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UNIVERSIDADE DE SO PAULO
ESCOLA DE COMUNICAES E ARTES
DEPARTAMENTO DE BIBLIOTECONOMIA E DOCUMENTAO
BIBLIOFILIA: A ETERNA DEVOO AOS LIVROS
AUTOR: FERNANDO MUSTAF COSTA
MONOGRAFIA DE CONCLUSO DO CURSO DE BIBLIOTECONOMIA
Orientador: Prof. Dr. Waldomiro Vergueiro
So Paulo, 05 de dezembro de 2009
FERNANDO MUSTAF COSTA (5389772)
BIBLIOFILIA: A ETERNA DEVOO AOS LIVROS
Trabalho de concluso de curso apresentado como parte das atividades para obteno do ttulo de bacharel, do curso de Biblioteconomia da Escola de Comunicaes e Artes da Universidade de So Paulo
Prof. orientador: Dr. Waldomiro Vergueiro
So Paulo, 2009
Autoria: Fernando Mustaf Costa
Ttulo: Bibliofilia: a eterna devoo aos livros
Trabalho de concluso de curso apresentado como parte das atividades para obteno do ttulo de bacharel, do curso de biblioteconomia da Escola de Comunicaes e Artes da Universidade de So Paulo
Os componentes da banca de avaliao, abaixo listados, consideram este trabalho aprovado.
Nome Titulao Assinatura Instituio
1
2
3
Data da aprovao: ____ de _____________________ de ________.
Dedico este trabalho aos biblifilos
do mundo, em memria de Rubens Borba
de Moraes
AGRADECIMENTOS
Agradeo a todos os que me
ajudaram na elaborao deste
trabalho: aos amigos do Kendo pela
motivao, ao professor Waldomiro
Vergueiro por acreditar e apoiar meu
trabalho, Jssica Camara pelas
correes, minha famlia pela
pacincia e a Deus, pela sua infinita
misericrdia
Quando tenho algum dinheiro, compro livros. Se ainda me sobrar
algum, compro roupas e comida
Erasmo
RESUMO
Este trabalho parte das atividades para concluso do curso de Biblioteconomia da Escola de Comunicaes e Artes da Universidade de So Paulo, sob orientao do Prof. Dr. Waldomiro Vergueiro. O principal objetivo do trabalho de resgatar o tema de bibliofilia, definindo e diferenciando seu conceito, contextualizando seu papel na influncia no colecionismo de livros em geral e no Brasil, alm das contribuies para a sociedade. Discute-se tambm algum dos projetos de digitalizao de livros. A base da metodologia foi de reviso literria e da discusso dos projetos de digitalizao. A justificativa parte de um interesse pessoal do autor sobre o assunto e tambm devido recente doao da coleo do biblifilo Jos Mindlin para a Universidade de So Paulo.
Palavras-chave: bibliofilia; biblifilos; coleo de livros.
ABSTRACT
This work is part of the activities for completion of the course in Libranship from the Escola de Comunicaes e Artes, Universidade de So Paulo, under the guidance of Prof. Dr. Waldomiro Vergueiro. The main objective of this work is to redeem the subject of bibliofilia, defining and differentiating its concept, its role in contextualizing influence on the collecting of books in general and Brazil in addition to contributions to society. We also discuss some of the projects to digitize books. The basis of the methodology was to review the literature and discussion of digitization projects. The justification part of a personal interest of the author on the subject and also because of the recent donation of the collection of bibliophile Jos Mindlin for the University of Sao Paulo.
Keywords: bibliofilia, bibliophiles, book collection.
SUMRIO
1. INTRODUO ...................................................................................................................... 13
1.1 TEMA .................................................................................................................................... 13
1.2 OBJETIVOS ......................................................................................................................... 13
1.3 JUSTIFICATIVA .................................................................................................................. 13
1.4 METODOLOGIA................................................................................................................. 14
1.5 PROBLEMATIZAO ....................................................................................................... 14
2. DEFINIES EM GERAL................................................................................................... 17
2.1 INTRODUO BIBLIOFILIA E COLECIONISMO DE LIVROS ........................... 17
2.2 OBJETO DE ESTUDO EM QUESTO: COLEO DE LIVROS ............................... 20
3. SOBRE BIBLIOFILIA E ALGUMAS DERIVANTES ....................................................... 25
3.1 DEFINIES SOBRE BIBLIOFILIA............................................................................... 25
3.2 BIBLIOMANIA A LOUCURA DOS LIVROS ............................................................... 29
3.3 UM VCIO QUE LEVA AO ROUBO BIBLIOCLEPTOMANIA ................................. 32
3.4 OUTRAS LOUCURAS DOS AMANTES DE LIVROS ................................................... 36
4. BIBLIOFILIA BRASILEIRA ............................................................................................... 40
4.1 CONTEXTO GERAL .......................................................................................................... 40
4.2 ASSOCIAES DE BIBLIFILOS ............................................................................... 47
5. A CONTRIBUIO DA BIBLIOFILIA NOS TEMPOS ATUAIS .................................... 52
5.1 DESENVOLVIMENTO DE BIBLIOTECAS PARTICULARES ................................ 52
5.2 CONTRIBUIO E FORMAO DE ACERVOS DE BIBLIOTECAS ................. 53
6. CONSIDERAES FINAIS ................................................................................................. 57
7. REFERNCIAS ..................................................................................................................... 58
1. INTRODUO
1.1 TEMA
Coleo e paixo pelos livros bibliofilia e alguns comportamentos
frente aos livros, colecionismo de livros, obras raras brasileiras e
desenvolvimento de colees particulares.
1.2 OBJETIVOS
Este trabalho tem como objetivo estudar o colecionismo bibliogrfico e o
desenvolvimento de colees a partir do ponto de vista da bibliofilia. Resgata-
se o tema da histria da bibliofilia e colecionismo de livros em geral e no Brasil,
seu atual papel na sociedade, sua importncia no desenvolvimento de colees
de acervos particulares, sua importncia quanto conservao e digitalizao
de obras raras.
1.3 JUSTIFICATIVA
O tema parte a priori de um interesse pessoal do autor por
desenvolvimento de colees de livros e influncia de obras de biblifilos
consagrados e tambm por ser um assunto interessante e vasto da histria das
bibliotecas. Alm disso, atualmente, o destaque recebido pela biblioteca
particular do biblifilo Jos Mindlin, doada para Universidade de So Paulo,
bem como a tendncia de bibliotecas de obras raras digitalizarem seus acervos
com o intuito de preservao.
1.4 METODOLOGIA
Reviso de literatura sobre coleo de livros/ bibliofilia e discusso de
alguns projetos de digitalizao de acervo de obras raras.
1.5 PROBLEMATIZAO
Em meados da dcada de 1990 e at os dias atuais, com os avanos
das novas tecnologias, muitos bibliotecrios se preocuparam com um possvel
fim das bibliotecas devido s novas formas de produo e armazenamento de
livros e outros materiais como jornais, filmes etc. em bibliotecas virtuais. Para
aumentar essa preocupao, depois da atual possibilidade de fazer download
gratuitamente de msicas pela Internet, a indstria fonogrfica decaiu muito
economicamente, o que tambm fez com que muitas editoras e livrarias se
preocupassem com os livros piratas da Internet.
Por outro lado, foi com grande entusiasmo que muitas bibliotecas
abriram suas portas para a era digital. Atualmente, comum bibliotecas
empresariais, universitrias ou at mesmo bibliotecas pblicas oferecerem um
leque variado de servios digitais como catlogos, consulta bibliogrfica ou
acesso wireless internet. Problemas quanto ao espao fsico, poucos
volumes para se emprestar, dentre outras questes, seriam aparentemente
resolvidos Tambm com os livros digitais ou e-books.
Outra grande e interessante novidade foram os projetos de digitalizao
de acervos de obras raras no s de livros de instituies como a Biblioteca
Nacional, assim como o projeto Biblioteca Digital Mundial, que recebeu e
digitalizou diversos materiais raros de todo o mundo. At mesmo na recente
biblioteca brasiliana doada pelo biblifilo e escritor Jos Mindlin Universidade
de So Paulo, um rob l e digitaliza aproximadamente 2.400 pginas por hora.
Esses projetos tornaro materiais atualmente considerados restritos em
documentos universais. possvel para qualquer cidado do mundo, por
exemplo, ler uma carta de Cristvo Colombo de 1493 1, apenas fazendo
alguns cliques, sem precisar sair de sua casa.
Obviamente, a relao do livro papel muitas vezes pessoal e at
mesmo sentimental, dependendo da sociedade. Mesmo assim, no se pode
negar o crescimento pelo interesse nos livros digitais. Em muitas universidades,
os alunos j entregam seus trabalhos e teses apenas em formato PDF, ao
invs de impressos. Atualmente, existem at mesmo dispositivos do dia-a-dia
como celulares ou videogames portteis que possibilitam armazenar e ler
esses livros.
