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Tema “A Didática e a Prática de Ensino nas Relações entre a Escola, aFormação de Professores e a Sociedade”.
SUB-EIXO: Currículo, subjetividade e cotidiano escolar,
Tema: COTIDIANO ESCOLAR, ESTÁGIO E OS DESAFIOS DA ESCOLA DABÁSICA: SENTIDOS DO APRENDER E DO ENSINAR
Antonia Dalva França-Carvalho1
Resumo
Este texto discute a formação docente pelas vias do estágio supervisionado e da
ação pedagógica recortada do cotidiano escolar, na perspectiva de refletir sobre os
desafios que a escola de educação básica impõe a este campo de formação na
construção do sentido do aprender e do ensinar. Em princípio pontua acerca do que seja
a escola, seu papel no contexto social e a crise que vivencia na contemporaneidade.
Posteriormente, focaliza do cotidiano escolar a sala de aula em sua ecologia para tocar
nas dimensões da ação do professor que, sendo intencional e deliberativa, exige saberes
do fazer e do saber fazer, sendo guiada por princípios epistemológicos, sociais e
psicopedagógicos. Para finalizar estabelece relação entre estágio e a escola básica na
construção dos sentidos do ensinar e aprender apresentando seus fundamentos
normativos e pragmáticos, bem como seus limites e suas possibilidades. Nas conclusões
depreende da realidade em que o estágio se encontra na atualidade, propondo modelos
de formação capaz de torná-lo um projeto epistemológico, educativo e político que
enxergue a escola pela boniteza de suas relações, pela dialética do aprender e do
ensinar. A ideia é retomar a discussão sobre este campo de atuação e seu estatuto
epistemológico que, embora tenha se intensificado nos anos 1990, necessita ser
constantemente revisitado, em razão da inquietação provocada pelas demandas sociais e
pela nova epistemologia escolar.
Palavras-Chave: Estágio, ação docente, formação de professores, sala da aula.
1 Doutora em Educação. Professora da Universidade federal do Piauí do Programa de Pós-Graduação emEducação. Coordenadora do Programa Institucional de bolsa de iniciação à Docência. Líder do NIPEEP(Núcleo Interdisciplinar de Pesquisas em Educação e Epistemologia da Prática profissional).adalvac@uol.com.br.
Didática e Prática de Ensino: diálogos sobre a Escola, a Formação de Professores e a Sociedade
EdUECE - Livro 400250
Introdução
A educação que ocorre nas instituições próprias de ensino, como preconiza a
legislação brasileira, tem como finalidade o desenvolvimento integral do educando, seu
preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho segundo a Lei
de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, isto é a LDBEN nº. 9394/96. Assim, a
educação básica deve promover o aprendizado de competências cognitivas, afetivas,
sociais e psicológicas para assegurar-lhe esta formação e assim colaborar para sua
progressão no trabalho e em estudos posteriores. (BRASIL, 1996). Neste aspecto,
compete à escola transformar estes objetivos em realizações. Mas, o que é a escola? As
escolas são espaços organizados propostos para o ensino e a aprendizagem, sejam de
caráter público ou privado.
Etimologicamente vem do grego skholê, significa lazer. Era entendido como
tempo e espaço de formação de atividades relativas à faculdade especulativa, não
laborais; à ocupação e o estudo com os quais os cidadãos podiam se autodesenvolver
(mente e corpo) livremente. Tratava-se de um lócus formativo onde se realizavam
“atividades prazerosas, de autodesenvolvimento e da busca pela verdade, bem e beleza”.
(VOGUEL, 2013, p. 06).
Provavelmente a escola existe desde a antiga Grécia e apenas uma minoria tinha
acesso. Hoje está democratizada, muito embora não existam escolas para todos e nem
existam em condições mínimas.
Quando se trata de escola pública há uma queixa de que ela foi instituída para
servir as classes dominantes, assim sendo considerada impotente e perversa, porque
reproduz o status quo social. Mas é, também, percebida como redentora porque liberta
o aluno da marginalidade (linguística?) ou ainda transformadora, que ao desenvolver as
potencialidades do aluno, o habilita para as lutas sociais e a transformação da sociedade
(SOARES, 2002).
Porém, desde épocas remotas tem sido submetida à degradação, expressa pela falta
de disciplina, pelas práticas curriculares vazias de sentido, pela violência, entre tantos
outros fatores, sinalizam que a escola não cumpre mais a função de formar crianças e
jovens para a cidadania. Implacavelmente, dado sua inadequação às demandas da
sociedade, tem sofrido críticas em todos os aspectos que a compõe, como assevera
Ceccon, Oliveira e Oliveira (2008), sejam elas de caráter técnicos ou ideológicos como
assinala Perrenoud (2005), como os referentes ao currículo, segundo Saviane (2009) ou
de inter-relações pessoais.
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Embora refutada, a escola é consagrada como necessária. Configura-se como um
espaço físico, psicológico, afetivo, social e cultural nos qual os alunos aprendem os
conteúdos elaborados pela humanidade e se desenvolvem globalmente, de maneira
sistematizada, através das ações pedagógicas no interior da sala de aula ou no seu
exterior. Alarcão (2001) refere-se à escola como a um lugar de se aprender
competências, em um tempo determinado e em determinado contexto histórico sendo,
portanto, um lugar, um tempo e um contexto onde se organiza/desenvolve o ethos
cidadão; é convivência; é vida como assegura Dewey (2004).
Paulo Freire, olhando-a poeticamente assim a define:
Escola é
... o lugar que se faz amigos.Não se trata só de prédios, salas, quadros,Programas, horários, conceitos...Escola é sobretudo, genteGente que trabalha, que estudaQue alegra, se conhece, se estima.O Diretor é gente,O coordenador é gente,O professor é gente,O aluno é gente,Cada funcionário é gente.E a escola será cada vez melhorNa medida em que cada um se comporteComo colega, amigo, irmão.Nada de “ilha cercada de gente por todos os lados”Nada de conviver com as pessoas e depois,Descobrir que não tem amizade a ninguém.Nada de ser como tijolo que forma a parede, Indiferente, frio, só.Importante na escola não é só estudar, não é só trabalhar,É também criar laços de amizade,É criar ambiente de camaradagem,É conviver, é se “amarrar nela”!Ora é lógico...Numa escola assim vai ser fácil!Estudar, trabalhar, crescer,Fazer amigos, educar-se, ser feliz.É por aqui que podemos começar a melhorar o mundo.(FREIRE, s/d)
Na hermenêutica deste poema, no resgate estético da escola e nas dimensões que
ele a caracteriza, posicionamos-nos na esteira dos que a concedem como um lugar de
relações, de aprendizagens múltiplas, de amizade, de boniteza, de vida; um lugar onde
habitam profissionais humanos que, dialogando entre si, formam humanos competentes,
críticos e conscientes, para o exercício da cidadania e para melhoria do mundo. Dentre
eles situam-se os professores que, à priori, tem seu papel delimitado pela LDBEN
9394/96: participar da elaboração da proposta pedagógica do estabelecimento de ensino;
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elaborar e cumprir plano de trabalho, segundo a proposta pedagógica do
estabelecimento de ensino; zelar pela aprendizagem dos alunos; estabelecer estratégias
de recuperação para os alunos de menor rendimento; ministrar os dias letivos e horas-
aula estabelecidos, além de participar integralmente dos períodos dedicados ao
planejamento, à avaliação e ao desenvolvimento profissional; colaborar com as
atividades de articulação da escola com as famílias e a comunidade (BRASIL, 1996).
No que pese as determinações legais sobre o fazer do professor, geralmente
submetido a um projeto preestabelecido, é na sala de aula, ante o conflito entre a
autonomia profissional e obediência às normatizações, que ocorre a mediação com sua
intencionalidade. Sacristán (2000) acredita que, no campo educativo, as ações devem
ser guiadas por valores normativos, marcando o conflito entre as normas e a
personalidade do professor. De tal forma, que ela requer sempre, opções éticas e
políticas. Neste caso, o professor é um intelectual que desenvolve seus saberes e sua
criatividade para enfrentar a ambiguidade das situações de sua prática. Por exemplo,
quando ele organiza o conteúdo, planeja as atividades, as metodologias de ensino e as
formas como serão avaliadas as aprendizagens. Isso implica que o ensino não se reduz
apenas ao que foi estabelecido pelas leis e diretrizes e que os objetivos e princípios
teórico-metodológicos nelas estabelecidos são traduzidos pela subjetivação dos sujeitos.
Em outras palavras, é a realidade da ecologia da sala de aula que define os contornos da
educação que se realiza, muitas vezes, sob condições impossíveis.
E é sobre esta realidade que refletiremos neste texto, em princípio, através da ação
pedagógica que recortaremos do cotidiano escolar, posteriormente, questionando a
formação inicial para esta ação nos cursos de licenciatura pelas vias de um dos seus
componentes.
2 A ecologia da sala de aula: o sentido e as dimensões da ação pedagógica
O modelo ecológico de análise da sala de aula parte da compreensão que a ação
docente é uma atividade interativa, cuja realização decorre das comunicações efetuadas
no interior da sala de aula, mediada pela linguagem e pela ética. Sob este aspecto,
reconhece que o professor e aluno são sujeitos de sua ação e que são conscientes de suas
responsabilidades. Consciência pressupõe, entre outros valores, a solidariedade. Por
isso, este modelo concretiza os valores do humanismo, como a solidariedade, a
responsabilidade, em uma conversação do sujeito com ele próprio, com o outro em
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direção a ele, o que impõe a intersubjetividade como formadora da cidadania ecológica
e planetária, hoje estritamente necessária. Nesta perspectiva, a sala de aula é
caracterizada como um ambiente interativo, onde alunos e professor assumem papéis
relevantes de modo que seus comportamentos deixam de ser respostas mecânicas às
demandas do meio, uma vez que ele fomenta a construção de valores e sentidos. Sob
esta acepção, o ambiente de classe ou de sala de aula é o lócus onde as ações docentes
se materializam através da troca de significados entre os sujeitos. Neste caso, a ação
pedagógica passa a ser compreendida como uma práxis produtora de saberes e
significados que configura e “direciona o processo de comunicação, dialogicidade e
entendimento entre ambos na direção de uma emancipação fundada no ser social.”
(THERRIEN, 2006, p. 298).
Sacristán (2000) concebe a sala de aula como um microssistema educativo,
definido em função dos espaços, das atividades, dos papéis, de certas formas de
distribuir o período de aula que se mantém como algo imutável no tempo. Não obstante
a multimensionalidade e imprevisibilidade peculiares da ação docente, acredita o autor
que, o ocorre em sala de aula é decorrente da estabilidade de estilos docentes expressos
nos dois eixos que a caracteriza: na gestão da matéria e na gestão de classe.
No primeiro eixo estão localizados o ensino e a aprendizagem do conteúdo, o que
implica organização do planejamento da matéria, das sequências das atividades, das
estratégias, das metodológicas, do espaço e do tempo da aprendizagem até a avaliação
do processo educativo. A matéria (conteúdo) consiste, pois, no mundo objetivo que o
professor compartilha com o aluno, sendo a razão das interações, de produção e
transformação de saberes. Os conteúdos, entretanto, não se submetem ao que,
tradicionalmente, chamamos de conteúdos disciplinares, como se o ensino tivesse
apenas a dimensão teórico-cognitiva ou conceitual. Eles também comportam valores,
atitudes, habilidades, sendo caracterizados por Zabalza (1998) como conceituais,
procedimentais e atitudinais.
A forma como o professor manipula os conteúdos e encaminha as atividades de
ensino são determinadas por suas intenções sobre a prática e o seu entendimento acerca
das finalidades da educação. De modo geral, requer também reflexões sobre a forma
como espera que a aprendizagem se concretize, posto que se imbrica como o outro eixo
da prática pedagógica, que é a gestão da interação. Este segundo eixo é determinado
pela natureza humana do trabalho docente e abarca sua dimensão axiológica. Requer a
busca de formas de colaboração entre alunos e professor, de motivação, de disciplina e
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de ética, sem as quais fica impossível realizar o ensino. Gauthier et al. (2003, p. 23)
definem a gestão de classe como um “conjunto de operações que o professor aciona
para manter um certo tipo de ordem e agir de maneira a fazer a aprendizagem ser
absorvida pelo grupo.”
Neste sentido, gestão de classe é o momento em que a matéria vai ser colocada em
prática e implica em decisões conjuntas. Os autores também afirmam que a gestão de
classe é a variável que determina mais fortemente a aprendizagem dos alunos. O
professor, necessariamente, vai compartilhar com o aluno suas intenções, ao tempo em
que pode deliberar, com ele, os rumos da ação educativa. Provavelmente, este seja o
aspecto mais conflituoso da ação pedagógica. Devido à heterogeneidade de uma sala de
aula e a simultaneidade com que os fatos ocorrem neste âmbito, exige do professor
demandas imediatas, em razão de os antagonismos existentes entre o que é proposto e as
respostas do grupo de alunos.
Ensinar, portanto, é uma tarefa complexa que, se de um lado requer uma
metodologia específica, do outro, requisita conhecimentos acerca do aluno, do próprio
ensino e do conteúdo específico. Além disso, cotidiano em sala de aula solicita
frequentemente do professor, fazer escolhas e julgamentos para tomada de decisões
eficientes. Estas decisões são baseadas em valores e saberes que constituem elementos
importantes para que os objetivos do processo de ensino e de aprendizagem sejam
garantidos, isto é, seus resultados sejam os esperados.
Assim, saber argumentar, elaborar propostas, enfrentar situações problemas,
compreender fenômenos, mobilizar recursos, requer competência, para mobilizar os
saberes do seu repertório de conhecimento; requer os saberes do fazer e os saberes do
por que fazer. Estes são imprescindíveis para que ele possa realizar o seu trabalho,
estabelecendo plano de ação didática, selecionando de metodologias que julgam
condizentes com a realidade da sua turma, organizando as tarefas para os alunos,
estabelecendo os instrumentos de avaliação, de modo a conduzir a sala de aula e manter
um ambiente propicio para a aprendizagem, evitando sobremodo, a desordem e a
indisciplina.
Isso significa que a ação pedagógica no cotidiano da sala de aula não é neutra. É
deliberativa; tem caráter dinâmico, político e intencional e transformador definido pelas
opções do professor no circuito de sua ação (GRAMSCI, 1989). Constitui-se mediante o
que as pessoas fazem; são elas que lhe conferem sentido e significação, envolvendo a
consciência de fazer. Em razão de estar submersa em um processo de construção de
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sentidos e significados que ocorrem nos planos sociocultural, político e histórico, só
podemos entendê-la de forma interpretativa ou crítica.
Carr (1999), considerando que a construção de sentidos do processo do aprender
e do ensinar ocorre em torno de quatro planos, acredita que somente sob os quais é
possível compreendê-la. O plano da intencionalidade, ou seja, das intenções dos
professores sobre os elementos de sua ação; o plano social em que estas ações são
interpretadas também por outros sujeitos do processo, o aluno, por exemplo. O plano
histórico refere-se ao contexto no qual se insere a prática, carregando a força cultural e
histórica dos sujeitos; e, finalmente, o plano político, ideológico, em que se constroem
significados democráticos ou de dominação, de igualdade ou de discriminação.
Conjuntamente, gestão da matéria e a gestão de sala de aula são responsáveis pelo
desenvolvimento dos princípios epistemológicos, sociais e psicopedagógicos presentes
na ação docente. Ao princípio epistemológico é atribuída a orientação, a seleção e
apresentação dos conteúdos. Ao princípio social estão alocadas as ideologias, as visões
de sociedade e a relação estabelecida entre professor e aluno. E, ao princípio
psicopedagógico são imputados o modelo do processo de aprendizagem, as rotinas de
atividades propostas, as formas de comunicação, a motivação, as regras estabelecidas
entre alunos e professor (SACRISTÁN; GOMEZ 1998).
