Ibidem, p. 235.203 Ibidem, p. 237.204 SZTAJN, Rachel. Introdução da obra: Comentário à lei de recuperação de empresas e falência: Lei 11.101/2005, coordenação de Francisco Satiro de Souza Junior e Antônio Sérgio A. de Moraes Pitombo. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, p. 238.
devendo está transferência de bem ser útil e necessária ao desenvolvimento da
atividade.205
É permitido como meio de recuperação no inciso VII o trespasse ou
arrendamento de estabelecimento, os quais devem atender o disposto nos
artigos 1.142 a 1.149 do Código Civil. Sendo que o plano de recuperação que
prevê estes meios de recuperação deverá ter a aprovação de todos os
credores ou a inexistência de oposição destes para ser eficaz. Conforme
Rachel Stanj206:
As obrigações a ele (estabelecimentos) vinculadas são transmitidas juntamente com os ativos que o compõem, pelo que ficariam excluídas, por força das normas especiais, as obrigações tributárias e as trabalhistas, além do limite da Lei 11.101/2005.
O inciso X inova permitindo que os credores constituam uma
sociedade. Quando da escolha do tipo societário dificilmente se optaria pela
sociedade ilimitada, sobrando duas alternativas, as quais seriam a sociedade
limitada e anônima. Independente de quais das alternativas, entende Rachel
Stanj207:
O capital seria integralizado com os créditos contra o devedor e, portanto, os credores subscritores seriam solidariamente responsáveis pela solvência do devedor. Surrealista imaginar que alguém, cujo crédito já é de liquidação duvidosa, aceite esse novo risco, sem alguma garantia; essa garantia pode estar na obrigatoriedade de a sociedade em crise fazer dação em pagamento de alguns bens que permitam operar a nova sociedade, ou que se siga à matrícula o trespasse de estabelecimento ou, após aprovar a cisão da sociedade, a versão da parcela cindida naquela organizada pelos credores. Em qualquer hipótese é preciso que a nova sociedade possa operar, exercer atividade e buscar lucros.
Em relação à venda parcial dos bens da sociedade, constante do inciso
XI, estes precisam ser qualificados, devendo-se ter em mente que os bens que
são necessários a manutenção da atividade não podem ser alienados.208
O inciso XII sofreu forte crítica da doutrina, devida a incoerência “entre
o aumento de risco e a eventual ‘equalização’, que pode significar diminuição
205 Ibidem, p. 239.206 Ibidem, p. 240.207 Ibidem, p. 242.208 SZTAJN, Rachel. Introdução da obra: Comentários à Lei de Recuperação de Empresas e Falência: Lei n. 11.101/2005, coordenação de Francisco Satiro de Souza Junior e Antônio Sérgio A. de Moraes Pitombo. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, p. 243.
dos encargos financeiros em razão inversamente proporcional ao seu preço,
representado pelos juros cobrados209”. Sem falar que o inciso não institui o
critério para estabelecer as taxas de juros a ser cobrada quando da
equalização do percentual aplicável as obrigações.210
O inciso XIII traz algumas dúvidas, pois a empresa como atividade não
é objeto de direito, podendo, assim, o usufruto recair apenas sobre o
estabelecimento. Contudo quando analisamos o artigo 140 da Lei 11.101/2005
identificamos a confusão do termo empresa com o conjunto de bens
necessários e utilizados para seu exercício, o que justificaria o respectivo
inciso.211
Mas alguns doutrinadores entendem que o usufruto mencionado no
inciso se assemelha ao direito à anticrese, isto é, “o credor tem direito de
administrar a empresa e fruir dos resultados produzidos212”.
A emissão de valores mobiliários, o qual o inciso XV refere, só pode ser
aplicada por sociedades anônimas, uma vez que apenas estas podem emitir
este tipo de documento. A emissão de valores mobiliários constitui:
a) emitir novas ações para aumento de capital (inc. VI); b) emitir títulos de dívida ou debêntures, conversíveis, ou simples; c) emitir opções para a compra e ações o que implica previsão de aumento de capital.
...
Ocorre que, em mercados eficientes o preço dos valores mobiliários reflete imediatamente, as contingências enfrentadas pela sociedade, razão pela qual o preço de emissão das ações deverá ser baixo.213
O último inciso refere-se à constituição de sociedade de propósito
especifico “para adjudicar os ativos do devedor em pagamento dos créditos214”.
209 MELLO FRANCO, Vera Helena de e SZTAJN, Rachel. Falência e Recuperação da empresa em Crise: comparação com as posições do Direito Europeu. Rio de Janeiro: Elsevier, 2008, p. 241210 MELLO FRANCO, loc cit.211 Ibidem, p. 242.212 SZTAJN, Rachel. Introdução da obra: Comentários à Lei de Recuperação de Empresas e Falência: Lei n. 11.101/2005, coordenação de Francisco Satiro de Souza Junior e Antônio Sérgio A. de Moraes Pitombo. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, p. 244.213 Ibidem, p. 245.214 ? MELLO FRANCO, Vera Helena de e SZTAJN, Rachel. Falência e Recuperação da empresa em Crise: comparação com as posições do Direito Europeu. Rio de Janeiro: Elsevier, 2008, p. 242.