1 World Digital Library: http://www.wdl.org/pt/item/90/
O professor Eduardo Murguia questiona (2007, p.13):
Decorrente da emergncia das colees e do colecionismo de livros como temas de estudo desta pesquisa, ainda resta por saber: numa sociedade onde as bibliotecas e os meios de informao so cada vez mais presentes quais seriam os motivos para colecionar livros? Se comparado com o colecionismo de quaisquer outros objetos, o que diferencia a coleo de livros? Qual seria a relao entre o livro como meio de informao e seus dispositivos simblicos e subjetivos no momento de sua coleo?
Diante desse emaranhado de informao e questionamentos, enfim
podemos perguntar: sobreviver a coleo de livros? E a bibliofilia, qual ser o
papel dela no futuro? Qual sua atual contribuio? E o que podemos esperar
desses amantes de livros chamados de biblifilos?
2. DEFINIES EM GERAL
2.1 INTRODUO BIBLIOFILIA E COLECIONISMO DE LIVROS
O vcio, a paixo, a mania de se adquirir e colecionar livros ou seja, a
bibliofilia to antiga quanto prpria criao do registro da escrita.
Colecionar uma necessidade humana, s vezes marcada por motivos
pessoais, psicolgicos e at teraputicos.
O ato de comprar e acumular livros muito comum: para ler enquanto
est no trem ou no avio, para ler as obras que cairo no vestibular ou mesmo
por uma necessidade de trabalho. Os motivos so inumerveis. No entanto,
nem todo mundo biblifilo ou cultua um amor pelos livros. Muita gente gosta e
tem o hbito da leitura enquanto outros preferem dedicar seu tempo livre em
outras atividades, isso normal. O que difere um colecionador comum de livros
de um biblifilo que este busca formar colees especiais, procurando as
primeiras edies, por exemplo, sobre um assunto ou de determinado autor.
Segundo Rubens Borba de Moraes:
A bibliofilia no somente um passatempo de homens cultos, um hobby inocente, um emprego de capital para alguns espertos, um negcio para milhares de pessoas no mundo. uma obra de benemerncia (2005, p. 18).
Se buscarmos uma definio literal de bibliofilia no dicionrio de lngua
portuguesa (HOUAISS, 2001, p.443) encontrar-se- algo como amor aos
livros, esp. aos raros e preciosos ou de valor cultural ou, arte ou cincia de
biblifilo ou em especializados (MERRIAN-WEBSTER, 2009), amor pelos
livros especialmente pelas qualidades de seus formatos.
Dessa forma, colecionar livros e dedicar tempo, esforos e dinheiro na
aquisio de livros raros ou desenvolver uma coleo de livros sobre
determinado assunto no tarefa fcil e pode at mesmo parecer mesquinho e
dispendioso, levando em conta que o livro no Brasil caro e que demanda
certos cuidados. H casos extremos de pessoas que compram livros
impulsivamente, sem nenhum critrio e acabam acumulando toneladas de
livros no caso os bibliomaniacos, chegando ao caso de comprar outros
imveis para aloc-los. Como aconteceu com um ingls do sculo XIX, Richard
Heber, que para alocar sua coleo de 200 a 300 mil livros precisou comprar
mais sete imveis; contando com sua casa, dois imveis ficavam em Londres e
os outros seis espalhados pela Inglaterra e pelo Reino Unido (RAABE, 2001, p.
71). Certa vez, Heber inclusive afirmou que nenhum cavalheiro pode ficar sem
trs copias de um livro, um para mostrar, outro para usar e outro para
emprestar. (DICKINSON, 1994, p. 76).
Ao contrrio do que muitos pensam, nem todo livro antigo raro. Dessa
forma, no existe um manual nem a bibliofilia uma cincia exata para analisar
e quantificar o preo de um determinado livro. No entanto, o valor de um livro
raro calculado por diversos fatores como importncia que teve em sua poca,
limite de edies, valor cultural e histrico, erros, erratas, tipo de encardenao
etc. e seus preos so tabelados ou em leiles ou em catlogos de livreiros
especializados em obras raras.
Em toda parte do mundo existem biblifilos que colecionam e buscam
livros sobre seu prprio pas. A coleo de livros referente ao desenvolvimento
de uma nao tem um nome. No Brasil, chama-se Brasiliana, nos Estados
Unidos, Americana; na Inglaterra, Britnica dentre outros.
Cada livro que compe um acervo possui sua prpria histria. Quando
entramos em uma biblioteca em geral estamos buscando dados e informaes
que nos ajudem a solucionar nossos questionamentos e problemas. Mal tempo
temos para parar e especular de onde vieram esses livros, porque foram
comprados, data de edio ou pelas mos de quem j passaram. comum
pensar que eles sempre estiveram ali, confortveis em seus lugares.
Exemplo disso o caso citado por Basbanes em A Gentle Madness
(1995, p. 16), sobre um Evangelho de So Joo, escrito em grego e latim,
datado da poca de 500 d.C. que foi enterrado junto ao tmulo de um monge
em 687 d.C., patrono de um mosteiro beneditino Santo Cuthbert - levado s
pressas devido aos freqentes saques de povos brbaros duzentos anos
depois e que posteriormente ficou reservado em um altar da Catedral de
Durham por quase quatro sculos, comeando a fazer milagres aos fiis que
o veneravam, tendo que ser removido novamente devido aos avanos do
Anglicanismo do rei ingls Henrique VIII, em 1540, passando de mo em mo
de particulares at ser finalmente doado para British Library.
2.2 OBJETO DE ESTUDO EM QUESTO: COLEO DE LIVROS
Colecionar objetos, independentemente quais e quantos sejam, um
hobbie prazeroso, s vezes oneroso e que pode durar por muito ou pouco
tempo, dependendo das motivaes do colecionador e no sentido e inteno
que ele v para sua coleo.
Murguia (2007, p. 6) afirma, quanto ao colecionismo, que este
Um ato voluntrio que leva construo de uma coleo, nunca pensada em partes, mas como um todo inseparvel. As colees sempre comeam de forma espontnea, e, nesse sentido, elas existem pela vontade do colecionador, embora muitas delas sejam construdas como forma de prestgio social. Em muitos pases, os colecionadores possuem meios de expresso e lugares de encontro para realizar suas atividades. As colees podem ser de diferentes tipos segundo a inteno do colecionador.
Raabe (2001, p.74) afirma que colecionismo uma urgncia quase
indgena para a espcie humana. O desejo de colecionar pode-se manifestar
em qualquer fase da vida e tambm pode atingir sua maturidade e plenitude.
Murguia complementa (2007, p. 2), dizendo que
Os estudos de colees se configuram, na atualidade, como um vasto e frtil campo de estudo onde tm contribudo mltiplas reas do conhecimento oferecendo diversas abordagens e interpretaes. Eles so importantes porque nos colocam perante a evidncia do mundo da cultura material e seus objetos. Ademais, desvendam as obscuras relaes que o sujeito estabelece com os objetos. Dentre esses objetos, notadamente, o livro merece especial ateno pelas imbricaes pessoais e culturais que apresenta sua posse, e pelas suas caractersticas essenciais de suporte e de informao. Nesse sentido, acreditamos que o colecionismo de livros v alm da informao, pois a sua apropriao material est permeada por motivos diversos que no unicamente a criao do conhecimento.
Ao longo de um ano, milhares de livros so publicados e esto
disposio de bibliotecas, sebos e livrarias fsicas ou digitais com material
diverso. No entanto, mesmo com tanta disponibilidade dos biblifilos de
encontrarem livros, existem algumas peculiaridades na coleo de livros que
fazem com que alguns deles sejam mais procurados e almejados que outros.
Essas peculiaridades so: raridade, condio (estado fsico do livro), primeiras
edies, e outras caractersticas como erratas e autgrafos, inscries,
marginlia, ex-lbris e o quanto procurado. De certa forma, as peculiaridades
citadas tambm valem para outros tipos de colees em geral.
Raridade: Quando se trata de raridade, deve-se tomar cuidado porque ela
relativa e depende de alguns fatores. A primeira grande impresso pensar
que livros velhos so raros. Livro velho nem sempre raro, existem livros
velhos que nada valem, mas livros antigos publicados no bero da inveno da
tipografia de Gutenberg ou anteriores a 1504, os incunbulos, como so
conhecidos, que so raros, pois sobreviveram ao castigo do tempo e foram
preservados por geraes de biblifilos e bibliotecrios.
Os incunbulos do latim in cuna (no bero) foram os primeiros livros
impressos na inveno da imprensa tipogrfica dentre o perodo de 1455 a
1500 (GIORDANO, 2009, p. 11) quando surgiu um novo mtodo de impresso.
Giordano (2009, p. 10) afirma tambm em relao aos incunbulos:
Os incunbulos so os precursores do livro como hoje conhecemos; representam a evoluo da arte da impresso at atingir a sua maturidade, a transio das tradies artsticas e eruditas para mtodos mais modernos e profissionais. Os primeiros incunbulos se assemelhavam aos manuscritos: no havia nenhuma informao na primeira folha, os tipos imitavam a caligrafia da poca, inclusiva nas ligaduras e abreviaes.
Moraes (1998, p. 65) salienta que um livro para ser raro tambm precisa ser
procurado:
Um livro no valioso porque antigo e, provavelmente, raro. Existem milhes de livros antigos que nada valem porque no interessam a ningum. Toda biblioteca pblica est cheia de livros antigos, que, se fossem postos venda, no valeriam mais que o seu peso como papel velho. O valor de um livro nada tem que ver com a sua idade. A procura que torna um livro valioso.
