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SERVIÇO PÚBLICO FEDERAL
UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARÁ
INSTITUTO DE CIÊNCIAS EXATAS E NATURAIS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS E MEIO AMBIENTE
JOSÉ VARGAS SOBRINHO JUNIOR
REGULARIZAÇÃO FUNDIÁRIA URBANA NO MUNICÍPIO DE REDENÇÃO/PA:
Um estudo de caso da Lei Complementar Municipal 66/2013
BELÉM, PA
2015
UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARÁ
INSTITUTO DE CIÊNCIAS EXATAS E NATURAIS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS E MEIO AMBIENTE
JOSÉ VARGAS SOBRINHO JUNIOR
REGULARIZAÇÃO FUNDIÁRIA URBANA NO MUNICÍPIO DE REDENÇÃO/PA:
Um estudo de caso da Lei Complementar Municipal 66/2013
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-
Graduação em Ciências e Meio Ambiente da
Universidade Federal do Pará para obtenção
do título de Mestre em Ciências e Meio
Ambiente.
Orientador: Prof. Dr. José Heder Benatti.
BELÉM, PA
2015
Sobrinho Junior, Jos Vargas, 1982- Regularização fundiária urbana no município deRedenção/Pa: um estudo de caso da lei complementarmunicipal 66/2013 / Jos Vargas Sobrinho Junior. - 2015.
Orientador: Jos Heder Benatti. Dissertação (Mestrado) - UniversidadeFederal do Pará, Instituto de Ciências Exatas eNaturais, Programa de Pós-Graduação em Ciênciase Meio Ambiente, Belém, 2015.
1. Direito agrário. 2. Solo-Uso-Redenção(PA). 3. Leis complementares-Municípios-Redenção(PA). 4. Planejamento urbano-Solos-Redenção(PA). I. Título.
CDD 22. ed. 344.0957
Dados Internacionais de Catalogação-na-Publicação (CIP)Sistema de Bibliotecas da UFPA
DEDICATÓRIA
Dedico este trabalho à Beatriz, minha filha mais velha, que nasceu alguns meses antes
de iniciar o curso de Mestrado e em razão dele reclamou minha ausência durante muitas
noites e finais de semana, espero que um dia ela compreenda.
Dedico também à Iolanda, minha filha caçula, que respondeu uma pergunta que me
fazia desde muito: É possível amar do mesmo tanto dois ou mais filhos? Descobri que
existem formas de amar, mas amor não tem intensidade, só plenitude.
Dedico especialmente à Fernanda, minha esposa, cujo amor não consigo expressar em
palavras, apenas dizer que, sem quem, nada.
AGRADECIMENTOS
O primeiro agradecimento destina-se a meu orientador, José Heder Benatti, que me
ensinou o que é uma pesquisa científica e o papel de um orientador. Serei eternamente
grato pelas lições, pois sempre tive ânsia em apreender a pesquisar, li diversos livros de
metodologia da pesquisa e talvez tenha sido o tipo de literatura que menos me acresceu
algo. Iniciada a orientação, em razão da distância, tivemos pouco contato presencial,
mas apreendi que o papel do orientador não é acompanhar o orientando durante toda a
pesquisa e esclarecer dúvidas a todo instante, mas clarear o caminho para que sejamos
capazes de descobrir o que nele estava oculto, tendo ainda mais dúvidas a cada
descoberta e se sentindo motivado a continuar. Enfim, agradeço uma das mais valiosas
lições.
Agradeço ainda, especialmente, a meus pais, José e Marlene, que jamais mediram
esforços para que estudássemos e tanto sacrifício tiveram que fazer. Quando criança,
muitas vezes, entre um sacrifício e outro, meu pai disse que estava nos dando o único
bem que jamais alguém poderia nos furtar. Levei muito tempo para compreender o que
isso significa. Também quando criança, minha mãe perdeu a maior parte dos poucos
momentos de lazer para nos auxiliar com as primeiras letras, graças a ela estudar nunca
foi uma atividade modorrenta. Mas mais do que isso, ambos nos ensinaram com o
exemplo. Espero conseguir ter a mesma dedicação de vocês com minhas filhas.
Tenho uma dívida de gratidão com minha irmã, Shalana, que sempre teve um amor
fraternal tamanho que sempre me deixou a sensação de não retribuir a contento.
Agradeço também:
Aos meus alunos, por me permitirem exercer a atividade profissional que mais me
envaidece; pela amizade de muitos; pelos ensinamentos cotidianos.
À Marcelo Carmelengo, que me deu a oportunidade de dar aula e também de fazer este
curso de mestrado, dado sua dedicação em realizar o convênio entre a instituição
mantenedora e a UFPA.
À Juliana Oliveira, defensora pública dedicada, inteligente e sensível, amiga de poucas
horas, mas destas que nos fazem acreditar que lutar “é preciso, viver não é preciso”.
À Maysa, por organizar o caos e a Lorena, Beatriz e Marcelo, por suprirem minha
ausência no escritório.
Aos amigos Hugo Loss, Nicolas Liotto e Arthur MacDonald, com quem mais
compartilhei ideias e aflições acerca deste processo de mestrado, e porque me
auxiliaram a “explicar a mim próprio como cheguei aqui”.
Aos amigos Hallan Bruner Farias, Juliano Dóbis, Samuel Duleba, Samir Dias, André
Schilling, porque em algum momento da vida compartilharam comigo o mistério do
mundo e das coisas, significando a vida.
À Ricardo Pinto, que me mostrou que a história de Redenção é a íntima história do
Universo, além de ter me auxiliado sobremaneira nesta pesquisa.
À Paulo Botas e Eduardo Spiller Pena, não sei porque, só sei que é assim.
À Iyagunã.
Dos que nunca lerão sequer os agradecimentos porque deles não tomarão conhecimento,
agradeço:
À Eduardo Galeano, escritor uruguaio que não sabe da minha existência, apesar de tê-la
alterado profunda e invariavelmente.
À Andrey Poubel, que quando eu acreditava que a liberdade, a igualdade e a
fraternidade passavam pelo fim de todas as instituições e seus orgulhos, especialmente o
Estado, me demonstrou que as instituições não passam de metáforas das pessoas;
À Emerson Gabardo, pela ilusão de que o Direito é algo mais do que alguns livros que
já nascem empoeirados e faz parte das pequenas coisas insignificantes que cultivam os
sonhos que nos libertarão um dia.
À periferia... todas as periferias, de todos os lugares e todas as épocas... que duram
depois de não existir, vivem depois de morrer e gozam em tanto sofrer... À periferia,
resistência da vida, resguardo da humanidade, concentração da ação... A todos os
manos, que não cansam de consertar o que os doutores estão fadados a destruir,
especialmente aqueles que recorreram a mim e não tive forças para ajudar... É nós...
Muito terá que ocultar a história,
Dama de véu rosado,
Beijadora dos que vencem.
Eduardo Galeano
RESUMO
A presente dissertação realiza um estudo de caso acerca da Lei Complementar
Municipal 66/2013, que criou o “Plano Municipal de Regularização Fundiária,
Ocupação e Uso da Propriedade Urbana do Município de Redenção”. A irregularidade
fundiária do município resulta de sua ocupação desordenada, especialmente em razão da
falta de planejamento urbano e de políticas públicas que cuidassem do uso e ocupação
sustentável do solo aliado a efetividade do direito à moradia. O problema da
irregularidade fundiária hoje abrange não só famílias em situação de vulnerabilidade
mas também as principais regiões comerciais do município, sendo responsável por
graves problemas sociais ao mesmo tempo em que dificulta o desenvolvimento
econômico do município. Em razão disso, em 2013 aprovou-se a Lei Complementar
Municipal 66/2013, responsável primordialmente pela regularização fundiária no
âmbito municipal. Para compreendermos a dimensão do problema e da Lei que surge
com o intuito de solucioná-lo, estudamos primeiramente a forma como ocorreu a
ocupação do território brasileiro e as leis que regeram esta ocupação. Em um momento
posterior tentamos conceituar o vocábulo regularização fundiária e estudar os
elementos nele contido. Por fim, estudamos como acontecia a regularização fundiária no
município anteriormente à Lei Complementar Municipal 66/2013 para alcançar, então, o
surgimento da referida lei, apresentando o rol de instrumentos nela contidos destinados
à regularização fundiária. Encaminhando para a conclusão, após análise crítica não
apenas da lei objeto de estudo mas também das problemáticas inerentes à regularização
fundiária, a pesquisa apontou sugestões para a alteração da Lei Complementar
Municipal 66/2013 visando torná-la mais efetiva.
Palavras-chave: Regularização Fundiária. Função social da propriedade. Ocupação do
solo. Redenção/PA. Lei Complementar Municipal 66/2013.
ABSTRACT
This dissertation conducts a case study about the Municipal Law 66/2013, which
created the municipal Plan of Land Regularization , Occupation and Use of Urban
Property of Redenção/PA. The land irregularity of the municipality results from their
disordered occupation, especially given the lack of urban planning and public policy to
take care of the sustainable use and occupation of land, combined with effectiveness of
the right to housing. The land irregularity problem today covers not only families in
vulnerable situations but also the main trade areas of the city, so that is responsible for
serious social problems while blocking economic development of the municipality. In
2013 approved the Municipal Law 66/2013, responsible primarily for land
regularization in the city. To understand the scale of the problem and the law that arises
in order to solve it, first studied the way how was the occupation of the Brazilian
territory and the laws that governed this occupation. At a later time we try to
conceptualize the land regularization term and study the elements contained in there.
Finally, we study how was the land regularization in the municipality before the
Municipal Law 66/2013 to achieve, then the law, with the list of instruments contained
in it for the land regularization . Forwarding to the conclusion, after critical analysis not
only of the object of study law but also of the problems inherent in the land
regularization, the survey indicated suggestions for amending the Municipal Law
66/2013 aimed makes it more effective .
Keywords: Urban Land Regularization. Regularization at the municipal level. Social
function of property. Social function of the city; use and occupation. City of
Redenção/PA. Municipal Law about Land Regularization.
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO .................................................................................................... 14
2 A DIFICULDADE DA DEFINIÇÃO DO CONCEITO DE
“REGULARIZAÇÃO FUNDIÁRIA” ........................................................................... 17
2.1 Marcos Históricos da Formação Territorial Brasileira ................................... 18
2.1.1 Terras públicas e o regime das sesmarias .............................................................. 19
2.1.2 Terras públicas e o regime de posse ...................................................................... 24
2.1.3 Terras públicas e o regime da Lei de Terras – Lei 601/1850 ................................ 25
2.1.4 Terras públicas e período republicano ................................................................... 27
2.2 Marcos Legais de Regularização Fundiária Urbana ........................................ 28
2.2.1 Lei Federal 6.766/79 e o Parcelamento de Solo Urbano ....................................... 28
2.2.2 Lei Federal 9.785/99 e a Democratização do Parcelamento do Solo Urbano ....... 30
2.2.3 Lei Federal 10.257/2001 – O Estatuto da Cidade e a função social da cidade. ..... 32
2.2.4 Lei 11.977/2009 – A regularização fundiária e a compatibilização de
direitos. .............................................................................................................................. 35
2.3 Aspectos Relacionais entre Formação Territorial e Regularização
Fundiária .......................................................................................................................... 38
3 DIMENSÕES JURÍDICA, URBANÍSTICA, AMBIENTAL E SOCIAL
DA REGULARIZAÇÃO FUNDIÁRIA ........................................................................ 40
3.1 Os Elementos Contidos no Vocábulo Regularização Fundiária ...................... 41
3.2 Dimensão Jurídica e a Nova Disciplina da Regularização Fundiária ............. 42
3.3 Dimensão Urbanística e a Produção do Espaço Urbano .................................. 45
3.4 Dimensão Ambiental – A Conciliação entre o Direito à Moradia e o
Direito ao Meio Ambiente Equilibrado ......................................................................... 48
3.5 Dimensão Social – Do Diagnóstico da Ocupação ao Emponderamento
dos Ocupantes .................................................................................................................. 53
3.6 A União de Saberes em Busca de Cidades Socialmente Justas e
Ambientalmente Sustentáveis ......................................................................................... 56
4 REDENÇÃO: DA OCUPAÇÃO DO ESPAÇO À EMANCIPAÇÃO ............ 58
4.1 Da Ocupação do Espaço ...................................................................................... 58
4.2 Do Surgimento do Povoado ................................................................................. 61
4.3 Da Elevação do Povoado à Categoria de Vila e a Emancipação ..................... 66
5 A REGULARIZAÇÃO FUNDIÁRIA URBANA DE REDENÇÃO
SEGUNDO A LEI MUNICIPAL 11/83 ......................................................................... 70
5.1 Instrumentos para Regularização Dominial Segundo a Lei Municipal
11/83 ............................................................................................................................... 71
5.1.1 Doação onerosa...................................................................................................... 71
5.1.2 Venda ..................................................................................................................... 72
5.1.3 Aforamento ............................................................................................................ 72
5.1.4 Permuta .................................................................................................................. 73
5.1.5 Concessão de Direito Real de Uso ........................................................................ 73
5.1.6 Outras Disposições ................................................................................................ 73
5.1.7 A Lei Municipal 11/83 e a Regularização Fundiária ............................................. 74
5.2 Estudo de Caso da Regularização Fundiária no Município de Redenção
sob a égide da Lei Municipal 11/83 ................................................................................ 75
6 O ADVENTO DA LEI COMPLEMENTAR MUNICIPAL 66/2013 E A
NOVA POLÍTICA MUNICIPAL DE REGULARIZAÇÃO FUNDIÁRIA ............... 81
6.1 Principais Disposições da Lei Complementar Municipal 66/2013 .................. 81
6.2 Instrumentos para Regularização Dominial Segundo a Lei
Complementar Municipal 66/2013 ................................................................................. 87
6.2.1 Concessão de Direito Real de Uso ........................................................................ 88
6.2.2 Venda ..................................................................................................................... 89
6.2.3 Doação ................................................................................................................... 90
6.2.4 Superfície ............................................................................................................... 91
6.2.5 Concessão de Uso Especial para Fins de Moradia ................................................ 91
6.3 Análise Crítica da Lei Complementar Municipal 66/2013 que Instituiu a
Nova Política Municipal de Regularização Fundiária ................................................. 92
6.3.1 Frear a Produção Irregular da Cidade: o Urbanizador Social ................................ 94
6.3.2 Gestão Pública Participativa .................................................................................. 95
6.3.3 Qualificação da Gestão .......................................................................................... 96
6.3.4 Usucapião Urbana e Áreas Privadas ...................................................................... 96
6.3.5 Políticas de Compensação Ambiental ................................................................... 97
7 CONCLUSÃO ...................................................................................................... 98
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ............................................................. 102
APÊNDICES ...................................................................................................... 106
14
1 INTRODUÇÃO
Segundo estimativas do Ministério das Cidades, dois terços das áreas urbanas do
Brasil encontram-se em um panorama de irregularidade fundiária e ao contrário do que muitos
pressupõem, esse fenômeno não atinge apenas as famílias de baixa renda. Desde luxuosas
mansões em áreas de proteção ambiental, passando por imóveis no centro de São Paulo -
quarta maior metrópole do mundo - até alcançar a periferia de praticamente todas as cidades,
a irregularidade fundiária é um fenômeno multifatorial, fruto da falta de políticas públicas
distintas e de uma legislação que até hoje não conseguiu abranger de maneira satisfatória o
problema (FERRAZ, 2013).
Conforme acompanhamento do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística)
em 1960, 55% da população residia no campo, este panorama alterou-se em menos de uma
década, tendo crescimento acelerado e hoje mais de 80% da população brasileira vive nas
cidades. O Brasil não criou políticas públicas para fixar as famílias na zona rural bem como
não desenvolveu políticas de planejamento urbano para que as cidades comportassem esse
crescimento exponencial, de forma que as ocupações irregulares são uma realidade nas
cidades brasileiras, grande parte em áreas de mananciais, de preservação permanente, áreas
verdes e áreas públicas.
Redenção teve o mesmo problema em escala ainda mais alarmante, ainda de acordo
com dados do IBGE, na década de 70, quando a maior parte da população brasileira residia
nas cidades, 67% da população redencense ainda ocupava a zona rural. Decorridos dez anos,
68% da população tornou-se urbana e dados mais recentes, de 2010, indicam que 93% da
população redencense reside em área urbana. Essa inversão no contingente populacional em
cada zona é acompanhada por uma explosão demográfica incomum: salta-se de 2.344
habitantes na década de 70 para 75.556 habitantes quarenta anos depois. Isso significa dizer
que enquanto o êxodo do campo para a cidade aliado ao crescimento populacional representou
um crescimento médio de quatro vezes o número de habitantes nas cidades brasileiras, em
Redenção estes fatores resultaram em um aumento populacional de trinta e duas vezes, no
mesmo período.
Reconhecendo este problema e as peculiaridades encontradas no município de
Redenção, no ano de 2013 o Poder Executivo encaminhou para a Câmara Municipal um
projeto de lei que criou o “Plano Municipal de Regularização Fundiária, Ocupação e Uso da
Propriedade Urbana do Município de Redenção”, através da Lei Complementar Municipal
15
66/2013. Por se tratar de lei recente, ainda não é possível avaliar se os instrumentos são
efetivos no que se propuseram a partir dos resultados colhidos, pelo que é imperioso um
estudo dos antecedentes da lei para que se obtenham condições de realizar uma prospecção
sobre seus resultados.
O objetivo da presente dissertação é realizar um estudo de caso acerca da
regularização fundiária urbana no município de Redenção, um dos municípios mais
desenvolvidos do Araguaia paraense. Pretende-se também avaliar a atuação da Administração
Pública Municipal na tentativa de organizar o espaço urbano ocupado sem planejamento e a
inclusão social das famílias de baixa renda que venham compor estas ocupações irregulares.
Ainda, almeja-se estudar a forma como esta regularização fundiária busca integrar tais
ocupações à cidade previamente planejada, qualificando as áreas de ocupação consolidada
através do investimento em infraestrutura e valorização dos espaços comunitários, priorizando
a ocupação de espaços nestas áreas para conter a segregação sócio espacial.
Para tanto, a primeira resposta que buscou-se, exposta no segundo item, foi o que se
abrigava sobre o termo regularização fundiária, e para delinear o contorno da expressão
mostrou-se imprescindível o estudo da ocupação do solo brasileiro bem como das principais
leis relacionadas a regularização fundiária no país, o que foi feito no segundo item. Nele,
primeiro estudou-se a ocupação do solo brasileiro e a formação territorial sobre o auspício dos
diferentes regimes que tutelaram as terras públicas, origem da formação territorial brasileira.
Em um segundo momento, debruçamo-nos sobre os marcos legislativos federais relacionados
à regularização fundiária.
No terceiro item almejou-se compreender os elementos contidos no vocábulo
regularização fundiária, adotando quatro principais dimensões essenciais à regularização
fundiária urbana, que além de auxiliarem na delimitação conceitual do termo são os aspectos
mais modernos sobre os quais se pauta a regularização fundiária hoje: a dimensão jurídica,
responsável especialmente pela regularização jurídica dominial; a dimensão urbanística, que
cuida da ordenação e uso do espaço, possibilitando o acesso a outros serviços e direitos, como
saneamento ambiental, educação, saúde, etc.; dimensão ambiental, com dever de conciliar os
direitos fundamentais à moradia e ao meio ambiente equilibrado; a dimensão social,
responsável pelo diagnóstico dos assentamentos a partir do perfil socioeconômico dos
ocupantes mas também pelo emponderamento da sociedade garantindo sua participação nos
processos de regularização fundiária.
No quarto item aproxima-se propriamente do objeto de estudo, voltando os olhos para
o processo de ocupação de Redenção, o desenvolvimento urbano, uso e ocupação do solo e a
16
emancipação do município, conferindo-lhe autonomia administrativa e financeira. Importante
salientar que em um modelo federativo como o brasileiro a emancipação tem efeito não
apenas na regularização fundiária mas em todos os processos retrocitados.
No quinto item objetivou-se estudar como o Município enfrentava a irregularidade
fundiária antes do advento da Lei Complementar Municipal 66/2013, ao contrário de
significar a ampliação de nosso objeto de estudo, conhecer a forma como o Município
encarava a regularização fundiária antes da Lei que delimita o tema é de extrema relevância
para compreendermos o cenário encontrado por ela e verificar se os instrumentos da Lei
Complementar Municipal 66/2013 contribuem de fato para a regularização fundiária urbana
de Redenção.
Desta maneira, no item cinco descreve-se a Lei Municipal 11/83, principal
instrumento legislativo para a regularização fundiária no âmbito municipal antes do advento
da Lei Complementar Municipal 66/2013. Além disso, apresenta-se as conclusões
encontradas após realizar um estudo de caso de quinze processos de regularização fundiária
protocolados e concluídos sob a tutela da Lei Municipal 11/83, que compõe o Anexo I da
presente dissertação.
No sexto item divide-se a abordagem tratando em um primeiro momento das
características gerais da Lei, na tentativa de identificar seus fundamentos. No segundo
momento, descrevem-se os instrumentos jurídicos de regularização fundiária disponibilizados
pela Lei Municipal 11/83. Finalmente, debate-se como o poder público municipal enfrentou o
tema da regularização fundiária e sua capacidade de gerir os processos de regularização
fundiária.
Por fim, após o diagnóstico realizado da situação fundiária de Redenção, os
antecedentes legislativos e o objeto de estudo propriamente dito, a Lei Complementar
Municipal 66/2013, no sétimo item indica-se possíveis arranjos jurídicos que melhor
viabilizem a regularização fundiária urbana dos assentamentos de Redenção, tentando
contribuir com a solução dos problemas identificados no trabalho, bem como sugerir o
desenvolvimento de medidas específicas para que o plano de regularização fundiária
municipal tenha efetividade.
17
2 A DIFICULDADE DA DEFINIÇÃO DO CONCEITO DE “REGULARIZAÇÃO
FUNDIÁRIA”
“Deitou-se remendo de pano novo em vestido velho, vinho novo em
odres velhos, sem que o vestido se rompesse nem o odre rebentasse.”
Raymundo Faoro.
Existe uma dificuldade em conceituar "regularização fundiária", não havendo na
doutrina um conceito consagrado justamente porque a utilização que o poder público faz
desse termo influi no conceito doutrinário e o uso legislativo do termo não é estanque. Este
último tenta continuamente conformar-se aos problemas encontrados nas situações de
irregularidade fundiária, que variam não apenas de época para época, mas de local para local.
