Post on 10-Aug-2015
PAVIMENTO URBANO: ADEQUAÇÃO AO USO
Reflexões a Propósito do Espaço Público no Contexto do
Centro Histórico de Lisboa
JOANA GONÇALVES PIMENTA
Dissertação para obtenção de Grau de Mestre em
ARQUITECTURA
Júri
Presidente: Professora Doutora Ana Cristina dos Santos Tostões
Orientador: Professor Doutor Pedro Filipe Pinheiro de Serpa Brandão
Vogal: Professora Ana Paula Patrícia Teixeira Ferreira Pinto Franca de Santana
Setembro 2008
i
PAVIMENTO URBANO: ADEQUAÇÃO AO USO
Reflexões a propósito do espaço público no contexto do centro histórico de Lisboa
RESUMO ANALÍTICO
O objectivo central desta dissertação é a necessidade de entender o papel que o pavimento
desempenha no espaço público da cidade, enquanto chão de muitas e variadas actividades
urbanas.
Para tal, o desenvolvimento do trabalho divide-se em três capítulos. No primeiro procede-se à
definição e enquadramento dos conceitos de espaço público e pavimento de forma a poder
delimitar o contexto em que se insere o tema. O segundo capítulo consiste na sistematização das
diferentes actividades, pedonais e viárias, e das tipologias de pavimento mais comuns nos
espaços públicos, permitindo ainda neste capítulo concluir sobre a adequação do pavimento ao
uso a que se destina. O terceiro e último capítulo do desenvolvimento corresponde à aplicação da
teoria a três casos de estudo integrados no Centro Histórico de Lisboa, em que é realizado um
breve enquadramento da zona de estudo seguido de uma análise baseada numa ficha de
avaliação que integra os diversos pontos descritos nas duas partes anteriores. No final desta parte
é ainda esboçada uma pequena proposta que visa definir premissas de intervenção tendo em
conta as diferentes características dos espaços analisados e o carácter que se quer evidenciar.
O leque de soluções de pavimento urbano estende-se muito além do que foi abordado ao longo do
desenvolvimento deste estudo, no entanto os exemplos analisados são suficientes para perceber
a forma como diferentes necessidades exigem diferentes respostas e portanto surgem diferentes
materiais e soluções.
PALAVRAS-CHAVE
Espaço Público, Pavimento, Actividades Urbanas e Adequação.
ii
CITY’S PAVEMENT: ADEQUACY TO ITS USE
Thoughts regarding public space in the context of Lisbon’s Historical Centre
ABSTRACT
The main purpose of this study is the need to understand the importance of pavement in the city’s
public space, since it’s the floor of so many and so different urban activities.
To reach this goal, the development of the present essay is divided in three chapters. The first one
is about defining and framing the concepts of public space and pavement in a way that turns clear
the context of the subject. The second chapter consists in a systematization of the different
activities, pedestrian and vehicular, and the types of pavement more common in public spaces,
thus allowing inferring about the adequacy of the pavement to its corresponding use. The third and
last chapter refers to the application of the theory developed to three case studies belonging to
Lisbon’s Historical Centre, in which there is a short framing of the area followed by an analysis
based on an evaluation plan that gathers all the different topics explained earlier in the text. To
conclude this practical part of the study it’s presented a small proposal that defines guide lines for
an intervention regarding the pavement of the same three case studies, in which its different
characteristics are analysed and its potential characters are determined.
In conclusion, the list of paving solutions is way wider than the one studied in this essay, although
these examples were enough to understand how different needs require different reactions thus
resulting in different materials and solutions.
KEYWORDS
Public Space, Pavement, Urban Activities e Adequacy.
1
ÍNDICE
Resumo Analítico........................................................................................................... i
Abstract ........................................................................................................................ ii
ÍNDICE .........................................................................................................................1
ÍNDICE DE FIGURAS ...................................................................................................4
ÍNDICE DE TABELAS...................................................................................................6
INTRODUÇÃO ........................................................................................................................7
CAPÍTULO I. CONCEITOS BASE E EVOLUÇÃO HISTÓRICA ....................................... 11
1. O ESPAÇO PÚBLICO ....................................................................................................... 11
1.1. DEFINIÇÃO DO CONCEITO ...................................................................................... 11
Carácter do Espaço Público ........................................................................................ 12
1.2. ENQUADRAMENTO DO TEMA NO CONTEXTO CONTEMPORÂNEO ...................... 14
Cidade Tradicional ...................................................................................................... 14
Cidade Contemporânea .............................................................................................. 14
Sustentabilidade ......................................................................................................... 17
1.3. DEFINIÇÃO DE TIPOLOGIAS DO ESPAÇO PÚBLICO EM FUNÇÃO DO SEU USO . 18
Espaços Lineares ....................................................................................................... 19
Espaços Não Lineares ................................................................................................ 21
Outras Tipologias........................................................................................................ 23
Espaços Emergentes .................................................................................................. 25
2. O PAVIMENTO ................................................................................................................. 25
2.1. DEFINIÇÃO DO CONCEITO ...................................................................................... 25
Carácter do Pavimento ............................................................................................... 27
2.2. ENQUADRAMENTO HISTÓRICO .............................................................................. 32
2.3. A CALÇADA PORTUGUESA...................................................................................... 35
CAPÍTULO II. ADEQUAÇÃO DO TIPO DE PAVIMENTO AO TIPO DE UTILIZAÇÃO ...... 39
1. TIPOS DE UTILIZAÇÃO DO ESPAÇO PÚBLICO .............................................................. 39
1.1. ACTIVIDADES PEDONAIS ........................................................................................ 39
Sistematização ........................................................................................................... 39
Actividades de participação passiva ............................................................................ 41
Actividades de Participação Activa .............................................................................. 44
1.2. ACTIVIDADES VIÁRIAS – O Automóvel ..................................................................... 49
Circulação .................................................................................................................. 50
Paragem e Estacionamento ........................................................................................ 51
1.3. O PEÃO E O AUTOMÓVEL ....................................................................................... 53
Poluição ..................................................................................................................... 53
Velocidade.................................................................................................................. 54
Interacção Física ........................................................................................................ 55
Síntese ....................................................................................................................... 58
2. TIPOS DE PAVIMENTAÇÃO............................................................................................. 62
2
2.1. SISTEMATIZAÇÃO .................................................................................................... 62
2.2. CARACTERIZAÇÃO .................................................................................................. 65
Saibro ......................................................................................................................... 66
Prado/Relva ................................................................................................................ 66
Casca de Pinheiro ...................................................................................................... 67
Gravilha ...................................................................................................................... 68
Seixos ........................................................................................................................ 69
Calçada ...................................................................................................................... 70
Lajedo ........................................................................................................................ 73
Tabuado ..................................................................................................................... 74
Pavimentos Cerâmicos ............................................................................................... 75
Lajetas de Betão Pré-fabricadas ................................................................................. 76
Placas alveolares ....................................................................................................... 76
Betuminosos ............................................................................................................... 77
Pavimentos amortecedores de Borracha..................................................................... 78
Lajes de Betão In Situ ................................................................................................. 79
3. TIPOLOGIAS DE ELEMENTOS URBANOS ...................................................................... 81
3.1. ELEMENTOS DE ESTRUTURAÇÃO DO ESPAÇO PAVIMENTADO .......................... 81
Passeio ...................................................................................................................... 81
Lancil .......................................................................................................................... 82
Desníveis ................................................................................................................... 82
Rampas de Acesso para veículos e peões .................................................................. 83
Passadeiras ................................................................................................................ 84
3.2. ELEMENTOS DE SEPARAÇÃO ................................................................................. 85
Frades ........................................................................................................................ 85
Pilaretes ..................................................................................................................... 86
Barreiras ..................................................................................................................... 86
3.3. ELEMENTOS INTEGRADOS NO PAVIMENTO.......................................................... 87
Canais de Drenagem .................................................................................................. 87
Sumidouros ................................................................................................................ 88
Tampas de Registo ..................................................................................................... 89
Caldeiras de Árvores .................................................................................................. 89
4. RESUMO E QUADRO CONCLUSIVO ............................................................................... 94
CAPÍTULO III. EXEMPLO DE APLICAÇÃO: Centro Histórico de Lisboa ........................ 99
1. CONTEXTUALIZAÇÃO ..................................................................................................... 99
1.1. SITUAÇÃO ACTUAL DA BAIXA-CHIADO .................................................................. 99
1.2. PROPOSTA DE REVITALIZAÇÃO DA BAIXA-CHIADO ........................................... 100
2. DEFINIÇÃO E CARACTERIZAÇÃO DOS CASOS DE ESTUDO ..................................... 101
2.1. CARACTERIZAÇÃO DA ÁREA DE ESTUDO ........................................................... 102
Zona 1: Colina do Castelo......................................................................................... 102
3
Zona 2: Baixa Pombalina .......................................................................................... 103
2.2. ENQUADRAMENTO DOS CASOS DE ESTUDO ..................................................... 104
2.3. AVALIAÇÃO DOS CASOS DE ESTUDO – METODOLOGIA DESENVOLVIDA ........ 105
1º Caso de Estudo – Rua da Vitória .......................................................................... 106
2º Caso de Estudo – Largo Adelino Amaro da Costa................................................. 113
3º Caso de Estudo – Calçada do Marquês de Tancos ............................................... 120
3. REFLEXÃO SOBRE UMA PROPOSTA DE REPAVIMENTAÇÃO.................................... 127
3.1. RUA DA VITÓRIA .................................................................................................... 127
Tipos de Utilização a Potenciar ................................................................................. 127
Proposta de Pavimento ............................................................................................. 127
3.2. LARGO ADELINO AMARO DA COSTA .................................................................... 129
Tipos de Utilização a Potenciar ................................................................................. 129
Proposta de Pavimento ............................................................................................. 129
3.3. CALÇADA DO MARQUÊS DE TANCOS .................................................................. 130
Tipos de Utilização a Potenciar ................................................................................. 130
Proposta de Pavimento ............................................................................................. 131
CAPÍTULO IV. CONCLUSÕES FINAIS............................................................................ 133
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ................................................................................... 135
4
ÍNDICE DE FIGURAS
Figura I.1 – Espaço Social ..................................................................................................... 11
Figura I.2 – Vida Urbana ....................................................................................................... 12
Figura I.3 – Rede de Espaços Públicos – Estrutura Contínua ................................................ 13
Figura I.4 – Abertura e Acessibilidade, Relações de Espaços Públicos .................................. 14
Figura I.5 – Veneza, «Cidade Tradicional» ............................................................................ 14
Figura I.6 – Conflitos de Uso no Espaço Público ................................................................... 15
Figura I.7 – Novas Formas de Comunicação Secundarizam Proximidade Física ................... 16
Figura I.8 – Relações de Largura e Comprimento de um Espaço Público .............................. 19
Figura I.9 – Espaços Lineares: Subcategorias ....................................................................... 20
Figura I.10 – Espaços Não-Lineares: Subcategorias ............................................................. 22
Figura I.11 – Espaços Públicos Verdes: Subcategorias ......................................................... 22
Figura I.12 – Espaços de Contemplação ............................................................................... 23
Figura I.13 – Espaços de Saudade ........................................................................................ 23
Figura I.14 – Espaços-Deslocação: Subcategorias ................................................................ 24
Figura I.15 – O Pavimento como Suporte de Diferentes Actividades ...................................... 27
Figura I.16 – O Pavimento como Elemento Estético .............................................................. 28
Figura I.17 – O Pavimento como Meio de Comunicação ........................................................ 28
Figura I.18 – Pavimento como Símbolo/Ícone ........................................................................ 29
Figura I.19 – Pavimento como Orientador do Uso do Espaço ................................................ 30
Figura I.20 – Pavimento Operacional..................................................................................... 31
Figura I.21 – Pavimento Organizativo .................................................................................... 32
Figura I.22 - Proliferação da Calçada em Lisboa ................................................................... 33
Figura I.23 – Separação de Trânsitos .................................................................................... 34
Figura I.24 – Descaracterização do Espaço Urbano .............................................................. 34
Figura I.25 – Exemplos de Calçada Portuguesa no Estrangeiro ............................................. 36
Figura I.26 – Calçada Portuguesa no Parque das Nações ..................................................... 37
Figura II.1 – Necessidade e Opção ....................................................................................... 40
Figura II.2 - Isolamento e Interacção ..................................................................................... 41
Figura II.3 - Participar e Observar .......................................................................................... 42
Figura II.4 – Observar, o efeito de periferia ............................................................................ 43
Figura II.5 – Efeito de Periferia .............................................................................................. 42
Figura II.6 – O Ruído Gerador de Desconforto ...................................................................... 44
Figura II.7 – Conversar com o Outro...................................................................................... 45
Figura II.8 – Percorrer o Espaço Público ............................................................................... 46
Figura II.9 – Parar em Pé ou Encostar ................................................................................... 47
Figura II.10 – Criar Possibilidade de Sentar ........................................................................... 49
Figura II.11 – Impacto do Carro no Desenho da Cidade ........................................................ 51
Figura II.12 – Estacionamento ............................................................................................... 52
Figura II.13 – Exemplos de Estacionamento Indevido ............................................................ 53
5
Figura II.14 – Bloqueio Visual Devido ao Tráfego Automóvel ................................................. 54
Figura II.15 – Impacto da Circulação Automóvel .................................................................... 54
Figura II.16 – Zonas de Interacção entre Diferentes Actividades e Utilizadores ...................... 55
Figura II.17 – Alterações de Pavimento consoante Função e Utilizador ................................. 56
Figura II.18 – Exemplos Práticos do Trabalho de Hans Monderman ...................................... 57
Figura II.19 – Vários Exemplos da Aplicação de Saibro em Espaços Públicos ....................... 66
Figura II.20 – A Vocação da Relva para Actividades de Lazer ............................................... 66
Figura II.21 – A Casca de Pinheiro Proporciona um Carácter Descontraído e Natural ............ 67
Figura II.22 – A Gravilha Pode Ser Usada com Vários Propósitos ......................................... 68
Figura II.23 – Esta Solução pode Adquirir Diversas Estereotomias e Padrões ....................... 69
Figura II.24 – A Calçada pode ser Feita em Várias Dimensões e Estereotomias.................... 70
Figura II.25 – Paralelepípedos com Várias Estereotomias e Materiais ................................... 71
Figura II.26 – A Calçada Portuguesa ..................................................................................... 72
Figura II.27 – O Lajedo Pode Adoptar Várias Dimensões, Estereotomias e Acabamentos ..... 73
Figura II.28 – O Tabuado pode Ter Várias Dimensões e Estereotomias ................................ 74
Figura II.29 – Os Pavimentos Cerâmicos podem ter Várias Formas e Dimensões ................. 75
Figura II.30 – As Lajetas de Betão têm um Grande Leque de Formas e Cores ...................... 76
Figura II.31 – As Placas Alveolares para Relva e Gravilha podem tornar-se Invisíveis ........... 76
Figura II.32 – Betuminoso já não se Restringe à cor Negra ................................................... 77
Figura II.33 – Pavimento de Borracha está Associado a Actividades de Recreio e Lazer ....... 78
Figura II.34 – O Betão é uma Solução muito Adaptável às Situações .................................... 79
Figura II.35 – O Passeio pode ser Definido de Várias Formas ............................................... 81
Figura II.36 – O Lancil tem Largura Variável e pode Assumir Diferentes Caracteres .............. 82
Figura II.37 – Os Desníveis podem ser Vencidos por Rampas ou Escadas ........................... 83
Figura II.38 – É Importante ter em Conta a Acessibilidade Total dos Espaços ....................... 84
Figura II.39 – Passadeiras ..................................................................................................... 84
Figura II.40 – Frades de Diferentes Formas e Materiais ......................................................... 85
Figura II.41 – Pilaretes podem Cumprir Várias Funções ........................................................ 86
Figura II.42 – Barreiras Podem ser Fixas ou Móveis .............................................................. 87
Figura II.43 – Os Canais de Drenagem têm Diferentes Papéis no Espaço ............................. 88
Figura II.44 – Sumidouros e Grelhas de Drenagem ............................................................... 88
Figura II.45 – Tampas de Registo .......................................................................................... 89
Figura II.46 – Caldeiras de Árvores ....................................................................................... 90
Figura III.1 – Planta Geral ................................................................................................... 102
Figura III.2 – Planta de Localização dos Três Casos de Estudo ........................................... 104
Figura III.3 – Rua da Vitória ................................................................................................. 106
Figura III.4 – Esquema dos Usos Actuais (Piso Térreo) da Rua da Vitória ........................... 107
Figura III.5 – Largo Adelino Amaro da Costa ....................................................................... 113
Figura III.6 – Esquema dos Usos Actuais (Piso Térreo) do Largo Adelino Amaro da Costa .. 114
Figura III.7 – Evolução da Calçada do Marquês de Tancos ................................................. 120
6
Figura III.8 – Esquema dos Usos Actuais (Piso Térreo) da Calçada do Marquês de Tancos 121
Figura III.9 – O simbolismo da calçada portuguesa.............................................................. 128
Figura III.10 – Informação visual e táctil do cruzamento ....................................................... 128
Figura III.11 – Informação de um percurso a seguir ............................................................. 128
Figura III.12 – Estereotomia detalhada potencia o descanso ............................................... 130
Figura III.13 – “Shared Space” de Hans Monderman ........................................................... 130
Figura III.14 – Espaço partilhado ......................................................................................... 131
Figura III.15 – Espaço de Estada e Escadas ....................................................................... 131
ÍNDICE DE TABELAS
Tabela II.1 – Avaliação das Actividades................................................................................. 59
Tabela II.2 – Tipologias de Pavimento ................................................................................... 64
Tabela II.3 – Parâmetros para Avaliação das Tipologias de Pavimento ................................. 65
Tabela II.4 – Avaliação das Tipologias de Pavimento ............................................................ 80
Tabela II.5 – Avaliação dos Elementos Urbanos .................................................................... 91
Tabela II.6 – Adequação do Pavimento Urbano ao Uso ......................................................... 97
Tabela III.1 – Ficha de avaliação da adequação do pavimento ao uso ................................. 105
Tabela III.2 – Ficha de Avaliação da Rua da Vitória ............................................................. 108
Tabela III.3 – Ficha de avaliação do Largo Adelino Amaro da Costa .................................... 115
Tabela III.4 – Ficha de Avaliação da Calçada do Marquês de Tancos.................................. 122
Tabela III.5 – Identificação do Carácter a Potenciar na Rua da Vitória ................................. 128
Tabela III.6 – Identificação do Carácter a Potenciar no Largo Adelino Amaro da Costa ....... 130
Tabela III.7 – Identificação do Carácter a Potenciar na Calçada do Marquês de Tancos ...... 131
7
INTRODUÇÃO
O objecto deste estudo é o pavimento urbano, nas suas diversas formas e tipologias, e o papel
que este desempenha na rede de espaço público da cidade.
A escolha do tema teve como base o trabalho desenvolvido no âmbito da cadeira de Projecto
Final, onde se explorou uma forte componente de desenho urbano. O projecto desenvolvido
consistiu na criação de um percurso pedonal assistido de ligação entre a Baixa e o Castelo de S.
Jorge em que o chão surge como elemento unificador e simbólico, podendo apresentar uma
linguagem comum aos vários troços que compõem este eixo, mas ao mesmo tempo desempenhar
diferentes papéis no desenho urbano e favorecer o desempenho de diferentes funções e
actividades. As diversas formas e tipologias que surgem ao longo deste percurso tornam-se
visivelmente parte de um todo, potenciado pelo carácter do pavimento. Torna-se importante na
medida em que pretende servir como fundamento para algumas opções que foram tomadas ao
longo do projecto desenvolvido e que pode mesmo servir de base para apoio às opções de
projecto em outros posteriores.
A problemática que está em causa na presente dissertação é a do papel que o pavimento
desempenha na rede de espaços públicos da cidade. Para tal começa-se por definir e enquadrar
os conceitos essenciais para o correcto entendimento do âmbito em que se insere este trabalho,
neste caso são: o Espaço Público, o Pavimento e as Actividades Urbanas.
O chamado espaço público é definido através de três conceitos principais: público, urbano e
aberto, que permitem apurar o papel que desempenham na cidade. Desta clarificação faz também
parte a listagem das diferentes tipologias de espaço público que existem, desde as mais
tradicionais (rua e praça) até aos espaços emergentes (parques temáticos, centros comerciais) de
forma a perceber a abrangência deste conceito, no entanto, posteriormente, serão desenvolvidas
apenas as tipologias tradicionais.
Quanto ao pavimento este é definido como a base que suporta directamente o tráfego e transmite
as respectivas solicitações à infra-estrutura e ao terreno. Na explicação do conceito de pavimento
cabem ainda os diferentes caracteres que este tem e pode potenciar no espaço onde se insere:
visual, simbólico, orientador, operacional e organizativo e um breve enquadramento histórico com
especial ênfase para a tipologia da Calçada Portuguesa uma vez que é o pavimento com maior
utilização no centro histórico de Lisboa e por todo o país.
A descrição dos diversos tipos de actividades apoia-se predominantemente na pesquisa
desenvolvida por Gehl, no seu livro Life Between Buildings. As actividades pedonais podem ser
sistematizadas de várias formas, sendo que podem ser realizadas por necessidade ou por opção,
podem ser sociais ou isoladas ou, quanto à participação no espaço, podem ainda ser passivas ou
activas.
É de facto no “mundo” pedonal que a noção de rua como espaço social se verifica, existindo uma
relação simbiótica entre movimento e transacção interpessoal, e onde o território de circulação e o
8
território social são quase totalmente coincidentes. O mesmo não acontece quando o movimento é
baseado no automóvel passando a ser apenas pura circulação, o que provoca a segregação do
espaço público em território de circulação (viária) e território de socialização.
O objectivo central desta dissertação é a necessidade de entender o papel que o pavimento
desempenha no espaço público da cidade, enquanto chão de muitas e variadas actividades
urbanas. São objectivos específicos deste trabalho:
1. Perceber qual o carácter integrador que o pavimento pode desempenhar na rede de espaços
públicos e de que forma o seu papel é influenciado pela tipologia e características desse
espaço;
2. Desenvolver a problemática relativa às actividades urbanas e à forma como são influenciadas
pela tipologia ou conjugação de tipologias de pavimentos, tanto em termos estéticos como
funcionais;
3. Estabelecer padrões de conforto, resistência e outros que permitam aferir a adequação do
pavimento às diferentes exigências impostas pelos utilizadores no vasto leque de actividades
que podem surgir no espaço público;
4. Estruturar um método de avaliação com critérios e parâmetros que permitam a correcta
análise de qualquer tipologia de espaço público e a eficiência dos pavimentos na resposta à
realidade contemporânea;
5. Experimentar a aplicação a uma prática projectual com a utilização da ficha de avaliação como
ferramenta de análise e com a elaboração de um conjunto de premissas para uma correcta
intervenção.
Quanto à metodologia e organização do trabalho, a parte teórica foi realizada com base,
principalmente, em investigação bibliográfica, relacionando diversos temas e autores de forma a
poder tirar as ilações desejadas. A definição de conceitos foi sempre apoiada em referências que
foram sendo correctamente identificadas. O método baseou-se ainda na observação, registo e no
estudo de casos, incluindo a produção de fichas tipo de análise de espaços, actividades e
performance dos pavimentos. O trabalho organiza-se em três capítulos que são compostos por
várias partes.
– No primeiro capítulo procede-se à definição e enquadramento dos conceitos de espaço público
e pavimento de forma a poder delimitar o contexto em que se insere o tema.
– O segundo capítulo consiste na sistematização das diferentes actividades, pedonais e viárias, e
das tipologias de pavimento mais comuns nos espaços públicos, permitindo ainda neste
capítulo concluir sobre a adequação do pavimento ao uso a que se destina.
– O terceiro e último capítulo do desenvolvimento trata-se da aplicação da teoria a três casos de
estudo integrados no Centro Histórico de Lisboa, em que é realizado um breve enquadramento
da zona de estudo seguido de uma análise baseada numa ficha de avaliação que integra os
diversos pontos descritos nas duas partes anteriores. No final desta parte é ainda esboçada
9
uma pequena proposta que visa definir premissas de intervenção tendo em conta as diferentes
características dos espaços analisados e o carácter que se quer evidenciar.
Quanto ao Estado da Arte, algumas obras tiveram um papel mais importante nesta pesquisa e
investigação, reunindo informação actual e pertinente para os objectivos formulados seguindo a
organização da tese, são elas:
1. CARMONA, Matthew – Public Places, Urban Spaces: the dimensions of Urban Design.1
Este livro tem como tema central a necessidade de basear o desenho urbano na criação
de lugares para as pessoas, ou, «making places for people». Esta é a ideia central que se
retirou do livro e que serve de base para a correcta explicitação do conceito de espaço público
e dos valores que este deve representar. A segunda parte consiste na identificação das várias
dimensões do espaço público (morfológica, perceptiva, social, visual, funcional e temporal)
que se sobrepõem constantemente na cidade onde foi possível perceber as diferentes
valências do espaço público.
2. BRANDÃO, Pedro – A Identidade dos Lugares e a sua Representação Colectiva.2
O objectivo deste livro é sensibilizar projectistas e outros para «os factores imateriais e de
valor mais intangível das qualidades do espaço urbano». Desde questões de identidade até
referências simbólicas e comunicativas, este livro elabora uma sistematização destes valores
tendo em conta os diferentes espaços públicos da cidade e a forma como estas características
potenciam ou não a apropriação por parte de quem os utiliza. É também matéria do livro, a
listagem das tipologias de espaço público com especial destaque para as novas tipologias,
emergentes de «novos factos urbanos» aos quais é necessário dar resposta e integrar da
forma mais conveniente.
3. REMESAR, Antoni [et al.] – Do Projecto ao Objecto: Manual de Boas Práticas de Mobiliário
Urbano em Centros Históricos.3
O pavimento é considerado nesta obra parte integrante do mobiliário urbano que é
definido como «todos os objectos ou equipamentos de pequena escala, instalados ou
apoiados no espaço público que permitem um uso, prestam um serviço ou apoiam uma
actividade». A sua relevância para a presente dissertação incide principalmente na evolução
histórica que apresenta dos diversos elementos de mobiliário urbano, incluindo o pavimento.
Descreve-se também a importância do mobiliário urbano na sua integração com o espaço e
detalham-se os seus vários elementos, entre os quais o pavimento, em que são apresentadas
várias características que este deve ter de forma a corresponder correctamente às exigências
dos diferentes usos. É ainda composto por um guia de avaliação do projecto de espaço
1 Matthew CARMONA – Public Places, Urban Spaces: the dimensions of Urban Design, Architectural Press. Oxford; Boston, 2003
2 Pedro BRANDÃO – A Identidade dos Lugares e a sua Representação Colectiva. Lisboa: CESUR, DGOTDU, 2008
3 Antoni REMESAR [et al.] – Do Projecto ao Objecto: Manual de Boas Práticas de Mobiliário Urbano em Centros Históricos. 2ªedição. Lisboa: Centro Português de Design, 2005
10
público que apresenta vários parâmetros úteis para a parte de análise e avaliação dos
diferentes casos de estudo constantes do terceiro capítulo.
4. CULLEN, Gordon – Paisagem Urbana. 3ª Edição.4
Tal como o nome indica este livro pretende analisar a cidade de uma forma visual, como
sequência de imagens em que cada elemento contribui com as suas características para o
todo que é o espaço integrado na cidade. O pavimento não é excepção e este livro permite
listar os diferentes contributos que podem ser dados por este elemento ao espaço público,
tendo em conta os diferentes caracteres que pode assumir. Assim Cullen identifica a influência
que a forma e dimensão das tipologias de espaço público têm no ambiente urbano
principalmente na forma como os utilizadores o percepcionam, sendo que esta sensação é
também alterada pela forma como o pavimento é tratado.
5. GEHL, Jan – Life Between Buildings: Using Public Space.5
Esta obra na sua globalidade aborda, tal como o título enuncia, a utilização do espaço
público urbano, descriminando-as na sua relação com o próprio espaço e o meio envolvente.
Introduz o tema de planeamento urbano, na sua evolução ao longo da história, descrevendo
as várias ideologias que se foram sucedendo nos vários estilos até ao funcionalismo. Este livro
torna-se a principal fonte para o segundo capítulo da presente dissertação uma vez que Gehl
procede à descrição e classificação das diversas actividades pedonais como também as
relaciona com o espaço onde são realizadas e os vários elementos que o compõem.
6. HEGGER, Manfred [et al.] – Construction Materials Manual.6
Este manual descreve os diversos materiais necessários para a construção, apresentando
as características e propriedades mais significativas e as diversas formas de aplicação desses
materiais, assim como as suas qualidades estéticas e a influência que estes têm no espaço
onde são aplicados, obviamente clarificando também as várias opções de pavimento. É
composto ainda por uma parte de casos de estudo, que permitem perceber o efeito dos
diferentes materiais de construção quando aplicados e as suas diferentes combinações.
Juntamente com outra bibliografia do género foi útil na descrição e desenvolvimento das
diversas tipologias de pavimento urbano constante no segundo capítulo.
Este trabalho foi desenvolvido tendo em conta, como já referi, o projecto desenvolvido na zona do
Centro Histórico de Lisboa e, como tal, esta análise e investigação apresenta-se com algumas
restrições quanto ao seu âmbito e alcance. Desta forma a tese limita-se a explorar mais
aprofundadamente:
– Os tipos de pavimentação tradicionais;
– As tipologias de espaços públicos mais comuns como ruas e praças;
– E as actividades urbanas básicas onde todas as outras se inserem.
4 Gordon CULLEN – Paisagem Urbana. 3ª Edição. Lisboa: Edições 70, Lda., 2006
5 Jan GEHL – Life between Buildings: Using Public Space. 3ªedição. Copenhaga: Arkitektens Forlag, 1996
6 Manfred HEGGER [et al.] – Construction Materials Manual. Basel: Birkhauser, 2006
11
CAPÍTULO I. CONCEITOS BASE E EVOLUÇÃO HISTÓRICA
1. O ESPAÇO PÚBLICO
«O espaço público é o local onde as pessoas se encontram, onde se sentam, onde conversam. É
onde se fazem as manifestações e as procissões, as grandes festas e os funerais, é onde se
expressam colectivamente as grandes alegrias e as grandes dores. Vendo bem, o espaço público
é a essência da cidade e é através dele que ela é representada»7.
Muitas vezes os espaços públicos tornam-se acessíveis não só pelas suas qualidades
arquitectónicas e formais, mas também pela sua capacidade em articular momentos e visibilidades
perceptíveis pelo utilizador8.
1.1. DEFINIÇÃO DO CONCEITO
«El espacio público es antes que nada una determinación político-jurídica, pero también un
producto de uso social. Es decir, hay “espacios públicos” inaccesibles o prohibidos y otros, que no
son jurídicamente públicos, de uso colectivo intenso»9.
A definição de espaço público apresentada por Borja, e reiterada por muitos autores, permite
clarificar que a noção de público «não é uma qualidade intrínseca a um espaço, mas sim uma
construção social e política» tal como diz Alexandra Castro (2002).
