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SILVANA TERESINHA KREFTA
ASPECTOS HISTÓRICOS DA
CONJECTURA DE POINCARÉ
TCC – Trabalho de Conclusão de Curso
apresentado à banca avaliadora, Curso
de Licenciatura plena em Matemática,
Campus Universitário de Sinop,
UNEMAT, como requisito parcial para
obtenção do título de Licenciado em
Matemática.
Orientadora:
Profª.Ms. Chiara Maria S. L. Dias
SINOP
2009
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SILVANA TERESINHA KREFTA
ASPECTOS HISTÓRICOS DA CONJECTURA DE POINCARÉ
Trabalho de Conclusão de Curso
apresentado à banca avaliadora, Curso
de Licenciatura plena em Matemática,
Campus Universitário de Sinop,
UNEMAT, como requisito parcial para
obtenção do título de Licenciado em
Matemática.
BANCA EXAMINADORA:
_______________________________________________________
Prof. Ms. Chiara Maria Seidel Luciano Dias Professora Orientadora
UNEMAT – Campus Universitário de Sinop
________________________________________________________
Prof. Dr. André Luis Christoforo Professor Avaliador
UNEMAT – Campus Universitário de Sinop
________________________________________________________
Prof. Ms. Rogério dos Reis Gonçalves Professor Avaliador
UNEMAT – Campus Universitário de Sinop
________________________________________________________
Prof. Ms. Milton Luiz Néri Pereira Chefe do Departamento do Curso de Licenciatura Plena em Matemática
UNEMAT – Campus Universitário de Sinop
SINOP/MT
_____ de _________________de 2009.
4
Dedico aos meus pais e amigos,
pela confiança, compreensão e
apoio durante estes anos, e por me
ensinar a acreditar e não desistir
dos meus ideais.
Silvana
5
AGRADECIMENTOS
Agradeço primeiramente a Deus por ter me mantido em pé diante de diversas
dificuldades encontradas em meu caminho e por ter me dado forças suficiente pra seguir em
frente, além de ter colocado pessoas com quem pude contar em todos estes momentos.
A minha família, principalmente a minha mãe Salete e ao meu pai Claudino (Parente),
aos avós Gentil C. da Silveira e Ana Maria T. da Silveira por terem me educado e me
mostrado o significado real da palavra família, lembrando-me sempre que o melhor caminho
é a educação.
A todos os professores pela compreensão diante de diversos acidentes de percurso, em
especial aos mestres Chiara e Rogério (Galóis) pelas dicas e idéias durante a orientação do
trabalho e momentos de distração que sempre serão lembrados com carinho e a profª Ms.
Vera Lúcia pelo apoio em diversos momentos.
Aos colegas Djeison, Irineu, Polyanna e Silmara que com o passar do tempo se
tornaram amigos com quem espero dividir muitas alegrias futuras.
As amigas de longa jornada Cíntia, Simone e Wilma que dividiram comigo tantos
momentos bons ou não, me apoiaram e sempre me ajudaram a não desabar, que contribuíram
tanto com conversas calmas ou até mesmo festas agitadas para descontrair, continuaremos na
luta sempre, unidas pelo amor fraternal que existe entre nós e confiantes que teremos forças
para superar mais este momento difícil que estamos vivendo.
Aos amigos Laércio, Léia, Luciene (Mana) e Wagner que reconheci, pois como dizia
Vinícius de Moraes: A gente não faz amigos, reconhece-os, durante estes últimos anos que
me confortaram e ajudaram em vários momentos, me fazendo acreditar que conseguiria
alcançar meus objetivos, pelas diversos momentos de distração, noites de conversas e festas.
E por mais estranho que possa parecer, não posso deixar de agradecer a minha gatinha
Tchuka, pois ela foi quem passou maior tempo comigo nestes últimos doze anos, e durante as
madrugadas de insônia que em muitas vezes aproveitei para estudar, era ela quem me fazia
companhia.
Silvana
6
“A busca da verdade deveria ser o objetivo das
nossas atividades, é o único fim digno delas. [...]
Mas às vezes a verdade nos assusta. [...] Também
sabemos o quanto a verdade geralmente é cruel e
nos perguntamos se a ilusão não seria mais
consoladora, sim, ate mais revigorante, pois a ilusão
é o que dá confiança. [...] Essa a razão do nosso
medo da verdade; nós a consideramos uma causa de
fraqueza. Ainda assim, ela não deve ser tímida, pois
só a verdade é bela."
POINCARÉ
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RESUMO
KREFTA, Silvana Teresinha. Aspectos históricos da Conjectura de Poincaré. 2009. 43p.
Trabalho de Conclusão de Curso (Graduação em Matemática) – Faculdade de Ciências
Exatas. Universidade do Estado de Mato Grosso / Campus Universitário de Sinop. Sinop,
2009.
Este trabalho apresenta um estudo introdutório da história de um dos mais intrigantes
problemas da Matemática: a Conjectura de Poincaré. Destacamos alguns personagens
importantes e observações sobre os principais conceitos envolvidos no problema. Em
particular, relatamos desde os primeiros estudos de Poincaré até o desfecho no início do
século XXI bem como, a ligação feita entre a conjectura e sua importância para o estudo
sobre a forma do universo. Ressaltamos que a finalidade não é o aprofundamento da
matemática envolvida no problema, mas sim apresentar alguns aspectos conceituais e um
conteúdo histórico interessante, mostrando assim, que teorias matemáticas passam por um
processo evolutivo que envolve muitos personagens e fatos curiosos.
Palavras-chave: Jules Henri Poincaré, Conjectura de Poincaré, Perelman e Hamilton, Esfera
tridimensional.
8
ABSTRACT
KREFTA, Silvana Teresinha. Historical aspects of Poincare Conjecture. 2009. 43 sheets.
Course Conclusion Work (Mathematic Graduation) – Faculty of Accurate Science.
University of Mato Grosso State / Campus of Sinop. Sinop. 2009.
This work presents an introduction study of history of most intriguing problems of the
mathematic: The Poincare Conjecture. We make stand out some important figures and
comments about the main concepts involved in problem. Particularly, we tell since the first
Poincare‟s studies until the outcome in beginning of 21st century well as, the connection maid
between the conjecture and its importance for the study about universe shape. We emphasize
that the purpose isn‟t the deepening of match involved in problem, but presents some
conceptual aspects in a interesting historical content, showing that the mathematical theories
must be through a evolutionary process that involves a lot of figures and curious facts.
Keys-words: Jules Henri Poincare, The Poincare Conjecture, Perelman and Hamilton, 3D
Sphere.
9
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO .................................................................................................................. 10
RELATOS BIOGRÁFICOS DE JULES HENRI POINCARÉ ....................................... 12
TOPOLOGIA E A LIGAÇÃO DA CONJECTURA DE POINCARÉ COM A FORMA
DO UNIVERSO ........................................................................................................... 17
O CONCEITO DE DIMENSIONALIDADE ............................................................. 17
CONEXIDADE E COMPACIDADE .......................................................................... 23
O CONCEITO DE HOMEOMORFISMO ................................................................. 25
CONJECTURA DE POINCARÉ: DA ELABORAÇÃO DO PROBLEMA À
DESCOBERTA DE PERELMAN .............................................................................. 27
CONCLUSÃO .................................................................................................................... 38
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ............................................................................. 40
10
1. INTRODUÇÃO
Basta conhecer um pouca da história da humanidade para perceber que a Matemática
esteve presente no desenvolvimento da sociedade e do conhecimento humano, com seus
métodos próprios de investigação. Desde os tempos primórdios essa ciência aparece como
base de diversas outras e apresentam importantes evoluções nessas áreas, tais como na Física,
Arquitetura, Engenharias, Medicina e nas tecnologias de modo geral.
Mas de forma contrária ao que se pensa, nem tudo sobre a Matemática se encontra
exatamente concluído. Sabendo da existência de diversos teoremas na Matemática, surgem
alguns questionamentos: Como se formam esses teoremas? De onde surgem e quais as
finalidades? Por ser esta uma ciência muito ampla, há diversos problemas em aberto e
conjecturas que perduram décadas ou até mesmo séculos e que necessitam serem provadas
para se tornarem teoremas, assim como novos problemas surgirão, e dessa forma irão auxiliar
ainda mais em diversos outros estudos e no próprio desenvolvimento da Matemática.