Unicidade: outra caracterstica importante que pode tornar um livro em raridade
sua unicidade. Entretanto, o fato de um livro ser nico tambm no indica que
raro, pois segundo Pinheiro (2004, p. 1) impossvel pr-determinar as
caractersticas de um livro raro, porque cada livro um universo restrito de
manifestaes culturais originais e acrescentados e ainda complementa o
primeiro passo est em por em confronto os conceitos de raro, nico e
precioso (PINHEIRO, 1989, p. 20, citado por PINHEIRO, 2004, p.1)
Condio: o estado de um livro e sua conservao tambm importante. Mas,
a conservao de livros no se aplica somente ao papel, mas tambm ao tipo
de matria usada na encadernao e, se for original, o livro pode valer mais
ainda.
Primeiras edies: as primeiras edies tambm so caractersticas muito
almejadas pelos amantes dos livros. O livreiro A.S.W. Rosenbach (1873-1946),
um dos maiores caadores de obras raras americanas e um dos primeiros a
usar a coleo de livros como fonte de investimento financeiro, certa vez disse:
uma primeira edio para um autor to seu trabalho original quanto uma
pintura para um pintor (RAABE, 2004, p. 80). Acontece tambm que o livro,
para se tornar importante, depender de alguns fatores como a popularidade
do autor, a aceitao do pblico pela obra.
Outras caractersticas: Livros tambm costumam a ser valorizados quando
possuem assinaturas, dedicatrias ou comentrios do autor sobre a primeira
edio impressa, ou comentrios de outros escritores. Ex-lbris so selos ou
figuras ricamente ilustradas e com citaes geralmente em latim feitas para
identificar o dono do livro. como um carimbo que marca a posse da obra
em geral rara. Os ex-lbris ajudam a identificar o valor do livro e tambm so
objetos em si de colecionismo.
Erratas tambm podem tornar livros raros, como no exemplo engraado
de Moraes (1998, p. 70):
H uma bblia que vale muito dinheiro, simplesmente por causa da piada que fez o tipgrafo que a imprimiu. uma edio inglesa de 1631. Imprimindo o Stimo Mandamento No cometers adultrio, o tipgrafo esqueceu o no e saiu impresso o Thou shalt commit adultery. A brincadeira custou trezentas libras ao gaiato e toda a edio foi queimada, com receio de que os leitores no percebessem o engano e seguissem o mandamento tal qual tinha sido impresso. Mas sobraram quatro exemplares.
Chartier (1999, p. 149) resume e complementa a maioria desses conceitos na afirmao abaixo:
Mesmo em tempos de massificao e de universalizao, no se poder impedir os colecionadores de construir a raridade. Porque apesar da raridade poder ser objetiva, ela , de fato, com freqncia construda. Um livro raro a partir do momento em que h biblifilos para procur-lo. Se no h ningum interessado, mesmo que tenha sido publicado em um nico exemplar, ele no raro. uma histria absolutamente apaixonante a da bibliofilia, que comea no fim do sculo XVII ou no comeo do sculo XVIII, nos meios financeiros, e supe que seja definido o universo do colecionvel. Podem ser todos os livros impressos antes de certa data, ou todos os livros que tm o mesmo suporte material, rico e luxuoso, ou todos os livros que pertencem ao mesmo gnero literrio, ou ainda todos os livros sados da mesma oficina tipogrfica etc. Um critrio de raridade se pe em marcha, definindo o colecionvel pela srie. Da, livreiros que se especializam neste mercado publicam catlogos descrevendo as obras que so postas venda segundo regras particulares, atentas s particularidades de cada exemplar. Progressivamente, o gosto desses colecionadores ser conduzido com mais facilidade (mas no necessariamente) para os objetos mais custosos, fazendo do livro raro um investimento.
3. SOBRE BIBLIOFILIA E ALGUMAS DERIVANTES
3.1 DEFINIES SOBRE BIBLIOFILIA
Apesar de se ter noo de que o amor pelos livros e pela escrita
remonta desde que a homem comeou a colecionar manuscritos e a formar
bibliotecas, a primeira grande meno na literatura surge na Idade Mdia, em
1344, por meio do arcebispo Richard de Bury, que tambm foi chanceler e tutor
de Henrique II, na Inglaterra. Ele escreveu um verdadeiro tratado de amor e
cuidado para com os livros que ficou mundialmente conhecido como
Philobiblion, do grego Philo (amor) e Biblion (livro). Na viso de Bury (2004,
p. 9), os livros so os maiores presentes de Deus humanidade, sem eles o
conhecimento estaria fadado ao esquecimento. Ele tambm aconselha: os
livros devem ser amados acima de todas as riquezas e de todos os prazeres,
qualquer que sejam (2004, p. 34).
Ao longo do estudo e das leituras, encontramos algumas definies que
refletem o estado de ser daqueles que possuem bibliofilia ou seja, dos
biblifilos - bem como em algumas das definies, nota-se que os autores
fazem a definio, diferenciando o biblifilo do bibliomaniaco.
Dessa forma, o primeiro sempre o puro de corao, tomado de um
amor pelos seus livros, o que faz com que cuide deles como se fossem o maior
tesouro do mundo, pela sua raridade, beleza, encadernao, pelo seu
contedo etc., enquanto que o segundo sempre visto como um indivduo
tomado pelo desejo incontrolvel de possuir livros e mais livros, mas sem se
importar em l-los ou absorver algum conhecimento, em alguns casos tomados
por ansiedade ou como um distrbio mental.
Citando o bibligrafo alemo Hans Bohaster: O biblifilo o mestre de
seus livros, o bibliomanico seu escravo (citado por BASBENES, 1995, pg. 9).
Segundo Charles Nodier:
O biblifilo sabe como escolher seus livros, adicionando-os um atrs do outro, submetendo-os a vrios testes. O bibliomaniaco os pilha, colocondo-os um encima do outro, sem mesmo ter olhado para eles. O biblifilo aprecia o livro, enquanto que o bibliomaniaco o pesa e mede. (NODIER citado por RAABE, 2001, p. 68).
Seguindo a mesma linha de raciocnio entre biblifilo versus
bibliomaniaco:
Traduzindo letra, um biblifilo (do Grego biblion, livro, e philos, amigo) um amante de livros. E de propsito que utilizo a definio dada por Morais [Dicionrio da Lingua Portuguesa]. que o substanctivo amante explica muito mais o biblifilo do que o adjectivo amigo. Conheo muitos bibliomanacos, com verdadeiras e colossais bibliotecas, mesmo com alguma raridades, para quem o livro constitui apenas um divertimento ou um investimento, compram livros como quem compra laranjas, pelo aspecto e pelo peso (o que, no caso do livro, se pode representr pela encadernao e data da edio). Ora o biblifilo no apenas aquele que tem livros do sculo XV e XVI, ou de outras pocas recuadas. Para os ter, basta possuir dinheiro (conheo muitos bibliomanacos com verdadeiras fortunas em livros, que deles no tiram qualquer proveito, pois nem sequer os sabem ler, ou tm tempo para os catalogar e arrumar. Contudo, ajudam a preservar o patrimnio). Pode-se at ser biblifilo sem possuir nenhum livro dos sculos anteriores ao nosso. O que ento necessrio para se ser biblifilo? necessrio amor, carinho e estudo pelo livro que se comprou, seja ele a primeira edio de Os Lusadas (1572) ou a Mensagem (1934), s para dar dois exemplos, entre os maiores, da nossa poesia (DIAS, 1994).
A bibliofilia tambm est intrinsecamente ligada leitura, pelas
caractersticas j observadas e tambm pelo testemunho de algumas
autoridades como Jos Mindlin, o biblifilo mais conhecido no Brasil, que desde
sua infncia sempre demonstrou grande afeio por livros e por primeiras
edies, principalmente pela literatura brasileira.
Voltando ao modus operandi da leitura, a afirmao abaixo ilustra bem
isso:
No se ama de fato os livros sem cultivar o costume da leitura. O verdadeiro biblifilo antes de mais nada um leitor contumaz. Distingue-se do bibliomno, que se apraz em comprar e colecionar livros raros, pelo prazer da posse, sem valorizar os contedos. O colecionismo estril, individualista, apenas um ativo atraente e um smbolo de prestgio social, despojado da chama que anima a bibliofilia autntica: o esprito do leitor. ALCNTARA (citado por CASTRO, 2009).
No podemos deixar de mencionar a opinio de Rubens Borba de
Moraes, que, assim como Jos Mindlin, contribuiu significativamente para a
bibliofilia, tendo escrito um manual com memrias sobre sua vida com os livros,
bem como dicas e incentivos ao colecionismo, conhecido como O Biblifilo
Aprendiz, em que cita: a bibliofilia no somente um passatempo de homens
cultos, um hobby inocente, um emprego de capital para alguns expertos, um
negcio para milhares de pessoas no mundo. uma obra de benemerncia
(MORAES, 2005, p. 18). Moraes foi o primeiro a introduzir um curso de
Biblioteconomia em So Paulo (MINDLIN, 1998. p. 109) e atuou fortemente na
em prol da Semana de Arte Moderna de 1922.