Como o artigo 50 é exemplificativo podem-se criar outros meios ou
ainda utilizar mais de uma das hipóteses sugeridos no artigo, uma vez que
neste encontramos diversos instrumentos, como, financeiros, administrativos e
jurídicos para restabelecer a empresa em crise.215
Como já visto, os credores que se submetiam aos efeitos da
concordata era apenas os credores quirografários, não podendo estes superar,
em valor, metade do ativo da empresa. Como a concordata era um favor legal,
tendo como pressuposto apenas os problemas de liquidez da empresa que o
requeria, não interessava se esta poderia adimplir com todas as obrigações
assumidas. Por este motivo é que os efeitos recaiam apenas sobre os créditos
sem garantia real, sendo o suficiente a dilação no prazo de pagamento, ou a
remissão parcial das dívidas, ou a conjunção das duas, pois os créditos com
garantia real seriam cobrados mediante execução própria. As obrigações
fiscais e trabalhistas ficavam fora do quadro geral da concordata, dada as
prioridades que a legislação dava a estas.216
O artigo 49 da Lei 11.101/2005 sujeita aos efeitos da recuperação
judicial todas as obrigações existentes a época do pedido de recuperação, não
interessando sua natureza, nem se há garantia ou não. A inclusão de todas as
obrigações vencidas e vincendas aos efeitos da recuperação se deve ao
objetivo da lei que é a preservação da empresa e da atividade, buscando dessa
forma a disposta entre credores de diferentes classes.217
A desoneração de qualquer ônus e obrigações quando da alienação
de filiais ou unidades produtivas da empresa em crise no processo de
recuperação é uma das mais importantes inovações da Lei 11.101/2005. Pois
como Eduardo Secchi Munhoz218 ressalta:
A sucessão das obrigações trabalhistas e, sobretudo, das tributárias, no sistema anterior, inviabilizava a manutenção da unidade produtiva (da empresa) viável nas mãos de terceiro, em detrimento do interesse
215 ULHOA COELHO, Fábio. Comentários à nova lei de falências e de recuperação de empresas: (Lei n. 11.101, de 9-2-2005). 2º edição, revisada. São Paulo: Saraiva, 2005, p.134.216 SECCHI MUNHOZ, Eduardo. Introdução da obra: Comentários à Lei de Recuperação de Empresas e Falência: Lei n. 11.101/2005, coordenação de Francisco Satiro de Souza Junior e Antônio Sérgio A. de Moraes Pitombo. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, p. 228.217 SECCHI MUNHOZ, loc cit.218 Ibidem, p. 297.
dos trabalhadores e credores (inclusive do próprio fisco) do devedor anterior.
No regime do Decreto – lei 7.661/45 o legislador não diferenciava a
empresa da figura do empresário, acabando por penitenciar a empresa pelas
obrigações não adimplidas pelo empresário. Com o fim da sucessão tributária e
trabalhista nas alienações efetivadas dentro do processo de recuperação
judicial permite que a empresa seja transferida para um novo empresário,
“obtendo-se dessa forma recursos que podem ser utilizados para o pagamento
das obrigações do devedor, inclusive as trabalhistas e tributárias219”. O artigo
60 da Lei 11.101/2005 é o reconhecimento pelo ordenamento jurídico brasileiro
da distinção entre empresa e a figura do empresário; devendo as obrigações
do empresário adquiridas por ele ao longo da sua atividade empresarial
permanecer sob sua responsabilidade, não comprometendo, assim, a
continuidade da empresa sob o comando de terceiro.
A alienação deve constar do plano de recuperação apresentado aos
credores e juiz, bem como deve respeitar os artigos 141 e 142 da Lei. Assim
como a sucessão dos ônus será aplicada quando o arrematante for:
(i) sócio do devedor ou sociedade por ele controlada; (ii) parente, em linha reta ou colateral até o 4º grau, consangüíneo ou afim, do devedor ou de sócio do devedor; (iii) identificado como agente do devedor com o objetivo de fraudar a lei (art. 141, § 1º).220
As modalidades para efetuar a alienação, a qual deverá ser judicial,
são: leilão, por lances orais; propostas fechadas e pregão.221 Sendo a
alienação por hasta pública obrigatória, pois este visa evitar a venda direta a
terceiros estabelecido no plano de recuperação, dando assim mais segurança
aos credores de que a venda não consiste em uma fraude.222
O artigo 198 da Lei 11.101/2005 manteve as proibições existentes no
Decreto – lei 7.661/45, ou seja, os devedores que não podiam requerer a
concordata ficaram impedidos de requerer a recuperação judicial. Os
219 SECCHI MUNHOZ, Eduardo. Introdução da obra: Comentários à Lei de Recuperação de Empresas e Falência: Lei n. 11.101/2005, coordenação de Francisco Satiro de Souza Junior e Antônio Sérgio A. de Moraes Pitombo. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, p. 297-298.220 SECCHI MUNHOZ, loc cit.221 SECCHI MUNHOZ, loc cit.222 ULHOA COELHO, Fábio. Comentários à nova lei de falências e de recuperação de empresas: (Lei n. 11.101, de 9-2-2005). 7º edição, revisada. São Paulo: Saraiva, 2010, p.60.
impedimentos referentes à natureza da atividade são pertinentes aos
empresários223:
(i) instituições financeiras (art. 45, § único, da Lei 4.595/1964) e entidades legalmente equiparadas; (ii) empresas integrantes do sistema de distribuição de títulos ou valores mobiliários no mercado de capitais (art. 53 d Lei 6.024/1974); (iii) sociedades seguradoras (art. 26 do Dec. – lei 73/1966); (iv) empresas de capitalização (art. 4º do Dec. – lei 261/1967); (v) operadoras de planos privados de assistência à saúde (art. 23 da Lei 9.656/1998); (vi) entidades fechadas de previdência complementar (art. 47 da LC 109/2001); e (vii) entidades abertas de previdência complementar (art. 77 do Dec. 81.402/1978).
Antes da entrada em vigor da Lei 11.101/2005 as empresas
exploradoras de serviços aéreos de qualquer natureza ou espécie aeronáutica
eram proibidas de requerer a concordata, mas a nova Lei dispôs em contrario,
permitindo, dessa forma, que empresas desta natureza ingressem com o
pedido de recuperação judicial.224 Está modificação está disposto no artigo 199
da nova lei, tendo sido os parágrafos adicionados quando da promulgação da
Lei 11.196, de 21 de novembro de 2005, os quais não tratam de matéria
transitória, mas sim dos contratos de locação, arrendamento mercantil ou
outros similares de aeronaves ou de suas partes, as quais deverão ser
cumpridas de acordo com as suas cláusulas. Fábio Ulho Coelha225 dá como
exemplo:
Se uma dessas cláusulas possibilitar ao arrendador rescindir o arrendamento e exigir a devolução da aeronave, em caso de falência ou recuperação judicial da empresa de aviação arrendatária, o exercício deste direito não ficará suspenso em hipótese nenhuma. Por outro lado, se o contrato estabelecer o contrário, o exercício do direito da arrendatária em recuperação ou da massa falida de continuar arrendando a aeronave também não poderá ser suspenso.