Nós acreditamos que não obstante a complexidade da ação pedagógica e dos
conflitos advindos das escolhas do professor, seja pelas normas, seja por sua
personalidade, seja pelo contexto interativo, a ação pedagógica, por ser dotada de
significações é como algo que se realiza por razões que tendem a um fim. Com isso,
afirmamos que a ação pedagógica não é improvisação aleatória, mas sim repleta de
conteúdos e preposições teóricas. Teoria e prática são duas dimensões complementares
da prática educativa, na medida em que esta, sendo entendida como práxis, é um
movimento operacionalizado simultaneamente pela ação e reflexão. Dito de outro
modo, a práxis é uma ação final que traz, em seu interior, a inseparabilidade entre teoria
e prática.
Neste aspecto, pensamento e ação se misturam, expressando um saber
pedagógico que é o fundamento e, ao mesmo tempo, produto da ação pedagógica, o que
implica dizer que esta prática é fonte de teoria pedagógica. Isso significa que a relação
mantida entre o professor e o aluno, com a teoria e a prática, é decorrente de sua
concepção de educação, de sujeito que pretende formar, do tipo de sociedade que
idealiza e de sua própria concepção de professor. São estas concepções quem vão ajudá-
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lo a definir, por exemplo, se o aluno vai ser incluído, fazendo-o co-sujeito do processo
educativo. Este exemplo, por um lado, caracteriza uma postura em favor de algo e com
alguém, isto é, uma opção política. Por outro lado, fortalece a ideia de que uma ação
docente tem uma epistemologia, ou seja, tem como base saberes que o professor põe em
movimento durante sua realização que dão sentido ao aprender e ao ensinar.
Ora, o repertório de conhecimentos de preposições teóricas e práticas que guiam a
ação pedagógica do professor necessita ser construído. Em princípio, isso ocorre em seu
processo de formação inicial, razão pela qual é condição sine qua non, que o futuro
profissional tenha contato direto com o ambiente escolar e com os prováveis desafios
que virá a enfrentar na profissão docente. Isso significa que formar o saber profissional
do professor requer o planejamento de espaços e tempos de teorias e experiências, que
assegure um alto teor de excelência formativa.
Contudo, a formação pedagógica no Brasil tem sido criticada no sentido de não
se fundamentar na práxis de um profissional que sistematiza pedagogicamente a
formação humana como afirma Arroyo (2000), negligenciando, inclusive a própria
escola como lócus de formação.
É neste contexto formativo que lançamos luz em um dos componentes
curriculares desta formação: o estágio supervisionado, cuja função é permitir ao futuro
professor treinamento em situações experimentais de determinadas habilidades e
competências consideradas, a priori, como imprescindíveis para o exercício satisfatório
da docência. E, o fazemos apresentando seus fundamentos normativos e pragmáticos,
bem como refletindo sobre seus limites e suas possibilidades na constituição do sentido
do aprender e do ensinar, no contexto da escola de educação básica.
3 O estágio supervisionado e a escola básica na construção dos sentidos do ensinar
e aprender
O Parecer CNE nº 27/2001, conceitua o estágio supervisionado como tempo de
formação profissional, que pelo exercício direto in loco na escola, o caracteriza como
uma atividade necessária de preparação próxima para o ofício, sob a responsabilidade
das agências formadoras e de uma equipe de formadores habilitados. Consiste, portanto,
em um modo especial de atividade de capacitação em serviço, bem como um momento
para se verificar e provar (em si e no outro) a realização das competências exigidas na
prática profissional é exigível dos formandos, especialmente quanto à regência
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(BRASIL, 2001). Neste sentido, a Lei nº 11.788, de 25 de setembro de 2008, no seu Art.
1o , § 2º acentua que a meta do estágio é “aprendizado de competências próprias de
atividades profissionais e contextualização curricular, objetivando o desenvolvimento
do educando para a vida cidadã e para o trabalho”.
Enquanto componente curricular caracteriza-se como uma atividade teórica na
formação do professor, instrumentalizadora da práxis educacional e da realidade
existente. Na acepção de Pimenta (2004, p.43) o estágio tem aproximação da realidade
com a teoria que ocorre por meio da observação e reflexão-ação e compete possibilitar
que os futuros professores compreendam a complexidade das práticas por seus
profissionais como alternativa no preparo para sua inserção profissional. Trata-se de
um momento crucial para cada aluno da licenciatura, que fará a experiência da docência
na sala de aula, possibilitando uma vivência do que foi estudado na academia durante o
curso. Logo, o conhecimento teórico é essencial para aliar-se a prática na sala de aula.
Isso significa que, na medida em que o estágio supervisionado permite ao aluno
constituir uma visão dos problemas existentes na escola, na relação professor-aluno e na
incorporação de habilidades como conhecer, investigar, intervir na realidade do aluno,
da escola e da família, estará colaborando na construção de sua identidade da docência.
E, como o estágio compreende uma fase de transição de aluno para professor, o
aluno/aprendiz deve refletir e sistematizar a sua ação pedagógica, para que esta tenha
sentido conforme explica Therrien (2006, p. 299):
O desafio da gestão pedagógica e da transformação pedagógica da matériaem situações reais de prática e de tomada de decisão na sala de aula e emoutros espaços educativos obriga o professor a produzir saberes. Nestetrabalho, ele articula adequada e criativamente seu reservatório de saberesnum determinado contexto de interação com outros sujeitos, alunos, naecologia da sala de aula ou em diferentes contextos de trabalho. O professor,portanto, é um sujeito hermenêutico porque vivencia o desafio de produzirsentidos; mediador de saberes, pois sua prática requer reflexividade,transformação e criticidade.
Assim, o aprendiz de professor deverá encontrar elementos que lhe propicie a
(re) significação dos saberes docentes que fazem parte do cotidiano, nas implicações do
investigar, do agir após reflexão coletiva individual na escola e na sala de aula. Porém,
neste processo de construção não estará sozinho, estará acompanhado por um professor
da escola, seu co-formador, e o professor do estágio. Ambos, em diálogo constante
guiarão o estagiário no sentido prepará-lo para o ofício.
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E, neste caso, o estágio constitui em uma ação que pode ser realizada após
investigação do cotidiano escolar, para que se reconheça os objetivos e intencionalidade
da educação, que é transformada a partir da ação-reflexão-ação do docente. Segundo
Sacristán (1998, p. 101) esta forma de conduzir o estágio “transpõe um vazio entre a
teoria e a prática, [...] formando e transformando o conhecimento e a ação dos que
participam na relação educativa, experimentando ao mesmo tempo em que investigando
ou refletindo sobre a prática”.
Porém, críticas quanto ao modus operandis, com o qual estágio curricular é
realizado, tem sido localizadas na literatura inferindo que o mesmo não consegue
construir as competências requisitadas para o professor, assim como, não têm procedido
com ações de melhoria na perspectiva de que o mesmo possa de fato, incorporar e
reconstruir saberes teórico-práticos (SILVA JUNIOR, 2009; PIMENTA E LIMA,
2004; PIMENTA, 1997; PICONEZ, 1994). Carvalho e Costa (2010), por exemplo,
evidenciaram que os alunos que realizavam o estágio obrigatório encontram-se
solitários, aprendendo o ofício através do ensaio e erro, sem condições de estabelecer
relação entre teoria e prática.
Nossas pesquisas sobre estágio mostram ainda que o mesmo é idealizado pelos
sujeitos que o vivencia como um espaço de construção de identidade, implicando na
confirmação e identificação com o curso que estão fazendo; consolida o querer e o fazer
da profissão docente, uma vez que a experiência mostrará como refletir e agir diante dos
desafios que aparecerem (CARVALHO; ANDRADE, SOUSA, 2012).
Contudo, esta concepção frustra-se na prática quando os sujeitos se inserem na
escola, no campo estágio, quando afirmam que este, devendo obrigatoriamente ser
supervisionado, deixa de sê-lo porque não há uma equipe de profissionais para
acompanhar o aluno no estágio supervisionado como preconiza a legislação. Na
Universidade, encontramos uma realidade na qual o professor orientador chega a
assumir uma turma de 30 alunos na disciplina do estágio supervisionado, sendo
humanamente impossível acompanha-los...
E na escola da educação básica, onde seria o laboratório de excelência para o
aprendizado do trabalho docente e para a compreensão do sentido do aprender e do
ensinar, ele ocorre de forma solitária. Imersos em uma sala de aula da educação básica,
geralmente a do professor supervisor, os futuros professores aplicam o que estudaram
na universidade, aprendendo o oficio a “duras penas”, pelo ensaio e erro, na chamada
regência de sala de aula. Nestes moldes o estagio deixa de ser, no entendimento de um
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deixando de ser um campo de conhecimento segundo Pimenta e Lima (2004, p. 29) cuja
essência lhe atribui “um estatuto epistemológico que supere a tradicional redução à
atividade prática instrumental”. Isso, também é percebido na forma como as instituições
formadoras racionalizam o estágio dicotomizando teoria e prática. Há um tempo para
aprender a teoria e a técnica (Estágio I e II) e, há outro momento para aplicá-las
(Estágio III e IV) indicando um currículo fundado na lógica aplicacionista, típica da
visão tecnicista-positivista. (CARVALHO, ANDRADE E SOUSA, 2012).
Os próprios preceptores, os professores da escola, concordam que da maneira
como ocorre o estágio nos cursos de licenciatura, ele não prepara o profissional
adequadamente, devido à ausência de diálogo, de orientação e de acompanhamento
pelas entidades que enviam esses alunos à escola. Desta constatação cabe perguntar
como o desempenho do estagiário é avaliado, se esta é uma atribuição do docente-
orientador em colaboração com o co-formador ou do professor da escola. Como avaliar
o que não se constatou? Os professores orientadores afirmam que o acompanhamento é
feito pelo desenvolvimento de atividades, pela supervisão, observação, autonomia do
aluno na sala e a evolução desse aluno. Os alunos relatam que não há supervisão. Eles
apenas fazem relatórios. Ora, se há um consenso de que o estágio é um espaço de
produção de conhecimento que transcende a aplicabilidade de teorias, como se justifica
a ausência de um acompanhamento amiúde destes sujeitos na escola e na universidade?
Os achados de nossas pesquisas nos faz inferir que a maneira na qual o estagiário
constrói o seu ethos profissional e o sentido de aprender e ensinar se constitui um
desafio a ser enfrentado pelos cursos de licenciatura e para a escola, para que este
cumpra, de fato, o papel de formar o professor capaz de efetuar sua prática fundada na
ação-reflexão-ação, em rumo à autonomia dos sujeitos.
Por outro lado, mostra que, mesmo no conflito vivido os alunos investigam e
refletem sobre as atividades que realizam na escola (SACRISTÁN, 1998). O problema
incide sobre a forma monologa que o mesmo ocorre. Como exercitar este refletir na
ação e sobre a ação, nos moldes de Schön (2000) e na nova epistemologia da p´ratica
docente, se estas reflexões não são compartilhadas com os professores orientadores
deste processo? Que sentidos do aprender e do ensinar está sendo construído neste
espaço, que não permite ao aluno o feedback acerca de suas práticas vividas?
Sob esta composição, o espaço que deveria estabelecer a conexão entre os saberes
da teoria e os saberes da prática e fomentar a compreensão acerca da complexidade das
práticas gerenciadas por seus orientadores, como alternativa no preparo para sua
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inserção profissional, torna-se um espaço de conflitos. Tardif (2002, p.270), confirma
este pensamento quando diz que quando “alunos começam a trabalhar sozinhos
aprendendo seu ofício na prática, e constatando, na maioria das vezes, que esses
conhecimentos proposicionais não se aplicam bem na prática cotidiana.” Estes conflitos,
portanto, são decorrentes da insegurança teórico-metodológica que desembocam em
sentimentos de frustração e de medo. Este descontentamento também incide sobre os
professores do estágio, ou preceptores, que, também se sentem sozinhos neste processo.
Identifica-se, portanto a existência de uma lacuna epistemológica e pragmática na
relação estágio e escola da educação básica. Esta lacuna é estabelecida pela ausência de
diálogo e de definição de papéis das agências formadoras (instituição superior e escola)
e pela inexistência de uma equipe específica para acompanhar os aprendizes de
professor no contexto do estagio. A ausência desta equipe e seu trabalho conjunto
dificulta significativamente a construção do sentido de ensinar a aprender na escola e na
universidade.
Considerações finais
O cotidiano escolar fomenta um processo educativo que, analisado o contexto da
sala de aula, sob os eixos da gestão da matéria e da gestão de classe, compreende uma
sequência ordenada; períodos de atividades com certo sentido, segmentos em que se
pode notar uma trama hierárquica de atividades incluídas umas nas outras, que servem
para dar sentido unitário à ação de ensinar. O que ocorre na sala de aula não é um fluir
espontâneo, embora a espontaneidade não lhe seja furtada, dada à imprevisibilidade do
ensino. É algo regulado por padrões metodológicos implícitos. Isso quer dizer que há
uma ordem implícita nas ações dos professores (racionalidade pedagógica ou
pensamento prático), que funciona como um fio condutor para o que vai acontecer com
o processo de ensino. O que implica dizer que, o curso das ações do professor não é
algo espontâneo, mas sim, decorrente da intersubjetividade e da deliberação, pela
simples razão de o seu fundamento constituir a natureza teleológica da ação pedagógica.
Quando o professor escolhe o que, como e com qual recurso dará continuidade a
sua ação, está definindo também os rumos que ela pode tomar. Poderá estar formando o
aluno em uma perspectiva crítica, para o exercício da decisão e da cidadania ou em uma
perspectiva passiva ou da acomodação, para a reprodução social e assim, confirmando
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teorias acerca do papel da escola. Poderá reproduzir um modelo de escola já obsoleto e
criticado ou poderá transformá-la.
É neste contexto, onde se instala o reconhecimento do papel fundamental dos
professores na melhoria do ensino e de que as práticas de formação deste profissional,
predominando aquelas que concebem o ensino como atividade reflexiva, que alia teoria
e prática, contrapondo o modelo aplicacionista de conhecimento. No caso do estágio,
este modelo está pautado na dicotomia teoria/prática, uma vez que os alunos primeiro
apreendem os conteúdos proposicionais ou específicos da docência para posteriormente
serem inseridos no campo do estágio.
Ora, se o sentido do aprender e do ensinar é construído a partir da significação
social da ação docente, da revisão constante dos significados sociais do ofício da
docência, da revisão das tradições e da reafirmação de práticas consagradas
culturalmente e que permanecem significativas, a identidade docente estaria sendo
construída no monólogo de professor como técnico, porque a racionalidade que o
estágio apresenta é a técnico-instrumental. Porém, formar o professor somente com base
na técnica, compromete o sonho de uma escola reflexiva que forme para a integralidade.
Se há um consenso que não modifica a escola por um ato de vontade do secretário
como lembra Freire (1991), é também consenso que não se muda sua cara ou novas
formas de sua organização ou lhe institui novos paradigmas, sem as habilidades e
competências necessárias.
Sob este raciocínio, quando se idealiza um estágio fundado em uma racionalidade
que não seja puramente instrumental, como a crítico-emancipatória, o futuro professor
será habilitado para questionar sobre o sentido do que faz. Ao fazê-lo, estará
construindo para seu próprio conhecimento crítico, mostrando sua capacidade
intelectual para compreender e transformar o pensamento e as práticas dominantes
existentes no cotidiano escolar. Assim sendo, é capaz de transformar, sobremodo a
escola, para que seus alunos, durante o seu tempo escolar, possam se “amarrar nela”,
resgatando portanto, seu sentido primeiro. Ou seja, um espaço de lazer, de gosto pelo
estudo, para o aluno se desenvolver como pessoa e adquirir competências para melhorar
seu mundo de vida.
Inegavelmente, esta idealização perpassa pela construção de uma sinergia entre
estágio e a escola; de um compartilhar com o outro, os sentido do aprender e do ensinar
em rumo a emancipação dos sujeitos. Neste aspecto, a escola se beneficia da inserção de
novas metodologias de ensino, preenche lacunas de aprendizagem, modifica
Didática e Prática de Ensino: diálogos sobre a Escola, a Formação de Professores e a Sociedade
EdUECE - Livro 400262
comportamentos e torna suas ações mais prazerosas. E o estágio, deixa de ser puramente
um componente curricular e passa a produzir conhecimentos sobre a escola e com a
escola para a educação, ganhando um estatuto epistemológico conferido às práticas
educativas, capazes de estabelecer conexão entre escola e universidade, entre teoria e
prática.