Figura I.1 – Espaço Social
a. Praça do Comércio, Lisboa – A relação entre a periferia e o centro é interrompida pelo trânsito automóvel e
raramente as actividades transbordam para o centro da praça, estabelecendo-se apenas ao longo dos
edifícios, nas arcadas | FNI
b. Centro Comercial Vasco da Gama – Espaço semi-privado de uso colectivo cada vez mais intenso | Website
Flickr, 2008
7 Manuel SALGADO – “Espaços Públicos”, Gestão Urbana, Lisboa: Parque EXPO 98, SA, 2002, p. 90
8 Alexandra CASTRO – “Espaços Públicos, Coexistência Social e Civilidade: Contributos para uma Reflexão
sobre os Espaços Públicos Urbanos”, CIDADES. Comunidades e Territórios, nº5. Lisboa: CET-ISCTE, 2002, pp.53 a 67
9 Jordi BORJA e Zaida MUIXÍ – El Espacio Público: Ciudad y Ciudadanía. Barcelona: Electa, 2003, p.70
12
CARÁCTER DO ESPAÇO PÚBLICO
Torna-se difícil definir o conceito de espaço público sem referir a actividade desenvolvida nesse
espaço físico, esta sim, responsável pelo seu carácter público, uma vez que «the physical public
realm is understood here to mean the spaces and settings (...) that support or facilitate public life
and social interaction» (Carmona, 2003:109). Portanto, para um espaço ter carácter público,
independentemente de ser propriedade pública ou privada, «deve ser sempre um bem de
utilização livre, de acordo com um padrão de uso socialmente aceite» (Brandão, 2008:8). Segundo
Matias Ferreira a noção de sociabilidade, ou seja, a capacidade de exercício pleno de direitos e
deveres principalmente nas cidades, é uma exigência política e cultural relativa à qualidade de
vida urbana10
.
A publicidade de um espaço não se baseia apenas na sua natureza jurídica uma vez que a
decisão de o catalogar como público ou privado é quase sempre tomada por acção política,
descurando a opinião daqueles que realmente utilizam esse espaço (Ferreira, 2002a).
Francesco Indovina reforça esta conclusão afirmando que o espaço público «representa a
condição para que se possa realizar a vida urbana, trata-se de uma espécie de “condição geral”
para a existência própria da cidade»11
.
Figura I.2 – Vida Urbana
a. Veneza, Itália | Gehl – Novos Espaços Urbanos
b. Atlanta, E.U.A | Gehl – Novos Espaços Urbanos
Esclarecida a noção de “publicidade” de um espaço, introduz-se o seu carácter urbano, o seu
papel na cidade, reforçando a ideia já adquirida da importância que tem no meio urbano. O espaço
público é o «elemento ordenador del urbanismo, sea cual sea la escala del proyecto urbano. (...)
Ha de ser un espacio ordenador del barrio, articulador de la ciudad, estructurador de la región
urbana” (Borja e Muixí, 2003:68). Só através de espaços com carácter público é que se consegue
organizar um território capaz de sustentar diversos usos e funções (Borja e Muixí, 2003), uma vez
que, como Carmona evidencia, «the public space network accommodates the overlapping realms
10 Vítor Matias FERREIRA – “Urbanidade e Cidadania”, Gestão Urbana, Lisboa: Parque EXPO 98, SA, 2002a, pp. 70 a 75
11 Francesco INDOVINA – “O Espaço Público: Tópicos sobre a Mudança”, CIDADES. Comunidades e Territórios, nº5. Lisboa: CET-ISCTE, 2002, p.119
13
of “movement space” and “social” space (i.e. outdoor space for people to engage in economic,
social and cultural transaction)» (Carmona, 2003:67).
Fica claro, deste modo, que o espaço público da cidade é também o suporte físico das redes de
serviços e sistemas de transporte e comunicação, uma vez que é aí que estas se materializam
(Remesar, 2005), e que a cidade deve ser entendida como um sistema e não como «um simples
somatório de um vasto conjunto de infra-estruturas, equipamentos e elementos naturais e
artificiais, destinados a prestar serviços e a satisfazer as necessidades da comunidade»12
.
Segundo o mesmo autor, é necessário visualizar os espaços públicos urbanos como “estruturas
contínuas” de forma a geri-los globalmente, criando uma estrutura coesa onde interessa integrar
diferentes funções de um modo organizado e coerente.
Figura I.3 – Rede de Espaços Públicos – Estrutura Contínua
A paisagem urbana surge como uma sucessão contínua de surpresas ou revelações súbitas, este é o conceito
de Visão Serial de Cullen | Cullen – Paisagem Urbana
O espaço público tem ainda outro carácter que o define, é ser um espaço aberto e como tal
desenvolver relações não só com o contexto imediato mas também com a envolvência mais
abrangente e a cidade em geral.13
Por ser ordenado em função do seu uso e percepção social,
contempla «tudo aquilo que o constitui desde o tratamento do solo à envolvente arquitectónica,
mobiliário e equipamento urbano até à arborização urbana» (Remesar, 2005: 22).
12 Pedro BRANDÃO [et. al.] – O Chão da Cidade – Guia de Avaliação do Design de Espaço Público. Lisboa: Centro Português de Design, 2002, p.24
13 Nuno PESTANA – Espaço público urbano. Um ensaio sobre o “Vazio”, Prova Final de licenciatura em Arquitectura, Coimbra, 2001
14
Figura I.4 – Abertura e Acessibilidade, Relações de Espaços Públicos
Campidoglio, Roma, Itália – Espaço “ovalado” por um pavimento com um padrão que se expande a partir da
estátua localizada ao centro, para a envolvente imediata e também para a distante, contemplando a cidade | FNI
1.2. ENQUADRAMENTO DO TEMA NO CONTEXTO CONTEMPORÂNEO
«The city was not a goal in itself, but a tool formed by use». (Gehl, 1996:43)
CIDADE TRADICIONAL
As cidades tradicionais têm como característica principal a sua evolução progressiva e lenta que
possibilitava uma adaptação contínua às necessidades e funções da cidade. Deste tipo de
processos surgiram espaços públicos que ainda hoje oferecem condições ideais para a vida
urbana. Trata-se de um padrão de vida urbana em que todos os usos da cidade estão em
equilíbrio, uma vez que todos são peões e tudo se processa a pé (Gehl, 2002).
Figura I.5 – Veneza, «Cidade Tradicional»
Veneza é a cidade mais referenciada quando se quer exemplificar a Cidade Tradiocional actualmente | FNI
CIDADE CONTEMPORÂNEA
É no fim do séc. XIX, com a súbita evolução industrial e tecnológica, que o espaço público urbano
começa a ser palco de conflitos e incompatibilizações entre os seus usos fundamentais, encontro,
troca e circulação, com o aparecimento de novos padrões de tráfego, comércio e comunicação
que rapidamente interromperam séculos de tradição.
15
As pessoas adquiriram maior mobilidade com os eléctricos e bicicletas, fazendo expandir
significativamente as cidades, mas foi a introdução do automóvel que mudou drasticamente os
padrões de transporte, originando conflitos nas cidades já que não coexiste pacificamente com as
outras actividades essenciais.
Figura I.6 – Conflitos de Uso no Espaço Público
a. Riad, Arábia Saudita e Nápoles, Itália – Invasão do espaço pedonal pelo automóvel | Gehl – Novos Espaços
Urbanos
b. A desertificação do espaço público pela escala desadequada ao peão | Gehl – Novos Espaços Urbanos
Quanto ao uso comercial, Gehl acrescenta que este foi ocupando gradualmente espaços cada vez
mais fechados, passando de feiras e mercados de rua para lojas situadas ao longo de ruas e
praças, lojas essas que foram crescendo em superfície até serem grandes centros comerciais
fechados ou afastados das cidades. Neste processo, já característico da cidade moderna, a vida
“pública” dos locais de comércio torna-se estritamente controlada e todas as actividades e
interacções que aí se processem são reguladas por medidas de segurança, pondo em causa o
carácter realmente público e acessível destas actividades.
Foi o Movimento Moderno que alterou o funcionamento da cidade tradicional, através da
substituição do espaço urbano baseado em ruas e praças por um espaço urbano neutro, apoiado
em referências icónicas como eram os edifícios pontuais, isolados e altos, e a rede rodoviária que
os interligava, de circulação quase exclusivamente automóvel14
.
Na visão de Gehl os padrões de comunicação e encontro foram abalados com o aparecimento de
novos meios de comunicação e electrónica que vieram alargar o leque de informação disponível e
cada vez mais acessível potenciando o contacto indirecto entre pessoas. Aliado à possibilidade de
comunicar à distância, o aumento da mobilidade individual, proporcionada pelo automóvel e por
outros tipos de meios de transporte de longa distância, originou novas oportunidades de
conhecimento. Muitas vezes conhecem-se pessoas no outro lado do mundo mas nem por isso o
nosso vizinho do lado (Gehl, 2002).
A revolução informacional veio de facto alterar os sistemas urbanos através da introdução de
novas formas de relacionamento entre cidades. «A maior facilidade de comunicação e a
velocidade na transmissão da informação, praticamente instantânea, substituíram muitas
14 Ana Muller LOPES – Percepção e Forma do Espaço Público Urbano – Relatório do trabalho de fim de curso de Arquitectura Paisagista. Lisboa, 2005
16
deslocações e (...), aparentemente, as grandes concentrações de população não pareciam mais
necessárias»15
.
Figura I.7 – Novas Formas de Comunicação Secundarizam Proximidade Física
FNI
Na tentativa de melhorar as relações sociais e de vizinhança, os espaços públicos na cidade
contemporânea foram convertidos em elementos especializados com espaços segregados e
monofuncionais, como se de equipamentos se tratassem, fazendo com que se perdessem as suas
funções essenciais, garantir continuidade e sentido ao conjunto da cidade e ordenar as relações
entre os seus diversos elementos (Borja e Muixí, 2003). Esqueceu-se que uma das características
mais importantes para que exista vida social na cidade é precisamente «a imprevisibilidade e
casualidade dos encontros» (Indovina, 2002:119).
O resultado é uma cidade compartimentada e segregada que, embora tenha perdido a sua vida
urbana e contribuído para a exclusão social, não parece insegura. De facto, a segurança tem um
papel crucial na utilização dos espaços e, uma vez que a agorafobia (medo dos espaços abertos)
tende a igualar segurança com privatização, esta é aparentemente bem conseguida através da
segregação e clausura. É assim a «cidade genérica»16
, formada por peças dispersas no território,
em que a única actividade urbana são os movimentos necessários, preferencialmente de
automóvel e onde a interacção social é praticamente inexistente (Borja e Muixí, 2003).
Actualmente o grande desafio é encontrar resposta para a falta de espaços públicos de qualidade
que sejam eficientes na recuperação da vida social, combatendo esta concepção “especializada”
do espaço público, esta tendência para confundir “arquitectura urbana” com urbanismo, de onde
resultam espaços públicos projectados como edifícios, como “produtos”, esquecendo o seu papel
essencial de articular e ordenar a cidade. Pretende-se assim, quebrar este terrível ciclo vicioso em
que a ausência de vida no espaço público aumenta com a insegurança, a qual, por sua vez, se
agrava pela ausência de pessoas nesses espaços propiciando o desenvolvimento de
comportamentos marginais (Indovina, 2002).
15 Teresa Barata SALGUEIRO – “Cidade, Território de Mudança”, Gestão Urbana, Lisboa: Parque EXPO 98,
SA, 2002, pp. 26 e 27. 16
Rem KOOLHAAS – Delirious New York: a Retroactive Manifesto for Manhattan. New York: Monacelli Press, 1994
17
«The best to handle the problem of undesirables is to make a place attractive to everyone else. (...)
Good places are largely self-policing»17
.
É no fim do séc. XX que se começa a assistir ao retorno dos espaços públicos à posição central
nos projectos urbanos e que finalmente se compreende a importância deste instrumento na
coesão social e material da cidade (Castro, 2002), restituindo ao tecido urbano a diversidade e
capacidade de articular as diferentes peças e funções que o integram (Borja e Muixí, 2003) e
devolvendo-lhe esta dimensão tão importante de lugar de socialização e encontro.
Esta vontade súbita de renovação urbana, porém, tem provocado por vezes equívocos quanto à
importância que tem a imagem, quanto à segurança e orientação das pessoas na cidade. Os
significados urbanísticos têm sido corroídos pela introdução acrítica e descontextualizada de
materiais, cores e formas. A comunicação dos valores próprios do lugar é absorvida pela
parafernália publicitária e pela rentabilização comercial e, a mobilidade e leitura do espaço estão a
ser condicionadas pela constante presença do automóvel, em movimento ou parado. Assim,
surgem paisagens caóticas tanto nos subúrbios como nas zonas urbanas em renovação e perde-
se a “imagem da cidade”18
.
Não é de um voltar atrás que se necessita, mas sim de uma reinterpretação da cidade do
espaço público, na certeza de que se mantêm as necessidades de outrora às quais acrescem os
problemas urbanos associados a novas relações de “centro/periferia, centralidade/acessibilidade,
intensidade/densidade, identidade/diversidade” que exigem uma forma mais sistémica e integrada
de acção a várias dimensões, cultural, comunicante, estética e ética (Brandão, 2002).
SUSTENTABILIDADE
Contudo, na tentativa de uma visão sistemática a ter em conta no contexto actual, surge o tema da
sustentabilidade que, segundo Brandão, «pressupõe uma visão global e integrada dos
problemas, colocando no mesmo plano as vertentes sociais, económica e ambiental» (Brandão,
2002:43). Desta forma tem-se a percepção de quão vasto é este conceito e a multidireccionalidade
que tem o seu campo de acção, apoiando uma série de princípios para a qualidade do espaço
público como questões ambientais, de identidade, diversidade, adaptabilidade, acessibilidade,
durabilidade, etc. Relativamente à questão ambiental, Brandão considera uma intervenção de
espaço público sustentável se promover a utilização racional e equilibrada dos recursos naturais, o
recurso a fontes energéticas alternativas, a materiais autóctones e não poluentes (Brandão, 2002).
Uma intervenção tendo em vista a valorização da identidade do lugar é sustentável se procurar
dar/devolver ao espaço um carácter que reflicta a sua envolvente, a sua história e função,
tornando-o socialmente mais atractivo. Nas palavras de Remesar, acima de tudo, «a preservação
sustentável do centro histórico das cidades passa necessariamente por manter a estrutura
17 William H. WHYTE – The Essential. New York: Fordham University Press editado por Albert LaFarge, 2000, p.311
18 SEIXAS, Ana [et al.] – Ternos Passeios: um manual para melhor entendimento e fruição dos espaços urbanos públicos. Lisboa: IPAMB e CML, 1997
18
funcional que os caracterizou: a multifuncionalidade de usos e funções urbanas que fazem com
que os centros históricos tenham sido sempre cidade compacta» (Remesar, 2005:45).
Em situações de abandono progressivo do centro histórico, como a que se pode identificar na
cidade de Lisboa, e na perspectiva de Remesar, a resposta passa também por devolver esta
diversidade de usos e funções, que se tem vindo a perder em prol da excessiva especialização,
proporcionando um espaço de maior interacção e utilização ao longo de todo o dia, contribuindo
também para a sua durabilidade uma vez que, se todos se sentirem como “parte” do espaço
público terão um maior cuidado em preservá-lo (Brandão, 2002).
«In a place that is tidy, people are tidy. In a place that is messy, they make it messier» (Whyte,
2000:305).
Chega-se assim às questões formais e estéticas do espaço público e do seu desenho:
O dia-a-dia é feito de relações casuais e habituais, de diversas actividades rotineiras e de encontro
e tudo isto tem lugar no espaço público da cidade, por isso, é importante favorecê-lo estética,
espacial e formalmente de modo a facilitar essa interacção e o sentimento de pertença ao lugar
sem que ninguém se sinta excluído, proporcionando igual acessibilidade para todos, promovendo
também desta forma a sua sustentabilidade. (Borja e Muixí, 2003)
É unânime a ideia contemporânea de que «os espaços públicos de qualidade podem ajudar as
cidades a criar e manter locais de forte centralidade, qualidade ambiental, competitividade
económica e sentido de cidadania» (Brandão, 2002:17). Compreende-se então a importância de
começar o desenho da cidade pelo desenho do espaço público, concebido de uma forma
«holística e integrada, centrada na identidade, coerência e pregnância da forma urbana
desenhada» (Brandão, 2002:24) para que funcione como matriz inicial de urbanidade, como «chão
da cidade».
1.3. DEFINIÇÃO DE TIPOLOGIAS DO ESPAÇO PÚBLICO EM FUNÇÃO DO SEU USO
Para poder estudar a eficácia do pavimento no espaço público da cidade, a descrição tipológica
que faz sentido apresentar é baseada no modo como esses espaços são utilizados e
percepcionados pelas pessoas. A forma de percepção assenta em dois tempos diferentes, o de
movimento e o de estada (Seixas, 1997) e na sua transposição para a cidade, baseada numa
leitura ao nível do seu traçado, pode-se transformar morfologicamente estes dois momentos
sensoriais em, respectivamente, espaços lineares e espaços não lineares. Os lineares,
simbolizados pela tipologia de rua, são espaços dinâmicos cuja relação entre a largura e
comprimento em planta é, segundo Carmona, igual ou superior a 1 para 3, respectivamente, uma
vez que quando há uma dominância de um dos eixos sobre o outro começa a ser perceptível pelo
utilizador a noção de movimento. Sendo assim, 1 para 3 será também o limite máximo para que o
espaço seja considerado não linear e para que seja visualizado pelo utente como espaço de
estada e encontro, como praça (Carmona, 2003).
19
Figura I.8 – Relações de Largura e Comprimento de um Espaço Público
a. Ratio 1:3, Leitura como espaço não linear | Carmona – Public Places, Urban Spaces
b. Ratio 1:5, Leitura como espaço linear | Carmona – Public Places, Urban Spaces
ESPAÇOS LINEARES
A função primária dos espaços lineares, independentemente da sua morfologia, é ser o suporte
das movimentações e deslocações de pessoas e veículos, dando acesso a outras áreas, sejam
elas exteriores ou interiores. No entanto, também é importante servir de suporte para a
permanência de pessoas e estacionamento de veículos, na maioria das vezes conjuntamente
(Brandão, 2002).
Estes espaços de circulação, genericamente designados por ruas, representam um conjunto de
espaços lineares e tridimensionais, muitas vezes definidos e limitados nos dois lados ao longo do
eixo. Quanto à forma, pode ser analisada através de qualidades comparativas opostas como
dinâmica/estática, fechada/aberta, curta/comprida, larga/estreita, recta/sinuosa, etc. ou por
considerações sobre escala, proporção, ritmo e relações com outros espaços (Carmona, 2003).
Esta análise formal é a base para a definição das várias subcategorias que derivam desta
categoria de circulação, influenciando e definindo também as diferentes actividades
complementares e formas de apropriação que surgem paralelamente à sua função principal.
«O traçado, a rua, existem como elementos morfológicos nos vários níveis ou escalas da forma
urbana. Desde a rua de peões à travessa, à avenida ou à via rápida, encontra-se uma
correspondência hierárquica dos traçados e a hierarquia das escalas da forma urbana»19
.
Deste modo, como espaços de circulação, podem-se identificar, por ordem hierárquica:
– As estradas existem como ligação entre aglomerados, ao nível regional, nacional ou
internacional e criam muitas vezes situações de exclusividade ao trânsito motorizado, excluindo
qualquer outro tipo de circulação e por conseguinte qualquer outra função, caso das auto-
estradas e vias rápidas.
– As avenidas inserem-se no contexto urbano, normalmente estabelecem as ligações entre
diferentes zonas ou bairros da cidade. Têm a característica de serem bastante largas com
tráfego intenso e rápido, predominantemente automóvel. Os tipos de circulação estão
marcadamente separados e quando as vias automóveis são muito largas recorre-se a
separadores centrais, por vezes arborizados e utilizados para circulação pedonal.
19 José M. Ressano Garcia LAMAS – Morfologia Urbana e Desenho da Cidade. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2007, p.100
20
– As alamedas surgem da necessidade de integrar vegetação em avenidas, conjugando a
necessidade de circulação expedita com espaços de qualidade para funções de lazer. Tratam-
se portanto de amplas avenidas de circulação viária, com placas centrais largas arborizadas ou
relvadas que permitem a utilização pedonal mais descontraída.
– As ruas são o espaço de circulação da cidade por excelência, tradicionalmente albergando
actividades de encontro e comércio daí resultantes. É a este nível hierárquico que começam a
aparecer soluções de ruas mistas, peão e automóvel, embora a maioria recorra ainda à
segregação. Surgem zonas de estacionamento, permitindo ao utilizador parar e interagir com o
local por onde passa, mesmo sendo a função principal a circulação. Existem ainda as ruas
pedonais de trânsito exclusivo para peões, em que tudo se processa mais lentamente,
propiciando o desenvolvimento de outros usos mais casuais, embora circular seja a principal
actividade.
– As travessas são ruas mais estreitas e curtas que fazem a ligação transversal entre ruas,
encontram-se ao nível do bairro.
– Os becos são ruas ainda mais estreitas, normalmente sombrias, vulgarmente associadas a
troços sem saída;
– A calçada é definida no dicionário da seguinte forma: «rua ou caminho pavimentado com
pedras (e/ou), rua ou ladeira íngreme»20
.
Figura I.9 – Espaços Lineares: Subcategorias
a. Estrada | FNI
b. Alameda – Alameda D. Afonso Henriques, Lisboa | FNI
c. Avenida – Avenida Infante Santo, Lisboa | FNI
d. Rua – Rua Augusta, Lisboa | FNI
e. Travessa – Travessa da Portuguesa, Lisboa | Dias dos Reis, SD
f. Calçada – Calçada da Bica Grande, Lisboa | FNI
g. Beco – Beco dos Apóstolos, Lisboa | FNI
20 Academia das Ciências de Lisboa – Dicionário da Língua Portuguesa Contemporânea. Lisboa: Verbo, 2001, pp.629 e 630
21
ESPAÇOS NÃO LINEARES
«Se a rua é o lugar de circulação, a praça é o lugar intencional do encontro, da permanência, dos
acontecimentos, de práticas sociais, de manifestações de vida urbana e comunitária e de
prestígio» (Lamas, 2007:102).
Os espaços não lineares são espaços livres, centrípetos por excelência na cidade tradicional
uma vez que representam o conceito de coração, de vida. Têm uma grande diversidade na forma
e dimensão embora sejam visualmente abarcáveis no seu todo e a maior parte do seu contorno é
delimitado por edifícios (Brandão, 2002). A relação deste vazio com os planos que as envolvem e
contêm, as fachadas e o pavimento, é muito importante na sua definição.
O conjunto de espaços não lineares da malha urbana, genericamente designados por praça,
contém várias subcategorias que se diferenciam precisamente pela sua forma orgânica ou racional
e pela sua dimensão. Muitos destes espaços eram vazios ou alargamentos da estrutura urbana
que foram sendo apropriados como praças, embora nunca sejam realmente praças por não terem
sido desenhados intencionalmente como tal (Lamas, 2007).
Dependendo de algumas das suas características, este grande grupo pode ser fraccionado em
várias subcategorias, com diferentes definições, que por vezes se relacionam com aspectos
históricos e outras com o seu uso.
– A praça funciona como pólo agregador de vivências urbanas, desde sempre desempenhando
um papel muito importante nos aglomerados. Na sua tradição é o espaço por excelência de
implantação de edifícios de uso colectivo, como igrejas e paços do concelho, de edifícios
representativos de estatuto social e económico, como palácios, e são ainda estes pólos que
apresentam o local privilegiado para o comércio e os serviços de prestígio. É lugar não só de
edifícios importantes, como também de símbolos do poder através de elementos escultóricos.
São também os espaços da cidade capazes de albergar as grandes reuniões públicas, sejam
manifestações ou mercados (Seixas, 1997).
– O largo, é um dos espaços não lineares que Lamas descreve como não intencionais, ou seja,
embora reúnam frequentemente funções idênticas às da praça, resultam da reciclagem de um
espaço urbano residual e, portanto, não têm o mesmo simbolismo que as praças. Foram criados
por uma necessidade de desafogo em locais de confluência de ruas, por exemplo, de onde
surgem as mais diversas formas e tamanhos (Seixas, 1997).
«Os largos e praças, além de terem sido espaços públicos com funções importantes na vida local
dos aglomerados medievais, foram também elementos significativos na estrutura e composição
dos seus traçados. Enquanto a praça correspondia a uma área determinada por regras e
condicionantes de ordem funcional e tinha por base um modelo formal, o largo assentava em
objectivos menos definidos e apresentava uma estrutura mais fluida» (Seixas, 1997:39).
– As pracetas, como os largos, são formas irregulares, distinguindo-se dos largos pela sua menor
acessibilidade e permeabilidade, sendo que podem resultar de impasses e situações sem saída
(Brandão, 2002).
22
– Os terreiros são fáceis de reconhecer uma vez que têm características bastante singulares.
Tratam-se de plataformas regulares bastante extensas e relativamente planas, cujo pavimento
é, como o nome indica, terra ou outro material permeável. Destinados a acolher actividades
populares periódicas como festas, feiras, mercados, podem também acolher outro tipo de
funções na base diária, como por exemplo estacionamento (Brandão, 2002).
Figura I.10 – Espaços Não-Lineares: Subcategorias
a. Praça – Piazza del Campo, Siena | FNI
b. Largo – Largo de S. Miguel, Alfama, Lisboa | Maria João, 2006
c. Praceta – Praceta Miguel Ramalho, Beja | FNI
d. Terreiro – Terreiro do Santuário da Nossa Senhora da Pedra Mua, Cabo Espichel | FNI
As cidades são também compostas por espaços públicos “verdes”, vocacionados
essencialmente para recreio e lazer, desempenham um papel muito importante na cidade, quer
pelo equilíbrio que proporcionam no ciclo hidrológico com a sua permeabilidade, quer pela
preservação de várias espécies, incluindo a nossa, já que são também estes espaços que ajudam
a controlar a temperatura e a qualidade do ar (pulmões da cidade). São espaços livres
constituídos principalmente por estruturas naturais ou ajardinadas que dependendo da sua
dimensão podem ser parques urbanos, jardins públicos ou apenas áreas ajardinadas de
enquadramento.
– Os parques urbanos são de grande dimensão e servem não só bairros como toda a cidade,
abrangem os vários grupos etários uma vez que englobam infraestruturas de recreio e repouso
para todos. Muitas vezes são também programados para usos desportivos (Brandão, 2002).
– Os jardins públicos são normalmente espaços vedados, constituídos por áreas pedonais
intercaladas com grandes extensões de zonas ajardinadas, têm uma dimensão mais moderada
e a sua área de influência é sobretudo ao nível do bairro (Brandão, 2002).
– Quanto às áreas ajardinadas de enquadramento na sua maioria são apenas zonas verdes
ornamentais, sem qualquer uso especificado (Brandão, 2002).
Figura I.11 – Espaços Públicos Verdes: Subcategorias
a. Parque – Parque Florestal de Monsanto, Lisboa | Programa Google Earth
23
b. Jardim Público – Jardim da Estrela, Lisboa | FNI
c. Área ajardinada de enquadramento – Alcântara Rio, Lisboa | FNI
OUTRAS TIPOLOGIAS
Para além destas categorias mais tradicionais e comuns existem ainda algumas tipologias
funcionais especializadas, no sentido em que são definidas por um uso predominante. Tendo
como base o elenco de tipologias apresentadas por Brandão (2008:9) e sabendo que este é um
tema em constante transformação e actualização, começa-se por identificar os que se seguem.
– Os espaços de contemplação, por exemplo miradouros, estão inseridos na categoria de
“espaços-paisagem”, em que aquilo que os define é a capacidade de se poder apreciar a
paisagem envolvente, pela sua localização privilegiada. Embora não estejam limitados a esta
função, ela é predominante e é a razão pela qual são criados. São usualmente utilizados como
pontos de convívio e encontro.
Figura I.12 – Espaços de Contemplação
a. Miradouro de Stª. Luzia, Lisboa | FNI
b. Jardim do Torel, Lisboa | FNI
c. Miradouro de Stª. Catarina, Lisboa | FNI
– Os espaços de saudade, dentro da categoria que Brandão intitula de “espaços-memória”,
englobam espaços públicos menos convencionais cuja utilização, pela sua total especificidade,
raramente vai para além da que lhes foi destinada, por exemplo os cemitérios, as áreas
arqueológicas e os memoriais.
Figura I.13 – Espaços de Saudade
a. Cemitério de Finisterre | César Portela, 2008
b. Castros no Monte de Santa Tecla em La Guardiã, Galiza | FNI
24
É importante ter ainda em conta que a crescente complexidade da questão do espaço público e a
necessidade de dar resposta a funções cada vez mais especializadas, provenientes das
tendências actuais, não invalidam a importância que têm os espaços públicos ditos tradicionais,
mas acrescentam novas características e categorias (Brandão, 2008) que não podem ser
ignoradas e marginalizadas. Embora possam criar situações de conflito, estas devem ser
minimizadas.
Ainda dentro destas tipologias funcionais especializadas podem identificar-se outras que derivam
de «novos “factos” urbanos com impacto no espaço público» (Brandão, 2008:10). O aparecimento
do automóvel e outros meios de transporte motorizados, vieram provocar não só necessidades de
adaptação das ruas tradicionais (por exemplo, segregação de usos) como também a criação de
novas tipologias para acompanhar a evolução da deslocação, categorizadas por Brandão como
“espaços-deslocação”, onde se podem identificar:
– Os espaços públicos de transporte que englobam as áreas de espaço público usadas para
servir os transportes colectivos, como as estações, paragens e interfaces. São espaços que
requerem alguns cuidados, principalmente ao nível do pavimento, devido à elevada utilização.
– Os espaços canais em que o uso é exclusivo, como vias-férreas, auto-estradas e passagens
pedonais aéreas.
– Os espaços de estacionamento, em parques ou em silos, são novos espaços públicos cada
vez mais importantes pela interacção peão e automóvel, é nestes locais que os condutores
passam a ser peões e vice-versa. Os parques de estacionamento podem ser segregados ou
podem fazer parte da rua, criando mais interacção mas ao mesmo tempo introduzindo novos
problemas e conflitos com outros usos mais tradicionais.
Figura I.14 – Espaços-Deslocação: Subcategorias
a. Espaços de Transporte | Website Olhares
b. Espaços Canais | Website Olhares
c. Espaços de Estacionamento | FNI
25
ESPAÇOS EMERGENTES
Outro factor decisivo é a crescente privatização ou o «reequilíbrio dos limites público-privado»
(Brandão, 2008) com os quais muitas funções colectivas passaram a desenvolver-se em espaços
privados ou de gestão privada, retirando ao espaço público um dos seus usos primários e
essenciais, a troca. Surgem assim os “espaços comerciais semi-interiores e semi-exteriores” onde
estão inseridos mercados, centros comerciais, arcadas, quiosques, toldos e etc., que exigem o
cumprimento de regras de conduta mais restritas e discriminatórias por se tratarem de espaços
fechados de gestão privada ao invés de locais totalmente públicos e acessíveis.
Dentro destas tendências actuais Brandão assinala ainda outras que, embora não criem novas
tipologias de espaço público, trazem impactos ao nível da identidade do espaço tradicional. O
motivo parece ser sempre o mesmo, o benefício económico, quer através da criação de
“identidades inventadas” induzidas pelo turismo e pela função lúdica, como através da “estetização
do espaço público” em que muitas vezes a moda e o “design” apagam identidades mais
autênticas. Pedro Brandão aponta ainda a apropriação do espaço público que tem sido feita pela
publicidade, mais uma vez para fins lucrativos ou políticos, tirando partido da imposição
irrecusável que representam estas mensagens.
Mas não será esta uma forma natural de evolução? A publicidade, a homogeneização dos
espaços e as identidades “emprestadas” ou “roubadas”, no futuro farão parte de mais uma etapa
na história do urbanismo. Tal como no romantismo, actualmente atravessa-se uma fase
melancólica e saudosista, na procura do espaço público tradicional.
2. O PAVIMENTO
«Porque o pavimento – base e elemento de ligação de todo o tecido urbano – é um dos factores
essenciais do equipamento dos seus espaços. Do traçado, dos materiais utilizados, da textura, da
cor, do desenho, depende a sua eficácia, estética e psicológica»21
.