Ainda assim, fácil deduzir que ao se utilizar o termo ‘regularização’ depara-se com
uma situação irregular ou ilegal e o termo ‘fundiária’ indica que a regularização em questão
cuida de bem imóvel, pelo que ‘regularização fundiária’ em um primeiro momento denota
tornar regular, segundo parâmetros legais, determinada ocupação, conduzindo então a
conclusão imediata que o beneficiário do evento não é o proprietário do imóvel, mas seu
possuidor.
O conceito regularização fundiária nos parece ter origem nos instrumentos utilizados
pelo Estado para sujeitar o ocupante de área rural a submeter aos órgãos estatais informações
acerca da natureza da posse, das características do bem imóvel e dos ocupantes do mesmo, até
mesmo o vocábulo “fundiária” remete a esta relação. A regularização fundiária surge,
portanto, como busca pela legalização de determinado domínio, titulando a propriedade ou a
posse do ocupante do bem imóvel.
A regularização fundiária urbana, por sua vez, surge associada ao direito à moradia,
mais especificamente à titulação dominial da área, com o intuito de garantir segurança
jurídica ao morador e supostamente solucionar a questão do acesso à moradia.
Em momento ulterior, ultrapassa-se esta relação simplista direito à moradia –
segurança jurídica e a discussão alcança a dimensão do combate à pobreza e promoção do
desenvolvimento econômico. A partir daqui, ato subsequente, expande-se para dimensões que
lhe são correlatas, como urbanização das áreas a serem regularizadas, uso justo e
ambientalmente sustentável do espaço urbano, saneamento ambiental, investimento em
infraestrutura, transporte, e acesso aos serviços públicos.
18
Portanto, dado a força expansiva do termo “regularização fundiária” e sua relação com
o aparato legislativo, façamos um breve apanhado histórico da ocupação territorial do Brasil e
dos marcos legislativos para que tentemos delinear o conceito atual de regularização
fundiária.
Claro que como não há rigor conceitual nem mesmo sobre conceitos caros ao direito e
indispensáveis para a regularização fundiária, como posse e propriedade1, a discussão abaixo
proposta tem como intuito maior indicar o percurso para se alcançar o que se abriga hoje
sobre o vocábulo regularização fundiária do que consagrar uma definição precisa do termo.
Ao contrário, espera-se justamente demonstrar o grau de incerteza e o dinamismo do conteúdo
protegido pelo jargão regularização fundiária, afirmando as alterações sofridas ao longo do
tempo na tentativa de aprimorar o instituto para seu uso pelo Estado e pela sociedade.
2.1 Marcos Históricos da Formação Territorial Brasileira
Pensar a regularização fundiária implica em repensar o direito de propriedade imóvel,
e neste momento é imperioso um pequeno resgate da ocupação territorial do Brasil e sua
história. Isso porque o estudo dos institutos jurídicos de regularização fundiária precede uma
reflexão acerca da forma como foi construído o domínio sobre o território brasileiro e este,
por sua vez, exige que voltemos os olhos para as ações colonizatórias de Portugal sobre nosso
país, pois qualquer tentativa de ordenação do poder político leva em consideração os fatos e
fatores históricos que a antecedem.
Além disso, o modelo de titulação denominado “Concessão de Uso”, tratado como
grande inovação jurídica e um dos instrumentos mais modernos em programas de
regularização fundiária, esteve presente durante a maior parte da história fundiária brasileira.
Durante praticamente quatro séculos o modelo de concessão foi forma legítima de acesso à
terra no Brasil.
Discorre-se ainda neste item que o divórcio entre a lei e os costumes, tão bem
delineado por Faoro (2001), é especialmente bem representado na questão fundiária brasileira:
Nossas terras sequer haviam sido ‘descobertas’ e Portugal e Espanha já haviam legislado
acerca da divisão das mesmas. Bastou a suposição de que algo seria encontrado para que se
tratasse de maneira artificial esta descoberta pressuposta.
1 Ver Ihering e Savigny.
19
Assinado o tratado divisor, tudo sob as bênçãos da Igreja, Portugal lança-se em sua
maior aventura: o sonho imperialista, “a monarquia portuguesa tomou sobre si uma visão
universal. O centro do mundo desloca-se, na consciência dos atores, para o pequeno palco
lusitano, com o mundo desconhecido aos seus pés” (FAORO, 2001, p. 882). Os portugueses,
desta forma, aca aportaram no século XV, com as naus flamulando o símbolo da Ordem de
Cristo, fundada quase duzentos anos antes e financiadora do empreendimento português,
tomando posse das terras brasilis, por direito de conquista, já que a “terra era domínio de
Deus da qual os reis não passavam de administradores”. (LEITE, 2004, p. 8)
A união entre Igreja e Estado mostrou-se fundamental inclusive para o exercício do
registro de terras, pois o aproveitamento de terras por meio das posses e sesmarias era
legitimado em registros realizados nas paróquias locais, cabendo ao vigário ou pároco o papel
hoje desempenhado pelos registros de imóveis.
A divisão do mundo entre Espanha e Portugal para a descoberta de novas terras é antes
de mais nada subjugar estas terras desde logo a um dos dois reinos, sendo por consequência as
novas terras todas elas públicas, mas agora de propriedade pública da Coroa, não propriedade
do Rei de Portugal (LEITE, 2004, p. 9), todavia, “o rei, como senhor do Reino, dispunha,
instrumento de poder, da terra, num tempo em que as rendas eram predominantemente
derivadas do solo.” (FAORO, 2001, p. 14)
Bem verdade que, como novamente ensina Faoro (2001), a exploração do solo que se
pretendia aqui de início era outra: a mercantilista advinda de metais preciosos. Como tais
metais não foram desde logo encontrados na exploração da costa, de início a coroa portuguesa
não manifestou interesse no desbravamento das terras. Só com o risco representado por outras
coroas é que Portugal começa a se preocupar com a efetiva conquista e ocupação do território.
2.1.1 Terras públicas e o regime das sesmarias
"O nosso jurismo" — escreve Nestor Duarte — "como o amor a
concepções doutrinárias, com que modelamos nossas constituições e
procuramos seguir as formas políticas adotadas, é bem a demonstração
do esforço por construir com a lei, antes dos fatos, uma ordem política
e uma vida pública que os costumes, a tradição e os antecedentes
históricos não formaram, nem tiveram tempo de sedimentar e
cristalizar. (...) Um trabalho de construção ora desproporcionado, ora
artificial, sempre com maior ou menor contraste, sobre o terreno
vazio."
In Raymundo Faoro
20
O período entre os séculos VIII e XIII foi marcado pela disputa entre cristãos e árabes
pelo domínio da Península Ibérica, fazendo com que a unificação de Portugal tenha grande
dívida com o modelo de distribuição das terras reconquistadas dos povos árabes pela Coroa
portuguesa. Ao mesmo tempo o modelo de distribuição de terras como forma de premiação
operava uma centralização de poder pois legitimava o Rei como único responsável pelo
arrendamento, concessão e doação de terras, internalizando assim a ideia de que as terras
conquistadas eram incorporadas ao domínio do Reino. (FAORO, 2001)
Visando organizar esta distribuição de terras e exercer algum controle sobre ela é que
o direito público lusitano cria o Instituto da Sesmaria, que tem sua origem em ato do Rei D.
Fernando I. No ano de 1375 o Rei determina que todos aqueles que possuíssem terras fossem
obrigados a lavrá-las, bem como ordena que as terras que permanecessem sem cultivo fossem
entregues a quem desejasse nelas produzir. (LEITE, 2004)
E se as pessoas que assim forem dadas as sesmarias, as não aproveitarem ao
tempo que lhes for assinado, ou no tempo que nesta Ordenação lhes assinamos,
quando expressamente não lhes for assinado, façam logo os sesmeiros executar as
penas que lhes forem postas, e deem as terras que não estiverem aproveitadas, a
outros que as aproveitem, assinando-lhes tempo, e pondo-lhes a dita pena.
(Ordenações Filipinas, Livro IV, Título XLIII)
A lei pretendia assim não apenas assegurar a produção agrícola e o cultivo de terras
ermas, mas também promover a ocupação das terras reconquistadas dos mouros. (NOZOE,
2006)
Posteriormente, em 1446, as ordenações afonsinas preocupadas com o repovoamento
do campo manterão o disposto por D. Fernando I, determinando a concessão de terras em
sesmarias para quem nelas desejasse produzir. Desta feita, para além do domínio, o regime
sesmarial é verdadeira intervenção do Estado na posse das terras por particulares, sendo um
embrião do que hoje chamamos de função social da propriedade. (LEITE, 2004) Como afirma
Treccani (2001, p.30) o sistema de sesmarias “não visava proteger o direito de propriedade
individual sobre a terra, mas sim o interesse público.”
No Brasil, todavia, o Instituto das Sesmarias é utilizado antes como instrumento para
dar início a ocupação do território do que para assegurar a produção agrícola das terras recém
descobertas.
Na colônia, as sesmarias foram regidas de início pelas ordenações manuelinas (1521),
instituindo-se a seguinte dinâmica: cabia a D. João III a doação de terras por intermédio das
cartas donatárias das capitanias hereditárias, os capitães-donatários, por sua vez, poderiam
21
reter apenas 20% da capitania para si, tendo a obrigação legal de distribuir os outros 80% das
terras justamente mediante o instituto das sesmarias. (TRECCANI, 2001, p. 33)
Além das sesmarias os capitães possuíam ainda o poder de fundar vilas e nesta dar as
cartas de datas que, tal qual as sesmarias, consistia em processo de transferência de terras
públicas para o domínio privado. Ao passo que as sesmarias tinham como encargo o cultivo
das terras, as datas tinham como encargo a edificação, de maneira que ao cabo ambas eram
privilégios concedidos pela Coroa.
Importa destacar que em tese o instituto das sesmarias era verdadeira concessão de
terras realizada pelo Estado, com uma série de encargos gerais que quando não cumpridos
justificavam a retomada de terras pela Coroa, demonstrando assim que o modelo de concessão
de terras públicas mediante encargos não se trata de inovação jurídica como muitos
pressupõem, todavia, será a falta de fiscalização da lei que não assegurará seu escopo.
Relevante destacar que naquela época não havia ainda a ideia jurídica de domínio, não
se realizando uma distinção clara entre posse e propriedade, mas em linhas gerais a ideia é
que a terra continuava a ser propriedade do Estado, que legitimava a posse do sesmeiro,
podendo este usufruir inclusive economicamente da propriedade.
Segundo Lima (1988, p. 42-43) uma mudança no regime sesmarial, dando-lhe as
feições de concessão, vai se operar em 1695, quando a coroa portuguesa expede ordem
determinando a cobrança de novo tributo, neste instante, a cessão de terras públicas em
sesmaria tornam-se simples concessão administrativa de domínio público.
Ainda no Reino o instituto das sesmarias vai caindo em desuso até o ponto em que
desaparece com o advento das Ordenações Filipinas, trazendo a necessidade de que seja
regulamentado por legislação especial no Brasil. (LIMA, 1988)
A primeira adaptação legal significativa do regime sesmarial no Brasil ocorrerá
quando o governador fica autorizado a conceder por sesmaria terras àqueles que tivessem
posses suficientes para construir engenhos açucareiros, restando o encargo de edificar
igualmente torres ou casas fortes contra os gentios. Passa a vigorar desta feita no instituto das
sesmarias brasileiro o espírito do latifúndio. (LIMA, 1988)
Cumpre destacar também o Alvará de 05 de outubro de 1795, que instituiu ao
sesmeiro a obrigação de demarcar as terras que ocupava no prazo de dois anos, só podendo o
Conselho Ultramarino confirmar cartas de concessão se as mesmas se fizessem acompanhar
da respectiva certidão legal e autêntica de que a demarcação havia sido feita e passado em
julgado sentença sobre eventuais litígios demarcatórios. (NOZOE, 2006, p. 594)
22
Legalmente manteve-se no Brasil colônia o sistema consagrado no Reino desde a
reconquista de tomar o cultivo da área como elemento criador do direito à propriedade, ao
ponto de Decreto datado de 03 de janeiro de 1781 ordenar que as medições e demarcações
sesmariais, requisito obrigatório desde 1753, sejam feitas sem prejuízo de possuidores que
cultivem o terreno. (NOZOE, 2006)
Conforme a legislação especializava-se, diferentes categorias de bens públicos
começavam a surgir no ordenamento, especialmente no que concerne àquelas reservadas ao
uso público, ao uso coletivo e as passíveis de transferência de uso para particulares. Porém, ao
cabo podemos afirmar que o regime jurídico das terras caracterizava-se pela inalienabilidade,
já que as concessões das Datas e Sesmarias possuíam cláusulas resolutivas. Entretanto, na
prática a realidade mais uma vez mostrou-se distinta da legislação, pois a terra acabou
incorporada ao patrimônio de seus detentores, não só as passíveis de transferência mas
também aquelas que deveriam ter sido reservadas ao uso comum. (CARDOSO, 2010, p. 31)
Ainda assim é notável que em certa medida a preocupação real para evitar um
processo de especulação imobiliária e concentração de propriedade quando do instituto das
sesmarias nas capitanias hereditárias pareça maior do que em inúmeras legislações que
cuidam de promover a regularização fundiária nos dias de hoje. Por exemplo, o capitão
donatário só poderia reaver terra por ele concedida após decorridos oito anos da concessão
originária. Todavia, tal como ocorre nos dias de hoje, a eficácia da lei foi afetada pela falta de
fiscalização. (TRECCANI, p. 33)
O sistema sesmarial durou no Brasil até as vésperas de sua independência, quando em
julho de 1822 o príncipe regente suspendeu o sistema de sesmarias até convocação de
Assembleia Geral Constituinte. Suspensão advinda após inúmeras decisões reais que reviam
decisões judiciais em razão destas darem prevalência ao instituto da sesmaria em detrimento
da posse, (NOZOE, 2006) mas mais precisamente em decisão real advinda do pedido de um
popular humilde que suplicava poder continuar residindo em terras que ocupava há mais de
vinte anos, sem ser agraciado, todavia, com a concessão da sesmaria por não saber peticionar
nesse sentido. O instituto viria a ser extinto em definitivo e chegaria ao fim o regime de
sesmarias em 1823, com o Brasil já independente. (LEITE, 2004)
Ocorre que a extinção do sistema de sesmarias não foi substituído por um novo regime
jurídico, ficando o Brasil quase 30 anos sem uma legislação que dispusesse sobre o assunto.
Sem um poder concedente das terras públicas estas foram sendo ocupadas e apropriadas por
quem se interessasse, entretanto, ao contrário do que se pressupunha, a pequena posse foi
23
suplantada pelo latifúndio, possibilitando que alguns pouco abastados de recursos econômicos
constituíssem grandes fazendas. (LIMA, 1998, p. 58)
Muito possivelmente essa ausência legislativa entre a suspensão (1822) e extinção
(1823) do regime de sesmarias até o advento da Lei de Terras (1850) se deva ao fato de que a
base político-econômica do novo Estado era composta por grandes latifundiários, a maioria
posseiros irregulares e avessos a discussão sobre propriedade territorial. Apesar da série de
conflitos fundiários, destaca Nozoe (2006, p. 603) que a “primeira forma de ordenamento
jurídico da propriedade fundiária” – os institutos das sesmarias (rural) e datas (urbana) – foi
responsável pela garantia da ocupação de menos de 20% do território nacional, mesmo tendo
nascido especialmente para este fim.
Esta breve análise histórica nos traz as seguintes conclusões:
I) A falta de fiscalização levou ao fracasso o intento legislativo quanto ao sistema
de sesmarias, que era aliar a ocupação da nova colônia à distribuição de terras
para quem nelas quisesse produzir, tentando alcançar uma supremacia do
interesse público sobre o privado, de maneira que ao cabo apenas os mais
abastados conseguiam as cartas de sesmarias, seja para cultivo seja para
arrenda-las, dando início ao sistema latifundiário e de concentração de renda
até hoje vigente.
II) A limitação ao direito de posse (o encargo de cultivar a terra sob pena de
perder a concessão) jamais se tornou efetivo, assim, ao final, tal qual as
primeiras leis legislaram situações distintas da realidade os contratos vigeram
situações que não se amoldavam a prática.
III) A Lei e o Contrato tratavam a terra como um bem de produção, as classes
dominantes – burocratas e possuidores – tratavam a terra como um bem
patrimonial.
IV) A lei e o contrato tratavam a terra como um direito-dever, a realidade tratava a
terra como um privilégio.
V) A Lei via na sesmaria um instrumento para possibilitar a ordenação territorial
(o que em certa medida ocorreu em Portugal) a Coroa via na sesmaria um
instrumento de dominação, na medida em que fazia uso da sesmaria como uma
retribuição de serviços prestados à coroa e não como um Direito.
24
2.1.2 Terras públicas e o regime de posse
Se concomitantemente ao regime legal - o da concessão de terras públicas por meio
das sesmarias - já havia um processo de ocupação espontânea das terras públicas à revelia do
sistema jurídico, com a extinção do regime das sesmarias e a inércia do legislador em
implantar um novo regime consolidou-se e expandiu a ocupação pura e simples das terras
devolutas – aquelas sem nenhuma espécie de título ou registro.
Paradoxalmente, a Constituição outorgada pelo Imperador em 1824 aderiu ao ideal
burguês de propriedade e passou a tratar a propriedade como um direito absoluto e intocável,
liberando-a de qualquer condição ou cláusula resolutiva. Assim, a nova Constituição veio dar
à propriedade tratamento diverso dos mais de trezentos anos anteriores de história legislativa,
encerrando o controle do Estado sobre as terras e as limitações legais e resolutivas sobre as
mesmas. (TRECCANI, 2001)
Apesar de consagrar o caráter absoluto da propriedade não existia por outro lado
nenhum instrumento que transformasse posse em propriedade. Além disso, ainda que
outorgada, a Constituição de 1824 deve ser considerada como um poder constituinte
originário, de maneira que não é possível afirmar qual o tratamento que os institutos
anteriores à Constituição receberão no novo ordenamento jurídico. Ou seja, garante-se a
propriedade em toda sua plenitude mas a falta de institutos civis que versem sobre a
propriedade levam à prevalência da posse.
Mais uma vez o que poderia representar a ampliação do movimento de acesso à terra e
um enfraquecimento do latifúndio caminhou na verdade em sentido oposto. Como o
apossamento de terras públicas se deu de maneira anárquica, sem nenhuma regulamentação
pelo Poder Público, aqueles grandes latifundiários detentores de escravos tiveram a
possibilidade de ampliar ainda mais seus domínios. (TRECCANI, 2001, p. 72)
A estrutura agrária latifundiária sai assim fortalecida neste período de inexistência de
regulamentação legal e jurídica, minguando ainda mais o pequeno produtor rural, que só
consegue o apossamento de terras entre os limites das grandes propriedades e muito distante
dos núcleos de povoamento. (FAORO, 2001, p. 465)
É bem verdade que o próprio Imperador já havia determinado antes do fim do regime
de sesmarias que estas deveriam ser demarcadas sem prejudicar os possuidores que tenham
cultivado suas posses. (LIMA, 1988, p. 50-51)
Assim, acerca do Regime das Posses podemos chegar as seguintes conclusões:
25
I) O reconhecimento da situação fática da ocupação já era costume antes mesmo
do fim do regime das sesmarias e do advento do regime das posses;
II) O critério da afetação das terras públicas e o reconhecimento da posse pelo
cultivo afasta a ficção da propriedade estatal;
III) O regime da legitimação da posse, desde que essa seja mansa, pacífica e com
fins de cultivo, até hoje elementos essenciais do usucapião, começam a ser
delineados nesta época;
IV) A democratização do acesso à terra que poderia ter advindo da prevalência da
posse sobre qualquer outro instituto jurídico foi prejudicada pelo fato de que
aqueles que possuíam escravos e melhores condições econômicas conseguiram
ampliar ainda mais suas posses territoriais.
2.1.3 Terras Públicas e o Regime da Lei de Terras – Lei 601/1850
A lei de terras vem pôr fim ao sistema de posses e determinar que a compra é o único
meio de aquisição de terras devolutas, inviabilizando a democratização do acesso à terra pois
torna-se um fator impeditivo de acesso pelos pobres e garante o acesso apenas aqueles que
detinham o capital necessário para sua compra, expandindo e estruturando, portanto, ainda
mais a estrutura latifundiária. Não é sem razão que a Lei de Terras é promulgada 15 dias após
a Lei Eusébio de Queiroz, que proibiu o tráfico negreiro, escancarando a preocupação em
garantir que os negros não tivessem acesso à terra, o que geraria uma crise nas relações de
trabalho. (TRECCANI, 2001, p. 73-75)
Enquanto a força de trabalho estava sob o regime da escravidão “a terra em si pouco
ou nada valia”, a riqueza residia no número de escravos que se detinha. Somente quando
“irrompe o trabalhador livre, que, pelo regime do assalariamento, deverá ser destinado, em
face da nova organização social, ao mercado de trabalho” é que a terra passa a ter valor.
(FAORO, 2001, p. 159-160) Como afirma Martins (apud TRECCANI, 2001, p. 75) “num país
em que a terra é livre, como era no regime sesmarial, o trabalho tem que ser escravo. Num
país em que o trabalho se torna livre, a terra tem que ser escrava”.
Ao contrário dos sistemas vigentes até então, a posse não só não é mais incentivada
como passa a ser criminalizada, sob pena de prisão e multa (Art. 2º da Lei de Terras). Nesse
estado de coisas, a oligarquia agrária amplia sua reserva de mercado criando uma reserva
econômica, pois confortantemente imprime na Lei de Terras que sem o título as terras ficam
26
impedidas de serem hipotecadas ou alienadas (Art. 11), ou seja, a terra torna-se uma
mercadoria, inclusive aceitável em transações de crédito.