Nesta acepção, considerando que o estágio caracteriza-se como lócus de reflexão,
deliberação e metaformação urge as agências formadoras a torna-lo como tal e que sua
normatização esta delimitada pelo Ministério da Educação. Dessa forma, cabe a elas
definir seu espaço no âmbito de cada uma dessas agências, considerando os objetivos
deste componente curricular.
À escola, por exemplo, competiria exigir dele a implementação de metodologias
inovadoras, dado o potencial intelectual que os alunos dos cursos de licenciatura
evidenciam quando são estimulados. Um exemplo desta asserção é nossa experiência do
Pibid (Programa Institucional de Bolsa de Iniciação a Docência) desenvolvido e
financiado pela CAPES. Embora o nosso desenho (da UFPI) seja similar e transcenda o
do estágio, ele é conduzido pela essência da ação educativa que é a transformação dos
sujeitos envolvidos: os alunos das licenciaturas, os preceptores (professores da escola),
os docentes orientadores (professores da UFPI) e os próprios alunos da educação básica.
Esta transformação ocorre pelas ações de ensino, de pesquisa e de extensão,
desenvolvidas no âmbito da escola e da universidade. Esse modelo formativo,
comprovadamente, possibilita o desenvolvimento de competências profissionais e
melhoria da aprendizagem nas escolas de educação básica, fortalecendo- as, inclusive,
enquanto espaço de ensino e de aprendizagem do aluno e de seu enriquecimento
cultural/profissional. O resultado exitoso do Pibid/UFPI é evidenciado pelos impactos
que causa na escola, na universidade e na sociedade, que hoje pode ser definido como
espaço/tempo de formação de alta complexidade (CARVALHO, 2013). Porém, o
Programa não alcança todos os alunos das licenciaturas.
Entretanto, pode servir de referência para as agências formadoras racionalizarem
o estágio supervisionado e refletir sobre seu modus operandis para transformá-lo em um
projeto epistemológico, educativo e político destinado à produção de sentidos do
aprender e ensinar. Um projeto que à aprendizagem da docência é dialógica, que
enxergue a escola pela beleza de suas relações, pela dialética do aprender e do ensinar,
em um espaço e tempo contextualizado para efetuar uma práxis educacional em seus
sujeitos e na realidade do cotidiano escolar.
Didática e Prática de Ensino: diálogos sobre a Escola, a Formação de Professores e a Sociedade
EdUECE - Livro 400263
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Didática e Prática de Ensino: diálogos sobre a Escola, a Formação de Professores e a Sociedade
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OS ESTÁGIOS OBRIGATÓRIOS NOS ESPAÇOS/TEMPOS FORMATIVOS:
UNIVERSIDADE E ESCOLA1
Maria das Graças C. da S. M. G. Pinto
Universidade Federal de Pelotas – UFPel
Resumo
O presente trabalho objetiva apresentar dados relacionados aos estágios curricularespresenciais de cursos de formação de professores de uma universidade pública do RioGrande do Sul, para, posteriormente, problematizar a relação da universidade com aescola básica, no momento dos estágios. O encaminhamento metodológico contou comAnálise Documental de treze Projetos Pedagógicos, entrevista semiestruturada comcoordenadores destes cursos e um questionário misto aplicado aos orientadores deestágio, totalizando treze respondentes. O referencial teórico de base foi: Pimenta eLima (2004), Lima e Aroeira (2011), Silvestre (2011). Alguns resultados: Foi possívelperceber pelos PPs, algumas tensões recorrentes nos cursos de licenciatura, como porexemplo, a centralidade nas disciplinas consideradas científicos culturais específicas daárea de formação do curso de origem. Não existi uma unidade de propostas/concepçõesacerca do estágio entre os orientadores. Inexiste, na Instituição pesquisada, uma diretrizprópria no sentido de centralizar alguns encaminhamentos considerados maisburocráticos. Os orientadores assinalaram como principais dificuldades enfrentadas nasorientações de estágio, o que segue: turmas muito grandes, difícil acesso nas visitas aosestagiários, falta de tempo efetivo para orientação, grande número de estagiários pororientador, falta de instituição campo para atender a demanda; parceria e diálogoinsuficientes com os professores das escolas básicas. Ressalta-se que grande parte dotrabalho realizado nos estágios, demonstrou investimento muito individual dosprofessores que assumem tal disciplina ou área, o que pode descaracterizar a propostade um projeto mais coletivo de formação de professores nos cursos. A relação dauniversidade com as escolas campo no momento dos estágios mostrou-se limitada,como assinalado por alguns orientadores, dado confirmado por outros estudos Arruda(2014).
Palavras-chave: Estágios Obrigatórios. Estágios Presenciais. Estágios e Formação deProfessores. Escola Básica.
Para Iniciar
Ao contrário do que comumente se entende, os estágios não são componentes
tão simples e carecem de análises aprofundadas para possibilitar uma compreensão mais
contextualizada, considerando as diversas variáveis que o constitui. São componentes
1 Pesquisa financiada pela Fapergs (Fundação de Amparo à Pesquisa do Rio Grande do Sul).
Didática e Prática de Ensino: diálogos sobre a Escola, a Formação de Professores e a Sociedade
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curriculares de grande importância nos cursos de formação de professores. Se
caracterizam como “[...] as atividades que os alunos deverão realizar durante o seu curso
de formação, junto ao campo futuro de trabalho”. (PIMENTA, 2001, p. 21).
Na tentativa de contribuir com a discussão da formação inicial de professores,
serão apresentados dados relacionados aos estágios curriculares presenciais de cursos de
formação de professores de uma universidade pública do Rio Grande do Sul, para,
posteriormente, problematizar a relação da universidade com a escola básica, no
momento dos estágios.
O encaminhamento metodológico contou com a Análise Documental dos
Projetos Pedagógicos de treze cursos de formação de professores (período de 2010-
2012), entrevistas semiestruturadas com coordenadores destes cursos (2010-2013) e um
questionário misto aplicado aos professores orientadores de estágio (2013-2014). A
análise dos dados foi por meio da abordagem qualitativa.
Serão apresentados, a seguir, alguns elementos conceituais que fundamentam e
dialogam com o estudo.
Os Estágios nos cursos de formação de professores e suas características
O estágio no Brasil divide-se em duas modalidades o obrigatório e o não
obrigatório2. Ambos são regulamentados por uma Lei nacional a 11.758 de 25 de
setembro de 2008. O presente estudo aborda o estágio obrigatório e, segundo essa Lei
em seu Art. 1º
Estágio é ato educativo escolar supervisionado, desenvolvido no ambiente detrabalho, que visa à preparação para o trabalho produtivo de educandos queestejam freqüentando o ensino regular em instituições de educação superior,de educação profissional, de ensino médio, da educação especial e dos anosfinais do ensino fundamental, na modalidade profissional da educação dejovens e adultos.
Ainda segundo o Art. 1º, § 2º, “O estágio visa ao aprendizado de competências
próprias da atividade profissional e à contextualização curricular, objetivando o
desenvolvimento do educando para a vida cidadã e para o trabalho”.
2 O estágio não obrigatório é opcional e suas horas serão acrescidas à carga horária obrigatória docurso. Pode ser remunerado, mas não carateriza vínculo empregatício. Deve estar previsto no ProjetoPedagógico do Curso.
Didática e Prática de Ensino: diálogos sobre a Escola, a Formação de Professores e a Sociedade
EdUECE - Livro 400267
Os estágios podem contribuir para desenvolver nos estudantes uma competência
profissional que para Shön (2000), em uma dimensão da prática reflexiva, pode ser
entendida como buscar resolver situações de incerteza, situações “problemas” colocadas
na prática profissional, por meio de o talento artístico profissional.
O Art. 3º, § 1o, reafirma o caráter supervisionado do estágio e diz que este “[...]
deverá ter acompanhamento efetivo pelo professor orientador da instituição de ensino e
por supervisor da parte concedente, comprovado por vistos nos relatórios […] e por
menção de aprovação final”.
Assim caracterizado fica claro que o estágio prescinde de acompanhamento das
duas instituições formadoras, aquela que recebe o estagiário e aquela que o encaminha.
Apesar disso, nem sempre o grau de importância entre as instituições formadoras é
reconhecido ou equiparado.
O estágio obrigatório, segundo Art. 2º, § 1o, da lei 11.758/2008, “[...] é aquele
definido como tal no projeto do curso, cuja carga horária é requisito para aprovação e
obtenção de diploma”.
Quanto a carga horária dos estágios obrigatórios em cursos de formação de
professores, a Resolução CNE/CP 2, de 19 de fevereiro de 2002, em seu Art. 1º, inciso
II, determina que sejam destinadas 400 horas para esse componente curricular a “[...] ser
desenvolvido a partir do início da segunda metade do curso”. Importante salientar que
além dessas horas estão previstas no inciso I, da mesma Resolução, “400 (quatrocentas)
horas de prática como componente curricular, vivenciadas ao longo do curso”.
A aposta em uma a carga horária consideravelmente maior objetivava, em
grande parte, favorecer a articulação entre teoria e prática nos cursos. Com 800 horas de
componentes práticos, seja pela prática de ensino ou pelos estágios supervisionados
pensava-se, tal qual Leite et al (2008) que, pelo menos no tocante a organização dos
estágios, transformações mais significativas se fariam notar. Entretanto, ratificando a
observação de Dias-Da-Silva (2005) o aumento da carga horária não ultrapassou, em
muitos casos, um arranjo no currículo para alocar práticas realizadas antes das diretrizes
legais.
A organização dos estágios, sendo atendidas as orientações legais mais amplas,
poderão sofrer variações tendo em vista a autonomia das instituições de ensino. Por
Didática e Prática de Ensino: diálogos sobre a Escola, a Formação de Professores e a Sociedade
EdUECE - Livro 400268
meio de seus Planos e Projetos Pedagógicos as instituições podem propor os estágios e,
também as práticas de ensino, por disciplinas ou outra forma que garanta a esses
componentes curriculares se tornarem significativos para a reflexão, aprendizagem e
transformação da profissão docente. E, como afirma Piconez,
A disciplina Estágio Supervisionado pertence ao currículo do curso deformação de professores e deve ser pensada nesse âmbito. O preparo para oexercício do magistério não pode constituir-se tarefa exclusiva destadisciplina. Ela precisa estar articulada com os demais componentescurriculares do curso. Não pode ser isoladamente responsável pelaqualificação profissional do professor, deve, portanto, estar articulada aoprojeto pedagógico do curso. (1998 p. 30).
Contrariamente ao que afirma a Autora, os cursos de formação de professores,
de um modo geral, tendem a valorizar mais a área de conhecimento específico e atribuir
às disciplinas ditas pedagógicas, especialmente os estágios, a responsabilidade pela
formação do professor. Como se fosse possível isolar esta formação em um ou outro
componente curricular, isentando a parte de “conhecimento científico específico” de tal
tarefa. Presenciamos, dessa forma, a valorização diferenciada entre disciplinas de cunho
mais pedagógico e de cunho do conhecimento específico. Essa observação também se
aplica às disciplinas mais teóricas e àquelas mais práticas.
Tenho defendido que a formação de professores em um curso, para ser
qualificada positivamente, necessita ter um projeto de formação, ou seja, todos os
componentes curriculares deverão estar voltados para a mesma finalidade que, nesse
caso é, formar professores e professoras. Se assim for, a organização curricular, o
projeto do curso, os planos de ensino e os demais elementos, dentre eles os estágios,
retratarão essa finalidade comum. Nesse sentido, Pimenta e Lima já ressaltavam que,
O estágio traduz as características do projeto político do curso, de seusobjetivos, interesses e preocupações formativas, e traz a marca do tempohistórico e das tendências pedagógicas adotadas pelo grupo de docentesformadores e das relações organizacionais do espaço acadêmico a que estávinculado. Traduz ainda a marca do(s) professor(es) que o orientam, dosconceitos e práticas por ele(s) adotados. (2004, p. 113).
A parte prática dos cursos de formação de professores é geralmente
desprestigiada, como se tivesse menor importância na formação dos alunos. Não são
todos os professores que se dispõem a trabalhá-las. Os motivos alegados são vários, seja
por demandar uma dedicação para além da carga horária efetiva de atividade, já que
Didática e Prática de Ensino: diálogos sobre a Escola, a Formação de Professores e a Sociedade
EdUECE - Livro 400269
pressupõe deslocamentos até o local onde se realizam as práticas/estágios, seja por
outras responsabilidades que ultrapassam a sala de aula, inclusive pelos custos desses
encargos, que ficam por conta do professor orientador do estágio. Outro fator a ser
considerado é a predominância do entendimento de que a teoria é mais importante para
a formação dos futuros professores do que a prática, simplificando seus conceitos e
reduzindo teoria ao pensar e prática ao fazer. Como analisa Lima,
Quando compreendemos o professor como um intelectual em processocontínuo de construção, que tem seu trabalho vinculado diretamente aoconhecimento, e a educação como um processo dialético de desenvolvimentodo homem, historicamente situado, entendemos, então, que este profissionalprecisa da teoria para iluminar sua prática, e que esta precisa sercontinuamente refletida para que sua teoria seja ressignificada. (2012, p. 29).
Lelis (2001) ao criticar a supervalorização da teoria em cursos de formação de
professores aponta para a possibilidade de um novo “idioma pedagógico” onde a prática
do professor passa a ser considerada como instância produtora de saber, provocando um
redimensionamento da teoria.
Interessante notar que, no tocante aos estágios, alguns autores como Pimenta e
Lima, observam que,
ao contrário do que se propugnava, não é uma atividade prática, mas teórica,instrumentalizadora da práxis docente, entendida esta como atividade detransformação da realidade. Nesse sentido, o estágio curricular é atividadeteórica de conhecimento, fundamentação, diálogo e intervenção na realidade,esta sim, objeto da práxis. É no contexto da sala de aula, da escola, dosistema de ensino e da sociedade que a práxis se dá. (2004, p. 45).
E para Pereira “A práxis, enfim, é a ação com sentido humano. É a ação
projetada, refletida, consciente, transformadora do natural, do humano e do social”. Diz
ainda que, “[...] a ação do homem é uma ação cultural”. (PEREIRA, 1982, p. 77).
Os estágios podem representar um momento de formação não só para os alunos
que o frequentam, como também para os professores formadores, sejam aqueles das
instituições superiores ou aqueles das escolas campo de estágio. Com o aumento da
carga horária para 800 horas de prática e também o aumento de alunos, especialmente
provocado pela educação a distância, alguns municípios têm tido dificuldades em alocar
um número grande de estagiários. Ilustrando, o município de Pelotas–RS em apenas um
semestre havia recebido mais de 1000 estagiários apenas na rede estadual.
Didática e Prática de Ensino: diálogos sobre a Escola, a Formação de Professores e a Sociedade
EdUECE - Livro 400270
Esse fato já é um indicativo da necessidade de alternativas para os estágios que
como já assinalaram Pimenta e Lima (2004), muito comumente, não ultrapassam uma
dinâmica de observação, planejamento e regência de classe. Práticas alternativas a esse
modelo têm sido pouco protagonizadas. Dessa forma, apesar de a legislação pertinente
aos estágios ter provocado um impacto nos cursos de formação de professores, parece
que pouco foi transformado em termos epistemológicos. Concepções pautadas em uma
racionalidade técnica ainda se fazem presentes. Assim, dicotomia entre teoria e prática,
diferenciação hierárquica entre os diferentes tipos de conhecimentos, centralidade no
ensino disciplinar, currículos bastante estruturados, dentre tantos, dificultam uma
mudança de paradigma acerca dos estágios.
Apesar do exposto, o estágio tem demonstrado ser um “divisor de águas” para
quem cursa a graduação. Especialmente no momento de atividades de regência de
classe, onde os estudantes se sentem com maior responsabilidade e colocam em questão
seu curso de formação, suas fragilidades e também reforçam sua percepção identitária
frente ao que é ser professor, além de ter de lançar mão de habilidades que muitas vezes
não foram valorizadas em sua formação inicial, como aquelas de caráter das relações
interpessoais.