Estes foram mais algumas das mudanças trazidas pela Lei
11.101/2005 que devem ser analisadas com cuidado, pois podem trazer muitos
benefícios as empresas em crise.
2.1 Institutos
223 ADAMEK, Marcelo Vieira von. Introdução da obra: Comentários à Lei de Recuperação de Empresas e Falência: Lei n. 11.101/2005, coordenação de Francisco Satiro de Souza Junior e Antônio Sérgio A. de Moraes Pitombo. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, p. 640.224 ADAMEK, Marcelo Vieira von, loc cit.225 ULHOA COELHO, Fábio. Comentários à nova lei de falências e de recuperação de empresas: (Lei n. 11.101, de 9-2-2005). 7º edição, revisada. São Paulo: Saraiva, 2010, p.479.
Como já foi visto a Lei 11.101/05 busca preservar não apenas o credor,
mas, também, os demais interessados envolvidos na constituição da empresa
em crise, como os investidores, trabalhadores, consumidores, comunidade
local, enfim, a coletividade em geral, devendo-se buscar a recuperação judicial
sempre que está se demonstrar mais benéfica a sociedade.226 Como Eduardo
Secchi Munhoz ressalta227:
Em princípio, poder-se-ia imaginar que tal solução estaria em conflito com o interesse dos credores. Essa observação, porém, não corresponde à realidade, na maior parte das vezes, pois os credores também podem ser beneficiados pela recuperação; isso sempre ocorrerá quando a continuidade da empresa aumentar a probabilidade de recuperação de créditos e o valor respectivo em comparação com o que se obteria no processo de liquidação. “Considere-se, ainda, a possibilidade de o credor continuar a fazer negócios com a empresa recuperada”.
A busca da preservação da empresa, reconhecendo, assim, os
interesses não só dos credores como, também, os da coletividade em geral,
denota a discussão se a nova Lei proporcionou ao juiz mais poder de decisão.
Pois, como já foi visto, o art. 47 da Lei 11.101/05 dá a possibilidade ao juiz,
caso o plano de recuperação não seja aprovado pela assembléia geral de
credores, aprovar o plano uma vez que seja reconhecida a função social da
empresa.
O dispositivo referido tem divergido a doutrina quanto a sua
interpretação, pois alguns acreditam que este não dá ao juiz a faculdade de
aceitar ou não a recuperação judicial. Pois uma vez preenchidos os requisitos
da lei e aprovado o plano de recuperação pela assembléia geral de credores o
juiz não tem nada a fazer a não ser conceder o benefício. 228
Para Eduardo Secchi Munhoz229 o juiz apenas homologa a vontade dos
credores; o juiz procede apenas verificação dos aspectos formais da atuação
da assembléia de credores, de acordo com o doutrinador:
226 MUNHOZ, Eduardo Secchi. Anotações sobre os limites do poder jurisdicional na apreciação do plano de recuperação judicial. Revista de Direito Bancário e do Mercado de Capitais, São Paulo, v.10, n. 36. p. 189, abr./jun.2007.227 MUNHOZ, loc cit.228 MUNHOZ, Eduardo Secchi. Anotações sobre os limites do poder jurisdicional na apreciação do plano de recuperação judicial. Revista de Direito Bancário e do Mercado de Capitais, São Paulo, v.10, n. 36. p. 189, abr./jun.2007.229 MUNHOZ, loc cit.
Não há, portanto, como estabelecer qualquer espécie de conflito entre a deliberação da assembléia de credores e o juiz, ainda que, na opinião deste, o plano aceito seja ruim. O juiz não examina o conteúdo do plano aceito; assim como não examina o conteúdo dos acordos que ele homologa freqüentemente no processo.
Mas há alguns doutrinadores que defendem que o juiz tem poder de
decisão, podendo aprovar o plano quando este for recusado pela assembléia,
desde que respeitado os fundamentos e objetivos do artigo 47 da Lei
11.101/2005, assim como pode indeferir a recuperação se entender que os
mesmos fundamentos e objetivos foram violados.230
Devem-se buscar soluções procedimentais para resolver este dilema,
permitindo assim uma interferência jurisdicional toda vez que o juiz identificar o
desvio dos credores dos objetivos determinados no artigo 47, já que este é
uma cláusula e necessita de interpretação por parte do juiz. Ao juiz cabe o
“papel de presidente do processo de negociação e de arbitro dos eventuais
desvios de rota que possam comprometer o atendimento dos objetivos
definidos pelo legislador231”.
O juiz deve buscar instrumentos que possibilitem que este interfira na
vontade dos credores e devedor, para que assim possa garantir a função
pública da respectiva lei. Um desses instrumentos poderia ser a teoria do
conflito de interesses, pois esta teoria que é pedra angular no direito societário
poderia ser adaptada para o instituto da recuperação judicial.232
Quando da transposição da teoria do conflito para a recuperação
judicial devemos afastar a figura do conflito formal, o qual decorre da proibição
do direito de voto, isto porque todo devedor encontra-se em conflito formal com
os credores, estes devem proferir seu voto na assembléia geral de credores
para que a recuperação judicial se realize. Pois o credor vota com o intuito de
satisfazer o seu crédito perante o devedor.233
230 MUNHOZ, loc cit.231 MUNHOZ, loc cit.232 MUNHOZ, Eduardo Secchi. Anotações sobre os limites do poder jurisdicional na apreciação do plano de recuperação judicial. Revista de Direito Bancário e do Mercado de Capitais, São Paulo, v.10, n. 36. p. 191, abr./jun.2007.233 MUNHOZ, loc cit.
Já o conflito material poderia dar-se em função do interesse da
coletividade de credores, o que não se confundiria com a preservação da
empresa, mas sim com “otimização da satisfação dos seus respectivos
créditos234”. Dessa forma o voto do credor na assembléia geral de credores se
tornaria um dever - poder235, não podendo o credor votar pensando apenas
nele, mas também levando em consideração o interesse de todos os credores.