Com o objetivo de conhecer um pouco mais sobre tais problemas, este trabalho
apresenta em particular, um estudo introdutório da história da Conjectura de Poincaré. Além
disso, o trabalho irá apresentar um breve apanhado sobre a vida do francês Jules Henri
Poincaré (1854-1912) e suas contribuições que foram de grande valia a todo desenvolvimento
da matemática e estudos afins, ressaltando seus estudos em torno do problema da esfera em
três dimensões.
Este é um dos problemas mais polêmicos do início do século XXI (embora sua
formulação tenha surgido no século XX). A conjectura se destina a estudar variedades
tridimensionais envolvendo conceitos de Topologia1. A Conjectura de Poincaré afirma que a
esfera tridimensional é a única variedade tridimensional simplesmente conexa finita.
Dito de outro modo, a pergunta na qual a conjectura pretende responder é a seguinte:
Entre todas as variedades tridimensionais, existe alguma que seja diferente da esfera
tridimensional e em que todo o caminho possa se contrair em um único ponto? A conjectura
afirma que sim, mas a demonstração matemática desta confirmação apresentou diversas
dificuldades e empecilhos que levassem a conjectura a ficar retida durante um século sem sua
validação. Seguindo a afirmação da conjectura, temos que o universo é uma esfera
tridimensional, e “a conjectura de Poincaré oferece instrumentos matemáticos e conceituais
1 Os conceitos relacionados serão abordados no capítulo 2.
11
para pensar a possível forma do universo.” (O‟SHEA, 2009, p 21).
Diante deste fato, foram diversos os personagens que se destacaram durante este
percurso histórico, sendo estes de diversas regiões do mundo. Dentre estes nomes pode-se
destacar Stephen Smale (1930), de Hong Kong, William Thurston (1946 -) e Richard
Hamilton (1943 -), dos Estados Unidos da América, o chinês Gang Tian (1958 -) e o russo
Grigory Perelman (1966). E alguns nomes que tiveram seus estudos sem ligação direta com a
conjectura ou até mesmo antes de sua formulação, mas que tiveram ressalto para o
desenvolvimento da trama. Dois nomes que podem ser destacados são do alemão George
Friedrich Bernhard Riemann (1826-1866), considerado o mais criativo de seu tempo, e seu
seguidor Félix Klein (1849-1925).
Com a finalidade de proporcionar subsídios para pesquisas futuras, promover a
divulgação da conjectura e gerar no meio acadêmico uma atmosfera de interesse por
problemas atuais enquanto ciência, será feita uma abordagem não aprofundada, apresentando
alguns conceitos básicos para compreensão do problema, pois se entende que para a
exploração detalhada do assunto são necessários conceitos mais elaborados e complexos
pertinentes à Topologia e à Geometria Riemanniana2. E para finalizar nos restringiremos à
descrição histórica, destacando pontos fundamentais, os caminhos que foram seguidos e a
saga de diversos matemáticos que tiveram dedicação com este ou outros estudos relacionados,
dentre eles o desfecho surpreendente cem anos após seu surgimento.
2 A grosso modo, a Geometria Riemanniana é uma generalização da Geometria Diferencial que visa estudar
espaços mais gerais que o próprio Rn.
12
2. RELATOS BIOGRÁFICOS DE JULES HENRI POINCARÉ
Figura 01: Imagem internet. Jules Henri Poincaré
Este capítulo dedica-se a apresentação dos dados biográficos mais relevantes do
principal personagem dessa trama: Jules Henri Poincaré. Ressalta-se que o texto busca
relacionar superficialmente aspectos históricos contemporâneo a Poincaré. O texto foi
baseado em O‟Shea (2009) e Boyer (2003).
Pode-se dizer que Poincaré nasceu em uma época privilegiada para a ciência e
intelectualidade em geral, pois já por volta de 1800, as idéias do Iluminismo já eram
conhecidas na Europa.
Historicamente, o Iluminismo (ou período iluminista) foi um movimento intelectual
que surgiu na Europa no século XVIII. Os pensadores iluministas tinham a concepção de um
mundo racional. Defendiam a razão e a experiência como instrumentos centrais para a
produção de todos os conhecimentos, principalmente para a explicação de fenômenos da
natureza e da sociedade. “O homem iluminista não tinha fronteiras, pátria, pertencia ao
mundo, visto que era o ser racional e universal” (ORDÕNEZ e QUEVEDO, 19--)
Mas ainda os vários resultados obtidos pelo experimentalismo conduziam à convicção
de que o raciocínio humano tinha potencialidades quase ilimitadas. “As idéias científicas da
época e seus reflexos na filosofia e nas artes deram forma a uma visão de mundo em que o
13
universo funcionava de acordo com uma série de leis matemáticas que o homem era capaz de
entender.” (O‟SHEA, 2009)
Assim, as idéias iluministas se espalharam pelas sociedades européias e suas
contribuições refletem nas ciências da atualidade. A partir deste cenário de “ebulição” da
ciência, retratamos a biografia de Poincaré.
Jules Henri Poincaré nasceu na cidade histórica francesa de Nancy no ano de 1854.
Diferentemente de matemáticos como Gauss (1777-1855) e Riemann (1826-1866), Poincaré
pertencia a uma família rica e influente na sociedade de sua época. Seu pai, Leon era médico
da Escola de Medicina da Universidade de Nancy e seu tio, Antoni, ocupou uma série de altos
cargos públicos, dos quais podemos citar a presidência das ferrovias da região de Paris e dos
sistemas de água da França rural.
Além disso, um dos filhos de Antoni, Raymond Poincaré (1860-1934) tornou-se mais
tarde presidente da república francesa. Lucien Poincaré, irmão de Raymond, viria a ser mais
tarde vice-reitor da Universidade de Paris (atualmente conhecida como Sorbonne)
Desde menino, Poincaré sempre teve contato com muitos adultos intelectuais. Relatos
de pessoas que conheceram Poincaré os descrevem como um menino educado, distraído e
divertido. Teve alguns problemas sérios de saúde durante sua infância, tais como difteria,
miopia e falta de coordenação entre mãos e olhos, devido à luta contra paralisia. Poincaré,
juntamente com sua irmã Aline, foi alfabetizado pela mãe e quando passou a frequentar uma
escola de ensino básico fazia seus deveres mentalmente no caminho para casa. Tal facilidade
surpreendeu diversos professores, que logo nos primeiros anos já comentavam que ele seria
um “monstro da matemática”.
Durante a guerra Franco-Prussiana (1870-1873), há relatos de amigos da família que
Poincaré ajudou seu pai no socorro aos feridos da guerra, além de abrigarem funcionários
alemães importantes em sua residência. Nessa convivência aprendeu o idioma alemão.
Num contexto histórico, a Revolução Francesa, iniciada no final do século XIX,
fomentou questões sobre os modos de se conceber a educação popular.
“Um dos legados mais duradouros de Napoleão foi o sistema francês de grandes
écoles, as escolas de elite que até hoje formam a alta tecnocracia e administração do
país. As biografias dos matemáticos franceses geralmente começam com relatos
maravilhados de como eles foram aprovados com altas notas nos testes de admissão
e dos seus resultados em vários exames e competições nacionais. Poincaré não foi
exceção. (O‟SHEA, 2009, p 148)
14
Poincaré participou de um concurso nacional, no qual ganhou seu primeiro prêmio.
Em 1873 foi admitido na École Polytechnique e se formou em 1875. Um fato curioso é que
Poincaré formou-se como segundo melhor aluno, devido ao desempenho abaixo da média nas
disciplinas de Educação Física e Artes. Em seguida matriculou-se na École de Mines, que
tinha grande renome na engenharia, formou-se no ano de 1879, mesmo ano que obteve o
doutorado em ciência na universidade de Paris, com a tese sobre equações diferenciais. Da
graduação até sua tese de doutorado, Poincaré teve uma bem sucedida carreira de engenheiro
de minas, “manteve-se ligado ao Departamento de Minas pelo resto de sua vida” (Boyer, p
418). Em 1879 assumiu um cargo de professor na Universidade de Caen, na França. Boyer
(p 419) relata que: “No seu ensino em Sorbonne ele lecionava sobre um tópico diferente em
cada ano escolar – capilaridade, elasticidade, termodinâmica, óptica, eletricidade, telegrafia,
cosmogonia e outros”.