No entanto, o que est por trs da Bibliofilia no o apego excessivo
leitura, mas o amor pelos livros, simplesmente por serem livros, assim como
existem pessoas que colecionam e admiram outras coisas como flores ou
filmes, por exemplo. esse mesmo amor que pode at mesmo ser maior que
o amor pelas mulheres (JACKSON, 2001, p.595) em alguns casos. No toa
que no meio biblioflico existem muitas piadas em relao a suas mulheres que
no conseguem suportar serem trocadas por livros. Parece at que os livros
so suas maiores diverses, suas nicas alegrias e contentamentos: os livros
so um fetiche na tribo dos biblifilos, possuindo toda santidade que um tabu
de posse primitivo tem e de toda mgica de um deus (FRANKLY, citado por
JACKSON, 2001, p. 598).
Um biblifilo no consegue viver sem seus livros, apesar de que a
loucura mansa (MINDLIN) geralmente no chega a ser um distrbio, como na
bibliomania. Thomas Jefferson, em carta para John Adams, em 1815, disse:
Eu no posso viver sem livros (BASBENES, 1995, XVII)
Mindlin (2005, p.15) contribui a essa discusso, afirmando:
O livro exerce uma atrao multiforme, que vai muito mais alm da leitura, embora esta seja um ponto de partida fundamental. Em primeiro lugar, existe sempre a iluso de que se vai conseguir ler mais do que na realidade se consegue. Depois vem o desejo de se ter mo o maior nmero possvel de obras de um autor de quem se gosta j o comeo de uma coleo. Conseguido o conjunto, que se que o mais completo possvel, surge o interesse pelas primeiras edies, geralmente raras, e a atrao do livro como objeto, e tambm como objeto de arte, em que entra a qualidade do projeto grfico, a ilustrao, a diagramao, o papel, a tipografia, a encardenao; e a j surge a busca pela raridade. Quando se chega a esse estgio, aquele que se pensava em ser na vida apenas um leitor metdico, est irremediavelmente perdido. Sua relao com o livro passa a ter uma dimenso quase patolgica, pois a compulso de possu-lo mais ou menos irresistvel (mais mais do que menos).
3.2 BIBLIOMANIA A LOUCURA DOS LIVROS
Segundo Raabe (2001, p. 68), a principal diferena entre bibliofilia e
bibliomania est baseada na motivao. Enquanto que para os bibliomaniacos
no existe limite ou controle para o ato de se comprar e acumular quantos
livros for possvel, os biblifilos, que tambm so famosos por acumularem
livros, os compram pelo apreo e conhecimento. como se os primeiros se
importassem com a quantidade enquanto que os segundos pela qualidade,
importncia e valor do livro.
A diferena s vezes muito tnue entre um ou outro e apesar de serem
comportamentos muito antigos, so influenciados por caractersticas sociais,
econmicas e culturais diferentes, como no exemplo abaixo:
(...) H diferena, pois, entre biblifilo e biblimano, no de essncia, mas de grau de intensidade. Muitas ocasies, a bibliofilia degenera em bibliomania. E por isso, o biblimano pode ser um homem ilustrado, um escritor, um investigador, sequioso de encontrar documentos e temas para os seus trabalhos. Camilo classifica-se a si prprio, de biblimano [Camilo, Introduo, in Brasileira de Prazins]. Qualquer destes indivduos, porm, sente gosto em mostrar as suas coleces, experimenta vaidade em ter obras raras, que mais ningum possua, e no oculta o facto. Antes pelo contrrio, faz gala em mostrar as suas bibliotecas (...) (VIANA, 1949).
Por mais que seja estudada, ainda no h um consenso sobre a
motivao de se comprar livros demasiadamente. Dickinson (1994, p.76) diz
que uma necessidade e urgncia de completar um desejo de controle e de
reconhecimento. Em geral, colees particulares de livros refletem os gostos
literrios de seus possuidores e nascem com o desejo particular de adquirir
conhecimento sobre determinado assunto. Os bibliomanacos no possuem
esse crivo.
Pela sua formao etimolgica (MERRIAN-WEBSTER, 2009),
bibliomania pode ter o significado de loucura dos livros - biblio (livros) e mania
(de loucura, excesso). Na literatura tambm encontramos autores que afirmam
que uma doena, um distrbio, que na maioria das vezes pode ser tanto
benfico quanto malfico e assim como procuramos distinguir as definies
entre bibliofilia e bibliomania, muito se confundiu por amor e loucura pelos
livros. J alguns, como Dibdin, dizem que apesar de ser uma insanidade,
dentre as manias e loucuras, mais louvvel e racional (JACKSON, 2001, p.
511) enquanto que tambm para outros, uma mania que deve ser evitada por
ser perigosa colecionar livros raros e autores antigos , talvez, a mania de
colecionar mais tola de todas (HARRISON citado por JACKSON, 2001, p.512).
Existem algumas divergncias tambm nas definies daqueles que
foram contaminados pela mania de colecionar livros. W. T. Rogers, por
exemplo, argumenta que um bibliomaniaco aquele que compra
aleatoriamente e tem gosto em caar as maiores raridades com o nico
objetivo de possu-las (Manual of bibliography, pg. 32, citado por JACKSON,
2001, p. 514) ao passo que Falcone Madan afirma que os bibliomaniacos
vivem apenas pela caa (sentido de aquisio) e por isso desprezam se so
caros ou baratos (The Daniel Press, 45, citado por JACKSON, 2001, p. 514).
Dessa forma, podemos considerar caractersticas da bibliomania como
uma excessiva considerao, estima e cuidado por livros; assim como uma
obsesso ou paixo desordenada por muitos livros. Agora o que torna uma
pessoa bibliomaniaca uma questo difcil de responder por que no existe
uma causa geral e de certa forma todas esto entrelaadas entre si.
Outras causas que tambm contribuem para a bibliomania so:
ganncia, inveja, vaidade, orgulho e at mesmo medo, segundo Jackson
(2001, p. 544 a 556) em seu XXV captulo da Anatomy of Bibliomania.
importante realar que a bibliomania, pode ser tanto adquirida por diversos
fatores quanto pode tambm ter causas naturais, ou seja, a pessoa j nasce
com os sintomas bibliomaniacos, conforme Jackson (2001, p. 516):
Bibliomania, assunto de nossa presente discusso, pode ser tanto em
disposio ou hbito, pura ou adquirida.
Nenhuma era da humanidade se viu livre da bibliomania, ou da bibliofilia
ou seja, do colecionismo de livros. Precisamos tambm relacionar no s
desejo, mas a necessidade de ter e poder ter livros. Na Grcia antiga e
posteriormente na Roma antiga, os livros ou materiais de leitura eram apenas
de uso particular de alguns aristocratas e patrcios usados para fins de
trabalho, estudo poltico ou militar evidentemente excluindo os estratos
pobres e escravocratas, mesmo que os livros como em Roma, eram usados
como moblia. Isso j foi moda por algum tempo. At mesmo Sneca
ridicularizava aqueles que no sabiam nada dos ensinamentos dos livros, fora
seu exterior.
Precisamos assim salientar que o livro foi um produto caro e inacessvel
para muitas pessoas, devido s dificuldades financeiras e tambm pela sua
produo limitada, visto que o formato da palavra escrita estava armazenado
em papiros, tbuas de madeira ou de argila. J na Idade Mdia, com a
descoberta do pergaminho e com a centralizao e produo de cpias nos
mosteiros religiosos, os livros se tornaram objetos exclusivos de uma
determinada classe. Com a inveno da imprensa por Gutenberg, os livros
comearam a ter maior escala de produo:
Com a inveno do tipo mvel, a partir do sculo XVI, com Gutemberg, o livro se transforma em objeto de ampla veiculao. As sociedades ocidentais podem ento ser definidas como cultura de objetos impressos, dada a importncia e o impacto dessa inveno. Afinal, com a introduo da tipografia, os produtos do prelo deixaram de ser reservados, alcanando um mbito maior de interessados, instalando-se no foro privado e pblico (CHARTIER citado por SCHWAARCZ, 2002, p. 128).
3.3 UM VCIO QUE LEVA AO ROUBO BIBLIOCLEPTOMANIA
No se sabe ao certo a origem desta palavra, mas seu significado sim. O
dicionrio Houaiss de lngua portuguesa o define como compulso, vcio ou
mania de furtar livros (HOUAISS, 2001, p.443). A bibliografia sobre este tema
aqui no Brasil escassa. Pouco se sabe, ainda mais com as crises das
bibliotecas pblicas. Ela mais comum no exterior, em que as coisas que
parecem ter mais valor simbolicamente. Thompson cita duas obras
importantssimas em Notes on Bibliokleptomania como Amateurs et voleurs de
livres de Albert Cim e Streifziige unes Bucherfreundes de Buch und
Verbrechen.