2.1. DEFINIÇÃO DO CONCEITO
«É a partir do território e da sua topografia que se desenha ou constrói a cidade. É a topografia e
modelação do terreno, mas são também os revestimentos e pavimentos, os degraus e passeios
empedrados, os lancis, as faixas asfaltadas, os carris dos eléctricos e tantos outros aspectos»
(Lamas, 2007:80).
Para uma definição apurada de pavimento, é importante começar por clarificar as várias
“camadas” que o compõem e os vários papéis que desempenha antes de partir para a sua
materialidade e adequabilidade.
A constituição do pavimento é muito mais complexa do que aquilo que está visível para o
utilizador. O pavimento é definido como a parte da via que suporta directamente o tráfego e
21 Francisco Keil AMARAL e José SANTA-BÁRBARA – Mobiliário dos Espaços Urbanos em Portugal. Mirandela: João Azevedo Editor, 2002, p.76
26
transmite as respectivas solicitações à infra-estrutura, ao terreno. É constituído por várias
camadas, sendo aquela com que contactamos directamente, a camada de desgaste, que por sua
vez assenta sobre as camadas de fundação, estas com a função, no que toca à implementação de
construções, de distribuir as cargas sobre o solo.
A clarificação do conceito de solo torna-se importante uma vez que a existência e o tipo de
pavimentos dependem da existência e forma do próprio solo. O solo é a verdadeira base de todos
os nossos movimentos e acções, mas também uma grande limitação na medida em que a sua
topografia e constituição condiciona de algum modo o tipo de espaços e usos que podem surgir.
Coberto pelo pavimento, o solo incorpora muitas das infra-estruturas que permitem a existência de
vida urbana e que são essenciais para todo o sistema urbano desde as naturais, como a
hidrologia, às construídas, como a rede de esgotos, água, gás, electricidade. «A dimensão,
complexidade e eficiência deste poderoso e discreto sistema de raízes da cidade nem sempre
são perceptíveis aos cidadãos»22
.
No entanto, apesar das vantagens estéticas e funcionais da incorporação das infra-estruturas no
subsolo, surgem alguns problemas quer pela necessidade de espaço de implantação que por
vezes é insuficiente, quer pela limitação em termos de pavimento que estas representam. Todas
as redes de infraestruturas subterrâneas necessitam de controlo e manutenção, feito
necessariamente através do pavimento. Assim, é conveniente que integre elementos facilmente
removíveis que por vezes representam descontinuidades e pontos de degradação mais rápida do
revestimento (Brandão, 2002). De facto, a camada mais exposta é o pavimento que, por isso
mesmo, desempenha o papel principal de servir como superfície resistente, durável e confortável,
de adaptar as condições naturais do solo à vida urbana e às suas diferentes exigências sem que
se desintegre rapidamente.
O pavimento é composto, no seu todo, por camadas de fundação e de desgaste. A camada de
fundação é constituída usualmente por base e sub-base, funcionando como o elemento resistente
visto que consiste, normalmente, numa camada granular (brita) preparada com um solo de melhor
qualidade que o existente. A camada de desgaste é a superfície em que se estabelece o contacto
directo com o pavimento, a face do chão que nos apoia, que terá de se adaptar às diferentes
funções a que se destina, tendo como principal exigência física a resistência ao desgaste e a
durabilidade.
Ao longo deste trabalho o pavimento será entendido como esta camada de desgaste, «which is
immediately apparent to pedestrian. It is felt beneath the foot, seen at close quarters, from it the
rain splashes and the heat rises to greet the user: its design is therefore of great importance»23
.
É com os “pés” no chão que se estabelece o primeiro, e por vezes único, contacto físico directo
com o espaço, as opções que se tomam e os caminhos que se escolhem estão sempre
relacionados com a forma como os “pés” assentam no pavimento e portanto, a natureza, textura e
22 Lúcia Gonçalves de BRITO – “Um Discreto Sistema de Raízes”, Gestão Urbana, Lisboa: Parque EXPO 98, SA, 2002, p. 283
23 Cliff MOUGHTIN [et al.] – Urban Design: Ornament and Decoration. 1ªEdição. Oxford: Butterworth Architecture, 1995, p.94
27
dimensão dos seus elementos e materiais desempenham um papel determinante para esta
experiência. Assim, o chão como superfície onde inevitavelmente se “aterra” por acção da
gravidade, é o suporte de toda a vida urbana, e, como tal, são muitas as exigências a que tem de
dar resposta, num variado leque de conjugações, resultando num tecido de vários retalhos, mais
ou menos fluidos, passíveis de serem intuitivamente relacionados com os usos a que se destinam.
Facilmente se percebe que mudanças, por exemplo, no tipo de tráfego podem exigir adaptações
no tipo de pavimento de forma a melhor se adequar aos requisitos impostos, gerando variações
que podem ser aproveitadas para criar padrões decorativos. São oportunidades para ornamentar
resultantes de funções práticas.
Figura I.15 – O Pavimento como Suporte de Diferentes Actividades
Website Olhares
«Os padrões distintos formados por diferentes materiais nascem da sua utilização. Imaginemos os
utentes do pavimento agindo de modo instintivo ou predestinado, e em seguida registemos os
seus movimentos. O resultado seria um “padrão de movimento” em que o uso do pavimento é
traduzido por padrões constituídos por cores ou texturas indicando as diferentes actividades»
(Cullen, 2006:130).
CARÁCTER DO PAVIMENTO
«Successful paving reinforces the character of a place» (Moughtin, 1995:94).
a) Carácter Visual
O carácter visual do pavimento não surge apenas como resultado das questões práticas já
referidas, sendo por vezes tratado mais como uma peça de mobiliário urbano que, embora
cumprindo a sua função, desempenha um papel estético de maior relevância no ambiente criado,
ou seja, é tratado como um elemento estético do espaço urbano. Este papel está muitas vezes
relacionado com a vontade de melhorar o carácter de determinado espaço tornando a sua escala
mais humana e abarcável, potenciando o seu sentido de movimento ou de estada, ou ainda
aumentando a sua utilização e interesse através da introdução de pormenores ornamentais
apelativos por si só.
28
Figura I.16 – O Pavimento como Elemento Estético
a. Campidoglio, Roma – Padrão regulador da escala do espaço e unificador do conjunto | FNI
b. Calçada portuguesa «mar largo», Vila do Conde – Padrão potenciador do sentido do movimento | FNI
c. Calçada portuguesa, rosa-dos-ventos em frente ao Monumento dos Descobrimentos, Belém – Desenho
ornamental apelativo | FNI
O pavimento pode ainda ser usado como meio de comunicação interagindo com o utilizador
através da transmissão de informação relevante. Esta comunicação passa por vários níveis, desde
diferenciar o tipo de usos a que o espaço se destina no seu sentido global, como a determinar,
numa escala mais aproximada, variações do tipo de uso dentro do mesmo, e, ainda, criar
situações específicas como por exemplo, passadeiras indicativas de zonas com prioridade para
peões, zonas com maior rugosidade, um pequeno desnível indicando um obstáculo, sinaléctica de
informação como nomes de estabelecimentos ou números de policia, ou de orientação, indicando
direcções relevantes.
Figura I.17 – O Pavimento como Meio de Comunicação
a. Piazza Vitorio Emanuele, Santa Severina, Itália – Pavimento indicando os pontos cardiais e direcção do
vento | FNI
b. Zona Envolvente à Abadia de Santa Maria de Alcobaça – Diferenciação do tipo de uso através da
materialidade do pavimento | Website Gonçalo Byrne
c. Sinalização de corredores de circulação através do tratamento da superfície e desníveis de pavimento | FNI
29
b) Carácter Simbólico
O carácter simbólico do pavimento tem também como base a comunicação uma vez que serve
para transmitir uma informação mas não como aviso ou indicação. Neste caso a comunicação é
utilizada para simbolizar algum momento na história, relembrar o passado do lugar, ou também
para publicitar uma zona privada adjacente recorrendo por vezes à simples alteração no material
do pavimento. A mensagem simbólica, embora mais abstracta, não impede, no entanto, que a
informação transmitida seja reforçada por texto ou imagens impressas, meios mais directos,
embora neste caso secundários.
Figura I.18 – Pavimento como Símbolo/Ícone
a. Quilómetro Zero na Praça das Portas do Sol, Madrid – Símbolo do centro da rede de estradas espanholas,
e mais abrangente, do centro administrativo do país | FNI
b. Desenhos na Calçada Portuguesa, Aveiro – Símbolos alusivos ao mar, actividade identitária da cidade | FNI
c. Almada Velha – Escadaria ondulante, alusiva ao rio | Pedro Brandão – Chão da Cidade
c) Carácter Orientador
O pavimento desempenha um importante papel enquanto referência para a orientação no espaço,
é através dele que se diferenciam as várias características básicas da cidade como público e
privado, aberto e fechado, movimento e repouso.
«Floorscape patterns can reinforce the line character of a street, emphasising its character as a
“path” by providing a sense of direction with visually dynamic pattern. Alternatively, they can check
the flow of space by emphasising its character as a “place”, or by suggesting a feeling of repose
with a visually static or contained pattern» (Carmona, 2003:160).
O carácter orientador que o pavimento pode e deve ter, leva o transeunte a optimizar
determinadas funções, na medida em que, ao potenciar a tipologia do espaço a que pertence,
suas características e funcionalidades, cria condições para que se proceda com mais convicção e
segurança aquando da sua utilização. Nas praças potencia-se a sentimento existencial de “estar”
e nas ruas a sua essência direccional.
30
Figura I.19 – Pavimento como Orientador do Uso do Espaço
a. Padrão dinâmico potenciador da circulação, Vila Viçosa | FNI
b. Piazza Giuseppe Tartini, Pirano, Eslovénia – Padrão periférico em grelha estático, permitindo a
compartimentação do espaço, com uma zona de esplanadas. Potenciador do carácter de estada | FNI
d) Carácter Operacional
«The interplay of floor patterns of the pavement which alternate between movement and rest can
be designed as the city’s choreography, bringing qualities of rhythm, scale and harmony to the
urban scene» (Moughtin, 1995:94).
O pavimento é uma superfície, moldada à superfície da terra, onde tudo se representa a duas
dimensões e, portanto, o seu carácter operacional reside essencialmente na adaptação de um
terreno irregular e, muitas vezes impraticável, numa plataforma capaz de suportar a vida urbana.
Para tal este extenso elemento tem a difícil tarefa de vencer desníveis, unir diversos pontos,
segregar funções, acentuar marcos, dar escala aos espaços, suportar diferentes imposições e
etc., tudo isto de modo a proporcionar as melhores condições para que todos possam usufruir dos
espaços com conforto, segurança e satisfação. Todas estas variações fazem do pavimento um
espelho daquilo que se passa a três dimensões sobre ele, representando o ritmo da cidade
(Cullen, 2006).
31
Figura I.20 – Pavimento Operacional
a. Escadaria permitindo a acessibilidade a uma cota elevada | Website Olhares
b. Freiburg, Alemanha – Os canais de água ao longo do pavimento das ruas separam a área pedonal e a via
do eléctrico a par com a sua função de drenagem | Gehl – Novos Espaços Urbanos
c. Zadar, Croácia – Adaptação da costa, criando um espaço de plataformas que possibilitam contemplação à
escala humana | FNI
d. Pioneer Courthouse Square, Portland – Rampa no meio de uma escadaria, adequando o acesso a
pessoas de mobilidade reduzida, bicicletas, carrinhos de mão, patins, etc. | Gehl – Novos Espaços Urbanos
e. Segregação das funções de circulação e estada | Website Olhares
e) Carácter Organizativo
É importante não esquecer que o pavimento é também um elemento activo, uma vez que não se
limita a dar resposta aos requisitos do espaço, dando como contributo «o seu próprio carácter e
personalidade» (Cullen, 2006:130).
É através do seu material, textura e padrão que sobressai o seu carácter organizativo na medida
em que pode unir ou separar os vários elementos constituintes do espaço, segregar funções e
distanciar a envolvente ou pelo contrário, ser plataforma homogénea e unificadora de um espaço
que de outra forma não teria leitura como tal. Também podem ser considerados parte integrante
deste carácter, o papel “compositivo” e “comunicativo” do desenho do pavimento.
«Entre os diversos factores que contribuem para a unificação e coesão numa cidade, o pavimento
é dos mais importantes» (Cullen, 2006:55).
32
Figura I.21 – Pavimento Organizativo
a. Rua Augusta, Lisboa – A calçada apresenta dois padrões diferentes definindo áreas da rua com diferentes
funções | Fotografia de Autor, 2008
b. Urban Lounge, St. Gallen, Suiça – Pavimento que pelo seu carácter insólito e homogéneo, unifica o espaço
irregular intersticial entre edificações muito heterogéneas | a+t Magazine, In Common IV
2.2. ENQUADRAMENTO HISTÓRICO
O pavimento surge em primeiro lugar nas vias de circulação por serem sujeitas a esforços maiores
que todos os outros espaços e pela necessidade de se tornarem cada vez mais eficientes.
Segundo J. Paulino Pereira datam da pré-história os vestígios encontrados dos primeiros
pavimentos, consistindo em calçadas muito primitivas constituídas apenas por várias pedras
alinhadas e encostadas para facilitar a deslocação, especialmente em zonas alagáveis ou
lamacentas. Os romanos, para facilitar o domínio sobre os seus vastos territórios, estenderam
calçadas formadas por pesadas lajes de granito justapostas cobrindo todos os centros urbanos e
as ligações entre eles.24
Tal como qualquer inovação, a utilização da superfície pavimentada para cobrir o solo surgiu
relacionada a questões funcionais e foram estas que posteriormente levaram à pavimentação dos
lugares mais importantes e significativos da cidade, os espaços mais nobres, como modo de evitar
os inconvenientes trazidos pelo contacto directo com o solo, como o pó e a lama.
É, no entanto, na cidade burguesa do séc. XVII que começa a surgir a necessidade de adicionar
um valor simbólico aos elementos do espaço público, e a pavimentação adquire dimensões para
além da sua função, nas praças de maior imponência da cidade. Começa a fazer parte do todo,
combinando-se com o desenho da envolvente e enaltecendo as características estéticas do
espaço através da criação de padrões decorativos e ornamentais (Remesar, 2005). Perde o seu
estatuto de elemento neutro e subtil passando a desempenhar um papel activo na atmosfera do
lugar, um papel de representação, surge deste modo o seu carácter visual e simbólico.
De facto, até esta data, apenas os espaços de maior importância das cidades beneficiavam de
pavimentação. Foi por volta do séc. XVII, e mais significativamente no séc. XVIII, que houve uma
grande mudança no modo de vida e, consequentemente, na importância da pavimentação.
Segundo Remesar houve um aumento considerável de tráfego na cidade provocado pelo
24 J. Paulino PEREIRA – “O Pavimento e sua Evolução”. Pedra & Cal, nº19, Lisboa: Geocorpa, Setembro
2003
33
crescimento da actividade comercial e também pela moda, lançada pela Corte Espanhola, de
passear de coche pela cidade como forma de ostentação (Remesar, 2005). Como consequência,
foi necessária uma reestruturação de todo o sistema de espaços públicos e o pavimento passou a
ser utilizado em extensão por toda a cidade de maneira a proporcionar as condições adequadas
para este tráfego intenso. Não só todas as ruas e espaços da cidade foram sendo pavimentados,
como foi necessário criar diferenciação entre espaço pedonal e espaço de veículos, ou seja, surge
o perfil que actualmente prevalece na rua tipo, passeio e estrada.
Figura I.22 - Proliferação da Calçada em Lisboa
a. Parada do Batalhão de Caçadores 5 – Primeira calçada portuguesa, 1842 | Arquivo Municipal de Lisboa (AML)
– Paulo Guedes
b. Rossio – Origem do tema «mar largo» no padrão de calçada portuguesa | AML – Paulo Guedes
c. Largo de S. Paulo – Calçada que ainda hoje prevalece | AML – FNI
d. Largo do Carmo | AML – FNI
e. Praça dos Restauradores – Compatibilização entre carruagens e peões | AML – FNI
f. Rua em Alfama | AML – Armando Serôdio, 1962
Esta segregação e diferenciação de funções da rua aumentou com o aparecimento do automóvel,
que, pelas suas características, criou uma barreira ainda maior à interacção peão/automóvel e
introduziu novas exigências também ao pavimento. Para além da óbvia adaptação que foi
necessária na pavimentação das ruas existentes, começou a ser necessária a criação de zonas de
estacionamento introduzindo mais uma valência à qual o pavimento teve de dar resposta. Pela lei
do mais forte, o automóvel foi retirando espaço ao peão. Um pouco como se o pavimento tivesse
deixado de ser o elemento horizontal de ligação dos edifícios envolventes para passar a ser uma
superfície de separação.
34
Figura I.23 – Separação de Trânsitos
Website Olhares
O fenómeno da globalização e da evolução tecnológica introduziu grandes alterações nos modos
de vida, potenciando a vida urbana virtual um pouco em detrimento daquilo que é a essência da
cidade, levando ao aparecimento de uma base de suporte deste tipo de vida bem diferente da que
é o pavimento. São cada vez menos os momentos de encontro e socialização no espaço urbano,
cada vez mais o pavimento funciona apenas na sua condição de suporte da mobilidade e quanto
mais eficiente neste aspecto maior a sua incompatibilidade com outras funções. Este fenómeno de
descaracterização do espaço pela banalização situacional contribuiu também para a perda de
identidade dos lugares, na qual o pavimento desempenhava, por vezes, papel activo. Isto deve-se
ao facto de se recorrer a soluções standard de materiais e tipos, independentemente do sítio ou
extensão onde se insere, levando a uma homogeneização dos espaços por todo o mundo.
Figura I.24 – Descaracterização do Espaço Urbano
Spokane – Centro da Cidade transformado em estacionamento de automóveis | Gehl – Novos Espaços Urbanos
Com a evolução tecnológica os sistemas mecanizados foram conquistando terreno àquele que
outrora era trabalho realizado artesanalmente, a pavimentação do espaço público. Por uma
questão de eficiência, rapidez e economia de custos, estes processos foram substituídos por
outros de execução mecanizada, onde predomina a uniformidade de soluções, sendo poucos os
exemplos que perduram de tipologias tradicionais.
Deste modo é importante dar especial destaque ao caso da Calçada Portuguesa, uma vez que é
uma das tipologias tradicionais que «transcenderam a sua função meramente utilitária arvorando-
se em elementos decorativos originais» (Amaral e Santa-Bárbara, 2002:76) e que, tem um grande
valor patrimonial.
35
2.3. A CALÇADA PORTUGUESA
A partir do séc. XV a pavimentação torna-se uma imposição legislativa dada a necessidade de
assegurar uma melhoria dos pavimentos das artérias mais concorridas, numa época de crescente
dinamismo das cidades, principalmente de Lisboa por representar o epicentro do próspero
desenvolvimento comercial que se vivia em Portugal.25
«Algumas destas ruas eram de terra ou calcetadas com tijolos frágeis; mantinham-se também
quase sempre sujas, a não ser quando se preparavam festividades religiosas e cortesãs (cobrem-
se então de areia, ramos e flores aromáticas)»26
.
Nesta referência à Lisboa do séc. XVI torna-se claro que Portugal acompanhou a evolução do
resto da Europa onde os luxos da cidade burguesa despoletaram as preocupações com o
pavimento como contributo ao bem-estar, mas ainda apenas em ocasiões especiais e espaços
importantes. Eram poucos, nesta altura, os espaços pavimentados com lajeados de mármore e
granito, normalmente relacionados com igrejas, conventos e palácios, raramente ao nível dos
espaços públicos (Seixas, 1998).
As ruas foram sendo pavimentadas lentamente, com calçada, em pequenos elementos
justapostos da pedra existente na região. No caso de Lisboa predominava o calcário, pouco
adequado uma vez que rapidamente se degradava com o fluxo cada vez maior de carruagens
para o qual os pavimentos não estavam preparados. «Em 1500, D. Manuel aprovaria o orçamento
da pavimentação da Rua Nova dos Mercadores, com pedra do Porto, granito de boa raiz nortenha,
“porque a outra dana-se da maneira que vedes”»27
. No entanto, a maioria das ruas de Lisboa
permaneceram em terra batida por muito tempo, já que este era um processo demorado e feito
consoante a necessidade, sendo prioritárias as zonas mais cruciais.
É no pós terramoto que o pavimento começa a ganhar consistência e extensão em Lisboa e
segundo Giuseppe Gorani «...a pavimentação das ruas que estavam a ser construídas era muito
boa e a cidade obtinha grande vantagem com a destruição das antigas ruelas e casas insalubres,
porque agora se construíram novas ruas, largas, regulares, bem pavimentadas e ladeadas de
passeios»28
.
A pavimentação de praças, ruas, jardins, etc., aliada à construção de uma rede de esgotos
estruturada e à implantação de iluminação pública, veio ao encontro dos requisitos de saúde
pública impostos pelo crescimento desordenado que se estava a instalar.
Foi no séc. XIX que se deu a grande revolução ao nível do pavimento em Portugal com o
aparecimento da que viria a ser reconhecida internacionalmente como Calçada Portuguesa, o
25 Ana CABRERA e Marília NUNES – Olhar o Chão. Lisboa: Imprensa Nacional Casa da Moeda, 1998
26 Maria Eugénia Reis GOMES – Contribuição para o estudo da festa no antigo regime em Lisboa. Lisboa: Instituto Português do Ensino à Distância, 1985, p.13 in Ana SEIXAS [et al.] – Ternos Passeios: um manual para melhor entendimento e fruição dos espaços urbanos públicos. Lisboa: IPAMB e CML, 1997, p. 71.
27 Eduardo Freire de OLIVEIRA – Elementos para a História do Município de Lisboa. Volume I, Lisboa: Câmara Municipal de Lisboa, 1942, p. 190 in BAIRRADA, Eduardo M. – Empedrados Artísticos de Lisboa. Vila da Maia: Gráfica Maiadouro, 1985, p. XXXVII
28 Giuseppe Gorani – Portugal: A corte e o país nos anos 1765 a 1767. Lisboa: Lisóptima, 1989 in Eduardo M. BAIRRADA – Empedrados Artísticos de Lisboa. Vila da Maia: Gráfica Maiadouro, 1985, p. XXXIX
36
primeiro empedrado em calçada mosaico tão característico e afamado, a mesma que actualmente,
insiste em revestir quase todos os passeios e praças portuguesas.
Segundo Cabrera e Nunes, a ideia para este pavimento resulta do cruzamento entre os padrões
ornamentais dos pequenos empedrados decorativos em calhau rolado, já existentes em espaços
privados e nos vestígios dos painéis de Mosaico Romano usados em espaços interiores de luxo,
postos a descoberto por escavações arqueológicas, nesta época em que prevalecia um profundo
sentido do passado, do reaver das tradições e raízes (Cabrera e Nunes, 1998). É então nesta
base que a Calçada Portuguesa se desenvolve, adaptando-se a uma escala bem diferente da
habitual para este tipo de pavimentos não só funcionais mas também decorativos. Pela primeira
vez esta tipologia encontra uma solução capaz de se expandir por áreas de grandes dimensões
sendo, portanto, ideal para espaço público.
Trata-se de um pavimento composto por pedras mais ou menos regulares, tirando partido dos
diferentes tipos de pedra natural da região, principalmente calcário vidraço azul-escuro ou basalto
e calcário vidraço branco, para criar formas e padrões que, tendo em conta a escala do espaço a
que se destinam, devem ser criados com cuidado para que a legibilidade resultante do conjunto
seja a esperada, mais global ou mais intrincada dependendo da situação.
A primeira aplicação da Calçada Portuguesa artística surge no Castelo de S. Jorge por iniciativa e
desenho do então Governador de Armas do mesmo, o Tenente General Pinheiro Furtado,
recrutando prisioneiros para o executar. Depois desta experiência bem sucedida, a Câmara
Municipal de Lisboa deu o seu apoio e concedeu as verbas necessárias para que se procedesse à
pavimentação de toda a placa central do Rossio. O exemplar mais antigo que ainda persiste
actualmente é a pavimentação do Largo de São Paulo em Lisboa (Cabrera e Nunes, 1998).
«O público acabou por aderir à iniciativa (...) reconhecendo-lhe o sentido utilitário, por comparação
com a generalidade das zonas onde abundava, ora a lama, ora a poeira» (Cabrera e Nunes,
1998:XVII).
A partir do séc. XX, com o advento da circulação viária, os peões foram sendo remetidos para os
passeios e, estes continuaram a ser lentamente calcetados e embelezados com diferentes
padrões desde caravelas, florões, rosetas, ondas, formas geométricas, etc. um pouco por todo o
país (Cabrera e Nunes, 1998). A fama da calçada mosaico à portuguesa atravessou a fronteira e
são vários os exemplos da sua utilização fora do país.
Figura I.25 – Exemplos de Calçada Portuguesa no Estrangeiro
a. Copacabana, Brasil | FNI
b. Macau | FNI
c. Benguela, Angola | FNI
d. Central Park, Nova Iorque – Homenagem a John Lennon | FNI
37
Com a década de 70 e a vontade de devolver o espaço público aos peões, as áreas calcetadas
voltaram a aumentar e este tipo de pavimento conseguiu sobreviver às sucessivas transformações
dos modos de pensar a cidade, continuando a ser uma técnica muito utilizada por designers e
artistas contemporâneos (Cabrera e Nunes, 1998).
O exemplo mais recente de espaço público construído de raiz com recurso à tradicional Calçada
Portuguesa é o Parque das Nações, realizado aquando da Exposição Mundial Expo’98 onde
encontramos uma grande variedade desta tipologia de pavimentação tão simbólica e decorativa.
Figura I.26 – Calçada Portuguesa no Parque das Nações
a. Rossio dos Olivais – Nova interpretação de «Mar Largo» da autoria de Fernando Conduto | FNI
b. Cais dos Argonautas – «Monstros Marinhos» de Pedro Proença | FNI
c. Alameda dos Oceanos – «Caminho de Água» de Rigo | FNI
d. Cais Português – Conjunto de desenhos abstractos, que convidam o público a seguir, participar ou inventar
jogos a partir dos desenhos labirínticos de Xana | FNI
«É uma nota cívica assinalável o uso destes pavimentos decorativos. Traduz um requinte que
invulgarmente se encontra nos serviços públicos, cuja tendência normal é a rotina, a uniformidade,
quando não o desamor completo. É um barroquismo, se assim se pode designar, que traduz
também o conhecimento longo e aperfeiçoado de um material de pavimento e, por isso, pode
pretender ir mais longe no seu uso» (Amaral e Santa-Bárbara, 2002:76).
Com esta citação de Keil Amaral e Santa-Bárbara entende-se todo o simbolismo e nobreza a que
a Calçada Portuguesa está associada. No entanto, é necessário ponderar bem em que situações
se deve recorrer a este tipo de pavimentação uma vez que tal carácter poderá perder-se quando
utilizado de uma forma desregrada e banalizante. Será que não se está a cair no erro de tentar
nobilitar qualquer espaço público, “à força”, através do uso desta tipologia de pavimento acabando
por se desconsiderar a tão tradicional Calçada Portuguesa?
39
CAPÍTULO II. ADEQUAÇÃO DO TIPO DE PAVIMENTO AO TIPO DE UTILIZAÇÃO
Esclarecidos os conceitos para o entendimento dos fenómenos urbanos de que o pavimento
também é “palco e argumento”, este capítulo pretende ser um trabalho de pesquisa, análise e
observação de diversos casos de estudo e exemplos, com o intuito de identificar os tipos de
utilização do espaço público em estudo, a pavimentação aí utilizada e a forma como se
relacionam. No final, procura-se sistematizar num quadro comparativo a relação entre o uso do
espaço público e o chão que o suporta.
A descrição dos diversos tipos de actividades apoia-se predominantemente na pesquisa
desenvolvida por Gehl, no seu livro Life Between Buildings.
1. TIPOS DE UTILIZAÇÃO DO ESPAÇO PÚBLICO
«Apesar de ser um produto, o território comporta-se simultaneamente como condicionante das
práticas sociais subsequentes, as quais se configuram também na sua relação com esse mesmo
espaço que as suporta. Deste modo práticas sociais e espaço são duas realidades em constante
interacção» (Salgueiro, 2002:26).
Para perceber o espaço público e todas as suas componentes físicas, especificamente o
pavimento, é importante perceber as práticas sociais que aí se desenvolvem já que são dois
elementos indissociáveis e bastante condicionantes um do outro. Desta forma para compreender o
papel do pavimento da cidade é preciso enumerar muitas das funções que aí se desenvolvem e às
quais oferece os seus serviços.
1.1. ACTIVIDADES PEDONAIS
Gehl classifica as actividades pedonais no exterior em necessárias, opcionais e sociais
abrangendo a natureza de todas as acções que decorrem no espaço público (Gehl, 1996).
Apresenta-se de seguida a sistematização das actividades pedonais caracterizando-as quanto à
sua natureza funcional, à sociabilização e à participação dos seus intervenientes.
SISTEMATIZAÇÃO
a) Quanto à sua natureza funcional – Necessárias ou Opcionais
As actividades podem ter um carácter necessário que, tal como o nome sugere, acontecem
independentemente do ambiente exterior, sejam quais forem as circunstâncias e condições do
espaço, uma vez que têm inevitavelmente de ser cumpridas. Enquadram-se nesta categoria
essencialmente as actividades relacionadas com a deslocação entre os vários locais
necessariamente frequentados, ou tarefas que têm de ser realizadas, em que o espaço público
não passa do meio de comunicação e ligação entre os objectivos a alcançar (Gehl, 1996).
Podem ainda ter um carácter opcional quando ocorrem apenas se houver o desejo de as realizar,
sem qualquer sentido de obrigação. São especialmente dependentes da qualidade do espaço
público e das condições exteriores. Nesta categoria inserem-se todas as actividades de lazer, nas
40
quais o espaço não é visto como um local de passagem, mas sim usado conscientemente e pelo
simples prazer de o usar (passear, apanhar ar e sol, estar, sentar, qualquer actividade de lazer).
Desta forma Gehl conclui que, quando as condições exteriores não são favoráveis, apenas
ocorrem as actividades estritamente necessárias e o mais rapidamente possível, sem que se
deixem interferir pelo que se passa na envolvente. Em espaços de qualidade, a frequência com
que estas ocorrem é a mesma embora mais demoradamente, e o movimento aumenta uma vez
que surgem também as actividades opcionais que tendem a aumentar proporcionalmente à
qualidade do espaço. «Place and situation now invite people to stop, sit, eat, play, and so on»
(Gehl, 1996:13).
Figura II.1 – Opcional ou Necessária
FNI | Tim Stern, SD
b) Quanto à socialização – Isoladas ou Sociais
As actividades, sejam elas de carácter necessário ou opcional, podem ser caracterizadas como
isoladas, quando desenvolvidas individualmente e sem qualquer interferência de outras pessoas
que estejam nesse mesmo espaço. Podem ser sociais, quando existe realmente interacção com
os outros utilizadores, ainda que seja apenas por contacto passivo, por exemplo visual. As
actividades passam a ter um carácter social a partir do momento em que o indivíduo toma
consciência dos outros utilizadores desse espaço e vice-versa, e para isso, tal como Gehl
evidencia, é importante a presença de outros no espaço público. Estas são actividades
espontâneas que se podem desenvolver a vários níveis diferentes, entre pessoas presentes no
mesmo espaço físico, conhecidas ou desconhecidas, que se cruzam, cumprimentam ou apenas se
observam.
Naturalmente, quanto melhor for o espaço, maior a probabilidade de se estabelecerem este tipo de
interacções já que, por um lado, existem mais pessoas a utilizá-lo ou cruzá-lo e, por outro,
aumenta também a própria predisposição e abertura das pessoas presentes para conviver,
embora muitas delas tivessem o simples propósito de observar.