Poincaré foi o matemático mais famoso de seu tempo, suas obras tiveram maior
ressalto na matemática, abrangendo quase todos os temas conhecidos até sua época e também
abordou grande parte da física. Seu reconhecimento foi grandioso. “Entre 1901 e 1912,
Poincaré foi indicado para o prêmio Nobel nada menos que quarenta e nove vezes, mais que
qualquer outro cientista antes ou depois dele.” (O‟SHEA, 2009, p 177)
Como Cherman (2007) cita, Poincaré deu contribuições a diferentes ramos da
Matemática, à Mecânica Celeste, à Mecânica dos Fluidos, à Teoria da Relatividade Espacial e
à Filosofia da Ciência. Poincaré desenvolveu partes importantes na Topologia, principalmente
na Topologia Algébrica (ramo da topologia que se preocupa com a relação das estruturas
algébricas e os espaços topológicos), seu trabalho nesse ramo da matemática ajudaria em
grandes resultados nos anos seguintes:
Já se disse que Poincaré não inventou a topologia, mas lhe deu asas. Isso certamente
é verdade e nem chega a lhe fazer justiça. Seus seis artigos sobre topologia criaram,
praticamente do nada, o campo da topologia algébrica . A nova disciplina levaria a
alguns dos grandes sucessos da matemática do século XX. Poincaré escrevia para
ser entendido, usando muitos exemplos num estilo que parece agradável pelos
padrões de hoje. Mas, para os matemáticos de sua época, o alto volume de idéias
genuinamente novas tornava a leitura dos seus artigos tão difíceis como beber água
em uma mangueira de incêndio. [...] Os campos da topologia geral e combinatória
cresceram em parte como uma tentativa de permitir a outros navegar as regiões que
Poincaré havia descoberto. (O‟SHEA, 2009, p 180)
15
É reconhecido como o precursor da Teoria do Caos3 pois enquanto se dedicava a um
problema da Mecânica Celeste, visando um prêmio oferecido pelo rei da Noruega e Suécia,
chegou a uma solução que depois viu ser equivocada e ao tentar corrigir seu erro, chegou a
uma fundamentação caracterizada nessa teoria.
O objetivo procurado era demais ambicioso. Poincaré apresentou um artigo que foi
premiado e então descobriu que ele tinha um erro. Ele tinha adotado a premissa de
que certo tipo de comportamento infinitamente intricado era impossível, mas então
descobriu que, na verdade, era possível. Havia descoberto o que hoje chamamos de
comportamento caótico e mais tarde procuraria uma linguagem e instrumentos para
dominar o que tinha encontrado. (O‟SHEA, 2009, p 168)
Chegou, de forma independente, aos mesmos resultados da Teoria da Relatividade
Espacial4 de Einstein, quando criou seu artigo sobre a dinâmica do elétron. “A relação entre
os dois foi complexa: encontraram-se apenas uma vez, num congresso em 1911, em Solay, na
Bélgica. Poincaré tinha Einstein em alto conceito; Einstein via Poincaré como um dos
reacionários que ainda se prendiam a noções inúteis, como o éter.” (O‟SHEA, 2009, p 184).
A questão de quem teria descoberto tal feito ainda hoje são discutidas:
Teria Einstein realmente descoberto a relatividade? Seria possível que Poincaré já a
conhecesse? Essas antigas perguntas se tornaram vazias por serem sem interesse.
[...] Aqui estavam dois grandes modernistas da física, suas tentativas ferozmente
ambiciosas de entender o mundo na sua totalidade. [...] Um (Poincaré) era
construtivo, erigindo uma complexidade que iria capturar as relações estruturais do
mundo. O outro (Einstein), mais crítico, mais disposto a afastar as complexidades
para entender, austeramente, os princípios que refletiam o governo da ordem natural.
(GALISON apud O‟SHEA, 2009, p 184).
Poincaré escreveu três clássicos da divulgação científica Ciência e Hipótese (1901), O
Valor da Ciência (1905) e Ciência e Método (1908). O primeiro foi destinado a um público
mais bem informado, seu sucesso fez vender “16.000 exemplares durante os dez primeiros
anos que se seguiriam à publicação”. Devido a este sucesso é atribuído a origem do trocadilho
entre estudantes franceses, “Qu’est-ce um circle? Ce nést point carré” (O que é um círculo?
Não é um quadrado). Este livro foi traduzido em vinte três idiomas. O livro O valor da
3 “A teoria do caos estabelece que uma pequena mudança ocorrida no início de um evento qualquer pode ter
consequências desconhecidas no futuro. Isto é, se você realizar uma ação nesse exato momento, essa terá um
resultado amanhã, embora desconhecido.” (PERCÍLIA, 2007) 4 “No estudo da Mecânica, a velocidade, por exemplo, é uma grandeza relativa, ou seja, sua medida depende do
referencial do qual está sendo medido. Em consequência disso, outras grandezas que dependem da velocidade
também são relativas como, por exemplo, a energia cinética e a quantidade de movimento.” (SILVA, 2007)
16
Ciência foi destinado ao público mais leigo. Esses três livros lhe renderam a uma das quarenta
cadeiras da Academia Francesa, uma homenagem prestada aos intelectuais franceses. As suas
obras completas incluem mais de 400 livros e artigos, muitos deles de grande extensão.
Em seus trabalhos geralmente havia algumas falhas, diziam outros matemáticos ser
por desleixo, mas ele não se importava, não revisava seus artigos, a não ser quando era
identificado algum erro por outros, daí sim ele voltava para corrigir. Seus trabalhos ajudaram
muitos a serem reconhecidos, “sempre que ele se interessava pela obra de outro matemático, a
carreira deste progredia rapidamente. Reciprocamente, encontrar ou corrigir uma falha no
raciocínio de Poincaré também resultava no progresso rápido de quem o fizesse.” (O‟SHEA,
2009, p 178)
Ele descreve de forma comovente em O valor da Ciência sobre manter o rumo diante
de seus erros, seus sentimentos são entrelaçados com a importância que oferece as ciências e a
busca pela verdade científica:
A busca da verdade deveria ser o objetivo das nossas atividades, é o único fim digno
delas. [...] Mas às vezes a verdade nos assusta. [...] Também sabemos o quanto a
verdade geralmente é cruel e nos perguntamos se a ilusão não seria mais
consoladora, sim, até mais revigorante, pois a ilusão é o que dá confiança. [...] Essa
a razão do nosso medo da verdade; nós a consideramos uma causa de fraqueza.
Ainda assim, ela não deve ser tímida, pois só a verdade é bela. [...] Quando falo aqui
da verdade, certamente me refiro primeiro a verdade científica, mas também me
refiro à verdade moral da qual o que chamamos justiça é apenas um aspecto.
(POINCARÉ apud O‟SHEA, 2009, p 179)
Quanto à sua vida pessoal, casou-se aos 27 anos de idade com a senhorita Louise e
tiveram quatro filhos: Jeanne, Yvonne, Henriette e Léon, nascidos entre 1887 e 1893.
Entre 1908 e 1912, Poincaré teve alguns problemas sérios de saúde, submeteu-se a
cirurgias, mas infelizmente em 1912 não resistiu a uma embolia e veio a falecer, aos 58 anos
de idade. Sua morte chocou o mundo na época, muitas homenagens foram feitas por grandes
chefes de estado, matemáticos e representantes de diversas universidades ao homem
considerado “o último matemático universal” ou ainda, como lamentava um obituário no Le
Temps, “Henri Poincaré era verdadeiramente o cérebro vivo das ciências racionais”.
Os estudos de Poincaré são de grande importância na evolução da Matemática no
século XXI, a Conjectura por ele proposta no século anterior permite avançar as barreiras do
espaço desconhecidas até então, pois propõe uma base para desvendar a possível forma do
universo através de elementos matemáticos, como será exposto no capítulo seguinte.
17
3. TOPOLOGIA E A LIGAÇÃO DA CONJECTURA DE POINCARÉ
COM A FORMA DO UNIVERSO
Este capítulo é baseado nos autores O‟Shea (2009), Papires (1993), Domingues
(1982), Tenenblat (1990) e Carmo (2005).
A priori, todo resultado enunciado qua até então não possui uma demonstração é uma
conjectura. No entanto, somente há interesse em geral sobre uma conjectura se o resultado
enunciado for munido de certa importância científica, podendo esta ser em parte
historicamente relevante. Um dos aspectos mais interessantes da Conjectura de Poincaré é a
sua ligação com a discussão da possível forma do universo. Para entender essa ligação e a
proposta da Conjectura necessitam-se de conceitos relacionados à Topologia.