É bem verdade que a Lei em certa medida abranda seus efeitos ao legitimar “as posses
mansas e pacíficas” (Art. 5º), beneficiando em grande parte os posseiros que cultivaram e
construíram “nas sesmarias improdutivas e datas abandonadas”, (CARDOSO, 2010, p. 37)
todavia, impede a democratização fundiária ao negar o acesso à terra mediante posse a partir
de sua promulgação e demonstra sua preferência pelo latifúndio ao determinar que os
possuidores que tenham terras produtivas terão preferência na aquisição das contíguas desde
que demonstrem “que tem os meios necessários para aproveitá-las.” (Art. 15)
Ainda, a regularização da posse apresentava outro empecilho: a exigência de registro e
medição, procedimento oneroso que levou a extinção da posse dos minifúndios.
Finalmente, a Lei de Terras marcará a cisão entre propriedade pública e propriedade
privada e determinará que toda terra sem título é de domínio público. Em vista disso, para
neste trabalho pode-se tirar as seguintes conclusões acerca da Lei de Terras:
I) As terras devolutas que outrora foram um privilégio concedido aos “amigos
do rei” agora se tornam privilégio dos “amigos do capital”, pois o preço para
aquisição de terras devolutas era de tal maneira elevado que de início era o
dobro do valor cobrado nos Estados Unidos, conforme relata Trecanni (2001,
p. 79);
II) A privatização de terras garantiu mão de obra barata para a consolidação do
sistema latifundiário brasileiro, reforçando o cultivo da terra como meio para
a concentração de renda e não para a subsistência: primeiro o capital era
necessário para a aquisição de escravos, depois para a aquisição de terras;
III) A Lei de Terras em certa medida pode ser encarada como a primeira Lei
brasileira de “Regularização Fundiária”, pois ao invés de dispor apenas como
se regeriam as relações futuras com a terra buscou regulamentar também as
relações já estabelecidas.
27
2.1.4 Terras Públicas e período republicano
A adoção do regime republicano não trouxe alterações significativas na estrutura
agrária já consolidada no Império, mas a primeira Constituição republicana inovou o
tratamento dispensado as terras públicas devolutas ao entregá-las para os Estados, deixando
para a União tão somente as áreas fronteiriças.
A mudança de jurisdição facilitou o acesso à terra pelas oligarquias regionais e causou
inúmeros conflitos intestinais de movimentos populares que se contrapuseram a esta política.
(TRECCANI, 2001, p. 88-89)
O fato é que desde que a Lei de Terras consagrou a compra como única forma de
aquisição das terras públicas pouca coisa se alterou com o advento do regime republicano:
ainda hoje esta é a regra geral, com a Lei de Licitações – 8.666/93 – autorizando a venda de
bens públicos somente mediante prévia licitação.
A bem da verdade, de início a proclamação da República torna o Estado mais liberal e
fortalece a propriedade privada em detrimento da posse, sendo influenciado pelo Direito
francês e alemão e levando a um afastamento do direito português: ou seja, ao desconsiderar
os hábitos do país a lei opta mais uma vez por legislar em desacordo com a realidade.
O que vem sofrendo alterações significativas desde o advento do período republicano
é o tratamento dispensado ao uso da terra e a criação de novos instrumentos para
regularização fundiária, especialmente aquelas irregularidades advindas da inépcia registral,
bem como a forma que reconhece os efeitos da posse.
Neste tema, a posse, a República trará outra alteração significativa: a partir do Código
Civil de 1916 a posse passa a ser modo legítimo para a aquisição da propriedade particular,
mas agora não mais da propriedade pública.
O Código Civil de 1916 proíbe a legitimação de posse e a revalidação das Sesmarias,
mas prevê o usucapião de imóveis particulares, de maneira que “o tratamento dado à
propriedade privada se apresentava mais permeável a aplicação da função social da
propriedade que o da propriedade pública.” (CARDOSO, 2010, p. 52)
Desta maneira, acerca do regime republicano destaca-se:
I) Manteve a compra como única forma de aquisição das terras públicas,
dificultando o acesso à terra pelas populações pobres;
II) Fortaleceu a propriedade em detrimento da posse, demonstrando desde logo
seu viés liberal;
28
III) Trouxe restrições ao uso da propriedade, mas especialmente a propriedade
particular.
2.2 Marcos Legais de Regularização Fundiária Urbana
Durante o principal período de urbanização brasileira, quando nosso país perdeu sua
característica de população predominantemente rural para urbana, as cidades expandiram
praticamente sem nenhuma regulação do Poder Público acerca do planejamento e
parcelamento do solo, ficando a cargo dos loteadores a decisão das vertentes de expansão
segundo o melhor retorno imobiliário e a cargo do Poder Público o ônus com a infraestrutura
e urbanização dos espaços. (MASCARENHAS, 2012, p. 13)
O parcelamento do solo urbano é a forma mais comum segundo a qual as cidades são
criadas, nesse contexto, a compreensão dos agentes envolvidos neste processo de
parcelamento torna-se relevante para compreender a própria produção do espaço urbano
contemporâneo, bem como o tratamento dispensado por nossa legislação a essa produção do
espaço.
2.2.1 Lei Federal 6.766/79 e o Parcelamento de Solo Urbano
A Lei Federal 6.766, de 19 de dezembro de 1979, representa um marco regulatório dos
mais relevantes, na verdade, verdadeiro marco divisor, pois agora o parcelamento do solo
urbano é enxergado além da questão imobiliária e passa a considerar as condições ambientais
naturais e urbanas. O parcelamento do solo deixa de ser mero aglomerado de lotes particulares
para se inserir em um espaço urbano, tratado como algo que demanda serviços, equipamentos
e espaços públicos para participar do contexto social. (NASCIMENTO, 2013, p. 30)
Claro que por sua incipiência e falta de submissão da lei à realidade, a Lei 6.766/79
não foi capaz de contemplar a necessidade de ordenamento do espaço urbano de maneira mais
ampla, especialmente em relação ao solo e acesso à moradia, mas inovou ao trazer ao Poder
Público a capacidade de atuar “no controle das forças convergentes e os agentes interessados
na questão da produção do espaço”, inclusive definindo formas de parcelamento regular e
criminalizando o parcelamento clandestino ou irregular. (BENTE, 2010, pp. 94-95)
Ainda, ao tipificar como crime, o parcelamento clandestino buscou findar o processo
vicioso onde o loteador transferia para o poder público a responsabilidade pela infraestrutura e
29
urbanização de seu empreendimento, ficando apenas com o bônus econômico e livrando-se do
ônus social.
Aliada a tipificação penal, a lei previu ainda a pena econômica, tomando precauções
cautelares na medida em que possibilitou ao adquirente suspender o pagamento de parcelas ao
loteador e realizá-las junto ao Registro de Imóveis em caso de falta técnica, inclusive
perdendo o loteador o direito de resgatar o montante depositado caso não proceda a
regularização.
Por fim, mesmo pela época em que houve o advento da lei, durante a ditadura civil
militar, seus instrumentos não possuem uma preocupação com a gestão democrática da cidade
e sim uma gestão unilateral do Poder Público regulando o uso e ocupação do solo. (BENTE,
2010, p. 99)
Parte da doutrina atribui à Lei parcela de responsabilidade no aumento das favelas e
ocupações de áreas públicas ou de proteção ambiental, pois as obrigações dela advindas
muitas vezes restringem o acesso da população mais carente aos lotes regulares em razão do
custo a ele incorporado para se atender a legislação. (FUNES, 2005, p. 67)
Este trabalho ateve-se às seguintes conclusões advindas da Lei Federal 6.766/79:
I) Por um lado a Lei trará uma nova concepção urbanística substancialmente
relevante, pois os novos loteamentos deixam de ser agora mero amontoados de
lotes urbanos, devendo se integrar à cidade;
II) Além disso, inicia-se uma interrupção na visão de que ao particular o bônus e
ao Poder Público o ônus, o particular torna-se agora responsável por uma série
de obras de infraestrutura, além da demarcação precisa de vias de circulação,
quadras, lotes, etc.;
III) A responsabilidade do particular é pensada tanto na proteção à cidade, como as
medidas que criminalizam o loteamento clandestino, como na proteção ao
adquirente, como as medidas que permitem a suspensão do pagamento
diretamente ao loteador caso haja vício no registro;
IV) A lei foi pensada em uma gestão unilateral pelo Poder Público, não tendo uma
participação democrática e social, ao mesmo tempo em que trouxe uma série
de requisitos que por vezes tornam difícil ou extremamente seu oneroso seu
cumprimento, tornando-se assim excludente, quem sabe justamente pela falta
de participação democrática na gestão do crescimento urbano.
30
2.2.2 Lei Federal 9.785/99 e a Democratização do Parcelamento do Solo Urbano
A primeira alteração à Lei 6.766/79 ocorreu em 1999, vinte anos após sua entrada em
vigência e vem justamente com um caráter regulatório, pois segundo a Secretaria de Política
Urbana (SEPURB) as leis municipais não estavam adequadas para contemplar a produção
habitacional de interesse social, inclusive porque o custo com infraestrutura encarece o lote de
tal forma que ao final inviabiliza a produção habitacional.
Em razão disso a Lei 9.785 de 29 de janeiro de 1999 buscou conferir maior autonomia
aos municípios quanto aos requisitos urbanísticos para a aprovação de loteamentos bem como
permitir a regularização de loteamentos irregulares ou ilegais.
A lei em comento adequa desta forma a Lei Federal 6.766/79 para que esta tenha
características de norma geral, reconhecendo a prerrogativa do ente municipal sobre o
parcelamento do solo urbano, assim como a sua capacidade para, através de norma específica,
adequar a norma geral as especificidades locais e regionais.
Por outro lado a lei 9.785/99 flexibilizou os parâmetros urbanísticos para
parcelamentos de interesse social, sem oferecer, todavia, instrumentos para regularizar
aqueles loteamentos em desacordo com estes parâmetros.
A lei 9.785/99 traz também pela primeira vez uma definição legal de lote (Art. 2º, §4º)
e inclui outros dois parágrafos no Art. 2º da Lei 6.766/79 tratando da infraestrutura básica em
loteamentos, segundo sua inserção (Art. 2º, §6º) ou não (Art. 2º, §5º) em zonas especiais de
interesse social.
Finalmente, realiza significativas alterações quanto ao parcelamento e a titulação de
áreas passíveis de regularização, desapropriadas ou em processo de desapropriação,
especialmente com o escopo de permitir o acesso a terra regular e urbanizada pelas camadas
mais pobres da população.
Para tanto, além da já citada flexibilização da infraestrutura básica em zonas de
interesse social (Art. 2º, §5º), dispensou o título de propriedade em “parcelamento popular,
destinado as classes de menor renda, em imóvel declarado de utilidade pública, com processo
de desapropriação judicial em curso e imissão provisória na posse” (Art. 18, §4º),
flexibilizando a documentação para registro em tais casos (Art. 18, §5º), bem como em planos
ou programas habitacionais de iniciativa dos executivos municipais ou do distrito federal,
especialmente no caso de regularizações de parcelamentos ou assentamentos (Art. 53-A).
Desta forma, o legislador cria uma distinção clara entre as exigências feitas para o ente
público quando este age na condição de loteador ou responsável pela regularização fundiária e
31
o loteador privado, considerando que o primeiro não tem fins econômicos, mas social, seja ao
buscar regularizar e urbanizar ocupações já consolidadas, seja ao criar novos loteamentos com
exigências que não desconsideram as normas edilícias e urbanísticas a ponto de ignorar a
qualidade de vida e conforto de seus moradores mas sofre redução nos encargos com
infraestrutura e documentação de maneira que tenham seus custos reduzidos e permitam o
acesso à terra pelas camadas mais pobres da população, buscando a função social da
propriedade urbana e da cidade.
As críticas à Lei 6.766/79 – especialmente a partir da revisão promovida pela Lei
9.785/99 que dentre outros instrumentos veio tratar da regularização de loteamentos
clandestinos – aduzem que a Lei causou muitos problemas que deveriam ter sido por ela
evitados. Estas críticas pautam-se em três pontos principais:
I) ao tentar nortear e aumentar a participação do Poder Público nos processos
de loteamento a Lei criou requisitos fora da nossa realidade, por vezes
mesmo desconsiderando a peculiaridade e a diferença existente entre os
milhares de municípios brasileiros, sendo extremamente específica para uma
norma geral (PASTERNAK, 2010);
II) ante a diversidade dos municípios brasileiros em termos populacionais,
geográficos, territoriais, climático e topográfico, há semelhança em alguns
vícios nos processos de expansão urbana, especialmente, ocupação
descontrolada da área rural com fins urbanos, desobediência aos padrões
legais para a abertura de novos loteamentos, precário atendimento por
infraestrutura e serviços urbanos, ocupações irregulares ou clandestinas de
áreas de proteção ambiental; (IPEA; INFURB, 2001)
III) a criação de uma Lei sem lastro na realidade é sucedida pela falta de
fiscalização desta lei.
Ao cabo, tem-se o seguinte panorama: cria-se uma lei extremamente rígida, com uma
fiscalização frouxa, tolerando loteamentos clandestinos que ao final são anistiados, “sem
cobrar dos loteadores a infraestrutura que devem aos moradores ao município.”
(PASTERNAK, 2010, p. 144)
Portanto, a Lei 6.766/79 e as alterações trazidas pela Lei 9.785/99 demonstram que
essa lei apresenta uma potencialidade, trazendo diretrizes mínimas para o parcelamento do
solo, preocupação com uma infraestrutura que garanta qualidade de vida aos ocupantes e
integração com a cidade, responsabilização dos loteadores com sanções econômicas e penais,
ao mesmo tempo em que esbarra em problemas exteriores a Lei mas que não deveriam ser por
32
ela ignorados – acesso à terra pelas camadas mais pobres da população, criação de
loteamentos em desacordo com a própria lei, ocupações de áreas verdes justificadas sob o
pleito do direito à moradia.
As conclusões que a Lei 9.785/99 permite alcançar quanto as alterações que promoveu
na Lei 6.766/79 e que importam para este trabalho são as seguintes:
I) A tentativa de adequar a norma à realidade, aumentando a autonomia
municipal quanto aos requisitos urbanísticos para aprovação de loteamentos;
II) A alteração da infraestrutura básica dos loteamentos, permitindo a criação do
que chama de Zona especial de interesse social, casos em que a infraestrutura
básica seria mais flexível e possibilitaria um acesso maior da população de
baixa renda;
III) Busca imprimir uma ação mais programática à Lei Federal 6.766/79,
caminhando para uma ampliação do acesso à moradia, bem como a promoção
da regularização dos loteamentos urbanos;
IV) Dá à Lei Federal 6.766/79 feições de norma geral, mantendo a prerrogativa do
município de adequá-la à realidade.
2.2.3 Lei Federal 10.257/2001 – O Estatuto da Cidade e a função social da cidade
O Estatuto da Cidade é norma geral que tem como intuito estabelecer as diretrizes
gerais da política urbana regulamentando o disposto no artigo 182, política de
desenvolvimento urbano, e artigo 183, usucapião especial com fim de moradia, ambos da
Constituição Federal.
O Estatuto da Cidade trouxe um conceito mais delimitado do instituto da regularização
fundiária urbana a partir do disposto no Art. 182 da Constituição Federal que afirma que a
política de desenvolvimento urbano “tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das
funções sociais da cidade”. No esteio do interesse constitucional, o Estatuto da Cidade
determina:
Art. 2o A política urbana tem por objetivo ordenar o pleno
desenvolvimento das funções sociais da cidade e da propriedade urbana, mediante as
seguintes diretrizes gerais:
(...)
XIV – regularização fundiária e urbanização de áreas ocupadas por
população de baixa renda mediante o estabelecimento de normas especiais de
urbanização, uso e ocupação do solo e edificação, consideradas a situação
socioeconômica da população e as normas ambientais;
33
A regularização fundiária surge, portanto, como forma de instrumentalizar a função
social da cidade, mas aqui, I) regularização fundiária e urbanização ainda que interligadas são
ações políticas distintas, II) a regularização fundiária é excludente e atende apenas a
população de baixa renda, III) permite distinções normativas para urbanização, uso, ocupação
e edificação do solo, IV) não admite incompatibilidade com o que prescreve a legislação
ambiental. (NASCIMENTO, 2013, p. 32)
A regularização fundiária advinda com o Estatuto da Cidade é um instituto jurídico
que aliado a determinados atos políticos busca regularizar aspectos jurídicos de ocupações
irregulares. O urbanismo neste estágio influi para a regularização fundiária meramente como
matriz normativa, ou seja, importa aqui meramente a legislação urbanística que pode ser
flexibilizada para possibilitar a regularização jurídica destas áreas, desde que respeitadas as
normas ambientais.
Ainda assim, o Estatuto da Cidade representou um marco dos mais relevantes para as
normas posteriores de regularização fundiária, urbanismo e propriedade, que é a
preponderância das normas coletivas sobre as de cunho individual, ou seja, a primazia das
normas que buscam a ordenação da cidade e bem estar de seus habitantes sobre as normas que
atendam a interesses particulares.
As normas do Estatuto da Cidade são prevalentes sobre as demais normas
que disciplinam o exercício da propriedade, que buscam apenas atender ao interesse
do particular do direito (proprietários) sem considerar os interesses prioritários dos
habitantes que vivem na cidade, como a satisfação das necessidades da moradia.
Nesse sentido, as normas de ordem pública e de interesse social do Estatuto da
Cidade, que regulam a forma com a qual a propriedade deve cumprir sua função
social, devem prevalecer sobre as normas de direito civil, em especial com relação
às normas do novo Código Civil que disciplinam as formas do exercício de
propriedade nas relações privadas e patrimoniais. (SAULE JUNIOR; 2004; p. 218)
Relevante ressaltar que a regularização fundiária surge para o Estatuto da Cidade
como uma das diretrizes para que a política urbana tivesse condições de “ordenar o pleno
desenvolvimento das funções sociais da cidade e da propriedade urbana” (Art. 2º), aliada a
outros institutos jurídicos – cidades sustentáveis, direitos fundamentais e sociais (inc. I);
serviços públicos (inc. I; V); participação popular e gestão democrática (inc. II, III, XIII);
planejamento e ordenação da cidade e do uso do solo (inc. II, IV,VI); equilíbrio ambiental
(inc. IV, VI, XII); combate a desigualdade e busca da justiça social (inc. I, VII, VIII, IX, X,
XVI) .
34
Definida as diretrizes para a política urbana no Art. 2º o Estatuto da Cidade foi
responsável por instrumentalizar a política urbana visando alcançar tais diretrizes e dar
efetividade aos Arts. 182 e 183 da Constituição Federal, trazendo importantes ferramentas
para que Estado, Sociedade e Cidadão possam participar das coisas da cidade e da essência e
do potencial das coisas urbanas, dentre estes instrumentos estará a regularização fundiária.
Todavia, como a regularização fundiária já havia sido citada como diretriz, nota-se que
ela possui duplo viés para a política urbana no Estatuto da Cidade, além de ser uma de suas
diretrizes - de maneira que outros instrumentos podem ser utilizados para alcançá-la - é
também um instrumento de política urbana.
Com efeito, como diretriz geral da política urbana é expressa no art. 2º,
XIV da Lei 10.257/2001; como instrumento urbanístico, classificada entre os
institutos jurídicos e políticos, em seu Art. 4º, V, q, de modo genérico, e, ainda, em
seu art. 4º, V, f, na razão da demarcação urbanística de que cuida a Lei 11.077/2009.
(AMADEI, 2013, p. 274)
A regularização fundiária passa a ter, com o Estatuto da Cidade, papel central na
ocupação do solo e ordenação do espaço urbano, incorporando a função social da propriedade
e uma série de direitos fundamentais e sociais na política urbana, que se torna mais
republicana e democrática, reconhecendo a prevalência de direitos sociais e comunitários
sobre direitos particulares e individuais, pleiteando alcançar a dignidade da pessoa humana, a
erradicação da pobreza e a redução das desigualdades sociais.
Para este trabalho, o Estatuto das Cidades representa então:
I) O tratamento da regularização fundiária como uma das diretrizes na tentativa
de ordenar o “pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade”;
II) A regularização fundiária aqui ainda é um instituto de matriz fortemente
normativa, ou seja, as demais dimensões da regularização fundiária que não a
jurídica, dentre elas a urbana, não são aqui consideradas;
III) Trará uma inversão relevante ao afirmar a preponderância das normas coletivas
sobre as de cunho individual, rompendo com tradição inaugurada pelo Código
Civil de 1916;
IV) Além de diretriz a regularização fundiária ganhará com o Estatuto da Cidade o
cunho de instrumento de política urbana, ou seja, é instituto central na
ordenação e ocupação do espaço urbano.
35
2.2.4 Lei 11.977/2009 – A regularização fundiária e a compatibilização de direitos
A política pública de regularização fundiária, começa a tomar contornos com as
alterações promovidas na Lei Federal 6.766/79 pela Lei Federal 9785/1999, expande-se com o
Estatuto da Cidade e tem sua consagração com a Lei Federal 11.977/09, oriunda da Medida
Provisória 459/2009 e nominada de "Lei Minha Casa Minha Vida", verdadeiro marco jurídico
dos mais caros acerca da regularização fundiária.
A alteração mais marcante da Lei 11.977 de 07 de julho de 2009, no concernente à
regularização fundiária é a abrangência que o referido instituto passa a ter: regularização
fundiária não é mais mera legalização jurídica da posse ou domínio, consagra-se agora a ideia
de que para além da titulação e das medidas jurídicas de leis anteriores agora também as
medidas urbanísticas, ambientais e sociais compõem o epicentro da regularização fundiária.
Isso fica expresso de maneira muito clara no conceito de regularização fundiária trazido pela
lei, aliás, primeira conceituação legal do termo em nosso ordenamento:
Art. 46. A regularização fundiária consiste no conjunto de medidas
jurídicas, urbanísticas, ambientais e sociais que visam à regularização de
assentamentos irregulares e à titulação de seus ocupantes, de modo a garantir o
direito social à moradia, o pleno desenvolvimento das funções sociais da
propriedade urbana e o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado.
O conceito de regularização fundiária, agora expresso legalmente, reconhece a
procedimentalização de conteúdos distintos – jurídico, urbanístico, ambiental, social – mas
agora encarados como um conjunto intersetorial com um fim em comum: a regularização
fundiária de maneira ampla e garantidora do escopo constitucional, expresso no Art. 3º da
Carta: construir uma sociedade livre, justa e solidária; garantir o desenvolvimento nacional;
erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais;
promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer
outras formas de discriminação.
