Post on 02-Feb-2016
description
Instituto de Educação Superior de Brasília Cinema e Mídias Digitais
ROTEIRO DE VIDA O processo de criação do roteiro de um personagem
Andrei Carmona Linhares
BRASÍLIA 2012
2
ANDREI CARMONA LINHARES
ROTEIRO DE VIDA O processo de criação do roteiro de um personagem
Memorial de produto, parte integrante do Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Programa de Graduação em Comunicação Social do Instituto de Educação Superior de Brasília, como requisito para a obtenção do título de Bacharel em Comunicação Social com habilitação em Cinema e Mídias Digitais.
Orientador: Prof. Dr. Eládio Antonio Oduber Palencia
BRASÍLIA 2012
3
RESUMO
Desenvolvido como Trabalho de Conclusão de Curso, este memorial traz uma
análise do processo de criação de um produto cinematográfico. Nesse caso, um roteiro
de longa-metragem de ficção, intitulado Roteiro de Vida, abordando tanto os aspectos
de logística quanto os teóricos envolvidos na produção.
Roteiro de Vida é uma narrativa ficcional focada em Dino, um garoto solitário
que não consegue sentir emoções, que vai trabalhar como projecionista em um
cinema para redescobrir seus sentimentos, onde acaba conhecendo Jéssica, uma
garota intrigante que costuma ir assistir sempre ao mesmo filme. Incapaz de se
relacionar com pessoas, ele então decide escrever um roteiro onde vive o personagem
de sua vida, para conseguir se aproximar de Jéssica e assim, talvez, voltar a vivenciar
sentimentos e enfrentar seus traumas de infância.
Palavras-chave: Roteiro. Roteirista. Personagem. Roteiro de Vida. Dino. Ficção. Longa-
metragem. Metalinguagem. Psicologia. Transtorno Dissociativo de Despersonalização.
4
ABSTRACT
This memorial offers an analysis of the process of creating a film product. In this
case, a feature film script of fiction, titled Roteiro de Vida (Life Script), addressing both
the aspects of logistics and the theories involved in the production.
Roteiro de Vida (Life Script) is a fictional narrative focused on Dino, a lonely boy
who cannot feel emotions that goes to work as a film projectionist on a theater in
order to rediscover his feelings. Working there he meets Jessica, a puzzling girl that
always go watch the same movie. Unable to relate to people, he then decides to write
a script where he will play the title character in order to get close to Jessica and thus,
perhaps, start to re-experience feelings and face his childhood traumas.
Keywords: Script. Roteiro de Vida. Writer. Character. Dino. Fiction. Feature film.
Metalanguage. Psychology. Dissociative Disorder of Depersonalization.
5
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO ................................................................................................................. 6
1.1 Objetivos gerais ........................................................................................................... 6
1.2 Objetivos específicos ................................................................................................... 7
1.3 Justificativa .................................................................................................................. 8
2 METODOLOGIA ............................................................................................................. 10
3 REFERENCIAL TEÓRICO ................................................................................................. 11
3.1 Prática de escrita de roteiro de ficção......................................................................... 11
3.1.1 O roteirista e os fundamentos do roteiro ........................................................................ 11
3.1.2 Roteiros de curtas e longas-metragens ........................................................................... 13
3.1.3 Criatividade e lucro .......................................................................................................... 15
3.2 Dentro do personagem ............................................................................................. 15
3.2.1 Jornada do Herói .............................................................................................................. 15
3.2.2 Metalinguagem nas imagens .......................................................................................... 16
3.2.3 Transtorno dissociativo.................................................................................................... 17
3.2.4 Psicologia e emoção ........................................................................................................ 18
4 REFERÊNCIAS ............................................................................................................... 20
5 CRONOGRAMA ............................................................................................................ 22
APÊNDICE A – DESCRIÇÃO DOS PERSONAGENS ............................................................... 23
APÊNDICE B – ROTEIRO DE CURTA: ROTEIRO DE VIDA ...................................................... 25
6
1. INTRODUÇÃO
Desenvolvido como Trabalho de Conclusão de Curso, este memorial traz uma
análise do processo de criação de um produto cinematográfico. Nesse caso, um roteiro
de longa-metragem de ficção, Roteiro de Vida, abordando tanto os aspectos de
logística quanto os teóricos envolvidos na produção.
Roteiro de Vida é uma narrativa ficcional baseada no conflito psicológico de seu
personagem protagonista, Dino. Utilizando elementos metalinguísticos do cinema e da
literatura, a narrativa faz uma ponte entre as emoções do espectador com as de um
personagem, a aproximação entre os dois, refletindo até certo ponto o quanto nossas
vidas não seriam como um filme, onde nós atuamos um roteiro que criamos para nós
mesmos.
Na trama, Dino é um garoto solitário que não consegue sentir emoções. Ele vai
trabalhar como projecionista em um cinema para redescobrir seus sentimentos e
conhece Jéssica, uma garota intrigante que costuma ir assistir sempre ao mesmo filme.
Incapaz de se relacionar com pessoas, ele então decide escrever um roteiro onde vive
o personagem de sua vida, para conseguir se aproximar de Jéssica e assim, talvez,
voltar a vivenciar sentimentos e enfrentar seus traumas de infância.