O roubo de livros j foi considerado pecado mortal e at mesmo sua
punio era a forca. Mas vamos considerar que tanto o roubo em um galinheiro
quanto numa biblioteca so roubos. Isto outro assunto: saber por que se
roubam livros e bibliotecas e at livrarias do Exrcito da Salvao. Sabe-se que
h vrios motivos e so to variados como seus mtodos. Bibliocleptas ou
bibliocleptomaniacos preferem as bibliotecas por parecerem mais fceis e
acessveis ao invs de livrarias ou museus, por exemplo. Thompson relata
nomes de ladres famosos desde a Antiguidade aos tempos modernos. O
interessante, que geralmente estes pertencem s mais altas classes da
sociedade ou so intelectuais. Em toda a histria da bibliocleptomania existiram
duas espcies de ladres: os criminosos e os bibliomaniacos. Os primeiros so
aqueles que roubam para depois vender. Os segundos foram mencionados no
tpico anterior.
A histria da bibliocleptomania to antiga quanto histria das
bibliotecas e seus motivos podem ser mais bem entendidos com o contexto de
cada poca. Ela remonta como veremos, Biblioteca de Alexandria. Manguel
(2006, p. 29 e 30) diz que:
Para rematar sua ambio, o rei Ptolomeu decretou, como medida suplementar, que todo livro que chegasse ao porto de Alexandria fosse apreendido e copiado, com a solene promessa de que o original fosse devolvido (como outras tantas promessas de reis, essa tampouco foi sempre cumprida, e muitas vezes o exemplar devolvido era a cpia). Como resultado dessa medida desptica, os livros reunidos na biblioteca passaram a ser chamados de a coleo de navios. Depois vieram os generais romanos.
As primeiras bibliotecas romanas foram formadas por saques de toda a
Grcia. A Biblioteca Real Macednia, a Biblioteca de Mitridates do Ponto, a da
Apelico de Teos por exemplo. (MANGUEL, 2004, p. 275 e 276). Na Idade
Mdia, o livro era um objeto raro e luxuoso, que praticamente s era
encontrado nos mosteiros. evidente que analfabetos no roubariam os livros,
se assim fosse no saberiam exatamente seus valores, mas como sabemos,
ter livro privilgio de poucos, conforme Cassagnes-Brouquet (2003, p. 26 citado
por GIORDANO, 2009, p. 14): Para um letrado do sculo XV, a compra de um
livro representa, a grosso modo, o equivalente a doze dias do salrio de um
secretrio da chancelaria real, de um oficial muito bem pago.
Na Idade Mdia foram produzidos os mais belos incunbulos, de 1455 a
1500. Ladres de livros nesta poca eram verdadeiras pragas. E a arma mais
usada para combat-los eram as maldies. O mosteiro de St. Mximim
ameaava os ladres com pragas parecidas com as de Judas e Pilatos. As
penas mais graves eram a excomunho e a possibilidade de ter o nome
riscado do Livro da Vida. Quem for biblioteca do mosteiro de So Pedro em
Barcelona poder ler:
Para aquele que rouba ou toma emprestado e no devolve um livro de seu dono, que o livro se transforme em serpente em suas mos e o envenene. Que seja atingido por paralisia e todos os seus membros murchem. Que define de dor, chorando alto por clemncia, e que no haja descanso em sua agonia at que mergulhe na desintegrao. Que as traas corroam suas entranhas como sinal do Verme que no morreu. E quando for ao julgamento final, que as chamas do Inferno o consumam para sempre. (CIM, Amateurs et voleurs de livres citado por MANGUEL, 2004, p. 276).
Na Renascena, com a larga impresso de livros, estes no eram mais
objetos to cobiados. No entanto, a sede do conhecimento fez com que as
bibliotecas tivessem muito trabalho. Prova disso uma outra praga, encontrada
em um tomo da poca:
O nome de meu senhor acima vs, Cuida, portanto para que no me roubes; Pois, se o fizeres, sem demora Teu pescoo...me pagar. Olha para baixo e vers A figura da rvore da forca; Cuida-te portanto em tempo, Ou nesta rvore subirs! (THOMPSON citado por MANGUEL, 2004, p. 276)
Parece-nos que a religio crist sempre foi veemente contra tais atos,
sendo que o papa Benedito XIV lanou uma bula em 1752, excomungando
quem roubasse livros, tamanha era a praga. No entanto, os clrigos so uns
dos maiores ladres de livros segundo Thompson (1944, p. 22) como o Cardeal
Pamfilio, que se tornou o papa conhecido como Inocente X, ou Don Vicent e o
Pastor Tinius. Abaixo dos clrigos, os estudantes. Estes visavam pesquisas.
Mas, acima de todos, a profisso que mais formou ladres de livros foi sem
dvida a dos bibliotecrios.
O maior bibliocleptomanaco de todos os tempos foi Guglielmo Bruto
Icilio Timoleone (1803-1869), o conde Libri-Carucci della Sommaia, o famoso
conde Libri (MANGUEL, 1997, p. 273). Natural de Florena, Conde Libri era
muito versado nas artes matemticas, e aos vinte anos lhe foi oferecido uma
cadeira na Universidade de Pisa. Em 1830, imigrou para Paris e por sua fama e
sucesso comeou a trabalhar na Universidade de Paris e tentou por duas
vezes sem sucesso o cargo de bibliotecrio na Biblioteca Real. Em 1840
possua uma notvel biblioteca e j vendia manuscritos e livros raros. Um ano
depois, foi nomeado secretrio de uma comisso para supervisionar
oficialmente manuscritos raros e dessa forma ganhou acesso a todas as
bibliotecas francesas. Apesar de algumas denncias, por sete anos Libri
roubou, vendeu e preparou catlogos de obras raras at que, com a Revoluo
de 1848, foi descoberto e fugiu para a Inglaterra com dezoito caixas de livros
roubados, avaliados em 25 mil libras, uma pequena fortuna para poca. Em
1850, foi condenado a dez anos de priso e morreu preso e pobre na Itlia, em
1869, conforme Manguel (1999, p. 272 275).
A Europa e os Estados Unidos so terras frteis para tais criminosos. Na
maioria dos casos, funcionrios de bibliotecas, biblifilos e bibliomaniacos
esto envolvidos. Em tempos modernos, observamos que os livros roubados
de bibliotecas geralmente so os que possuem alto valor monetrio.
3.4 OUTRAS LOUCURAS DOS AMANTES DE LIVROS
J sabemos que os biblifilos so famosos por amarem seus livros e s
vezes gastarem verdadeiras fortunas por exemplares velhos, empoeirados e
sujos; que bibliomaniacos tm compulses megalomanacas em adquirir e
possuir livros e que bibliocleptomaniacos roubam livros como assaltantes
roubam museus. S que a loucura por livros ainda no chegou ao fim e parece
no ter limites. No dicionrio de Lngua Portuguesa (HOUAISS, 2001, p. 443),
possvel encontrar mais de 30 verbetes com prefixo biblio (...) relacionando
dezenas de atividades ligadas ao livro, como por exemplo, biblioterapia (terapia
atravs de livros), bibliopagia (arte de encadernar livros), bibliocromia (tcnica
ou processo de impresso de livros em papel colorido), bibliolatria (bibliofilia
extremada que faz dos livros objeto de adorao) dentre outros. Entretanto,
existem alguns comportamentos que merecem ser destacados por
apresentarem um degrau mais profundo os bibliofgos (bibliophagi),
bibliotfios (bibliotaphy) e os bibliocastas.
Os bibliofgos so os mais conhecidos e bizarros da espcie. Muito se
escreve humoristicamente sobre eles, pois so devoradores de livros,
literalmente. No existem razes claras para afirmar o que faz com que
pessoas comam papel. Segundo Raabe (2001, p. 96) as pessoas comem
porque pensam que dessa forma se tornaro uma com o livro e dessa forma
aumentaro sua compreenso ao contedo. Mas no s no ramo dos livros
que se ingere papel: um exemplo so as plulas de Frei Galvo, que na
verdade so papis de arroz com inscries e oraes, distribudas pelas irms
do Mosteiro da Luz de So Paulo, para cura, milagres e para ajudar as fieis
engravidarem.
J os bibliotfios tfios (tumbas) - colecionam seus livros, mas em
oposio aos biblifilos e bibliomanicos que os exibem, preferem esconde-los e
tm o hbito de enterr-los. Jean Joseph Rive (citado por JACKSON 2001, p.
533) define que o bibliotfio aquele que enterra seus livros, mantendo os
trancados em algum compartimento. O motivo que leva uma pessoa em s
conscincia a fazer isso ainda no foi descoberto: testemunhas relatam que
por pensarem na preservao do conhecimento para geraes futuras. Como
John Steward, que enterrou algumas obras nas quais acreditava estava contido
um novo evangelho para salvao da humanidade (JACKSON, 2001, p. 534).