A Topologia é considerada como um ramo da Matemática que se dedica a estudar
propriedades topológicas das figuras. Tais propriedades (ou características) topológicas estão
especificadas da seguinte maneira: dimensionalidade, conexidade, compacidade e
orientabilidade. É importante ressaltar que tais propriedades são invariantes por deformações
contínuas.
Estas deformações recebem o nome de homeomorfismo, sendo este um conceito
central em Topologia, pois por meio dele é realizada a classificação de objetos do ponto de
vista topológico.
3.1. O CONCEITO DE DIMENSIONALIDADE
No contexto das geometrias5 o conceito de dimensão pode ser explicado como o
número de direções independentes necessárias para representar todos os pontos próximos de
um ponto dado num determinado objeto. O mundo que nos circunda é, evidentemente,
tridimensional, pois são necessárias três coordenadas para posicionar e portanto, localizar um
ponto no espaço.
Isto nos remete a um questionamento muito pertinente: mundos com dimensões
5 Euclidiana e não-euclidiana.
18
maiores que três seriam fisicamente possíveis?
A princípio, estes “mundos” são para a Geometria e Topologia denominados
variedades, bem como, o espaço unidimensional, bidimensional e tridimensional. Sobre este
questionamento, Ray (1993) afirma: “Quando pensamos em mundos multidimensionais,
consideramos a dimensão não como uma „propriedade física‟, mas como um „grau de
liberdade‟ ou como uma „variável‟ necessária para descrever uma estrutura („variedade‟)
topológica.”
Em particular, será tratada das variedades bidimensionais conhecidas como
superfícies. Segundo Carmo (1976), uma superfície regular de é obtida a partir de pedaços
do plano, deformando e colocando-os de forma que o resultado não apresente pontas, arestas
ou intersecções. Formalmente este conceito se define da seguinte maneira:
Dado um sistema de coordenadas cartesianas x, y, z em, podemos considerar uma
função:
,
de duas variáveis que variam em um aberto . Para cada ,
determina um ponto de . Chamamos de S o subconjunto de formados pelos pontos
.
A fim de se utilizar das técnicas de cálculo diferencial ao estudo das superfícies é
necessário que a função X seja diferenciável. Além disso, é necessária a presença de um plano
tangente a cada ponto de S.
Pela definição de superfície regular temos: Um subconjunto S R3 é uma superfície
regular se, para cada p S, existe uma vizinhança V de p em R3 e uma aplicação x: U V
S de um aberto U de R2 sobre V S R
3 (figura 03). Neste sentido temos que uma superfície
regular é uma aplicação , onde U é um aberto de e segue-se as seguintes
condições:
1) X é diferenciável;
2) X é um homeomorfismo (ver subitem 3.3). Como x é contínua pela condição 1, isto
significa que x tem inversa x-1
: V S U que é contínua;
3) Para todo a diferenciável de X em q, é injetiva.
As variáveis são os parâmetros da superfície. O subconjunto S de obtido pela
imagem da aplicação X é denominado traço de X.
19
Figura 03: CARMO, Manfredo Perdigão do. Geometria Diferencial de Curvas e Superfícies, 2005
Note-se que ao referirmos às superfícies como variedades bidimensionais, afirmamos
que quaisquer pontos próximos (ou na vizinhança) de um ponto da superfície podem ser
expressos em termos de duas dimensões independentes.
A função X (u,v) que se apresenta na definição de superfície vista anteriormente é
chamada de carta (ou mapa) local e uma coleção de cartas locais é denominada atlas. Assim,
uma variedade bidimensional, ou superfícies, é, portanto, um objeto representado por um
atlas.
Vejamos agora alguns exemplos clássicos de superfícies regulares.
Exemplo 1: O elipsóide
(1)
é uma função diferenciável e um exemplo de superfície conexa, pois qualquer dois
de seus pontos podem ser ligados por uma curva continua em S.
20
Figura 03: CARMO, Manfredo Perdigão do. Geometria Diferencial de Curvas e Superfícies, 2005. Elipsóide.
Exemplo 2: O hiperbolóide de duas folhas
(2)
é uma superfície regular. Esta superfície não é conexa, percebe-se que escolhendo dois pontos
distintos, um em cada folha não é possível ligá-los por uma curva contínua
contida na superfície .
Figura 04: Imagem internet. Hiperbolóide de duas folhas.
21
Exemplo 3: Para prosseguir com o exemplo a seguir, precisaremos da seguinte
definição:
Dada uma aplicação diferenciável F: definida em um conjunto aberto U de
, dizemos que p U é um ponto crítico de F se a diferenciável dFp: não é uma
aplicação sobrejetiva . A imagem F(p) de um ponto crítico é chamado um valor crítico
de F. Um ponto de que não é um valor crítico é chamado de valor regular de F.
Para entendermos porque o toro é uma superfície regulas, enunciamos o seguinte
resultado, conhecido como Teorema do Valor Regular:
Se é uma função diferenciável e a f(U) é um valor regular de f , então
é uma superfície regular em .
O toro T é a superfície gerada pela rotação de um círculo de raio r em torno de uma
reta pertencente ao plano do círculo e uma distância do centro do círculo.
Seja o círculo no plano yz centrado no ponto (0,a,0). Então é dado por
(3)
e os pontos do conjunto T, obtidos pela rotação deste círculo em torno do eixo Oz satisfazem a
equação
. (4)
Consequentemente, T é a imagem inversa de r2 pela função
(5)
Essa função é diferencial para , e como
(6)
é um valor regular de f. Segue-se então que o toro é uma superfície regular.
22
Figura 05: CARMO, Manfredo Perdigão do. Geometria Diferencial de Curvas e Superfícies,2005. Toro.
Exemplo 4: A esfera unitária
(7)
é uma superfície regular.
Primeiro verificamos que a aplicação dada por
), , (8)
onde é uma parametrização
de . Observe que x1 (U) é a parte (aberta) S2 acima do plano xy.
Como x2+y
2<1, a função
(9)
tem derivadas parciais contínuas de todas as ordens. Portanto, x1 é diferenciável e a condição
1 é satisfeita.
A condição 3 é verificada facilmente, uma vez que
(10)
Para verificar a condição 2, observamos que x1 é bijetiva e que x1-1
é a restrição da
projeção (contínua) π (x,y,z)= (x,y) ao conjunto x1(U). Assim, x1-1
é continua em x1(U).
Agora se cobre a esfera inteira utilizando parametrizações similares. Procedemos da
seguinte maneira. Definimos por
, , (11)
verificamos que x2 é uma parametrização, e observamos que x1(U) x2(U) cobre a esfera
23
menos o equador.
(12)
Utilizando então os planos xy e zy, definimos as seguintes parametrizações
(13)
(14)
(15)
(16)
que juntamente com x1 e x2, cobrem inteiramente S2. Mostramos assim que S
2 é uma superfície
regular.
Figura 06: CARMO, Manfredo Perdigão do. Geometria Diferencial de Curvas e Superfícies, 2005. Esfera e as
parametrizações que cobrem a esfera.
3.2.CONEXIDADE E COMPACIDADE
Observamos por meio dos exemplos como é possível construir superfícies por meio
das cartas locais e assim, podemos afirmar que uma superfície é uma união de cartas locais.
Caso existam duas cartas locais cuja interseção seja vazia, essa variedade é dita desconexa. Se
pelo contrário, isso não ocorre, ela é dita conexa.
Outro ponto fundamental é considerar caminhos fechados, ou laços, sobre a superfície,
isto é, caminhos que iniciam e terminam em um mesmo ponto de modo que possam ser
24
contraídos a um único ponto. Se todos os laços sobre uma variedade podem ser contraídos a
um ponto, dizemos que a variedade é simplesmente conexa.
Em uma variedade como o toro, percebemos que esta propriedade não é válida, ou
seja, o toro não é simplesmente conexo, pois existe pelo menos um determinado laço que não
pode ser contraído a um único ponto. Já na esfera (ou no elipsóide), ou variedades
homeomorfas a ela, qualquer laço pode ser contraído a um único ponto.
Figura 07: O‟SHEA (2009). O laço (fixo) mais à esquerda sobre o toro não pode ser contraído a um ponto, desde
que não deixe a superfície; os outros dois laços podem. Todos os laços sobre a esfera podem se contrair a um
ponto.