Esse aumento da abrangência do instituto da regularização fundiária já apareceu
justificado inclusive na exposição de motivos da Medida Provisória que antecedeu a Lei
Federal 11.977/2009:
32. Por sua vez, o Capítulo III da presente proposta de Medida Provisória
é dedicado à regularização fundiária de assentamentos localizados em áreas urbanas.
Desde a criação do Ministério das Cidades, em 2003, o Governo tem buscado apoiar
a regularização fundiária de porções significativas das cidades brasileiras, por meio
do trabalho conjunto com Municípios, Estados e Distrito Federal. A regularização
fundiária urbana é um passo fundamental na garantia do direito constitucional de
moradia, especialmente para as populações de menor renda, as mais afetadas pela
falta de oportunidades de acesso ao mercado habitacional.
36
33. Além disso, a regularização fundiária, ao resolver problemas relativos
ao meio ambiente, à ordem urbanística e questões jurídicas atinentes ao direito de
propriedade, significa o resgate da cidadania das populações mais pobres e a sua
integração à cidade legal. Além disso, permite que o Poder Público local realize
investimentos nas áreas precárias, dotando-as de serviços urbanos e infra-estrutura,
de modo a melhorar a qualidade de vida dos seus ocupantes.
34. Apesar dos esforços dos governos federal, estaduais e municipais, os
resultados alcançados ainda estão aquém do necessário, dada a ausência de um
marco regulatório específico para a questão da regularização fundiária urbana, o que
tem causado enormes entraves e dificuldades para que a regularização fundiária seja
efetivada até o fim.
Ainda, em seu Art. 47 a Lei 11.977/2009 vem reconhecer duas modalidades de
regularização fundiária: a de Interesse Social, que é aquela realizada em assentamentos
ocupados predominantemente por famílias de baixa renda (inc. VII) e a de Interesse
Específico, passível de ser realizada nos casos em que não está caracterizado o interesse social
(Inc. VIII).
A regularização fundiária, portanto, trabalhará simultaneamente com dois institutos
sociais relevantes: a função social da propriedade, na medida em que opera na ordem jurídica
para que a propriedade urbana seja destinada a uma função social, inclusive atendendo o
direito à moradia, decorrente desta função; e a função social da cidade, na medida em que as
políticas públicas de regularização fundiária devem ser realizadas imbuídas de seu aspecto
social, ambiental e urbanístico.
A Lei Federal 11.977/2009 no esteio da Constituição Federal e do Estatuto da Cidade,
que estabeleceram a competência municipal para disciplinar as matérias que lhe são afetas,
respeitando as diferenças e particularidades de cada município, firmará posição acerca da
relevância do papel do Município no processo de regularização fundiária, o que também foi
afirmado na Exposição de Motivos da Medida Provisória que antecipou a Lei:
36. As medidas sugeridas estabelecem critérios gerais para a
regularização de assentamentos e garantia da segurança da posse urbana, buscando
compatibilizar direito à moradia e direito ambiental, reconhecendo o papel
preponderante do Município em regulamentar por lei o procedimento de
regularização fundiária em seu território, como parte integrante da política urbana de
inclusão social, definindo regras nacionais e específicas para o registro dos
parcelamentos advindos dos projetos de regularização fundiária e instituindo os
instrumentos de demarcação urbanística e legitimação da posse que aceleram o
reconhecimento dos direitos constituídos na forma do artigo 183 da Constituição
Federal.
A Medida Provisória em comento sofreu grande influência do Projeto de Lei 3.057/00,
possivelmente em razão das críticas sofridas pela proposta inicial considerar apenas a
37
construção de novas unidades habitacionais e silenciar acerca da regularização fundiária.
(NASCIMENTO, 2013) Conforme demonstra Mascarenhas (2012, p. 232) há grande
correspondência entre ambos os textos, em alguns artigos há inclusive cópia literal da redação
e em outros pequenas modificações, todavia, a Lei 11.977/2009 simplifica ainda mais o
processo de regularização fundiária do que a proposta do PL 3.057/00, buscando ampliar o
acesso das políticas públicas de regularização fundiária e d ar celeridade ao processo.
Ainda, visando evitar que após a regularização fundiária os lotes viessem compor o
mercado imobiliário, a Lei 11.977/2009 proibia a alienação dos imóveis regularizados por
intermédio da referida Lei. Todavia, tal restrição foi derrubada pela Lei 12.424/2011, o que é
objeto de críticas por parte da doutrina sob a alegação de que haverá o risco de que com a
regularização fundiária as famílias beneficiadas não consigam resistir as atraentes ofertas do
mercado imobiliário e acabem migrando posteriormente para novas áreas irregulares.
Todavia, esta nos parece ser a decisão mais acertada, pois entendemos que um dos objetivos
da regularização fundiária deve ser assegurar aos seus beneficiários direitos reais seguros e
transacionáveis.
Não parece que para evitar a negociação imobiliária o caminho seja a mera vedação
legal, pois, como demonstrado, a falta de fiscalização costuma levar ao fracasso boa parte do
escopo da legislação brasileira, principalmente quando esta vai contra o costume, como é o
caso. As transações imobiliárias mais do que costume são, por vezes, necessárias.
O que a vedação legal de alienação de bens imóveis advindos de regularização
fundiária pode fazer, e faz, é com que estes imóveis sejam alienados por um preço muito
abaixo do praticado no mercado e encaminhe o imóvel novamente para a irregularidade.
Assim, mais uma vez a população de baixa renda tem seus direitos restringidos face parcela
mais abastada da população. Pior, tem seu direito tolhido sob a alegação de que não é capaz
de definir o que seria melhor para ela.
Desta feita, parece mais democrático e correto o emponderamento do beneficiário,
expondo os riscos a que está sujeito em caso de negociação imobiliária mas também
explicitando os benefícios de um direito real seguro e transacionável.
As conclusões que chega-se a partir do estudo da Lei 11.977/09 são:
I) Expande-se o conceito de regularização fundiária, que deixa de ser mera
titularidade da posse ou propriedade para conceber as dimensões sociais,
ambientais e urbanísticas do instituto;
II) Pela primeira vez tem-se um conceito legal do termo regularização fundiária;
38
III) A própria lei traz já quando da exposição de motivos da medida provisória que
a antecede a importância da atuação conjunta das três esferas de governo:
federal, estadual e municipal.
IV) Reconhece-se que para além da busca do direito à moradia, a regularização
fundiária é um instrumento relevante também para o acesso a serviços urbanos
e o direito a cidade;
V) A função social da cidade faz com que a regularização fundiária tenha caráter
mais universal, deixando de existir apenas quando presente o interesse social e
passando a existir também nos casos de interesse específico;
VI) Reconhece o papel preponderante do Município em regulamentar a
regularização fundiária em seu território, segundo as peculiaridades da
ocupação existente e as políticas públicas locais.
2.3 Aspectos Relacionais Entre Formação Territorial e Regularização Fundiária
Não foram ignorados os riscos de uma combinação, nem sempre fácil, entre objetos de
estudo tão distintos: a historiografia e a análise legislativa. Todavia, compreende-se que como
a irregularidade fundiária advém deste processo histórico de ocupação do solo e da falta – ou
ineficiência – de uma legislação que fosse capaz de determinar um modo de ordenação que
evitasse este resultado tão nefasto, optou-se por esta abordagem.
Ao cabo, mais do que compreender como a irregularidade fundiária se estrutura,
percebe-se que ela tem uma íntima relação com o espaço e com o tempo. observar estes dois
substratos – a história e a lei –nota-se que mais do que uma construção equivocada da lei, o
papel desta foi, muitas vezes, articular o modelo ocupacional excludente; sob o manto de uma
aparente “inépcia legislativa” esconde-se toda uma racionalidade que garantirá às classes
dominantes o acesso à terra e à lógica de dominação.
As ações colonizatórias portuguesas e a forma como a ocupação territorial do Brasil
sempre foi tratada como instrumento para a ordenação do poder político fez com que a
estrutura fundiária agrária guardasse profundas semelhanças com a estrutura fundiária urbana.
Especialmente, o uso da terra como espaço de produção de interesses econômicos e
reprodução de espaços de poder. A exclusão do acesso à terra agrária tem mais elementos
comuns do que distintos com a posterior marginalização do acesso à terra urbanizada.
39
O descolamento entre a lei e a realidade, presente na estrutura fundiária agrária
brasileira foi reproduzida com o mesmo espírito na estrutura fundiária urbana. A lei, por
vezes, pode até aparentar uma observância a interesses sociais, mas a realidade demonstra
que, via de regra, os interesses econômicos prevaleceram.
Igualmente, a Constituição Federal de 1988 ao consagrar a função social da
propriedade, trouxe uma cisão na relação da regulação pública sobre o direito de propriedade
agrário e urbano, este último influenciado ainda pela função social da cidade. Mesmo que
com princípios norteadores distintos, tanto a estrutura fundiária agrária quanto a estrutura
fundiária urbana foram pensadas a partir de 1988 sob o viés da inclusão, da democratização
do território, do acesso de todos a terra.
Também o registro de terras sempre foi realizado de modo sui generis, em instituições
privadas que tiveram uma relação muito própria com o poder público, que não só reconheceu
e legitimou esses registros por particulares como a eles incumbiu esta função eminentemente
pública; sendo realizados tanto os registros de imóveis rurais quanto urbanos, primeiro, nas
paróquias das igrejas locais, posteriormente, nos cartórios de registro de imóveis.
A falta de fiscalização das leis se mostra, geralmente, como responsável pelo fracasso
do escopo, de maneira que a legislação, via de regra, busca remediar situação já constituída ao
invés de garantir a gestão e planejamento de políticas públicas futuras. O aparato legislativo
adota o remédio ao invés da prevenção.
Por fim, em relação a regularização fundiária urbana, a inteligibilidade das leis mais
modernas reside em tentar resolver este paradoxo: garantir um crescimento e uma ocupação
urbana ordenada, planejada e com uma infraestrutura básica mas sem se tornar excludente, a
almejada construção de uma cidade sustentável e cidadã.
Ante as considerações anteriores e delimitações históricas e legais, a presente
dissertação compreende a regularização fundiária como diretriz para a garantia do direito à
moradia aliada à segurança jurídica da posse constituída com este fim, para o planejamento e
urbanização das áreas ocupadas, para a integração social e para o uso e ocupação
ambientalmente sustentável. Ainda, é a regularização fundiária instrumento para a titulação
dominial das áreas ocupadas, para a realização de infraestrutura urbana, para o acesso a bens e
serviços públicos e para uma política territorial que priorize a produção do espaço urbano e
meio ambiente artificial em consonância com o meio ambiente natural.
40
3 DIMENSÕES JURÍDICA, URBANÍSTICA, AMBIENTAL E SOCIAL DA
REGULARIZAÇÃO FUNDIÁRIA
Um dos desafios das metrópoles é assegurar moradia para todos
os seus habitantes. O fenômeno da urbanização não foi
planejado. Há algumas décadas, a maior parte dos brasileiros
morava no campo. Hoje, quase 90% da população estão na
cidade. E mora mal!
José Renato Nalini.
Mesmo a defesa do direito à moradia torna forçoso reconhecer o ambiente em que este
pode ser exercido. Não é possível falar em direito à moradia urbana sem falar em
planejamento, em cidade, em acesso a serviços públicos, em preservação do meio ambiente
natural, em urbanização. Essa construção, que exposta desta maneira pode aparentar ser mera
decorrência lógica, foi uma engenhosa construção doutrinária e, como vimos, legal, tendo
levado muitos anos para que se alcançasse esta esfera de compreensão.
O estudo da relação entre as diversas dimensões que compõem a regularização
fundiária é extremamente relevante porque mais do que apontar os diversos pontos de vista –
urbanístico, jurídico, social, ambiental – sob os quais a regularização fundiária pode ser
avaliada e promovida, permite conceber e pensar a regularização fundiária da maneira mais
ampla e irrestrita possível, ou seja, sob todos estes prismas.
As diferentes áreas do conhecimento podem conjugar a regularização fundiária
isoladamente e quem sabe até mesmo obter algum êxito, mas somente quando isso é feito
dentro da academia, ou seja, quando as relações são travadas tão somente no campo
conceitual. Todavia, quando estes conceitos são experimentados, são submetidos à prática
cotidiana, quando sua abordagem se dá na tentativa de resolver o problema mais do que
proposto, exposto, a relação entre eles afasta a visão cartesiana e academicista, a cisão de
saberes aqui torna-se naturalmente uma união.
Desta forma, é necessário estudar a relação de sentido existente entre as diversas
dimensões que compõe a regularização fundiária, e a forma como estas dimensões projetam-
se nas diferentes “vidas” que o beneficiário da regularização fundiária possui (urbana, de
acesso a serviço público, lazer, cultural, social, etc).
É isso que foi proposto neste item, avaliar a ficção dos diferentes campos de
pensamento que compõem a regularização fundiária para demonstrar ao final que todos na
verdade fazem parte do mesmo espaço.
41
3.1 Os Elementos Contidos no Vocábulo Regularização Fundiária
Perpassado a evolução histórica e legislativa da regularização fundiária é necessário
analisar os elementos reunidos sob este vocábulo, de maneira que ao identificar o conteúdo de
cada um destes elementos percebe-se a abrangência do instituto para só então estudar os
mecanismos que possibilitam o Poder Público instrumentalizar a regularização fundiária para
alcançar o almejado ordenamento territorial e o desenvolvimento das funções sociais da
propriedade e da cidade.
O êxodo do campo para a cidade no Brasil foi fenômeno tardio, enquanto América do
Norte e Europa possuíam população predominantemente urbana e discutiam os problemas
advindos deste crescimento não planejado das cidades, a população brasileira ainda
apresentava traços predominantemente rurais. Em razão disso, o país ficou alheio à discussão
sobre os problemas urbanos por julgar que a matéria não afetava. Quando na década de 70 a
população brasileira se tornou predominantemente urbana, repetiram-se alguns erros que
centros urbanos de outros países haviam cometidos e, pior, alguns ainda mais crassos.
A desigualdade social, característica marcante da sociedade brasileira, foi cabalmente
retratada na ocupação das cidades. A falta de políticas públicas de moradia fez com que quase
todas as cidades brasileiras tenham favelas e não se tem notícia de cidade sem ocupação
irregular. Muitas vezes estas ocupações se deram em áreas de proteção ambiental, mananciais,
mangues, áreas destinadas a abertura de ruas, praças ou áreas institucionais, comprometendo
não só o ordenamento territorial mas o ecossistema urbano.
Ainda que os mais atingidos sejam os ocupantes das referidas áreas, por estarem em
local insalubre, de risco ou sem infraestrutura básica que lhes assegure viver com dignidade,
na maior parte das vezes toda a cidade é afetada, pois perde áreas institucionais relevantes,
não tem um planejamento urbano adequado e é atingida pela degradação ambiental ou falta de
áreas verdes.
A falta de políticas públicas que garantissem o acesso à moradia trouxe basicamente
dois problemas centrais e distintos, ainda que semelhantes no resultado final: I) as famílias
sem acesso à terra urbanizada invadiam áreas públicas (áreas verdes, áreas institucionais, ruas
ou praças); II) loteadores clandestinos realizavam o micro parcelamento do solo e vendiam os
lotes sem qualquer registro do loteamento na prefeitura, no que se chama de loteamento
ilegal, ou realizavam o registro mas não atendiam as determinações legais acerca da
infraestrutura, abertura de ruas, etc., no que se chama de loteamento irregular.
42
Desta feita, é notório que o problema da regularização fundiária é multidisciplinar,
especialmente: I) é social, é necessário que se combata a pobreza, que se reduzam as
desigualdades sociais, que se garanta o mínimo necessário para se viver com dignidade,
estando a moradia, direito fundamental elementar, indubitavelmente neste mínimo necessário;
II) é jurídico, é fundamental que o ordenamento jurídico encontre uma solução para este
indeterminismo acerca do domínio da terra, da relação posse-propriedade, que garanta a
função social da propriedade em justa medida com a função social da cidade, que traga
segurança jurídica aos moradores e assegure direitos reais transacionáveis, inclusive como
forma de assegurar o desenvolvimento econômico da cidade e da sociedade; III) é ambiental,
pois é imperioso assegurar um meio ambiente equilibrado não mais apenas para as futuras
gerações, mas para esta; IV) é urbanístico, pois a cidade é característica do que a sociedade
considera como ato civilizatório, as pessoas buscam viver na cidade para conviver com outras,
para terem acesso a uma infraestrutura que lhes permita viver não apenas com mais dignidade
mas especialmente com mais conforto, para terem mais facilmente acesso à cultura, ao lazer,
etc., então cabe ao urbanismo dar conta de um planejamento que assegure tais pretensões.
Tal reconhecimento das diversas dimensões é expresso inclusive na Lei Federal
11.977/2009, além do já citado artigo 46 que afirma consistir a Regularização Fundiária no
“conjunto de medidas jurídicas, urbanísticas, ambientais e sociais que visam à regularização
de assentamentos irregulares e à titulação de seus ocupantes”, aparece expresso também no
Art. 47, inciso IX, que enumera como “etapas da regularização fundiária” as medidas
jurídicas, urbanísticas e ambientais mencionadas no artigo antecedente.
Portanto, quando da elaboração do projeto de regularização fundiária é obrigatório que
o instrumento integre as dimensões jurídica, urbanística, ambiental e social, pelo que serão
descritas a seguir cada uma destas dimensões isoladamente na tentativa de identificar o núcleo
comum que as tornam significantes para a proposta de regularização fundiária.
3.2 Dimensão Jurídica e a Nova Disciplina da Regularização Fundiária
Apesar de originariamente a regularização fundiária ser tida como a regularização
jurídica do domínio, ou a legalização da titulação da área ocupada, a dimensão jurídica é
talvez a mais obsoleta no debate acerca da regularização fundiária ampla e irrestrita. Como
explica Nalini, (2013, p. X) “a mentalidade jurídica persiste afeiçoada a velhos e anacrônicos
43
dogmas de intocabilidade do registro predial, como se este fosse mais importante do que
assegurar a propriedade a seu titular.”
A ordem jurídica é uma das principais responsáveis pelo alto número de ilegalidades,
tanto em razão da ausência de leis em um primeiro momento como de uma legislação elitista
e demasiadamente rigorosa posteriormente.
Como constatam Silva e Martins (2003, p. 165-172) a partir dos estudos das ações do
Centro Dom Helder Câmara de Estudos e Ação Social, CENDHEC, ainda que a Constituição
consagre o direito à moradia e a função social da propriedade como princípios basilares do
Estado Democrático de Direito, “o Poder Judiciário, no exercício de sua função hermenêutica
e concretizadora de direitos fundamentais, não aplica, na prática, esses princípios basilares”.
Se hoje há clareza de que a regularização fundiária só é possível através de um
conjunto de ações que buscam regularizar não apenas o domínio mas o uso e todo o entorno
da área ocupada por determinada família, durante um longo período a expressão remetia tão
somente a noção de legalização da titularidade da área. Ou seja, a regularização fundiária era
encarada apenas sob o prisma da dimensão jurídica.
Ainda que um processo de regularização fundiária não deva se ater a mera titularidade
do domínio, esta é das mais relevantes, pois a promoção de melhorias e as intervenções
urbanísticas inevitavelmente levarão a uma valorização da área e a falta de segurança jurídica
pode permitir a ação de especuladores imobiliários ou mesmo a venda da posse muito abaixo
do valor de mercado em razão dessa insegurança jurídica.
Além disso, há o aspecto do desenvolvimento econômico, pois os moradores tendem a
conservar e executar benfeitorias maiores e melhores quando se tem a garantia da titulação, o
que movimenta o mercado da construção civil. (CHAER, 2007, p. 24)
“A irregularidade fundiária impõe ao cidadão a subutilização do imóvel que possui,
uma vez que restringe seu uso à moradia e eventualmente a um pequeno comércio.” Isso
porque ao não ter direitos reais seguros e transacionáveis, oponíveis erga-omnes, além de não
ter a possibilidade de oferecer o imóvel como garantia para a tomada de empréstimos com
juros mais baixos ou mesmo subsidiados por políticas públicas habitacionais, o cidadão não
tem a segurança jurídica que o estimule a investir em melhorias. (FERRAZ, 2013, p. 55 e 56)
A regularização fundiária, portanto, não deve esquecer seu papel primordial de
garantir moradia para os menos favorecidos, mas tal papel deve não apenas ser comportado
pela proteção efetiva ao meio ambiente; pelo desenvolvimento sustentado da cidade, através
de ações de urbanismo; deve também ser encarada como instrumento dos mais relevantes para
44
o desenvolvimento econômico, especialmente porque nossa Constituição determina que a
função social da propriedade é um dos princípios da ordem econômica. (Art. 170, III)
Ora, a relevância da regularização fundiária na movimentação da economia é tamanha
que a Medida Provisória 459/2009, posteriormente convertida na Lei Federal 11.977/2009, e
que “Dispõe sobre o Programa Minha Casa, Minha Vida – PMCMV e a regularização
fundiária de assentamentos localizados em áreas urbanas” traz em sua exposição de motivos
que a referida Medida Provisória compõe “parte significativa do mosaico de ações do
Governo para combater o déficit habitacional e a crise econômica-financeira global.”
Por um lado, ao ter a segurança jurídica acerca da situação dominial de seu imóvel o
morador sente-se seguro também para investir na construção, ampliação ou melhoria do
imóvel, por outro, a regularidade dominial viabiliza o acesso ao crédito imobiliário, que
possui financiamentos menos onerosos e, com a Lei 11.977/2009, inclusive subsidiados pelo
Poder Público.
Como alerta Ferraz (2013, p. 56 e 57), há que se ater ainda ao fato de que a
irregularidade fundiária no Brasil pode atingir dois terços dos imóveis urbanos, o que dá uma
dimensão do potencial que a regularização fundiária pode e deve ter no desenvolvimento
econômico, bem destacando que esta é uma das diretrizes do plano diretor na efetivação da
função social da propriedade:
Art. 39. A propriedade urbana cumpre sua função social quando atende às
exigências fundamentais de ordenação da cidade expressas no plano diretor,
assegurando o atendimento das necessidades dos cidadãos quanto à qualidade de
vida, à justiça social e ao desenvolvimento das atividades econômicas, respeitadas
as diretrizes previstas no art. 2o desta Lei.(grifo nosso)
A interpretação conforme do Estatuto da Cidade e da Lei Federal 11.977/2009 tornam
inequívoco o fato de que a regularização fundiária deve associar a função social da
propriedade ao desenvolvimento econômico sustentável.