O caso extremo quando essas pessoas possuem o desejo de, ao morrerem,
for enterradas com seus livros favoritos, conforme relato de Eugene Field: Eu
dei a entender aos meus amigos que quando minha hora acabar nessa terra,
certeza que meus livros sejam enterrados comigo (BASBENES, 1995, p. 14)
Uma das loucuras mais perigosas relacionadas ao livro a bibliocastia,
que consiste na destruio de livros e bibliotecas. Para Raabe (2001, p. 94),
mesmo que uma pessoa se arrependa de destruir um livro, sua ao a
rebaixou para o pior tipo de pessoa que possa existir. O escritor venezuelano
Fernando Baez em sua Histria Universal da Destruio das Bibliotecas,
percorre ao longo da histria da humanidade, os motivos e impactos da
destruio de livros. Na maioria das vezes, a destruio de livros motivada
por motivos religiosos (de cunho fantico) e polticos (censura). Assim como no
perodo medieval, muitos livros foram preservados, muitos livros tambm foram
queimados (s vezes junto a seus donos) por conterem contedos
considerados hereges, contrrios a f crist ou muulmana. Na Alemanha
nazista, a queima de livros precedeu a morte de milhares de pessoas. E
tambm no faz muito tempo, uma igreja de segmento protestante dos Estados
Unidos realizou uma grande queima de livros da Harry Potter da escritora
britnica J.K. Rowling por fazer aluses bruxaria. 2
2 Conforme: http://www.scarpotter.com/noticias/igreja-batista-planeja-queimar-livros-da-s-rie-harry-
potter-no-dia-das-bruxas.html
4. BIBLIOFILIA BRASILEIRA
4.1 CONTEXTO GERAL
Os biblifilos bem sabem que esgotar a coleo de um determinado
assunto, na maior parte das vezes, iluso. Principalmente devido falta de
bibliografias, bem como possibilidade de as obras estarem em domnio
pblico ou em mos de particulares, ou possurem um alto valor monetrio. o
que acontece tambm com as colees de livros antigos, publicados sobre ou
em um pas. No h de se negar sua importncia, porque so preciosos no s
para bibliofilia, mas tambm para a histria e memria das naes. As
primeiras edies de qualquer assunto ligado ao incio da nao ou da
imprensa sempre despertam a ateno de colecionadores.
Quanto aos primeiros livros impressos no Brasil, Moraes (2005, p. 152)
afirma: No h, talvez, campo mais vasto e inexplorado em bibliofilia. um
verdadeiro serto que poucos bandeirantes percorrem, guiados por roteiros
incertos. um assunto pouco conhecido, onde um biblifilo estudioso pode
fazer descobertas sensacionais.
Comparado aos pases europeus, o Brasil um pas jovem e teve a
instalao de seus prelos impressores tardiamente. Acontece que, por um
longo tempo, foi colnia portuguesa e as principais metrpoles impediam
qualquer forma de publicao por motivos poltico mercantilista, subversivos e
ideolgicos. E isso mesmo sendo o Brasil colonial (1500-1822) palco para
educao religiosa, formao de gramticas, dicionrios e at mesmo defesa
de teses de ensino superior por parte dos jesutas para com a populao nativa
de ndios que habitavam praticamente todo o continente sul-americano.
Dessa forma, fica evidente que o primeiro livro a tratar sobre a Terra de
Santa Cruz no foi escrito por brasileiros (que ainda no existiam) nem muito
menos impresso no paraso relatado pelos primeiros viajantes. Segundo
Moraes (2005, p. p. 151), o primeiro livro a tratar sobre o Brasil foi o Mundus
Novus Mundo Novo de Amrico Vespcio (1451-1512), italiano que
percorreu a costa brasileira e visitou at a Amrica do Norte em sua terceira
viagem a mando de Portugal. Na realidade, trata-se de um folheto de
aproximadamente oito pginas descrevendo as belezas naturais do litoral e da
descoberta de um mundo novo. O documento foi traduzido para diversos
idiomas e raro tambm por ser chave para a Questo-Vespcio, de que as
terras recm-exploradas eram um novo mundo, totalmente diferente do que se
conhecia na Europa. A carta foi publicada entre 1503 e 1504 em Paris ou
Alemanha e possvel consult-la digitalmente na World Digital Library 3.
sabido tambm que na embarcao de Pedro lvares Cabral estava o
cronista Pero Vaz de Caminha que fez a primeira impresso da terra que seria
chamada de Brasil. Relatando sobre o modo de viver, agir e se vestir dos
3 Mundus Novus em: http://www.wdl.org/pt/item/2829/pages.html#volume/1/page/1
nativos, a geografia e a possibilidade de explorao de minrios, a carta foi
enviada ao rei Manuel I (1495-1521) no dia primeiro maio de 1500. Atualmente,
a carta de Caminha tem seu valor reconhecido como o primeiro documento da
Histria do Brasil, como que uma certido de nascimento do pas e o Mundus
Novus como o primeiro livro.
Dessa forma, de 1500 a 1808 no foram impressos livros no pas devido
poltica da poca, com apenas uma exceo por parte do portugus Antonio
Isidoro da Fonseca em 1747. Ele considerado o fundador da imprensa no
Brasil, apesar de sua empresa ter falido pela presso da Coroa. Tipgrafo
habilidoso e reconhecido em Portugal foi para a colnia com seus prelos tentar
uma vida nova e montar sua segunda oficina, visto que havia imprimido
algumas obras que foram queimadas pela Inquisio e tambm para saldar
dvidas e tentar ganhar algum dinheiro para sustentar a famlia. Com medo ou
no, imprimiu um folheto de 22 pginas (disponvel na Brasiliana Digital4)
intitulado Relao da entrada que fez [...] D. Fr. Antonio do Desterro Malheuro
bispo do Rio de Janeiro [...] composta pelo doutor Luiz Antnio Rosado da
Cunha [...] (MORAES, 2005 p. 154).
Fonseca pediu licena apenas ao prprio bispo mencionado acima,
negligenciando a autorizao do Estado. Apesar de ter sido aprovado pela
Santa S e no conter contedo subversivo, ao chegar ao conhecimento de
Portugal, a tipografia foi fechada e tudo foi reenviado para a terra lusitana,
4 Primeiro livro impresso no Brasil: http://www.brasiliana.usp.br/bbd/handle/1918/03908100
inclusive o prprio tipgrafo. Fonseca tentou retornar em 1750 para o Brasil,
mas seu pedido foi recusado.
No de se estranhar tal ato de Portugal nem que no houvesse
tipografias no Brasil. Mesmo se houvessem, os livros teriam que ir para Coroa
e passar pelas licenas necessrias. Segundo Sodr (1999, p.9), existia trs
tipos de licenas em Portugal:
A episcopal ou do Ordinrio, a da Inquisio, e a Rgia, exercida pelo Desembargo do Pao desde 1576, cuja superioridade se firmava nas Ordenaes Filipinas, que proibiam a impresso de qualquer obra sem primeiro ser vista e examinada pelos desembargadores do Pao, depois de vista e aprovada pelos oficiais do Santo Ofcio da Inquisio. [..] Ora, se na metrpole feudal essas eram as condies, fcil calcular quais seriam as que imperavam na colnia escravista, particularmente depois do advento da minerao [..]
Dessa forma, no se conhecem livros impressos antes de 1747 at
1808, data em que foi fundada a Imprensa Rgia por parte do rei D. Joo VI,
que fugiu das invases napolenicas. Com a chegada da famlia Real para a
colnia, que virou a sede do governo, no era mais interessante manter todo o
atraso cultural existente, visto que a maioria das outras colnias mundo afora j
possua imprensa e universidades, como o Mxico em 1539, Peru em 1583, as
colnias inglesas em 1650 dentre outras, conforme Sodr (1999, p. 10).
Segundo Mindlin (2004, p. 119), aps a fundao da primeira imprensa
no Rio de Janeiro, em 1808, seguiram-se:
Na Bahia, em 1811, em Pernambuco em 1817, no Maranho em 1822, em Minas Gerais em 1827, no Par em 1828, no Cear em 1864, em So Paulo em 1836, no Rio Grande do Sul em 1835,em
Santa Catarina entre 1836 e 1838, no Amazonas pelo menos em 1852, no Paran pelo menos em 1855, em Gois pelo menos em 1837. A partir do sculo XX, a produo editorial comea a existir em todos os estados.
Quanto publicao das primeiras obras nos estados, isto ainda no
est bem definido, sendo um campo vasto e passvel de muito estudo e
pesquisa.
Ressalta-se que se no perodo colonial brasileiro no foram impressos
livros no Brasil. Isso no significa que livros sobre o pas ou de escritores
nacionais no fossem publicados mundo afora. A coleo de livros que abrange
essa categoria vasta, diversificada e contm obras que podem custar
fortunas, outras nem tanto, e relatam diversos temas e formatos: sobre
descobertas, viagens, livros feitos em xilografia, de cobre, ouro etc. um
assunto muito procurado por colecionadores, biblifilos e bibligrafos pelo
ponto de vista artstico, histrico e cultural. Vale mencionar que essa coleo
de livros foi publicada ao longo de diversos pases em vrios idiomas e est
espalhada por diversas bibliotecas pblicas e nacionais e considerada como
tesouro nacional, descentralizando a possibilidade de haver uma coleo
completa nas mos de colecionadores particulares. A essa coleo se d o
nome de Brasiliana. Moraes (2005, p. 187) prope que se classifiquem como
brasiliana todos os livros sobre o Brasil, impressos desde o sculo XVI at fins
do sculo XIX, e os autores brasileiros, impressos no estrangeiro at 1808.