Os estágios a partir de um “estudo de caso”
A partir deste item serão apresentadas reflexões referentes às análises do estudo
de campo, tendo em vista os seguintes instrumentos de coleta de dados: os Projetos
Pedagógicos dos Cursos de formação de professores, as entrevistas com os
coordenadores destes cursos, os questionários aplicados aos Orientadores de Estágio3 e,
por fim, uma problematização da relação da universidade com as escolas campo no
momento dos estágios.
Os estágios pelos Projetos Pedagógicos4 > A carga horária dos estágios
curriculares nos treze PPs variam entre 405 a 493 horas, sendo que a mínima refere-se
3 Salienta-se que parte deste item está composto por estudos apresentados separadamente, tendo osmesmos sido complementados e ampliados para o momento.4 Dados mais aprofundados em: PINTO, M. das G. G.; FELDKERCHER, N.; NEVES (2010).
Didática e Prática de Ensino: diálogos sobre a Escola, a Formação de Professores e a Sociedade
EdUECE - Livro 400271
aos cursos de Física e História e a máxima ao curso de Educação Física. O curso de
Física divide suas 405 horas de estágio da seguinte maneira: 60 horas para
“Instrumentação para o Ensino de Física II”, 105 horas para “Pré-Estágio”, 150 horas
para “Estágio” e 90 horas para “Pós-Estágio” e, o curso de História divide suas 405
horas de estágio em Estágio Supervisionado I, II, III, IV e V. Já o curso de Educação
Física organiza as 493 horas de estágio em 170 horas para “Estágio Supervisionado na
EF até a 4ª Série”, 170 horas para “Estágio Supervisionado na EF de 5ª a 8ª Séries” e
153 horas para “Estágio Supervisionado na EF no Ensino Médio”. Os estágios nos
cursos de Pedagogia e de Letras apresentam, respectivamente, 470 horas e 476 horas de
ECS.
Somente dois PPs, Matemática e Letras, fazem menção e definem a possibilidade
de redução de até o máximo de 200 horas da carga horária do estágio para os estagiários
que exerçam atividade docente regular na educação básica, conforme indicado na
Resolução do CNE/CP n 2/2002.
Ao levar em conta a indicação da Resolução CNE/CP n 2/2002 que aponta que o
estágio deve iniciar “a partir do início da segunda metade do curso” foram identificados
nove PPs que estão em consonância com essa determinação: Letras, Matemática,
História, Geografia, Química, Música, Biologia, Física e Filosofia. Os estágios nesses
cursos, compõem o currículo distribuídos em 4 ou 5 disciplinas, sendo que a duração
destes cursos é de 8 ou 10 semestres. Os estágios dos outros quatro cursos iniciam a
partir do sexto ou sétimo semestre, como descrito a seguir: no curso de Pedagogia, com
duração de 9 semestres, a carga horária do estágio está dividida em duas disciplinas (7º
e 9º semestres) e nos cursos de Teatro, Educação Física e Ciências Sociais, com duração
de 8 semestres, a carga horária divide-se em três disciplinas (6º, 7º e 8º semestres). O PP
do curso de História destaca que o aumento das horas exigidas para o estágio, pela
Resolução do CNE/CP no 2/2002, traz implicações para a realização deste, tendo em
vista que o curso pode ter até três turmas em estágio ao mesmo tempo o que significaria
aproximadamente 120 alunos em estágio simultaneamente, o que pode acarretar, por sua
vez, falta de turmas e/ou escolas para tantos estagiários. O mesmo PP aponta ainda que
toda a carga horária das disciplinas de estágio “deverá ser cumprida diretamente na
escola onde se realizará o estágio”, ou seja, pelo que diz este PP os alunos devem passar
405 horas em escolas.
Didática e Prática de Ensino: diálogos sobre a Escola, a Formação de Professores e a Sociedade
EdUECE - Livro 400272
Este tem sido um grande dilema enfrentado pelos cursos e escolas para a
realização dos estágios. A “rede” municipal e estadual tem recebido um número muito
grande de estagiários sem que, efetivamente, tenha havido uma (re)estruturação
administrativa e pedagógica para tal. E esse fator diz respeito também aos cursos de
formação de professores que, via de regra, mantiveram sua proposta de estágio apenas
distribuindo as atividades nas quatrocentas horas previstas.
O que tem sido percebido é que a lógica formativa predominante nos cursos não
sofreu transformações significativas. Os estagiários estão realmente por mais tempo nas
escolas, entretanto, com as mesmas atividades de antes das diretrizes de 2002. Dessa
forma, a intenção da Resolução do CNE/CP 2/2002 de propor as 400 horas de estágio
para, dentre outros, superar a dicotomia entre teoria e prática e fazer com que o
estagiário esteja inserido na ambiência de sua futura profissão por mais tempo e com
maior intensidade, ainda não está sendo atingida na maioria dos cursos de licenciatura.
É válido destacar que os três cursos, de Música, Física e Geografia, possuem a
disciplina de “Pré-estágio”, sendo esta, entretanto, contabilizada nas horas de estágio.
Da mesma forma, os cursos de Física, Geografia e Letras têm o componente curricular
“Pós-estágio”, também tendo carga horária contabilizada nas horas de estágio. A
questão não está na contagem dessa carga horária como estágio, tendo em vista isso ser
pertinente legal e pedagogicamente, mas sim, a denominação atribuída a esses
componentes, Pré-Estágio e Pós-Estágio, que denota uma concepção de que tais
componentes não se caracterizam por estágio. Indaga-se então: o que é considerado
como “estágio” nesses Cursos? Se um antecede e o outro momento é posterior, o que
está entre eles que recebe o nome de estágio propriamente dito?
Quanto ao nível de ensino em que são desenvolvidos os estágios nestes cursos foi
verificado que: A maior parte dos cursos tem inserção no Ensino Fundamental e Médio,
somando 69%. Os cursos de Teatro, Música, Dança, Educação Física, Biologia,
Matemática, História, Geografia e Letras: ensino fundamental e ensino médio;
Pedagogia: gestão educacional e anos iniciais ou educação infantil; Filosofia; Física,
Química, e Ciências Sociais: ensino médio.
O entendimento da maioria dos cursos de formação de professores é de que eles se
destinam aos anos finais do ensino fundamental e ao ensino médio. Entretanto, outros
têm o entendimento de que quando as Diretrizes apontam para a formação do professor
Didática e Prática de Ensino: diálogos sobre a Escola, a Formação de Professores e a Sociedade
EdUECE - Livro 400273
da Educação Básica, abrem possibilidade dos professores atuarem em qualquer nível,
inclusive nos anos iniciais do ensino fundamental ou mesmo a educação infantil. Esta é
a compreensão, por exemplo, do Curso de Educação Física.
Sobre a orientação dos estágios nesses treze cursos: seis PPs não especificam
quem é(são) o(s) responsável(eis) por tal atividade; o PP da Física expressa que a
orientação dos estágios é de responsabilidade do Departamento de Ensino, da Faculdade
de Educação; os PPs dos cursos de Matemática e Letras apontam que os estágios são
ministrados por dois professores, sendo um lotado do próprio curso/departamento e
outro da Faculdade de Educação; os PPs de Educação Física e História destacam que a
responsabilidade do estágio é tanto do professor da disciplina quanto do professor da
escola básica que recebe o estagiário e; os PPs dos cursos de Geografia e Ciências
Sociais apontam que a responsabilidade pelas disciplinas de estágio é compartilhada
entre um professor do Curso, um professor da Faculdade de Educação e pelo professor
da Escola Básica que recebe o estagiário5.
Apenas quatro cursos expressam no PP que o professor da Escola Básica deve
compartilhar a orientação do professor em formação (estagiário), o que vai ao encontro
do que preconiza o Parecer CNE/CP 28/2001, conforme citado anteriormente, que
considera o professor da escola como supervisor do estágio visto que o mesmo
estabelece uma relação pedagógica com o aluno-estagiário aprendente da profissão, ou
seja, o estagiário apreende um pouco da profissão com um profissional reconhecido da
sua área de formação. Segue a título de ilustração um destes argumentos: [a orientação
do estágio] conta com a contribuição de professores de Educação Física escolar,
qualificados e com experiência docente, no papel de professores-supervisores. Estes têm
a incumbência de acompanhar cotidianamente, supervisionar as atividades didático-
pedagógicas dos acadêmicos, realizar reuniões com os acadêmicos e os professores
orientadores, co-avaliar e elaborar relatórios. (PP do Curso de Educação Física).
O reconhecimento da escola campo de estágio como (co)responsável pela
formação dos estagiários não foi elemento evidenciado entre os cursos de licenciatura, o
que parece ser uma limitação a ser superada.
5 Estes dados serão mais detalhados no item referente à análise dos questionários aplicados aosprofessores orientadores de estágio.
Didática e Prática de Ensino: diálogos sobre a Escola, a Formação de Professores e a Sociedade
EdUECE - Livro 400274
Os estágios pelos Coordenadores de Curso> Os coordenadores evidenciaram
que os cursos sofreram algum tipo de adaptação após as DCNs para formação de
professores, e, especialmente, após a Lei 11.788/2008 dos estágios. A maior parte
passou por “restruturação curricular”. A exceção foi para os cursos criados mais
recentemente como o de Licenciatura em Dança que já teve as referidas legislações
como parâmetro.
Parece compreensível que mudanças significativas, seja na legislação ou mesmo
em bases epistemológicas, incidam diretamente no currículo de um curso. No entanto,
chama a atenção que a alternativa esteja, na maioria das vezes, em propostas de
reestruturação curricular, o que nem sempre pode ser indicado ou apropriado.
Lembrando Sacristán (1998, p. 15), “o currículo é uma práxis antes de um objeto
estático emanado de um modelo coerente de pensar a educação”. Se assim entendido,
não se trata simplesmente de redesenhar um currículo ou reorganizar um rol de
disciplinas, mas rever os princípios que orientam a concepção de curso, de formação, o
que se pretende com os egressos destes cursos, dentre outros.
Foi percebido que a maior parte dos Coordenadores entende como estágio as
atividades relativas à regência de classe. Talvez isso se deva ao fato de estar nessa etapa
um movimento mais facilmente identificado como sendo o papel do professor. Silvestre
afirma que,
O estágio curricular supervisionado pode ser caracterizado como umasituação em que o aluno está no exercício da profissão, em que pese o caráterpontual que ele assume, e portanto pode ajudar tanto o formador como oaprendiz a compreender como se desenvolve esse processo de negociação.Compreender de que maneira os alunos orientam esse processo pode fornecerelementos para compreendermos melhor, como formadores, quepossibilidades de reflexão crítica podem ser desencadeadas. (2011, p. 171-2).
Ainda foi perguntado acerca do que significava formar professores, destacamos
as seguintes referências: Formar professor cidadão, ter boa base teórica. (C/Letras)6;
Formar pessoas competentes e críticas. (C/Biologia).
Quanto ao que significa ser professor, destaca-se: É a minha vida […] Professor
é um pesquisador e ele tem de formar pesquisadores […] É um ato de generosidade
(C/Letras); É uma escolha. O curso ajuda, mas não forma. (C/Filosofia); Saber bem o
conteúdo a ser ensinado. (C/Química); É ser educador, transmitir além de
6 A partir deste momento, os coordenadores de curso serão denominados pela inicial “C” e o cursocorrespondente. Exemplo: (C/Letras) para Coordenador do curso de Letras.
Didática e Prática de Ensino: diálogos sobre a Escola, a Formação de Professores e a Sociedade
EdUECE - Livro 400275
conhecimentos técnicos, ética e comportamento. (C/Matemática). Aponta ainda o
(C/Pedagogia) que,
Como eu tive uma formação nos anos 80, onde a formação política erafundamental, a gente vivia um discurso da competência técnica e dacompetência política. Eu tinha essa ideia de que o professor tinha essacapacidade de ser um agente transformador, ser um militante, masfundamentalmente, ser aquele cidadão que tem uma formação pedagógica,que é capaz de ensinar aos outros, mas não para que eles fiquem estagnados,para que eles possam, então, ir construindo a própria história, serem agentesda própria história.
Nas duas questões anteriores que dizem respeito à construção identitária do
professor, pode-se observar nas respostas aspectos de diversas ordens, como filosóficos,
sociológicos, políticos, cunhados também por bases de diversas racionalidades.
Entretanto, independente da concepção, fica evidente que os entrevistados reconhecem a
complexidade do que caracteriza “ser professor”.
Com relação ao papel dos estágios nos cursos, seguem alguns posicionamentos:
Fazer a união entre o que os alunos aprenderam dos conteúdos específicos e didáticos.
(C/Biologia); Fundamental: momento do aluno se encontrar. (C/Letras). Interessante
notar o que destaca o Coordenador do Curso de Filosofia, ao dizer: Quatro disciplinas
não formam o professor, fazendo referência às disciplinas consideradas de cunho
pedagógico. Momento de vivência em sala de aula […] momento de reflexão […]
relação entre teoria e prática. (C/Matemática). A Coordenadora do Curso de Dança
afirma ainda que,
É fundamental o papel do estágio. Como uma licenciatura em Dança, arelação entre arte, pesquisa, docência está muito ligada, não se dissocia. Oestágio é o momento em que o aluno vai realmente se deparar com os seussaberes, aquilo que ele aprendeu na universidade, e que a gente sempre fazessa relação.
Percebe-se que os entrevistados atribuem importância aos estágios, apesar de
apresentarem justificativas bem variadas. Cabe destacar algumas reflexões a partir do
que foi dito. É comum que se atribua aos estágios uma carga formativa como se
estivesse nele, exclusivamente, a responsabilidade por formar os professores. Não é
possível formar professores por disciplinas/componentes isolados. O contexto formativo
constitui-se por várias dimensões, dentre elas, os componentes curriculares relacionados
aos estágios. Não cabe, portanto, isolar um componente, uma atividade, um professor e
localizar nestes a responsabilidade exclusiva da formação. Não serão os estágios, as
Didática e Prática de Ensino: diálogos sobre a Escola, a Formação de Professores e a Sociedade
EdUECE - Livro 400276
disciplinas pedagógicas, as disciplinas do campo específico do curso que formarão o
professor, mas sim um projeto de formação que poderá ser mais contextualizado,
dialético e politicamente refletido.
A concepção de Silvestre acerca do papel dos estágios parece reforçar esta ideia,
quando diz que,
[…] somente considerar os estágios curriculares como um componente daformação inicial não é suficiente; é necessário e urgente apontar o porquê desua permanência nos cursos, qual a sua função na formação profissional dosprofessores e que modelo de supervisão é o mais adequado. Por isso, essetema precisa ser mais debatido, para que os estágios curricularessupervisionados sejam mais investigados e, principalmente, ressignificados.(SILVESTRE, 2011, p. 167).
Foram apontadas também algumas dificuldades para o desenvolvimento dos
estágios, sendo: Burocracia demasiada na IES e nos Gestores. (C/Biologia); Falta de
campo de estágio (Matemática); Campos de estágios insuficientes. (C/Letras). Não se
tem dança na escola, então não existe professor de dança no currículo escolar. Não
existe esse espaço para a dança na escola, e acho que essa é a maior dificuldade.
(C/Dança).
Os estágios pelos orientadores7> Todos os orientadores são licenciados ou
possuem pós-graduação na área de educação. O percentual de entrevistados que já atuou
na Educação Básica foi de 85%, sendo, portanto apenas, 15% não atuante neste nível de
ensino. Entre aqueles que atuaram, 11 professores, 54% atuou por mais de onze anos.
Ter atuado na educação básica não é pré-requisito para uma orientação de qualidade,
mas, sem dúvida, esta experiência pode auxiliar o diálogo entre o orientador e a escola
campo, professor supervisor da escola e estagiários.
Conforme anunciam Lima e Aroeira, “O sucesso da aprendizagem dos futuros
professores passa por ambientes de colaboração e cooperação entre eles e os docentes,
sendo necessário o permanente feedback dos supervisores para que o formando
descubra e desenvolva posturas pedagógicas pessoais e profissionais [...]”. (2011, p.
122).
Todos os professores são servidores públicos federais estáveis, concursados
para Educação Superior. Apesar deste panorama é comum a responsabilidade dos
7 Os orientadores de estágio serão denominados por OE1 até OE13, totalizando os trezeprofessores que participaram desta etapa.