Ainda, segundo Ferraz (2013), é imprescindível que o Administrador Público tenha
em mente que a regularização fundiária é instrumento indispensável no desenvolvimento
econômico, e isso implica não apenas em assegurar o direito à moradia mas assegurar também
o acesso ao mercado imobiliário formal, o que, por sua vez, garantirá maior arrecadação
tributária e consequentemente maior capacidade de investimento público.
45
A partir da identificação das generalidade da dimensão jurídica tem-se que:
I) A dimensão jurídica é a primeira expressão da regularização fundiária, esta
surge como uma tentativa de titulação dominial, de regularização da posse ou
da propriedade;
II) Apesar da consagração dos direitos fundamentais pela Constituição de 1988 e
do princípio da dignidade da pessoa humana como um dos elementos basilares
de nosso Estado, a ordem jurídica mantem-se estruturada em uma relação
jurídico-política que denota o respeito a uma legislação elitista;
III) Ainda que por vezes existam conceitos de alta complexidade, o Poder
Judiciário ignora os múltiplos aspectos da realidade e mantem uma
mentalidade de respeito aos “donos do poder”;
IV) Se a titularidade do domínio não deve ser a única preocupação de um processo
de regularização fundiária, é ainda assim extremamente relevante, pois a
segurança jurídica mais do que um direito universal é essencial para evitar um
novo processo de exclusão que pode advir da valorização da área pela ação das
demais dimensões da regularização fundiária, como a urbanização;
V) A dimensão jurídica é propulsora também do desenvolvimento econômico,
pois combate a subutilização do imóvel.
3.3 Dimensão Urbanística e a Produção do Espaço Urbano
Há para o direito administrativo um conceito de urbanismo, qual seja o “conjunto de
medidas estatais destinadas a organizar os espaços habitáveis, de modo a propiciar melhores
condições de vida ao homem da comunidade.” (MEIRELLES, p. 522)
A dimensão urbanística da regularização fundiária, além de sua função típica, de
garantir a urbanização das áreas passíveis de regularização, no Brasil possui uma função
atípica das mais relevantes: propor a discussão do tema regularização fundiária urbana. A
pesquisa do tema permite afirmar que a maior parte dos trabalhos publicados sobre o tema são
propostos perante faculdades de arquitetura e urbanismo ou por arquitetos urbanistas perante
outras faculdades.
O processo de urbanização na regularização fundiária é ainda mais relevante no caso
brasileiro, em que a população deixou de ser majoritariamente rural para majoritariamente
urbana em poucas décadas, sem que as cidades fossem pensadas e planejadas para essa
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conversão. Desta forma, o crescimento dos núcleos urbanos se deram de maneira
desordenada, sem que o meio ambiente construído fosse pensado para propiciar aos habitantes
das cidades o conforto e bem estar que delas se espera.
Este conforto e bem estar propiciado pelo urbanismo não devem, no entanto, ser
encarados como privilégios, mas sim como direitos fundamentais, já que se tratam de
condições indispensáveis para o acesso ou exercício de tais direitos, quais sejam transporte,
saneamento ambiental, serviços de saúde, educação, cultura, lazer, etc.
É o urbanismo que assegurará a inclusão social, econômica e ambiental. Tal fato pode
ser facilmente constatado pelo fato de que a cidade excludente está justamente nas ocupações
irregulares de encostas de morros, beiras de córregos, áreas de mananciais e áreas de proteção
ambiental.
Caberá ao urbanismo a conciliação do morador em situação de ilegalidade ou
irregularidade com a terra e sua inclusão na cidade. Dentre as diversas variantes da
regularização fundiária, o urbanismo é que propiciará, portanto, ao morador, o acesso aos
serviços públicos e direitos fundamentais.
Além disso, o urbanismo elitista da primeira metade do século XX com seus grandes
planos de urbanização e modernização das cidades pôs fim aos cortiços e ocupações precárias
das áreas centrais, expelindo os pobres para as regiões periféricas. Como exemplo desse
processo de exclusão podemos citar o caso do Rio de Janeiro, que em seu processo de
modernização da região central levou as famílias mais pobres a ocuparem os morros que
circundavam a cidade, sendo os soldados que lutaram em Canudos um dos maiores
prejudicados e responsáveis pela cunhagem do termo “favela” (nome de planta típica do
sertão) para tais ocupações.
Todavia, não se tratará do processo de urbanização responsável pela cidade
excludente, tão somente do processo de urbanização responsável pela inclusão através da
dimensão urbanística da regularização fundiária. Caberá ao urbanismo no processo de
regularização fundiária especialmente a conciliação entre moradia, saneamento ambiental,
arruamento e espaços públicos (praças e áreas institucionais).
Ainda, o urbanismo colocará fim ao discurso improvável – se não impossível – da
remoção e o substituirá pelo discurso da urbanização das ocupações ilegais e irregulares.
Especialmente porque em grande parte das ocupações o problema não é mais a habitação mas
o meio ambiente circundante (arruamentos, coleta de lixo, transporte público, saneamento
ambiental, escolas, unidades de saúde, etc.)
47
A forma como a dimensão urbana alia-se ao processo de regularização fundiária é bem
expresso no conceito deste último trazido por Medvedovski (2002, p. 131), que trata a
dimensão urbana sob um duplo viés, o urbanístico propriamente dito e o técnico:
A regularização é o processo de intervenção pública que objetiva legalizar e
viabilizar tecnicamente a permanência de populações moradoras em áreas
urbanas que foram ocupadas em desconformidade com as leis e padrões
técnicos e urbanísticos para fins de habitação. A regularização urbanística
ocupa-se da conformidade das áreas habitacionais em relação a padrões
construtivos e de inserção urbana da unidade habitacional (normas edilícias e
de uso e parcelamento do solo). A regularização jurídica busca preservar a
posse dos moradores no próprio local onde fixaram residência, à exceção dos
casos de risco. A regularização Técnica busca o fornecimento e a
qualificação da infra-estrutura urbana, possibilitando a melhoria das
condições de saneamento ambiental e de saúde das populações residentes.
Desta maneira, a dimensão urbanística é essencial para a regularização fundiária tanto
em razão do impacto individual que gera para a família, ao preocupar-se com as condições de
habitabilidade, como em razão do impacto coletivo, que é o investimento em infraestrutura
urbana que o poder público deve realizar, tanto para assegurar à população local o acesso a
serviços públicos como para integrar a área a ser regularizada à cidade, permitindo que
também aqueles outrora estranhos à área desfrutem dela, através do arruamento, calçadas,
praças, escolas, etc.
As conclusões colocadas a partir da dimensão urbanística da regularização fundiária
são as seguintes:
I) A dimensão urbanística trata-se especialmente de uma medida corretiva: já que
a ocupação do solo não foi ordenada e planejada, é necessário agora organizar
e urbanizar os espaços já habitados;
II) O urbanismo deverá compreender a realidade de maneira a simplificar os
processos de urbanização tardio, tendo em mente que não pensa uma
configuração urbana garantidora de privilégios mas de direitos fundamentais,
sua atuação é que garantirá o acesso a serviços públicos básicos e uma gama de
outros direitos;
III) A dimensão urbanística terá papel essencial na conciliação do meio ambiente
natural com o meio ambiente construído, ela imprimirá condições de
habitabilidade (coleta de lixo, saneamento ambiental, arruamento, etc.) as áreas
de irregularidade fundiária ao mesmo tempo em que propiciará a configuração
necessária para que aquelas áreas cujas condições naturais não permitam a
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ocupação – por implicar risco à população ou ao bioma – possam se recuperar
e se integrar à cidade;
IV) Ao urbanismo cabe o relevante papel de integrar ainda a área de ocupação
irregular à cidade, permitindo que os moradores da área regularizada desfrutem
das demais áreas da cidade no mesmo compasso em que os moradores destas
possam desfrutar da área regularizada.
3.4 Dimensão Ambiental – A Conciliação entre o Direito à Moradia e o Direito ao
Meio Ambiente Equilibrado
Como já adiantado, grande parte das ocupações irregulares encontram-se em áreas de
preservação ambiental, tem-se então como cenário uma ocupação estabelecida, muitas vezes
com as famílias em condições extremamente precárias justamente em razão do desfavor das
condições ambientais, provocando a reflexão sobre o que deve prevalecer “o direito das
pessoas que moram nessas áreas há anos ou o direito de todos ao meio ambiente equilibrado?”
(CHAER, 2007, p. 31)
Trata-se aqui claramente de colisão de direitos fundamentais, que deve ser solucionado
através da ponderação dos direitos em conflitos, buscando-se a máxima eficácia dos direitos
em colisão, até o ponto em que os mesmos se tornem inconciliáveis e um venha a preponderar
sobre o outro. Conforme ensina Canotilho (2003, p. 1123), os princípios “são normas que
exigem a realização de algo, da melhor forma possível, de acordo com as possibilidades
fáticas e jurídicas.”
Assim, a regularização fundiária em áreas ambientalmente protegidas (áreas verde,
mangues, beiras de córregos, áreas de preservação permanente, etc.) colocam em conflito
mais comumente o direito à moradia e o direito ao meio ambiente equilibrado. Neste caso, por
se tratar de dois direitos fundamentais constitucionalmente tutelados, deve-se buscar a
conciliação dos direitos em conflitos através da técnica da ponderação e da aplicação do
princípio da proporcionalidade, garantindo a máxima proteção aos bens em conflito, até o
momento em que a conciliação seja impossível e um venha a preponderar sobre o outro. Tal
juízo de ponderação deve ser feito tanto pelo legislador quanto pelo juiz no caso concreto.
(MENDES; BRANCO, 2013)
49
Nesse sentido, o legislador, especialmente com o advento da Lei Federal 11.977/2009,
veio conformar os direitos fundamentais dispostos na Constituição e busca compatibilizar o
direito à moradia com o direito ao meio ambiente saudável.
Art. 48. Respeitadas as diretrizes gerais da política urbana estabelecidas na
Lei no 10.257, de 10 de julho de 2001, a regularização fundiária observará os
seguintes princípios:
I – ampliação do acesso à terra urbanizada pela população de baixa renda,
com prioridade para sua permanência na área ocupada, assegurados o nível
adequado de habitabilidade e a melhoria das condições de sustentabilidade
urbanística, social e ambiental;
Assim, sempre que possível a população deve permanecer na área ocupada, a tutela ao
meio ambiente urbano considera que este é composto pelo meio ambiente natural e pelo meio
ambiente artificial. Todavia, a sensibilidade do ambiente natural merece especial proteção e a
própria lei vem exigir que um projeto de regularização fundiária plena preocupe-se com um
controle mais rigoroso e acompanhamento caso a ocupação esteja em área ambiental
demasiadamente sensível ou medidas que assegurem a compensação ambiental:
Art. 51. O projeto de regularização fundiária deverá definir, no mínimo, os
seguintes elementos:
(...)
II – as medidas necessárias para a promoção da sustentabilidade
urbanística, social e ambiental da área ocupada, incluindo as compensações
urbanísticas e ambientais previstas em lei;
Por outro lado, a Lei Federal deixa em grande parte ao Município a competência para
assegurar a efetiva proteção ambiental. Afirma a necessidade de submeter o projeto de
regularização fundiária à fiscalização do poder público para que se assegure a sustentabilidade
do mesmo, mas não indica nem de maneira geral alguns pré-requisitos ou medidas que
determinem esta proteção. Assim, fica a cargo do Município a competência para dar
efetividade a esta proteção ambiental, estabelecendo procedimentos, órgãos responsáveis e
documentação necessária, devendo o projeto de regularização fundiária inclusive ser
licenciado:
Art. 53. A regularização fundiária de interesse social depende da análise e
da aprovação pelo Município do projeto de que trata o art. 51.
§ 1º A aprovação municipal prevista no caput corresponde ao licenciamento
urbanístico do projeto de regularização fundiária de interesse social, bem como ao
licenciamento ambiental, se o Município tiver conselho de meio ambiente e órgão
ambiental capacitado. (Incluído pela Lei nº 12.424, de 2011)
§ 2º Para efeito do disposto no § 1º, considera-se órgão ambiental
capacitado o órgão municipal que possua em seus quadros ou à sua disposição
profissionais com atribuição para análise do projeto e decisão sobre o licenciamento
ambiental. (Incluído único pela Lei nº 12.424, de 2011)
50
§ 3º No caso de o projeto abranger área de Unidade de Conservação de Uso
Sustentável que, nos termos da Lei nº 9.985, de 18 de julho de 2000, admita a
regularização, será exigida também anuência do órgão gestor da unidade. (Incluído
único pela Lei nº 12.424, de 2011)
Art. 54. O projeto de regularização fundiária de interesse social deverá
considerar as características da ocupação e da área ocupada para definir parâmetros
urbanísticos e ambientais específicos, além de identificar os lotes, as vias de
circulação e as áreas destinadas a uso público.
§ 1o O Município poderá, por decisão motivada, admitir a regularização
fundiária de interesse social em Áreas de Preservação Permanente, ocupadas até 31
de dezembro de 2007 e inseridas em área urbana consolidada, desde que estudo
técnico comprove que esta intervenção implica a melhoria das condições ambientais
em relação à situação de ocupação irregular anterior.
§ 2o O estudo técnico referido no § 1o deverá ser elaborado por
profissional legalmente habilitado, compatibilizar-se com o projeto de regularização
fundiária e conter, no mínimo, os seguintes elementos:
I – caracterização da situação ambiental da área a ser regularizada;
II – especificação dos sistemas de saneamento básico;
III – proposição de intervenções para o controle de riscos geotécnicos e de
inundações;
IV – recuperação de áreas degradadas e daquelas não passíveis de
regularização;
V – comprovação da melhoria das condições de sustentabilidade urbano-
ambiental, considerados o uso adequado dos recursos hídricos e a proteção das
unidades de conservação, quando for o caso;
VI – comprovação da melhoria da habitabilidade dos moradores propiciada
pela regularização proposta; e
VII – garantia de acesso público às praias e aos corpos d´água, quando for o
caso.
§ 3º A regularização fundiária de interesse social em áreas de preservação
permanente poderá ser admitida pelos Estados, na forma estabelecida nos §§ 1o e 2o
deste artigo, na hipótese de o Município não ser competente para o licenciamento
ambiental correspondente, mantida a exigência de licenciamento urbanístico pelo
Município. (Incluído único pela Lei nº 12.424, de 2011)
Percebe-se que essa compatibilização do direito à moradia e do direito ao meio
ambiente equilibrado em tese não admite o prejuízo de um em detrimento do outro, o que
ocorre é o tratamento de ambos como direitos fundamentais, de maneira que busca a
legislação dar máxima eficácia a ambos, até o momento em que isso se torne impossível,
quando deve prevalecer as normas ambientais e a proteção ambiental.
Todavia, para que a legislação seja eficaz, mais uma vez devemos ter cautela para que
não ocorra o costume no direito brasileiro, especialmente nos marcos normativos relacionados
ao nosso trabalho: a falta de fiscalização.
Vale ressaltar que segundo o art. 13 da Lei 6.766/1979 cabe aos Estados disciplinar
projetos habitacionais quando localizados em áreas de interesse especial, como mananciais,
patrimônio histórico, cultural, paisagístico ou arqueológico e quando abranger regiões
metropolitanas ou quando cuidar de área superior a 1.000.000 m². Entende-se que o mesmo
deve ocorrer nos casos de regularização fundiária, pois o poder público municipal por vezes
está mais suscetível à pressão do especulador imobiliário e outros agentes locais. Ressalvado,
51
claro, as regras de competência urbanística de uso e ocupação do solo, quando deve
prevalecer a legislação municipal.
O fato da legislação mais recente permitir a regularização fundiária em áreas
ambientalmente sensíveis não implica em afirmar a prevalência do direito à moradia face o
direito ao meio ambiente equilibrado. Ao contrário, a legislação apenas concebe que se a
ocupação e uso do solo forem comportados pelo meio ambiente natural e outra forma de
compensação ambiental for possível, deve se dar efetividade a ambos os direitos, sem
realocação da população.
A gravidade do problema social e a urgência de solução para o problema da efetivação
do direito à moradia não pode autorizar a ocupação predatória do solo. Não havendo
hierarquia entre direitos fundamentais é sabido que um não pode simplesmente ser
subordinado ao outro. Portanto, a regularização fundiária deve buscar reverter ou minimizar o
impacto ambiental das ocupações irregulares existentes e garantir que não continuem se
alastrando ocupações em áreas de proteção ambiental, além de buscar conciliar o uso e
ocupação do solo com um meio ambiente equilibrado.
Da mesma forma o Art. 3º, Parágrafo Único da Lei 6.766/79 veda o parcelamento de
solo em terrenos alagadiços e sujeitos a inundações sem providências que assegurem o
escoamento das águas; em terrenos com material nocivo à saúde pública sem que sejam
saneados; em terrenos com declividade igual ou superior à 30%, salvo se exigidas exigências
das autoridades competentes; terrenos não aconselháveis a edificação em razão das condições
geológicas; em áreas de proteção ecológica ou naquelas em que a poluição impeça condições
sanitárias suportáveis. Igualmente todas estas restrições estendem-se aos programas de
regularização fundiária, só podendo haver a regularização nestes casos se tomadas todas as
medidas saneadoras que assegurem tanto a segurança da população quanto impactos
ambientais toleráveis.
Em caso de necessidade de remoção de famílias residentes em áreas de risco ou áreas
de proteção permanente, as mesmas devem ser relocadas o mais próximo possível de suas
antigas moradias, visando a manutenção de suas relações sociais e guardando respeito com o
caráter fraterno do direito de vizinhança, inclusive devendo a destinação de unidades
habitacionais para famílias removidas ter prioridade em relação às famílias previamente
cadastradas, desde que a ocupação a ser regularizada seja anterior a 31 de dezembro de 2007.
(CASTANHEIRO, 2013, p. 51)
A remoção deve ser, todavia, medida última, dada sua drasticidade. Além disso, a
opção pela remoção é historicamente a grande responsável pelas políticas habitacionais que
52
promoveram a exclusão social e a ocupação de áreas ambientalmente sensíveis e protegidas.
Grande parte dos processos urbanizadores no Brasil simplesmente transferiram ocupações
irregulares para áreas afastadas dos centros urbanos, promovendo a remoção em massa em
detrimento do enfrentamento do problema.
A dimensão ambiental é fundamental para falar em regularização fundiária
sustentável, utilizando aqui o conceito de sustentabilidade do Relatório Brundtland, elaborado
em 1987 pela Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento das Nações
Unidas e que precedeu a Conferência das Nações Unidas para o Meio Ambiente e
Desenvolvimento: desenvolvimento sustentável é aquele que satisfaz as necessidades das
gerações atuais, sem comprometer a capacidade das gerações futuras de satisfazer suas
próprias necessidades.
Desta maneira, a regularização fundiária sustentável é aquela capaz de reconhecer o
atual modelo de uso e ocupação do solo estabelecendo um modelo que contribua para a
redução das desigualdades sociais e combate à pobreza sem permitir, todavia, a degradação
ambiental e ocupação predatória de tal forma que o meio ambiente não seja capaz de
recompor ou tolerar o capital natural perdido.
A identificação de uma nova tendência nas relações ambientais com a cidade já
ocupada leva às seguintes constatações e conclusões:
I) Grande parte das ocupações irregulares encontram-se em áreas de preservação
ambiental, especialmente aquelas espontâneas, advindas não de loteamentos
clandestinos (irregulares ou ilegais);
II) O legislador através da Lei Federal 11.977/09 exerceu seu papel de
conformação dos princípios constitucionais e buscou compatibilizar os direitos
fundamentais à moradia e ao meio ambiente saudável;
III) O projeto de regularização fundiária passa agora a ter a necessidade de
licenciamento ambiental, explicitando o legislador que deve se dar máxima
eficácia aos direitos fundamentais em conflito, até o momento em que isso não
se torne mais possível, ocasião em que deve prevalecer as normas que cuidam
da proteção ambiental;
IV) Se por um lado deixar a cargo do munício o licenciamento ambiental pode
representar uma maior adequação as especificidades da realidade de cada
município, por outro incorre-se no risco de que o poder público municipal na
maior parte das vezes está mais suscetível a pressão de especuladores
imobiliários;
53
V) A regularização fundiária deve buscar conciliar o uso e ocupação do solo com
um meio ambiente equilibrado, evitando a realocação da população sempre que
possível mas também garantindo que cesse novas ocupações em áreas de
proteção ambiental;
VI) Caso a proteção ambiental exija a remoção de famílias de determinada área, as
mesmas devem ser realocadas o mais próximo possível de suas antigas
moradias, visando o respeito as relações de vizinhança e social;
VII) A dimensão ambiental deve, portanto, aceitar o direito à moradia sem renegar a
proteção ao meio ambiente, cuidando para que não ocorra nem a
vulnerabilidade das pessoas quanto a vulnerabilidade do meio ambiente.
3.5 Dimensão Social – Do Diagnóstico da Ocupação ao Emponderamento dos
Ocupantes
A dimensão social da regularização fundiária tem um triplo viés: primeiro garantir que
se cumpra a função social da propriedade e função social da cidade, como forma de termos
uma sociedade mais justa, fraterna e menos desigual; segundo o reconhecimento de que a
sociedade é o fim do Estado, é para ela que ele existe e as relações sociais devem ser por ele
consideradas como geradoras de fatos sociais que por vezes não são abarcados pela legislação
mas que devem ser tratadas a contento; o terceiro viés está ligado à gestão democrática da
cidade, a sociedade deve participar dos processos decisórios e da busca pela solução dos
problemas urbanos, inclusive o da regularização fundiária.
A atomização dos saberes e as análises parciais de cada um não foram capazes de dar
uma solução para o problema da regularização fundiária, e talvez quem guarde a maior dívida
com os afetados pela irregularidade fundiária e seus efeitos sejam os operadores jurídicos.
Parece que estes sempre estiveram muito afeitos às normas, aos registros públicos, aos
procedimentos mais comezinhos do direito notarial e esqueceram que estas normas deveriam
ter sofrido a interpretação conforme a Constituição. Mas, esqueceram que para além dos
registros públicos e notarias há vida, existem relações sociais que se operam no interior das
cidades e problemas decorrentes dessas interações.