41
Figura II.2 – Interacção ou Isolamento
Website Olhares
c) Quanto à participação – Passivas ou Activas
Uma das actividades mais procuradas, como já referido anteriormente, é a simples necessidade
de observar a vida urbana e o seu movimento em geral e, em particular, observar e ouvir outras
pessoas, ou seja, ter um papel passivo. Carmona denomina a esta forma de participação no
espaço público «people-watching» (Carmona, 2003:166) e enquadra-a na sua dimensão funcional
como uma das necessidades primárias que as pessoas procuram satisfazer nestes locais. Esta
actividade pode manter-se na sua passividade ou transformar-se noutra mais activa, resultante da
vontade espontânea de participar em algo que se esteja a observar.
ACTIVIDADES DE PARTICIPAÇÃO PASSIVA
A forma passiva de estar no espaço público é, de facto, a maioritária e é a geradora de todas as
outras. Uma vez que se escolhe a integração na vida de determinado espaço através de uma
primeira fase de observação e reconhecimento, é importante perceber as condicionantes que
representa para o bom funcionamento desse espaço. Acima de tudo, pode concluir-se que
actividade gera actividade e, para que um espaço urbano possa resultar, é importante que não
esteja segregado dos habituais locais de passagem e fluxo da vida urbana. Espaços isolados e
supostamente seguros, criados sob o pretexto de libertar as pessoas do burburinho e azáfama da
cidade, são precisamente aqueles que se encontram vazios gerando ocupações consideradas
indesejáveis e marginais, o que contraria um dos objectivos com que foram criados, a segurança.
«The places people like most are places where there are lots of other people in a fairly contained
amount of space – in a word, somewhat crowded» (Whyte, 2000:242).
42
Figura II.3 - Observar ou Participar
Website Olhares | FNI
a) Ver
As actividades tendem a crescer da periferia para o centro dos espaços públicos, uma vez que as
zonas mais procuradas pelas pessoas para estar se localizam ao longo das fachadas ou nos
limites exteriores do espaço onde se encontram. É o chamado efeito de periferia ou «edge
effect», uma questão de controlo e segurança que proporciona um elevado nível de conforto ao
ser humano (Gehl, 1996). A capacidade de poder observar tudo o que se passa à sua volta, sem
que esteja demasiado exposto ou desprotegido, torna-se bastante atractiva. Mantém a distância
necessária e a sua passividade enquanto desejar, salvaguardando a possibilidade de ser
abordado de surpresa e contra a sua vontade. Como tal, se as pessoas vão ficando ao longo da
periferia do espaço, é por aí que começam a desenvolver-se as diversas actividades e interacções
e, em última análise, vão crescendo e acumulando até começarem a transbordar para o centro
num processo gradual, «if the edge fails then the space never becomes lively»29
.
Figura II.4 – Efeito de Periferia
e. Museu de Arte Contemporânea, Barcelona | Website PPS
f. Plaza de Quintana, Santiago – As actividades desenvolvem-se da periferia para o centro | Website PPS
«O conforto, a tranquilidade, o envolvimento do utente no espaço (...), reclamam um espaço que
proporcione a vida colectiva mas também o anonimato, a privacidade e a salvaguarda da
intimidade no “espaço vital” da pessoa» (Brandão, 2008:11).
29 Christopher ALEXANDER – A Pattern Language. New York: Oxford University Press, 1977, p.599
43
A questão do dimensionamento de um espaço público deve ter em conta o campo de visão
social do utilizador, de maneira a que os limites do espaço correspondam aos limites do campo de
visão já que, como se percebe, quase todas as actividades têm início na observação distante e
geral do ambiente. Segundo T. Hall, a distância máxima de alcance ainda dentro do campo de
visão social é de 100m, pois este é o limite para distinguir e identificar uma pessoa. Dentro deste
alcance é possível estabelecer vários patamares de interacção social. Entre 70m e 100m começa
a ser possível distinguir algumas características do indivíduo e reconhecê-lo, caso seja alguém
próximo, e acima de tudo é possível perceber o que está a acontecer no espaço envolvente. No
entanto, só a cerca de 20 a 25m é que começam a tornar-se nítidas as expressões faciais e
disposição da pessoa, sendo a partir desta fase que Hall considera realmente haver interacção
social.30
Alexander reitera esta afirmação ao dizer que as pessoas se sentem conscientemente
relacionadas umas com as outras em espaços cujo diâmetro não seja mais que a distância que
lhes permite identificar expressões faciais e ouvir ao longe os outros (Alexander, 1977).
Figura II.5 – Observar, o efeito de periferia
a. Machico, Portugal – Observando a paisagem | Pedro Gomes, 2006
b. Seattle, Occidental Square renovada em 2007 – Pessoas sentadas a observar | Dan Gonsiorowski, SD
b) Ouvir
Introduz-se aqui uma nova forma de percepção do espaço que é também extremamente
importante para o bem-estar do utilizador do espaço, a audição. Torna-se incómodo conversar
numa rua movimentada e com muito ruído de fundo. Segundo Gehl, acima de 60dB (o que
equivale normalmente a uma rua mista) é praticamente impossível conversar, sendo apenas
possível ouvir-se todos os sons que fazem parte da experiência social, a voz de outras pessoas,
os seus passos, música, etc., quando o ruído reduz para 45 a 50dB (Gehl, 1996). Esta questão
relaciona-se também com a necessidade de controlar aquilo que nos rodeia pois o ruído de fundo
faz diminuir a nossa atenção e o nosso estado de alerta.
Assim, ao intervir no espaço público, é necessário ter em conta todos estes factores cruciais para
a sua efectiva utilização. Ao basear a intervenção nestas premissas, dá-se oportunidade ao
transeunte de percepcionar aquilo que se está a passar logo a partir da periferia desse lugar, sem
30 Edward T. HALL – A Dimensão Oculta. Lisboa: Relógio D’Água Editores, 1986
44
qualquer constrangimento e sem necessidade de se expor. Ao “entrar” realmente no espaço, está
a decidir o seu envolvimento mais ou menos activo nesse acontecimento. Por outro lado, se o
espaço criado tiver menos de 20m de comprimento é necessariamente um espaço de interacção,
um espaço em que se sente a “obrigação” social de estabelecer contacto com o outro, implicando
uma proximidade que se pode apresentar como invasão de privacidade para alguns, tornando-se
uma situação desconfortável e, consequentemente, a evitar.
Assim sendo, as dimensões adequadas estão entre estes dois extremos apresentados,
dependendo do ambiente que se quer criar, do tipo de uso a que se destinam e do local na rede
urbana em que estão inseridos. O utilizador é livre de escolher o seu modo de participação na vida
urbana já que consegue identificar os vários acontecimentos à sua volta e integrar-se naquele que
mais o satisfaz.
«Life between buildings is potentially a self-reinforcing process. When someone begins to do
something, there is a clear tendency for others to join in, either to participate themselves, or just to
experience what others are doing» (Gehl, 1996:75).
Figura II.6 – O Ruído Gerador de Desconforto
FNI
ACTIVIDADES DE PARTICIPAÇÃO ACTIVA
Enquanto muitos satisfazem o seu desejo pelo simples contacto passivo outros preferem um
envolvimento mais activo com o espaço e as pessoas que aí se encontram, através do contacto
directo com amigos, família ou mesmo desconhecidos (Carmona, 2003). Este contacto pode
desenvolver-se de várias formas mas todas elas têm como ponto de partida as actividades básicas
de ver, ouvir, falar, andar, parar e sentar, e havendo condições para que estas se desenvolvam,
existe uma boa base para que outras mais complexas possam despoletar (Gehl, 1996).
«In an urban setting, a pedestrian journey is rarely single purpose: on the way to somewhere else,
we stop to by a newspaper, talk to a friend, enjoy a view or watch the “world go by”» (Carmona,
2003:170).
a) Dialogar
A participação mais activa na vida urbana implica não ficar sozinho, e é através da comunicação,
maioritariamente verbal, que nos expressamos e interagimos. É muito comum observar no espaço
45
público quer grupos de pessoas a executar determinadas actividades, dialogando entre si, quer
encontros e cruzamentos entre pessoas, conhecidas ou não, em que surge a necessidade de
trocar algumas palavras. Para que tal possa acontecer o espaço tem de garantir as condições
necessárias para ser possível falar e ouvir.
Gehl subdivide o acto de falar em três categorias, o diálogo entre pessoas que percorrem ou estão
no espaço intencionalmente juntas, o diálogo entre pessoas conhecidas ou amigas que se
encontraram casualmente nesse local e o diálogo esporádico entre desconhecidos. Em qualquer
uma das situações é importante que o ruído de fundo seja baixo o suficiente para não causar
desconforto.
No primeiro caso a influência que o meio envolvente pode ter não é de grande relevância já que o
à vontade entre as pessoas é tal que não surgem quaisquer constrangimentos adicionais. Em
relação aos encontros casuais, estes também não sofrem grandes influências na medida em que
as conversas acontecerão nos locais onde ocorrem os cruzamentos.
Quanto à terceira forma de interacção, entre desconhecidos, esta pode surgir em situações onde
os utilizadores estão a realizar qualquer outra actividade em comum, sendo que é a mais rara das
três e a mais exigente em termos de adequação do espaço público. Existem inúmeras medidas
que se podem tomar, essencialmente relacionadas com a forma como os locais de estada estão
organizados, para que esta actividade possa surgir, nomeadamente, através do despoletar de
reacções a um mesmo evento ou objecto comuns aos utilizadores, induzindo um comentário ou
qualquer tipo de conversação.
Figura II.7 – Conversar com o Outro
Website Olhares | Website Olhares FNI
46
b) Andar
Andar pode parecer apenas uma forma de deslocação, mas muitas vezes é simplesmente um
pretexto para estar no espaço público sem grande compromisso. Os espaços públicos mais
propícios para esta actividade são os anteriormente denominados lineares que evocam o
movimento, tendo como premissas para o seu dimensionamento a necessidade de espaço de
manobra e ao mesmo tempo a criação de interferências que suscitem interesse ao longo do
percurso, que de outra forma serviria apenas de ligação entre dois pontos. Este interesse pode ser
suscitado por actividades colocadas ao longo das fachadas e contornos do espaço ou através da
sinuosidade e contraste entre amplo/estreito de modo a segmentar o percurso evitando que seja
directo e cansativo. No entanto, o movimento pedonal é o mais sensível a interferências e
qualquer exagero nestas pode causar a não utilização desse espaço.
«The fact that is tiring to walk makes pedestrian naturally very conscious of their choices of routes»
(Gehl, 1996:139).
Figura II.8 – Percorrer o Espaço Público
Website Olhares
O acto de caminhar é cansativo e, portanto, o peão tenderá a escolher um percurso que exija o
menor esforço possível sem pôr em causa a sua segurança, de maneira a torná-lo mais fácil e
confortável. Esta é uma exigência importante para o pavimento na medida em que, como já dito
anteriormente, este representa o elemento do espaço público com que se estabelece o contacto
físico directo, o que significa que deve garantir as condições necessárias para que sejam
assegurados os desejos do utilizador, tanto em termos de conforto físico como também visual.
Exigências do pavimento como aderência, continuidade e resistência são fundamentais para este
tipo de utilização e, uma vez que alguns peões requerem condições especiais, como por exemplo
cadeiras de rodas, carrinhos de bebés, invisuais, é necessário que este se possa adequar a todos
47
estes diferentes “modos” de andar de forma a ser considerado o chão de um espaço realmente
público e acessível a todos.
Quanto ao conforto visual, pode ser garantido, no caso específico desta actividade de caminhar,
com a acentuação de alinhamentos, percursos e direcções através da textura ou combinação de
diferentes elementos constituintes do pavimento, provocando uma sensação de segurança no
percurso escolhido. É importante também dar a oportunidade ao utilizador de perceber
rapidamente qual o caminho mais directo para alcançar o seu objectivo, sem que surjam grandes
obstáculos, mas ao mesmo tempo, não criar um espaço de tal maneira direccionado ao
movimento ou segregado das outras áreas que não se sinta confortável a parar ou desenvolver
outro tipo de actividades se assim o desejar.
No acto de andar pode-se contemplar ainda outros modos de locomoção como andar de patins, de
bicicleta, em skate, etc. que podem surgir no espaço público se houver condições para o
desenvolvimento de tais actividades caso em que o pavimento tem, de facto, especial importância.
c) Parar
Parar pode acontecer por várias razões. Pára-se porque se espera alguém ou alguma coisa, para
olhar, conversar, descansar, etc. Estas paragens, quando acontecem por questões funcionais, são
normalmente breves e nada influenciáveis pela envolvente pois acontecem onde tem de ser, no
local onde as pessoas se cruzam, onde surge um obstáculo ao movimento ou perante algo que
capte a atenção (Gehl, 1996). São paragens casuais, que não estão previstas e, embora sejam
tendencialmente rápidas, podem, eventualmente, dar lugar a outras actividades diferentes e mais
demoradas, por exemplo, encontrar alguém e aproveitar para sentar algures a conversar, observar
um grupo envolvido num evento e decidir participar. «Abrigo, sombra, conveniência e um ambiente
aprazível são as causas mais frequentes da apropriação de espaço, as condições que levam à
ocupação de determinados locais» (Cullen, 2006:25).
Figura II.9 – Parar em Pé ou Encostar
FNI | Website Olhares | Website Olhares FNI
48
O parar no espaço público tem várias motivações. Quando acontece de uma forma premeditada, é
escolhido conscientemente o local para “encostar”. De facto, encostar é o termo que melhor
reflecte o modo como as pessoas escolhem os locais onde param, como já anteriormente referido,
gostam de ter controlo do espaço e do que nele se passa, sem que possam ser surpreendidas.
Assim, os locais mais procurados para encostar são junto às fachadas envolventes ou qualquer
outro ponto protegido e com uma vista abrangente sobre o espaço, o efeito de periferia.
«If spaces are desolate and empty – without benches, columns, plants, trees, and so forth – and if
the façades lack interesting details – niches, stairs, and so on – it can be very difficult to stop»
(Gehl, 1996:155).
É irónico, mas é de facto em torno dos elementos de separação de funções e espaços que a vida
urbana se forma e aglomera. Consegue-se perceber uma actividade mais intensa em torno desses
elementos, tanto pela questão física de estar apoiado, como também pela sensação de segurança
de estar com a retaguarda protegida e a controlar toda a envolvente.
«Sitting activities in general take place only where the external conditions are favourable, and the
sitting locations are chosen far more carefully than are locations for standing» (Gehl, 1996:157).
d) Sentar
Sentar é uma forma de parar e estar no espaço público que pressupõe já uma estadia mais
prolongada e portanto mais exigente que o simples parar em pé. O efeito de periferia aplica-se
também neste caso e, portanto, há que criar condições para que esta se possa realizar em torno
do espaço público, em zonas consideradas mais protegidas. Segundo Alexander, quando se
projectam locais para sentar, sejam eles bancos, escadarias, muros, etc. deve ter-se em conta,
entre outras questões relacionadas com o clima, a necessidade de ter uma vista desafogada sobre
a actividade pedonal. Se, pelo contrário, a localização escolhida para o posicionamento de bancos
for o centro, mesmo que colocados em abundância, estes serão ignorados, como se não
existissem, inviabilizando o próprio espaço público (Alexander, 1977).
Uma outra questão, assinalada em vários autores, relaciona-se com o tipo de assentos, que se
afirma variarem com os diferentes grupos de utilizadores sendo crianças e jovens a classe menos
exigente a este nível, ao consentirem sentar-se em qualquer desnível que encontram ou até
mesmo directamente no chão. No entanto, para os mais idosos que têm um papel muito
importante na vida do espaço público, sendo os que mais usufruem destes lugares, os assentos
têm de ser adequados, com altura e posicionamento correctos de forma a facilitar o sentar e o
levantar e confortáveis para permanecer durante largos períodos de tempo. No entanto, é
necessário um correcto dimensionamento das várias tipologias, para que em alturas de grande
afluência haja resposta à necessidade e em alturas menos populadas, o espaço não pareça vazio
ao transeunte que passa, ao encontrar uma imensidão de bancos vazios. Encontrará apenas
alguns bancos, eventualmente ocupados, e escadarias, fontes, muros, etc. cuja desocupação
passará despercebida uma vez que não é esta a sua função primária (Gehl, 1996).
49
É de facto no “mundo” pedonal que a noção de rua como espaço social se verifica, existindo uma
relação simbiótica entre movimento e transacção interpessoal, e onde o território de circulação e o
território social são quase totalmente coincidentes. O mesmo não acontece quando o movimento é
baseado no automóvel passando a ser apenas pura circulação, o que provoca a segregação do
espaço público em território de circulação (viária) e território de socialização. Este último é ainda
coincidente com o de circulação pedonal, embora tal aconteça cada vez com menos frequência
devido ao frenesim do dia-a-dia com uma constante procura de rapidez nas deslocações em
detrimento da interacção com o meio envolvente (Carmona, 2003). Interessa perceber então que
actividades surgem neste espaço viário que tanto tem crescido em importância e em área.
Figura II.10 – Criar Possibilidade de Sentar
Website PPS | Website Olhares | Sérgio Redondo FNI
1.2. ACTIVIDADES VIÁRIAS – O Automóvel
«Com o alargar da expressão territorial das cidades e o aumento geral do poder de compra das
populações, o leque de opções de actividade localizadas num entorno passível de alcance a pé
passou a ser demasiado restritivo na maior parte das situações, com o que a necessidade de
recurso à mobilidade motorizada se banalizou»31
.
As actividades viárias naturalmente não se restringem ao automóvel privado, sendo que englobam
também um vasto leque de transportes viários públicos que vieram contribuir para a melhoria da
mobilidade colectiva. No entanto, o automóvel tem sido o elemento mais conflituoso na cidade, já
que a sua extensa utilização vem penalizando o bom funcionamento dos outros meios de
transporte, incluindo o mais primário, andar a pé. Assim, para esta análise, são as suas
31 José Manuel VIEGAS – “Mobilidade”, Gestão Urbana, Lisboa: Parque EXPO 98, SA, 2002, p. 216
50
actividades que interessa discriminar e perceber de que forma se pode lidar com a situação
contemporânea em zonas de centro urbano.
Como já foi mencionado na listagem de tipologias de espaço público o automóvel, veio
acrescentar novas tipologias, como são os espaços canais, auto-estradas e vias reservadas, e os
espaços de estacionamento, tanto parques exteriores como silos, mas criou também alterações
consideráveis nas tipologias consideradas tradicionais. Brandão afirma que, «o espaço automóvel
é quase sempre abrasivo da identidade de ruas, praças, vistas, elementos naturais, mas é por
vezes condição de viabilidade» (Brandão, 2008:10).
De facto, as deslocações eram consideradas um processo laborioso e lento, mas, actualmente,
com os transportes motorizados, o único processo fisicamente mais exigente é o de entrar e sair
do veículo, já que o resto do percurso se faz sentado (Cullen, 2006). Deste modo, mais facilmente
são toleradas as grandes distâncias, aumentando a área de alcance individual, o que veio
contribuir para a dispersão urbana já que se perdeu a necessidade de concentrar pessoas,
actividades, bens e serviços.
«As pessoas parecem querer fugir umas das outras, verifica-se uma tendência para abandonar os
pontos nodais em favor de uma ocupação esparsa de todo o território» (Cullen, 2006:61).
CIRCULAÇÃO
O aparecimento destes novos modos de circulação veio adicionar à experiência do espaço público
novas formas de ver, ser cativado e formar imagens mentais do ambiente urbano, vistas a
velocidades diferentes e, portanto, criando diferentes níveis de interacção e atenção. Enquanto a
visão dos peões é acompanhada pela possibilidade de parar e interagir com o ambiente
envolvente, os condutores vêem a vida urbana em velocidade e através de uma janela, estando
simultaneamente concentrados no trânsito, sinalização e outras indicações (Carmona, 2003).
«If the speed of movement is increased, the possibility of discerning details and processing
meaningful social information drops sharply». (Gehl, 1996:71)
Assim se compreende a grande diferença que existe entre uma cidade preparada para a
circulação automóvel e outra dedicada ao peão. A do automóvel requer sinalização maior e em
destaque e toda a envolvente pode ser desprovida de detalhes e pormenores já que estes não
serão distinguidos pelo olhar fugaz dos ocupantes do veículo (Gehl, 1996). Desta forma, é
importante atribuir à envolvente que vai ser observada apenas por condutores e respectivos
passageiros, as características necessárias para que estes a consigam decifrar (Carmona, 2003).
«Penetrando por toda a parte, o automóvel tem-se insinuado nas nossas cidades, travessas,
jardins e praças. A riqueza e variedade do pavimento foi submersa num fluxo automóvel e os
habitantes aventuram-se a sair dos prédios por sua conta e risco...» (Cullen, 2006:123).
Cullen identifica como consequência da invasão das cidades pelo automóvel a pavimentação
indiscriminada e extensiva. A maior parte das vezes, o monótono tapete asfaltado substituiu
aquele que durante anos foi sendo composto por diferentes materiais, texturas, cores e tipologias,
51
personalizados para os usos a que se destinavam. Estes têm sido «sacrificados pelos imperativos
técnicos do contacto entre o pavimento e o pneu do automóvel» (Cullen, 2006:123).
Quando a deslocação é viária, independentemente do caminho ou do que for visto ao longo dele
(aspecto dificultado pela velocidade a que se desloca), raramente é possível parar
inesperadamente por influência de um qualquer interesse que surja. É um meio de locomoção
entre destinos específicos muito eficiente, mas perde-se toda a imprevisibilidade e liberdade que
existem nas deslocações pedonais a partir de onde, a maioria das vezes, surgem todas as outras
actividades sociais.
O automóvel é ainda e frequentemente um bem necessário para a mobilidade mas torna-se um
elemento agressivo e intrusivo a partir do momento em que “invade” a cidade e a transforma em
seu benefício, prejudicando os outros modos de percorrer e ler a cidade.
Figura II.11 – Impacto do Carro no Desenho da Cidade
Website Olhares | Floriano Morgado | FNI FNI | Website Olhares | Ricardo Costa
PARAGEM E ESTACIONAMENTO
«The farther away from the doors the cars are parked, the more will happen in the area in question,
because slow traffic means lively cities» (Gehl, 1996:79).
Oportunidades para a maioria das formas de interacção e troca social ocorrem assim que o carro
for estacionado, tendo importância exclusiva o destino e não o percurso, a viagem (Carmona,
2003).
Como as cidades foram feitas para pessoas e não para automóveis (ainda nem tudo são
estruturas de “drive-in”) para realizar qualquer outra actividade que não seja a de circular, o
condutor ou passageiro de um veículo motorizado tem de estacionar ou parar e abandonar o
veículo.
52
Apesar de todos os argumentos ecológicos e ambientais para reduzir a dependência do veículo
privado, o estacionamento é um requisito da vida contemporânea e o grande desafio é conseguir
integrá-lo com sucesso na cena urbana (Carmona, 2003).
A criação de áreas de estacionamento é de facto uma necessidade que tem de ser sempre
contemplada já que o automóvel é, geralmente, apenas um meio de locomoção. Existem vários
tipos de estacionamento, como já referido nas novas tipologias de espaço público. Estas áreas de
estacionamento podem ser cobertas e utilizadas exclusivamente para este propósito ou como
suporte a outra infra-estrutura comercial ou de serviços, ou podem ser integrados noutros tipos de
espaço público, numa forma mais interactiva com a cidade.
Não obstante todo o tipo de situações que possam advir destes novos espaços públicos, o
estacionamento que interessa analisar com mais rigor é aquele que faz parte da rua, aquele que
veio adicionar novas valências e conflitos na estrutura tradicional da cidade.
Figura II.12 – Estacionamento
FNI | FNI | AML
O conforto que o automóvel proporciona nas deslocações, leva a que o estacionamento de eleição
seja aquele que fica mesmo em frente ao local de destino, o mais perto possível. Quer isto dizer
que, para além do espaço necessário para a sua circulação, foram também criadas extensas
faixas laterais, ao longo das ruas com este propósito. Muitas vezes estas zonas de parqueamento
autorizado são evidenciadas com diferentes tipos de pavimentação para que seja facilmente
perceptível a sua diferença de uso. Como Cullen evidencia neste exemplo, e muito comum em
Portugal, «as dificuldades da condução sobre calçada fazem dela uma superfície óbvia para
estacionamento» (Cullen, 2006:131).
Não são, no entanto, estes os casos mais preocupantes, na medida em que, se assim não estiver
previsto, o condutor terá sempre a tendência para estacionar o mais perto possível, mesmo que
em situações de proibição, criando pontos de conflito ainda maiores, uma vez que opta por
estacionar em zonas reservadas a peões, por exemplo, nos passeios já de si bastante diminutos.
A luta é constante, e acabam por surgir pilaretes e estruturas semelhantes, na tentativa de evitar
este tipo de comportamentos, resultando em situações de perigosidade acrescida para o peão já
que o condutor aumenta a sua velocidade de circulação, baseando-se na falsa segurança que
essa separação lhe proporciona.
53
Figura II.13 – Exemplos de Estacionamento Indevido
Fotografias de Autor, 2008
Muitas vezes o condutor recorre apenas à paragem, ou seja, encosta o automóvel mas
permanece dentro do carro. Esta situação é usual para a realização de pequenas tarefas mais
rápidas, esperar por alguém, ou para simplesmente estar e “usufruir” o espaço público, vista e
movimento, mas servindo-se sempre do automóvel como protecção, como a sua bolha privada na
esfera pública.
1.3. O PEÃO E O AUTOMÓVEL
Chega a ser desagradável percorrer certas zonas da cidade, o que faz com que o único tráfego
pedonal existente seja baseado apenas em actividades necessárias e em condições precárias,
«as pessoas caminham nestes espaços públicos deteriorados porque precisam e não porque
querem»32
.
Aspectos importantes a controlar no que toca à comunhão de utilização pedonal e automóvel são
a poluição, a velocidade e a segurança (interacção física).
POLUIÇÃO
A poluição provocada pelos automóveis não é apenas a mais óbvia, a atmosférica produzida pela
libertação de gases tóxicos muito prejudiciais ao ambiente, mas também passa pela poluição
visual que representam, já que muitas vezes obstruem ângulos, direcções e vistas que foram
determinantes no projecto de uma qualquer praça. Por exemplo, funcionando como barreiras
32 Jan GEHL e Lars GEMZOE – Novos Espaços Urbanos. Barcelona: Editorial Gustavo Gili, 2002, p.14
54
visuais, estacionados ou em movimento, impedem a tão importante actividade de people-watching
no sossego da periferia do lugar.
Figura II.14 – Bloqueio Visual Devido ao Tráfego Automóvel
FNI
A poluição sonora é também um factor negativo para o desenvolvimento de vida urbana, que o
automóvel veio potenciar. Como já referido, não é agradável estar num espaço público em que o
ruído é tão elevado que se torna impossível conversar e ainda mais difícil distinguir o burburinho
dos outros utilizadores do espaço. Os principais elementos potenciadores deste ruído, para além
do próprio funcionamento do transporte motorizado, são, a velocidade de circulação, pois o ruído
aumenta na proporção directa, e o tipo de pavimento que também tem influência, já que quanto
mais descontínuo maior o incómodo sonoro.
VELOCIDADE
Para evitar que os condutores se sintam confortáveis a circular a grandes velocidades, recorre-se
aos pavimentos descontínuos, como por exemplo a calçada, no entanto, é necessário ter em conta
que neste caso o desconforto sonoro vai aumentar.
Figura II.15 – Impacto da Circulação Automóvel
FNI
A situação ideal, de facto, é dificultar grandes velocidades neste tipo de espaços urbanos mistos
uma vez que, «if the speed of movement is reduced from 60 to 6 kilometres per hour, the number
55
of people in the streets will appear to be ten times greater, because each person will be within
visual range ten times longer» (Gehl, 1996:79). Segundo Gehl esta é a única razão para que seja
marcadamente mais elevado o nível de actividade nas cidades pedestres. Quando o tráfego é
lento, a simples actividade de circular prolonga-se e a vida nas ruas existe apenas por essa razão.
«As pessoas gostam de ter espaços onde andam a pé, que são seus e onde estejam em
segurança. Isso é muito importante. A maior parte das avenidas – em Lisboa, no Porto – são
verdadeiras selvas, são selvas pela forma como são utilizadas, pela paisagem e gritaria das
mensagens que estão em jogo e pelo conflito permanente entre carros e peões» (Salgado,
2002:99).
É importante que um espaço de uso misto, que é para ser observado e usufruído tanto por peões
como por condutores, seja preparado tendo em conta a atenção mais prolongada e detalhada do
peão (Carmona, 2003) uma vez que, de outra forma não despertará o interesse deste último que o
considerará cansativo. Isto quer dizer que deverá ser pensado tendo em conta que é para ser
observado a uma velocidade baixa, eventualmente potenciando a atenção do próprio condutor que
mais facilmente reduzirá a velocidade a que circula.
INTERACÇÃO FÍSICA
Em espaços de utilização mista, são vários os pontos de cruzamento entre peões e automóveis, e
para que haja um bom funcionamento são aplicadas regras de prioridade. Quando é necessário
criar uma zona de atravessamento pedonal na via de circulação automóvel recorre-se a
marcações no pavimento, nalguns casos com sinalização vertical, são as passadeiras que indicam
prioridade aos peões.
Figura II.16 – Zonas de Interacção entre Diferentes Actividades e Utilizadores
Website Olhares
É necessário ponderar bem a localização das passadeiras que se devem situar na continuidade
dos principais percursos pedonais uma vez que serão aí a zona de atravessamento natural para
os peões, independentemente da sua existência ou não. Como já foi dito, andar é cansativo e
qualquer desvio é evitado, o que significa que este só será realizado em casos extremos. Quando
o tráfego é muito intenso e estas passagens são pouco funcionais, a barreira é demasiado
evidente e, portanto, os peões são forçados a permanecer na periferia ou em ilhas no espaço,
isolados do todo, factor que funciona como inibidor do uso desse espaço (Gehl, 1996).
56
O pavimento é o maior responsável pelo aviso destas alterações de prioridades quer visualmente,
quer através de mudanças na sua textura, dá o alerta necessário para que o utilizador fique de
sobreaviso que está a entrar em território diferente.
O contrário também acontece, para aceder a garagens e estacionamentos muitas vezes os
automóveis têm de cruzar o espaço pedonal, outras o próprio estacionamento é realizado em
áreas com um carácter de permanência e, mais uma vez, é no pavimento que melhor se
evidenciam estas zonas, através de variações visuais e tácteis para que o peão, embora
mantenha a sua prioridade, possa estar atento ao perigo.
Figura II.17 – Alterações de Pavimento consoante Função e Utilizador
Fotografias de Autor, 2008
Actualmente, e por todas as razões anteriormente apresentadas, compreende-se facilmente que a
segregação de funções em certas áreas da cidade não é a solução, já que estas não foram
preparadas para o automóvel e, portanto, os espaços são diminutos, resultando numa má
adaptação de onde, naturalmente, saem prejudicados os peões por serem o elemento fisicamente
mais fraco.
A segregação resulta numa dispersão e separação de actividades, nada é agradável de realizar
uma vez que cada função tem um lugar específico, sem que haja interacção, segundo Gehl «it
becomes duller to drive, duller to walk, and duller to live along the streets» (Gehl, 1996:111). Tudo
depende da circulação automóvel, da necessidade que esta seja regrada e lenta, tornando-se
compatível com o tráfego pedonal e por conseguinte, com os espaços públicos de permanência e
todas as actividades que aí se geram.