1.1 Objetivos gerais
Partindo da análise do processo de desenvolvimento da narrativa retratada em
“Roteiro de Vida”, levando-se em conta de que tal produto possui também a função
acadêmica de pesquisa teórica, tem-se como objetivo geral, no campo do produto:
a. A confecção de um produto, no formato de roteiro de longa-metragem, para
demonstração técnica e teórica dos conhecimentos adquiridos no decorrer do
curso de graduação em Cinema e mídias digitais, com a finalidade de servir
como Trabalho de Conclusão de Curso;
No campo da pesquisa, tem-se como objetivo geral:
7
b. Uma reflexão sobre a prática de escrever um roteiro ficcional de longa-
metragem, focada no desenvolvimento de um quadro psicológico e emocional
diferenciado para o personagem protagonista, condutor da narrativa.
1.2. Objetivos específicos
Além dos objetivos gerais destacados anteriormente, esse memorial tem como
suporte os seguintes objetivos específicos em sua concepção como produto:
a. A criação do roteiro como parte de um portfolio profissional;
b. O roteiro como instrumento base para o desenvolvimento posterior de um
longa-metragem;
c. Um exercício de autoconhecimento e treino das habilidades de escrita de
roteiros;
d. Um registro das atividades desenvolvidas no processo de criação do produto
para posterior recordação.
Na concepção do produto aliado à pesquisa teórica acadêmica, os objetivos
específicos são os seguintes:
e. Ganhar um conhecimento maior sobre a essência do personagem protagonista
da narrativa, para a construção de um personagem mais complexo e bem
construído;
f. Obter um conhecimento maior sobre o campo da psicologia para a concepção
de futuros roteiros com narrativas focadas em personagens com uma
construção mais elaborada e com maior embasamento na realidade;
g. A criação de um personagem com que os leitores/ espectadores consigam se
conectar emocionalmente, para criar uma experiência cinematográfica mais
agradável e rica;
h. A discussão do próprio cinema, no campo da metalinguagem, presente na
narrativa;
i. Proporcionar questionamentos acerca do papel do cinema e suas narrativas na
vida das pessoas e o quanto ele influencia na criação das personalidades de
seus espectadores;
8
j. Utilizar os conhecimentos adquiridos durante a pesquisa teórica para o
enriquecimento e evolução das personagens na narrativa.
1.3. Justificativa
Este produto, aliado a seu memorial, busca proporcionar a seus leitores, ou
espectadores, no caso do roteiro ser transformado em obra audiovisual
posteriormente, uma experiência de entretenimento rico, aliado a um teor teórico
diferenciado, fruto de um estudo acadêmico embasado em fundamentos do roteiro e
da psicologia na construção do personagem.
Em uma época em que a indústria cinematográfica parece estar cada vez mais
escassa de boas idéias e tramas ficcionais, se voltando para a tentativa de repetições
de sucessos de bilheterias passados e/ou em outras praças (como, por exemplo, filmes
estrangeiros que fizeram sucesso no exterior, em outros mercados), por meio de
fórmulas narrativas repetidas, remakes e infindáveis continuações, roteiros ricos,
diferenciados e originais parecem estar em extinção no mercado. As grandes
produtoras têm visto seu sucesso crescer, ou mesmo acontecer, por meio não de
tramas e roteiros inteligentes e com histórias ricas, mas sim por meio de avanços
tecnológicos, como demonstrado pela atual onda de produções exibidas utilizando a
tecnologia do RealD™ (3D digital), exemplificado por Avatar, obra cinematográfica de
2009 que trouxe para as telas a introdução da tecnologia e logo se tornou a maior
bilheteria mundial de todos os tempos.
Também no mercado brasileiro a prática comercial, em detrimento da arte, da
narrativa, acontece. As produções nacionais, principalmente pela entrada de diretores,
de produtores originados na publicidade, vêm demonstrando uma preocupação maior
com a estética da fotografia, da direção, sem investir em histórias originais e roteiros
instigantes. Isso, sem mencionar, a repetição de temáticas ainda datadas das épocas
do Cinema Novo, que tem Glauber Rocha como exponencial, com a temática marginal,
da miséria e da crítica social, vista em produções aclamadas recentes, como Cidade de
Deus, Tropa de Elite, Salve Geral, retratando a pobreza e a violência nas favelas, ou da
Chanchada, comédias de palhaço, “pastelões”, estilo comum na televisão, cujo estilo
se faz presente nos filmes cômicos e comerciais, como Se Eu Fosse Você. O cinema
9
brasileiro faz progresso, como demonstra os recentes sucessos de bilheteria nacionais,
como Tropa de Elite 2, mas ainda está avançando lentamente no progresso narrativo.
Por essas razões, Roteiro de Vida já é um produto original, sendo um roteiro
complexo, com uma narrativa rebuscada, e ainda dentro de uma estrutura simples, de
baixo-orçamento de produção, que facilitaria sua adaptação às telas no futuro,
melhorando as chances de ser executado e de fazer sucesso. É o tipo de narrativa que
está em falta no mercado e, portanto, deve ser produzido.