Didática e Prática de Ensino: diálogos sobre a Escola, a Formação de Professores e a Sociedade
EdUECE - Livro 400277
estágios estar muito centrada nos professores contratados por tempo determinado
(substitutos), conforme anunciou a professora responsável pela chefia do Departamento
de Ensino. Mas, tanto em um caso, como no outro, via de regra, não existe uma
constância entre os professores que orientam estágios. Assim, em um semestre
determinando o professor pode estar com disciplina diferente e, mesmo estando com os
estágios, pode estar em curso diferente, o que pode dificultar a criação de vínculos mais
estabelecidos com o campo, estágios, ou mesmo com o curso.
Um exemplo desta afirmativa está na análise a seguir, quando foi perguntado
com quantas disciplinas de estágio, os entrevistados tinham ficado responsáveis. A
maioria atuou em 1 ou 2 disciplinas de estágio. Entretanto, (OE-8)8 relatou que em toda
sua experiência deve ter trabalhado em mais de 15 disciplinas de Estágio; (OE-10) diz
que deve ter trabalhado em 13 disciplinas e (OE-2), afirma: Já trabalhei com Estágio
Supervisionado I, II, III e IV do curso de Ciências Biológicas. Cheguei a ter, num
semestre letivo […] quatro turmas de estágio, 1 na Pedagogia e 3 na Biologia.
Interessante notar que não existe na Instituição um plano efetivo de adequação
da carga horária dos professores, tendo em vista a natureza das disciplinas em que
atuam. Portanto, disciplinas consideradas teóricas e práticas têm o mesmo tratamento
pedagógico e institucional. O que significa dizer que um professor pode ter a
responsabilidade de uma disciplina de estágio e dependendo do curso, fazer a orientação
de todos os alunos matriculados e ainda ter de cumprir as demais atribuições do
semestre. Não precisa muita reflexão para compreender as limitações de tal processo.
Quanto aos anos de docência na Educação Superior 61% tem experiência de
mais de dez anos. Entre os cursos que já atuaram como docentes na disciplina de
Estágios, os entrevistados apontaram: Dança, Educação Física, Ciências Biológicas,
Ciências Sociais, Matemática, Física, Geografia e Pedagogia, curso no qual mais
professores atuam ou atuaram, totalizando sete professores.
Trabalhando com a proposta de classificação de Tardif (2003), pode-se afirmar
que temos um quadro de orientadores com um tempo considerável de experiência na
educação superior.
A responsabilidade de orientação dos estágios na Instituição atende a duas
8 Os orientadores de estágios serão apresentados a partir deste momento pelas inicias (OE) e osnúmeros correspondentes a ordem de respostas.
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modalidades, orientação individual, sendo um orientador do campo específico de
formação do curso ou um orientador da área pedagógica; e, docência compartilhada,
sendo um orientador do campo específico de formação do curso e outro da área
pedagógica. No primeiro caso, quando os orientadores são do campo específico do
conhecimento, geralmente significa que os próprios cursos de licenciatura assumem a
demanda dos estágios. No segundo caso, os professores trabalham conjuntamente
sendo, um mais voltado para as questões teóricas relacionadas aos conteúdos a serem
“ensinados” e o outro da “transposição didática” destes conteúdos.
Normalmente os professores que orientam estágios são oriundos do
Departamento de Ensino, da Faculdade de Educação, da IES da pesquisa. A maior parte
dos cursos tem os estágios sob a responsabilidade deste Departamento, ou seja, sempre
que isso acontece a formação do professor que orienta os estágios pode não
corresponder aquela do curso no qual atua, o que pode consubstanciar-se também em
um elemento limitador de orientação.
Outra questão formulada dizia respeito se as orientações dos estágios ocorriam
de forma individual e/ou compartilhada. A maioria dos professores, 7, teve e mantém a
orientação na forma compartilhada; 3, orientam individualmente; 2 já tiveram as duas
experiências (individual e compartilhada).
As atividades desenvolvidas nas orientações, resguardando-se algumas
diferenças, basicamente seguem o mesmo ritual, uma parte mais relacionada ao
planejamento das atividades de estágio que compreende, contatos com as instituições
campo, normalmente escolas, reuniões com os estagiários nas diversas etapas pelas
quais estes passam, contatos com gestores estaduais, municipais, das escolas e da
instituição do estagiário, organização dos aspectos burocráticos para inserção do
estagiário no campo (seguro e outros), discussões teóricas na/da área em que será
desenvolvido o estágio. Acompanhamento do estagiário nas atividades de campo,
orientação presencial em sala de aula, nas instituições campo de estágio, observação de
suas aulas, revisão dos seus planos de ensino, contatos com os professores titulares das
escolas, reuniões e/ou seminários coletivos. Acompanhamento do estagiário pós
atividades de campo e regência de classe, proposta de reflexão da experiência,
orientação para a elaboração dos relatórios finais, orientações de outra natureza,
reuniões com professores titulares e gestores.
Didática e Prática de Ensino: diálogos sobre a Escola, a Formação de Professores e a Sociedade
EdUECE - Livro 400279
Todo o processo descrito demanda condições específicas para que o
desenvolvimento do trabalho de orientação decorra com qualidade. Entretanto,
evidencia-se uma série de insatisfações dos estagiários, das escolas, dos gestores, dos
próprios orientadores, que demonstram, por vezes, a quase inviabilidade de realizar o
trabalho em questão. Tal situação fica ainda agravada se o estágio assumir o que
defende Silvestre ao dizer que,
O estágio curricular supervisionado pode ser caracterizado como umasituação em que o aluno está no exercício da profissão, em que pese o caráterpontual que ele assume, e portanto pode ajudar tanto o formador como oaprendiz a compreender como se desenvolve esse processo de negociação.Compreender de que maneira os alunos orientam esse processo pode fornecerelementos para compreendermos melhor, como formadores, quepossibilidades de reflexão crítica podem ser desencadeadas. (2011, p. 171-2).
Com relação ao número de alunos atendidos por disciplina, 7 orientadores
atenderam mais de 16 alunos; 2 ficaram entre 11 e 15 alunos; 2 entre 6 e 10 alunos e 1
até 5 alunos. Um professor não respondeu.
Outra questão formulada aos orientadores de estágio era qual a importância
atribuída aos estágios nos cursos nos quais já havia trabalhado. Seguem algumas falas
que sintetizaram o que foi dito: É uma disciplina que, num primeiro momento, não tem
sua relevância reconhecida pelo coletivo. A partir da postura e ações dos professores
ministrantes, a disciplina de estágio começa a ganhar maior relevância no curso;
Percebo que há um grupo de professores no curso que sabe da importância do estágio
na formação do professor, enquanto outros não têm nenhum conhecimento (e talvez nem
interesse) sobre o tema. (OE-6); Muito pouca e inadequada. caracteriza-se como uma
atividade prática, ao final do curso (últimos semestres). Seguem a lógica do primeiro
teorizar para depois aplicar. (OE-12).
Percebe-se que nem sempre os cursos de licenciatura valorizam as atividades
consideradas mais relacionadas à formação do professor, dentre elas, os estágios. Como
já foi demonstrado, existem cursos são mais “licenciaturas” que outros, primando por
um projeto mais coeso de formação de professores, ao passo que outros demonstram
quase uma “resistência” aos componentes desta ordem.
Ao serem questionados sobre qual seria o papel do estágio para os
orientadores, destacam-se as seguintes respostas: Possibilitar ao aluno a
experimentação da prática docente na área. Prática docente não apenas do conteúdo,
mas da experiência de atuar num espaço com características, regras, pessoas as quais
Didática e Prática de Ensino: diálogos sobre a Escola, a Formação de Professores e a Sociedade
EdUECE - Livro 400280
irão influenciar o tempo todo sua atuação. (OE-1).
O estágio é fundamental na formação do professor, pois é nesse momento queas alunas se deparam com a realidade do seu trabalho: a relação com a escola,com os pais e alunos, com outros professores, com os conhecimentos com osquais terão que trabalhar, com os processos de ensino e aprendizagem dosseus alunos, entre outros temas que surgem durante esse processo. (OE-6).
O papel dos estágios, na perspectiva dos orientadores, foi considerado como
muito importante e carregado de significados. Traz-se ainda a fala do orientador que diz
que este componente Pode ressignificar a formação. (OE-8). Mesmo sem pretender a
supervalorização dos estágios, mas garantindo a este componente curricular um espaço
nos cursos de formação de professores que ultrapassa o simples cumprimento de um
requisito obrigatório, defende-se tal como Lima e Aroeira que,
o estágio está para além de um requisito do projeto pedagógico do curso,destinado a pôr em prática as teorias recebidas; é um espaço privilegiado depráxis, um lugar de partida e de chegada para a nossa vida profissional. Porisso esse espaço é parte da nossa trajetória, de nossa vida e de nossaformação. (2011, p. 131).
Ou ainda como afirmam Pereira e Pereira (2012, p. 24),
O espaço do estágio deve possibilitar uma produção de conhecimento quenão se limite à simples transferência e 'aplicação' de teorias ou de conteúdos,mas que seja o eixo de articulação entre teoria e prática, entre os conteúdosdos cursos de formação de professores e o conhecimento da realidade da salaa de aula da escola básica.
O estágio se configura, portanto, em um componente que favorece a
ressignificação da escolha profissional, que contribui para a construção identitária do
futuro professor, que mobiliza saberes de diversos tipos e origens, além de ser um
importante momento para realizar a pesquisa acadêmica, bem como aquela como
princípio educativo, defendida por Demo (1996). Frente a isso, o estágio assume um
caráter de intervenção, não se limitando a um componente de aplicação.
A relação escola e instituições de educação superior no espaço/tempo dos estágios
obrigatórios
Um momento difícil em se tratando dos estágios obrigatórios está na relação
entre as instituições de educação superior e às escolas. Instituições distintas, com
justificativas históricas que garantem legitimidade social, diferenciando-se em suas
funções, mas resistindo como mobilizadoras no processo de socialização e
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EdUECE - Livro 400281
humanização. E, apesar de toda crítica que se possa tecer tanto às instituições de
educação superior, como à escola, ambas, resultam de grande importância no cenário da
educação brasileira.
No caso dos estágios, entretanto, as escolas não têm ocupado papel de destaque,
raramente galgando a mesma importância atribuída às instituições de educação superior,
no que concerne a formação do futuro professor. Concebidas, muitas vezes, como sendo
um mero “campo de estágio”, as escolas acabam ficando em segundo plano no processo
formativo destes alunos.
Com relação aos professores das escolas, muitas vezes, com uma atuação
descaracterizada frente ao processo formativo, ficam muito dependentes da iniciativa de
aproximação dos orientadores de estágios ou mesmo dos estagiários.
Uma pesquisa desenvolvida por Arruda (2014)9, demostrou que professores de
escolas básicas, orientadores de estágio, sentem-se desprestigiados por não terem a
valorização de seu papel frente a formação dos estagiários, havendo, segundo a autora,
“quase um ressentimento” diante deste fato.
De outra forma, parte-se do pressuposto que a relação entre as escolas campo de
estágio e as IES, no nosso caso específico, a Universidade, deve ser desconstruída para
ser (re)construída a partir de outro paradigma, pautado no compartilhamento de
decisões, respeito aos saberes profissionais que ambas constroem, reconhecendo as
particularidades que as constituem, mas não fazendo disso uma possibilidade de
classificação, de “ranking”, entre elas. Se assim entendidas, as escolas, assumem um
mesmo status na formação dos estagiários, se aproximando mais de uma relação
propriamente dita, onde escolas e IES trabalham umas com as outras e não uma apesar
da outra.
Mas, a escola parece aos estagiários e, diria, por vezes, também aos professores
das IES, uma caixa de pandora, envolta em incertezas, mistérios, em espaço-tempo a ser
construído, maneira bem diversa daquela que normalmente predomina nos cursos de
formação do futuro professor, já que “a escola”, em muitos destes cursos, é concebida
de forma idealizada e distante da sua dinâmica concreta.
9 O estudo trata do papel dos professores orientadores de estágio da educação básica, junto aosestagiários de educação física, no Município de Pelotas, RS.
Didática e Prática de Ensino: diálogos sobre a Escola, a Formação de Professores e a Sociedade
EdUECE - Livro 400282
Os estagiários entram nas escolas para realizar os estágios, na maioria das
vezes, com concepções fundadas muito mais nas suas vivências como alunos do que
naquelas de professores em formação. Acerca do momento da entrada do estagiário na
escola, Eldestein observa que,
La entrada en las instituciones educativas para la Residencia10 pone en juegomúltiples relaciones: vínculos entre instituciones, com historias y trayectoriasdiferentes; vínculos entre sujetos sociales cuya pertenencia los coloca enlugares que portan significados también diferentes. Ello implica el desarrollode propuestas en un espacio social, cuya conflictividad interroga laresponsabilidad de formadores respecto de los efectos de la experiencia tantoen instituciones como en sujetos involucrados (2003, p.83).
Tendo em vista minha experiência nos cursos de formação de professores,
percebo que as análises sobre a escola, ou melhor, sobre as escolas, durante a formação
inicial, são pontuais sem um nível de problematização que permita aos estagiários
compreender a complexidade da cultura escolar.
O que ficou...
Os estágios atendem às orientações legais em todos os seus aspectos. A grande
maioria dos cursos organiza seus estágios por disciplinas com atividades centradas na
observação, planejamento e regência de classe, tríade criticada por Pimenta (2001). Os
estágios, na maioria dos cursos, começam “a partir do início da segunda metade do
curso”, conforme Resolução CNE no 01/2002. Houve uma diferenciação entre os Cursos
no tocante à existência de um projeto mais integrado para a formação de professores, os
destaques foram para os Cursos de Pedagogia, Música, Biologia, Teatro, Química e
Matemática.
Foi possível perceber pelos PPs, algumas tensões recorrentes nos cursos de
licenciatura, como por exemplo, a centralidade nas disciplinas consideradas científicos
culturais específicas da área de formação do curso de origem. A partir desse fator fica o
questionamento: caso não houvesse uma diretriz legal para a carga horária das
disciplinas de caráter pedagógico, porque não dizer, científico-pedagógico, como estas
estariam distribuídas nos Cursos? Será que o aumento da carga horária destes
10 Residencia docente na Argentina, país de onde fala a autora, equivale ao nosso estágio obrigatório noBrasil.
Didática e Prática de Ensino: diálogos sobre a Escola, a Formação de Professores e a Sociedade
EdUECE - Livro 400283
componentes curriculares significou um aumento no comprometimento com a formação
de professores?
A denominação “Pré-estágio” e “Pós-estágio” apresenta problemas conceituais
acerca do estágio e daquilo que efetivamente é considerado como tal. O que é “pré” ou
“pós” estágio, consequentemente, não se caracterizaria como estágio, entretanto, esses
componentes são computados dentro das 400h previstas. A denominação “estágio”,
propriamente dita, é destinada para as atividades relativas à “regência de classe”. A
carga horária de estágio nos cursos atende a orientação da Resolução CNE n 02/2002.
Destaque para os Cursos de Educação Física com 493h, Letras com 476h e Pedagogia
com 470h. O aumento da carga horária de estágio não se mostrou significativo para
romper com o entendimento simplista de que este é o momento do “fazer” e que este
fazer reduz-se à escola.
Ficou claro não existir uma unidade de propostas/concepções acerca do estágio.
Inexiste também uma diretriz própria da Instituição, no sentido de centralizar alguns
encaminhamentos considerados mais burocráticos. Este elemento foi destacado, por
alguns orientadores de estágios, como ilustra a fala a seguir: Como orientadora,
gostaria que tivéssemos mais infraestrutura para atender mais nossos alunos e as
escolas parceiras neste grande trabalho. (OE-5)
Os orientadores destacaram como principais dificuldades enfrentadas nas
orientações de estágio, o que segue: turmas muito grandes, difícil acesso nas visitas aos
estagiários, falta de tempo efetivo para orientação, grande número de estagiários por
orientador, falta de instituição campo para atender a demanda, parceria e diálogo
insuficientes com as escolas básicas, Os convênios entre universidade e escola básica; a
distância entre esta duas instituições como campos distintos e não complementares. A
valorização deste momento de formação profissional […] (OE-5), Dificuldade de tempo
para estar mais presente na escola. (OE-9).