Com relação às superfícies bidimensionais, o Teorema da Classificação de Superfícies
bidimensionais afirma que a esfera é a única variedade bidimensional simplesmente conexa.
Outro conceito importante é o de compacidade. De um modo geral, podemos afirmar
que uma superfície será considerada compacta ou finita se um número finito de cartas locais é
suficiente para cobri-la. Com isso, é importante ressaltar que todos os exemplos apresentados
na subseção anterior são superfícies compactas.
Neste sentido, podemos enunciar o Teorema de Classificação de Superfícies
bidimensionais como: A esfera é a única variedade bidimensional compacta simplesmente
conexa.
Superfícies simplesmente conexas possuem Grupo Fundamental Trivial. Tal conceito
está relacionado às homologias, que são relações estabelecidas entre os laços de uma
variedade. Na verdade, os chamados Grupos Fundamentais representam outra maneira de
classificar topologicamente as variedades.
25
3.3. O CONCEITO DE HOMEOMORFISMO
Uma noção fundamental em Topologia é a idéia de homeomorfismo:
Dizemos que duas superfícies são idênticas topologicamente se os pontos de uma
podem ser colocados numa correspondência um a um com os pontos de outra, de
forma a pontos próximos correspondam pontos próximos (essas correspondências
são chamadas de contínuas). Duas variedades topologicamente idênticas são também
homeomorfas, e a correspondência que as define como idênticas é chamada de
homeomorfismo. A topologia estuda as propriedades de superfície (e de outros
objetos) que nos permitem afirmar se elas são ou não homeomorfas. Essas
propriedades são chamadas de propriedades topológicas. (O‟SHEA, 2009, p41)
Na topologia esferas de raios diferentes são homeomorfas, assim como, por exemplo,
a superfície de uma pêra, um ovo ou uma maçã podem ser consideradas como esferas.
Essa propriedade desempenha grande importância nesse ramo da Matemática
moderna, pois, uma figura possui as mesmas propriedades de outra quando submetidas a
deformações como entortar ou esticar, sem que haja rompimentos, cortes ou emendas nessa
figura. Na comparação de Oliveira e Silva a noção de homeomorfismo desempenha na
Topologia o mesmo papel que o da congruência na geometria Elementar (duas figuras que
têm as mesmas propriedades métricas).
O próximo passo é aplicar estes conhecimentos em variedades tridimensionais6, uma
em particular, a esfera tridimensional.
A Conjectura de Poincaré afirma que essa é a única variedade tridimensional
simplesmente conexa finita.
Existe uma variedade tridimensional de interesse particular chamada de esfera
tridimensional, que é finita, não tem bordo e tem a propriedade de todo laço se
contrair a um ponto. A conjectura de Poincaré afirma que essa é a única variedade
tridimensional simplesmente conexa finita. (O‟SHEA, 2009, p 49)
A Conjectura de Poincaré se destina a estudar e classificar variedades tridimensionais.
6Variedade tridimensional é uma forma matemática idealizada que modela formas que espaços tridimensionais,
como nosso universo, podem assumir. A região em torno de cada ponto pode ser mapeada sobre o interior de um
aquário sólido. Dito de outra forma, a região próxima de cada ponto se parece com o espaço tridimensional.
(O‟SHEA, 2009 p 302)
26
Neste contexto, ela oferece instrumentos matemáticos e conceituais para pensar a possível
forma do universo.
Para melhor entendimento, será feita a comparação em relação ao planeta Terra. O
planeta pode ter seus caminhos, regiões, entre outros representados por meio de um atlas, ou
seja, uma coleção de mapas que cobre a Terra, que estão em folhas de papel. O mundo é uma
variedade bidimensional, quanto sua superfície, mas está contido em uma variedade
tridimensional, neste caso, o universo, que por sua vez deve ser apresentado em
aparentemente uma caixa de vidro ou um aquário, contendo as posições de estrelas, planetas,
e seus demais objetos. “Um atlas do universo seria uma coleção dessas caixas transparentes
em que cada região mapeada estaria em pelo menos uma caixa.” (O‟ SHEA, 2009, p 41)
A afirmação de Galileu Galilei (1564-1642) dizendo que a Terra era redonda pode ser
confirmada com as diversas tecnologias existentes, como um foguete, ou satélite, que lançado
no espaço, fora da superfície terrestre, pode trazer imagens que confirmam este formato. Mas
esta comprovação é um tanto quanto difícil se tratando de universo, embora se considere que
o universo seja finito, ainda é impossível algum objeto ser lançado para fora dele.
Sobre a expansão do universo: um balão que enchem de gás expande-se no espaço
livre que o rodeia. Mas o universo compreende tudo o que existe. Para onde é que ele pode
expandir? Isto é um problema da geometria de quatro dimensões.
27
4. CONJECTURA DE POINCARÉ: DA ELABORAÇÃO DO
PROBLEMA À DESCOBERTA DE PERELMAN
Poincaré sempre esteve empenhado em estudar diversos ramos da matemática.
Todavia seus talentos tiveram maior relevância em Topologia com estudos associados as
geometrias não-euclidianas.
Em 1881 fez algumas publicações sobre Funções Fuchsianas7 que levantaram interesse
de Felix Klein (1849-1925). Klein era um dos professores mais reconhecidos na Alemanha
em sua época e também considerado ainda hoje um dos matemáticos mais importantes da
história. Era um estudioso sobre geometria e topologia e em especial era um apreciador dos
estudos de Riemann (1826-1866).
Poincaré estava desenvolvendo este estudo com o objetivo de saber se existiam
funções análogas a de Funchs em outros contextos e chegou de forma independentemente aos
resultados já encontrados por Riemann. Ao se deparar com esses artigos, Klein observou uma
grande ligação entre os dois e passou a escrever cartas a Poincaré, como cita O‟Shea (2009, p
144):
Klein imediatamente escreveu ao desconhecido. Nada seria mais o mesmo para
Klein: nunca mais ele brilharia tanto no seu próprio mundo. Pois ele havia
descoberto em Poincaré o verdadeiro herdeiro intelectual de Riemann. Ironicamente,
aquele herdeiro nada sabia sobre Riemann e, decididamente, não era alemão.
O alemão George Friedrich Bernhard Riemann fez estudos sobre teoria geral de
funções de uma variável complexa e fundamentos da geometria. Este segundo considerado
como tema de uma das conferências mais importantes da história da matemática. O ensaio de
Riemann de 1854 consistiu em duas partes: a primeira introduz o conceito de variedade n-
dimensional de pontos (x1, x2, ... , xn) que generaliza a idéia de superfície e a segunda, sobre
forma diferencial quadrática (hoje chamada de métrica riemanniana) na variedade. Esta
métrica generaliza o conceito de Primeira Forma Fundamental das superfícies e define as
distâncias sobre a variedade.
Riemann desenvolveu um instrumento matemático que mais tarde seria crucial para a
7 Lazarus Funchs (1833-1902) foi co-autor de seu orientador de tese, fazia estudos sobre classe de funções de uma
variável complexa que surgiam associadas a solução de equação diferenciáveis. (O‟Shea, 2009, p 150)
28
finalização do estudo iniciado por Poincaré: o tensor de curvatura de Riemann. Sabendo que
curvatura não é simplesmente um número, mas sim um conjunto de par de direções em um
ponto, o tensor de Riemann descreve as diferentes curvaturas em diferentes direções.
As trocas de correspondências entre Klein e Poincaré continuaram e criou-se uma
rivalidade entre os dois. As correspondências duraram um ano, ao final Klein estava doente
devido ao excesso de trabalho dedicado a matemática e Poincaré, como descreve O‟Shea
(2009, p 156) “ já apreciava a obra de Riemann e já havia dominado e superado em muito o
trabalho de Klein”.
Poincaré continuou a escrever seus artigos. Em 1885, Poincaré iniciou um estudo
sobre discos (variedades bidimensionais) e em seguida estendeu seus estudos a variedades
tridimensionais, sendo assim, as formas possíveis de representar o universo, como o próprio
Poincaré descreve: “Suponhamos, por exemplo, um mundo encerrado numa grande esfera e
sujeito às seguintes leis: a temperatura não é uniforme; é maior no centro e cai gradualmente à
medida que n os movemos em direção à circunferência da esfera, onde é zero absoluto”.