Isso sem falar que sua realização representa um desafio acadêmico, o que deve
ser estimulado. Os alunos, acostumados a interagir com obras de curta-metragem, não
têm a experiência de escrever um roteiro de longa-metragem no curso, o que torna
um desafio maior e de maior superação realizar tal tarefa que, uma vez concluída,
merece pelo menos o reconhecimento da academia.
10
2. METODOLOGIA
Para a realização do produto, o roteiro de longa-metragem, diversas etapas
tiveram de ser cumpridas. Roteiro de Vida nasceu como um roteiro de curta-
metragem, escrito para a disciplina de Roteiro do curso de Cinema e Mídias Digitais e,
desde então, passou por quatro revisões, ainda no estágio de curta-metragem.
Sendo uma obra de ficção, a matéria prima utilizada foi a imaginação, na hora de
escrever o roteiro de curta-metragem. No entanto, para a transformação de tal
produto em um longa-metragem, alguns autores e filmes foram analisados, para
Roteiro de Vida se tornar, em momento subsequente, o produto apresentado.
Para a compreensão do básico do roteiro, de sua prática, e posterior
aprofundamento, livros específicos para a prática de escrever roteiro e da função do
roteirista foram consultados, como forma de aprendizado. Já para auxiliar e compor a
narrativa, diversas obras audiovisuais, em especial filmes de longa-metragem, foram
assistidos, analisados e tiveram alguns elementos, tanto narrativos como filosóficos,
aproveitados como inspiração para a criação e o enriquecimento do roteiro criado.
Além disso, livros sobre psiquiatria e psicologia, analisando tais conhecimentos
dentro de obras cinematográficas, foram estudados para a composição dos
personagens, em especial o do protagonista, e das inter-relações.
11
3. REFERENCIAL TEÓRICO
3.1 Prática de escrita de roteiro de ficção
3.1.1 O roteirista e os fundamentos do roteiro
O início de qualquer roteiro se dá, obviamente, com o roteirista. É esse escritor
que vai dar vida à história, ao enredo, à trama, quer seja ela original, vinda da
imaginação do próprio roteirista, quer seja adaptada de outro meio, como acontece
com a literatura, tendo diversos clássicos adaptados.
O princípio de um filme é a história, o roteiro. Será ele não apenas o primeiro
passo, mas também o guia desse caminho que a equipe e os diversos departamentos
vão trilhar na produção de uma obra audiovisual. Assim sendo, é do roteirista que os
filmes surgem, criam vida. Deles e de sua habilidade de contar histórias.
Chris Vogler compara, em A Viagem do escritor, a tarefa de escrever um roteiro à
jornada do herói, tão presente no cotidiano de qualquer roteirista.
A beleza do modelo da Jornada do Herói é que não apenas descreve um padrão nos mitos e nos contos de fada, mas também é um mapa muito exato do território que se deve percorrer para ser um escritor. (VOGLER, 2009, p. 431)
Assim como na jornada do herói, o personagem sai de sua vida cotidiana, abalada
por algum acontecimento marcante, em busca de uma resolução para a situação em
que se encontra para, ao fim de outros desafios, conseguir retornar ao ponto em que
se encontrava, mas transformado pela jornada. O escritor também passa por um
processo parecido.
Ele está em uma situação cotidiana até ter a idéia do roteiro, da história, e se
começar a desbravar esse novo universo, onde viverá grandes desafios até conseguir
terminar sua obra, momento em que tudo mudou. Pode-se supor que tal processo
seria o que Vogler chama de “a jornada do escritor”no título de seu livro.
De forma análoga ao herói, o roteirista é o protagonista no processo da criação da
história, definindo os rumos, criando os conflitos e, de certa forma, determinando o
sucesso ou não da jornada. Ele dita as regras que serão passadas pelos realizadores
audiovisuais, pelos diretores, produtores, diretores de fotografia, determina os rumos,
tal como os deuses em A Odisséia, de Homero, obra considerada como precursora da
Jornada do Herói , tentam fazer com a trajetória do protagonista Ulisses. E tal como
12
Ulisses, por melhor que seja o roteirista, a história pode seguir um rumo totalmente
diferente.
Se um roteirista falha em envolver-nos com a pureza da cena dramatizada, ele não pode esconder-se atrás de suas palavras, como um novelista na voz autoral, ou um dramaturgo no solilóquio. Ele não pode suavizar as falhas de lógica, motivações sem sentido ou emoções fúteis com uma camada de linguagem explicativa ou emotiva, dizendo-nos o que pensar ou como nos sentir. (McKEE, 2006, p. 19)
É essa a responsabilidade de um roteirista. Assim que iniciado o processo, não há
volta, sendo o roteiro o princípio de tudo.
“A arte da estória é a força cultural dominante no mundo, e a sétima arte é o meio
dominante desse grande empreendimento. O público mundial é devotado, mas está
sedento por estórias”. (McKEE, 2006, p. 27). Tal primordial é o papel do roteiro, e do
roteirista.
Tal propriedade parte, primeiramente, como demonstrado no processo de criação
de Roteiro de Vida em sua forma de curta-metragem, sem se basear em estudos,
pesquisa ou fundamentos teóricos, da criatividade. Não há fórmula, padrão ou
qualquer outra característica de roteiro sem a criatividade, sem a criação. É só quando
se tem uma história que se parte para a formatação desta em um roteiro, como
documento, como padrão cinematográfico.