Nos últimos anos tem sido implementado, primeiro na Holanda e depois no resto da Europa, o
conceito de “espaço partilhado” (“shared space”), do engenheiro de tráfego holandês Hans
Monderman, que se baseia na convivência harmoniosa de todos os participantes do espaço
público urbano, recusando a utilização de qualquer tipo de sinalização de trânsito, marcação no
pavimento ou a existência de placas separadoras. A separação fazia-se através do uso de
materiais diferentes, desconstruindo a típica segregação entre a circulação viária e pedonal.
57
«If you treat drivers like idiots, they act as idiots. Never treat anyone in the public realm as an idiot,
always assume they have intelligence»33
.
Monderman defendia que o focalizar dos motoristas na condução, prestando atenção exclusiva ao
movimento à sua volta e não à sinalização, torna mais seguro o ambiente por onde circulam, isto
é, aumenta a segurança de circulação. A chave do sucesso das suas ideias é a comunicação
visual e a negociação entre os intervenientes baseada no princípio de que a prioridade deve
sempre ser atribuída ao elemento mais vulnerável, total respeito pelo ser humano.
Figura II.18 – Exemplos Práticos do Trabalho de Hans Monderman
a. Cidade de Kevelaer, Alemanha, Agosto 2006 | website Shared Space
b. Cidades holandesas onde o conceito de “espaço partilhado” foi implementado, 2006 | website Shared Space
33 Frase atribuída a Monderman segundo obituário publicado no jornal Times a 11 de Janeiro de 2008
58
SÍNTESE
A selecção do tipo de pavimento a usar no espaço público deve orientar-se, principalmente, tendo
em conta os requisitos exigidos pelos seus utilizadores. José Neves, coordenador da
especialização em projecto de construção de pavimentos em meio urbano, do Instituto Superior
Técnico, afirma que para responder às diferentes necessidades que resultam dos múltiplos tipos
de utilização, é necessário que os materiais atendam «ao desempenho estrutural, como a
capacidade de suporte para cargas, e ao desempenho funcional, como a manutenção, conforto,
segurança e eficiência»34
.
Portanto o material assume um papel importante já que, seja artificial ou natural, é ele que permite
conferir ao pavimento as características de que necessita. (Rodrigues, 2006)
A análise anteriormente apresentada às diversas actividades realizadas no espaço público da
cidade permite agora listar e sintetizar as diferentes exigências resultantes para o pavimento que
se apresenta na tabela II.1 das páginas seguintes.
34 Bruno FERNANDES – “Utilizadores ditam as regras”, Arquitecturas: Suplemento Pavimentos, nº14, 2006, p.5.
59
Tabela II.1 – Avaliação das Actividades
II.1a – Parâmetros de Conforto
Conforto Sensorial Conforto Físico
Activid
ades P
edonais
Ver
- Possibilidade de controlar todo o espaço (Vista desafogada).
- Observar a vida urbana mantendo o anonimato.
- Sensação de segurança.
- Possibilidade de estar em locais abrigados (Protecção).
- Distanciamento.
Ouvir
- Ruído de fundo no máximo 40 dB.
- Para manter a sensação de segurança é necessário ouvir o que se passa na envolvente.
- Para desfrutar o ambiente envolvente é importante a existência de locais para relaxar.
Dialogar
- Ruído de fundo no máximo 45 dB.
- Dependendo do gr\au de proximidade entre as pessoas podem surgir constrangimentos ao longo do diálogo (ex: silêncios desconfortáveis).
- Proximidade suficiente para ouvir e falar sem esforço.
- Em encontros casuais, a envolvente não influencia.
- Para diálogos mais demorados é importante a existência de locais para sentar ou encostar.
Andar
- Facilidade em visualizar o percurso como um contínuo, sem obstáculos.
- Necessidade de focar a atenção em pormenores que criem um ritmo de percurso.
- Largura necessária para manobrar livremente.
- Superfície nivelada, compacta e aderente.
- Possibilidade de circular sem obstáculos e interrupções.
Parar
- Quando necessária, a paragem é realizada mesmo que não seja da forma desejável.
- Quando opcional e consciente, a visibilidade tem um papel importante.
- Quando se trata de uma paragem necessária é pouco influenciável pela envolvente (ex: obstáculo).
- Quando se escolhe parar, é necessário um local onde se possa encostar/descansar.
Sentar
- Possibilidade de controlo e segurança do espaço.
- Vista desafogada.
- Criação de possibilidades de interacção sem quebrar a privacidade.
- Assentos ergonómicos, adaptados às diversas necessidades.
- Utilização de materiais com baixa irradiação/absorção de calor.
Activid
ades V
iárias
Circular
- Com o aumento de velocidade de circulação é importante potenciar o sistema de visão sequencial.
- Visibilidade e legibilidade rápida e fácil da envolvente.
- Reduzir o esforço físico.
- Proporcionar uma superfície contínua para uma maior fluidez na circulação.
- Possibilitar a circulação livre de obstáculos e interrupções.
Estacionar - Garantir segurança através da escolha de espaços com boa visibilidade.
- O mais próximo possível ao ponto de chegada para evitar grandes deslocações a pé.
- Escolha de um local abrigado.
- A sombra é uma premissa importante no Verão.
Parar - Poder permanecer no espaço público
dentro da esfera privada (protecção).
- Boa visibilidade da envolvente.
- No usufruto do espaço escolhe-se um local onde se possa parar. descansadamente sem perturbar a envolvente.
- Na realização de uma tarefa rápida escolhe-se o lugar menos intrusivo mas mais próximo do objectivo.
60
Tabela II.1 – Avaliação das Actividades (continuação)
II.1b – Parâmetros de Adequabilidade
Espaço Público Linear Espaço Público Não Linear
Activid
ades P
edonais
Ver
- Dificuldade em manter o distanciamento desejado em ruas mais estreitas.
- Possibilidade de observar todo o pulsar da circulação urbana.
- Dimensão máxima deve coincidir com o limite do campo de visão.
- Espaço desafogado, sem obstáculos que impeçam a sua leitura.
- Espaço não isolado do quotidiano da cidade.
Ouvir - Ruas mistas: maior ruído de fundo produzido pela circulação automóvel.
- Através dos elementos integrados nos espaços, podem potenciar-se sons mais ou menos relaxantes (ex: a presença de árvores potencia o chilrear de pássaros).
Dialogar
- Em ruas de fluxo pedonal intenso é difícil manter um diálogo.
- A zona reservada aos peões deve ter largura suficiente para que duas pessoas possam andar livremente, lado a lado.
- Os espaços podem permitir a proximidade e potenciar o despoletar de diálogos casuais.
Andar
- A linearidade destes espaços faz com que sejam propícios à circulação.
- Criação de pontos de interesse que tornem esta actividade atractiva.
- Estes são espaços com um carácter mais acentuado de permanência.
- A circulação nestes espaços existe associada a actividades de lazer (ex: brincar, passear).
Parar
- Paragens normalmente necessárias perante obstáculos, cedências de passagem ou encontros casuais.
- Dependendo do fluxo, são mais ou menos incómodas.
- Paragens opcionais, à espera de algo ou de alguém, para descansar ou conversar.
- Requerem espaços abrigados e em sombra (efeito de periferia).
Sentar - Sempre que seja possível, é importante
providenciar locais de descanso ao longo de um percurso.
- Potenciar a permanência durante longos períodos de tempo.
- Oferecer variedade no tipo e local dos assentos para corresponder às necessidades dos diferentes utilizadores e ocasiões.
Activid
ades V
iárias
Circular - A linearidade destes espaços faz com
que sejam propícios à circulação.
- Perda de interacção com a vida urbana.
- Em muitas situações, a circulação automóvel apoderou-se da periferia destes espaços, criando um elemento de barreira para os peões.
Estacionar
- Neste tipo de espaços, quando permitido, o estacionamento é feito ao longo da via, junto aos passeios.
- Estacionamento inadequado em zonas de proibição (ex: sobre os passeios).
- Praças ou largos como parques de estacionamento autorizado.
- Estacionamento inadequado ao longo da periferia destes espaços.
- Autorização de estacionamento em certas épocas especiais (ex: Terreiro do Paço nas festas populares).
Parar - Perante ruas ou locais relativamente estreitos e sem estacionamento autorizado pode apresentar-se como um obstáculo à circulação quer pedonal quer viária.
61
Tabela II.1 – Avaliação das Actividades (continuação)
II.1c – Exigências para o Pavimento
Exigências Funcionais Exigências Estéticas
Activid
ades P
edonais
Ver - Evitar desnivelamentos que possam causar quedas.
- Cor/nível de reflectividade da luz adequado para evitar encandeamento.
- Estereotomia que permita uma escala mais humana.
Ouvir
- Evitar a utilização de pavimentos que possam ser ruidosos (ex: calçada para grandes velocidades).
----
Dialogar
- Cor/nível de reflectividade da luz adequado para evitar encandeamento no caso de se pretender estabelecer contacto visual com o ouvinte/orador.
Andar
- Resistência às cargas dependendo do fluxo e tipo de tráfego pedonal.
- Resistência ao desgaste e deslizamento.
- Pendente necessária para o escoamento adequado.
- Utilização de padrões ou elementos que acentuem alinhamentos e direcções.
- Legibilidade imediata do percurso mais acessível.
Parar
- Quando necessária, o pavimento pode ter um papel de aviso, através de textura ou material diferenciado.
- Resistência ao desgaste.
- Utilização de materiais com baixa irradiação de calor.
- Cor/nível de reflectividade da luz adequado para evitar encandeamento.
- O carácter de permanência pode ser potenciado através da utilização de padrões detalhados.
Sentar - Resistência ao desgaste.
- Utilização de materiais com baixa irradiação de calor.
Activid
ades V
iárias
Circular
- Resistência às cargas proporcional ao fluxo e tipo de tráfego.
- Resistência ao desgaste.
- Utilização de pavimentos anti-derrapantes.
- Utilização de soluções que proporcionem uma leitura de continuidade.
- Incorporação de sinalização clara e adequada.
Estacionar
- Resistência aos agentes químicos eventualmente libertados pelos veículos.
- Resistência à carga.
- Utilização de materiais que sugiram/ obriguem à redução da velocidade.
- Sinalização adequada em espaços autorizados.
- Utilização de materiais e texturas visualmente identificáveis para este propósito.
Parar
- Não representa nenhuma exigência adicional para o pavimento quando realizada em locais autorizados ao estacionamento.
- Para as situações de paragens em sítios inadequados pode causar danos em pavimentos destinados a outras funções.
62
2. TIPOS DE PAVIMENTAÇÃO
«A floorscape’s character is substantially determined by the materials used, the way they are used,
and how they interrelate with other materials and landscape features» (Carmona, 2003:159).
A escolha criteriosa de todos os materiais a utilizar no pavimento é de primordial importância, uma
vez que a sua consistência e durabilidade, a par com as características do solo, estabelecem a
base de suporte para todo o território da cidade. No entanto, aspectos como a cor, textura e
tamanho dos diferentes elementos que constituem o pavimento, bem como a relação com outros
elementos do projecto, apresentam também um papel muito relevante.35
2.1. SISTEMATIZAÇÃO
Como forma de melhor entender o vasto leque de soluções de pavimento encontradas, pode-se
agora, sistematizá-los em três grupos elucidativos de algumas das características principais de
cada tipologia: estrutura, composição e agregação.
a) Quanto à Estrutura
Os pavimentos podem ser classificados em rígidos, no caso de serem pouco deformáveis, onde
estão inseridos os pavimentos constituídos por betão, tanto na sua base como no revestimento, ou
flexíveis, englobando principalmente soluções construtivas como os betuminosos e o macadame.
O pavimento flexível é assim definido pela sua estrutura deformável e adaptável, normalmente em
duas camadas, sendo a de base constituída por agregados de diversos tamanhos. Tal como os
pavimentos por elementos, que a seguir se apresentam, necessita de um limite que defina e
reforce o contorno.36
Os pavimentos constituídos por pequenos elementos de pedra e outros materiais, podem ser
rígidos ou flexíveis. No caso de serem aplicados sobre uma base granular são considerados
flexíveis, se a base for constituída por um ligante hidráulico como o cimento, trata-se de um
pavimento rígido.
b) Quanto à Composição
Esta classificação relaciona-se não tanto com a sua estrutura e resistência física, mas mais com a
forma como se percepciona o pavimento. Classificados quanto à composição, os pavimentos
podem ser por elementos, em que várias componentes formam o todo, de que são exemplos as
lajetas pré-fabricadas de betão ou pedra natural, tijolos e mosaicos, ladrilhos, pequenas pedras,
calçada e tábuas (Caro, 1990), ou podem ser considerados monolíticos quando a sua construção
é feita através de materiais que se ligam, transmitindo continuidade, como no caso da betonagem
in situ ou do asfalto formando uma só massa sólida.
35 Carlos Martinez CARO – Arquitectura Urbana: Elementos de Teoria y Diseño. 2ª Edição. Madrid: Bellisco, 1990
36 Michael LITTLEWOOD – Landscape Detailing. Volume 2, Third Edition: Surfaces. Oxford: Architectural Press, 1993
63
Nos pavimentos constituídos por elementos é visível e clara a descontinuidade provocada por esta
forma de execução, uma vez que os utilizadores facilmente distinguem os diversos elementos que
compõem o todo. A diferença táctil também é de reconhecimento imediato e, dependendo da
actividade que está a ser realizada, torna-se mais ou menos confortável e adequada a sua
utilização.
Em termos de manutenção, é relativamente fácil substituir ou remover elementos danificados pois
pode-se intervir em zonas pontuais, sem danos significativos para os elementos envolventes. É
importante referir também que possibilita a reutilização de peças para outros pavimentos na
medida em que a sua remoção não as danifica. Estes pavimentos, de uma forma geral, precisam
de ser confinados com elementos rígidos que o limitem evitando movimentos laterais e mantendo
a coesão da estrutura (Littlewood, 1993).
Por ser um pavimento composto por vários elementos surgem juntas que necessitam de
enchimento, excepto quando se tratam de elementos de tamanho e forma regulares como as lajes
e blocos pré-fabricados de betão. Pavimentos de tijolos, pedras ou materiais naturais devem levar
um enchimento de argamassa, exceptuando aqueles onde é desejável o crescimento de ervas,
caso em que o enchimento deve ser feito com terra (Littlewood, 1993).
c) Quanto à Agregação
No Manual da Pedra Natural para a Arquitectura é apresentada a divisão em agregados e não
agregados. Os primeiros englobam cubos, lajes, paralelepípedos de pedra e outros materiais
como pavimentos betonados e asfaltados. Dos segundos fazem parte a areia, terra batida,
gravilha, seixos, cascas de pinheiro, relva ou outra solução desta natureza que não utilize
qualquer tipo de ligante nos elementos de matéria-prima natural.
A principal característica dos pavimentos não agregados é serem aplicados sem qualquer tipo de
ligante, potenciando um aspecto mais natural e informal. No entanto, a sua baixa resistência e fácil
degradação fazem com que só se adeqúe a usos pedonais pouco intensos, podendo alguns
materiais ser compactados e nivelados de forma a albergar usos como percursos recreativos.
Outros menos compactáveis, como a gravilha, criam alguma dificuldade na circulação, sendo o
seu uso bastante restrito. Para que a sua estabilidade seja aumentada deve recorrer-se à criação
de limites rígidos, tais como lancis de betão ou pedra e rebordos metálicos ou de madeira, que
contenham os agregados, atrasando a sua dispersão e desaparecimento que levam à constante
necessidade de manutenção e renovação.
Na tabela II.2 apresenta-se para os principais tipos de pavimento os materiais mais utilizados,
tendo em conta as classes a que pertencem, seguindo-se o desenvolvimento da análise individual
que explorará as características de cada tipo de pavimento, tendo sempre presente o objectivo
principal de entender a sua adequação ao tipo de uso.
64
Tabela II.2 – Tipologias de Pavimento
Tipologias de
Pavimento
Quanto à estrutura Quanto à composição Quanto à agregação
Material Rígido Flexível Por
elementos Monolítico Agregados
Não
agregados
Saibro Solo
seleccionado X X X
Prado/Relva Gramíneas X X X
Casca de Pinheiro
Madeira X X X
Gravilha
Pedra Natural
X X X
Seixos X X X
Calçada X X X
Lajedo X X X
Tabuado Madeira X X X
Ladrilho/Tijoleira Cerâmico X X X
Lajetas de betão Betão X X X
Placas alveolares
Plástico, Metal
X X X
Ligante betuminoso e
brita Betuminosos
X X X
BMB (betume de borracha de
pneu reciclada) X X X
Pavimentos amortecedores
de borracha Borracha X X X
Betão in situ Betão X X X
65
2.2. CARACTERIZAÇÃO
Com base na tabela II.3, apresentada na página seguinte é possível listar os aspectos mais
importantes a ter em conta na escolha de pavimentos para o espaço público:
– Aspectos funcionais – resistência, aderência, permeabilidade, desgaste, conforto do utilizador e
manutenção;
– Aspectos estéticos – estereotomia, padrão, textura e cor.
Tabela II.3 – Parâmetros para Avaliação das Tipologias de Pavimento
Definição Classificações
Aspecto
s F
uncio
nais
Resistência Capacidade de resistir à carga e aos impactos que tem de suportar, às condições atmosféricas e a agentes químicos.
Baixa, Média, Elevada
Aderência
Capacidade para mobilizar o atrito entre o elemento de contacto do utilizador e o pavimento. Assume maior importância em situações de travagem, aceleração, circulação em curva ou em descida.
Baixa, Média, Elevada
Permeabilidade Capacidade de permitir a passagem de água ou outro líquido.
Sim, Não
Desgaste Consumo e danificação progressiva, provocado pela utilização.
Baixa, Média, Elevada
Conforto Factores que proporcionam comodidade, contribuindo para o bem-estar físico dos utilizadores.
Baixa, Média, Elevada
Manutenção Conjunto de medidas e acções efectuadas com o objectivo de manter em bom estado, aumentando a durabilidade.
Baixa, Média, Elevada
Aspecto
s E
sté
ticos
Estereotomia Estudo pormenorizado das formas dos elementos dos materiais, através da análise das possibilidades de corte, entalhe e disposição.
Nenhuma, Fragmentada, Variada, Alveolar
Padrão Desenho repetido de motivos numa superfície, normalmente, figuras geométricas.
Homogéneo, Variado
Textura Aspecto de uma superfície, qualquer relevo existente ou feito numa superfície com qualquer material, percepcionada pela visão e pelo tacto.
Lisa, Suave, Rugosa, Muito Rugosa
Cor Qualidade percepcionada através da visão, que pode ser natural ou aplicada aos materiais utilizados no pavimento.
Desta forma, à luz destes conceitos, e considerando as tipologias de pavimento apresentadas na
tabela II.2, analisam-se as tipologias e materiais mais utilizados, tendo especial importância a sua
viabilidade, o que é sintetizado no quadro final (tabela II.4).
66
SAIBRO
Figura II.19 – Vários Exemplos da Aplicação de Saibro em Espaços Públicos
a. Ilha Terceira, Açores – A utilização do saibro num ambiente de Natureza e descontracção | Silveira
b. Zona envolvente do Mosteiro de Alcobaça – Saibro num contexto de centro histórico | Lucina Carvalho, 2008
c. Jardim do Arco do Cego, Lisboa – Saibro num contexto de jardim público | Fotografias de Autor, 2008
Trata-se de um pavimento contínuo, permeável, estruturalmente flexível no caso de não ser
estabilizado com ligantes hidráulicos, constituído por material granular seleccionado e
compactado. Como qualquer pavimento não agregado adequa-se principalmente a usos pedonais
ligeiros e as suas características permitem-lhe uma excelente adaptação à morfologia do terreno.
A percentagem de finos não deve ser elevada uma vez que estes fluidificam em contacto com
água ou quando se encontram num estado muito seco levantam poeira com o vento ou o tráfego.37
PRADO/RELVA
Figura II.20 – A Vocação da Relva para Actividades de Lazer
a. Londres, Inglaterra | João Morgado, 2008
b. Central Park, New York | Website PPS
c. Jardins da Gulbenkian, Lisboa | António Arruda, 2008
37 José Miguel A. I. FERREIRA – Pavimentos em Espaços Públicos Urbanos: Contribuição para a análise e concepção de soluções. (Dissertação para obtenção do grau de Mestre em Engenharia do Território, Orientada por: Prof. Doutor Eng. José Neves), Lisboa: Instituto Superior Técnico, 2007
67
Trata-se de um pavimento contínuo, permeável e estruturalmente flexível uma vez que consiste
apenas em solo semeado ou plantado, sem qualquer suporte rígido. Esta solução é utilizada em
quase todos os espaços verdes uma vez que permite criar um tapete de vegetação.
O relvado pode ser realizado de várias formas: plantado, semeado ou colocado em placas.
Quando é plantado a sua resistência à carga e à secura é superior, no entanto o tempo e custo de
instalação são elevados. Ao semear a relva a instalação é mais rápida e barata e ainda se torna
possível regular composições e densidades diferentes tendo em conta as condições específicas
do local, em contrapartida a sua disponibilidade é atrasada. Se a instalação for feita através de
placas de relva, é possível obter um revestimento quase imediato do solo, no entanto, representa
um custo inicial mais elevado que as soluções anteriores (Brandão, 2002).
O prado é uma variedade mais rústica que pode ter como material diferentes gramíneas
semeadas, não requerendo em geral cuidados de rega frequente, mas com menor amplitude de
utilizações.
CASCA DE PINHEIRO
Figura II.21 – A Casca de Pinheiro Proporciona um Carácter Descontraído e Natural
a. Parque TMB Barcelona | a+t Magazine, In Common IV
b. Utilização de saibro em caminhos naturais | Gary Nafis, SD
c. Millicent, Austrália | FNI
Trata-se apenas de um revestimento de pavimento, uma vez que não é capaz de criar qualquer
estrutura, tornando o seu uso bastante limitado. No entanto é um material confortável e agradável
à vista e ao tacto e uma correcta recolha deste recurso natural faz com que o seu
desenvolvimento seja sustentável.
São de densidade e dureza média, coeficiente de contracção baixo e alguma durabilidade natural
que pode ser aumentada uma vez que é fácil impregnar este material. Necessita de manutenção
regular por ser muito absorvente à água e caso a secção dos elementos não seja adequada,
deformam-se e deterioram-se. Deve ser sempre protegido para que fique resistente a insectos e
apodrecimento. Como uma das fontes mais importantes da humidade é o próprio solo, este
68
material não deve ser aplicado directamente sobre ele, por isso exige-se a criação de uma
camada de base para isolar.38
Esta solução aplica-se principalmente em parques infantis e caminhos mais naturais e informais,
com uso muito ligeiro.
GRAVILHA
Figura II.22 – A Gravilha Pode Ser Usada com Vários Propósitos
a. Chiswick Park, Londres 2000 – a gravilha como solução permeável de pavimento | Nuevos Espacios Urbanos
de Jacobo Krauel
b. Prag’s Boulevard, Copenhaga 2005 | a+t Magazine, In Common III
c. A gravilha como transposição entre o edifício e o relvado | FNI
d. Marsupial Bridge, Milwaukee 2006 – Zona de pouca utilização, propícia à permanência | a+t Magazine, In
Common III
A gravilha é um revestimento de pavimento composto por pequenas pedras, geralmente com
diâmetro entre 5 e 15mm, que podem ser angulares ou arredondadas. As gravilhas angulares são
normalmente obtidas de restos de pedreiras e as arredondadas têm origem fluvial, ou seja podem
ser encontradas no leito dos rios ou em praias (Zeferino e Martins, 2006: 84). O leque de cores
naturais é muito variado dependendo da rocha de origem dos agregados.
É um material económico, no entanto, torna-se pouco rentável uma vez que requer manutenção e
renovação periódica, aumentando esta necessidade para utilizações intensas. Para que se evite a
total dispersão e desaparecimento dos agregados é necessário criar limites rígidos que o
contenham (Littlewood, 1993).
38 Josep Ma SERRA – ESPAI PUBLIC URBÀ 1. Manual d’Elements Urbans: Mobiliari i microarquitectura. Barcelona: Institut d’Edicions de la Deputació de Barcelona, 2000
69
SEIXOS
Figura II.23 – Esta Solução pode Adquirir Diversas Estereotomias e Padrões
Ribeira Brava, Madeira | Fotografias de Autor, 2008
Trata-se de um pavimento constituído por elementos e embora possa ser flexível ou rígido, pode
considerar-se estruturalmente rígido já que, actualmente, a sua aplicação é feita preferencialmente
sobre uma camada base estabilizada, composto por inertes de rio ou praia com diâmetro entre 50
e 100 mm ligados por argamassa hidráulica (Ferreira, 2007).
Deve ser limitado por um contorno resistente para que, tal como acontece nos pavimentos
desagregados, se assegure uma melhor coesão do material. A sua composição de seixos
colocados lado a lado faz com que a textura varie com a forma destes inertes, possibilitando a
criação de diferentes texturas mais ou menos irregulares, consoante a necessidade. A textura é
sempre bastante acentuada o que faz com que se torne um pavimento demasiado ruidoso para a
circulação automóvel pesada. Embora seja uma estrutura rígida, é também pouco adequado para
qualquer utilização mais intensa, pois uma das suas fragilidades é o frequente desprendimento
dos seixos que obriga a manutenção periódica.
70
CALÇADA
Figura II.24 – A Calçada pode ser Feita em Várias Dimensões e Estereotomias
Julia Kan | Pedro Moreira | FNI Avelino Oliveira | Olhares | Fotografia de Autor | Website Olhares
Quanto à estrutura, a calçada é um pavimento que pode ser rígido ou flexível dependendo da
camada de fundação do seu assentamento, no entanto, actualmente recorre-se quase sempre a
uma base de assentamento em betonilha. Os elementos da camada de desgaste são de pedra
natural, usualmente, granito, calcário ou basalto, dependendo da disponibilidade na região e das
exigências impostas.
As suas características físicas dependem também do tipo de pedra utilizado, sendo que, segundo
Hegger (2006):
– O granito é resistente às intempéries, é visto como a pedra mais resistente, pode ser usado
quase sem restrição em trabalhos de construção e não é afectado por poluição aérea. Existe
em várias cores, vermelho, rosa, amarelo, branco, cinzento e azul esverdeado.
– O basalto é normalmente cinzento-escuro ou preto, demonstra uma elevada resistência à
compressão e às intempéries, é muito difícil de trabalhar e é ideal para aplicações no exterior.
No entanto pode tornar-se muito escorregadio com o desgaste.
– O calcário apresenta-se em várias cores, normalmente amarelado, cinzento acastanhado,
vermelho ou branco. Pode ser usado universalmente, embora em zonas de limpeza frequente
não seja aconselhado visto que a resistência a químicos é fraca. A resistência à abrasão é
muito variável dependendo da rocha de origem dos depósitos.
A tipologia de calçada, não só pode ser realizada com diversos tipos de pedra, como também
abrange diversas formas de elementos, sendo que as principais são os paralelepípedos e os
71
cubos de dimensões variáveis. A aparência visual destes pavimentos tem um papel muito
importante, seja pela nobreza da pedra que apresenta uma cor e textura resultante de milhares de
anos de processos geológicos, seja pelo vasto leque de efeitos e combinações que possibilita.39
Segundo o Manual da Pedra Natural para Arquitectura a adequação da dimensão dos cubos ou
paralelepípedos, aos tipos de utilização procede-se da seguinte forma:
– Uso exclusivo de peões – 4/5cm ou 5/7cm (Calçada cúbica miudinha e miúda)
– Circulação de veículos ligeiros – 8/10cm (Calçada cúbica meia pedra e paralelepipédica)
– Circulação de veículos pesados – 10/13cm (Calçada cúbica grossa e paralelepipédica)
Portanto, para esta tipologia, quanto maior for a dimensão do elemento, maior a sua resistência às
cargas, mas dependendo sempre da resistência do próprio tipo de pedra.
Das diferentes variantes que existem nesta tipologia, evidenciam-se os dois casos mais comuns
em Portugal:
– Paralelepípedos que têm uma grande resistência à carga, às condições atmosféricas e aos
químicos e baixo nível de desgaste (dependendo da pedra). São normalmente de cor escura,
granito ou basalto e possibilitam a criação de diferentes estereotomias, mais ou menos
adaptáveis à função a que se destinam.
Figura II.25 – Paralelepípedos com Várias Estereotomias e Materiais
a. Ribeira Brava, Madeira | Fotografias de Autor, 2008
b. Brussels, Bélgica | FNI
c. Paralelepípedos com algum desgaste e irregularidade | Rui Moura, 2006
d. Berna, Suiça | Manuel Ribeiro, SD
39 António M. Esteves HENRIQUES [et al.] – Manual da Pedra Natural para a Arquitectura. Lisboa: Direcção Geral de Geologia e Energia, 2006
72
– Calçada Portuguesa, pavimento composto por pedras mais ou menos regulares, tirando
partido dos diferentes tipos de pedra natural da região, principalmente calcário vidraço azul-
escuro (basalto) e calcário vidraço branco, para criar formas e padrões que, tendo em conta a
escala do espaço a que se destinam, devem ser criados com cuidado para que a legibilidade
resultante do conjunto seja a esperada, mais global ou mais intrincada dependendo da situação.
Figura II.26 – A Calçada Portuguesa
a. Vila do Conde – Padrão de fluidez e movimento | João Pedro Martins, SD
b. Figueiró dos Vinhos – padrão com três cores, pedras mais irregulares | Eurico Sampaio, 2007
c. Aveiro – Padrão mais contemporâneo | Sandra Marques, 2006
d. Coimbra – Calçada simbólica do Portugal dos Pequenitos | Francisco Tico, 2008
e. Padrão geométrico | Nuno Morais, 2006
f. Rossio, Lisboa – Padrão “Mar Largo” alusivo aos descobrimentos | Bruno Amado, 2006
73
LAJEDO
Figura II.27 – O Lajedo Pode Adoptar Várias Dimensões, Estereotomias e Acabamentos
a. Utilização de sobras de pedra e colocação despreocupada dos elementos | Pedro Martins, SD
b. Guimarães – Lajedo com algum desgaste pelo uso, grande durabilidade | Pedro Moreira, SD
c. Porto – Lajedo molhado, torna-se escorregadio com chuva se não levar o acabamento devido | FNI
d. Centro Cultural de Belém, Lisboa – elementos rectangulares de juntas desalinhadas | Sérgio Redondo, SD
e. Lajedo de elementos quadrados regulares e estereotomia alinhada | FNI
f. Stuttgart, Alemanha – elementos quadrados de juntas desalinhadas | Hascher Jehle, SD
O lajedo é composto por placas de pedra natural, podendo esta camada de desgaste ser assente
em material granular ou betão conforme a resistência de que necessita, tal como a calçada. Os
elementos constituintes abrangem uma gama variada de dimensões, normalmente com largura
superior a 150mm e o seu assentamento pode ser feito de diversas formas, originando diferentes
estereotomias, de juntas alinhadas ou quebradas, longitudinais ou transversais, de acordo com o
uso pretendido.
Os tipos de pedra mais utilizados são os mesmos que nas tipologias anteriores, a grande
vantagem reside na maior dimensão das peças, significando um menor número de juntas que se
traduz num possível aumento do conforto na sua utilização por parte de peões e veículos
(Ferreira, 2007).
74
TABUADO
Figura II.28 – O Tabuado pode Ter Várias Dimensões e Estereotomias
Nuno Ramos | Fotografia de Autor, 2008 Website Flickr | Krauel – Nuevos Espacios Urbanos| FNI
O tabuado trata-se de um pavimento constituído por réguas de madeira, com dimensões e
acabamentos variáveis. A sua resistência natural a factores climatéricos não é muito favorável
fazendo com que não seja usado extensivamente em pavimentos exteriores.