Podendo o juiz, caso identificasse o desvio do interesse da coletividade por
parte de algum credor, anular seu voto. Conforme Eduardo Secchi Munhoz236:
A transposição da teoria do conflito do direito societário para o direito falimentar implicaria, portanto, sérias modificações e limitações, ficando sua utilidade restrita às hipóteses em que o credor votasse na recuperação judicial não em vista do seu interesse na satisfação do crédito, mas em prol de um eventual interesse em relação ao devedor.
A lei não utilizou a teoria ao disciplinar a assembléia geral de credores,
mas este não impede que se faça uso deste através da interpretação
sistemática e teleológica do texto legal, sempre com as devidas adaptações,
tornando-se, assim, em um instrumento de intervenção por parte do juiz na
aprovação ou não do plano de recuperação judicial.237
O entendimento de Rita de Cássia Espolador238 sobre o poder de
decidir do juiz é:
Com efeito, o magistrado será, na condição de representante do
Poder Judiciário, a alavanca na interpretação e no conhecimento
prático da legislação, saindo da mera passividade, fruto da obsoleta
legislação revogada de 1945, e ainda do sistema do Código
napoleônico de 1807, aliado ao excesso de processualismo,
movimentando-se para o campo ativo de um procedimento concursal
destinado à solução dos conflitos, e não propriamente à criação de
incidentes.
234 MUNHOZ, loc cit.235 MUNHOZ, loc cit.236 MUNHOZ, loc cit.237 MUNHOZ, Eduardo Secchi. Anotações sobre os limites do poder jurisdicional na apreciação do plano de recuperação judicial. Revista de Direito Bancário e do Mercado de Capitais, São Paulo, v.10, n. 36. p. 191, abr./jun.2007.238 ESPOLADOR, Rita de Cássia Resquetti Tarifa. Direito empresarial e trabalhista, São Paulo: Pearson Prentice Hall, 2009, p. 80
Apesar da liberdade dada ao judiciário nas decisões dos pedidos de
recuperação judicial, este não poderá se afastar dos princípios norteadores da
Lei 11.101/2005, buscando sempre a redução dos conflitos entre credores e
devedor.239
Essa possibilidade oportunizada ao juiz, de ter maior discricionariedade
em relação ao deferimento ou não da recuperação judicial exigirá que os
magistrados busquem a renovação de seus conhecimentos, “entenda os
mecanismos de mercado, transmita segurança e se dedique integralmente à
recuperação, enquanto os tribunais, com agilidade e eficiência, processam e
julgam os recursos240”.
Quando se fala no poder de decidir do juiz não se pode esquecer que
este não leva em consideração apenas as normas e o preenchimento destas
quando toma a decisão final, até porque, como foi visto, alguns doutrinadores
acreditam que a Lei 11.101/2005 garantiu ao juiz a chance de poder intervir no
deferimento ou não da recuperação judicial. Mas para que possa ocorrer está
intervenção é necessário, conforme o artigo 47 da lei que o juiz identifique a
função social da empresa, sendo este subjetivo, o que chamam de cláusula
geral.
A cláusula geral evita o engessamento da norma, faz com que o
significado do artigo esteja de acordo com os acontecimentos de cada época,
mas a questão é: até onde a cláusula aberta interfere na segurança jurídica?
Pois será o juiz quem irá definir o que é função social e qual a empresa que a
possuí.
Para Luciano Felix do Amaral e Silva241:
A atuação do juiz na aplicação das cláusulas gerais sempre encontrará sua origem na lei e estará sempre condicionada a um juízo marcado pela razoabilidade.
239 Ibidem, p. 81-83.240 ESPOLADOR, loc cit.241 SILVA, Luciano Felix do Amaral. Princípios norteadores da intervenção judicial no contrato normas abertas versus segurança jurídica. Revista de Direito Privado, São Paulo, v.10, n. 37. p. 132, jan./mar.2009.
Os ensinamentos de Nelson Nery Junior e Rosa Maria Andrade Nery242
não são diferentes, como se pode ver:
Princípios gerais de direito são regras que norteiam o juiz na
interpretação da relação jurídica discutida em juízo. Os conceitos
legais indeterminados e as cláusulas gerais são enunciações
abstratas feitas pela lei, que exigem valoração para que o juiz possa
preencher o seu conteúdo. Preenchido o conteúdo valorativo por obra
do juiz, este decidirá de acordo com a conseqüência previamente
estabelecida pela lei (conceito legal indeterminado) ou construirá a
solução que lhe parecer a mais adequada para o caso concreto
(cláusula geral).
A aplicação de valores e princípios, como a função social da empresa
encontrada nas cláusulas gerais não são antagônicas ao objetivo da
recuperação judicial, tanto que em certas situações tais valores e princípios
devem prevalecer, sem, contudo, aniquilar os demais.243
As cláusulas abertas podem gerar insegurança jurídica, pois
outorgariam ao juiz um enorme poder de decisão, o que poderia se traduzir em
juízes arbitrários, mas está não encontra amparo nas decisões emanadas pelo
judiciário, alias as decisões encontradas são até tímidas “diante do poder de
integração proporcionado pelas cláusulas gerais244”. Neste sentido:
É importante ressaltar que atuação do juiz no preenchimento das cláusulas gerais (e das normas de tipo aberto em geral) e no cumprimento das suas diretrizes só será legítima nos limites da legalidade, da razoabilidade e da segurança jurídica.245
O juiz deve respeitar os princípios fundamentais que estão presentes
na Constituição Federal do país, pois a Constituição “é o ato do poder
constituinte originário, sendo a fonte inicial de todo o ordenamento jurídico
pátrio246”. Não havendo como as normas ou o judiciário fugir de sua
supremacia.
242 SILVA, loc cit.243 SILVA, Luciano Felix do Amaral. Princípios norteadores da intervenção judicial no contrato normas abertas versus segurança jurídica. Revista de Direito Privado, São Paulo, v.10, n. 37. p. 132, jan./mar.2009.244 SILVA, loc cit.245 SILVA, loc cit.246 BORGES NETO, André. A supremacia hierárquica das normas constitucionais. Ciência e Direito: Revista Jurídica da FIC-UNAES, Campo Grande, v.1, n. 1. p. 27, maio/out. 1998.