No entanto, com o passar do tempo, com a solidificação do cinema como indústria
mais do que como espaço criativo, tal princípio, a história, tem ficado cada vez mais
em segundo plano.
Estórias falsas e defeituosas substituem substância por espetáculo, verdade por artifícios. Estórias fracas, desesperadas para segurar a atenção do público, degeneram-se em espetáculos banais multimilionários. Em Hollywood, a imagem fica cada vez mais extravagante, na Europa, cada vez mais decorativa”. (McKEE, 2006, p. 26)
Em Por dentro do roteiro, Stempel analisa grandes obras e terríveis fracassos da
história cinematográfica e mostra a relação do trabalho do roteirista, dos esboços
iniciais até a versão final do roteiro. No processo, ele evidencia todo o trabalho do
escritor e sua relação com o resultado final do filme, normalmente unicamente
atribuído ao diretor, e demonstra como grandes roteiros, histórias, podem tanto virar
grandes sucessos de bilheteria e crítica, como no caso de Lawrence da Arábia, ou
13
passarem despercebidos do grande público, chegando até ao ponto de se tornarem
filmes “vazios”, totalmente comerciais, como em Sorte no Amor, que conta com um
bom roteiro, mas é uma obra audiovisual de má qualidade. O roteiro tem perdido sua
importância em decorrência da indústria e isso tem afetado o trabalho dos roteiristas,
que têm que adequar suas histórias a um padrão comercial enquanto buscam manter
uma qualidade nesse elemento tão primordial da sociedade, a história. Pelo menos os
bons roteiristas, os grandes contadores de história (STEMPEL, 2011).
Mas escrever um roteiro não é apenas deixar a criatividade fluir solta também.
Como já citado, existem diversas técnicas, procedimentos para tal finalidade que não
envolvem apenas a criação, bem evidenciados na obra de Vogler, McKee, Stempel e
em Save the Cat!, de Snyder, que ensinam o básico, como a já citada Jornada do Herói,
de como se escrever um roteiro de sucesso, comercialmente viável, pegando, como
fontes inspiradoras e exemplos, os grandes sucessos hollywoodianos, sem se aventurar
em narrativas mais complexas, como as europeias, por exemplo. São “fórmulas” para
se escrever um roteiro, acessível, principalmente, ao grande público.
O propósito de Roteiro de Vida é se adequar a tais padrões, tanto contando uma
grande história, acessível ao público, de fácil execução, sem perder a história, a
complexidade narrativa.
3.1.2 Roteiros de curtas e longas-metragens
Tal como no processo de escrita de um conto e de um romance, existem algumas
diferenças acentuadas entre escrever o roteiro de um filme de longa metragem ou de
curta metragem. Não apenas na duração das obras audiovisuais derivadas ou no
comprimento do roteiro, mas principalmente no ritmo e na estrutura da história, como
observado no processo de escrita de Roteiro de Vida, cuja trama partiu de um curta
metragem para se enquadrar no formato de longa.
Os fundamentos da escrita de um roteiro de curta metragem são mais obscuros,
menos estudados, com menor bibliografia dedicada ao assunto, pelo caráter menos
comercial de tais obras, que possuem espaço de exibição apenas em festivais e,
atualmente, de promoção no Youtube™, estão bem descritos por Russel Evans em
Curtas Extraordinários!, que evidencia tal caráter mais independente de produção e
menos pesquisados academicamente, meio em que normalmente servem de exercício
14
na produção cinematográfica pelos baixos custos, sem uma finalidade de maior
espectro.
As narrativas dos curtas são, normalmente, baseadas em situações específicas,
sem formar uma trama, um enredo, com uma história de mais ação do que reflexão ou
mesmo diálogos. Exigem menos produção, menor atenção do público, daí tal
casamento com o formato da internet, em que se preza a agilidade e a menor
concentração do espectador (EVANS, 2011).
Roteiro de Vida, em seu formato original, se adequava no aspecto essencial de
curta metragem, a pequena duração, e na facilidade de produção, exigindo poucos
gastos para seu desenvolvimento em obra audiovisual, mas se distanciava dos outros
quesitos. Ele trazia uma trama, uma complexidade de enredo maior do que a
encontrada na maioria dos curtas, e possuía um roteiro mais rico, características que o
deixava entre “dois mundos”: tinha uma metragem curta, mas um desenvolvimento de
história de longa metragem.
Para adaptá-lo, foram seguidos princípios de McKee e Snyder, que discorrem,
principalmente, pelo formato de longa metragem, que possuem uma trama mais
estruturada, com desenvolvimento de personagens, onde as situações são apenas
conflitos, ou seja, momentos que alteram o rumo da trama, e são o combustível da
história, o que a faz seguir em frente. Tais conflitos constroem o personagem, revelam
sua verdadeira persona, normalmente atenuada pelos eventos cotidianos.
Na transformação de Roteiro de Vida de um roteiro de curta metragem para
um de longa, tais princípios tiveram de ser seguidos, modificando drasticamente o
roteiro e seu estilo. Generalizando, apenas o enredo original, o argumento, e as
personagens com seus perfis se mantiveram. Enquanto no curta temos um enredo
pensado universalmente, como um roteiro completo, em um longa é necessário
pensar no enredo de cada cena, de cada sequência, e construir o enredo geral como
uma “colcha de retalhos”, um quebra cabeça, com uma lógica geral formada por
lógicas menores.