Segundo entrevista a Natalina Magro, directora de marketing da empresa ICO, os que melhor
funcionam são os pavimentos em madeira maciça, preferencialmente exótica já que estão
naturalmente preparadas para grandes humidades e intempéries, ou recorrer a tratamentos em
madeira como o Pinho Nórdico e a Riga. As réguas de madeira maciça da ICOdeck apresentam
dimensões entre 90 e 145mm de largura e 1500mm ou mais de comprimento, com espessuras de
19 e 21mm e podem ser aplicadas com um acabamento liso ou anti-derrapante.
Existem duas estereotomias principais, o de juntas longitudinais e o de perpendiculares à via,
tendo em conta que, quando são colocadas perpendicularmente à via, a resistência do pavimento
é maior, uma vez que a carga é distribuída por mais peças (Ferreira, 2007).
75
PAVIMENTOS CERÂMICOS
Figura II.29 – Os Pavimentos Cerâmicos podem ter Várias Formas e Dimensões
Miguel Oliveira, 2006 | FNI | Vasco C., 2008 | FNI
Este pavimento é constituído por elementos e, tal como os outros pode ser estruturalmente rígido
ou flexível consoante a base é de areia ou argamassa hidráulica. Sendo as peças quase sempre
irregulares, é conveniente assentá-las sobre uma camada de argamassa para que possam ser
corrigidas através das juntas. Devem ser aplicadas sobre uma camada de um cimento colante ou
qualquer outro produto adesivo para poder garantir rigidez e estabilidade (Hegger, 2006).
Os pavimentos cerâmicos podem ser compostos por ladrilhos, mais compactos, e por tijoleira,
caracterizada por ser um material poroso, à semelhança das telhas e tijolos. Podem ter várias
dimensões, sendo que mais comummente se trata de um elemento quadrado, com lado a variar
entre 110 e 300mm. A tijoleira apresenta uma tonalidade que pode ir do ocre ao vermelho vivo.40
Os ladrilhos normalmente são vidrados, podendo ser atribuída qualquer pigmentação neste tipo de
acabamento.
A variante mais adequada para utilização em espaços de grande tráfego é o ladrilho de grés fino
por apresentar uma grande resistência ao desgaste. Estes pavimentos não devem ser polidos,
uma vez que este acabamento não é muito durável e reduz a aderência ao pavimento (Nero,
2000).
40 José Gaspar NERO – Sebenta de Materiais de Construção para Arquitectura. Instituto Superior Técnico,
2000
76
LAJETAS DE BETÃO PRÉ-FABRICADAS
Figura II.30 – As Lajetas de Betão têm um Grande Leque de Formas e Cores
A+t Magazine, In Common III | Arq./a nº27 | Joaquim Abreu, 2007 Website Olhares | Website Interpave | Trinco Morais, 2008
Trata-se de um pavimento descontínuo, composto por elementos pré-fabricados de betão que
pode ser rígido ou flexível consoante a base é de argamassa ou areia.
Estes elementos são fabricados num leque cada vez maior de formas, dimensões, cores e
acabamentos, tendo a possibilidade de imitar o aspecto visual de qualquer um dos anteriormente
descritos, melhorando a sua performance em termos de aderência, resistência e regularidade da
superfície, com a grande vantagem de ser muito mais económico.
PLACAS ALVEOLARES
Figura II.31 – As Placas Alveolares para Relva e Gravilha podem tornar-se Invisíveis
Website Paisotec
77
Trata-se de um pavimento por elementos, bastante moldável à superfície do terreno, cujo objectivo
é fixar o solo, aumentando a durabilidade e resistência à carga de alguns pavimentos
desagregados, nomeadamente relva e gravilha.
Pode ser constituído por vários materiais e tipos de elementos, sendo as placas alveolares de
politeno reciclado, um dos exemplos desta solução. A sua estrutura alveolar permite o
preenchimento dos vazios com terra possibilitando o crescimento de relva, ou com gravilha,
reforçando a sua estrutura e coesão. A instalação é fácil e o seu custo reduzido, e uma vez
preenchido, dependendo da cor escolhida, pode tornar-se neutro e praticamente invisível
(Paisotec, 2002).
BETUMINOSOS
Figura II.32 – Betuminoso já não se Restringe à cor Negra
a. Prag’s Boulevard, Copenhaga – O betuminoso em espaços pedonais e cicláveis | a+t Magazine, In Common III
b. Aveiro – Solução muito corrente para as ciclovias utilizando a cor para diferenciar | FNI
c. Porto Moniz, Madeira – A utilização de betuminosos em espaços verdes de lazer | FNI
d. A solução mais comum em espaços de circulação automóvel | Website Olhares
Trata-se de um pavimento contínuo e estruturalmente flexível, em que o betume tem a função de
ligante, por se tornar viscoso a altas temperaturas e, ao arrefecer, revelar uma capacidade
extremamente forte de aglutinação. É maioritariamente usado para o revestimento de estradas e
tem um papel muito importante como ligante dos inertes minerais, que constituem cerca de 95%
da massa total, sendo estes os responsáveis pela resistência do pavimento (Hegger, 2006).
O betume pode ser pigmentado na sua camada de superfície, permitindo adicionar cor a este
tapete, que tem como mais marcante a sua cor negra, muito pouco apelativa.
78
Os limites, se não forem bem acautelados, podem desgastar rapidamente, já que com a
flexibilidade do material e o tráfego mais intenso pode começar a levantar. Outra desvantagem é a
sua baixa resistência aos solventes de petróleo, etc. (Littlewood, 1993)
Já foram desenvolvidas várias técnicas de combinados betuminosos das quais se refere uma,
desenvolvida com sucesso a partir dos anos sessenta nos EUA e introduzida em Portugal a partir
de 1999, que é o Betume Modificado com Borracha (BMB), mistura betuminosa que incorpora
cerca de 20 a 22% de granulado de borracha obtido a partir da reciclagem de pneus usados. Para
além desta grande vantagem ambiental, reutilização dos pneus usados, está provado que estas
misturas são mais resistentes ao envelhecimento e à fadiga dando muito maior durabilidade ao
pavimento, praticamente sem necessidade de acções de manutenção o que compensa o seu
preço mais elevado. Tem também maior resistência à carga, maior aderência e proporciona uma
redução do ruído de circulação.
PAVIMENTOS AMORTECEDORES DE BORRACHA
Figura II.33 – Pavimento de Borracha está Associado a Actividades de Recreio e Lazer
Magda Oliveira | FNI | a+t Magazine, In Common IV a+t Magazine, In Common IV
Trata-se de um pavimento flexível, mais frequentemente constituído por elementos, podendo ser,
no entanto, pavimentado in situ, resultando num pavimento contínuo. Pode ser assente em
qualquer tipo de base, desde que estabilizada e é constituído por granulado de borracha, obtido na
reciclagem de pneus, e por cola de polieruteno. Quando realizado por elementos, não necessita
de juntas dada a sua flexibilidade. Estas características fazem com que seja o material de eleição
para parques infantis e zonas onde se pretende o mesmo tipo de segurança, uma vez que tem
uma óptima capacidade de absorção de impactos verticais e uma boa aderência, minimizando o
risco de lesões. A espessura dos elementos é tanto maior quanto a altura da queda que tem de
proteger, e pode ir desde 30 a 90mm.
Quando é aplicado in situ, é realizada uma primeira camada com as características anteriormente
referidas e sobre essa, é aplicada uma outra onde se incorpora a cor e a protecção contra raios
solares e desgaste, garantindo a eficiência no pavimento. Qualquer uma das soluções apresenta
uma gama de cores bem variada, permitindo também a realização de padrões e combinações
interessantes.
79
LAJES DE BETÃO IN SITU
Figura II.34 – O Betão é uma Solução muito Adaptável às Situações
a+t Magazine, In Common III | arq./a nº 27 | a+t Magazine, In Common IV FNI | Website Olhares | FNI
Trata-se de um pavimento contínuo e rígido construído no próprio local. O betão é uma mistura de
cimento, inertes e água. É a pedra feita pelo Homem. Para a aplicação em pavimentos não
necessita de reforço uma vez que trabalha muito bem à compressão. (Hegger, 2006).
Esta solução de pavimentos é bastante moldável ao terreno, no entanto, é necessário prever
juntas de dilatação para a expansão e contracção que sofre com as variações de temperatura.
Existem vários acabamentos que permitem a adaptação a diversas utilizações. Tratando-se de um
material moldável, pois tem uma fase líquida, permite criar soluções mais confortáveis tanto para a
escala pedonal como para a rodoviária (Ferreira, 2007).
No entanto em termos de cores é bastante limitado, uma vez que é muito difícil garantir uma
coloração homogénea e permanente. O seu aspecto visual por vezes torna-se pouco apelativo,
sendo por isso considerado um material pouco nobre (Littlewood, 1993).
«Materials, however, of themselves, have no singular unalterable character. This character of a
landscape depends more upon the use of the materials, how they are arranged and how they
interrelate with other materials and landscape features» (Moughtin, 1995:94).
Em modo de conclusão apresenta-se de seguida uma tabela de avaliação das várias tipologias de
pavimento descritas anteriormente, tendo em conta os aspectos funcionais e estéticos
relacionados com os utilizadores. Ainda nesta tabela é apresentada uma pequena escala, de 0 a
3, que pretende definir intuitivamente qual o grau de adequação de cada tipo de pavimento à
utilização pedonal e rodoviária, em que 0 é inadequado e 3 é perfeitamente adequado.
80
Tabela II.4 – Avaliação das Tipologias de Pavimento
81
3. TIPOLOGIAS DE ELEMENTOS URBANOS
Identificadas as diversas tipologias mais comuns no espaço público, interessa perceber que outros
elementos constituem o pavimento e o espaço público urbano, quer pela necessidade de
responder a necessidades mais específicas quer pela crescente importância da conjugação de
soluções de pavimento nestes espaços da cidade cada vez mais multifuncionais e integrados.
Sabendo que o pavimento não é composto apenas por uma plataforma simples de uma ou mais
tipologias descritas anteriormente, é importante explicitar a forma como tudo se relaciona, já que
existe todo um conjunto de elementos que concorrem para as diversas necessidades tanto dos
utilizadores, através da estruturação dos espaços, da acessibilidade e da segurança, como da
cidade em si, com as infra-estruturas necessárias para o seu bom funcionamento.
3.1. ELEMENTOS DE ESTRUTURAÇÃO DO ESPAÇO PAVIMENTADO
PASSEIO
«O passeio lateral é o espaço de transição entre o interior dos edifícios e a rua. Responde à
necessidade de diferenciar um espaço para os peões, defendido do trânsito automóvel e também
do parqueamento» (Brandão, 2002:87).
Figura II.35 – O Passeio pode ser Definido de Várias Formas
Filomena Pimenta, 2008 | Fernando Carrasqueira, 2007 | Ricardo Costa, SD
Um passeio completo é composto por:
– Lancil, rebordo que garante a sua coesão;
– Margem de protecção que pode ser usada para a implantação de elementos de separação dos
diferentes tipos de trânsito, podem ser árvores, pilaretes, etc.
– Corredor central, dedicado à circulação pedonal;
– Zona de paragem, associada às fachadas uma vez que esta é a zona mais protegida do
passeio e onde se localizam as montras e entradas para os edifícios.
Para que seja possível incentivar a circulação pedonal é necessário providenciar um sistema
contínuo mas diversificado de passeios, que funcione como uma rede que interliga edifícios,
espaços e equipamentos de uma forma cativante (Brandão, 2002).
82
Como consta no Decreto-Lei nº163/2006, os passeios devem garantir, entre outros, os seguintes
parâmetros para que possam ser considerados acessíveis por todos:
– A largura livre (espaço dedicado à circulação) dos passeios não deve ser inferior a 1.5m;
– A inclinação máxima dos passeios, no sentido longitudinal é de 5% e no sentido transversal é
de 2%;
– Deve assegurar-se a pendente necessária para que seja garantido o rápido escoamento das
águas e a secagem dos pavimentos, sendo que a inclinação deve estar compreendida entre
0.5% e 2%;
– Os pavimentos dos passeios devem ser compactos e as suas superfícies revestidas de um
material cuja textura proporcione boa aderência, mesmo na presença de humidade ou água;
– Deve proporcionar-se a legibilidade do espaço, através da adopção de elementos e texturas de
pavimento que forneçam, nomeadamente às pessoas com deficiência da visão, a indicação dos
principais percursos de atravessamento.
LANCIL
«Os lancis devem ser colocados de forma a garantir a qualidade construtiva dos passeios, assim
como, para delimitar áreas funcionalmente distintas (estacionamento, circulação)» (Remesar,
2005:58).
Figura II.36 – O Lancil tem Largura Variável e pode Assumir Diferentes Caracteres
FNI | Website Olhares | Fotografia de Autor, 2008
Caso haja necessidade de sobrelevar o passeio em relação à via de circulação automóvel por uma
questão de segurança, é o lancil que tem o papel de rematar este desnível e a sua altura máxima
será de 0.12m de forma a facilitar o rebaixamento para 0.02m sempre que necessário.
Em qualquer situação deve considerar-se uma largura mínima para este elemento de 0.2m.
Quanto a materiais é importante que os lancis tenham uma grande resistência a cargas já que
muitas vezes desempenham o importante papel de contenção de pavimentos desagregados ou
constituídos por elementos.
DESNÍVEIS
Os desníveis podem resultar de condicionantes do terreno ou simplesmente de intenções de
projecto, de qualquer forma deve ser garantido o máximo de segurança e acessibilidade.
83
Situações como desníveis no piso, alterações de materiais de revestimento, degraus, tampas de
registo, etc. devem ser evitadas ou tratadas adequadamente à diferença de altura que
representam, sendo que até 0.005m não precisam de nenhum tratamento, 0.02m requerem
boleado ou chanfra e acima deste valor devem ser tratadas como rampas (DL nº163/2006).
Figura II.37 – Os Desníveis podem ser Vencidos por Rampas ou Escadas
Arquitectura Ibérica nº9 | a+t Magazine, In Common III | Nuevos Espacios Urbanos
Segundo Brandão, quando o desnível é vencido por meio de escadas estas devem apresentar as
seguintes características:
– Contemplar soluções que permitam vencer o desnível pausadamente, caso seja esse o desejo;
– Os materiais utilizados devem ser anti-derrapantes e resistentes ao desgaste;
– Deve evitar-se a acumulação de água nos degraus através da aplicação de uma ligeira
pendente e instalação de um sistema de drenagem;
– O início e o fim da escada devem ser assinalados através da diferenciação de cor ou textura.
Por outro lado, se o desnível puder ser vencido através de rampas, estas devem ter:
– A menor inclinação possível, sendo ideal que tenha no máximo 6%;
– Patamares intermédios que permitam paragens para descanso;
– Largura mínima deve ser 1.2m.
Nos casos em que é impossível a colocação de rampas que proporcionem acessibilidade total, é
importante recorrer à instalação de dispositivos mecânicos que colmatem esta lacuna (Brandão,
2002)
Os desníveis superiores a 0.5m devem ser protegidos de forma a evitar acidentes. É importante a
utilização de corrimãos em rampas e escadas também por uma questão de segurança e facilidade
de utilização (Brandão, 2002).
RAMPAS DE ACESSO PARA VEÍCULOS E PEÕES
Existem várias situações em que é necessário resolver o desnivelamento entre o pavimento da via
de circulação automóvel e o pavimento do passeio, por vezes para facilitar o percurso pedonal,
outras para melhorar o acesso automóvel. Tal consiste, normalmente, no rebaixamento da altura
do passeio, através da colocação de um elemento, mais frequentemente pré-fabricado, no mesmo
material que o passeio (Serra, 2000).
84
Em situações de passagens de peões deverá ser rebaixada toda a zona de passeio que lhe fica
adjacente sendo que a rampa terá uma inclinação, no sentido da passagem de peões inferior a
8%, podendo atingir 10% no remate lateral, no sentido do lancil. (DL nº163/2006)
Figura II.38 – É Importante ter em Conta a Acessibilidade Total dos Espaços
Website Olhares | Fotografia de Autor, 2008 | Lucina Carvalho, 2006
Caso a necessidade de rebaixar o passeio seja para facilitar a acessibilidade automóvel, poderá
recorrer-se a inclinações maiores, de modo a reduzir o impacto na zona de circulação pedonal.
Em qualquer das situações é necessário marcar o pavimento, isto é, identificar e delimitar as
superfícies, recorrendo a mudanças de materiais de forma a tornar clara para todos a sua leitura e
visibilidade (Serra, 2000).
PASSADEIRAS
As passadeiras são zonas de prioridade pedonal nas vias de circulação automóvel, permitindo o
seu cruzamento em segurança, por parte dos peões.
Figura II.39 – Passadeiras
Website Olhares | FNI | FNI | FNI
Existem várias soluções para a marcação das passadeiras, no entanto todas elas concorrem para
um único objectivo, serem facilmente visíveis e legíveis tanto pelos condutores, para que possam
abrandar a tempo, como pelos peões, para que as utilizem correctamente. O importante é que
seja reconhecível a sua localização, não só pela visão como também pelo tacto e audição,
recorrendo a materiais, sons e texturas diferentes.
A solução mais habitual é a marcação, a todo o seu comprimento com riscas de cor contrastante,
nomeadamente brancas, pintadas no sentido da circulação viária. A tinta utilizada para este fim
tem de ter características anti-derrapantes e esta textura rapidamente se perde com o desgaste,
criando situações ainda mais perigosas, o que requer uma manutenção elevada (Serra, 2000).
85
Outra solução possível, mais utilizada em situações de maior perigo, é a criação da passadeira
como uma lomba, toda ela num pavimento diferente e ligeiramente mais elevada, permitindo uma
melhor visibilidade à distância e obrigando os condutores a reduzir significativamente a velocidade
(Brandão, 2002)
3.2. ELEMENTOS DE SEPARAÇÃO
O papel que estes elementos desempenham no espaço público é essencialmente impedir o
acesso de veículos a um espaço destinado a peões, impedir ou dificultar o acesso dos peões a
áreas que lhe são vedadas, ou ainda podem servir como protecção de desníveis ou zonas de
potencial perigo.
Dependendo da maior ou menor necessidade de separação/protecção, os elementos mais
utilizados são os frades, pilaretes e barreiras. Existem ainda outros elementos que, mesmo não
sendo essa a sua função primária, podem ser usados como tal, são exemplos os vasos ou
floreiras. A localização destes elementos nunca deve pôr em causa a circulação dos peões,
mantendo sempre disponível um corredor com a largura regulamentar (Brandão, 2002).
FRADES
Estes são os elementos menos intrusivos dentro desta categoria, quer visualmente quer para os
peões que facilmente os transpõem devido à sua altura reduzida. Por estas razões a sua utilização
mais frequente é na proibição de estacionamento de veículos em áreas pedonais, já que estes não
os conseguem transpor (Serra, 2000).
Ainda segundo Serra, a sua proximidade ao chão e a sua função de proibição fazem com que seja
importante a utilização de materiais resistentes a eventuais agressões, sendo a pedra natural e o
betão os mais indicados. No entanto, é essencial que se pese a vontade de torná-los pouco
intrusivos na paisagem com a necessidade de os destacar para evitar acidentes.
Figura II.40 – Frades de Diferentes Formas e Materiais
Lucina Carvalho, 2007 Adriane, SD | FNI | FNI | Filipe Silva, SD
86
PILARETES
Elementos de altura adaptável, variando normalmente entre 0.60 e 1.00m, cuja função passa não
só pela proibição de estacionamento em zonas reservadas como também pela delimitação do
espaço de circulação viária (Serra, 2000).
Estes elementos são construídos mais frequentemente em materiais metálicos anticorrosivos, ou
em pedra natural uma vez que se requer boas condições de resistência e durabilidade.
Figura II.41 – Pilaretes podem Cumprir Várias Funções
FNI | FNI | FNI | Website Olhares | FNI
Os problemas mais frequentes surgem ao nível das ancoragens ao pavimento, sendo que, como
os elementos são por norma mais resistentes que o tipo de pavimento, isto provoca uma situação
de cedência por parte deste último, muito facilmente vandalizado. Serra indica a necessidade de
recorrer a dispositivos de ancoragem com grande elasticidade, permitindo o amortecimento de
eventuais impactos que desta forma não serão transmitidos ao pavimento.
Surgiram da necessidade de devolver espaço aos peões, no entanto, é necessário que a sua
colocação não se torne um obstáculo. Para isso é importante que a distância entre elementos
permita a circulação pedonal e que seja garantida a largura mínima de passeio para circular
facilmente.
Desta forma e dependendo da função a desempenhar a distância entre pilaretes deverá obedecer
às seguintes especificações:
– Distância mínima de 1.20m, para permitir a passagem de cadeiras de rodas;
– Para impedir a passagem de um veículo o espaçamento deve ser no máximo de 1.50m;
– Caso seja apenas para impedir o estacionamento podem distar entre si de 2.00 a 3.00m.
Uma outra utilização bastante comum actualmente é, em zonas de acesso condicionado, permitir
a circulação de veículos autorizados (veículos de emergência ou moradores do bairro), através da
utilização de um sistema de pilaretes retrácteis, que entram no pavimento.
BARREIRAS
Neste caso tratam-se de elementos geralmente fixos, rígidos e com uma altura de cerca de 1.00m.
Têm como objectivo a protecção do peão em situações de alteração de usos ou outros perigos,
podendo também servir como estruturação do espaço.
A colocação destes elementos deve ser bem ponderada para que se permita oferecer segurança
ao tráfego pedonal sem, no entanto, quebrar o seu ritmo de circulação através pela demasiada
fragmentação do espaço.
87
Figura II.42 – Barreiras Podem ser Fixas ou Móveis
Lucina Carvalho, 2006 | FNI | Lucina Carvalho, 2006
Em termos de materiais para estes elementos mais uma vez é necessário prever os impactos
automóveis que possam surgir, assim como as grandes cargas exercidas pelo uso pedonal,
nomeadamente, o encostar ou debruçar sobre estes. Serra identifica a madeira e o metal como os
materiais mais utilizados, sendo o aço inoxidável e o ferro fundido os que menos manutenção
exigem (Serra, 2000). Por uma questão de transparência muitas vezes recorre-se ao vidro ou
semelhantes, nestes casos o importante é ter sempre presente a necessidade de serem
suficientemente visíveis para evitar acidentes, e resistentes caso os haja.
3.3. ELEMENTOS INTEGRADOS NO PAVIMENTO
Os canais de drenagem, sumidouros e tampas de registo são elementos que permitem o contacto
com infraestruturas e elementos subterrâneos.
CANAIS DE DRENAGEM
Os elementos são essenciais para o escoamento das águas pluviais uma vez que se apresenta
como muito perigosa a sua acumulação em espaços de circulação quer seja pedonal ou
automóvel.
Os canais de drenagem são furações lineares protegidas por grelhas, evitando acidentes ou
quedas sem impedirem o escoamento da água. Tanto o canal como a grelha podem assumir
diferentes formas e feitios, dependendo não só de vontades estéticas, relacionadas com as
características do espaço onde se inserem, como também de necessidades técnicas, consoante a
quantidade de água que é necessário escoar.
O canal de recolha é geralmente em betão, metal ou plástico, dependendo da resistência e a
grelha é quase sempre metálica (Serra, 2000).
88
Figura II.43 – Os Canais de Drenagem têm Diferentes Papéis no Espaço
A+t Magazine, In Common IV | Sérgio Redondo, SD | Manuel Ribeiro, SD | Gehl – Novos Espaços Urbanos
A+t Magazine, In Common IV | FNI | Lucina Carvalho, 2006 | FNI
Os sistemas de recolha de água podem ser localizados no centro da via ou praça, ou nos seus
limites. Dependendo das dimensões da área a escoar pode ser importante dividir o escoamento
por dois canais, permitindo a sua maior eficácia e rapidez. Os canais de recolha estão ligados a
colectores localizados no ponto mais baixo do pavimento.
SUMIDOUROS
Os sumidouros têm a mesma função que os canais de drenagem, escoar as águas pluviais para
evitar a sua acumulação, no entanto, os sumidouros são principalmente utilizados nas vias de
circulação automóvel.
Figura II.44 – Sumidouros e Grelhas de Drenagem
Fotografias de Autor, 2008
São furações colocadas no limite do passeio a fim de aproveitar este desnível para melhorar a sua
eficiência. No caso de serem colocados horizontalmente, são protegidos com uma grelha,
colocada com as frestas no sentido transversal ao da circulação para evitar acidentes. Quando
são colocadas verticalmente, estão integradas no passeio não precisando de nenhuma protecção.
89
É importante a manutenção regular destes sistemas já que desempenham um papel
preponderante na segurança e conforto dos utilizadores porque facilmente acumulam todo o tipo
de lixo.
TAMPAS DE REGISTO
As tampas de registo são uma constante nos nossos espaços públicos, já que servem várias
redes de infra-estruturas imprescindíveis ao bom funcionamento da cidade. É sob estas tampas
que se encontram por exemplo, as torneiras de água ou gás, as caixas de visita dos esgotos ou
qualquer tipo de armário que não se deseja visível no espaço.
Figura II.45 – Tampas de Registo
Website Olhares | Website Olhares | Website Olhares | Lucina Carvalho, 2007
As dimensões destas tampas variam consoante o serviço a que se destinam. Em termos de
materiais as soluções mais recorrentes, são duas: ou em ferro fundido ou em continuidade com a
mesma solução de revestimento que o pavimento onde estão colocadas. Quanto à forma, o mais
habitual é circular embora seja cada vez mais comum utilizar as formas que melhor se adaptam
aos pavimentos compostos por elementos regulares (Serra, 2000).
É importante que, caso sejam metálicas, apresentem qualquer tipo de acabamento rugoso para
prevenir deslizamentos.
CALDEIRAS DE ÁRVORES
Para cada árvore é necessária uma caldeira de, pelo menos, 1.00m3 de terra onde plantá-la.
Uma interrupção no pavimento com uma secção de pelo menos 1.00m2 é, garantidamente, um
perigo caso não seja protegida, tanto para os utilizadores, que podem ser induzidos em quedas ou
acidentes, como para a própria terra onde é plantada a árvore, já que fica sujeita à constante
pressão exercida pela circulação pedonal, automóvel ou mesmo animal. Assim, é necessária a
colocação de protecção na base da árvore que garanta permeabilidade à água, ajudando tanto no
escoamento como na rega, e ao mesmo tempo proporcione um nivelamento com o pavimento
envolvente para maior segurança dos utilizadores (Remesar, 2005).
90
Figura II.46 – Caldeiras de Árvores
Nuevos Espacios Urbanos | Nuevos Espacios Urbanos | Mobiliario Urbano | Nuevos Espacios Urbanos | a+t Magazine, In Common IV | Mobiliario Urbano
A protecção pode ser feita através de grelhas ou peças maciças que terão 1.00x1.00m no mínimo,
com fendas ou juntas à semelhança dos sumidouros e canais de drenagem, no sentido transversal
ao da circulação, e devem assentar sobre um rebordo resistente que lhes permite ficar afastadas
da terra evitando a compactação. Podem ser de várias formas, até mesmo modulares e
adaptáveis ao crescimento natural da árvore e os materiais mais comuns são ferro fundido ou aço
para as grelhas, betão ou pedra natural para as peças maciças (Serra, 2000).
Serra acrescenta ainda que se forem colocadas caldeiras com grelhas em passeios é necessário
que estes tenham pelo menos 2.60m de largura (caso seja sem grelha terá de ser 3.00m).
Descritos os diversos elementos a organização desta informação na tabela II.5, servirá de
instrumento para a avaliação mais eficiente dos espaços públicos.
91
Tabela II.5 – Avaliação dos Elementos Urbanos
5A. Parâmetros de Conforto
Passeios
Conforto Sensorial Conforto Físico
Ele
mento
s d
e E
str
utu
ração d
o E
spaço P
avim
enta
do
- Percepção do passeio como um percurso contínuo.
- Fácil entendimento das diferentes zonas que o compõem.
- Existência de pontos de interesse.
- Pavimento regular, compacto e aderente.
- Pendente necessária para o escoamento adequado.
- Largura livre adequada ao fluxo existente.
- Possibilidade de paragem sem conflitos.
Lancis - Visualmente fácil de distinguir como
delimitação.
- Potenciar alinhamentos visuais.
- Material resistente e aderente.
- Altura adequada à utilização.
Desníveis
- Facilmente identificáveis.
- Escada: Realçar o fim/início do degrau e o fim/início da escada através de cor e/ou textura.
- Rampa: adequada a todo o tipo de circulação pedonal.
- Patamares de descanso.
- Pavimento anti-derrapante.
- Existência de corrimãos.
- Pendente necessária para o escoamento adequado.
- Escada: relação entre espelho/cobertor adequada e sempre igual.
- Rampa: inclinação suave.
Rampas de Acesso
- Facilidade em distinguir a função a que se destina.
- Materialidade coerente mas distinta do pavimento.
- Compatibilização do nível do passeio com o da faixa de rodagem.
- Inclinação regulamentada.
- Pavimento regular e aderente.
Passadeiras
- Textura e/ou materiais diferentes para ser fácil de distinguir pelo utilizador mas também, a grandes distâncias, pelo condutor.
- Boa visibilidade da envolvente.
- Localizada nas zonas de maior tráfego pedonal proporcionando continuidade aos percursos.
- Tintas ou materiais com acabamentos anti-derrapantes.
Ele
mento
s d
e S
epara
ção
Frades - Visualmente fáceis de distinguir.
- Integrados na envolvente.
- Colocação fora do corredor de circulação pedonal.
- Permitir passagem de peões entre elementos. Pilaretes
- Perceptíveis como delimitação.
- Integrados na envolvente.
Barreiras
- Visualmente percepcionadas como elementos intransponíveis.
- Sensação de segurança.
- Pode potenciar a sensação de descontinuidade do percurso.
- Colocação fora do corredor de circulação pedonal.
- Evitar a fragmentação dos espaços.
- Sensação de segurança.
Ele
mento
s I
nte
gra
dos
Canais de Drenagem
- Dissimulados no pavimento ou potenciando alinhamentos visuais.
- Rápido escoamento.
- Evitar acumulação e transbordo de água ou lixo.
- Grelha anti-derrapante. Sumidouros - Integrados no pavimento ou passeio
(dissimulados no lancil).
Tampas de Registos
- Visualmente intrusivas quando não são dissimuladas no pavimento.
- Evitar desnivelamentos e assentamentos destas tampas.
- Materiais anti-derrapantes.
Caldeiras de Árvores
- Rebordo e/ou protecção facilmente reconhecíveis tanto pelo tacto como visualmente.
- Leitura de conjunto dos elementos.
- Integrada na envolvente.
- Grelha nivelada com o pavimento.
- Colocação fora do corredor de circulação pedonal.
- Materiais anti-derrapantes.
92
Tabela II.5 – Avaliação dos Elementos Urbanos (Continuação)
5B. Parâmetros de Segurança
Passeios
Elemento Utilizador
Ele
mento
s d
e E
str
utu
ração d
o E
spaço P
avim
enta
do
- Pavimento com resistência ao desgaste.
- Manutenção adequada.
- Evitar usos inadequados e abusivos. - Ao tratar-se de um pavimento por
elementos, tem de ter um elemento de contenção (lancil).
- Pavimento regular, resistente e anti-derrapante.
- Pendente necessária para o escoamento adequado.
- Manutenção adequada para evitar obstáculos à circulação.
- Elevação do passeio em zonas de maior tráfego viário.
Lancis - Material resistente a tensão e embates.
- Material com resistência ao desgaste.
- Se elevados, a altura não deve exceder os 0.12m.
- Material anti-derrapante.
Desníveis
- Material com resistência ao desgaste.
- Manutenção adequada.
- Prever a possibilidade de utilizações alternativas (ex: patins, skates e bicicletas).