(O‟SHEA, 2009)
Inicialmente, a pesquisa objetivava entender um conjunto de soluções para uma
equação algébrica, tal qual o interesse era em encontrar um conjunto de invariantes que
distinguissem variedades diferentes, como exemplo dado por O‟Shea (2009): “como vivíamos
num universo que é uma variedade tridimensional, como poderíamos dizer de que variedade
se tratava?”, Poincaré apresentou diversas variedades fechadas tridimensionais não
homeomorfas, mas com mesmas propriedades, todos com o mesmo da esfera. Questionou o
seguinte:
1. Dado um grupo G definido por geradores e relações, poderia ele ser o grupo
fundamental de uma variedade de n dimensões?
2. Como se pode formar essa variedade?
3. Duas variedades com a mesma dimensão e mesmo grupo fundamental são
sempre homeomorfas? (O‟Shea apud Poincaré, 2009, p 171)
Em seguida escreveu mais cinco artigos que ele os chamava de “complementos” do
primeiro, publicados em revistas de renome. O primeiro foi em 1899 em resposta as críticas
do matemático dinamarquês Poul Heegaard, “Heegaard deu um contra-exemplo, mostrando
que um teorema, hoje conhecido como dualidade de Poincaré, não poderia ser verdadeiro tal
como enunciado. Mas a definição de Poincaré diferia da de Heegaard, e a diferença era crucial
para que a dualidade de Poincaré pudesse funcionar.” (O‟SHEA, 2009). O segundo tratou de
29
coeficientes de torção e outros exemplos de variedades tridimensionais. No terceiro estudou
uma classe de superfícies algébricas. No quarto, com um estudo mais elaborado, deu
sequência ao terceiro, incluindo superfícies arbitrárias. O quinto, publicado em 1904, voltou a
mencionar as variedades tridimensionais.
Sobre variedades tridimensionais, o objeto mais simples é a esfera tridimensional.
Poincaré passou a fazer o estudo topológico das variedades, buscando em suas características
identificá-las como homeomorfas a esfera ou não. Considerou como certas algumas
fundamentações para esta comparação e estava certo que tinha caracterizado a esfera
tridimensional. Mas sua pesquisa estava equivocada, o “teorema” que escreveu era falso.
Quatro anos depois reconheceu seu erro e retomou seu estudo ao quinto complemento com a
construção de um contra-exemplo. Foram esses os caminhos que levaram ao início da história
da Conjectura de Poincaré, sem imaginar que essa busca se transformaria num dos mais
ilustres problemas da matemática.
Em 1904, descreveu um contra-exemplo, atualmente conhecido como a Esfera
Homológica de Poincaré, para a versão da conjectura anunciada por ele. A pergunta feita por
ele, de uma forma mais técnica, a qual define a conjectura, descrita por O‟Shea, é a seguinte:
Seria possível que o grupo fundamental de uma variedade pudesse ser a identidade, mas que
a variedade não fosse homeomorfa a uma esfera tridimensional?. A identidade é o caminho
que continua num ponto e não vai a lugar algum, se passarmos um laço em torno de uma
variedade, esse laço é equivalente a identidade se puder ser contraído à um único ponto. A
princípio Poincaré observou que isso acontecia com a esfera tridimensional, em seguida
passou a questionar se existia uma variedade diferente da esfera tridimensional em que todos
os caminhos ou contornos pudessem ser reduzidos a um único ponto.
O próximo passo seria encontrar uma variedade tridimensional com grupo
fundamental trivial e o mesmo grupo de homologias que a esfera tridimensional, contudo
topologicamente diferente desta. Com isso, Poincaré se sentiu desencorajado e tal questão se
mostrou muito difícil de ser solucionada e inúmeras foram as tentativas frustradas nesse
período.
Ao longo de toda sua vida, Poincaré iria encontrar e enfrentar complexidades que só
quase um século mais tarde seriam apreciadas por outros. O primeiro desses
encontros envolveu o modelo de espaço tridimensional hiperbólico que ele esboçou
anteriormente. Ele descobriu que as ações de diferentes subgrupos de movimentos
na esfera no infinito eram muito mais complicadas do que qualquer coisa que os
matemáticos já tivessem encontrado. (O‟ SHEA, 2009, p 167)
30
A pergunta feita popularmente é: Será que a esfera, ou variedades homeomorfas a ela,
é a única variedade tridimensional que pode ser contraída a um único ponto? Dizer que uma
variedade é homeomorfa significa que ela pode modificada, sem que haja rasgos ou cortes, até
que se transforme em uma esfera. Toda a história desta conjectura surge a partir disso, onde
os próximos matemáticos envolvidos nessa trama vão em busca dessa solução. A intuição
levava a responder sim a tal questão, mas a validade por meio de uma prova matemática
tornava-se difícil.
Em linhas simples, seu enunciado diz que qualquer objeto compacto e sem buracos,
como uma maçã ou um coelho, pode ser deformado até se transformar numa esfera.
Em contrapartida, não é possível fazer o mesmo com uma rosquinha, uma porca de
parafuso ou qualquer objeto que tenha um furo. (CORRÊA, 2006).
Figura 08: CORRÊA, Rafael. Onde andará Grisha?, 2006.
Para um melhor entendimento dessa questão, Baptista (2006) fornece um exemplo: na
topologia, se compararmos uma bola de futebol com uma bexiga cheia (que possui forma
oval), elas serão indistintas, pois são ambas de dimensão 2 e uma pode ser obtida por
deformação da outra, processo chamado de homeomorfismo. Da mesma forma, comparamos
uma bola de futebol com a câmera de um pneu, a câmera possui um „buraco‟ no meio, por
mais que se tente, sem rasgar ou colar, não é possível transformá-la em uma bola, pois esse
buraco continuará a permanecer ali.
Matematicamente, se pode demonstrar que uma esfera de dimensão 2 é a única
superfície fechada e conexa em que todos os contornos podem ser reduzidos a um único
ponto. A Conjectura de Poincaré levanta exatamente essa mesma questão para superfícies e
31
espaços de dimensão 3.
Um aspecto interessante dessa história é o fato de que conjecturas de todas as
dimensões, diferentes de 3, já haviam sido demonstradas. As de dimensão 2 já eram
conhecidas no tempo do próprio Poincaré. Em 1956 houve um avanço que fez motivar os
matemáticos sobre a conjectura, John Milnor (1931), matemático americano, descobriu
estruturas diferenciáveis diferentes para a esfera heptadimensional e a solução desse espaço
foi demonstrada em seis páginas, recebendo como mérito a medalha Fields8
, que é
considerada um prêmio Nobel da matemática e o prêmio mais almejado pela categoria, em
1962. Este foi o ponto em que começaram as mudanças, antes a Conjectura de Poincaré era
dada como impossível ser solucionada, então nessa época surgiram diversos trabalhos cada
um mais surpreendente que o outro.
Por volta dos anos 60 diversos matemáticos de vários lugares do mundo tentaram
provar a conjectura para dimensão 3, houve grandes progressos, muitas descobertas, mas no
final ninguém conseguia provar se ela era verdadeira ou falsa. Em 1958 um matemático
japonês chegou a publicar uma possível solução, mas esta não foi confirmada. Em 1964, John
Stallings escreveu um artigo mostrando que ela não poderia ser demonstrada.
Envolto nessas séries de trabalhos e embasado em diversos outros matemáticos,
apareceu Stephen Smale (1930), atualmente professor em Hong Kong, que fez a
demonstração para esferas de dimensão maior ou igual a 5, os métodos falharam
completamente em dimensão 4, mostrando a dificuldade aumentar quando mais próximo da
dimensão 3, mesmo assim foi premiado com a medalha de renome em 1966. Apenas em
1982, aproximadamente vinte anos após a demonstração em dimensão 5, Michael Freedman
(-) apresentou a solução para superfícies de dimensão 4 e se pode perceber que essa tinha
visivelmente uma solução mais complicada, pois trabalhou oito anos nesses resultados.
Ao longo da história várias soluções foram aparecendo, mas após estudos minuciosos
feito por técnicos e peritos da Conjectura de Poincaré, verificavam-se falhas e erros no qual
não possibilitavam encontrar a solução exata. O escritor O‟ Shea refere-se com sátira a essas
tentativas frustradas, descrevendo que “à medida que os século se aproximava do final, a
conjectura de Poincaré parecia longe de ter uma solução. O placar já era de goleada:
Conjectura de Poincaré 50 x Matemáticos 0”.