15
3.1.3 Criatividade e lucro
Como visto anteriormente, criatividade e lucro são dois fatores que muito
influenciam nos roteiros, sendo necessário, às vezes, para o roteirista, seja pela arte
e/ou pela indústria, abdicar de um em favor do outro. Tais fatores influentes na escrita
de roteiro são comparados nos livros de Snyder, Stempel e Como ver um filme, de Ana
Maria Bahiana.
Enquanto tratam mais do cinema comercial, aquele cinema que vemos em
todas as salas de shopping, em todos os cantos, tais autores refletem sobre o processo
de como escrever um roteiro que seja um sucesso de público e como isso, no decorrer,
pode acabar limitando a criatividade do roteiro.
O espectador comum, acostumado com a televisão e narrativas universais,
principalmente propagadas atualmente pela internet, em narrativas de pouca
complexidade e pouca necessidade de foco, que agradem a qualquer gosto e que não
precisem de esforço para a mensagem ser captada, acabam exigindo filmes menos
criativos, menos visionários e desafiadores, de forma que o lucro acaba limitando a
criatividade (BAHIANA, 2012). Enquanto isso, filmes europeus, considerados pelos
críticos como obras primas, não vendem exatamente porque têm uma história de
maior complexidade, que exige um esforço daqueles que só querem ir ao cinema para
a distração, mesmo que até estes estejam se aproximando do modelo comercial de
venda, mantendo suas estéticas, mas “esvaziando” os roteiros.
Bahiana faz uma boa análise dessa característica, dando dicas de como o
público pode apurar seu gosto, enquanto faz uma comparação entre tais mercados tão
adversos.
3.2 Dentro do personagem
3.2.1 Jornada do Herói
A Jornada do Herói (VOGLER, 2009), como já foi exemplificada, e é detalhada na
obra de Vogler, principalmente, é o princípio que move grande parte das narrativas
clássicas, dos personagens protagonistas. Esse comportamento se comunica com o
personagem de Roteiro de Vida, Dino, de maneira muito íntima.
Roteiro de Vida, como já colocado, é um roteiro de fácil entendimento, de fácil
acesso ao público geral, em sua trama quase universal de um sujeito buscando ter
16
sentimentos. É um roteiro clássico, em sua forma, que utiliza os princípios de tal
jornada, e que traz um desenvolvimento maior no conteúdo, na carga emocional que
sua trama carrega, do que na forma e estrutura do roteiro, que são tradicionais.
A Jornada do Herói inicia estabelecendo o cotidiano de Dino, sua falta de
capacidade para ter sentimentos, que o leva a observar os relacionamentos de outras
pessoas, até chegar ao primeiro conflito, que é arrumar seu emprego como
projecionista. Isso muda a situação do personagem, o leva a uma nova realidade, que
apresentará novos conflitos, como encontrar Jéssica, depois o desafio de se aproximar
dela.
De tal forma, a história vai progredindo, sendo movida por tais acontecimentos
subsequentes, que alteram a trajetória de Dino e o fazem refletir sobre seu passado,
levando-o, na conclusão, no clímax, a confrontar sua condição atual e mudar seu
caminho, criando um novo “cotidiano”. É um ciclo que segue a Jornada do Herói, com
a qual qualquer um se identifica, seja por vivência pessoal ou pela familiaridade com
tais narrativas.
3.2.2 Metalinguagem nas imagens
Se pela estrutura clássica de seu enredo, enraizado na Jornada do Herói, Roteiro
de Vida se assemelha a qualquer narrativa mais tradicional, mais comercial, é na
metalinguagem, o discurso da obra com ela própria, que o roteiro se enriquece.
Tal atmosfera, passada até pelo título da obra, se dá na metalinguagem de Dino
consigo, no momento em que ele cria um personagem para interpretar, assumindo o
papel de um roteirista.
Não só ele se torna um “roteirista de si”, como parte da história ocorre dentro de
um cinema, é desencadeada pelo cinema. É em um filme que Dino se inspira a escrever
seu personagem, de certa forma repetindo o processo criativo de tantos roteiristas.
Idéias inéditas não existem. O que existe é a inspiração para a criação de algo novo,
comportamento replicado pelo protagonista em tal momento.
O grande conflito, o que desencadeia a “originalidade” do roteiro é o cinema, e a
maneira que este inspira a si.
17
Dessa forma, a obra serve como uma reflexão de sua criação, da criação de
histórias, de roteiros, do cinema, e de como isso está enraizado em nosso cotidiano,
em nossas vidas.
É um roteiro sobre a criação de histórias, sobre como fazemos isso socialmente,
como somos “personagens de nós”, como propõe Brecht, atuando aquilo que
queremos passar mas, às vezes, não sentimos, em nome do comportamento, das
convenções sociais. Sobre o poder que o cinema pode ter em nossas vidas, como ele
mexe com nossas emoções e é parte fundamental de nossa cultura.