Tendo em vista o desenvolvimento da pesquisa, observa-se que os cursos de
formação de professores, buscam se organizar no sentido de atender às exigências
legais, apesar de grande parte do trabalho realizado nos estágios, demonstrar
investimento muito individual dos professores que assumem tal disciplina ou área, o que
pode descaracterizar a proposta de um projeto mais coletivo de formação de professores
nos cursos. Entende-se ser urgente que as atividades relativas aos estágios não sejam
Didática e Prática de Ensino: diálogos sobre a Escola, a Formação de Professores e a Sociedade
EdUECE - Livro 400284
aquelas, muitas vezes, consideradas de menor valor no curso, ou mesmo, nas
instituições. Os estágios que se consubstanciam por dimensões teóricas e práticas, não
se reduzem ao fazer, tampouco, ao “colocar em prática o que foi aprendido nas
disciplinas” que o antecederam.
A relação entre universidade e escola campo de estágio mostrou-se limitada
tanto na frequência, como forma que ocorre. Existe uma compreensão bastante reduzida
acerca do papel desta instituição na formação dos futuros professores.
Os estágios se constituem como componente curricular obrigatório nas
licenciaturas e formar professores é uma responsabilidade social, política, moral e ética.
É uma atividade eminentemente dialética e complexa que prescinde saber lidar com a
insegurança, com as certezas, com os saberes e os não saberes, mas é acima de tudo,
olhar para o outro de maneira afirmativa e construtiva.
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Didática e Prática de Ensino: diálogos sobre a Escola, a Formação de Professores e a Sociedade
EdUECE - Livro 400287
DIDÁTICA, CURRÍCULO E ESTÁGIO: INTERRELACIONANDO SENTIDOS
DO APRENDER E DO ENSINAR
Noeli Prestes Padilha Rivas
Universidade de São Paulo/FFCLRP, Brasil
Simpósio - Cotidiano escolar, estágio e os desafios da escola básica: sentidos do
aprender e do ensinar
Introdução
O texto focaliza a formação do professor para a Educação Básica, a partir da
multidimensionalidade da atividade docente onde a didática, o currículo e o estágio,
consubstanciados no Curso de Pedagogia, constituem-se elementos fundantes. Discute o
campo da didática e do currículo na confluência das práticas pedagógicas e do estágio,
muito embora tenham identidades próprias, possuem fundamentações comuns no
âmbito geral da educação, em função das relações entre conhecimento e o contexto
social mais amplo. Aborda o estágio como campo de conhecimento e de pesquisa no
contexto do Curso de Pedagogia de uma Universidade pública. Por fim, analisa os
desafios da escola básica interrelacionado, a partir das mediações da ação pedagógica os
sentidos do aprender e do ensinar. Assim, a educação é analisada na perspectiva da
formação inicial de professores, notadamente no Curso de Licenciatura em Pedagogia,
tendo em vista a relevância da temática, sobretudo no que diz respeito à elevação do
nível superior da formação do professor para a Educação Básica, mesmo considerando
que essas questões já estavam postas pelos educadores escolanovistas na década de
1930.
Há, de fato, uma tradição na história da formação de professores no Brasil
segundo a qual pedagogo é alguém que ensina algo. Essa tradição teria se firmado no
início da década de 1930, com a influência tácita dos chamados “pioneiros da educação
nova”, assumindo o entendimento de que o curso de Pedagogia seria um curso de
formação de professores para as séries iniciais da escolarização obrigatória. Entretanto,
esse status não contribuiu para a valorização da formação do professor tendo em vista
que os cursos de Licenciatura, entre os quais o curso de Pedagogia, ocupam o menor
espaço na hierarquia científica da Universidade, o que tem comprometido sua
Didática e Prática de Ensino: diálogos sobre a Escola, a Formação de Professores e a Sociedade
EdUECE - Livro 400288
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identidade cultural e política. O que se constata é um quadro de precariedade que
abrange a profissionalização docente e suas dimensões, como formação inicial e
continuada, condições de trabalho, carreira, qualidade de ensino e políticas curriculares.
Por outro lado, os estudos e pesquisas sobre formação de professores,
considerando-se seus saberes, identidade docente e estágio como campo de
conhecimento, atividade científica e eixo curricular central (PIMENTA; LIMA, 2008,
p.61), vêm suscitando significativo debate no meio universitário. Considerar o estágio
como campo de conhecimento implica aferir-lhe um estatuto epistemológico que rompa
com sua tradicional concepção de atividade prática instrumental assentada em modelos
que foram produzidos pela cultura escolar dominante e que reduziram a atividade
docente a um fazer artesanal. Porém, essa compreensão deve ser analisada no âmbito
das contradições que permeiam a lógica dominante do capital, pois a vida escolar se
constitui também como campo de contestação e resistência. Nesse sentido, os processos
de reprodução e autoprodução (GIROUX, 1998; PÉREZ-GÓMEZ, 2001) afetam os
estudantes estagiários, seja pelos limites da pedagogia da reprodução, seja pelo
movimento de superação dessas práticas e relações. Conceber o estágio como atividade
científica pressupõe potencializá-lo como espaço de pesquisa, como método de
formação de futuros professores no sentido de analisar, refletir e ampliar a compreensão
das situações vivenciadas e observadas pelos estudantes estagiários de Pedagogia nas
escolas, nos sistemas de ensino e demais espaços educativos. Reconhecê-lo como
campo de pesquisa significa desenvolver um processo formativo integrado em que os
atores (estudante estagiário, professores formadores e professores da educação básica)
tenham possibilidade de buscar conhecimentos que permitam a análise de questões
educativas e da profissão docente em contextos históricos, sociais, culturais,
organizacionais e de si mesmos como profissionais (PIMENTA; LIMA, 2008).
Tendo em vista as considerações iniciais, organiza-se o texto da seguinte forma:
no primeiro momento situa-se o curso de Pedagogia no âmbito dos cursos de
Licenciatura, do qual emergem questões que tratam da didática (reflexão sobre a
multimensionalidade do ensino) e do currículo (produção social e cultural. Em seguida,
efetuam-se análises e reflexões a respeito do campo epistemológico do estágio e sua
contribuição para a formação inicial do pedagogo. Por fim, problematizam-se questões a
respeito dos desafios da escola básica em direção aos sentidos do parender e do ensinar.
Didática e Prática de Ensino: diálogos sobre a Escola, a Formação de Professores e a Sociedade
EdUECE - Livro 400289
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Situando o Curso de Pedagogia como lócus formativo na confluência da Didática e
do Currículo
A formação inicial do professor que atua na Educação Básica ocorre nos Cursos
de Licenciatura, especificamente o Curso de Pedagogia. Ressaltar este curso se justifica
no contexto da formação dos professores no Brasil, sobretudo, para a Educação Infantil
e Anos Iniciais do Ensino Fundamental, visando a formulação de propostas formativas
que levem à melhoria da condição educacional da maioria das crianças, jovens e adultos
que se encontram nas escolas públicas de educação básica. Tem como referência, a
pesquisa intitulada “A formação de professores para a Educação Infantil e para os anos
iniciais do Ensino Fundamental: análise do currículo dos cursos de Pedagogia de
instituições públicas e privadas do Estado de São Paulo”, coordenada pela Profa. Dra.
Selma Garrido Pimenta e Prof. Dr. José Cerchi Fusari. A pesquisa foi realizada entre os
anos de 2012 e 2013 por pesquisadores vinculados a diferentes instituições de ensino do
país, integrantes do Grupo de Estudos e Pesquisas sobre a Formação de Educador
(GEPEFE/FE-USP), [1] junto ao Programa de Pós Graduação em Educação da
Faculdade de Educação da USP, e contou com apoio do CNPq.[2] A pesquisa teve
como questão central a formação inicial de professores para atuar na Educação Infantil e
nos Anos Iniciais do Ensino Fundamental, com o objetivo de analisar os currículos dos
cursos de Pedagogia oferecidos por instituições públicas e privadas do Estado de São
Paulo, visando identificar como esses estão sendo organizados e qual o tratamento dado
aos conhecimentos relacionados à formação do professor para atuar na Educação
Infantil e nos Anos Iniciais do Ensino Fundamental. Partiu de resultados de pesquisas
que indicam fragilidades dos cursos de licenciatura em Pedagogia, organizados em
função das Diretrizes Curriculares Nacionais (DCNs), instituídas pela Resolução
CNE/CP nº 1/2006 (BRASIL, 2006). O Estado de São Paulo contava, em 2012, época
da coleta de dados, com 253 cursos de Pedagogia em atividade [3], identificados no
sistema e-MEC. Porém, na página das instituições, uma parte delas não havia
disponibilizado suas matrizes curriculares. A tentativa de contato por e-mail resultou em
pouco retorno. Assim, trabalhamos com um universo de 144 matrizes curriculares de
cursos de Pedagogia oferecidos por instituições públicas e privadas do Estado de São
Paulo. Dessas, 137 disponibilizaram a relação de disciplinas e as respectivas cargas
horárias; as outras 07 disponibilizaram somente a relação das disciplinas. Para análise
das matrizes curriculares, foi elaborado um instrumento de coleta de dados constituído
de duas partes, uma com os dados gerais da instituição e do curso, e a outra com as
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categorias que foram elaboradas para análise das matrizes curriculares. A referência
sobre esta pesquisa equaciona trazer para o cerne da questão a formação do pedagogo e
sua relação com os saberes didáticos, curriculares e práticas de estágio.
Quando nos referimos à educação básica no Brasil, nos deparamos com um
cipoal de legislações e Programas Institucionais de Formação que visam romper (muitas
vezes no plano do ideário legalista e de ideias) com o estado crítico dos Cursos de
Licenciatura, inclusive com o velho jargão que “teoria é na universidade” e prática “é na
escola”. Esse pensamento advém do enfoque acadêmico que se sustenta na
racionalidade técnica, ou seja, de uma epistemologia derivada do positivismo. Supõe
que os problemas da prática são meramente instrumentais, que se resolvem a partir da
aplicação da teoria sistemática, pois esta racionalidade considera a prática como campo
de aplicação de fórmulas e técnicas concebidas como universais e verdadeiras, na
medida em que se sustentam em conhecimentos rigorosos e sistemáticos de base
científica. Saviani (2009) assinala que no Brasil convivem dois modelos formativos: a)
modelo dos conteúdos culturais-cognitivos: a formação do professor se esgota na
cultura geral e no domínio específico dos conteúdos da área de conhecimento,
correspondente à disciplina que irá lecionar.b) Modelo didático-pedagógico: a formação
se efetiva por meio do prepraro pedagógico. Estes modelos, segundo o autor, resultam
da dissociação de aspectos indissociáveis do ato docente, cuja saída deste dilema
implica na “recuperação da referida indissociabilidade, considerando o ato docente
como fenômeno concreto” (p.152), isto é, tal como se efetiva no interior das escolas de
educação básica. Além disso, Saviani (2009) propõe a reorganização dos currículos de
Pedagogia, considerando-se a produção científica no âmbito da pesquisa. Afirma o
autor:
“Penso que chegou o momento de organizar grupos de ensino nasdiferentes disciplinas do currículo escolar do curso que aglutinemdocentes em torno de projetos de ensino que configurem novosprojetos formativos” (SAVIANI, 2009, p.153).
A Pedagogia diz respeito a uma reflexão sistemática sobre o fenômeno
educativo, sobre as práticas educativas, para poder ser uma instância orientadora do
trabalho educativo. Ou seja, ela não se refere apenas às práticas escolares, mas a um
conjunto de outras práticas educacionais que permeiam a sociedade. Se a Pedagogia tem
um objeto dialético na sua essência não há possibilidades de se pensar em uma
formação para professores, sendo ela inicial ou continuada e outra para o pedagogo
(PIMENTA, 1996). A análise e a intervenção educativo-social devem ser o eixo que
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sustenta ambos os profissionais. Não há meios de se pensar em um professor que não
faça pesquisa, que não tenha contato com o conhecimento científico, que seja somente
um executor da prática educativa. Assim, o referencial teórico utilizado neste artigo
baseia-se, sobretudo, nos estudos de Franco, Libâneo e Pimenta (2007), Franco (2008),
Franco e Pimenta (2010), Libâneo (2010 a,b; 2012), Libâneo e Alves (2012), Pimenta
(2002; 2010), Saviani (2008), dentre outros.
Se Pedagogia pode ter um status de cientificidade, ela seria uma ciência da
educação especificamente ou faria parte de um rol de ciências da educação?
Antecipando essa discussão, Franco (2008) esclarece o porquê a Pedagogia é a ciência
específica ao se tratar da prática educativa. Para Saviani (2008) a prática educativa
refere-se à educação, do qual deriva determinada concepção de homem, de sociedade e
de escola. Os objetivos, os conteúdos do ensino (currículo) e o trabalho docente estão
determinados por fins e exigências sociais, políticas e ideológicas. Por conseguinte, a
prática educativa que ocorre em várias instâncias da sociedade - assim como os
acontecimentos cotidianos da vida, os fatos políticos, econômicos e culturais etc. – é
determinada por valores, normas e particularidades da estrutura e organização social a
que está subordinada. A estrutura social e as formas pelas quais a sociedade se organiza
são uma decorrência do fato de que, desde o início da sua existência, os homens vivem
em grupos; sua vida está na dependência da vida de outros membros do grupo social, ou
seja, a história humana, a história da sua vida e a história da sociedade se constituem e
se desenvolvem na dinâmica das relações sociais. A prática pedagógica incorpora o
movimento real da educação, ou seja, o modo de atuar no ato educativo,
consubstanciado pelas teorias pedagógicas que sustentam e embasam a ação docente.
“O professor como sujeito que não reproduz apenas o conhecimento pode fazer do seu
próprio trabalho de sala de aula um espaço de práxis docente e de transformação
humana”(p.80), pois é na ação refletida e no redimensionamento de sua prática que o
mesmo pode ser agente de mudanças ou ter papel significativo no seu contexto de
atuação. Por essa razão, acredita-se que a docência, consubstanciada na prática
pedagógica é, em essência, o trabalho, seus aportes teórico-metodológicos na produção
e disseminação do conhecimento, bem como aspectos orientadores e determinantes na
produção da profissionalidade.
Saviani (2008) ainda ressalta que as ciências da educação possuem um objeto
determinado, que não é propriamente a educação. Elas perpassam o objeto específico da
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Pedagogia (o fenômeno educativo), recortando elementos que as interessam. Por isso, as
ciências da educação podem direcionar seus estudos para as temáticas educativas, mas
não são elas que as compreendem na sua totalidade. Assim, conforme o autor, o ponto
de chegada e partida da ciência da educação é o fazer educativo, sendo somente um
ponto de passagem quando se trata das ciências da educação, como a sociologia da
educação, a psicologia da educação, a economia da educação, ou seja, para o primeiro
caso, “em vez de se considerar a educação a partir de critérios sociológicos,
psicológicos, econômicos, etc., são as contribuições das diferentes áreas que serão
avaliadas a partir da problemática educacional” (SAVIANI, 2008, p.140).
Corroborando nesta direção Franco, Libâneo e Pimenta (2007, p.69) reafirmam
que "sem a pedagogia, permeando e dando sentido à prática docente, a ação docente
transforma-se em mero modo de fazer uma tarefa", perdendo-se, com isso, toda a
magnitude que a Pedagogia promove como ação transformadora e aperfeiçoadora da
prática. A atividade docente (educativa) não pode estar desligada da atividade
pedagógica, correndo-se o risco de se cair em um vazio epistemológico, no qual a
prática se justifica pela reprodução desta prática, repetindo os erros e distorções do que
é a atividade do pedagogo. Prima-se pela defesa da Pedagogia como ciência da
educação, cujo objeto a que se destina é único: a prática pedagógica. Isso não veta a
abordagem das outras ciências no âmbito educativo, mas não lhes dá o direito de
tomarem para si o objeto específico da Pedagogia. Assim, é importante que os
pedagogos continuem a defender a especificidade da Pedagogia, já que é um campo de
conhecimento que muitas vezes foi considerado desnecessário (FRANCO E PIMENTA,
2010; PIMENTA e ALMEIDA, 2009; FRANCO et al, 2007).