8 A premiação foi criada pelo matemático canadense John Charles Fields (1863-1932) que em seu testamento
deixou especificado que o objetivo era incentivar jovens matemáticos, pois é destinada somente a matemáticos
com idade inferior ou igual a 40 anos. Fields lutava pelo avanço da matemática internacional, mesmo sob
boicotes de alemães e franceses, em um congresso de 1924 dedicou parte de seu patrimônio como premiação,
mas que, devido aos conflitos, só foram entregues em 1936 após sua morte. (O‟SHEA, 2009, p 220)
32
Dentre os grandes avanços da matemática nesse período, em 1970, estava destacado
com mérito o nome de William Thurston (1946 -). Em sua tese de doutorado recebeu a
orientação de Stephen Smale. Thurston fez ressurgir a geometria diferencial dada por Klein e
Poincaré, pois a mesma teria sido quase que abandonada após estes anos. É considerado a
imaginação geométrica mais fértil e original depois de Riemann. Ele imaginava como seria
habitar em uma variedade tridimensional, fazia-se perguntas como “o que veríamos quando
alguém se afastasse de nós?”, “O que veríamos se vivêssemos num toro tridimensional
ocupado por vários objetos?” ou ainda “Qual a importância do seu tamanho em relação ao
nosso?”
Thurston definiu que havia somente oito geometrias diferentes em dimensão 3, além
da esférica estavam a geometria plana, hiperbólica, e ainda haviam alguns tipos de naturezas
diferentes em espaços muito particulares. Procurava exemplos dessas variedades, além de
formas de decompô-las.
Parecia uma perda de tempo até mesmo discutir todas as variedades tridimensionais
que têm uma geometria natural. Era fácil construir contra- exemplos que mostrassem
que o tipo de coisa simples que se acreditasse ser verdadeira era na verdade falsa.
Mas Thurston conjecturou que toda variedade tridimensional poderia ser cortada em
pedaços, cortando-se ao longo de esferas bidimensionais e toros de uma forma
essencialmente única e natural, em que cada pedaço resultante tinha umas das oito
geometrias. Também demonstrou que sua conjectura era válida para uma grande
classe de variedades tridimensionais. A conjectura de geometrização, como ele a
chamou, implica a conjectura de Poincaré. (O‟SHEA, 2009, p 219)
As explicações de Thurston causaram grandes motivações, o fato fez ressurgir
esperanças para a Conjectura de Poincaré, pois antes só acreditavam que ela seria verdadeira
devido ao fato de ninguém ter encontrado um contra-exemplo. Assim como Milnor e Smale,
Thurston foi premiado com a medalha Fields.
A obra de Thurston incentivou vários outros a realizarem trabalhos sobre geometria,
mas outra conjectura agora buscava ser solucionada, a conjectura da geometrização
demonstrou obstáculos que evitavam qualquer avanço. No inicio dos anos 80 vários trabalhos
promissores surgiram, dentre eles o do matemático americano Richard Hamilton (1943 -), que
fez pensar na curvatura da métrica riemanniana como se fosse de metal, comparando-a a
temperatura:
Para quantificar a regra de que o calor flui das áreas mais quentes para as mais frias,
basta especificar que a temperatura se move na direção da média das temperaturas
33
numa pequena esfera em torno de um ponto. Isso gera o que se chama de equação do
calor. É necessário um análogo da equação do calor para curvaturas. É necessário
combinar os diferentes números que codificam a curvatura para se ter algo que tenha
sentido independentemente da escolha das coordenadas e escrever uma fórmula que
descreva a taxa de variação. (O‟SHEA, 2009, p 224)
Para a curvatura o mecanismo oferecido por Hamilton foi o Fluxo de Ricci, inspirado
no tensor de Ricci9, foi uma forma encontrada por ele para fazer as variedades evoluírem,
mantendo suas propriedades fundamentais intactas, pois ele é o conjunto de equações que
especificam que a curvatura se altera decrescendo na direção em que a curvatura é maior e
aumentando na direção que a curvatura é menor. “As equações de Hamilton para o fluxo de
Ricci são um tipo de equação diferencial conhecido como equações diferenciais parciais [...]
são um tipo de equação diferencial em que se especificam as taxas de variação em diferentes
pontos e em diferentes direções.” (O‟ SHEA, 2009). A figura 09 mostra o processo de
deformação pelo fluxo de Ricci.
Figura 09: OLIVEIRA, Samuel Rocha de. Conjectura de Poincaré vira Teorema de Hamilton-Perelman,
2007
Dando sequência evolutiva de seus estudos, juntamente com o matemático Michael
Cage, Hamilton conseguiu demonstrar que, com auxilio do fluxo de Ricci e estudos
embasados em outros grandes nomes da matemática até então, uma curva fechada no plano
deformando todos os pontos em uma velocidade proporcional a curvatura resultava em um
9 O tensor de Ricci é obtido do tensor de Riemann calculando-se a média de diferentes combinações de
curvaturas em diferentes direções.
34
círculo.
Hamilton evoluiu e chegou a resultados esplendorosos em variedades bidimensionais,
mas no espaço tridimensional o fluxo de Ricci não ouve maiores repercussões com seu
idealizador e parecia estar longe de ser útil para a conjectura da geometrização e tão pouco a
conjectura de Poincaré.
Devido a essa grande espera pela solução deste e de outros problemas, em 2000, o
Clay Mathematics Institute organizou O Millenium Meeting, que ocorreu em Paris, para além
de comemorar o novo milênio, também entregar prêmios para quem desvendar alguma
resolução de problemas matemáticos que permanecem na história como incógnitas por
décadas.
Foram selecionados sete destes problemas, conforme Silveira (2001), foram oferecidos
prêmios de um milhão de dólares para cada um destes, tendo em vista que estes problemas
devem ser de grande importância para o desenvolvimento da Matemática no século XXI.
Estes sete problemas são: Resolução das equações de Navier-Stokes (1830), Hipótese de
Riemann (1859), Conjectura de Poincaré (1904), Conjectura de Hodge (1950), Resolução das
equações de Yang-Mills (1950), Conjectura de Birch e Swinnerton-Dyer (1965) e Problema P
versus NP (1971).
A Conjectura de Poincaré, que gerou grande discussão na comunidade matemática,
pelo fato de ter permanecido por um século sem resolução e com dezenas de tentativas
frustradas, estava próxima então, a ter um fim.
Surge então mais um personagem dessa história: Grigory Perelman. Grisha, como foi
apelidado, é russo e judeu que nasceu em 1966 não planejava tornar-se matemático. Nasar e
Gruber descrevem alguns acontecimentos na vida de Grisha, seu pai era engenheiro elétrico e
estimulou seu interesse por matemática passando-lhe problemas lógicos e livros relacionados
ao assunto.Aos 14 anos já era reconhecido pelo clube de matemática local como um gênio.
Em 1982 ganhou medalha de ouro na Olimpíada Internacional de Matemática, em Budapeste,
ao atingir a pontuação máxima. Era solitário entre sua turma, não se relacionava com seus
colegas, mas os tratava gentilmente. Sua mãe, professora de matemática numa escola técnica,
tocava violino e começou a levá-lo à ópera quando ele tinha 6 anos, talvez isso tenha gerado
seu interesse por óperas, gastando suas mesadas em discos. Ingressou na Universidade de
Leningrado em 1982, aos 16 anos, presente em cursos avançados de geometria. Estudou no
instituto Stklov no início dos anos 90, se especializou em geometria dos espaços riemanniano
e de Alexandrov, extensões da geometria euclidiana tradicional, publicando seus artigos nas
35
principais revistas russas e americanas. Em 1992 foi morar nos Estados Unidos e ficou feliz
por estar na capital da comunidade matemática internacional, conhecendo outro matemático
que mais tarde iria colaborar em suas descobertas, o chinês Gang Tian.
No início de sua carreira, Grisha desempenhava trabalhos considerados brilhantes por
seus colegas, mas era de poucas palavras, nesse período ele voltou à Rússia e desapareceu,
ficando oito anos sem publicar artigos e assim foi esquecido nesse tempo. Doze anos após
trabalhava como matemático no Institute Steklov de Matemática, em São Petesburgo, até
2005, ano em que se demitiu, com 40 anos de idade.