- Para desníveis até 0.02m a aresta tem de ser boleada ou chanfrada.
- Material anti-derrapante.
- Escadas: pendente necessária para o escoamento adequado.
- Rampas: Inclinação máxima de 6% a 8%.
- Existência de corrimãos.
Rampas de Acesso
- Pavimento com maior resistência a cargas e ao desgaste.
- Manutenção adequada.
- Pavimento anti-derrapante.
- Para uso pedonal: Inclinação máxima de 8%.
- Para uso viário: maior que a anterior.
- Tipologia e/ou materiais de pavimento diferentes.
Passadeiras
- Resistência ao desgaste.
- Manutenção muito regular.
- Utilização de tintas ou materiais anti-derrapantes.
- Boa sinalização.
- Criação de uma lomba que obrigue a redução de velocidade por parte dos condutores.
Ele
m.
de S
epara
ção
Frades - Materiais resistentes a embates.
- Durabilidade.
- Prever a possibilidade de utilizações alternativas (ex: encosto ou assento).
- Facilmente identificáveis.
- Ancoragem adequada ao tipo de pavimento.
- Protecção de situações perigosas. Pilaretes
Barreiras - Materiais resistentes a cargas e
embates.
- Manutenção adequada.
Ele
mento
s I
nte
gra
dos
Canais de Drenagem
- Manutenção regular.
- Materiais resistentes e duráveis.
- Bom escoamento das águas pluviais.
- Grelha de protecção de materiais anti-derrapantes.
- Posicionamento das fendas no sentido transversal ao movimento.
Sumidouros - Colocação sob ou junto ao passeio.
- Materiais resistentes e duráveis.
Tampas de Registos
- Materiais muito resistentes.
- Utilização regular para evitar deformações permanentes.
- Material anti-derrapante.
- Boa colocação evitando desnivelamentos.
Caldeiras de Árvores
- Grelhas de protecção em materiais resistentes.
- Afastamento entre a grelha e a terra (evita a compactação da terra).
- Escoamento adequado (permite o aproveitamento da água para rega).
- Protecção em material antiderrapante.
- Identificação do obstáculo (se a caldeira estiver a descoberto).
- Grelha nivelada com o pavimento.
93
Tabela II.5 – Avaliação dos Elementos Urbanos (Continuação)
5C. Parâmetros de Mobilidade
Passeios
Continuidade Adaptabilidade
Ele
mento
s d
e E
str
utu
ração d
o E
spaço P
avim
enta
do
- Interligação de percursos e espaços (os passeios como uma rede).
- Evitar grandes barreiras e desvios.
- Boa legibilidade.
- Proporcionar fácil orientação ao utilizador.
- Prever a possibilidade de servir diferentes utilizações.
- Responder a necessidades diferentes consoante o tipo de utilizador.
- Possibilidade de alteração/substituição fácil.
Lancis
- Elemento potencialmente direccional e linear.
- Elemento delimitador (interrupção).
- Prever a possibilidade de ser utilizado inadequadamente (ex: automóvel).
- Possibilidade de alteração fácil.
Desníveis
- Leitura integrada no sistema/percurso. - Prever a possibilidade de diferentes utilizações (ex: andar de patins, skate e bicicleta ou mesmo sentar).
- Adaptadas a todos os utilizadores.
Rampas de Acesso
- Elementos de interrupção do passeio.
- Diminuir a extensão ao mínimo para limitar o obstáculo.
- São utilizados para várias funções.
- Adaptadas a todos os utilizadores.
Passadeiras
- Localização criteriosa nas zonas de maior fluxo pedonal proporcionando continuidade aos percursos.
- Elemento de descontinuidade para a circulação viária.
- Prever a utilização por utilizadores com diferentes necessidades e características.
Ele
mento
s d
e S
epara
ção
Frades - São elementos delimitadores e de
separação.
- Podem surgir como interrupção à circulação.
- Grande fragmentação do espaço quando colocados em demasia.
- Tem um carácter linear e direccional podendo sugerir continuidade pela repetição.
- Prever a possibilidade de utilizações alternativas (ex: encosto ou assento).
- Adaptados às diferentes funções a que se destinam.
Pilaretes
Barreiras
Ele
mento
s I
nte
gra
dos
Canais de Drenagem
- Elementos lineares potencialmente direccionais.
- Adequados às diferentes estações do
ano.
- Adaptados a todos os utilizadores. Sumidouros
- Podem promover a continuidade pelo ritmo e repetição.
Tampas de Registos
- Podem surgir como obstáculos à circulação quando mal posicionadas.
- Podem ser dissimuladas no pavimento.
- Adequar a forma ao tipo de pavimento sem prejudicar a função a que se destinam.
Caldeiras de Árvores
- Pode promover a continuidade pelo ritmo, repetição e noção de conjunto.
- Sem protecção pode surgir como obstáculo.
- Protecções modulares adaptáveis ao crescimento da árvore.
- Adequado aos diferentes utilizadores.
94
4. RESUMO E QUADRO CONCLUSIVO
Na tabela que se apresenta no fim deste capítulo (Tabela II.6) são avaliadas as diferentes
tipologias de pavimento, apresentando pontos fortes e pontos fracos para as duas grandes classes
de actividades, pedonais e viárias.
Relva, casca de pinheiro, tabuado e borracha são de utilização exclusiva de actividades pedonais
uma vez que são pouco resistentes a grandes cargas que provocam grande desgaste e
degradação. Quanto à borracha, a sua excelente absorção de impactos verticais e o seu leque
variado de cores vivas, permitem a criação de padrões e combinações divertidas que a tornam
ideal para aplicação em parques infantis e outras zonas onde se deseja evidenciar o carácter
lúdico do espaço.
O tabuado apresenta uma fraca resistência às condições climatéricas pelo que, para a sua
utilização em espaços exteriores necessita de tratamentos e constante manutenção. O elevado
desgaste faz com que não seja adequado a zonas de muita intensidade de circulação e por outro
lado as suas tonalidades quentes e textura natural faz com que seja acolhedor, adequado a
actividades de permanência.
O aspecto natural da relva e da casca de pinheiro potencia a criação de um ambiente
descontraído e informal, propício a actividades lúdicas e de lazer, adequados a espaços de
permanência. No entanto a relva, é um tipo de vegetação que exige um elevado teor de humidade
para que se mantenham com qualidade, não estando adaptado às condições ambientais de
Portugal exigindo por isso, níveis de manutenção e água muito elevados, pondo em causa a sua
sustentabilidade. Por estas razões a sua utilização deve ser reduzida a situações pontuais, por
exemplo áreas de desporto, descanso, etc. Para grandes extensões o relvado pode ser substituído
por outro tipo de vegetação constituído por outras gramíneas mais adequadas às condições
biofísicas dos locais de implantação.
Em relação aos outros pavimentos desagregados, o saibro e a gravilha, embora a sua utilização
mais comum seja em actividades pedonais, também podem ser aplicados em actividades viárias,
devido à elevada resistência aos químicos e permeabilidade. No entanto, características
provenientes da sua desagregação tais como, rápido desgaste e elevado ruído, tornam-no pouco
adequado para circulação, sobretudo a grandes velocidades, resultando na aplicação
principalmente em estacionamentos uma vez que são menos exigentes.
Quanto à adequação da gravilha para as utilizações pedonais, o facto de ser muito deformável
com o uso, torna-a não adequada a percursos considerados acessíveis e pouco adequada a
qualquer situação de maior intensidade. No entanto, têm sido desenvolvidas soluções para
melhorar a sua resistência às cargas e a sua coesão e estabilidade. As placas alveolares são um
bom exemplo destas soluções, aliadas usualmente a gravilhas e pavimentos de relva, melhoram
substancialmente a sua adequação à circulação pedonal mais intensa sem penalizar o seu
aspecto estético uma vez que se podem tornar praticamente invisíveis quando preenchidas.
95
Genericamente os pavimentos desagregados devem ser sempre contidos por elementos rígidos
tais como, lancis ou rebordos, o que também é válido para os pavimentos por elementos, já que
assim se permite uma maior coesão.
Existem ainda outras soluções de pavimentos que se adequam mais a actividades pedonais,
embora suportem já cargas mais elevadas, entre estes estão os pavimentos compostos por seixos
e a calçada.
A sua estrutura de pequenos elementos permite adequação à irregularidade do relevo e
concordância de superfícies. Permite também a criação de diferentes padrões e estereotomias
com elementos de pedra de diversas cores, podem ser visualmente detalhados potenciando um
carácter de permanência ou, através da utilização de padrões lineares, contínuos e ritmados, um
carácter de percurso. Assim estes pavimentos adequam-se a qualquer tipo de utilização pedonal,
embora possam ser um pouco desconfortáveis, pela irregularidade da superfície, para actividades
de circulação mais exigentes como bicicleta, skate, patins ou até mesmo, para pessoas com
dificuldades motoras. Caso não haja manutenção adequada torna-se ainda mais perigoso para a
circulação já que o desprendimento de um elemento pode significar o desprendimento de muitos
em seu redor, provocando um pavimento ainda mais irregular.
A calçada portuguesa tem ainda uma forte conotação simbólica, ligada à própria história do país,
em que os padrões e motivos representam épocas e acontecimentos dos diferentes locais onde
estão inseridos.
A resistência deste tipo de pavimentos realizados com elementos de pedra, varia muito com o tipo
de rocha de onde são retirados. A calçada portuguesa, maioritariamente realizada de pedra
calcária branca, torna-se inadequada para utilizações muito intensas e pesadas, por exemplo
circulação automóvel constante, uma vez que facilmente se desgasta, tornando-se escorregadia e
perigosa.
A melhor solução de pavimentos desta classe para actividades viárias é o paralelepípedo de
basalto ou granito, sendo este último o mais resistente logo, mais adequado para tráfego intenso.
No entanto, e por se tratar de um pavimento descontínuo, não é muito confortável para circular,
tanto pelo elevado número de juntas que faz deste um pavimento irregular, como também pelo
elevado ruído que introduz no espaço directamente proporcional à velocidade de circulação.
Assim, esta solução é utilizada principalmente em zonas de grande actividade pedonal, de forma a
criar condições para potenciar a interacção entre estas duas formas de estar no espaço público. O
condutor é obrigado a circular mais devagar, aumentando por isso a sua atenção à envolvente. No
entanto, perante a utilização incorrecta desta tipologia, ou seja, o abuso na velocidade e
intensidade de tráfego, pode causar danos no pavimento por desprendimento de elementos ou
desgaste excessivo e ainda pode provocar um excessivo ruído de fundo, desagradável para quem
tenta ouvir ou dialogar.
O lajedo é composto por elementos de grande dimensão permitindo a criação de padrões
realizados com base na estereotomia da pedra. Sendo evidente o seu carácter nobre e sendo o
96
seu custo de instalação bastante elevado, a sua utilização deve ser reservada a locais
importantes, tais como zonas históricas das cidades.
A sua resistência é muito variável com o tipo de pedra, sendo possível proporcionar condições a
qualquer tipo de circulação, ainda melhorado pelo facto de se tratar de um pavimento com menos
juntas, ou seja, mais regular, permitindo um maior conforto na circulação.
Ainda na categoria de pavimentos por elementos existem as lajetas pré-fabricadas em betão,
fabricadas num leque cada vez maior de formas, dimensões, cores e acabamentos, tendo a
possibilidade de imitar o aspecto visual de qualquer um dos anteriormente descritos com a
vantagem de ser muito mais económico, tanto na instalação como na manutenção.
A elevada resistência e aderência juntamente com a sua superfície mais regular, proporcionam um
óptimo conforto para a circulação tanto pedonal como viária, no entanto, não é adequado a
actividades pedonais lúdicas como jogar, correr, andar de skate ou patins já que a sua rigidez não
permite a absorção da queda.
O betão pode também ser aplicado no próprio local, resultando num pavimento rígido e contínuo,
muito resistente a qualquer situação e com um baixo nível de desgaste, potenciando a sua
adequação à circulação. A facilidade de aplicar diversos acabamentos permite a sua adaptação
tanto a actividades pedonais, através do desenho de padrões que o tornem um pouco menos
monótono, como viárias, proporcionando a aderência suficiente. A sua rigidez faz com que seja
menor a absorção do som, provocando algum ruído e menor conforto a grandes velocidades,
como tal recorre-se mais a soluções como os betuminosos que, pela sua flexibilidade e absorção
do som potenciam o aumento do conforto na circulação. Estas soluções têm também elevada
resistência a cargas e condições atmosféricas e uma superfície bastante aderente, no entanto, por
ser flexível, se o tráfego for muito intenso e pesado podem surgir deformações.
Quanto à sua adequação a actividades pedonais, a sua cor negra e a elevada absorção e
radiância de calor faz com que sejam incómodos em alturas de calor. No entanto, têm sido
desenvolvidas soluções que permitem a aplicação de diferentes cores, tornando-se mais apelativo
para actividades pedonais, muito utilizado em ciclovias.
Cada vez mais recomeçam a aparecer pavimentos baseados nos tradicionais. Mesmo que
recorrendo a materiais modernos e a falsas imitações, a decoração do chão volta a ter o seu papel
no ambiente urbano. Tem-se por exemplo o caso flagrante do Rossio em que se decidiu
implementar de novo a sua placa central de calçada com a estereotomia de “Mar Largo”,
devolvendo esse espaço aos peões que outrora havia sido roubado pela circulação viária.
Na Rua Augusta optou-se pela pedonalização da rua recorrendo ao calcetamento da anterior zona
reservada à circulação viária com um motivo decorativo diferente daquele que se verifica nos
passeios dessa mesma rua que permaneceram intactos, mesmo com o lancil. Esta técnica é uma
forma de manter uma leitura do passado da rua e de certa forma, reforçar o alinhamento e a
direccionalidade.
Actualmente a aposta de muitas autarquias é na pavimentação sustentável, soluções que aliem
durabilidade, conforto e segurança, aos baixos custos de implementação e manutenção.
97
Tabela II.6 – Adequação do Pavimento Urbano ao Uso
98
Tabela II.6 – Adequação do Pavimento Urbano ao Uso (Continuação)
99
CAPÍTULO III. EXEMPLO DE APLICAÇÃO: Centro Histórico de Lisboa
Neste capítulo ilustra-se a aplicação da teoria anteriormente desenvolvida como ferramenta de
avaliação no projecto de espaço público, mais especificamente na adequação do pavimento ao
tipo de utilização.
A escolha do local para a aplicação deste método teve por base a necessidade de repensar o
papel actual do Centro Histórico de Lisboa.
1. CONTEXTUALIZAÇÃO
O desenvolvimento deste trabalho surge no âmbito da cadeira de Projecto Final que teve como
enunciado a criação de um percurso pedonal assistido da Baixa Pombalina ao Castelo de S.
Jorge, inserida no contexto da Proposta de Revitalização da Baixa-Chiado41
, apresentada em
Setembro de 2006 por Maria José Nogueira Pinto, na altura vereadora da Câmara Municipal de
Lisboa.
1.1. SITUAÇÃO ACTUAL DA BAIXA-CHIADO
Baseada na avaliação realizada na Proposta de Revitalização da Baixa-Chiado, apresenta-se um
prelúdio da situação actual nesta zona, tendo em conta aspectos comerciais, habitacionais, de
circulação e qualidade ambiental:
a) Quanto ao comércio
A zona da Baixa-Chiado foi o grande centro comercial da capital tendo começado a perder a sua
importância neste domínio a partir dos anos 60, acelerada, posteriormente, com o incêndio do
Chiado em 1988. No entanto, ao longo dos últimos anos tem sido recuperada, especialmente a
zona do Chiado e, na Baixa, a Rua do Ouro e a Rua Augusta.
Muitos estabelecimentos comerciais desta zona estão classificados pelo seu valor histórico e
patrimonial, sendo referências importantes para a cidade.
b) Quanto à habitação
Depois de um prolongado período de declínio da população residente na Baixa-Chiado, mais
intenso do que o verificado no resto da cidade, assiste-se à vontade de regressar a este espaço,
principalmente ao aparecimento de uma procura no mercado de habitação na zona do Chiado
onde tem sido feito um esforço maior de reconstrução e reabilitação de edifícios para este
propósito.
c) Quanto ao tráfego
Como termo de comparação, foi verificado que o volume de tráfego da Baixa é apenas
ligeiramente inferior ao verificado noutros pontos de entrada da cidade que foram desenhados
41 Proposta de revitalização da Baixa-Chiado, Setembro 2006, pp.15 a 18, disponível em: http://www.cm-lisboa.pt/?id_item=12686&id_categoria=11
100
para este fim. Percebe-se, então que o volume de tráfego é, de facto, muito elevado e que na sua
maioria é apenas de atravessamento, já que não se destina à zona da Baixa/Cais do Sodré.
d) Quanto à qualidade ambiental
Os efeitos deste tráfego tão intenso são graves para a qualidade de vida nesta zona, tanto por
questões de ruído como pela qualidade do ar e limpeza/higiene.
Quanto ao ruído, em torno das vias mais movimentadas (as avenidas marginais e a Rua do Ouro,
da Prata, dos Fanqueiros e da Madalena) e das principais praças (Praça dos Restauradores, do
Rossio, da Figueira, do Comércio e D. Luís I), o limite legal estabelecido é ultrapassado tanto de
dia como de noite, quer para usos mistos, quanto mais para usos sensíveis como habitação.
Quanto à qualidade do ar os valores medidos excedem também os limites legais, tendo origem no
intenso tráfego viário e nas fracas condições de dispersão da zona.
É também o intenso tráfego de atravessamento que origina insalubridade e desconforto para os
trabalhadores e moradores desta área e é considerado pelos comerciantes como uma penalização
à sua actividade. Torna insegura e desagradável a utilização pedonal e, ao mesmo tempo potencia
a degradação da estrutura através da conspurcação das fachadas e das excessivas vibrações.
1.2. PROPOSTA DE REVITALIZAÇÃO DA BAIXA-CHIADO
A proposta de revitalização da Baixa-Chiado, através da criação de um modelo global capaz de
inverter este processo de declínio, pretende garantir o futuro deste que outrora foi o Centro de
Lisboa, potenciando a sua sustentabilidade.
Começa por identificar os factores que têm vindo a contribuir para o declínio desta área, de forma
a poder organizar a estratégia de intervenção que melhor se adeqúe. São estes:
– «A desagregação dos modelos de ocupação do espaço», potenciada pela demora dos
processos de reabilitação de edifícios e gestão da mobilidade;
– «A incipiente renovação do modelo comercial», potenciada pela rigidez de horários de abertura
e tipo de comércio, perdendo na competição directa com os centros comerciais;
– «O efeito depressivo das “deslocalizações”» de diversas actividades e serviços de proximidade,
potenciando a sua inadequação como bairro habitacional;
– «O desaproveitamento dos espaços culturais e de lazer» como pólos atractivos de pessoas e
outras actividades;
– «O “modelo” de gestão do espaço urbano vigente», demasiado burocrático e complicado,
levando ao desinteresse de potenciais investidores.
Identificadas as causas do problema, define os pontos essenciais para a renovação deste centro:
– Potenciar este espaço como «singular e resistente», rico em história e enquadrado numa lógica
certificada de património mundial, garantindo um esforço de reabilitação regrado por uma
coerência global;
– Garantir Lisboa como pólo atractivo do turismo internacional, produzindo fortes efeitos noutras
regiões turísticas do país;
101
– Recuperar a «presença de serviços centrais do Estado no centro histórico da cidade»;
– Potenciar a aposta nas «indústrias criativas, centros financeiros e investimento imobiliário»,
podendo assim ter uma participação significativa neste potencial de investimento reconhecido.
Entre os projectos estruturantes que definem esta revitalização, estão:
– O «reforço da mobilidade interna e externa» através da redução do tráfego de
atravessamento e da criação de um eixo viário radial que possibilite a reorganização e criação
de uma rede de circulação pedonal interna. Esta rede permitirá completar a ligação transversal
entre as duas colinas adjacentes (Bairro Alto/Chiado e Castelo) e o vale (Baixa) e criar ligações
verticais que promovam a relação com o Rio Tejo e a zona ribeirinha. É ainda importante a
criação de parques de estacionamento capazes de dar resposta às necessidades acrescidas
pela relocalização de escritórios e habitação.
– A aposta na criação de um «espaço público de excelência» aproveitando a redução do
tráfego automóvel para redesenhar perfis de ruas tendo em conta a melhoria das condições
para o desenvolvimento de actividades pedonais e a sua relação com os espaços de comércio,
serviços e lazer. A repavimentação dos espaços é também uma prioridade, recorrendo a
pavimentos pouco ruidosos para a circulação viária e enquadramentos em lajedo para os
pavimentos em calçada portuguesa, promovendo maior conforto na circulação pedonal.
2. DEFINIÇÃO E CARACTERIZAÇÃO DOS CASOS DE ESTUDO
Percebidas as razões que levaram à escolha da área de intervenção e da forma como será
realizada a intervenção, é importante proceder à caracterização e identificação da área onde se
inserem os casos de estudo.
Pretende-se estabelecer uma base integrada do conjunto para que mais facilmente se consiga
compreender o papel de cada exemplo em particular.
102
2.1. CARACTERIZAÇÃO DA ÁREA DE ESTUDO
Figura III.1 – Planta Geral
ZONA 1: COLINA DO CASTELO
A colina de São Jorge, pela sua localização privilegiada no ponto mais alto da cidade, foi o local
eleito para a fundação de Lisboa. Aqui se ergueu o Castelo, bairro existente ainda dentro das
muralhas no topo da colina, núcleo a partir do qual se expandiu progressivamente ao longo da
encosta de uma forma orgânica e irregular «com casas que se multiplicavam em ruelas estreitas e
becos»42
.
Esta ocupação, com um carácter claramente medieval, definiu a malha urbana que se reconhece
actualmente nesta zona. Uma estrutura que se desenvolve em patamares, definidos por eixos
primários concêntricos à muralha do Castelo (actual Costa do Castelo e R. Santo António dos
Milagres) que são ligados entre si por eixos secundários, radiais com grandes declives. Estes
42 José-Augusto FRANÇA – Lisboa: Urbanismo e Arquitectura, 5ª Edição. Lisboa: Livros Horizonte, 2005, p.9
103
últimos estabeleciam, e estabelecem ainda, a ligação entre a parte alta e baixa da colina, sendo o
principal, o actual eixo do eléctrico (R. de Santo António à Sé, Largo da Sé, R. Augusto Rosa,
Largo de S. Martinho e R. Limoeiro).
Os eixos principais, a par com os largos de maior relevância na colina, desempenhavam o
importante papel de ligação das portas da muralha entre si e de ligação aos centros cívicos e
religiosos, localizados sempre junto a estes espaços estruturantes.
Todas as outras ligações são estabelecidas por ruas estreitas geralmente muito íngremes, em que
muito comummente as travessas e becos se desenvolvem em escada.
Uma outra característica desta malha urbana é a existência de vários espaços de estar
arborizados que vão surgindo ao longo de toda a encosta, com importante função paisagística, por
vezes associados a vistas (miradouros) outras associados a edifícios importantes (adros de
igrejas, palácios, etc.).
Este é um dos poucos núcleos que se mantém ainda com um traçado medieval tendo como
funções predominantes a residencial e a turística.
ZONA 2: BAIXA POMBALINA
Colocada entre a Colina do Castelo e a de São Francisco (Chiado e Bairro Alto), trata-se de um
aterro resultante de assoreamentos sucessivos do vale formado pela foz de duas ribeiras e
reforçado pelos escombros resultantes do terramoto de 1755, que serviram para elevar e nivelar a
Baixa.
É do plano de reconstrução pós-terramoto que surge a Baixa Pombalina, «um conjunto
estruturado segundo uma malha reticulada hierarquizada (pela dimensão variável das vias
públicas) e diversificada (pela mudança de orientação e dimensão dos quarteirões).»43
As ruas
estão divididas em três níveis que se reflectem na largura, as ruas principais, as ruas travessas e
as ruas secundárias. Esta hierarquia resultou da racionalização do dinamismo da malha existente
antes do terramoto e, também da mesma forma, as igrejas foram reconstruídas não no mesmo
local, mas sim integradas nos quarteirões. A inflexão na implantação dos quarteirões mais a sul
resulta da necessidade de resolver a ligação entre as colinas e entre o rio e o interior.
Este conjunto urbano é ainda enquadrado por duas praças a norte, o Rossio e a Praça da
Figueira, e uma a sul, a Praça do Comércio, todas elas regulares e de dimensões diferentes.
A sua forte identidade reforça a leitura «como Lisboa pensada, programada e edificada» (França,
2005:38), contrapondo-se com evidência à forma natural de implantação nas colinas. De facto,
esta oposição é clara, principalmente com a colina do Castelo já que a diferença de nível é maior
provocando uma clara barreira, em que a R. da Madalena faz a transição. Já com a colina do
Chiado a transição é mais suave, quer pelo declive menos acentuado, quer pela forma como o
próprio plano definiu esta adaptação ao prolongar-se por esta encosta.
43 DGEMN – Baixa Pombalina/Baixa de Lisboa, disponível em: http://www.monumentos.pt
104
A função preponderante desta área continua a ser a comercial, seguida dos serviços, sendo a
função habitacional actualmente muito reduzida, com um elevado índice de áreas desocupadas.
A fácil transição entre colinas, zona ribeirinha e Baixa é muito importante para a vitalidade desta
área e para a melhoria das condições de vida dos residentes das colinas.
Escolheram-se três casos de estudo, um em cada zona identificada e um na transição entre as
duas, com o intuito de perceber como se relacionam.
2.2. ENQUADRAMENTO DOS CASOS DE ESTUDO
A escolha destes três casos de estudo baseou-se na necessidade de avaliar diferentes tipologias
representativas do centro histórico de Lisboa, tipologias estas que pudessem, de alguma forma,
desempenhar um papel determinante na revitalização da Baixa-Chiado, partilhando de uma leitura
coerente e integrada de toda esta intervenção sem no entanto perderem a identidade que lhes é
própria, quer seja pela tipologia que representam, quer seja pelo local e envolvente que as define.
Para proceder a uma intervenção é necessário analisar cada uma das situações de forma a
identificar os problemas e condicionantes para, posteriormente, poder formular soluções
adequadas.
Assim, os casos de estudo escolhidos para esta análise e proposta são:
– 1º Caso de estudo – Rua da Vitória
– 2º Caso de estudo – Largo Adelino Amaro da Costa
– 3º Caso de estudo – Calçada Marquês de Tancos
Figura III.2 – Planta de Localização dos Três Casos de Estudo
105
2.3. AVALIAÇÃO DOS CASOS DE ESTUDO – METODOLOGIA DESENVOLVIDA
A avaliação da situação actual dos três casos de estudo inicia-se com a definição e
enquadramento histórico do lugar, seguida da aplicação da metodologia desenvolvida ao longo
dos dois primeiros capítulos deste trabalho. Esta metodologia, organizada sob a forma de ficha de
avaliação pretende servir como ferramenta de apoio ao trabalho de campo.
Tabela III.1 – Ficha de avaliação da adequação do pavimento ao uso
106
1º CASO DE ESTUDO – RUA DA VITÓRIA
A Rua da Vitória (antiga Travessa da Vitória) é uma das ruas definidas na hierarquia pombalina
como travessas, a sua largura é de cerca de 10m com um ligeiro alargamento no troço em frente à
igreja de S. Nicolau (14m). O seu topónimo, tal como o de quase todas as travessas, deriva da
ermida ali existente antes do terramoto e que, neste caso, foi reconstruída e integrada no 1º
quarteirão oeste.
O plano de reconstrução da Baixa previa já a pavimentação das ruas com calçada e a introdução
inovadora de passeios laterais que incorporassem um sistema de esgotos como contributo para
uma cidade mais salubre (França, 2005). A Rua da Vitória não era excepção.
Figura III.3 – Rua da Vitória
a. Rua da Vitória em frente à igreja de São Nicolau | AML: Benoliel, início do séc. XX
b. Rua da Vitória em frente à igreja de São Nicolau | Fotografia de Autor, 2008
c. Rua da Vitória | AML, Armando Serôdio, 1963
d. Rua da Vitória | Inês Costa, 2006
Com o aparecimento de novas formas de circulação e o aumento considerável do seu tráfego, a
parte central da rua começou a ser ocupada, principalmente por carroças e carruagens, tornando-
se mais difícil a actividade pedonal. No entanto, é com o advento do automóvel que este espaço
deixa de ser partilhado e que o peão se vê forçado a circular apenas na zona do passeio, vendo-
se obrigado a quebrar o seu percurso a cada cruzamento para dar prioridade ao automóvel.
Actualmente percebeu-se a necessidade de valorizar a Baixa de Lisboa, devolvendo-a ao peão, e,
a par com muitas outras ruas, esta passou a ser pedonal, interrompida apenas por 3 ruas de
tráfego intenso.
Uma das características que diferencia esta das outras ruas transversais é a sua centralidade na
malha urbana. A Oeste está limitada pelo edifício dos Armazéns do Chiado, embora de certa
forma mantenha a continuidade uma vez que a saída da estação do metropolitano Baixa-Chiado
está no seu alinhamento. Esta estação de metro é importante, não só por ser uma das estações
com maior utilização como também pela ligação que estabelece com a colina do Chiado/Bairro
107
Alto, já que a outra saída se situa no Largo do Chiado, o fluxo diário de pessoas que aqui chegam
é muito intenso. A Este a rua é limitada por um quarteirão contínuo de edifícios, situados ao longo
da Rua dos Fanqueiros, funcionando como muro de contenção da Rua da Madalena que já se
estabelece a uma cota muito superior neste alinhamento.
Figura III.4 – Esquema dos Usos Actuais (Piso Térreo) da Rua da Vitória
Esta rua, ao nível do piso térreo, é maioritariamente comercial, não fugindo à regra desta zona.
Quanto aos restantes pisos, muitos estão a ser usados como serviços e uma grande parte estão
devolutos, havendo apenas uma ou outra fracção habitada.
Ao todo esta rua é composta por 8 cruzamentos, 4 com ruas principais e 4 com ruas secundárias
alternadamente, e surgem diversos tipos de cruzamento, em passeio contínuo e com semáforo e
passadeira. Os cruzamentos originam troços de rua, por vezes com tratamento distinto ou apenas
segmentados pela intersecção, importante será então identificar quais as características de cada
parte, apresentadas na ficha de avaliação que se segue.
108
Tabela III.2 – Ficha de Avaliação da Rua da Vitória
109
110
Quanto ao tipo de actividades existentes na R. da Vitória:
– Maioritariamente circulação pedonal por ser um eixo de ligação e distribuição na Baixa;
– As paragens são quase sempre de curta duração;
– Poucos locais apropriados para sentar;
– A rua é constantemente interrompida por cruzamentos de circulação viária.
111
112
113
A Rua da Vitória, apesar de se tratar de uma rua pedonal, é predominantemente um espaço de
passagem, quer pelo facto de pertencer ao eixo dominante de ligação à colina do Chiado/Bairro
Alto (através da estação de metro Baixa/Chiado), quer pelo carácter actual da Baixa como ponto
de passagem e interface entre vários meios de transporte.
2º CASO DE ESTUDO – LARGO ADELINO AMARO DA COSTA
Pode dizer-se que o Largo Adelino Amaro da Costa, tal como se apresentou na definição desta
tipologia, surge como espaço de desafogo neste local de confluência de ruas. No entanto, este
largo foi antes do terramoto uma praça (Praça da Bela Vista e, mais tarde, Terreiro do Ximenes)
tendo sido reduzido a largo quando da divisão da propriedade aí existente em vários lotes (Largo
do Conde de São Vicente, Largo de Caldas e actualmente Largo Adelino Amaro da Costa).