A dimensão social é, portanto, relacionada ao estudo destas interações sociais tanto à
luz do serviço social, buscando mapear os “assentamentos irregulares ocupados,
54
predominantemente, por população de baixa” e beneficiários das políticas públicas para a
regularização fundiária de interesse social, como à luz da sociologia política, na tentativa de
um diagnóstico dos problemas da urbanização advindos do próprio processo de integração
social. (LEVY, 2013, p. 12)
Numa visão holística, que congrega também senso comum, é possível
apontar que a cidade é o espaço privilegiado de (re)produção das relações sociais, da
dimensão do trabalho, da cultura, da economia e da política. É o locus de
permanente intercâmbio entre as pessoas, a objetivação de inúmeras subjetividades
marcadas pela diferença. (LEVY, 2013, p. 14)
A cidade, para além do local onde se desenvolve a esfera pública das demandas
específicas de determinada localidade, é o local onde se reproduz as relações sociais, e acerca
do tema esta reprodução é muito bem delineada por Kowarick (apud LEVY, 2013, p. 15): “o
trabalhador explorado é o morador espoliado.” A ineficiência dos serviços públicos, a falta de
áreas institucionais, a ausência de espaços de lazer, a distância da escola, a falta de transporte
público, enfim, a ausência do Estado pode afetar toda a cidade, mas são as classes menos
favorecidas economicamente e que não tiveram acesso à moradia regular que serão as mais
condenadas.
Não é sem razão o estigma que sofre quem mora no subúrbio e a associação realizada
quase que com naturalidade entre quem mora nas áreas marginais da cidade e o uso da palavra
"marginal" para definir o infrator, o descumpridor da lei.
A omissão do poder público aqui também tem duas matrizes, a falta de políticas
públicas que garantam o acesso à moradia e a falta de fiscalização da legislação pertinente,
especialmente, as relacionadas ao micro parcelamento do solo e as construções edilícias, esta
última omissão decorrente da primeira. Ou seja, já que o Estado não realiza seu papel na
efetivação do direito à moradia também não fiscaliza loteamentos clandestinos e a construção
de sub-habitações, contribuindo para reforçar desta feita a consolidação desses últimos.
As cidades como meras aglomerações urbanas e não como um espaço público
planejado, na realidade, são resultantes do êxodo rural, que ocorreu de maneira desorganizada
e não como um movimento espontâneo. As pessoas foram expulsas do campo com a
implantação do latifúndio, pela falta de políticas públicas de fixação dessas pessoas no campo,
e acabaram sendo “desaguadas” na cidade, pois, na visão do Poder Público, não havia o que
se fazer com elas. Portanto, foram para a cidade por conta da falta de opção e não como uma
solução ou escolha. As estruturas de classe, todavia, foram mantidas ou ainda mais
55
fortalecidas, aumentando a desigualdade social e os fenômenos dela decorrentes, como a
pauperização, os bolsões de pobreza, a exclusão social, etc. (LEVY, 2013, p. 17)
A primeira definição conhecida e publicada da palavra inglesa slum* surgiu
no Vocabulary of the flash language (Vocabulário da linguagem vulgar), em que é
sinônimo de racket ou “comércio criminoso”. No entanto, nos anos da cólera nas
décadas de 1830 e 1840, os pobres moravam em slums, em vez de praticá-los. Uma
geração depois, identificaram-se slums na América e na Índia, em geral
reconhecidos como fenômeno internacional. O “slum clássico” era um lugar
pitoresco e sabidamente provinciano, mas em geral os reformadores concordavam
com Charles Booth que todos se caracterizavam por um amálgama de habitações
dilapidadas, excesso de população, pobreza e vício. É claro que, para os liberais do
século XIX, a dimensão moral era fundamental, e a favela era considerada, acima de
tudo, um lugar onde o “resíduo” social apodrecia num esplendor imoral e quase
sempre turbulento. Os autores de Slums descartam as calúnias vitorianas, mas fora
isso conservam a definição clássica: excesso de população, habitações pobres ou
informais, acesso inadequado a água potável e esgoto sanitário e insegurança da
posse da terra.(DAVIS, 2004, p. 198)
O recém chegado à cidade traz consigo uma situação de completa vulnerabilidade:
vulnerabilidade social - representando o elo fraco na relação de classes e permanecendo nesta
condição, sem contar com programas assistenciais ou de inclusão por parte do Estado;
vulnerabilidade econômica - não possui condições de prover o seu próprio sustento e o de sua
família garantindo o mínimo necessário para viver com dignidade; vulnerabilidade civil - não
detém conhecimento de seus direitos e do acesso aos meandros da burocracia estatal.
O recém chegado torna-se assim presa fácil do loteador clandestino, cujos loteamentos
ilegais ou irregulares causam danos ao meio ambiente e grande desordem urbanística.
Há, por fim, a necessidade da dimensão social intervir no processo de regularização
fundiária para mais do que diagnosticar o assentamento e sua população, participar do
emponderamento da população afetada. Como assenta Honneth, “só podemos chegar a uma
compreensão de nós mesmos como portadores de direitos quando possuímos, inversamente,
um saber sobre quais obrigações temos que observar em face do respectivo outro”. (apud
LEVY, 2013, p. 28)
Concluindo, a dimensão social deve produzir o diagnóstico do assentamento ao
mesmo tempo em que torna os membros desse assentamento partícipes do processo de
regularização fundiária, mas ainda mais, este processo deve fomentar nos moradores do
assentamento a ser regularizado o desejo por uma cidade mais justa, dando subsídios para que
a comunidade permaneça participando do planejamento urbano e da gestão democrática da
cidade.
56
A tradição patrimonialista enraizada na estrutura social brasileira e originária em sua
matriz agrária será mantida na organização social das cidades, permitindo concluir neste
contexto:
I) Mais do que a identificação das ocupações passíveis de serem classificadas
como de “interesse social” em razão das características da ocupação, a
dimensão social terá um caráter eminentemente democrático, de
emponderamento dos habitantes destas ocupações;
II) Ainda que, via de regra, a dimensão social foque no papel da assistente social
de delinear o perfil socioeconômico da ocupação e do morador, a dimensão
social vem despontando com uma ideia mais ampla de perceber e/ou esclarecer
que a cidade é a reprodução das relações sociais, e a exclusão da regularidade
fundiária advém de uma exclusão mais ampla;
III) Esta opção valoriza a possibilidade de uma crítica mais ampla: a dimensão
social representa uma revolução no curso da regularização fundiária, a
exclusão social deu às ocupações o substrato necessário para que se questione
o modelo de desenvolvimento urbano que vínhamos tendo;
IV) A dicotomia existente na dimensão social é que vai lhe permitir uma visão
holística e universalista, a negação da moradia regular é a primeira ou última
instância de uma série de outras negações: do lazer, da educação, da cultura, da
dignidade;
V) O diagnóstico do assentamento deve ser realizado não com uma atuação
precária, com a visão de que aquela comunidade é um ente totalmente externo
à cidade e à sociedade, que vai em breve realizar uma aproximação, é
imperioso que os moradores participem ativamente do processo de
regularização fundiária.
3.6 A União de Saberes em Busca de Cidades Socialmente Justas e Ambientalmente
Sustentáveis
A urbanização acelerada, sob as condições de desenvolvimento calcado no
modelo do período pós-revolução industrial, caracteriza-se pela ocupação
desordenada do solo, gerando índices expressivos de exclusão socioeconômica e de
degradação dos meios naturais, além dos problemas urbanos de toda ordem, como
pobreza, violência, desemprego, déficit habitacional. (CHAER, 2007, p. 11 e 12)
A citação acima expressa muito bem como as diversas dimensões da regularização
fundiária estão intrinsicamente ligadas. O estudo particionado do presente capítulo pretendeu,
57
antes de mais nada, destacar o que cada dimensão tem de mais relevante, especialmente
porque os profissionais das diferentes áreas no processo de regularização fundiária muitas
vezes trabalham isolados, agem em momentos distintos.
Todavia, quanto mais coletiva e conjunta for a ação desses profissionais mais rico será
o processo de regularização fundiária, devendo-se evitar o particionamento de suas ações a
todo custo, pois as ocupações do solo a serem regularizadas não delineiam cada uma das
dimensões isoladamente, ao contrário, internalizam todas as dimensões de maneira
simultânea, conforme a ocupação vai se dando.
A união de todos os intervenientes no processo de regularização fundiária é
indispensável pois “garantir apenas a titulação do lote ou da área implica em negligenciar as
condições de ocupação e suas perversas consequências”, o que leva a manutenção da situação
de ilegalidade. (CHAER, 2007, p. 24),
Ainda, interessante a constatação de Rosana Denaldi, diretora de Habitação da
prefeitura de Santo André e trazida no trabalho de Maricato (2003, p. 84), de que o principal
entrave para um processo de regularização fundiária pleno é a “fragmentação das instituições
que participam do processo de regularização: vários setores da prefeitura, ministério público,
cartórios de registro de imóveis e Judiciário.”
Desta forma, o sucesso da regularização fundiária plena depende da atuação conjunta
dos profissionais intervenientes no processo, bem como das instituições protagonistas e
responsáveis por pensar e viabilizar o processo de regularização fundiária.
58
4 REDENÇÃO: DA OCUPAÇÃO DO ESPAÇO À EMANCIPAÇÃO
Da mesma maneira que observou-se a ocupação territorial do Brasil para compreender
a acepção do termo e do instituto denominado regularização fundiária, faz-se analisar o
microcosmo de Redenção, ou seja, estudar a ocupação do espaço onde hoje está a cidade de
Redenção, uma vez que, como constantemente afirmado por diversas legislações acerca de
regularização fundiária, o Município deve ser o principal ente da federação na promoção da
regularização fundiária.
A competência do Município para legislar sobre assuntos de interesse local geralmente
tem ligação estreita com a promoção do adequado ordenamento territorial, percebe-se assim
que se a União trouxe as normas gerais relacionadas ao desenvolvimento urbano caberá ao
Município dar concretude a estas normas, inclusive adequando-as a sua realidade quando
necessário. Assim, não poderia ser outro o entendimento se não estudar a ocupação do solo
redencense para ver em que ela se distingue do anteriormente exposto e quais são suas
características e peculiaridades.
4.1 Da Ocupação do Espaço
As terras onde situa-se o município de Redenção eram a princípio habitadas pelos
índios Kayapós, ramificação das tribos de língua Jê, de vida essencialmente nômade e que por
esse motivo evitavam revidar o ataque de povos não indígenas, o que não impediu que um dos
grupos ou subtribos fossem extintos, os Kradaú ou Irã-Amráire, justamente os que viviam nos
campos naturais de Conceição do Araguaia, que se estendiam da orla do Rio Arraia até a Mata
Geral do Xingu, perímetro onde hoje está compreendida a cidade de Redenção. (SILVA,
2007, p. 7.)
Os índios Irã-Amráire Kayapó estavam acostumados com o contato com não-índios
em razão da missão dominicana de Santa Maria Nova, atual cidade de Couto Magalhães (TO),
margem oposta da cidade de Conceição do Araguaia (PA), Rio Araguaia. Os trilhos indígenas
inclusive que propiciaram a incursão nos Campos do Pau D’Arco, servindo de estrada
boiadeira para os maranhenses que migraram nesta região e não se fixaram nas margens do
Araguaia no Núcleo de Conceição do Araguaia, fundado por Frei Gil de Vila Nova em 1897.
(SILVA, 2007, pp. 7-8)
59
Desta forma, os Kradaús que viviam no território há muitos séculos, de súbito foram
desaparecendo dos campos do Pau D’Arco, transformando-se as terras indígenas em terras
camponesas e prevalecendo nos campos atualmente a atividade pastoril, sendo a lavoura
meramente para a subsistência dos camponeses. (SILVA, 2007, p. 9)
Estava, portanto, iniciado o processo de povoamento da área, e a frente
pecuária é que, a princípio, ditaria a forma da atividade produtiva que se instalaria
nos campos paraenses do Araguaia. A frente pecuarista que há mais de trezentos
anos partira do litoral baiano palmilhando todo o sertão nordestino atinge sua
expressão máxima ao chegar à Amazônia Oriental, cruzando os dois grandes rios
que poderiam ter obstruído sua marcha – Tocantins e Araguaia – e estabelecendo-se
nos campos paraenses do Arraias e Pau D’Arco. Somente a grande floresta, com sua
hiléia quase instransponível para a tecnologia sertaneja, foi capaz de deter sua
marcha pelo interior brasileiro. (SILVA, 2007, p. 11)
Moreira Neto (1960, pp. 9-13) justifica a razão do território paraense dos campos de
Pau D’Arco terem sido colonizados predominantemente por maranhenses e não por paraenses
ou pelos goianos da margem oposta do Araguaia. No século XIX, conforme esclarece o autor,
“o Tocantins era a fronteira mais ocidental atingida pela onda pastoril nordestina. Três séculos
completos se dilatam entre a introdução das primeiras rêses das ilhas de Cabo Verde na Bahia
e a extensão da pecuária à orla da floresta amazônica”.
Apesar do transcurso de três séculos, a cultura pastoril pouco tinha se alterado e ainda
eram necessárias grandes vastidões de terras, pois o gado era criado solto nos campos ante a
inexistência de cerca, bem como a predominância quase que absoluta do escambo nas
transações comerciais, identidade nas formas de associações, normas, valores, técnicas
produtivas, tudo ainda remetia a onda pastoril nordestina do Século XVI. (MOREIRA NETO,
1960)
Em começos do século XIX, um primeiro núcleo urbano é fundado nas
margens goianas do Tocantins, Bôa Vista, sucedido pela ocupação paulatina de todo
o território delimitado pela junção dêste rio com o Araguaia. Aí se defronta a frente
pioneira com um movimento colonizador orientado do sul, seguindo o curso do
Araguaia, composto por criadores de gado e garimpeiros. A onda expansionista
meridional não tem, entretanto, a importância do movimento nordestino e cedo
funde-se a êle, deixando-lhe a tarefa de definir o estilo cultural das novas ocupações
que se farão agora em território paraense. (MOREIRA NETO, 1960, p. 9)
Ocorre que Boa Vista do Tocantins passa a ser assolada por uma série de conflitos que
no final do século XIX forçam o êxodo de inúmeras famílias que ali habitavam e compunham
aquela frente pioneira pastoril, migrando a grande maioria para as áreas ribeirinhas do
Araguaia. “O que de momento importa salientar é a transferência desses contingentes
pioneiros em densidade dificilmente atingíveis em tempos normais para os campos do
Araguaia paraense.” (MOREIRA NETO, 1960, p. 9)
60
O caráter indispensável do momento conturbado de Boa Vista do Tocantins para a
existência das correntes migratórias para as margens do Araguaia pode ser reafirmada ante o
fato de que desde a metade do século XIX tentava-se a fixação de colonizadores na região,
tendo inclusive o governador da então província de Goiás inaugurado por essa época a
navegação do Araguaia com barcos a vapor, sem ainda assim obter sucesso na atração e
fixação da população. Serão os conflitos de Boa Vista os responsáveis pela rápida ocupação
da chapada formada entre a convergências dos Rios Araguaia e Tocantins e o posterior
alcance dos campos do Pau D’Arco, na margem esquerda do Rio Araguaia. “A frente pioneira
que parte dos Pastos Bons e atravessa agora o Tocantins é maranhenses pelos elementos que a
compõem, como há um século atrás foi bahiana.” (MOREIRA NETO, 1960, p. 10)
Se por um lado os campos do Pau D’Arco propiciaram um bom rebanho, por outro o
mercado local não era capaz de suprir a produção, ainda, a travessia de dois grandes rios – o
Araguaia e o Tocantins – tornavam inviável o comércio com a região nordeste e sudeste. A
distância, a floresta e semelhantes dificuldades fluviais também não propiciaram o comércio
com Belém, de maneira que certamente o isolamento inviabilizaria a fixação dos camponeses
no local. (SILVA, 2007, pp. 11 e 12)
Um fato absolutamente novo vem salvar os criadores do Pau D’Arco de um
fracasso que se afigurava inevitável. É o início da exploração da borracha e da
castanha na área, produção que ao contrário da pecuária, voltava-se
fundamentalmente para os mercados internacionais, criando novas oportunidades de
trabalho, mercados e capitais de que fartamente se beneficiaram os criadores locais.
(MOREIRA NETO, 1960, p. 15)
É nesse momento em que há a crescente necessidade da borracha como matéria prima
industrial, aumentando a procura especialmente no mercado internacional, sendo o Brasil
praticamente o único fornecedor da goma dos seringais utilizada como matéria prima para a
fabricação da borracha. Desta maneira, há um fluxo migratório considerável para os campos
do Pau D’Arco, em razão do caucho presente nos campos da mata geral até o Xingu. Surge
assim um mercado local capaz de absorver a produção pecuária dos campos do Pau D’Arco.
(SILVA, 2007, pp. 12 e 13)
Além dos migrantes, o ciclo da borracha trouxe para a região uma intensa atividade
comercial, instalando-se aviadores responsáveis pelo financiamento e transporte dos viveres
para os migrantes e da produção da goma para Belém, ponto de exportação da borracha. O
dinheiro substitui o escambo, o modo de produção pastoril de subsistência é substituído pelo
modo de produção extrativista mercantil, o capital comercial “passa a subordinar o segmento
pecuário de subsistência, como este havia subordinado a cultura tribal.” (SILVA, 2007, p. 13)
61
Nos campos onde hoje estão situadas as principais cidades do Sul do Pará –
Redenção, Pau D’Arco, Rio Maria, Xinguara –, como nas matas, onde se localizam
as terras privatizadas pela Companhia de Terras da Mata Geral, no começo do
Século XX, o movimento foi intenso. Tanto em uma área como em outra se
localizaram povoados sertanejos que serviam de ponto de apoio para os comboios
que se dirigiam aos locais de extração da goma. Na pesquisa de campo, detectamos
que, no local onde hoje é o cemitério da cidade de Redenção, outrora existiu uma
corrutela denominada Solta.
Nesse povoado sertanejo que ficava na boca da mata, isto é, no início da
estradinha que levava, pela floresta, aos cauchais da beira do Xingu, as tropas
carregadas de caucho estacionavam com a finalidade de descanso e reabastecimento
de víveres, para, posteriormente, seguir viagem até Conceição do Araguaia. Nessa
localidade, a borracha era acondicionada em batelões e, por via fluvial, descia o
Araguaia e o Tocantins, até Belém do Pará. Finalmente, as casas exportadoras
encarregavam-se de fazê-la chegar às portas das indústrias europeias. (SILVA, 2007,
p. 13)
Nesta etapa, contudo, o crescimento vertiginoso dos núcleos habitacionais foi
acompanhado por um declínio tão vertiginoso quanto. A falta de investimento em tecnologia
para aumentar a produção dos seringais da Amazônia aliada a alta produção dos seringais
asiáticos advindas do plantio de seringueiras em suas colônias por Inglaterra e Holanda fez
com que a atividade extrativista na região do Araguaia durasse menos de uma década, tempo
insuficiente para garantir a fixação dos habitantes nas corrutelas surgidas no auge do
extrativismo. (SILVA, 2007, pp. 13 e 14)
Há uma estagnação econômica e um novo isolamento regional, uma retomada do
modelo pastoril e do escambo em detrimento do dinheiro em razão do despovoamento da
região com o fim do ciclo da borracha, especialmente a partir de 1912. É verdade que houve
um “breve surto econômico durante a segunda guerra mundial” em razão dos “Acordos de
Washington” assinados entre Brasil e Estados Unidos da América para o incremento da
produção de borracha, mas este segundo ciclo em nada se assemelha ao primeiro, de tal forma
que em 1946, quando encerra-se em definitivo esse segundo ciclo, no local onde futuramente
surgiria a cidade de Redenção não existia ninguém residindo. (SILVA, 2007, pp. 15 e 16)
4.2 Do Surgimento do Povoado
Tal qual a terra se transforma em mercadoria com a abolição da escravatura e o
advento da Lei de Terras, em dado momento, ainda que muito mais tardio, o mesmo irá
ocorrer com a região sul do Pará, local onde se encontra o município de Redenção, objeto de
estudo, destacado por Silva (2008, p. 4) como “o mais desenvolvido da região sul do Pará,
cujo território viria a se constituir na primeira frente pioneira da Amazônia.”
62
Ao contrário de Moreira Neto (1960) que com a expressão frente pioneira fazia
referência a ocupação do espaço pela onda pastoril nordestina, Silva (2008) por frente
pioneira refere-se justamente à substituição da economia camponesa advinda dessa onda
pastoril pela economia urbano-industrial, ou seja, a substituição de relações de produção não
capitalistas pelo modelo onde trabalho e terra são transformados em mercadorias. Esta
alteração na forma de organização da produção se dá pela abertura de novas fronteiras em
razão do “esgotamento de terras devolutas” próximas aos locais de aproveitamento agrícola e
empreendimentos capitalistas tradicionais, levando a apropriação de imensas áreas no
Araguaia paraense. (SILVA, 2008, p. 4)
Moreira Neto (1960, p. 81-82) escreve justamente quando este processo de
especulação imobiliária está prestes a explodir no Araguaia paraense, inclusive destacando o
papel desorganizacional que estas companhias imobiliárias tiveram em comunidades pioneiras
em outros estados, como Paraná e Goiás. Em consequência da expulsão dos posseiros
pioneiros de outros estados pelas Companhias Imobiliárias, que em razão do capital financeiro
são agraciadas com títulos definitivos de propriedade concedidos pelos respectivos Estados,
há nos campos do Pau D’Arco referência a um “avultado número de ‘chegantes’, lavradores
despojados de suas terras por estas empresas”.