A aplicação e garantia dos princípios e regras constitucionais trazem
aos indivíduos certeza e segurança jurídica de que o Estado está agindo de
acordo com o preconizado pela lei maior.
Para André Borges Neto247:
Constituição, portanto, vista como um documento jurídico que abriga no seu seio as normas supremas da comunidade, por ser documento jurídico que contém normas superiores às demais, que submetem governantes e governados ao seu império, servindo de limite jurídico ao Poder, vem a ser, na definição abrangente de Dalmo de Abreu Dallari, “a declaração da vontade política de um povo, feita de modo solene por meio de uma lei que é superior a todas as outras e que, visando a proteção e a promoção da dignidade da pessoa humana, estabelece os direitos e as responsabilidades fundamentais dos indivíduos, dos grupos sociais, do povo e governo”.
Devendo desta forma tanto juízes quanto legislador, ao proferir a lei
verificar se esta encontra-se de acordo com a carta magna, não sendo
prejudiciais à segurança jurídica as cláusulas gerais e nem o maior poder de
decisão dado juiz através destas, pois estas vêm beneficiar a coletividade em
geral.
Conforme Rachel Sztajn248:
As boas intenções do legislador requerem, contudo, que se tenha presente aspectos econômicos que ficam subjacentes às normas legais, que se respeite o critério da eficiência e que o aplicador da Lei não se deixe levar por motivações ideológicas assistencialistas em que a preservação de atividades inviáveis seja deferida para atender a alguns interesses de certa parcela da sociedade (civil).
2.2 Análise das Manifestações do Judiciário
Demonstrou-se, no decorrer do presente trabalho, que o Decreto – lei
7.661/45 estava obsoleto. O instituto da falência clamava por renovações, as
quais vieram através da promulgação da Lei 11.101/2005, que trouxe um
instituto novo, o da recuperação judicial, tendo o legislador, através deste
atendido ao mandamento constitucional da função social da empresa,
propiciando desta forma, mecanismos que retire a empresa da crise.
247 BORGES NETO, loc cit.248 SZTAJN, Rachel. Introdução da obra: Comentário à lei de recuperação de empresas e falência: Lei 11.101/2005, coordenação de Francisco Satiro de Souza Junior e Antônio Sérgio A. de Moraes Pitombo. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, p. 222.
Apesar de a Lei ser voltada à recuperação da empresa, encontramos
nela alguns pontos antagônicos, dispositivos dispares à realização dos
objetivos mencionados. Um destes dispositivos é do artigo 57, o qual prevê que
o devedor deve apresentar certidões de quitação de tributos para que a
recuperação judicial seja conferida. A concessão do benefício é condicionada a
este artigo e não sendo atendida provoca o indeferimento da recuperação
judicial, ou seja, a prova de regularidade fiscal acaba com os objetivos da lei,
pois boa parte, se não todas, as empresas que se encontram em crise devem
tributos, tornando para a maioria das empresas inviável requerer a recuperação
judicial sob esta condição.
Para tanto alguns juízes devem conceder a recuperação judicial
mesmo sem apresentação das certidões negativas de débitos tributários. Uma
das primeiras decisões neste sentido foi proferida pelo juiz Luiz Henrique
Miranda, da 1º Vara Cível da comarca de Ponta Grossa, no estado do Paraná,
nos autos do processo nº 390/2005. O juiz manifestou-se em sentença desta
forma249:
Como é sabido, o instituto da recuperação judicial foi inspirado no princípio constitucional da função social da empresa, que por sua vez, se coliga com o princípio da dignidade da pessoa humana. (...)
Nessa ordem de idéias, o instituto da recuperação judicial se apresenta como um mecanismo voltado à preservação de uma empresa que atende a uma função social e que, por circunstâncias acidentais, entra em crise econômico-financeira, mas que, apesar disso, se mostra viável dependendo apenas de ajustes na sua rotina administrativa e de algumas concessões por parte dos credores para se reerguer e voltar a operar de forma saudável para o mercado. (...)
Na realidade, a subordinação do deferimento da recuperação judicial à apresentação de certidões negativas de débitos tributários colide com os princípios constitucionais antes mencionados na medida em que inviabiliza a salvação da empresa, entendimento do qual não discrepa a doutrina. (...)
Enfim, a exigência de apresentação de certidões negativas – que, na prática, equivale a impor ao empresário estar em dia com as obrigações fiscais e previdenciárias – inviabiliza a recuperação judicial. Fazendo-o, conflita com o princípio constitucional da função social da empresa e com os outros que a ele se ligam, entre os quais o da dignidade da pessoa humana. (...)
249 CARVALHO DA SILVA, Ronny. Lei de Recuperação de Empresas e sua necessária interpretação principiológica como único meio à consecução de seu objetivo jurídico colimado. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=7900>. Acesso em 24 de janeiro de 2010.
Sintetizando, a exigência de apresentação de certidões comprobatórias de inexistência de débitos junto ao fisco e à previdência, feita pelo artigo 57 da Lei 11.101/2005, ofende o princípio constitucional da função social da empresa, malfere o princípio da razoabilidade e agride garantias constitucionais ao devido processo legal, ao contraditório e à ampla defesa dadas ao contribuinte.
Por tal razão, deve a Autora ser dispensada do cumprimento dessa mesma exigência, e, porque preenchidos os demais requisitos legais, ao que se soma a aprovação unânime dos credores que compareceram à assembléia-geral ao plano de recuperação deve ser deferido o pedido inicial
O juiz buscou, antes de atender o que lei infraconstitucional requer, o
que a constituição e seus princípios ditam. Como Ronny Carvalho da Silva250,
refere em artigo:
Realmente, o princípio tem caráter de norma, contudo é dinâmica, diferentemente da lei, cuja aplicação ao caso concreto, em muitas das vezes resta prejudicada, tendo em vista apresentar-se retrógrada – por não acompanhar a evolução social –, ou protecionista, por ser um afloramento de interesses de setores da sociedade ou do próprio Poder Público, que de diversas maneiras agride constantemente os direitos e garantias fundamentais.