De forma geral, teoricamente, todo livro publicado no Brasil por autores
nacionais ou de estrangeiros sobre o pas podem ser includos nessa coleo,
mas por motivos biblifilos, um livro para ser includo precisa ser antigo
(anterior a 1900) e ser procurado. Moraes props o perodo de 1503 at 1808,
pois essa ltima data representa a fundao da imprensa no pas, quando
deslanchou a produo editorial, aumentando significantemente o nmero de
obras sadas dos prelos brasileiros. Apesar de ainda no haver um consenso
definido sobre a extenso da brasiliana, neste trabalho adotou-se a proposta de
Moraes.
A maneira mais confivel de se reconhecer obras raras, sejam da
brasiliana ou no, por meio de bibliografias. Moraes publicou duas obras de
referncia para a Brasiliana, a Bibliographia Brasiliana (1959) e a Bibliografia
Brasileira do perodo colonial (1969). Como j dito, a Brasiliana foi formada por
quase quatro sculos, contm diversos assuntos que algumas vezes esto
atrelados a documentos e relatrios ligados a histria de outros pases.
Quanto aos livros impressos aps 1808 no Brasil e procurados por
biblifilos, esses fazem parte de uma coleo parte, de uma coleo que
Moraes (2005, p. 177) classifica como Brasiliense: essa classificao
arbitrria, como toda classificao, alis. Mas tem a vantagem de dividir os
livros impressos no exterior com os que foram impressos no Brasil.
So, em geral, os primeiros livros sobre uma cincia como Medicina,
Fsica, Histria e Geografia, mas, principalmente por livros consagrados da
literatura brasileira, suas primeiras edies e as obras que marcaram um
perodo literrio, como as de Machado de Assis, Jos de Alencar e Manuel
Antonio de Almeida. Por muito tempo, a literatura e a prpria lngua portuguesa
escrita no Brasil sofreram diversas influncias diretas da Europa, como por
exemplo, as correntes literrias do Arcadismo, Romantismo e Parnasianismo.
Com a Semana da Arte Moderna de 1922, houve uma valorizao da
conscincia nacional e uma grande reforma no modo de escrever e pensar a
lngua portuguesa. Do mesmo modo, houve um maior interesse de
colecionadores pelas primeiras obras dessa poca, como o Macunama de
Mrio de Andrade.
As primeiras obras que foram publicadas segundo o desenvolvimento da
imprensa no pas tambm so objeto de coleo e orgulho para os biblifilos.
Mesmo que, na maior parte, no tenham sido livros, mas sim jornais, folhetos
com teor poltico e crtico. Outra coleo bem procurada a de livros e
materiais impressos pela Imprensa Rgia colonial do perodo de 1808 at
1822.
A John Carter Brown Library (JCB) sediada em Devonshire, no norte
dos Estados Unidos - uma das bibliotecas mais conhecidas e reconhecidas
que possuem uma das maiores colees sobre Brasiliense. Em mdia, so
cerca de 1500 documentos em portugus at 1822. Os livros e documentos
que se referem ao Brasil fazem parte da coleo The Codigo Brasiliense. Ela
contm os primeiros impressos da coroa portuguesa no Brasil, em sua maioria
leis, atas, decretos e cartas. A JCB tambm tem um programa de digitalizao
desses documentos e at agora disponibiliza as leis de 1808 a 1810 e tem
como meta digitalizar at 1822 (disponveis no site da biblioteca5). Vale lembrar
que esse tipo de documento tambm se encontra em bibliotecas pblicas e
nacionais como as do Brasil e de Portugal, bem como em bibliotecas pblicas
como a Mrio de Andrade e particulares, como na de Jos Mindlin.
4.2 ASSOCIAES DE BIBLIFILOS
Colecionar um objeto ou material sobre determinado tema ou assunto
desperta interesse em diversas pessoas espalhadas pelo mundo,
independentemente de sua raa, religio, idade ou profisso. O interesse
comum acaba fazendo com que essas pessoas se organizem em grupos,
clubes, academias, associaes e sociedades para compartilhar informaes e
cultivar o interesse pela coleo desenvolvida. O mesmo acontece no grupo de
biblifilos.
Ou seja, os biblifilos se renem para cultivar o amor pelo livro, alm de
ensinar aos novatos como montar suas bibliotecas. Em geral, a inteno do
grupo reimprimir livros raros, significativos para a literatura nacional, que
marcaram uma determinada poca. As obras so impressas artesanalmente a
partir da primeira edio de um original, e, por no serem impressas pela
editorao moderna, costumam demorar cerca de seis a sete meses para ser
concludas. O nmero de edies tambm limitado de 200 a 500
5 Index of Laws: http://www.brown.edu/Facilities/John_Carter_Brown_Library/CBPT/general_pt.htm
exemplares no mximo. Gauz (2007) afirma que: essa uma das maneiras de
o livro que j nasce raro se manter vivo. o livro-objeto de arte que insiste
(graas a Deus e as almas abnegadas) na importncia de sua presena num
universo cada vez mais virtual.
O grupo mais antigo nesse ramo foi criado na Inglaterra e se chama
Roxburghe Club. Fundado em 1812 por um grupo de colecionadores de livros e
biblifilos (cerca de 40 pessoas), inspirados pelo Reverendo Thomas Dibdin.
De 1814 aos dias atuais foram republicadas aproximadamente 300 obras
(livros e manuscritos) que estavam praticamente fora de circulao e so
considerados raros, nicos ou importantes para a histria e literatura inglesa.
No site do clube possvel ver a lista das obras publicadas ao longo de mais
de duzentos anos6.
Como a bibliofilia universal e no privilgio de nenhuma nacionalidade,
apesar de ser mais apreciada nos pases mais desenvolvidos, depois da
Roxburgue surgiram outras sociedades como a Grolier Club a primeira
associao estadunidense, fundada em 1884, bem como outras tais que
seguiram como a Florida Bibliophilie Society, Bibliophilie Society of Rochester,
Oxford University Society of Bibliophilie dentre outras.
6 Lista de obras da Roxburgue Club: http://www.roxburgheclub.org.uk/clubBooks/
Segundo Barrias (2008, p. 788),
As edies de livros eram ilustradas no sculo XIX por artistas como Delocroix, Gustave Dor, Tolouse Zautrec, William Morris e posteriormente no sculo XX por artistas como Picasso, Matisse, Mir, Marc Chagall, Andr Dorain, Sonia Delaunay, Leger, Eric Gill, Dufy, Andr Masson, Dali, Rouaul entre outros.
No Brasil, o primeiro grupo foi a Sociedade dos Cem Biblifilos do Brasil,
fundada em plena 2 Guerra Mundial, em 1943, por Raymundo Ottoni de
Castro Maya, na cidade do Rio de Janeiro. Cem era o nmero mximo de
membros e chegavam a imprimir 120 obras, uma para cada membro e as
outras eram enviadas para outras bibliotecas nacionais, como de Lisboa e de
Paris, de acordo com Barrias (2008. P. 787).
Dentre os membros mais conhecidos do grupo estavam Carlos Lacerda,
Jos Mindlin, Walter Moreira Salles, Roberto Marinho, Israel Klabin, dentre
outros. As obras publicadas eram de grandes nomes da literatura nacional,
como Jorge Amado, Mrio de Andrade, Machado de Assis, Olavo Bilac etc. Os
livros tambm foram ilustrados por artistas plsticos de renome, como Candido
Portinari e Di Cavalcanti. O primeiro livro, publicado em 1944, foi Memrias
Posthumaz de Braz Cubas, de Machado de Assis. At 1969 data em que o
grupo parou de publicar foram reimpressas 23 obras que atualmente, na sua
maior parte, esto sob a guarda da Universidade de Braslia.
Exatamente 44 anos depois da fundao da Sociedade dos Cem
Biblifilos do Brasil, 1987, Jos Augusto Bezerra, biblifilo cearense que
coleciona livros e obras raras desde seus 13, fundou a Associao Brasileira de
Biblifilos, que promove encontros como o III Encontro Nacional de Biblifilos
do Brasil em 2007, em Fortaleza. Bezerra possui a maior biblioteca particular
do Cear, com cerca de 27 mil livros e documentos. Em 2008 recebeu grande
parte do acervo particular da escritora Raquel de Queirz, da irm desta, Luiza
Queirz, tamanha considerao o biblifilo granjeou. Bezerra at mesmo
relacionou as seis leis da bibliofilia:
1. O livro o melhor amigo do homem;
2. Embora diferente de ns, possuem um corpo e alma;
3. Livros manuseados no pegam mofo nem traas;
4. Se lhe dermos ateno como a um amigo, iremos sonhar juntos,
aprender e crescer;
5. Os que lem, portando vivem mais, com mais qualidade de vida;
6. Se um amigo um tesouro, conservar os livros o melhor investimento,
material e espiritual7.
O ltimo e mais recente grupo fundado no Brasil, que j publicou 27
obras, a Confraria dos Biblifilos do Brasil, fundada 1995 pelo engenheiro
mineiro Jos Salles Neto. Inspirado pela Confraria, Salles enviou para quatro
grandes jornais de circulao o aviso de que queria montar um grupo de
7 Leis da bibliofilia, cf. Jos Augusto Bezerra: http://groups.google.com/group/intercom-nucleo-
producao-editorial/browse_thread/thread/87322a56de04f3ee
amantes de livros. Poucas horas depois, recebeu um telefonema do primeiro
interessado, o ento vice-presidente da Repblica Marco Maciel. Seguiram
Jos Mindlin, o ator Paulo Betti e at mesmo o ex-banqueiro Jos Safra dentre
outros (MOREIRA, 2008).