Figura III.5 – Largo Adelino Amaro da Costa
e. Vista geral do Largo Adelino Amaro da Costa de 1944 | Arquivo Municipal de Lisboa: Horácio Novais, 1944
f. Vista geral do Largo Adelino Amaro da Costa actual | Fotografia de Autor, 2006
Localizado na zona de fronteira entre a malha ortogonal da baixa pombalina e a malha irregular
característica da colina do castelo, pode funcionar como chave para um bom relacionamento entre
as duas áreas, pode vir a ser a costura das duas malhas. Actualmente a sua utilização é quase
exclusivamente automóvel, quer por estar adjacente à R. da Madalena, que faz parte da malha
114
pombalina mas está já adaptada à morfologia do terreno da colina, quer pela distribuição que faz
para as outras três ruas também de tráfego automóvel livre.
Figura III.6 – Esquema dos Usos Actuais (Piso Térreo) do Largo Adelino Amaro da Costa
O Largo Adelino Amaro da Costa, apesar de servir apenas de estacionamento, é contido por
vários edifícios de diferentes usos mais ou menos relacionados com o exterior. Deste modo, a
Oeste o largo é limitado pela R. da Madalena, ou caso se considere o largo até à fachada dos
edifícios, são as funções comerciais que definem o seu contorno, tal como a Sul. Os pisos
superiores destinam-se a habitação e terciário. A Este existe apenas uma entrada para a sede do
CDS e a Norte situa-se a entrada para um hospital particular.
O Largo Adelino Amaro da Costa actualmente funciona como ponto de convergência/distribuição
de várias ruas, descritas e avaliadas na ficha que se segue.
115
Tabela III.3 – Ficha de avaliação do Largo Adelino Amaro da Costa
116
Quanto às actividades pedonais no largo Adelino Amaro da Costa:
– A circulação pedonal é escassa, no entanto é feita livremente, mesmo pelas vias automóveis;
– São muito poucas as paragens realizadas neste espaço e reduzem-se às necessárias;
– Quanto a locais para sentar, são inexistentes.
117
Em relação às actividades viárias:
– São predominantes neste espaço;
– O tráfego é mais rápido e intenso na R. da Madalena;
– A circulação no largo é principalmente de distribuição para a colina do Castelo;
– O largo está repleto de automóveis estacionados que ocupam todo o espaço possível, incluindo
os passeios reservados aos peões.
118
119
Quanto à placa central, dedicada exclusivamente a circulação e estacionamento de veículos, é
composta por calçada grossa de basalto ladeada por passeios sobrelevados em calçada miúda de
calcário branco, que envolvem os edifícios. Tem ainda uma placa no mesmo material que separa a
R. da Madalena criando o prolongamento do passeio pedonal, embora muito obstruído por
automóveis e mobiliário.
120
3º CASO DE ESTUDO – CALÇADA DO MARQUÊS DE TANCOS
A Calçada do Marquês de Tancos é uma rua íngreme e pavimentada com calçada. Entre as várias
épocas registadas em fotografia é facilmente perceptível que não sofreu grandes alterações, e
mesmo ao nível do pavimento parece ter mantido as mesmas características desde a sua
pavimentação em calçada, sendo a alteração mais significativa, o alargamento do passeio embora
continue a ser muito escasso.
Figura III.7 – Evolução da Calçada do Marquês de Tancos
a. | Benoliel, 1912
b. | Eduardo Portugal, 1945
c. | Eduardo Portugal, 1945
d. | Fotografia de Autor, 2007
e. | Fotografia de Autor, 2008
f. | Fotografia de Autor, 2007
121
Como característica da malha irregular e espontânea que se identificou anteriormente, esta rua é
um eixo secundário e radial que estabelece a ligação entre dois eixos principais concêntricos à
muralha do Castelo. O seu declive é acentuado, cerca de 17% de inclinação de forma a vencer o
desnível entre estes dois patamares (cerca de 18m).
A Calçada do Marquês de Tancos tem como ponto de partida (sentido Noroeste/Sudeste) o Largo
de S. Cristóvão, no seu cruzamento com o Largo da Atafona e a R. da Achada, e termina quando
alcança a Costa do Castelo.
Figura III.8 – Esquema dos Usos Actuais (Piso Térreo) da Calçada do Marquês de Tancos
Têm frente para esta rua, dois edifícios de habitação contíguos ao palácio Marquês de Tancos,
onde se sediou a EGEAC (Empresa de Gestão de Equipamentos e Animação Cultural), e do outro
lado o grande edifício, antigo Mercado abastecedor do Chão do Loureiro, actualmente
desactivado. Neste edifício funciona apenas no seu terraço, acessível pela cota superior desta rua
e através de umas escadas, um quiosque/bar tirando partido da localização privilegiada com uma
vista desafogada sobre Lisboa. Também nesta cota superior da rua, aproveitando o alargamento
da calçada, que embora com algum declive permite a implantação de uma pequena esplanada,
situa-se um restaurante/bar.
Quanto ao trânsito automóvel é de sentido único, e procede-se de Noroeste para Sudeste (sentido
da subida), tem um corredor lateral de estacionamento permitido, no entanto, quase sempre se
estaciona também no lado oposto da rua, em locais de proibição.
De uma forma geral o perfil desta calçada é composto por uma faixa central com cerca de 6m de
largura, a Nordeste um passeio em rampa com uma largura de 2m e a Sudoeste um de 1.5m em
escadas rampeadas para facilitar a subida, acompanhado pela fachada do antigo Mercado.
Surgem duas excepções a este perfil, no início e fim da rua, com alargamentos que permitem a
criação de situações diferentes como será indicado de seguida.
Analisar os diferentes momentos da calçada é importante agora que já se construiu a sua imagem
global. Segue-se então a ficha de avaliação onde consta a análise dos vários momentos que
compõem este espaço público.
122
Tabela III.4 – Ficha de Avaliação da Calçada do Marquês de Tancos
123
As actividades pedonais na Calçada Marquês de Tancos:
– A circulação pedonal faz-se principalmente ao centro da via, em comunhão com o automóvel;
124
– Parar faz-se principalmente por obrigação. No topo da rua, sentar e parar é potenciado pelo
alargamento arborizado com vista desafogada sobre Lisboa com esplanada.
Quanto às actividades viárias:
– A circulação é feita com alguma dificuldade uma vez que a inclinação é elevada o que potencia
um ambiente poluído e ruidoso, no entanto também faz com que o tráfego seja mais lento
permitindo a convivência mais pacífica com o peão;
– O estacionamento é feito nos dois lados da rua, mesmo em zonas de proibição.
125
126
A Calçada Marquês de Tancos, tal como já foi referido, apresenta diferentes perfis consoante as
necessidades de adaptação à morfologia do terreno:
Na análise deste caso de estudo é visível a inadequação do tipo de pavimento a algumas
situações, ou a utilização indevida dos diversos pavimentos existentes.
127
3. REFLEXÃO SOBRE UMA PROPOSTA DE REPAVIMENTAÇÃO
Integrado no plano geral da revitalização da Baixa/Chiado, pretende-se agora ilustrar que tipo de
intervenção pode ser realizada ao nível do pavimento para responder às premissas e
necessidades actuais destas zonas.
3.1. RUA DA VITÓRIA
TIPOS DE UTILIZAÇÃO A POTENCIAR
A sua centralidade na malha, juntamente com a importância que poderá vir a ter na relação entre
colinas, faz com que tenha potencial para se afirmar através de uma identidade própria, uma
linguagem que se destaque das outras ruas transversais desta malha. Um pouco à semelhança do
que foi feito para o importante eixo que representa a R. Augusta nas ruas primárias, contudo sem
pôr em causa a sua leitura.
Desta forma, é importante diferenciar esta rua das restantes, permitindo que demonstre o seu
lugar na malha sem descurar a sua funcionalidade primária e a adequação aos utilizadores a que
se destina. Pretende-se servir as seguintes actividades:
– Como eixo principal de ligação entre colinas a necessidade de servir adequadamente as
actividades de circulação pedonal impõe-se como objectivo principal para o seu pavimento;
– O predomínio das actividades comerciais desta rua e de toda a baixa devem ter em conta os
seus clientes mais habituais, turistas e transeuntes e, devem poder assegurar os bens
necessários para garantir o bem-estar e conforto de futuros moradores;
PROPOSTA DE PAVIMENTO
Para uma melhor adequação à utilização a que se destina este eixo, apresentam-se agora as
diversas características necessárias para a pavimentação da Rua da Vitória, baseadas na
metodologia apresentada ao longo do trabalho.
É importante definir o papel que o pavimento deve assumir na definição do espaço público, ou
seja, a sua maior ou menor imposição e definição. Desta forma apresenta-se o tipo de carácter
pretendido e as características que concorrem para esse carácter:
128
Tabela III.5 – Identificação do Carácter a Potenciar na Rua da Vitória
Carácter Aspectos físicos Aspectos visuais
1 Simbólico ► Embora possa não apresentar
todas as condições para uma circulação confortável a
Calçada Portuguesa deve ser integrada nesta solução de pavimento.
► Pela nobreza do material que é a pedra, esta solução deve
ser integrada com o lajedo que representa uma solução de maior conforto na
circulação e mais resistente.
► A Rua da Vitória, como parte integrante da Baixa
Pombalina, deve integrar na sua identidade este ícone do país que é a Calçada
Portuguesa.
► A localização e importância
desta rua obrigam a utilização de materiais nobres.
Figura III.9 – O simbolismo da calçada portuguesa
Fotografia de autor, 2007
2 Visual – Comunicativo
► Identificar os cruzamentos através de mudanças na
textura do pavimento.
► Potenciar a redução de
velocidade.
► Garantir materiais que
mantenham as suas características (durabilidade).
► Identificar os cruzamentos
através de cores ou diferentes disposições no pavimento.
► Identificar as zonas de estar ou dedicadas a actividades
comerciais com outro tipo ou disposição de pavimento.
► Alertar para os perigos mantendo sempre a
continuidade da rua.
Figura III.10 – Informação visual e táctil do cruzamento
Sérgio Redondo, 2006
3 Orientador
► Garantir uma materialidade
que possibilite um andar confortável sem irregularidades e obstáculos.
► Esta direccionalidade pode ser conseguida através de
necessidades funcionais, tais como a que se vê na fotografia, com canais de
drenagem.
► Como eixo de ligação que
pretende ser, é importante potenciar um percurso, direccionando o utilizador.
► Como rua pedonal e comercial esta
direccionalidade deve ser associada a um padrão estimulante e atractivo que
crie uma cadência no movimento.
Figura III.11 – Informação de um percurso a seguir
Sérgio Redondo, 2007
129
3.2. LARGO ADELINO AMARO DA COSTA
TIPOS DE UTILIZAÇÃO A POTENCIAR
Como zona de costura das duas malhas, a pombalina e a medieval, é importante que consiga
resolver o conflito que daí advém. Conjugar uma malha ortogonal e imposta com uma malha
orgânica e espontânea não é tarefa fácil, mas este é, de facto, um dos pontos onde a transição se
processa.
Em termos de usos a transição também é visível, mesmo ao nível do piso térreo, em que se passa
de uma situação totalmente de comércio e restauração para uma situação mista, pois a fachada
adjacente à R. da Madalena continua a ser dedicada ao comércio, mas as outras misturam já
outro tipo de funções.
Interessa perceber, então, que papel deverá ter este largo e que actividades devem ser
potenciadas já que actualmente se destina apenas a estacionamento, perdendo todo o sentido de
espaço de desafogo que deveria ser.
– Actividades de encontro, descanso e lazer que possam simbolizar a confluência de ruas, a
bolsa de respiração, tal como parece ser ao olhar para uma planta;
– Como ponto de distribuição é importante que potencie a leitura fácil do próprio espaço e da rede
que lhe está adjacente, criando a hipótese de poder circular sem criar conflitos;
– Para poder estabelecer a costura entre as malhas é importante que a R. da Madalena passe a
ser parte integrante deste largo em vez de ser apenas marginal, potenciando a interacção
visual entre peão e automóvel.
PROPOSTA DE PAVIMENTO
São muitos os problemas actuais deste Largo todos derivados da utilização de um suposto espaço
de desafogo, como parque de estacionamento desregrado e abusivo.
Para que possa funcionar é necessário tomar medidas que impeçam este tipo de situações e que
potenciem o seu carácter de repouso e respiração.
130
Tabela III.6 – Identificação do Carácter a Potenciar no Largo Adelino Amaro da Costa
Carácter Aspectos físicos Aspectos visuais
1 Visual – Estético ► Como espaço de desafogo
pretende-se criar zonas de descanso e encontro
recorrendo a tipologias de pavimento resistentes e que mantenham as suas
qualidades ao longo do tempo.
► O pavimento deve ser base
para o desenvolvimento de diversas actividades, incluindo a circulação viária de uma
forma integrada e participativa.
► Potenciar o carácter de
estada do lugar através de padrões ou estereotomias detalhadas.
► Evitar grandes extensões de calçada de calcário
branco ou outro material de cor clara, incómodos para a visão.
► Garantir a leitura rápida de todo o espaço e permitir
visualizar alinhamentos e percursos a seguir.
Figura III.12 – Estereotomia detalhada potencia o descanso
FNI
2 Organizativo
► Se é impossível evitar a
utilização do automóvel então torna-se importante integrá-lo
evitando a excessiva fragmentação dos espaços.
► Recorrer a soluções de pavimento que moderem a sua velocidade.
► A base para um espaço partilhado é a definição de
regras através do pavimento.
► É importante potenciar o contacto visual entre os diversos utilizadores.
► Integrar as várias actividades como forma de
relacionar as duas malhas evitando o conflito.
Figura III.13 – “Shared Space” de Hans Monderman
FNI
3.3. CALÇADA DO MARQUÊS DE TANCOS
TIPOS DE UTILIZAÇÃO A POTENCIAR
A Calçada do Marquês de Tancos pertence, como consta na análise realizada anteriormente, a um
bairro histórico de malha medieval e serve de ligação entre dois patamares da colina. Como tal, a
sua elevada inclinação e reduzida largura introduzem alguns constrangimentos tanto ao nível do
pavimento como de actividades possíveis de realizar.
Toda a encosta do Castelo, embora apresentando alguma degradação, tem um carácter bastante
residencial, embora esta rua, actualmente, não tenha muita habitação. Assim, as actividades a
potenciar nesta calçada, representativa daquilo que se passa um pouco por toda a colina são:
– A circulação, pedonal e viária, tem uma importância elevada nesta tipologia já que a sua
função primária é ser elemento de ligação. No entanto, a circulação viária deste núcleo deve ser
reservada a moradores e outros veículos autorizados uma vez que não deve ser utilizada como
zona de passagem;
– Para apoio à habitação é importante contemplar serviços e comércio adequado a esta escala,
sendo que existe actualmente uma mercearia no início da rua e um ou outro café já na cota da
Costa do Castelo;
– Por ser o bairro histórico de Lisboa onde se localiza o Castelo de S. Jorge, o turismo tem
também forte presença ao longo destas ruas e a existência de pequenos espaços de descanso,
131
tal como o que se vê no topo da calçada e muito por todo o lado nesta encosta, é crucial para o
passeio e descoberta.
PROPOSTA DE PAVIMENTO
Foram já identificados muitos dos problemas que surgem tanto da inadequação do pavimento ao
tipo de funções como da utilização indevida do tipo de pavimentos.
Identificam-se as características e papel preponderante do pavimento neste espaço:
Tabela III.7 – Identificação do Carácter a Potenciar na Calçada do Marquês de Tancos
Carácter Aspectos físicos Aspectos visuais
2 Organizativo ► Torna-se importante integrar
os diferentes utilizadores evitando a fragmentação da
largura da rua que é, já de si, bastante reduzida.
► A velocidade nesta rua é sempre reduzida e não existem cruzamentos, logo, a
integração entre as várias formas de circular é fácil.
► O passeio torna-se desnecessário.
► Um pavimento uniforme,
sem interrupções, faz com que a rua pareça mais larga.
► A utilização de uma diferente orientação dos
elementos de pavimento é suficiente para definir os diferentes espaços.
Figura III.14 – Espaço partilhado
FNI
3 Operacional ► A elevada inclinação cria
algumas dificuldades acrescidas na circulação,
nomeadamente de deslizamento e cansaço.
► Mesmo utilizando materiais e acabamentos anti-derrapantes, é mais cómodo
vencer o desnível através de escadas.
► O pavimento tem também o papel de criar zonas de exclusividade, neste caso, o
pequeno alargamento no topo da rua que permite a criação de uma zona de descanso.
► É característico da colina a existência de pequenas
zonas de estada calcetadas e arborizadas, que funcionam como bolsas de
respiração. Aqui esse carácter é potenciado pela vista desafogada que
oferece depois de um percurso relativamente fechado.
Figura III.15 – Espaço de Estada e Escadas
Olhares, 2007
133
CAPÍTULO IV. CONCLUSÕES FINAIS
Na necessidade de apurar o papel do pavimento no espaço público urbano definem-se vários
conceitos e noções, cuja clarificação é crucial para o seu entendimento. Desde a definição da
complexa rede urbana que é o espaço público, na sua sempre crescente variedade de tipologias e
formas que se relacionam entre si, até à definição da materialidade dos diversos elementos que
estruturam cada espaço, estende-se um fio condutor que pretende interligar questões de carácter
mais geral com outras mais específicas.
A importância desta leitura integrada reflecte-se também na forma como o pavimento enquanto
chão da vida urbana integra funcionalidades a vários níveis, desde a escala nacional, através da
representação icónica de um país (Calçada Portuguesa), até à escala do lugar, reflectida na sua
capacidade de resolver pequenos obstáculos, passando pela escala da cidade, no modo como
pode potenciar a união de espaços ou edifícios que de outra forma estariam dispersos na malha
urbana.
O leque de soluções de pavimento urbano estende-se muito além do que foi abordado ao longo do
desenvolvimento deste estudo, no entanto os exemplos analisados são suficientes para perceber
a forma como diferentes necessidades exigem diferentes respostas e portanto surgem diferentes
materiais e soluções. Pode-se desta forma concluir, a partir dos resultados da sistematização,
observação e metodologia proposta, que:
- A relação entre chão e uso existe e é recíproca, ou seja, as actividades que se deseja que
aconteçam num determinado espaço condicionam a escolha de pavimentos para esse espaço e
ao mesmo tempo, o pavimento existente em determinado espaço condiciona a sua utilização, que
acaba por se adaptar ao pavimento ou mesmo moldá-lo para uma melhor adequação.
- É oportuna a proposta de uma ferramenta de projecto. A proposta de diversas tipologias de
pavimento, classificadas e avaliadas tendo em conta os aspectos funcionais e estéticos mais
importantes para o seu desempenho, facilita a posterior relação entre pavimentos e actividades.
Uma listagem de pontos fortes e fracos de cada tipologia de pavimento para as actividades
pedonais e para as viárias, torna possível perceber as vantagens e desvantagens na utilização de
determinada pavimentação, uma base de consulta eficaz como ferramenta de projecto.
- As metodologias propostas para avaliação de espaço público, permitem experimentar uma
base analítica que defina a forma como o pavimento corresponde ao tipo de utilização que suporta
e que, em ultima análise, permita concluir sobre a necessidade ou não de reabilitar/revitalizar o
pavimento ou mesmo o espaço onde este se integra.
Do ponto de vista das aplicações, para a realização de uma intervenção, o conjunto de avaliação e
propostas elaborado poderia ter pertinência no contexto do Plano de Revitalização pois chegou-se
à conclusão que é importante perceber qual o tipo de espaço, ambiente e actividade que estão em
causa. O pavimento pode participar, mais ou menos activamente na função integradora e
134
significante do espaço, de forma a evidenciar/clarificar ou esconder/disfarçar limites, valores e
outras características do próprio espaço, assegurando a leitura da sua continuidade e integração
de diversidades, dentro de um padrão unitário numa dada área urbana. Desta forma, numa
intervenção, é importante definir o carácter que se pretende para o pavimento definindo as linhas
gerais de intervenção e as restrições que estas possam apresentar. O importante é ter sempre
presente a adequação física e estética ao tipo de utilização que existe ou se pretende despoletar.
Esta tese foi realizada no âmbito específico do Centro Histórico de Lisboa o que significa que o
trabalho se enquadra no contexto português, com todas as restrições que isso implica em termos
de tipos de pavimentos e forma de os aplicar.
Actualmente, com o fenómeno da globalização as cidades vão-se confundindo e homogeneizando
e os centros históricos continuam a ser muito tradicionais. Deste modo, seria interessante alargar
o campo de análise a outros tipos de pavimento menos comuns, outros mais recentes, ou mesmo
tentar desenvolver raciocínios que possam levar a novas soluções de pavimento, mas a
metodologia que foi posta em prática neste trabalho restringiu-se à apresentação de linhas gerais
que pretendem ser a base para uma correcta intervenção. Como linha orientadora para futuras
investigações poderia ser importante desenvolver uma metodologia de projecto de pavimento,
mais abrangente, compatibilizando as opções aqui sugeridas com outras, mais adequadas a
zonas urbanas mais recentes e/ou periféricas, mas para a qual o pavimento também desempenha
um importante papel de identificação e suporte do uso, unidade e diversidade de significados.
135
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
Livros e Artigos:
AA/VV – a+t Magazine: In Common III. Madrid: a+t ediciones, 2006.
AA/VV – a+t Magazine: In Common IV. Madrid: a+t ediciones, 2006.
AA/VV – arq./a, nº27. Lisboa: Futurmagazine, Setembro/Outubro 2004.
Academia das Ciências de Lisboa – Dicionário da Língua Portuguesa Contemporânea. Lisboa:
Verbo, 2001, pp.629 e 630.
ALEXANDER, Christopher – A Pattern Language. New York: Oxford University Press, 1977.
AMARAL, Francisco K. e SANTA-BÁRBARA, José – Mobiliário dos Espaços Urbanos em Portugal.
Mirandela: João Azevedo Editor, 2002.
BAIRRADA, Eduardo M. – Empedrados Artísticos de Lisboa. Vila da Maia: Gráfica Maiadouro,
1985.
BORJA, Jordi e MUIXÍ, Zaida – El Espacio Público: Ciudad y Ciudadanía. Barcelona: Electa, 2003.
BRANDÃO, Pedro [et al.] – O Chão da Cidade: Guia de Avaliação do Design de Espaço Público.
Lisboa: Centro Português de Design, 2002.
BRANDÃO, Pedro [et al.] – Design urbano inclusivo: uma experiência de projecto em Marvila:
"fragmentos e nexos". Lisboa: Centro Português de Design, 2004.
BRANDÃO, Pedro – A Identidade dos Lugares e a sua Representação Colectiva. Lisboa: CESUR,
DGOTDU, 2008.
BRITO, Lúcia Gonçalves de – “Um Discreto Sistema de Raízes”, Gestão Urbana, Lisboa: Parque
EXPO 98, SA, 2002, pp. 283 a 295.
CABRERA, Ana e NUNES, Marília – Olhar o Chão. Lisboa: Imprensa Nacional Casa da Moeda,
1998.
CARMONA, Matthew – Public Places, Urban Spaces: the dimensions of Urban Design, Boston:
Architectural Press, 2003.
CARO, Carlos Martinez – Arquitectura Urbana: Elementos de Teoria y Diseño. 2ª Edição. Madrid:
Bellisco, 1990.
CASTRO, Alexandra – “Espaços Públicos, Coexistência Social e Civilidade: Contributos para uma
Reflexão sobre os Espaços Públicos Urbanos”, CIDADES. Comunidades e Territórios, nº5.
Lisboa: CET-ISCTE, 2002, pp.53 a 67.
CULLEN, Gordon – Paisagem Urbana. 3ª Edição. Lisboa: Edições 70 Lda., 2006.
FERNANDES, Bruno – “Utilizadores Ditam as Regras”, Arquitecturas: Suplemento Pavimentos,
nº14. Lisboa: About Green Comunicação, Lda., Julho 2006, p. 5.
FERREIRA, Vítor Matias – “Urbanidade e Cidadania”, Gestão Urbana, Lisboa: Parque EXPO 98,
SA, 2002a, pp. 70 a 75.
FERREIRA, Vítor Matias – “Espaços públicos urbanos e espaço público da cidade”, CIDADES.
Comunidades e Territórios, nº5. Lisboa: CET-ISCTE, 2002, pp.81 a 97.
FRANÇA, José-Augusto – Lisboa: Urbanismo e Arquitectura, 5ª Edição. Lisboa: Livros Horizonte,
2005.
136
GEHL, Jan e GEMZOE, Lars – Novos Espaços Urbanos. Barcelona: Editorial Gustavo Gili, 2002.
GEHL, Jan – Life Between Buildings – Using Public Space. 3ª Edição. Copenhaga: Arkitektens
Forlag, 1996.
GRAÇA, Miguel Silva – “Espaços Públicos e Uso Colectivo de Espaços Privados”, Cultura Light,
Porto: Faculdade de Letras, Departamento de Ciências e Técnicas do Património, 2006.
HALL, Edward T. – A Dimensão Oculta. Lisboa: Relógio D’Água Editores, 1986.
HEGGER, Manfred [et al.] – Construction Materials Manual. Basel: Birkhauser, 2006.
HENRIQUES, António M. Esteves [et al.] – Manual da Pedra Natural para a Arquitectura. Lisboa:
Direcção Geral de Geologia e Energia, 2006.
INDOVINA, Francesco – “O Espaço Público: Tópicos sobre a Mudança”, CIDADES. Comunidades
e Territórios, nº5. Lisboa: CET-ISCTE, 2002, pp.119 a 126.
KOOLHAAS, Rem – Delirious New York: a Retroactive Manifesto for Manhattan. New York:
Monacelli Press, 1994.
KRAUEL, Jacobo – Nuevos Espacios Urbanos. Barcelona: Links, 2006.
LAMAS, José M. Ressano Garcia – Morfologia Urbana e Desenho da Cidade. 3ª Edição. Lisboa:
Fundação Calouste Gulbenkian, 2007.
LITTLEWOOD, Michael – Landscape Detailing. Volume 2, Third Edition: Surfaces. Oxford:
Architectural Press, 1993.
MINGUET, Josep M. [et al.] – Arquitectura del Paisaje. Mobiliario Urbano. Barcelona: Instituto
Monsa de Ediciones, 2007.
MOUGHTIN, Cliff [et al.] – Urban Design: Ornament and Decoration. 1ª Edição. Oxford:
Butterworth Architecture, 1995.
NERO, José Gaspar – Sebenta de Materiais de Construção para Arquitectura. Instituto Superior
Técnico, 2000.
NEVES, José Manuel das – Arquitectura Ibérica, nº9. Lisboa: Caleidoscópio, Julho/Agosto 2005.
PEREIRA, J. Paulino – “O Pavimento e sua Evolução”. Pedra & Cal, nº19, Lisboa: Geocorpa,
Setembro 2003.
REMESAR, Antoni [et al.] – Do Projecto ao Objecto: Manual de Boas Práticas de Mobiliário
Urbano em Centros Históricos. 2ªedição. Lisboa: Centro Português de Design, 2005.
RODRIGUES, Pedro Daniel – “Não à Impermeabilização”, Arquitecturas: Suplemento Pavimentos,
nº14. Lisboa: About Green Comunicação, Lda., Julho 2006, p. 5.
RODRIGUES, Pedro Daniel – “Autarquias Nacionais preferem Pavimentos Sustentáveis”,
Arquitecturas: Suplemento Pavimentos, nº14. Lisboa: About Green Comunicação, Lda., Julho
2006a, pp. 3 e 4.
SALGADO, Manuel – “Espaços Públicos”, Gestão Urbana, Lisboa: Parque EXPO 98, SA, 2002,
pp. 90 a 101.
SALGUEIRO, Teresa Barata – “Cidade, Território de Mudança”, Gestão Urbana, Lisboa: Parque
EXPO 98, SA, 2002, pp. 22 a 33.
SEIXAS, Ana [et al.] – Ternos Passeios: um manual para melhor entendimento e fruição dos
espaços urbanos públicos. Lisboa: IPAMB e CML, 1997.
137
SERRA, Josep Ma – ESPAI PUBLIC URBÀ 1. Manual d’Elements Urbans: Mobiliari i
microarquitectura. Barcelona: Institut d’Edicions de la Deputació de Barcelona, 2000
TELES, Paula e SILVA, Pedro Ribeiro [et al.] – Desenho Urbano e Mobilidade para Todos. Aveiro:
APPLA – Associação Portuguesa de Planeadores do Território, 2006
VIEGAS, José Manuel – “Mobilidade”, Gestão Urbana, Lisboa: Parque EXPO 98, SA, 2002, pp.
216 a 235.
WHYTE, William H. – The Essential. Editado por Albert LaFarge. New York: Fordham University
Press, 2000.
Teses:
CARVALHO, Lucina Fernandes – O Chão e a sua Importância num Percurso Pedonal Urbano
(Dissertação para a obtenção do grau de Mestre em Arquitectura, Orientador: Prof.ª Ana
Tostões, Co-Orientador: Prof. Nuno Lourenço), Lisboa: Instituto Superior Técnico, 2007.
FERREIRA, José Miguel A. I. – Pavimentos em Espaços Públicos Urbanos: Contribuição para a
análise e concepção de soluções. (Dissertação para obtenção do grau de Mestre em
Engenharia do Território, Orientada por: Prof. Doutor Eng. José Neves), Lisboa: Instituto
Superior Técnico, 2007.
LOPES, Ana Muller – Percepção e Forma do Espaço Público Urbano – Relatório do trabalho de
fim de curso de Arquitectura Paisagista. Lisboa, 2005.
PESTANA, N. de Almeida – Espaço público urbano. Um ensaio sobre o “Vazio”, Prova Final de
licenciatura em Arquitectura, Coimbra, 2001
Websites:
Close Encounters with Buildings, Setembro 2004
Disponível em: http://dau049.poliba.it/admin/doxer/doc/67_1164451995.pdf [10/08/2008]
CORMAIC WEB DESIGN – A Guide to Paving, Drainage and Hard-Landscaping in Britain &
Ireland, Disponível em: http://www.pavingexpert.com [25/05/2008]
Decreto-Lei nº163/2006, 8 de Agosto
Disponível em: http://www.inr.pt/bibliopac/diplomas/dl_163_2006.htm [27/06/2008]
DGEMN – Núcleo Urbano do Castelo e Encosta da Sé
Disponível em: http://www.monumentos.pt [10/08/08]
DGEMN – Baixa Pombalina/Baixa de Lisboa
Disponível em: http://www.monumentos.pt [10/08/08]
ICO Soluções de Madeira – Folheto Icodeck,
Disponível em: http://www.ico.pt/PT/site.htm [15/06/08]
INTERPAVE – The Precast Concrete Paving and Kerb Association,
Disponível em: http://www.paving.org.uk/index.php [17/06/2008]
LARS LAJ APS – Rubber Safety Tiles, Safety Surfaces (2005),
Disponível em: http://www.en1177.com/rubber-tiles.htm [18/06/2008]
PAISOTEC Lda. – Ritter Tecknic para reenforço de pavimentos de relva e de gravilha, 2002
138
Disponível em: www.paisotec.com [21/06/2008]
Proposta de Revitalização da Baixa-Chiado, Setembro 2006
Disponível em: http://www.cm-lisboa.pt/?id_item=12686&id_categoria=11 [25/07/2008]
USAF – Landscape Design Guide, 10. Walkways & Bikeways,
Disponível em: http://140.140.58.122/ldg/s10WalkBike/c03WalkGuide.html [10/06/2008]
ZEFERINO, Artur e MARTINS, João Guerra (2006) Sebenta de Materiais de Construção I, Pedras
Naturais: Série Materiais, 4ª Edição.
Disponível em: http://www2.ufp.pt/~jguerra/PDF/Materiais/Pedras%20Naturais.pdf