3.2.3 Transtorno dissociativo
Dino, protagonista do produto, que, após perder a mãe em um acidente, deixa de
sentir emoções, apresenta um quadro psicológico que toma (e legitima) grande parte
da narrativa, caracterizando e diversificando o personagem, o que acaba sendo a causa
do desenrolar da história. É um roteiro baseado nos conflitos psicológicos e com foco
no desenvolvimento de tal personagem e, portanto, a psicologia se faz imprescindível
para legitimar a verossimilhança do personagem e a identificação do público com ele.
É um auxílio para embasar o personagem na realidade, dando “sustentação
empírica” a Dino, em um tempo onde a sociedade sofre tanto com desequilíbrios
emocionais, onde males psicológicos se fazem tão presentes no cotidiano com as
pressões do dia-a-dia.
De acordo com o livro Cinema e loucura (LANDEIRA-FERNANDEZ, 2010), o
transtorno que mais se assemelha aos sintomas de Dino é o transtorno dissociativo de
despersonalização. Por mais que o processo de criação da personagem não tenha
passado por uma pesquisa prévia, partindo da criatividade de seu criador, Dino foi um
personagem com uma construção complexa, com uma “engenharia” natural, que por
mais ficcional que fosse, buscou uma identificação na realidade.
Já observado por Freud (LANDEIRA-FERNANDEZ, 2010), Dino não teria acesso a
diversos mecanismos mentais, como a capacidade de ter emoções, em decorrência da
repressão do trauma da perda da mãe, de modo que ele evita a ansiedade
desencadeada por tal lembrança.
18
Tal transtorno acarreta condições patológicas nas quais as conexões cerebrais, que
agregam memórias, ações e sentimentos, estão prejudicadas, ajudando a explicar sua
situação de ser imune às emoções, estranho a elas.
Uma comparação com o filme Asas da Liberdade, de Wim Wenders, no
comportamento dos personagens, pode ser feita, por mais que os tais sejam tão
diferentes: um garoto traumatizado com a morte da mãe que para de ter sentimentos,
no caso de Dino, e um anjo, que nunca vivenciou tais sensações humanas, como o
personagem de Wenders. A apatia de Dino, decorrente de tal evento traumático,
ocorreu muito cedo e, portanto, o personagem não teve oportunidades de vivenciar as
emoções por muito tempo a ponto de elas estarem fortes em sua constituição pessoal,
sendo frágeis. A tentativa de sentir decorrente do mistério, de tentar se entrosar, de
ser parte da sociedade, é um sintoma dividido por ambos personagens.
3.2.4 Psicologia e emoção
Se o livro Cinema e loucura (LANDEIRA-FERNANDEZ, 2010) lida com transtornos
psiquiátricos, o livro de Enéas Souza, Cinema: o divã e a tela (SOUZA, 2011),
discorre mais sobre os aspectos psicológicos, emotivos e motivadores com base em
diversos grandes sucessos do cinema, analisando como tais personagens se
comportam. ‘O inconsciente está estruturado como uma linguagem.’ (SOUZA,
2011, p. 183). Partindo disso, é possível fazer uma análise do estado mental de
Dino por meio de comparações com outros personagens, além do anjo de Wim
Wenders.
A relação entre o cinema e a psicologia se faz presente em suas influências na
sociedade.
Psicanálise e cinema fazem atos na cultura. Com suas especifidades: enquanto o ato analítico se sustenta numa transferência que se define como “atualização da realidade do inconsciente” (LACAN), o ato cinematográfico pode ser lido como uma forma mais massiva. (SOUZA, 2011, p. 185)
Dessa forma, o cinema tem uma relação mais direta com a sociedade, a “massa”,
tendo que adequar seu conteúdo e linguagem, simplificar, ou mesmo estereotipar,
para conseguir atingir seu espectador. Isso legitima também licenças poéticas, a
tradução de um quadro psicológico para um espectro mais compreensível a todos, sem
19
entrar em questões muito científicas e clínicas como na psicologia. É uma liberdade
garantida, de tal maneira, pela comunicação social presente no cinema, e tem que
tratar dessas questões complexas de maneira mais simples, mais figurativas.
Isso é demonstrado em diversos momentos de Roteiro de Vida. A morte da mãe,
por exemplo, é lembrada constantemente por Dino. Como o incêndio que tirou a sua
vida foi causado por ele no momento em que ele tentava crescer e esquentar o
próprio leite, se alimentar por si, a lembrança retorna em todas as refeições que Dino
faz, momento esse em que o personagem nunca aparece comendo. É uma forma
figurativa de representar tal questão como só é possível no audiovisual, mais
sugestiva, sem necessidade de um conhecimento prévio em psicologia para a
compreensão.
O mesmo ocorre com o transtorno dissociativo do personagem. Ele apresenta os
sintomas da patologia, mas tal condição nem precisava ser mencionada. É mais fácil de
entender que ele parou de sentir pelo trauma da tragédia, uma maneira simplificada e
direta de passar a mesma informação.
20
4. Referências
CHENIAUX, E; LANDEIRA-FERNANDEZ, J. Cinema e loucura: conhecendo os
transtornos mentais através dos filmes. Porto Alegre: Editora Artmed, 2010.
SNYDER, Blake. Save the cat! The Last book on screenwriting that you’ll ever need.