No que diz respeito à concepção de formação docente, acrescenta-se a existência
de uma tensão e apreensão nas escolas, não apenas em relação às condições de trabalho
e carreira que pouco melhoraram, mas também em relação aos estudantes. Arroyo
(2004, p.10) destaca que ao “longo da história sempre que os educadores mudaram, a
pedagogia e a docência foram tensionadas. (...). Nunca sentimos tanto que as imagens
do magistério e da pedagogia são inseparáveis da realidade da infância, adolescência e
juventude com que convivemos”. Portanto, a imagem que tínhamos sobre o magistério e
o imaginário que representávamos para esta população está condenada a desaparecer, o
que o autor denomina de imagens quebradas, pois o lócus principal da revolução
comunicacional está distante da escola, o que a coloca em visível desvantagem no
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espaço cultural. A lógica capitalista de organização da sociedade exige, com maior
ênfase, que a escola prepare o aluno para o trabalho e torne o conhecimento científico
aplicável às necessidades do mercado. Essa concepção representa um ponto de tensão,
tendo em vista que a instituição escolar não pode ser concebida nessa estreiteza, mas
como espaço de direitos, de formação e de cidadania.
Davini (2010) também contribui para a explicitação do tema na medida em que
aponta algumas tensões que perpassam a formação docente, inclusive são visíveis nos
Cursos de Pedagogia. São eles: Entre as teorias e a prática; O objetivo e o subjetivo;
Entre o pensamento e a ação; O indivíduo e o grupo; A reflexão e a boa receita; Os
docentes e os estudantes são adultos e trabalhadores. Aponta para busca de formação
que inclui a atualização permanente, a análise do contexto social da escolarização e dos
compromissos que subjazem o currículo formativo e a reflexão acerca da prática no
contexto específico e no desenvolvimento de alternativas para a ação na escola e na sala
de aula. (DAVINI, 2010).
Perante essas tensões relacionadas ao campo do currículo do Curso de
Pedagogia, o estágio “Didática e Práticas Pedagógicas: Planejamento e Currículo”
desenvolvido na disciplina Didática II tem merecido atenção especial como espaço
privilegiado de formação na medida em que possibilita um processo de reflexão com os
estudantes acerca do currículo e práticas pedagógicas desenvolvidas na escola. O
currículo não pode ser tomado como uma mera reprodução de decisões e modelações
implícitas determinadas por realidades fixas, mas deve ser entendido como prática
pedagógica em uma perspectiva crítica e histórica. Os níveis nos quais se decide e
configura o currículo não guardam dependências estritas entre si, mas são instâncias que
atuam convergentemente na definição da prática pedagógica com poder distinto e por
meio de mecanismos peculiares. Os estudantes ao se defrontarem com modelos de
currículo prescrito e currículo modelado pelos professores (GIMENO SACRISTÁN,
1998) têm a oportunidade de analisar as relações, conexões e espaços de autonomia do
professor (ou não) uma vez que desenvolvem as atividades propostas no referido
estágio.
O campo do currículo não é somente um corpo de conhecimentos, mas uma
dispersa e ao mesmo tempo encadeada organização social (SCHUBERT, 1986, p.3 apud
GIMENO SACRISTÁN, 1998, p.101). O currículo é um objeto que se constrói no
processo de configuração, implantação, concretização e expressão de determinadas
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práticas pedagógicas e em sua própria avaliação, como resultado de diversas
intervenções que nela se operam. O “conceito de currículo adota significados diversos,
porque além de ser suscetível a enfoques paradigmáticos diferentes é utilizado para
processos ou fases distintas do desenvolvimento curricular” (GIMENO SACRISTÁN,
1998, p.103). O currículo prescrito, segundo o autor, prescreve certos mínimos e
orientações curriculares e tem uma importância decisiva, não para compreender o
estabelecimento de formas de exercer a hegemonia cultural de um Estado organizado
política e administrativamente em determinado momento, mas sim enquanto meio de
conhecer, e desde uma perspectiva pedagógica, o que ocorre na realidade escolar, à
medida que, neste nível de determinações, se tomam decisões e se operam mecanismos
que têm consequências em outros níveis de desenvolvimento do currículo. “A política
curricular é um aspecto específico da política educativa, que estabelece a forma de
selecionar, ordenar e mudar o currículo dentro do sistema educativo” (idem, p.109),
tornando claro o poder e a autonomia que diferentes agentes têm sobre ele, intervindo,
dessa forma, na distribuição do conhecimento dentro do sistema escolar e incidindo na
prática educativa, pois, enquanto apresenta o currículo a seus consumidores, ordena seus
conteúdos e códigos de diferentes tipos.
A política é um primeiro condicionante direto do currículo, enquanto o regula,
indiretamente, por meio de sua ação sobre outros agentes moldadores. A política
curricular estabelece ou condiciona a incidência de cada um dos subsistemas que
intervém num determinado momento histórico (PACHECO, 2011). O currículo
prescrito para o sistema educativo e para os professores é a sua própria definição, a de
seus conteúdos e demais orientações relativas aos códigos que o organizam e obedecem
às determinações procedentes do fato de ser um objeto regulado por instâncias políticas
e administrativas. Ele contempla: formas, estrutura de decisões, controle e vigilância,
mecanismos de controle explícitos ou ocultos e políticas de inovação. (ARROYO, 2011;
APPLE; BURAS, 2008; MOREIRA, 2007).
As funções do currículo prescrito de acordo com Gimeno Sacristán (1998) estão
estabelecidas em diversos níveis das instâncias político-administrativas e compreendem:
a cultura comum (diretrizes curriculares, core curriculum); normalização cultural
(mínimo marca uma norma de qualidade de conhecimentos e aprendizagens básicas
para todo o sistema); conteúdos, códigos e meios por meio dos quais se configura na
prática escolar (política contraditória na prescrição de mínimos, orientação do processo
Didática e Prática de Ensino: diálogos sobre a Escola, a Formação de Professores e a Sociedade
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de ensino e aprendizagem pedagógica); via de controle sobre a prática de ensino
(mediatização da cultura nas instituições educativas pressupõe um projeto de
desenvolvimento humano em suas vertentes intelectuais, afetivas, sociais e morais);
controle da qualidade do sistema educativo (regulação administrativa que ordena como
deve ser a prática escolar, ainda sob a forma de sugestões - condições de ensino-,
inspeção e avaliação externa - produtos da aprendizagem). O Projeto Político-
Pedagógico da escola, campo de estágio, representa o currículo prescrito. Nesse sentido
é fundamental que os estagiários do curso de Pedagogia ao tomarem contato com este
documento, analisem-no a partir de sua complexidade, permeado por decisões ou
subordinação de conteúdos que sofrem influências de instâncias de decisão política e
administrativa e de relações de poder que perpassam a construção e a socialização do
conhecimento.
Outro modelo enunciado por Gimeno Sacristán (1998) diz respeito ao Currículo
modelado aos professores (p.165), o qual pode ser interpretado como entrecruzamento
de diversas práticas na ação docente. Isso significa que todos os envolvidos no processo
curricular são sujeitos, seja o professor indivíduo, seja a coletividade profissional. Se o
currículo expressa o plano de socialização por meio das práticas escolares impostas de
fora, essa capacidade de modelação que os professores têm é um contrapeso possível se
for exercida adequadamente e estimulada como mecanismo contra-hegemônico.
Qualquer estratégia de inovação ou de melhora da qualidade da prática de ensino deverá
considerar esse poder modelador e transformador dos professores, que de fato o
exercem num sentido ou noutro, para enriquecer ou empobrecer as propostas originais.
A mediação não é realizada intervindo apenas diretamente sobre o currículo, mas
também por meio das pautas de controle dos alunos nas aulas, porque, com isso,
mediatizam o tipo de relação que os alunos podem ter com os conteúdos curriculares. O
professor não decide sua ação no vazio, mas no contexto do local de trabalho, em
instituição que tem suas normas de funcionamento abalizadas às vezes pela
administração, pela política curricular, por órgãos de governo de uma escola ou pela
simples tradição que se aceita sem discutir. (PIMENTA, 2010; LIBÂNEO; ALVES,
2012).
A perspectiva dos estudantes estagiários do curso de Pedagogia em conhecer o
currículo moldado aos professores na escola consubstancia-se no acompanhamento das
aulas por meio das observações, na análise dos planejamentos e atividades
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organizadoras do ensino que os professores planejam e trabalham no cotidiano escolar.
Parte-se do pressuposto que o processo de construção do currículo da escola básica
compreende disputas, dualismos e dicotomias, cujos códigos explícitos e ocultos vão
definindo etapas, elementos constitutivos, relações de poder e formas internas e externas
de regulação existentes. Como fazer frente aos novos desafios trazidos pelas mudanças
sociais, ao processo de formação dos professores, considerando-se que a atuação dos
mesmos precisa resultar da convergência e articulação entre as dimensões científica,
investigativa e pedagógica? Como o professor do Ensino Fundamental se apropria do
currículo? Há dificuldades na relação entre o instituído e o instituinte no âmbito da
cultura e o espaço escolar, os quais delimitam os percursos dos sujeitos com diferentes
expectativas e necessidades? Evidencia-se, neste processo, a centralidade que as
reformas curriculares assumem nas politicas educacionais atuais no Brasil decorrendo a
criação e reformulação de propostas em áreas interdisciplinares, temas transversais,
áreas de projetos, currículos por competências currículo, etc. Como os estudantes de
pedagogia ressignificam esta realidade?
O papel da escola pública e a concepção de professor também permeiam a
proposta de estágio. Concordamos com Saviani (2008) quando ressalta que cabe à
escola atuar no sentido de construção da cidadania ampliando o universo cultural e
científico de crianças, jovens e adultos, “pois a educação pertencendo ao âmbito do
trabalho não material tem a ver com ideias, conceitos, valores, símbolos, hábitos e
habilidades” (p.141). Sobre a função da escola na sociedade contemporânea, Nóvoa
(2009) alerta para o risco do transbordamento de suas funções e reforça sua
preocupação central e seu maior compromisso com a aprendizagem das crianças e
jovens.
Ao remeter a análise deste estudo para o currículo de formação inicial de
professores, notadamente no curso de Pedagogia, optamos por recortes, ou seja, pelos
traços espaço-temporais que cruzam a formação docente e se entrecruzam com políticas
públicas e curriculares, formando um mapa de políticas formativas da instituição.
Assim, não somente as normas legais subjetivam os licenciandos, mas estes ligam-se e
são influenciados por valores morais, discursos pedagógicos, concepções e teorias de
educação, comportamentos midiáticos e mercadológicos. Nesse contexto, emerge a
construção da identidade do professor, um constructo permeado por determinações
sociais, culturais, políticas, pedagógicas, históricas e econômicas. Ou seja, “a identidade
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é um processo de construção do sujeito historicamente situado” (PIMENTA, 2010,
p.50).
A docência deve ser pensada como trabalho interativo e seu objeto humano
implica no trabalho material, no trabalho cognitivo, no trabalho sobre e com o outro.
Por conseguinte, ser professor ultrapassa o domínio de conteúdo, incorporando
características que só podem ser alcançadas mediante uma reflexão e atuação
intencional da atividade pedagógica. Essa complexidade advém do fato de envolver
condições singulares para seu exercício e de exigir multiplicidade de saberes,
competências e atitudes que precisam ser apropriadas e compreendidas em suas
relações. O desafio que se coloca pressupõe a superação do pensamento de que o
conhecimento válido é apenas o que passou pelo crivo do método científico,
supervalorizado pela modernidade, no qual a teoria se estabeleceu como referente da
prática. A docência é entendida como um processo contínuo de construção da
identidade docente, tendo por base os saberes da experiência (construídos no exercício
da prática profissional e na vivência enquanto estudante), os saberes da formação, ou
seja, das áreas do conhecimento e os saberes pedagógicos, que delineiam a formação
docente. A identidade é epistemológica e profissional. É epistemológica quando
reconhece a docência como um campo de conhecimentos específicos configurados em
quatro grandes eixos, a saber: a) conteúdos das diversas áreas do ensino e do saber; b)
conteúdos didático-pedagógicos, vinculados ao campo da prática profissional; c)
conteúdos relacionados aos saberes pedagógicos; d) conteúdos ligados à explicitação do
sentido da existência humana individual, com sensibilidade pessoal e social. É
profissional quando toma a docência como um campo específico de intervenção
profissional na prática social. (PIMENTA, 2010). Portanto, as questões pertinentes à
identidade docente também são abordadas no estágio por constituírem-se inerentes à
formação profissional.
Outro eixo fundante neste estudo diz respeito à Didática como reconfiguradora
da formação do Pedagogo. O sentido da Didática no âmbito da formação de professores,
enquanto campo epistemológico, disciplinar e de práticas pedagógicas, tem sido
debatido e problematizado por pesquisadores da área os quais têm procurado
ressignificá-la em meio às contradições impostas pelo atual contexto socioeconômico,
histórico e político, bem como pelo questionamento do papel do ensino, da
aprendizagem, da escola e dos professores. Desde seu início ela surge no contexto das
Didática e Prática de Ensino: diálogos sobre a Escola, a Formação de Professores e a Sociedade
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contradições da sociedade. Por exemplo, no século XVII ela tentou responder aos
desafios da reforma protestante e da proposta de universalização do saber buscando
romper com a hegemonia da educação católica medieval; no século XX, década de
1980, reflete o cenário constituído pelos movimentos sociais dos trabalhadores no
período pós-ditadura e movimentos sociais de reorganização da sociedade civil
brasileira. Dentre outras questões, tais movimentos colocaram em questionamento as
escolas, os currículos e as práticas pedagógicas e impulsionaram a organização dos
professores em sindicato, surgimento das greves e ampliação dos cursos de formação de
professores (FUSARI; FRANCO, 2010). Nesse contexto, a Didática assumiu as
questões pedagógicas como base de sua produção e situou as questões políticas como
determinantes das pedagógicas. Diante desse cenário entendeu-se que
[...] a Didática deveria propiciar a análise crítica da realidade doensino por parte dos professores em formação, inicial ou continuada,buscando compreender e transformar essa realidade, de formaarticulada a um projeto político de educação transformadora(FRANCO, 2010, p. 89).
Na atualidade, a Didática assume o ensino (indissociável da aprendizagem)
como seu principal objeto de análise e investigação (PIMENTA, 2010), o que demanda
certa delimitação de seu campo específico, qual seja, as relações entre a aprendizagem e
o ensino (LIBÂNEO, 2010b). Complementando essas dimensões e com vistas no século
XXI, a Didática é chamada a responder aos desafios da escola contemporânea,
sobretudo a pública. Para tanto, enquanto disciplina dos cursos de formação de
professores, cabe a ela oferecer os subsídios para os sujeitos envolvidos com a tarefa de
ensinar/formar os recursos teórico-práticos que poderão abrir novos caminhos na busca
de condições mais dignas para o trabalho docente e para a aprendizagem dos alunos
(FRANCO, 2010).
Parte-se do pressuposto de que a Didática é uma área de conhecimento que tem
o ensino como seu principal objeto de investigação, portanto, estabelece estreita relação
com as questões relacionadas ao processo ensino-aprendizagem. O ensino é entendido
como prática social, historicamente situada, concreta, complexa e multideterminada
(PIMENTA, 2010) que não pode ser referenciado dissociado da aprendizagem. Assim
considerado, cabe indagar: Qual o espaço da Didática hoje nos cursos de Pedagogia? No
nosso entender, a Didática nos cursos de Pedagogia pode oferecer os recursos teórico-
práticos necessários à reflexão sobre o ensino visando compreendê-lo em todas as suas
Didática e Prática de Ensino: diálogos sobre a Escola, a Formação de Professores e a Sociedade
EdUECE - Livro 400299
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determinações. A Didática ocupa, portanto, lugar próprio na formação de professores,
promovendo os conhecimentos e as práticas para o papel de mediação pedagógica no
processo de ensino e aprendizagem (LIBÂNEO; ALVES, 2012, p. 28) com vistas a
contribuir com a melhoria da escola pública, com foco nas questões de aprendizagem e
desenvolvimento de processos cognitivos. Assim considerado, a Didática, nos cursos de
licenciatura incluindo a Pedagogia, deve ter por princípio formar professores para o
ensino caracterizado como
[...] um sistema de condições de ação docente que ajude os alunos adesenvolverem suas capacidades intelectuais por meio dos conteúdos,de modo a internalizarem procedimentos mentais para relacionar oconhecimento com seu objeto, contribuindo desse modo para seudesenvolvimento mental e, de modo geral, para a formação dapersonalidade (LIBÂNEO, 2012, p. 58).