O autor destaca ainda um fenômeno interessante, os camponeses dos Campos de Pau
D’Arco tinham uma dupla preocupação, por um lado temiam a chegada de novos camponeses,
expulsos de suas terras pelas Companhias Imobiliárias em outros estados, por outro temiam
ainda mais a chegada destas Companhias Imobiliárias também no Araguaia paraense:
Vinculados culturalmente a um sistema tradicional de apropriação do solo
que é velho de algumas centenas de anos, reagem amarga e violentamente à ameaça
de esbulho. Vale salientar que estão hoje pressionados pelos dois extremos da nova
estrutura sócio-econômica que tende a estabelecer-se na região. Por um lado, há a
ameaça dos grupos dominantes da estrutura que se tenta impor, isto é, as
companhias imobiliárias e empreendimentos assemelhados que requerem estas áreas
e as recebem tituladas como propriedades definitivas. E, por outro, há também a
antítese das empresas de especulação, os pequenos lavradores que se vêem
desalojados de suas posses e se deslocam à testa da onda colonizadora, localizando-
se nas zonas de fronteira. (MOREIRA NETO, 1960, pp. 82-83)
Assim, as terras que formaram a Fazenda Santa Tereza, fundamental para a criação da
“Vila Redenção”, não eram desocupadas. Já residiam ali camponeses que tinham uma
economia caracterizada por um modo de produção não capitalista. (SILVA, 2008, p. 4)
Na verdade, muito mais do que a formação da fazenda Santa Tereza, o que
estava em andamento era o início da transformação da fronteira camponesa pastoril
de subsistência, parcialmente mercantil, em fronteira capitalista. A terra ia ser
63
titulada, e com ela as relações de produção do lugar sofreriam alterações
significativas. Era a propriedade privada capitalista que pela primeira vez chegava
aos campos do Pau d’ Arco na região onde futuramente surgiria a frente pioneira de
Redenção. (SILVA, 2008, p. 6)
Inicialmente os camponeses que habitavam os campos do Pau D’Arco preservaram
sua posse, pois a preocupação primeira dos integrantes da frente pioneira era incorporar
legalmente grandes quantidades de terra, para em um segundo momento, após a apropriação,
iniciar a especulação e comercialização destas terras. (SILVA, 2008, pp. 5-7)
João Lanari do Val e Nicolau Lunardelli adquiriram grandes parcelas de terras no
Araguaia paraense já na década de 60 com o intuito de abrir grandes fazendas para produção
de café, pois ambos eram descendentes de famílias de migrantes italianos que compunham a
elite cafeicultora paulista, “símbolo do poder econômico republicano até 1930”, o último
inclusive filho de Geremia Lunardelli, maior produtor de café do país e que carregava a
alcunha de Rei do Café. (SILVA, 2008, pp. 8-10)
Em 1962, João Lanari do Val cria então a Companhia de Terras da Mata Geral,
empresa que abrigará os 80 lotes a ele alienados pelo governo paraense, e forma assim o
maior latifúndio brasileiro de capital exclusivamente nacional. Reserva parte das melhores
terras adquiridas para a formação da Fazenda Santa Tereza, sede operacional da Companhia
de Terras Mata Geral. (SILVA, 2008, pp. 8-10)
O intuito de especulação imobiliária fica claro pelo Relatório de Atividades da
Companhia de Terras da Mata Geral, datado de 1983, que demonstrará que os recursos
financeiros para a formação da Fazenda Santa Tereza são oriundos inicialmente da venda de
parcela das terras adquiridas do governo paraense. (SILVA, 2008, p. 10)
Há que se destacar que a forma escolhida pelo Governo Federal e Governo do Estado
para ocupação da Amazônia legal guarda muitas semelhanças com o instituto das sesmarias,
especialmente encargos relacionados ao cultivo das terras e sua demarcação, inclusive
cabendo a retomada das terras caso estes encargos gerais não fossem cumpridos:
Em termos mais precisos, era o seguinte o processo das vendas de terras
devolutas do Estado: inicialmente, no ato da requisição da compra das terras, o
requerente apresentava um plano de aproveitamento fundiário e tinha até dois anos
para cumprir 1/8 (um oitavo) deste plano, bem como demarcar a área pretendida.
Ainda nesta fase inicial, denominada fase instrutória, o requerente tinha também que
efetuar o pagamento para o estado do Pará, de um valor correspondente a 30% do
valor fixado em tabela para cada gleba. Em seguida, o governo paraense solicitava
uma autorização da assembléia legislativa estadual para negociar a área. Se durante a
tramitação do processo, o requerente tivesse cumprido 1/8 do plano e efetuado os
serviços de demarcação da área, bem como se a assembléia aprovasse o pedido, o
requerente recolhia no Banco do Estado do Pará, os restantes 70% do valor dos
lotes, e recebia os títulos definitivos da propriedade (ITERPA, 1981).
64
Na verdade, não era difícil se comprar as terras devolutas do Estado neste
período, mas, era necessário ter algum capital. Não pelo preço das terras, que era
insignificante, porém, pelo investimento que teria que se fazer em obras de abertura
de picadas, topografia, demarcação, cartografia, despesas com impostos, taxas
cartorárias, contratação de firmas prestadoras de serviços. (SILVA, 2008, pp. 14-15)
O que se vê é a reprodução de um modelo que já se sabia fracassado, o Estado legisla
ignorando os fatos, associando a ideia de capacidade de produção com existência de capital
para investimento. Não importa para o Estado os camponeses que aqui viviam, em
suplantação a uma cultura anterior que era a indígena. A colonização é sempre marcada pelo
desrespeito aos antecedentes históricos, e a distribuição de terras é realizada garantindo a
centralização do poder político.
É a partir de 1960 que se verifica uma mudança radical na sociedade e na
economia camponesa pastoril dos campos do Pau d’Arco. A vida para a população
local continuava até o começo daquele ano, a mesma de sempre. Todavia, a maioria
das terras por onde costumavam erguer suas roças itinerantes, e, por onde pastava o
gado, criado às soltas por entre os cerrados e as matas, já havia sido requisitada e
estava por ser titulada. Os índios Caiapó-Gorotire que habitavam a mata geral,
também mal desconfiavam que seu território iria virar nome de uma sociedade
anônima que havia comprado quase todas as suas terras. Também suas reservas
estavam ameaçadas. (SILVA, 2008, pp. 15-16)
Como destacado anteriormente, o Araguaia paraense torna-se a nova fronteira do
capital, oportunizando tanto “a valorização do capital empresarial através da expansão de
atividades produtivas” como meramente pela especulação em torno do valor da terra.
(SILVA, 2008, p. 19)
Para conseguir capitalizar com a venda das terras, dentre as estratégias adotadas por
João Lanari do Val, encontra-se a de “mobilizar também agrimensores e corretores de imóveis
experientes em negócios fundiários das regiões onde tinha atuado anteriormente”, dentre os
quais o agrimensor Luiz Vargas Dumont, que detinha grande experiência na negociação de
terras devolutas no Estado de Goiás, local onde João Lanari do Val adquiriu terras antes de
adentrar na Amazônia paraense. (SILVA, 2008, p. 10)
Em 1960, para apoiar a formação da Companhia de Terras da Mata Geral abre-se no
Município de Conceição do Araguaia “um campo de pouso e decolagem para aviões de
pequeno porte nas bordas da mata geral do Xingu”, o que leva o local a ficar conhecido como
Vila Boca da Mata, pista de pouso que dez anos depois se tornará a principal avenida de
Redenção. (SILVA, 2008, pp. 10 e 11)
Na data de 11 de fevereiro de 1963, Luiz Vargas Dumont adquire mediante Título
Definitivo de n.º 87 do Estado do Pará a área contígua a pista de pouso que serve inicialmente
65
à Fazenda Santa Tereza - primeira fazenda capitalista do Araguaia paraense - e onde encontra-
se um escritório da Fazenda, denominado “Lugar Escritório”.
Com a criação da Superintendência do Desenvolvimento da Amazônia - SUDAM em
1966 o campo de pouso vai tornando-se também apoio para os demais projetos por ela
aprovados e em razão disso aumenta o fluxo de mercadorias e pessoas na região. Desta feita,
em 1969 o agrimensor Luiz Vargas Dumont decide lotear parte de sua gleba próxima ao
“Lugar Escritório” em terrenos urbanos para revender aos interessados.
O processo que desencadeou a formação da zona urbana do atual município
de Redenção teve início em finais de 1969. Nesta época, Luis Vargas Dumont, o
agrimensor da Fazenda Santa Tereza, retornava da sede da fazenda e iria seguir
viagem para Goiânia. Antes de embarcar por via aérea do campo de pouso
localizado no Lugar Escritório, distante 20 quilômetros da sede de Santa Tereza, e
cuja propriedade lhe pertencia, resolveu pernoitar num canteiro de obras ali
existente. As obras eram da abertura de uma estrada que demandaria a sede da
fazenda Sangapoitã, um dos projetos agropecuários aprovados pela SUDAM, nas
margens do Rio Pau d’Arco.
Nesta noite, conversando com seu colega de profissão que comandava os
trabalhos de abertura da estrada para a fazenda Sangapoitã, com este empreitou para
que o mesmo demarcasse 30 lotes às margens da pista de pouso do Lugar Escritório,
e, se encarregasse dos serviços de corretagem caso houvesse comprador para alguns
dos lotes.
Isto feito, seguiu viagem para Goiânia na manhã seguinte. Passados trinta
dias, ao retornar para a sede da fazenda Santa Tereza, o agrimensor resolveu pousar
no Lugar Escritório para saber se seu colega da Sangapoitã havia conseguido vender
algum lote. Sua surpresa foi geral quando, antes do pequeno avião em que viajava
pousar no Lugar Escritório de sua propriedade, avistou algumas casas construídas
num dos lados da pista. Em suma, em menos de um mês, todos os trinta lotes
haviam sido vendidos e a procura aumentava vertiginosamente, ao ponto de já se
presenciar moradores não localizados à espera de novos lotes. Novos lotes foram
cortados e vendidos simultaneamente. (SILVA, 2008, pp. 20 e 21)
Em 1971 há a conclusão da rodovia que liga a cidade de Conceição do Araguaia ao
povoado de Redenção, aumentando ainda mais o afluxo populacional, oportunidade em que
na data de 21 de setembro de 1971, Luiz Vargas Dumont registra em Conceição do Araguaia
o loteamento denominado Núcleo Urbano de Redenção, conforme descrito na Transcrição
630. No ano seguinte, em 12 de fevereiro de 1972, Carlos Ribeiro torna-se sócio de Luiz
Vargas nesse empreendimento. Acerca desta sociedade, Silva (2007, p. 12) esclarece que
inclusive foi Carlos Ribeiro quem “viabilizou financeiramente a abertura da cidade”
utilizando-se para tanto de maquinas adquiridas mediante incentivos fiscais para a Fazenda
Santa Ernestina, de sua propriedade, “para abrir as primeiras ruas e avenidas de Redenção.”
66
4.3 Da Elevação do Povoado à Categoria de Vila e a Emancipação
O povoado de Redenção experimenta um crescimento vertiginoso e é elevado à
categoria de Vila no ano de 1975. A cada ano transcorrido o fluxo migratório aumenta em
razão das novas atividades desenvolvidas na região, especialmente a extração de madeiras
nobres para exportação, a ponto de a população saltar de 2.344 habitantes em 1970 para
18.664 habitantes no ano de 1980, segundo dados do IBGE, um crescimento populacional
médio de 80% ao ano.
Em prefácio intitulado “A urgência da regularização fundiária” Nalini (2013, p. IX)
diagnostica que em poucas décadas o Brasil se converteu em um país essencialmente urbano
em virtude da ausência de políticas de fixação das famílias na zona rural. Tal fenômeno foi
acompanhado pela ausência de políticas públicas de moradia nos centros urbanos, de maneira
que o êxodo rural ocasionou uma ocupação desordenada das cidades, levando as famílias a
ocuparem os espaços vazios das zonas urbanas. Conclui o autor que “toda cidade possui
favelas, quase todas têm ocupação irregular em zonas de proteção ecológica, tais como áreas
de preservação permanente e glebas reservadas a mananciais”.
O diagnóstico reflete também a realidade do município de Redenção que conforme
dados do IBGE tornou-se em poucas décadas um município essencialmente urbano. Quando
da chegada de seus primeiros habitantes o município detinha praticamente 70% de sua
população residindo na zona rural, em menos de meio século esse número reduziu-se
significativamente para 7%:
Tabela 4.1: Evolução populacional de Redenção/PA
ANO
ÁREA 1970 1980 1991 2010
Urbana 767
(33%)
12.680
(68%)
44.944
(80%)
70.065
(93%)
Rural 1.577
(67%)
5.984
(33%)
11.024
(20%)
5.491
(7%)
Total 2.344
(100%)
18.664
(100%)
55.968
(100%)
75.556
(100%)
Fonte: IBGE, 2010.
Entretanto, o caso de Redenção é ainda mais emblemático, pois o problema advindo
da falta de políticas públicas de regularização fundiária urbana é antecedido por uma política
de regularização fundiária rural equivocada, que em pleno final do século XX desconsidera
posse e ocupação consolidada em detrimento da aquisição de títulos de propriedade.
67
O problema da regularização fundiária urbana em Redenção é antecedido, portanto,
pela forma como se deu sua ocupação, especialmente o fato do poder público ter ignorado a
situação fundiária da região e ter promovido uma ocupação forçada por novos atores como se
a região fosse completamente despovoada.
Esta desorganização reflete desde logo na desordenação do território. Como destacado
anteriormente, grandes glebas de terra na região já tinham sido requeridas e tituladas, mas as
imediações da pista de pouso que deu origem ao povoado só vieram ser requeridas pelo
agrimensor Luiz Vargas Dumont em 1963.
Com a criação do loteamento denominado Núcleo Urbano e a expansão e crescimento
de Redenção, no ano de 1979 a pista de pouso é transferida e é construído um aeroporto em
local denominado “entroncamento” em razão de ser o ponto de encontro da PA 287 – que liga
Redenção à Conceição do Araguaia – PA 150 – que liga Redenção à Marabá e Belém – e BR
158 – que liga Redenção ao estado do Mato Grosso.
Tal qual ocorreu no caso da primeira pista de pouso, as imediações do aeroporto e do
entroncamento das rodovias que ligam Redenção ao resto do Estado e do país também não
foram requeridas, de tal forma que em 20 de maio de 1981 o Estado do Pará doa ao Município
de Conceição do Araguaia por Título Definitivo de n.º 000949 as áreas ainda não tituladas de
Redenção, totalizando o perímetro de 27.507,17m², com o escopo declarado de que a área se
destine à “Regularização da Vila de Redenção”, conforme consta no Título Definitivo de
Doação.
No ano seguinte, Redenção é emancipada de Conceição do Araguaia, na data de 13 de
maio de 1982, através da Lei nº. 5.028/82, publicada no Diário Oficial do Estado, do dia
26.03.82, assinada pelo então Governador do Estado do Pará, o Coronel Alacid da Silva
Nunes e o Título Definitivo doado ao Município de Conceição do Araguaia no ano anterior
passa então a compor a gleba patrimonial do, agora, Município de Redenção.
A década que se inicia manterá o crescimento acelerado da nova cidade, pois além da
emancipação e das atividades extrativistas de madeira, a descoberta de ouro nas imediações
fará com que o fluxo migratório se mantenha intenso e a população, que era de 18.664
habitantes em 1980 passa a ser de 55.968 em 1991, um crescimento médio de 30% ao ano.
Desta forma, Redenção nasce como cidade tendo um loteamento denominado Núcleo
Urbano e registrado desde 1971, mas também desde o princípio com ocupações espontâneas.
Como destacado, grandes áreas em torno do povoado não foram requeridas por particulares,
de maneira que permaneceram públicas, inclusive parte considerável tendo sido doada ao
Município com fins específicos para que se procedesse a regularização fundiária da área.
68
Aliado a isso, o crescimento acelerado da cidade permitiu que as ocupações fossem se
consolidando sem que houvesse grandes disputas.
Ainda assim, a lógica da dinâmica da ocupação excluiu a população mais carente,
especialmente aqueles migrantes que vinham para a região buscando uma oportunidade nas
atividades extrativistas ou de garimpo, sem dispor de capital financeiro para acessar o
mercado formal, que nos anos que antecederam a emancipação do município e nos seguintes
consistia unicamente no loteamento denominado “Núcleo Urbano”.
Além disso, grande parte das regiões que circundavam o denominado “Núcleo
Urbano” e que não eram propriedade do Sr. Luiz Vargas já tinham sido demarcadas pelos
primeiros “chegantes”, no mais das vezes se constituindo de pequenas chácaras que
compreendiam núcleos familiares distintos. Aliás, o próprio “Núcleo Urbano” terá em seu
projeto de loteamento a previsão do que denomina de “chácaras lindeiras”, consistindo em
áreas maiores destinadas a serem desmembradas da matrícula originária do Núcleo Urbano e
costume da época.
A Prefeitura Municipal até hoje não possui um banco de terras, sendo que as poucas
informações existentes encontram-se dispersas na Secretaria Municipal de Obras, Transporte
e Urbanismo (SEMOB), sendo necessário para compreender o processo de ocupação da
cidade, a partir deste ponto, realizar o caminho reverso. Considerando que há I) o registro do
loteamento denominado núcleo urbano, II) a doação de uma área ao Município de Conceição
do Araguaia destinada a “Regularização da Vila Redenção”, o que nos permite afirmar que
antes mesmo da emancipação já havia se identificando um processo de ocupação espontânea
de área pública bem como a necessidade de regularizá-lo.
O que resta evidenciado é que exatamente como a terra se torna mercadoria em 1850,
com o advento da Lei de Terras, passados mais de cem anos, a natureza e a terra serão
mercantilizadas no Araguaia paraense. A intervenção pública ocorrerá nesta região para
organizar os interesses privados de concentração e acumulação de capital.
A esfera de relações sociais preexistentes serão suplantadas por uma nova regulação
do Estado consagrada segundo o ideário burguês da propriedade privada, entretanto, esta
propriedade privada estará sempre a serviço do capital e sua sanha pela dominação fundiária.
O capital consolidado do centro sul do país encontra agora uma nova fronteira para sua
expansão, consolidando rapidamente uma nova relação com a terra: não mais a de produção
de valores de uso mas a de produção do capital.
O poder político institucionalizado na figura do Governo do Estado se caracterizará
pela reprodução do modelo de concentração de terras que acarretará em um segundo momento
69
na ocupação desordenada e excludente espaço urbano de Redenção, lembrando que o
Governo do Estado recebeu o requerimento de título provisório – convertido posteriormente
em definitivo – quando o povoado de Redenção já passava por um crescimento exponencial,
contando com inúmeros moradores.
Tal qual o processo de ocupação espontânea de terras públicas rurais – seja no regime
das sesmarias, no regime de posses, no da Lei de Terras ou mais recentemente com as frentes
pioneiras – tradicionalmente é realizada pelos detentores do capital e dificulta o acesso à terra
ao invés de ampliá-lo, também a ocupação das terras públicas de Redenção é realizada por
quem tem grande poderio econômico.
A falta de regulamentação do Poder Público e o apossamento, portanto, via de regra,
produzem espaços segregacionistas, que criam ou reforçam estruturas de poder. Isso é
altamente perceptível na ocupação do espaço urbano de Redenção.
Exatamente da mesma forma que estas estruturas de poder garantem que o pequeno
produtor rural só consiga o apossamento de terras nos limites das áreas ocupadas, como
demonstra Faoro (2001) em relação ao Brasil imperial e Treccani (2001) em relação a
ocupação recente do Estado do Pará, esta população será novamente excluída quando migra
para os núcleos urbanos.
Necessário agora descrever o que ocorreu com a área remanescente e objeto de doação
pelo Governo do Estado ao Município, com fins específicos para que se procedesse a
Regularização Fundiária, conforme consta no Título Definitivo de n.º 000949.
70
5 A REGULARIZAÇÃO FUNDIÁRIA URBANA DE REDENÇÃO SEGUNDO A
LEI MUNICIPAL 11/83
Ante este cenário, o Poder Público cria um problema com o qual ele mesmo terá que
lidar: a regularização fundiária – inclusive dominial – de terras que outrora foram suas.
Tão logo o município é emancipado cuida-se de organizar a estrutura administrativa da
nova Prefeitura Municipal, o que é feito através da Lei Municipal 06 de 05 de maio de 1983.
Referida lei criará em seu artigo 1º, inciso VI a constituição do Serviço de Obras, Urbanismo
e Terras Patrimoniais. Posteriormente, o artigo 7º, inciso III da mesma lei atribui a esta
Secretaria a responsabilidade pela “administração das terras patrimoniais do Município”.
Sequencialmente surge a Lei Municipal 08/1983 que “estabelece o lote padrão do
Patrimônio Municipal”, indicando aqui não apenas aqueles bens imóveis que compunham o
patrimônio municipal, mas todo e qualquer imóvel situado na circunscrição do Município.
Para tanto, dispõe em seu artigo 1º que “o lote padrão na Zona Urbana do Município” terá
15,00 metros de testada e 30,00 metros de comprimento. No artigo 2º estabelece que “o lote
padrão na zona rural do Município será de 24 (vinte e quatro hectares)” e no artigo 3º
estabelece que a Lei entrará em vigor quando da publicação.
Desta feita, a Lei passa integrar o ordenamento como se viesse a regular situação apta
a planejamento e de área completamente desocupada, sendo, mesmo para tanto, um tanto
quanto sucinta, deixando de dispor sobre questões básicas como o chanfro para lotes de
esquina. Entretanto, o que mais a distancia da realidade é o fato de não dispor absolutamente
nada sobre as situações já consolidadas: os lotes anteriores a ela e com metragem diferente,
serão anistiados? Terão que se adequar? Haverá compensação para tanto? A lei silencia
completamente.
Ainda no ano de 1983, na data de 13 de outubro, vem a luz a Lei Municipal 11/83 que
“Disciplina a alienação das terras patrimoniais do Município de Redenção, dispõe sobre a
cobrança da Receita Imobiliária e dá outras providências”. Será a primeira lei geral capaz de
atender ao objetivo de Regularização da gleba patrimonial objeto do Título Definitivo de n.º
000949. Antes dela, duas outras Leis haviam cuidado de alienações com fins específicos e
determinados. A Lei 09/83 autorizou o Poder Executivo a doar área de terra destinada a
construção de supermercado da Companhia Brasileira de Alimentos – COBAL. Curiosamente
o artigo 2º da Lei 09/83 afirma que “do título de doação deverá constar cláusula de reversão
do imóvel doado, de acordo com o que preceitua a Lei de Terras do Município”, sem,
71
contudo, que exista referida Lei. Além dela, a Lei 10/83 autorizou o Poder Executivo a doar
área de terra para a Polícia Militar do Estado do Pará e igualmente faz referência – em seu
artigo 3º - à inexistente Lei de Terras municipal.