Outro caso que o juiz não exigiu a certidão negativa de débito tributário
para concessão do benefício o foi a da empresa Parmalat, tendo sido a
sentença prolata pelo juiz Alves Lazarini, da 1º Vara de Recuperação Judicial
de São Paulo, tendo ele se baseado nos princípios da própria lei, bem como
nos princípios constitucionais, tendo sido o Ministério Público e o administrador
judicial favoráveis ao deferimento da recuperação judicial sem a apresentação
das certidões negativas tributárias. É o parecer do Ministério Público, elaborado
por seu representante Alberto Camiña Moreira251, nos autos do processo da
Parmalat:
Em relação à exigência do art. 57 da Lei 11.101/05 e artigo 191-A do CTN: a) trata-se de sanção política, profligada pela jurisprudência dos tribunais; b) fere o princípio da proporcionalidade, e, por isso, são insubsistentes; c) o descumprimento não acarreta a falência, conseqüência não desejada pela lei; d) a jurisprudência de nossos tribunais, historicamente, desprezou exigências fiscais de empresas
250 CARVALHO DA SILVA, Ronny. Lei de Recuperação de Empresas e sua necessária interpretação principiológica como único meio à consecução de seu objetivo jurídico colimado. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=7900>. Acesso em 24 de janeiro de 2010.251 COSTA, Priscyla. Justiça homologa plano de recuperação judcial da Parmalat. Disponível em :<http://www.conjur.com.br/2006-fev-03/justica_homologa_plano_recuperacao_parmalat>. Acesso em 20 de maio de 2010.
em crise econômica, sem que isso represente proibição de cobrança de tributos pelas vias próprias. (fl. 5793)
Na sentença o juiz que concedeu o pedido de recuperação judicial a
Parmalat, buscou nos ensinamento de Manoel Justino Bezerra Filho apoio
doutrinário para sua decisão de deferir o pedido sem a obrigatoriedade de
juntar as certidões negativas tributárias, sendo este ensinamento252:
Aliás, neste ponto, a Lei não aproveitou o ensinamento que os 60 anos de vigência do Dec.-lei 7.661/45 trouxeram, a partir do exame do art. 174 daquela lei. Este artigo exigia que, para que a concordata fosse julgada cumprida, o devedor apresentasse comprovação de que havia pago todos os impostos, sob pena de falência. Tal disposição, de praticamente impossível cumprimento, redundou na criação jurisprudencial que admitia o pedido de desistência da concordata, embora sem expressa previsão legal. E a jurisprudência assim se firmou,porque exigir o cumprimento daquele art. 174 seria levar a empresa, certamente, à falência. Sem embargo de tudo isto, este art. 57, acoplado ao art. 49, repete o erro de trazer obrigações de impossível cumprimento para sociedades empresárias em crise.
A Varig ao requerer a recuperação judicial também não necessitou
apresentar as certidões negativas tributárias, demonstrando que as decisões
vêm pacificando o entendimento de que este requisito não traz benefícios às
empresas e nem a próprio fisco. O juiz que proferiu a sentença favorável à
Parmalat ainda analisa o ponto econômico, buscando no trabalho de Marcos de
Barros Lisboa, antigo Secretário de Política Econômica do Ministério da
Fazenda a seguinte colocação253:
“O Fisco colabora com a recuperação da empresa mediante o parcelamento dos créditos tributários”, fixando norma determinando “que as Receitas de cada ente federativo criem regras específicas sobre o parcelamento de dívidas tributárias para empresas em recuperação de empresas”, como forma de ajudar a recuperação judicial, já que dela não participa, “estabelecendo uma dilatação dos prazos para pagamento, aliviando as necessidades de fluxo de caixa da empresa e propiciando a regularização de sua situação fiscal”.
Assim sendo, o fisco possui mais possibilidades de receber seu crédito
com a recuperação da empresa do que se essa vier a falir por não ter como
cumprir o requisito do artigo 57 da Lei 11.101/2005.
252 COSTA, Priscyla. Justiça homologa plano de recuperação judcial da Parmalat. Disponível em :<http://www.conjur.com.br/2006-fev-03/justica_homologa_plano_recuperacao_parmalat>. Acesso em 20 de maio de 2010.253 COSTA, loc cit.
Outra questão de extrema importância que a lei 11.101/2005 traz é a
eliminação da sucessão trabalhista e fiscal quando da alienação de ativos da
empresa, quando esta se encontra em recuperação judicial. As orientações
doutrinárias sobre o assunto são diversas, e no momento ainda não há
manifestações dos tribunais superiores que direcionem as decisões para uma
mesma interpretação, estando esta em formação.
Mas o Superior Tribunal de Justiça no Conflito de Competência nº
61.272 – RJ (2006/0077383-7), referente à recuperação judicial da Varig S/A,
manifesta-se sobre de quem é a competência pra decidir se há ou não
sucessão trabalhista. No presente caso o juiz do trabalho se declarou
competente para dispor do patrimônio da empresa em recuperação judicial,
bem o qual foi arrematado em leilão, onde constava no edital que o
arrematante não responderia pelas obrigações trabalhistas da Varig S/A,
cabendo ao arrematante apenas as obrigações discriminadas no edital do
leilão. De acordo com o relator o Ministro Ari Pargendler254:
Há incompatibilidade prática entre essas decisões, porque uma não pode ser executada sem prejuízo da outra – resultando disso, evidentemente, um conflito de competência; deve prevalecer a decisão do juiz competente.