Em novembro de 2002, Perelman publicou na internet um artigo científico sobre seu
trabalho, no qual o conteúdo era uma estratégia de encontrar uma explicação para a conjectura
da geometrização, lançado pelo americano Thurston, e trouxe a esperança para a comunidade
matemática, já podendo ser notado que estava próximo a ser solucionada a Conjectura de
Poincaré. Em abril de 2003 publicou mais dois artigos no assunto de seu estudo. No total,
seus três artigos somam quase que mil páginas.
Para poder demonstrar a conjectura da geometrização, era de suma importância que se
obtivesse a demonstração da Conjectura de Poincaré, e Perelman conseguiu. Com o auxilio da
ferramenta criada por Hamilton, o fluxo de Ricci, ele apresentou a solução da conjectura da
geometrização, demonstrando a conjectura de Poincaré como um obstáculo que precisou ser
resolvido para alcançar seu objetivo primordial.
Em 24 de agosto de 2006, o matemático e escritor do livro "O Fluxo de Ricci e a
Conjectura de Poincaré", que ainda não havia sido publicado, John Morga, juntamente com o
chinês Gang Tian, que agora estava trabalhando no Instituto de Tecnologia de Massachusetts
(EUA) confirmaram a validade da solução dada por Perelman dizendo: “só Perelman, graças a
sua capacidade de resolver problemas, conseguiu encontrar a solução, e espero que a
comunidade científica leia as mil páginas disponíveis sobre sua solução e dêem validade
como teorema".
Ao longo de pelo menos quatro anos, peritos em matemática examinaram
cuidadosamente seu trabalho, principalmente o terceiro artigo, no qual Morgan diz que “dá
argumentos muito sutis para resolver a conjectura”, e só assim a solução dada por Perelman
foi finalmente aceita.
Por toda essa história de busca, não se pode deixar de valorizar também o trabalho de
Morgan e Tian, que trabalharam na verificação do trabalho de Perelman, completando
algumas passagens inconsistentes e deixando o resultado válido.
36
Sendo assim, após cem anos, finalmente a Conjectura de Poincaré passou a ser
teorema e já é considerada a primeira grande „descoberta‟ da matemática do século XXI, pois
sua comprovação tem grande importância para o estudo da Matemática, Física, Álgebra e
teorias de formação do universo.
Sobre a possibilidade de que a resolução da Conjectura possa revelar detalhes sobre
a forma do universo, Hamilton admitiu que o problema explica a Conjectura de
geometrização de Thurston, que permitiria conhecer todas as possíveis formas.
(UOL, 2006)
O assunto levanta grande discussão entre os matemáticos, para Hamilton, a solução da
Conjectura é um feito de muitos cientistas, que ao longo dos anos estudaram a mesma, e seus
erros foram caminhos abertos para mais tarde Perelman finalizar o trabalho:
Para o matemático americano, Perelman foi quem resolveu „as últimas estimativas
cruciais‟[...] O professor da Universidade de Columbia, nos Estados Unidos,
afirmou que os "que fracassaram em sua tentativa" deram chaves para resolver a
Conjectura de Poincaré. (UOL, 2006)
Durante o Congresso Internacional de Matemática (ICM), Hamilton, considerado por
Perelman como seu mestre, revelou que ficaria muito feliz em trabalhar com o russo, por
quem sente grande admiração, mas também criticou o estudo feito por ele:
O matemático, apresentado no ICM 2006 como um dos „heróis‟ do encontro,
criticou a complexidades provas apresentadas por Perelman, as quais consideraram
„muito sintéticas, o que deixa „um convite para que alguém as complete‟. (UOL,
2006)
Mesmo com tantas discussões, a definição dada por Perelman é considerada a
principal para a solução da Conjectura de Poincaré, então a União Matemática Internacional
decidiu entregar a ele a Medalha Fields, juntamente com o prêmio de 1 milhão de dólares
oferecido pelo Clay Mathematics Institute, durante a cerimônia do ICM, realizado no dia 29
de agosto de 2006.
No entanto, encontraram uma grande dificuldade para a entrega desses prêmios,
Perelman sumiu. Após várias palestras sobre suas descobertas, realizadas em universidades
americanas em 2003, ele desapareceu. Voltou a São Petesburgo, onde lecionava, e em 2005 se
demitiu.
37
Alguns tentam encontrar respostas para o sumiço do gênio, dizem que voltou a morar
com a mãe em uma casa simples numa floresta próxima de São Petesburgo, onde costumava
andar em busca de cogumelos.
Para Robert Greene (2006), professor da Universidade da Califórnia: Ele sempre
pareceu meio fora deste mundo, uma pessoa muito tímida e totalmente desligada de bens
materiais. Simon Singh, autor do livro O Último Teorema de Fermat, em entrevista a BBC
(2006), comentou o comportamento do matemático russo:
Matemática Pura é um assunto que você faz por amor. Você não faz por dinheiro,
por recompensas, por reconhecimento ou medalhas. [...] Ele resolveu o problema. E
não se deu ao trabalho nem de publicar (em revista cientifica) o seu trabalho. Porque
do ponto de vista dele o problema foi resolvido e isso é o que interessa.
Por fim, após 100 anos como uma conjectura, o problema de Poincaré finalmente foi
solucionado e recebe o nome de seus principais personagens, sendo agora reconhecido como
Teorema de Hamilton-Perelman.
38
CONCLUSÃO
Nosso trabalho objetivou-se em conhecer um problema histórico que nasceu no século
XX e tem perspectiva de ser de grande importância no desenvolvimento na Matemática no
século XXI, além de divulgar a Conjectura de Poincaré e seus personagens.
Jules Henri Poincaré foi um dos matemáticos mais importantes, contribuiu no
desenvolvimento em diversas áreas da matemática, física e filosofia. Mas seu nome não é de
grande repercussão em nosso meio acadêmico.
Os diversos personagens envolvidos, desde antes de Poincaré, foram contribuintes em
todo o desenvolvimento da conjectura, além de terem proporcionado descobertas importantes
para estudos paralelos, forneceram subsídios suficientes para que Perelman concluísse os
detalhes finais, mesmo sendo para ele uma etapa que precisasse ser resolvida para chegar ao
seu objetivo real, a Conjectura da Geometrização.
Percebe-se nesta contextualização que um problema, como o iniciado por Poincaré,
envolve muitas pessoas de diferentes nacionalidades, conhecimentos, etnias e crenças, além
de ter passado por grandes períodos históricos, como guerras e revoluções.
A Conjectura de Poincaré resolvida, agora nasce o Teorema de Hamilton-Perelman. A
comunidade matemática acredita que este teorema dará grandes contribuições no estudo da
Topologia e teorias sobre a forma do universo, assim como a progressão da Matemática em
áreas afins.
A aplicação do Teorema de Hamilton-Perelman nestes estudos em universidades mato-
grossense deverá ser lenta ou nem comentada, pois assuntos relacionados a este tema têm
reconhecimento insignificante neste meio acadêmico.
Nossa pesquisa esteve empenhada em conhecer o contexto histórico e relacionar a
Conjectura de Poincaré com o estudo das variedades bidimensionais e tridimensionais,
buscando identificar a ligação feita com as teorias a respeito da forma do universo.
A maior dificuldade encontrada foi a falta de material de pesquisa. São poucos os
materiais em Português que retratam a história da Conjectura de Poincaré. A pesquisa
iniciou-se no final do ano de 2007, os materiais encontrados neste período foram em grande
parte notícias eletrônicas, que eram repetitivas e registravam apenas a atitude inesperada de
Perelman. Apenas no primeiro semestre de 2009 surgiram materiais mais relevantes que
permitiram a continuação deste trabalho.
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Sendo assim, o objetivo inicial foi alcançado e é possível que acadêmicos de nossa
região conheçam a Conjectura de Poincaré, para que se interessem em iniciar trabalhos
semelhantes, dando continuidade ou apresentando outros problemas históricos.
O conhecimento adquirido durante esta pesquisa bibliográfica contribui na minha
formação em diversos momentos, pois foi possível um amadurecimento na escrita, retomada
em estudos relacionados à História, observando uma linha do tempo entre a Conjectura de
Poincaré e diversos acontecimentos neste período. Além de conhecer um pouco mais sobre
Topologia e Geometria Diferencial para compreender mais sobre o que realmente trata a
Conjectura de Poincaré. E assim como há muito tempo discutiam a forma da Terra, hoje é
possível pensar em algo muito maior, no caso, conhecer a forma do universo que nos
compreende, sabendo que a matemática poderá desempenhar o papel fundamental nesta
descoberta.
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