Chelsea, MI (EUA): Michael Wiese Productions, 2005.
BAHIANA, Ana Maria. Como ver um filme. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2012.
PEREIRA, R.D.F; SOUZA, E. D. Cinema: O divã e a tela. Porto Alegre: Artes e Ofícios,
2011.
VOGLER, Christopher. A jornada do escritor: estruturas míticas para escritores. Rio
de Janeiro : Nova Fronteira: Sinergia: Ediouro, 2009.
STEMPEL, Tom. Por dentro do roteiro: erros e acertos em A Janela Indiscreta,
Guerra nas Estrelas e outros clássicos do cinema. Rio de Janeiro: Zahar, 2011.
McKEE, Robert. Story. Rio de Janeiro: Ediouro, 2006.
EVANS, Russell. Curtas extraordinários! : como filmar e compartilhar seus curtas na
internet. Rio de Janeiro: Elsevier, 2011.
CONTA Comigo. Direção: Rob Reiner. Produção: Bruce A. Evans; Raynold Gideon;
Andrew Scheinman. Roteiro: Raynold Gideon; Bruce A. Evans. Intérpretes: Wil
Wheaton; River Phoenix; Corey Feldman; Jerry O’Connell; Kiefer Sutherland. [S.I.]:
Columbia Pictures, 1986. 1 filme (89min).
HORA de Voltar. Direção: Zach Braff. Produção: Gary Gilbert; Dan Halsted; Pamela
Abdy; Richard Klubeck. Roteiro: Zach Braff. Intérpretes: Zach Braff; Ian Holm;
Method Man; Natalie Portman; Peter Sarsgaard. [S.I.]: Fox Searchlight; Miramax,
2004. 1 filme (102min).
21
MAIS Estranho que a Ficção. Direção: Marc Forster. Produção: Lindsay Doran.
Roteiro: Zach Helm. Intérpretes: Will Ferrell; Maggie Gyllnhaal; Dustin Hoffman;
Queen Latifah; Emma Thompson. [S.I.]: Columbia Pictures; Mandate Pictures, 2007.
1 filme (112min).
(500) Dias com Ela. Direção: Marc Webb. Produção: Jessica Tuchinsky; Mark
Waters; Mason Novick; Steven J. Wolfe. Roteiro: Scott Neustadter; Michael H.
Weber. Intérpretes: Joseph Gordon-Levitt; Zooey Deschanel. [S.I.]: Fox Searchlight,
2009. 1 filme (95min).
ASAS do Desejo. Direção: Wim Wenders. Produção: Wim Wenders; Anatole
Dauman. Roteiro: Wim Wenders; Peter Handke. Intérpretes: Bruno Ganz; Solveig
Dommartin; Otto Sander; Curt Bois; Peter Falk. [S.I.]: Roadmovies Filmproduktion;
GmBH; Argos Films, 1987. 1 filme (128min).
22
5. Cronograma
Etapa Abr Mai Jun Jul Ago
Terminar leitura — — Adic. Referências — — Escrever longa — — — — Entreg. orient. — — Revisar roteiro —
Etapa Set Out Nov Dez
Revisar roteiro — — Revisão ANBT — Revisão portug. — Format. Final — Entreg. Orient. — Finalizar — —
Apres. — —
23
Apêndice A Protagonistas
Ferdinando (Dino)
Jovem, idade em torno dos 23 anos, caucasiano, cabelos curtos lisos castanhos e olhos também castanhos. É introvertido, solitário, isolado, não possui amizades ou relações de afeto. Não se destaca em meio à multidão, nem gosta de chamar atenção. Veste-se bem basicamente, sem ostentações, ou demonstração de estilo próprio, inclusive sem usar muitas cores. Únicas relações que possui são de família (frias) e trabalho (limitada, no mínimo). Mora com os avós maternos, com quem não se relaciona emocionalmente. Reúne-se com o resto da família (seu pai, irmão mais velho, meio-irmão mais novo e madrasta) de vez em quando, para manter a “tradição familiar” de seu pai, bem conservador com a idéia de família.
Quando criança, causou a morte da mãe (acidentalmente) em um incêndio. Era muito apegado com ela. Os dois não se desgrudavam, era mimado, de forma que sua mãe era a única pessoa realmente em sua vida que significava algo e com quem ele se relacionou, passando todo o tempo com ela, sem amiguinhos. Sem relacionamento sólido paterno já desde pequeno, inicialmente por só se relacionar com a mãe e não possuir a mentalidade do pai (enquanto irmão mais velho é a “cópia” de seu progenitor), e após o incêndio, por o pai o culpar, se isolando ainda mais do filho e mandando-o para ir morar com os avós. Para piorar, o pai se casa novamente e acaba tendo um novo filho, fazendo o personagem se tornar o “irmão do meio”.
Com tudo isso, acaba se culpando e fica marcado, traumatizado com a morte da mãe,
o que faz Dino começar a bloquear qualquer tipo de emoção ou sentimento. Inconscientemente, ele acredita que qualquer coisa que ele tocar vai se desmanchar. Já que o único relacionamento que teve (com a mãe) acabou em desastre, Dino enxerga que isso vale para todos, e assim se isola de tudo e todos, para se auto-preservação e para preservar as outras pessoas, sem deixar nenhuma emoção que surja o afetar. Ele sente, mas tal emoção não se mostra existente, é praticamente imune a sentimentos.