As questões colocadas mostram que a Didática, nas dimensões epistemológica,
disciplinar e de práticas pedagógicas, está profundamente comprometida com a relação
entre os processos de ensino e de aprendizagem. A seguir, analisa-se o estágio
desenvolvido na disciplina de Didática II do curso de Pedagogia, o qual encontra-se
ancorado nos princípios fundamentais: trabalho coletivo e democrático, valorização da
escola pública e atividade científica como eixo formativo.
O Estágio na Disciplina Didática: contextos e dilemas
O Curso de Pedagogia, do Departamento de Educação, Informação e
Comunicação, Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto da
Universidade de São Paulo contempla 400 horas de estágio curricular. Essa carga
horária atende o que preconiza a pertinente legislação, bem como o Programa de
Formação de Professores da USP (PFPUSP). Os estágios no Curso de Pedagogia em
tela ocupam papel relevante no processo formativo, sendo ofertados e organizados ao
longo dele em formatos diferenciados que visam se adequar da melhor forma às áreas de
intervenção do futuro profissional. Procura-se, ainda, ordenar no Projeto Pedagógico os
componentes curriculares de tal forma que o percurso formativo seja favorecedor de
articulações, quer entre teoria e prática, quer entre as diferentes disciplinas. A
integração entre a teoria e a prática é exigência do processo de formação do pedagogo,
decorrendo desse modo a necessidade de que o currículo envolva um contínuo e
permanente processo de prática de ensino, entendida esta como mediação de ensino e de
aprendizagem no âmago do qual o fazer concreto, orientado pelo saber teórico, possa
Didática e Prática de Ensino: diálogos sobre a Escola, a Formação de Professores e a Sociedade
EdUECE - Livro 400300
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integrar e consolidar a formação do profissional. O estágio associado à disciplina
Didática II (4º semestre ideal) denominado Didática e Práticas Pedagógicas:
Planejamento e Currículo contempla uma carga horária de 30 horas, objetivando que os
estudantes se aproximem da realidade vivenciada em sala de aula de Ensino
Fundamental I. Predominantemente de caráter investigativo, o estágio propicia os
primeiros contatos e reflexões acerca da prática docente, no qual a atividade de
aprendizagem da docência e a relação teoria e prática são elementos indissociáveis na
constituição dos saberes e da identidade do professor. Nesse sentido, o estágio é
percebido pelo conceito de práxis, como atividade que compreende e transforma a
realidade (PIMENTA e LIMA, 2008). Na perspectiva das autoras, o estágio curricular é
entendido como exercício teórico de conhecimento, fundamentação, diálogo e
intervenção na realidade, que valoriza a prática profissional como momento de
construção de conhecimento por meio de reflexão, análise e problematização dessa
prática e como espaço privilegiado da construção da identidade de professor.O estágio
na disciplina de Didática II não é considerado somente um dos elementos do currículo
do curso de Pedagogia, mas integra o corpo de conhecimentos deste curso ao se
desenvolver num formato que assume atitude investigativa, e que compreende a
reflexão e a intervenção na vida da escola, dos professores, dos alunos e da sociedade,
possibilitando os estudantes compreender os contextos históricos, sociais, culturais,
organizacionais nos quais ocorre a atividade docente (LIMA e AROEIRA, 2011).
Assim como os demais estágios do Curso, este está organizado a partir dos princípios: o
de trabalho coletivo e democrático, da valorização da escola pública e da atividade
científica como eixo formativo. Quem é o professor da Educação Básica?
A escolha de ter como campo de estágio somente escolas públicas ancora-se no
compromisso assumido pelo Curso de Pedagogia FFCRP/USP desde sua concepção, em
contribuir com a melhoria da qualidade do ensino das instituições públicas de ensino,
bem como em um dos princípios do PFPUSP, no qual apreende a escola pública como
parceira e prioritária, foco de interesse em pesquisas, projetos e intervenções.Essa forma
de atuar tem se apresentado como um fator significativo para a formação dos estudantes
e assume relevância ainda maior porque se constitui num primeiro momento em que os
estagiários têm contato com a atividade de docência. O fato de terem um parceiro para
discutir e pensar juntos, especialmente nesse momento do curso em que “estreiam”
como professor, dá-lhes mais segurança e condições de começar assumir a posição de
Didática e Prática de Ensino: diálogos sobre a Escola, a Formação de Professores e a Sociedade
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quem ensina, e, além disso, permite-os vivenciar, desde a formação inicial, o exercício
do trabalho coletivo na escola. Ainda considerando essa situação, os estudantes relatam
nos momentos de reflexão do estágio o quanto é importante ter um parceiro para dividir
as decisões e reflexões assim como a escolha do tema da aula, dos materiais a serem
utilizados e, sobretudo, no desenvolvimento das aulas. O estágio da referida Disciplina
prevê atividades que possibilitam o conhecimento do currículo, reflexão do trabalho
docente, ação docente nas instituições, a fim de compreendê-las em sua historicidade,
identificando resultados, impasses e dificuldades. Esse conhecimento envolve estudo,
análise, problematização, proposição de soluções às situações de ensinar e aprender,
assim como propõem Pimenta e Lima (2008). As atividades propostas para o estágio e
sua disposição ao longo do semestre favorecem, juntamente com o programa de aula e
as discussões em supervisões de pequenos grupos, o estudante de Pedagogia para que
tenha condições de construir sua identidade como professor, bem como de se perceber
preparado para se inserir nos contextos e neles intervir (PIMENTA, 2010). Este estágio
encontra-se organizado no segundo semestre do segundo ano do curso de Pedagogia da
FFCLRP/USP com uma carga de 30 horas.
As atividades de estágio são apresentadas aos alunos no início da disciplina de
Didática II pelas professoras responsáveis e educadora que acompanha o estágio por
meio de um documento intitulado “Orientações Gerais para a Realização do Estágio em
Didática II” (RIVAS, PEDROSO e BEZERRA, 2011). Esse documento é uma
ferramenta importante durante todo o desenvolvimento do estágio por constar as
orientações detalhadas sobre as atividades de estágio, que acontecem tanto na escola
campo de estágio como na Universidade no âmbito das supervisões e dos laboratórios,
que são espaços de reflexão e de elaboração de material para o estágio. As atividades do
programa de estágio em questão estão relacionadas aos saberes pedagógicos,
constituintes do campo epistemológico da Didática e sua relação com o campo
curricular, bem como visam provocar a reflexão relativamente aos seguintes
questionamentos: Quais as mediações que essas áreas proporcionam e contribuem para
a formação do pedagogo enquanto docente? Quais as aprendizagens decorrentes dessas
mediações que se constroem nas relações estabelecidas no encontro e confronto de
professores formadores, docentes da escola de ensino fundamental e estudantes
universitários?
Didática e Prática de Ensino: diálogos sobre a Escola, a Formação de Professores e a Sociedade
EdUECE - Livro 400302
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Assim sendo, os saberes que se associam com a dinâmica de funcionamento da
escola, a sala de aula com seus conflitos e contradições, as formas de organização do
processo ensino-aprendizagem constituem-se ações planejadas para serem
desenvolvidas na escola campo de estágio e são materializadas pelas seguintes
atividades: Atividade de Observação Participante; Atividade de Participação nas
reuniões Pedagógicas; Atividade de Análise do Projeto Político-Pedagógico e do
Planejamento do Professor; Atividade durante o recreio e Atividade de Docência. É
importante observar o significado e o caráter de tais atividades, que não podem ser
percebidas como ações isoladas e pontuais, mas sim em uma perspectiva pedagógica
visando à efetivação do processo ensino e aprendizagem.
Pontuando algumas considerações: A construção de sínteses acerca daformação do pedagogo e dos sentidos do aprender e do ensinar na escola pública
A realização do estágio sob a forma de interação e de intervenção mostra-se
como um caminho teórico-metodológico que possibilita a concretização dos
fundamentos e objetivos do curso, ou seja, proceder à mediação entre o processo
formativo e a realidade no campo social. Mesmo considerando os limites de tempo e
espaço, observamos por meio dos depoimentos, relatórios e apresentações de trabalho
que este estágio tem se constituído como um importante lócus de formação. Ao se
inserir no campo profissional o egresso dos Cursos de Licenciatura encontrará uma
realidade multifacetada, carregada de ambiguidades e de incertezas. Por conseguinte, os
desafios atuais da profissão docente exigem políticas formativas e curriculares,
alicerçadas na sociedade e na cultura por um lado, e nas jovens gerações por outro lado,
mediada pelos diferentes saberes, que contemplam elementos potencialmente
contraditórios. Recuperar perdas registradas nas últimas décadas e lutar por uma nova
identidade profissional não tem sido tarefa fácil nas universidades, pois requer
mudanças na organização institucional, curricular, na estrutura dos conteúdos, no perfil
da docência, enfim no redimensionamento de todo o projeto formativo. Além disso,
requer nova concepção dos cursos de licenciatura, notadamente o curso de Pedagogia,
onde a relação da universidade com a escola básica se constitua em eixo basilar com
abertura de caminhos para uma verdadeira profissionalidade, pautada por níveis de
excelência e perpassada por uma dimensão ética.
A questão da formação de professores é mais intricada do que o conjunto de
problemáticas que vem sendo apontadas em diferentes âmbitos, tais como fóruns
Didática e Prática de Ensino: diálogos sobre a Escola, a Formação de Professores e a Sociedade
EdUECE - Livro 400303
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nacionais e internacionais, pesquisas e políticas educacionais. Quando se trata da
formação de professores esses estudos tem chamado atenção para a insuficiência no
processo formativo, seja pela descaracterização dos saberes pedagógicos, seja pela
ênfase dos saberes específicos, enfim, observa-se nas instituições formadoras modelos
precários de formação. Diante desse quadro é possível falarmos em desenvolvimento de
práticas pedagógicas inovadoras? As escolas têm seus projetos pedagógicos, onde se
materializam as propostas educacionais, a gestão escolar, os objetivos de formação, a
relação com a comunidade, a possibilidade de formação de seus docentes e
funcionários. Enfim, se a escola tiver um projeto pedagógico articulado, no qual
mobilize a comunidade escolar é possível o desenvolvimento de práticas inovadoras,
pois o próprio caráter coletivo das instituições escolares exige que o professor não seja
concebido como um preceptor em ações isoladas, mas como integrante de uma
instituição educacional complexa.
Por outro lado, no que se refere às instituições formadoras (Universidades) é
possível atuar no sentido da indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão, de
modo a proporcionar a qualidade da formação inicial, introduzindo os licenciados nos
processos investigativos em sua área específica e na prática docente, tornando-os
profissionais capazes de promover sua formação continuada.
Vaillant e Marcelo Garcia (2013) fizeram um amplo estudo sobre os processos
de formação de professores em vários países da Europa, Ásia e América. Concluíram
que diferentemente das práticas tradicionais de formação, que não relacionam as
situações de formação com as práticas de sala de aula, as experiências mais eficazes
para o desenvolvimento profissional são aquelas que estão baseadas na escola e que se
inscrevem dentro das atividades cotidianas dos professores. Portanto, mesmo com um
quadro onde persistem as práticas formativas tradicionais, começam a emergir
estratégias e processos alternativos que se configuram a partir de perspectivas
diferenciadas do que significa aprender a ensinar no mundo contemporâneo.
Os estágios nos Cursos de Licenciatura devem ocupar papel relevante no
processo formativo, e ser ofertados e organizados ao longo do curso em formatos
diferenciados que visam a se adequar da melhor forma às áreas de intervenção do futuro
profissional. A integração entre a teoria e a prática é exigência do processo de formação
do licenciando, decorrendo desse modo a necessidade de que o currículo envolva um
contínuo e permanente processo de prática de ensino, entendida como mediação de
ensino e de aprendizagem no âmago do qual o fazer concreto, orientado pelo saber
Didática e Prática de Ensino: diálogos sobre a Escola, a Formação de Professores e a Sociedade
EdUECE - Livro 400304
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teórico, possa integrar e consolidar a formação do profissional. Ressalta-se um dos
princípios do Programa de Formação de Professores da USP, criado em 2004, o qual
sintetiza a importância do estágio:
A instituição escolar e sua proposta pedagógica, concomitantementecom as características das áreas específicas de atuação doslicenciandos, devem ser o eixo norteador das diferentes modalidadesde estagio supervisionado, que poderão também estender suas açõesinvestigativas e propositivas à órgãos centrais e espaços sócio-institucionais relevantes para a educação pública. (PFPUSP, 2004;PIPITONE, M.A.P; ZUFFI, E.M;RIVAS, N.P.P, 2010).
No que concerne às práticas pedagógicas inovadoras nos programas de formação
inicial e continuada no Brasil, especialmente na Educação Básica, o foco reside em três
movimentos, os quais são representativos e configuram como construtos da profissão
docente, ao longo da nossa história da educação, mas também como paradoxos. O
primeiro tem a ver com a democratização da escola básica, com o processo de
ampliação do acesso das camadas majoritárias da população brasileira. A essa
modificação, acrescentam-se as mudanças na sociedade como um todo, promovidas
sobretudo pela revolução digital, enfatizando o papel do conhecimento e da tecnologia
na sociedade atual. Porém, dada a diversidade da sociedade brasileira, convivemos com
ilhas de excelência e com precariedades institucionalizadas, ou seja, com a falta de
aprendizagem de crianças e jovens. O segundo movimento diz respeito ao processo de
elevação da formação do professor que atua na Educação Básica ao nível superior
(prerrogativa da Lei 9394/96), que emerge das circunstâncias sociopolíticas presentes na
ampliação do acesso ao conhecimento e à escolarização em todos os níveis, cujo
paradoxo se configura na pauperização da profissão docente, ocasionado pelas
condições de trabalho e baixa remuneração. O terceiro movimento situa-se na
confluência dos sistemas internos e externos de avalição, cujo paradoxo pode ser
interpretado no sentido de reorientação das práticas e políticas públicas mais
consistentes e na avaliação como instrumento de ação formativa, bem como este sistema
de avaliação ser tomado como instrumento de coerção e culpabilização dos professores.
Estes paradoxos, citados acima, indicam possibilidades e limites nos processos
de formação profissional e da profissionalidade, tendo em vista o entrecruzamento de
uma cultura ampla e hegemônica e culturas específicas, que abrange o pessoal, o
profissional e o institucional do sujeito professor.
Didática e Prática de Ensino: diálogos sobre a Escola, a Formação de Professores e a Sociedade
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Notas:
1. A pesquisa foi coordenada por José Cerchi Fusari & Selma Garrido Pimenta – USP/GEPEFE eteve na coordenação executiva dos profs. Cristina Cinto Araujo Pedroso (FFCLRP/USP) eUmberto de Andrade Pinto (UNIFESP/Guarulhos). E contou com a colaboração dos seguintespesquisadores: Idevaldo da Silva Bodião (UFCE); Isaneide Domingues (Secretaria Municipal deEducação - São Paulo) Karina de Melo Conte, Lenilda Rego Albuquerque Rego (UFAc); LigiaPaula Couto (UEPG); Maria Marina Dias Cavalcanti (UECE); Marineide de Oliveira Gomes(UNIFESP/Guarulhos); Naldeli Fontes (UMC); Noeli Prestes Padilha Rivas (FFCLRP/USP);Simone Rodrigues Batista (Centro Universitário Monte Serrat – Unimonte – Santos); ValériaCordeiro Fernandes Belletati (IFSP); Vanda Moreira Machado Lima (UNESP/PresidentePrudente); e Yoshie Ussami Ferrari Leite (UNESP/Presidente Prudente).
2. Edital nº 7/2011.
3. Para obter a relação de cursos no sistema e-MEC, selecionamos, a partir da opção “Busca Avançada”, a
situação “Em atividade”.
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EdUECE - Livro 400308