O Ministro relembrou que o Superior Tribunal de Justiça já havia
passado por situação semelhante, o qual foi decido pela 3ª Turma, tendo sido
ele o relator, da seguinte forma:
COMERCIAL. FALÊNCIA. PRAÇA. Os bens arrecadados pelo síndico da massa falida estão sujeitos à jurisdição do juiz da falência; Revista da Escola Nacional de Magistratura, v. 2, n. 5, abr. 200898 Revista ENM nenhum outro pode designar praça para a alienação dos aludidos bens sem invadir a competência daquele. Caso em que o ato de arrecadação foi registrado no Ofício Imobiliário. Recurso especial conhecido e provido” (DJ, 18/12/2006).255
O Ministro ressalta:
254 AYOUB, Luís Roberto. Recuperação de empresas: uma lei de estímulos e atrativos – reflexões gerais. Disponível em: <http://bdjur.stj.gov.br/xmlui/bitstream/handle/2011/21445/recuperacao_empresas.pdf?sequence=1>. Acesso em 22 de fevereiro de 2010.255 AYOUB, Luís Roberto. Recuperação de empresas: uma lei de estímulos e atrativos – reflexões gerais. Disponível em: <http://bdjur.stj.gov.br/xmlui/bitstream/handle/2011/21445/recuperacao_empresas.pdf?sequence=1>. Acesso em 22 de fevereiro de 2010.
A situação seria diferente se o juiz do trabalho, antes da ultimação do leilão processado pelo juiz de direito, tivesse suscitado conflito de competência para dispor sobre o respectivo objeto. Nesta altura, há terceiro, beneficiado pelo leilão, com interesses a proteger na jurisdição que lhe assegurou o direito de não responder por obrigações trabalhistas das empresas sujeitas à recuperação judicial.256
Por fim o Ministro declarou competência do Juiz de Direito da 1ª Vara
Empresarial do Rio de Janeiro, antiga 8ª Vara Empresarial do Rio de Janeiro,
eliminando desta forma a sucessão trabalhista e fiscal do arrematante,
confirmando “o propósito legal de emprestar atividade ao ativo que, com sua
alienação, emprestara recursos para a tentativa de reorganização da empresa
em dificuldades momentâneas257”.
Sobre a sucessão fiscal o Ministro segue o disposto na Lei
Complementar nº 118, o qual prevê a não sucessão dos créditos fiscais por
parte do comprador da filial da empresa em crise, e ainda complementa258:
É evidente que ninguém estará interessado em adquirir qualquer unidade produtiva quando acompanhada do passivo fiscal. Não haverá mercado nem investidor para tanto. Não se manterão os empregos. Outros não serão criados. Com isso, o país perde porquanto riquezas não serão geradas, trazendo evidentes prejuízos para o próprio fisco, que deixará de arrecadar com o desaparecimento da empresa.
O Conflito de Competência nº 101.552 – AL (2008/0272295-5) que foi
julgado pelo Superior Tribunal de Justiça, o qual teve o Senhor Ministro Honildo
Amaral de Mello Castro como relator, trata-se da suspensão pelo período de
180 dias das ações de execuções, por força do artigo 6º, caput da Lei
11.101/2005. O juízo que deferiu o pedido de recuperação judicial informou ao
Tribunal de São Paulo e Rio de Janeiro que estes deviam suspender as ações
de execução contra o devedor, o qual foi atendido. Entende o Relator que estes
devem sim ser suspensos, de acordo com o Ministro:
O destino do patrimônio da empresa-ré em processo de recuperação judicial não pode ser atingido por decisões prolatadas por juízo diverso daquele da Recuperação, sob pena de prejudicar o funcionamento do estabelecimento, comprometendo o sucesso de seu plano de recuperação.
256 AYOUB, loc cit.257 AYOUB, loc cit.258 AYOUB, loc cit.
Em sua decisão o Relator cita os ensinamentos de Marcelo M. Bortoldi
e Marcia Carla Pereira Ribeiro:
O juízo universal da recuperação judicial está vinculado aos princípios da universalidade e da unidade. Uma vez concedida, será aberto um leque de procedimentos que estarão sujeitos a uma direção única. O principio da unidade tem por finalidade a eficiência do processo, evitar repetições de atos e contradições. Seria inviável mais de uma recuperação, por isso a exigência da lei de um único processo para o mesmo devedor. O principio da universalidade está na previsão de um só juízo para todas as medidas judiciais, todos os atos relativos ao devedor empresário. Todas as ações e processos estarão na competência do juízo da recuperação (...)" ( in Curso Avançado de Direito Comercial - 3ª edição - RT - 2006. p.462).
O Ministro ainda refere que a liberação dos bens arrestados pelo
Tribunal de São Paulo e Rio de Janeiro é de competência do juízo da
recuperação, pois a ele cabe a supervisão do processo de recuperação judicial,
buscando, assim, a melhor forma de sanar a crise econômica – financeira por
qual a empresa passa.
O Ministro ainda citou outra decisão com o mesmo entendimento, de
que a suspensão das execuções é essencial para a recuperação judicial da
empresa em crise, sendo esta decisão do Superior Tribunal de Justiça, Conflito
de Competência nº 79170 – SP, Relator Senhor Ministro Castro Meira.
Entendem também os Ministros de que se deve privilegiar o principio
da preservação da empresa, o qual está previsto no artigo 47 da Lei, mantendo
assim o ativo da empresa em crise livre de qualquer constrição, facilitando
assim o cumprimento do plano de recuperação.
Estas decisões demonstram que a Lei 1.101/2005 possui muitos
pontos controversos, os quais serão dirimidos com o tempo pelos tribunais,
mas já se visualiza a busca pela manutenção da empresa, o qual é um dos
principais objetivos da nova lei, demonstrando assim sua importância e
demonstrando a possibilidade da consagração dos princípios da preservação e
função social da empresa.
CONCLUSÃO
No transcorrer do trabalho foi possível observar as transformações
sofridas no instituto da falência com a promulgação da Lei 11.101/2005, a qual
veio substituir o Decreto – lei 7.661/1945, trazendo consigo figuras novas,
como a recuperação judicial da empresa, e suprimindo outras como a
concordata suspensiva.