Assim como outras organizaes, o livro na Confraria dos Biblifilos do
Brasil feito artesanalmente e seu processo de concluso demorado. So a
priori exclusivos para os membros, mas tambm podem ser vendidos ao
pblico por cerca de R$90 ou R$120,00. As edies so limitadas, conforme
Salles (ENTRELIVROS, 2005): uma confraria que se preze deve produzir
edies limitadas o que as torna diferenciadas e valorizadas, at do ponto de
vista monetrio.
5. A CONTRIBUIO DA BIBLIOFILIA NOS TEMPOS ATUAIS
5.1 DESENVOLVIMENTO DE BIBLIOTECAS PARTICULARES
Bibliotecas particulares so colees de livros formadas por indivduos.
Isto ocorre desde a Antiguidade, na Grcia antiga, at os dias atuais. Ccero,
Plutarco e Aristteles tambm so conhecidos por terem sido donos de
bibliotecas particulares. Na Idade Mdia, cerca de 24 colecionares de livros so
identificados, dentre eles Plutarco, o rei francs Carlos V e Richard de Bury. Na
Renascena, a atmosfera da coleo de livros aumentou com o crescimento de
profisses liberais como de advogados, professores, mdicos etc. Muitas
bibliotecas institucionais comearam a se formar a partir de bibliotecas
particulares, como as da Universidade de Oxford e da British Library, conforme
Overmier (1999, p. 514):
Uma das duas bibliotecas nacionais italianas de Floresa e Roma foi baseada nas colees particulares de Antonio Magliabechi e Anton Frascesco Marmi; eventualmente, essas duas colees foram base para fundao da Biblioteca Pblica Florentina, em 1861.
As colees de bibliotecas particulares em geral se aplicam tanto a
grandes como pequenas colees. Diversas so as motivaes que levam
pessoas a formarem bibliotecas, sejam cultas ou no: divertimento e lazer,
estudo, gosto pela leitura, trabalho, pesquisas, modismos, e tambm por
questes biblioflicas: a bibliofilia atuou como um importante papel no
desenvolvimento de colees particulares pelo desejo de colecionar no
somente por necessidade prticas, mas devido aos livros serem objetos
desejveis e interessantes (PEARSON, 1997, p. 522).
Vemos, dessa forma, que essas colees particulares so em sua maior
parte no apenas um acmulo de livros e tm sua devida importncia, pois
provem informaes nicas sobre a disponibilidade e utilizao de fontes de
cultura e inteligncia de uma determinada poca, bem como sobre importncia
ou no desses livros. Ao se estudar a vida de escritores ou estudiosos, assim
como a de um indivduo qualquer, por meio de suas colees, possvel se ter
uma idia de como pensavam e quais livros os influenciavam. As anotaes e
comentrios escritos nas margens dos livros indicam reflexes e reaes que
ajudam a entender a viso de mundo de seus donos.
5.2 CONTRIBUIO E FORMAO DE ACERVOS DE
BIBLIOTECAS
Apesar do desenvolvimento dessas colees ser diferente das
bibliotecas tradicionais, por no possuir uma poltica de aquisio nem de
desenvolvimento, mas um gosto de leitura prprio, e s vezes excntrico, no
raro que em muitos casos essas colees particulares sejam absorvidas por
bibliotecas, em sua maior parte pblicas ou universitrias, tendo muitas vezes
lugar de destaque na coleo ou at mesmo sendo responsveis pelo comeo
de uma biblioteca, como os livros e manuscritos de Sir Robert Cotton (1571-
1631) e os livros de Sir Hans Sloane (1660-1753) que se tornaram a pedra
angular da fundao da British Library (PEARSON, 1997, p. 522).
A primeira coleo de livros da Biblioteca Nacional francesa
(Bibliotheque Nationale) tambm se deu devido doao de um colecionador
particular, o rei francs Carlos V (que reinou entre 1364-1380). O rei biblifilo
doou cerca de 1000 manuscritos (BLASSELE, 1993, p. 124).
Outro exemplo significante de coleo particular que se tornou biblioteca
a Library of Congress, a biblioteca do Congresso Norte Americano. Em 1800,
devido a um ato do Congresso, a capital poltica que estava sediada na
Filadlfia foi transferida para Washington D.C. Decidiu-se tambm que se
formaria uma biblioteca com o mais diversificado contedo bibliogrfico para
apoiar as pesquisas e necessidades dos congressistas americanos. No
entanto, devido a Guerra de 1812 (1812-1814) entre Estados Unidos e Reino
Unido, o Capitlio onde estava a pequena biblioteca foi queimado e os
livros destrudos. Um ms depois, o ex-presidente Thomas Jefferson decidiu
doar sua biblioteca com os mais diversos assuntos e em vrios idiomas, que
havia levado cerca de 50 anos para acumular. Em 1815, o Congresso aceitou
cerca de 6500 livros e esse pequeno montante inicial foi base para a maior
biblioteca universalista dos tempos atuais, com mais de 130 milhes de ttulos
em mais de 460 idiomas. A Library of Congress tambm possui mais de 58
milhes de manuscritos e a maior coleo de livros raros da Amrica do Norte.8
Outra biblioteca que merece destaque a coleo brasiliana da
Biblioteca Brasiliana Guita e Jos Mindlin que foi doada para a Universidade de
So Paulo (USP), que o biblifilo e empresrio Jos Mindlin formou e
colecionou por cerca de 80 anos, desde seus 13 anos. A coleo brasiliana tem
aproximadamente entre 17 e 18 mil ttulos sobre a histria e literatura brasileira.
Mindlin (VILARINHO, 2006) diz que doei para USP para garantir que a
biblioteca continue viva e preservada e para que mais pessoas possam aceder
a essas obras. Overmier (1999, p. 517) complementa: biblifilos continuam a
doar suas colees para bibliotecas institucionais da mesma maneira que o
anterior homem educado e estudioso o fazia
Segundo o site da Biblioteca Brasiliana (2009):
Com seu expressivo conjunto de livros e manuscritos, a biblioteca Mindlin considerada a mais importante coleo do gnero formada por um particular. So cerca de 17.000 ttulos, ou 40.000 volumes: obras de literatura brasileira (e portuguesa), relatos de viajantes, manuscritos histricos e literrios, originais e provas tipogrficas, peridicos, livros cientficos e didticos, iconografia (estampas e lbuns ilustrados) e livros de artistas (gravuras).
8 Conforme site da Instituio: http://www.loc.gov/about/history.html
A USP no est s construindo um novo espao para abrigar a coleo
como tambm montou um projeto de digitalizao das obras conhecida como
Brasiliana Digital.
Quanto ao projeto, o professor de Histria do Brasil, Istvan Yancs
(BIBLIOTECA, 2009), afirma:
O conceito dessa biblioteca atender uma multiplicidade de destinaes. um servio que a USP vai prestar nao. Tudo que ns estamos fazendo sempre em cima da idia de que uma colaborao para montagem de alguma coisa que no vai ser a Brasiliana Brasileira.
O projeto de digitalizao da biblioteca de Mindlin no nico. Algumas
organizaes como a Google, que fez um acordo com livrarias, editoras e
bibliotecas, disponibilizam livros esgotados e de difcil acesso a quem acessar
a Google Livros9, bem como a Library of Congress junto com a Unesco, que
desde 1995 planejaram a World Digital Library10 (em operao desde abril de
2009), que tem como misso disponibilizar documentos histricos e culturais de
todo o mundo. Contrapondo a suposio de que a Internet acabaria com os
livros impressos, esses projetos de digitalizao ajudam ao mesmo tempo
conservar e promover o acesso a obras raras, esgotadas ou inacessveis,
dessa forma valorizando a historia do amor e cultivo pela leitura e pelo livro.
9 Conforme: http://books.google.com/intl/pt-BR/googlebooks/agreement/#5
10 Conforme: http://www.wdl.org/pt/about/background.html
6. CONSIDERAES FINAIS
Sabemos que os objetos, alm de possurem suas funes prticas,
tambm podem ser colecionveis. Sabemos tambm que os suportes da
escrita se modificam com o tempo, adaptando-se a cada cultura, sofrendo
revolues e transformaes radicais, como a Imprensa de Gutenberg e o
computador e dispositivos mveis, que permitem a leitura de livros e textos
eletrnicos. No entanto, o vigor da bibliofilia, insensvel revoluo eletrnica,
prova que o livro permanece uma entidade viva, j que ele passa de mo em
mo e colecionvel (CHARTIER, 1999, p. 149). Ou seja, a bibliofilia
continuar contribuindo para formao de colees de bibliotecas, particulares
ou institucionais, ajudando a conservar itens raros, despertando o interesse
pelo colecionismo de livros, contribuindo para o enriquecimento cultural pessoal
ou at de uma nao, j que muitos livros raros so tesouros nacionais. Enfim,
a bibliofilia uma histria paralela que continuar [...] (IBID, 1999, p. 149).
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