Ainda assim, ele passa a vida tentando reverter essa situação, se tornar uma pessoa
normal, com sentimentos, relacionamentos e laços, alguém na sociedade. Para tal objetivo, Dino vive como um “vouyer”, sem realizações próprias, só observando as emoções dos outros, as reações, para poder entender e talvez decifrar uma forma de conseguir também sentir, de forma objetiva (nem um pouco emotiva), como um estudo antropológico, na esperança de encontrar uma fórmula para curá-lo e fazê-lo voltar a ter emoções, viver.
Começa a trabalhar como projecionista de cinema para ver se descobre uma maneira de mudar a vida e voltar a sentir emoções, ou seja, viver: vê a reação das pessoas que acabam se emocionando com os filmes, tentando descobrir a quais estímulos emotivos as pessoas respondem e como.
Ao conhecer Jéssica, fica intrigado em “desvendar” as razões para as reações incomuns dela, mas tem dificuldade por não saber se relacionar, nunca ter conseguido aprender. Para ultrapassar essa barreira, tem a idéia de escrever um roteiro do que ele deve “atuar”, baseado em suas observações, para assim conseguir se aproximar da moça e entender melhor suas ações. Com isso, tem esperança também de que se forçar as emoções, mesmo que artificialmente, elas possam se tornar reais, como se sentir fosse um aprendizado.
24
Jéssica (Jés)
Jovem, idade em torno dos 21 anos, caucasiana, de aparência alternativa, com cabelos vermelhos encaracolados e olhos verdes; é descolada, bastante liberal e tem uma personalidade única e marcante. Usa vestimentas bem coloridas, estilo meio hippie, com batom sempre vermelho. Sente as emoções com muita intensidade, o que a faz se machucar; portanto, sempre tenta tirar o significado de suas vivências, não dar importância aos seus sentimentos como forma de proteção, mesmo que o inconsciente não consiga reproduzir seus objetivos. Dá-se bem com Dino logo quando o conhece, exatamente porque ele aparenta ser distante, além da curiosidade despertada pelo comportamento esquisito dele, sua expressão que não demonstra nenhuma emoção, um mistério, sempre com seu caderno em mãos, o que funciona de acordo com seu plano de não sentir tantas emoções também, estar com alguém que parece “atenuado”.
Já viajou mundo a fora, passando longos períodos de tempo nos mais diversos países,
vivendo as mais diversas experiências. Um ano antes de conhecer Dino, conheceu e se apaixonou por um russo que estava no mesmo esquema dela, um andarilho da vida, e passou a acompanha-lo em suas viagens. Por mais que os dois se dessem bem, que seus ideais estivessem alinhados, Jés acabou achando isso tudo muito vazio, muito superficial. As emoções todas que viviam eram passageiras, mudavam muito rápido, não conseguiam aproveitá-las direito, já que acabavam logo que começavam. Assim, quando o russo, no mesmo pique e com a mesma energia, quis continuar, Jés decidiu retornar ao lar, tentar viver “de verdade” suas experiências, conseguir aproveitá-las. Retorna a Brasília seis meses antes de conhecer Dino, decidida a filtrar melhor suas emoções, viver sem complicações, aproveitando as experiências até aparecer a “experiência certa” de que ela precisa, sem sentir e se frustrar após a experiência. Seu plano é simplesmente relaxar, sem preocupações, por mais que, no fundo, ela sente tudo, sendo bem sensível ao mundo ao redor, até mesmo por causa de suas experiências de vida aproveitando tantas emoções diferentes.
Assim como Dino, Jés nunca foi muito próxima dos pais, que a tiveram muito cedo e,
ainda imaturos, decidiram deixa-la solta na vida, até para eles poderem aproveitá-la melhor também. Como o pai de Jés é de família rica, daquelas altas sociedades de antigamente , os dois nunca tiveram que trabalhar e fazem o que querem da vida, viajando, só frequentando festas, de forma que, também como Dino, Jés foi praticamente criada pela avó materna, mais centrada, mais materna. Mesmo assim, por ser apenas avó, nunca conseguiu ter muita influência na neta, tendo que liberá-la nas viagens, de qualquer forma.
Jés é aluna de Antropologia, por mais que nunca tenha investido tanto no curso devido
aos seus períodos viajando e está tentando viver essa vida mais normal de estudante, por mais que tenha o impulso de fugir quando fica entediada. Gosta de artes, faz teatro e é apaixonada por cinema, sendo daquelas que se apaixona pelo filme e o assiste diversas e diversas vezes. É o único momento em que ela fica sozinha, sendo muito sociável, com seus pensamentos e sentimentos, de tal forma que acaba detestando filmes românticos, que a afetam e a fazem sentir o que ela não quer sentir, enquanto acaba se apaixonando por esse tipo de filme, exatamente porque é o momento em que ela consegue sentir o que quer e foge. É atriz de teatro, faz aulas em uma companhia, daí ela consegue interpretar perfeitamente a imagem de garota descolada que não se apega a nada, por mais que seja apenas uma fuga da sua realidade interior.