Para Fábio Ulhoa Coelho259 as principais diferenças entre a concordata,
prevista no Decreto – lei 7.661/45 e a Recuperação Judicial da Lei 11.101/2005
são:
a) a concordata é um direito a que tinha acesso todo empresário que preenchesse as condições da lei, independentemente da viabilidade de sua recuperação econômica, mas à recuperação judicial só tem
259ULHOA COELHO Fábio. Comentários à nova lei de falências e de recuperação de empresas: (Lei n. 11.101, de 9-2-2005). 2º edição, revisada. São Paulo: Saraiva, 2005, p.XL.
acesso o empresário cuja atividade econômica possa ser reorganizada; b) enquanto a concordata produz efeito somente em relação aos credores quirografários, a recuperação judicial sujeita todos os credores, inclusive os que titularizam privilégio ou preferência (a única limitação legal é o pagamento das dívidas trabalhistas em no máximo 1 ano), exceto os fiscais (que devem ser pagos ou parcelados antes da concessão do beneficio); c) o sacrifício imposto aos credores, na concordata, já vem definido na lei (dividendo mínimo) e é da unilateral escolha do devedor, ao passo que, na recuperação judicial, o sacrifício, se houver, deve ser delimitado no plano de recuperação, sem qualquer limitação legal, e deve ser aprovado por todas as classes de credores.
Uma das principais características trazidas pelo novo instituto é o
reconhecimento da função social da empresa como forma de impor aos
credores o plano reorganizativo da empresa pelo juiz. Isto se dá porque o
principal objetivo da lei a preservação da empresa, podendo o juízo através do
reconhecimento da função social da empresa evitar que uma empresa em
condições de se recuperar acabe por não conseguir o benefício devido a
ganância dos credores.
Durante a vigência do Decreto – lei observou-se que a soma de
esforços do devedor, dos credores e do Poder Judiciário pode levar a uma
vitoriosa reestruturação financeira da empresa.
Devido às alterações do cenário socioeconômico o instituto da falência
teve sua concepção atualizada para os novos caminhos que estavam sendo
apontados, o qual era voltar-se para o desenvolvimento do comércio e da
atividade empresária em geral, ou seja, buscar, sempre que for possível,
preservar a empresa. Esta busca não pode ser cega, deve ser analisada a
viabilidade da recuperação da empresa, como assevera a estudiosa Rita de
Cássia Espolador260:
Em suma, o espírito da nova lei – que o magistrado há que entender – não é preservar a empresa a qualquer custo. Se os ativos podem ser alocados a outros usos mais eficientes, o papel do magistrado é presidir sobre esse processo de forma célere, determinando a convolação da recuperação em falência. Empresas viáveis devem permanecer em operação, e as inviáveis devem ter sua quebra – com a conseqüente alienação de seus ativos – implementada, com a menor perda possível para a sociedade.
260 ESPOLADOR, Rita de Cássia Resquetti Tarifa. Direito empresarial e trabalhista, São Paulo: Pearson Prentice Hall, 2009, p. 86
É preciso lembrar que nem sempre é possível buscar a preservação da
empresa, pois há situações em que a soma de esforços devem ser poupadas,
pois poderá trazer prejuízos maiores do que se decretada à falência da
empresa. A recuperação judicial da empresa deve ser usada de forma sensata,
devem se observar as reais condições da empresa em relação ao plano de
recuperação apresentado, pois se a recuperação for inviável, ao invés de
diminuir os custos sociais a recuperação trará prejuízos maiores ao envolvidos.
Conforme Rita de Cássia Espolador261:
Por que então será tão difícil resistir à tentação de manter empresas inviáveis indefinidamente em operação, ao arrepio de disposição expressa de lei? A resposta é óbvia: os prejudicados com a quebra estarão presentes no cotidiano do magistrado, enquanto os beneficiários da solução eficiente permanecerão invisíveis para os tribunais. O empregado demitido faz sua voz mais presente do que a do beneficiário do emprego que nem sequer foi criado. A responsabilidade do magistrado é grande: incumbe-lhe tanto recuperar as empresas viáveis quanto resistir a tentação de manter artificialmente em funcionamento das empresas que há muito deveriam ter saído do mercado. Nesse caso, o magistrado que adota a solução eficiente age como benfeitor do interesse difuso, das pessoas sem nome e rosto que, ainda sim, são afetadas profundamente por suas decisões.
É possível identificar que a Lei 11.101/2005 difere do Decreto – lei, por
que aquela exalta os interesses sociais ao permitir que uma empresa que se
encontra em crise econômica - financeira permaneça operando, incentivando,
assim, os empreendedores a dar continuidade ao ciclo produtivo, satisfazendo,
desta forma, seus interesses econômicos e mantendo o consumo da
comunidade.
Considerando as teorias contratualista e institucionalista é possível
identificar as duas na nova lei. Ainda se mantêm o interesse dos credores, mas
estes não são mais soberanos, pois agora é preciso respeitar alguns princípios
como a preservação da empresa, a função social da empresa, tendo estas em
comum a satisfação de interesses sociais, não interessa apenas a relação
devedor x credores, hoje se busca o equilíbrio desta relação com o que a
sociedade necessita e o quanto a extinção da empresa poderá prejudicá-la.
As principais características introduzidas pela Lei 11.101/2005, as
quais puderam ser visualizadas foram a flexibilização dos procedimentos
261 ESPOLADOR, loc cit.
preventivos; ampliação na participação dos credores no processo de
recuperação; maior amplitude nas possibilidades de acordo entre o devedor e
os credores; mitigação da função jurisdicional; adoção de novos mecanismos
para a superação das crises empresariais, e a simplificação dos
procedimentos.
É corriqueiro que o processo de aperfeiçoamento da legislação seja
lenta e gradual, diferente das mudanças ocorridas nas relações sociais e
econômicas. Desta forma cabe aos doutrinadores e Poder Judiciário fazer os
ajustes necessários para que a Lei 11.101/2005 seja aceita e respeitada, tendo
seus objetivos levados a sério. O instituto da recuperação judicial já está tendo
suas primeiras orientações práticas, as quais estão sendo dadas pelos juízes
dos tribunais competentes, como foi visto na análise das manifestações do
Judiciário. A adaptação da legislação já está ocorrendo.
Concluindo, a pesquisa entre autores eminentes, de expressão
nacional, e os acórdãos prolatados por juízes competentes, demonstra que a
recuperação judicial foi pensada para satisfazer a função social da empresa,
ela busca, acima de tudo, sua manutenção e preservação. Construindo através
da aplicação da lei e a devida interpretação de seus preceitos seu
enraizamento no direito empresarial, sobretudo, no direito falimentar brasileiro.
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