Enfim, será a Lei 11/83 a primeira a dispor sobre a alienação de terras de maneira
geral e não com fins para doação específica, será também a lei utilizada pelos próximos 20
anos, até 2013, quando o Município criou sua primeira Lei Municipal voltada especificamente
para a regularização fundiária, como veremos logo adiante.
5.1 Instrumentos para Regularização Dominial Segundo a Lei Municipal 11/83
Logo em seu Titulo I, Capítulo Único, o artigo 1º da Lei Municipal 11/83 dispunha
que “as terras do patrimônio do Município de Redenção, poderão ser alienadas através de
doação onerosa, venda, aforamento, permuta e concessão do direito real de uso.”
O que se percebe logo de início é que a regularização fundiária tratava-se de mera
titulação dominial. Discorre-se a seguir sobre cada um dos instrumentos desta lei bem como
suas peculiaridades.
5.1.1 Doação Onerosa
A doação onerosa, disposta no capítulo I do Título II, determinava que as terras do
patrimônio municipal só poderiam ser doadas a entidades federais, estaduais, municipais ou
particulares, desde que reconhecidas como de utilidade pública. (Art. 3º)
A doação onerosa dependia ainda de autorização legislativa e avaliação (Art. 5º) e os
terrenos ficariam gravados com título de inalienabilidade, salvo se a doadora entendesse que a
alienação não implicava em continuidade de fins e objetivos que justificaram a doação ou se
tratar de entidade pública federal, estadual ou municipal. (Art. 6º)
Deveria constar no título as condições sob as quais foi concedida a doação e a cláusula
de reversão do imóvel ao patrimônio Municipal, caso não se iniciasse a construção de
edificação ou instalação no prazo de 180 e oitenta dias a contar da assinatura do título
definitivo ou em caso de desvirtuamento de seu uso. (Art. 7º c/c Art. 56)
72
5.1.2 Venda
A venda, disposta no Capítulo II do Título II, só se dava mediante licitação pública
nos termos de lei federal, autorização legislativa específica e valores estipulados na própria
Lei 11/83. (Art. 8º)
A forma da licitação deveria ser a concorrência pública (Art. 8º, §1º) e ficava
dispensada a licitação em caso de venda de lotes com dimensões menores ou iguais a do lote
padrão, no caso 450m². (Art. 8º, §2º c/c Lei Municipal 08/83)
A alienação se fazia para a maior oferta acima do preço básico determinado pela Lei
Municipal 11/83, a não ser que houvesse justificação escrita pela autoridade competente
motivando a escolha de proposta que não a de maior preço. (Art. 9º)
Havendo empate nas propostas, tinha preferência o proponente que provasse posse
atual mediante benfeitorias realizadas de boa fé e verificadas in loco por servidores
municipais (Art. 10, I), ou ainda, o “casado em relação ao solteiro, ou viúvo que não seja
arrimo de família; o que tiver maior número de dependentes; se tiverem o mesmo número de
dependentes, o mais velho.” (Art. 10, II)
Da mesma forma que na doação onerosa, devia constar no título definitivo as
condições sob as quais foi realizada a venda e cláusula de reversão do imóvel ao patrimônio
Municipal, caso não se iniciasse a construção de edificação ou instalação no prazo de 180 e
oitenta dias a contar da assinatura do título definitivo ou em caso de desvirtuamento de seu
uso. (Art. 14 c/c Art. 56)
5.1.3 Aforamento
Com previsão no capítulo III do Título II, admitia-se a concessão sob regime de
aforamento desde que presente prévia autorização da Câmara Municipal, dispensada esta para
lotes menores ou igual ao lote padrão do município. (Art. 15 c/c Lei Municipal 08/83)
Caso dois ou mais interessados pleiteassem o aforamento de mesmo terreno (Art. 18),
dar-se-ia prioridade ao que: I) provar ocupação atual mediante benfeitorias realizadas de boa
fé, sem qualquer protesto ou contestação e comprovadas in loco por servidores municipais, II)
provar ocupação mais antiga mediante documentos idôneos e/ou prova testemunhal, III)
houver requerido primeiro.
Tal qual no caso de doação onerosa e da venda, também no aforamento o lote aforado
retornaria ao patrimônio municipal caso não se iniciasse a construção de edificação ou
73
instalação no prazo de 180 e oitenta dias a contar da assinatura do título definitivo ou em caso
de desvirtuamento de seu uso. (Art. 17 c/c Art. 56)
5.1.4 Permuta
Conforme disposto no Capítulo IV do Título II, o município poderia permutar áreas de
seu patrimônio por áreas particulares (Art. 21), desde que houvesse prévia autorização
legislativa (Art. 22). As áreas deveriam ter valores equivalentes, ainda que medidas desiguais
(Art. 23).
5.1.5 Concessão de Direito Real de Uso
A Concessão de Direito Real de Uso, com previsão no Capítulo V do Título II, só
existia na modalidade remunerada, necessitando de lei autorizando a concorrência (Art. 26).
Além disso, seria concedida com fins específicos de urbanização, industrialização, edificação
ou utilização de interesse social segundo estabelecido em lei federal. (Art. 27)
O lote dado em concessão poderia ser alienado por ato inter-vivos ou mediante
sucessão, legítima ou testamentária (Art. 28), sempre registrada em livro próprio no Cartório
de Registro de Imóveis (Art. 30).
Finalmente, tal qual os institutos anteriores, o terreno reverteria novamente ao
patrimônio público municipal caso não se iniciasse a construção de edificação ou instalação
no prazo de 180 e oitenta dias a contar da assinatura do título definitivo ou em caso de
desvirtuamento de seu uso. (Art. 19, Art. 32 c/c Art. 56)
5.1.6 Outras disposições
A Lei em comento dispunha que a Prefeitura Municipal deveria reservar áreas de
acordo com o Plano Diretor do Município destinadas a construção de edifícios públicos,
praças, parques, bosques, hortos ou casas populares (Art. 33).
Dispunha ainda que a Zona Urbana seria dividida em setores diversos, atribuindo-se
valor aos lotes em função do desenvolvimento habitacional e melhorias em cada setor (Art.
38) para realizar então a divisão da cidade em três setores (Art. 39) e estipular os valores para
cada um deles, segundo o instrumento de alienação, venda (Art. 41), aforamento (Art. 43),
concessão (Art. 47) e permuta (Art. 48).
74
Conforme já antecipado pela Lei Municipal 06/83, a Lei 11/83 determina que o órgão
competente para a alienação de terras públicas seria o Serviço de Obras, Urbanismo e Terras
Patrimoniais, a quem cabe a reorganização do Cadastro Imobiliário (Art. 53), verificando a
legalidade dos títulos emitidos anteriormente à Lei (Art. 53, I), a regularização das posses
existentes (Art. 53, II) e o cancelamento de títulos nulos (Art. 53, III).
A Lei 11/83 vai preencher relevante lacuna deixada pela Lei 08/83, determinando que
os lotes com medidas inferiores ao mínimo estabelecido por esta última poderão ser alienados
para convalidar situações de fato ou jurídica anteriores a vigência da Lei Municipal 11/83.
Finalmente, o artigo 58 da Lei 11/83 traz uma aparente restrição a alienação de mais
de um lote para pessoas já beneficiadas por terreno do patrimônio municipal, entretanto, deixa
uma grande margem de discricionariedade ao administrador ao permitir a alienação para
beneficiário anterior quando ocorrer “a conveniência habitacional em áreas a serem
urbanizadas”; além disso, fica autorizado também a alienação de mais de um terreno ao
mesmo beneficiário sempre que os imóveis tiverem usos distintos.
5.1.7 A Lei Municipal 11/83 e a Regularização Fundiária
A Lei Municipal 11/83 trouxe um dispositivo especificamente para atender o disposto
no Título Definitivo de n.º 000949 e que motivou a doação da Gleba Patrimonial, qual seja
realizar a regularização fundiária da área. Assim dispõe o artigo 63:
Art. 63 – Fica o Poder Executivo autorizado a proceder a regularização de
lotes nos quais existam ocupações anteriores a vigência desta lei, desde que feita
com base nos preços aqui dispostos.
É de se reconhecer que a regularização fundiária é um processo lento, oneroso, que
exige grande mobilização do poder público e sociedade civil, de tal forma que ainda hoje
trata-se de tema extremamente inovador e que demanda grandes esforços do Governo Federal
para que tenha algum êxito.
Nestas circunstâncias, é possível concluir que para uma cidade com apenas um ano de
emancipação, a lei estudada foi bastante inovadora, reconheceu em partes a dimensão do
problema e buscou solucionar as dificuldades da vila que se transformou em cidade sem
planejamento e um processo de urbanização que incorporasse os migrantes ao rápido processo
de crescimento urbano e econômico.
75
Faz-se necessário avaliar como a Administração Pública utilizou os instrumentos
disponibilizados pela Lei 11/83, a eficácia da própria enquanto esteve em vigor e a resposta
da sociedade à burocracia necessária em um processo de regularização fundiária,
principalmente em relação à população de baixa renda, tradicionalmente excluída dos
programas de políticas públicas, pelo que realizou-se um estudo de caso a respeito dos
processos de regularização fundiária sob a égide da Lei Municipal 11/83.
5.2 Estudo de Caso da Regularização Fundiária no Município de Redenção sob a
égide da Lei Municipal 11/83
Apesar da disposição legislativa, não há na Secretaria Municipal de Obras, Transporte
e Urbanismo – antigo Serviço de Obras, Urbanismo e Terras Patrimoniais – nenhuma
organização precisa relacionada ao patrimônio público municipal, especialmente referente à
gleba patrimonial constituída a partir do Título Definitivo de n.º 000949 e doado com o fim
específico de que fosse promovida a regularização fundiária, bem como da previsão legal de
que caberia a este órgão a “reorganização do Cadastro Imobiliário” (Art. 53 da Lei Municipal
11/83).
O que há no local são algumas dezenas de armários onde se encontram milhares de
processos individuais de alienação das terras patrimoniais. Todavia, não existe qualquer
sistematização das informações, relatórios gerais ou mesmo dados informatizados, de maneira
que a informação que a Prefeitura dispõe é meramente o perímetro da área que compõe a
gleba patrimonial. Não há sequer a planta geral do município representando com
fidedignidade a sua real ocupação, com a perfeita compreensão de lotes e quadras,
confrontantes e vias de circulação.
Além disso, a prefeitura possui uma série de livros do tipo “Livro Ata” onde são
inscritos manualmente pelos servidores informações acerca dos títulos emitidos. O
procedimento é o seguinte: abre-se um livro para cada bairro da cidade que está dentro do
perímetro da Gleba Patrimonial; cada página tem em seu cabeçalho o indicativo do número da
quadra a que se refere; cada linha daquela página a inscrição de um lote; a frente do número
do lote, se este já tiver sido alienado consta o nome do beneficiário, a data da emissão do
título, o número do processo e o número do título. Estes livros são o mais próximo que se
chegou ao Cadastro Imobiliário descrito na Lei Municipal 11/83.
76
A regularização fundiária na vigência da Lei Municipal 11/83 só era possível em
terrenos compreendidos no perímetro da gleba patrimonial. Mesmo com o advento do
Estatuto da Cidade e da Lei Federal 11.977/09 o Município de Redenção se absteve de
desenvolver qualquer política pública em áreas particulares ou públicas que não
compreendidas na gleba patrimonial municipal. Aliás, mesmo a regularização de terrenos
compreendidos em sua gleba, reitera-se, era realizado de maneira individual, sem um plano ou
política pública de regularização fundiária coletiva.
Sob a égide da Lei Municipal 11/83 a regularização de imóveis compreendidos na
gleba patrimonial se dava em linhas gerais da seguinte forma:
I) O interessado comparecia ao Serviço de Obras, Urbanismo e Terras Patrimoniais –
posteriormente transformada em Secretaria Municipal de Obras, Transporte e Urbanismo – e
preenchia um requerimento onde pleiteava a alienação de determinado imóvel;
II) Um Servidor Público Municipal do órgão realizava uma vistoria ao terreno objeto
do pleito de regularização na tentativa de identificar quadra e lote;
III) Retornando ao órgão, o servidor público municipal realizava uma consulta aos
livros, do tipo ata, onde ficam inscritos a relação de títulos emitidos, caso houvesse a
indicação de emissão anterior de título definitivo, o processo era encerrado; caso ainda não
constasse no livro a emissão de nenhum título, dava-se início aos demais procedimentos, que
sofriam algumas variações segundo cada gestão, das quais trataremos logo adiante;
IV) Concluído os procedimentos, realizava-se a emissão do título e inscrevia-se no
respectivo livro.
Para realizar o estudo de caso, como não há no Órgão Público uma organização
cronológica de processos, em uma busca nos arquivos escolheu-se aleatoriamente quinze
processos de diferentes bairros e diferentes anos, com o intuito de compreender como cada
gestão buscou dar efetividade à Lei Municipal 11/83.
A Lei Municipal 11/83 foi um tanto concisa acerca da regularização fundiária das
ocupações anteriores a sua edição, trazendo como única exigência que se realizasse tomando
por base os preços nela dispostos, além, é claro, de que se tratasse de ocupação anterior a sua
vigência, sem trazer, todavia, prazo mínimo de ocupação.
Além disso, a lei não determina quais seriam os documentos aptos a provar a
ocupação, dando uma grande discricionariedade tanto à Administração Pública de realizar a
avaliação quanto ao ocupante de pleitear seu direito.
77
Uma descrição mais detalhada de cada processo, com as informações acerca dos
documentos que o acompanham e peculiaridades encontra-se no Apêndice I, além de uma
tabela com a sistematização dos dados constante no Apêndice II.
Após o estudo de caso realizado, é possível afirmar que nenhum dos processos
analisados buscou demonstrar esta ocupação anterior a vigência da Lei, o que implica em
grave infringência à Lei, já que a alienação de terras públicas necessitaria de autorização
legislativa, estando previamente autorizado o gestor a realizar a alienação apenas nos casos
em que o terreno público já estivesse ocupado quando da edição da Lei Municipal 11/83.
Além disso, grande parte dos processos instruídos não contam com cópia de qualquer
documento pessoal do Requerente, apenas sua assinatura no Requerimento, o que poderia
permitir um alto índice de fraudes. Dos quinze processos analisados, apenas quatro eram
acompanhados de algum documento pessoal do Requerente.
Igualmente, mais da metade dos processos avaliados não possuem um croqui, e os que
possuem ainda assim são levantamentos topográficos bem precários e individuais, não
permitindo um planejamento urbano e uma análise do espaço geográfico. A existência da lei e
sua inobservância neste caso não contribuem em nada para transformar e planejar a produção
do espaço urbano.
Cabe ressaltar ainda que da edição da Lei Municipal 11/83 até a edição da Lei
Complementar Municipal 66/2013 houve alterações extremamente significativas no
ordenamento jurídico, especialmente a nova Assembleia Nacional Constituinte, que deu
origem a uma nova ordem constitucional democrática através da Constituição Federal de
1988; a Lei Orgânica Municipal, verdadeira Constituição do Município; a edição de nova lei
de Licitações, Lei Federal 8.666/93; a edição do Estatuto da Cidade, Lei Federal 10.257/2001,
com previsão da obrigatoriedade da criação do Plano Diretor para municípios do porte de
Redenção, com uma série de exigências específicas além de inovações no que concerne à
regularização fundiária e a própria Lei Federal 11.977/2009, maior inovação legislativa no
tema regularização fundiária. Porém, em Redenção, o processo de regularização fundiária
continuou se dando sob a tutela da Lei Municipal 11/83 como se o ordenamento jurídico não
tivesse sofrido alteração alguma.
Apesar de ficar dispensada a licitação em imóveis com dimensões menores ou iguais
ao lote padrão (Art. 8º), alguns processos que atendiam este requisito possuíam edital de
licitação, ainda que não tenha maiores dados que demonstrem que esta licitação de fato
ocorreu e não se tratou de mera formalidade. Demonstrando que o servidor público estava
muito mais atento ao costume do que a lei.
78
A maior parte dos processos analisados (73%) contam com comprovante de
pagamento da alienação nos autos, entretanto, a grande maioria (86%) dos processos não
possuem cópia dos títulos emitidos, o que impossibilita um controle da Administração Pública
sobre o disposto no Art. 56 da Lei Municipal 11/83, que cuida da reversibilidade do terreno ao
patrimônio público caso descumprida cláusulas da alienação.
Finalmente, quase a totalidade dos processos, treze dos quinze processos analisados,
possuem um documento denominado “Autorização” onde um particular autoriza o Poder
Público a titular em nome de terceiro imóvel que é de propriedade do próprio Poder Público.
Não há maiores esclarecimentos acerca do que seria essa autorização, nem a qualificação e
relação do autorizador com o Poder Público. Há apenas um local para o emitente da
autorização assinar, muitas vezes este local possui abaixo a indicação de que o autorizador
seria também “proprietário” da área e por vezes existia apenas uma rubrica, impossibilitando
a identificação do emitente da aludida autorização.
Ante a inexistência de maiores informações, contatou-se a Secretaria Municipal de
Obras, Transporte e Urbanismo (SEMOB) da Prefeitura Municipal de Redenção para que
esclarecesse de que cuida o referido documento. Assim, uma servidora do setor informou que
até o advento da Lei Complementar Municipal 66/2013, e a consequente alteração nos
procedimentos de regularização fundiária, se fazia necessário que fosse emitida autorização
pela pessoa responsável pelo loteamento. Esta pessoa responsável seria uma espécie de
loteador. Com a condição de não ser identificada, a servidora pública prestou o seguinte
depoimento:
Podia ser porque ela chegou aqui no início da fundação de Redenção e tinha
uma chácara e o loteamento foi realizado na chácara dele, ou porque foi ele que
abriu o loteamento, as ruas. Na época a Prefeitura não tinha patrol e máquinas para
fazer isso, então, quem tinha, se candidatava, falava com o Prefeito, com o
Secretário, ele disponibilizava uma área e abria. Quase sempre metade ficava para a
Prefeitura, que doava os lotes, e metade para quem abriu. As vezes a pessoa tinha
uma amizade maior e ficava com um pouco mais, mas era difícil, normalmente era
só metade mesmo, porque o prefeito tinha que fazer a política dele também e quanto
mais lotes para doar melhor.
Questionada acerca dos procedimentos para escolha, respondeu:
Não tinha escolha, nada disso não. A pessoa pedia e ganhava. Lote naquela
época não valia nada, pode olhar aí nos valores dos títulos. Tinha muita terra, a briga
maior era para ficar perto da Araguaia (Avenida Principal). Mas muitas vezes
também nem pedia, quando era época do ouro e chegava muita gente, abria a rua de
noite e de dia já estava tudo cheio, gente cercando, levantando barraco. Capuava,
Santos Dumont, teve vezes do dono do loteamento fazer um planejamento, indicar
quais terrenos que iria ficar e quais que iria dar para a Prefeitura e depois ter que vir
aqui falar com o prefeito que ia ter que ser diferente porque já tinham invadido tudo.
79
Procurado um dos responsáveis por esta espécie de loteamento ele deu outra visão:
Tinha que ter uma proximidade com o Prefeito, porque a gente abria as
ruas, passava a patrol, mas dependia da prefeitura para ter algum valor. Você vê o
Jardim Ariane, pertinho da Araguaia e não vale nada até hoje. A prefeitura não fez
nada lá, não abriu escola, não tinha hospital, posto de saúde, comércio, nada. Agora
o Capuava, lá no fundão, o Capuava III, desde aquela época vale mais do que muito
bairro, porque o prefeito foi colocando hospital para lá, escola grande. Não tem
ônibus aqui, como a pessoa vai morar longe de onde o filho estuda?
Eu podia ter aberto em qualquer lugar aí, mas eu escolhi abrir onde abri
porque ficou entre o loteamento do Luiz Vargas (Núcleo Urbano) e a Avenida
Araguaia. Se você olhar no mapa, o meu era para ser um dos mais valorizados. Mas
aí veio isso. O que os prefeitos colocaram ali? Nada! Uma escola, mas perto da
Araguaia também. Lá no fundo até hoje tem terreno vazio. Me enojei da política
também e ficou sem calçamento, sem nada. Aí não valorizou.
O que se percebe assim é uma relação intrínseca entre o loteador clandestino, em áreas
públicas mesmo, e o Poder Público Municipal. Este dependia daquele em razão de, em tese,
não possuir condições financeiras nem equipamentos para arcar com o processo de
urbanização, arruamento, etc., mas aquele dependia do Poder Público para que tivesse sua
área valorizada. A forma aleatória como as pessoas eram agraciadas e se tornavam
“loteadoras” informais, sendo contempladas com áreas públicas, também fere gravemente
princípios basilares do Direito, especialmente legalidade e impessoalidade.
Questionada acerca dessa situação a servidora pública do departamento de obras
respondeu:
Ah, eu não lembro disso não! Também eu comecei a trabalhar aqui no final
da gestão do Arcelide (Arcelide Veronese, primeiro prefeito de Redenção, 1983-
1988), eu era menininha, ficava só atendendo ali na frente, buscando uma
correspondência ou outra. Mas naquela época não tinha disso não. Não tinha nem
delegacia em Redenção, matava alguém tinha que ir lá em Marabá atrás de delegado.
Só ia quando era alguém importante, se não enterrava e ficava por isso mesmo.
Imagina que alguém ia se preocupar com terreno. Outra, ninguém imaginava que
Redenção ia dar isso tudo não. Ninguém pensava vir para cá para morar. Todo
mundo vinha sonhando em ficar rico e ir embora. Então, ninguém ligava para lote,
essas coisas. Se contasse que dali 20 anos ia abrir o Buriti (Loteamento aberto já na
primeira década do Séc. XXI) e lote ia ser vendido a preço de carro iam achar que
você tava delirando.
Tentando identificar a assinatura de uma das autorizações chegou-se a sobrinha de
outro destes loteadores, que relatou:
Foi o meu tio quem abriu esse loteamento. Na época só a empresa dele e do
meu pai que tinha patrola. Me lembro de ir com ele na patrola abrindo o local, as
árvores caindo. Comíamos o palmito in natura, muito bacana, lembranças
maravilhosas de minha infância. Como só a empresa dele e do meu pai tinham
80
máquinas, ele abriu as ruas para alguém, não lembro quem, e ganhou essa área como
pagamento. Aí loteou também.
O que se percebe desta forma é que uma grande informalidade marcou o processo
inicial de urbanização de Redenção. A falta de documentos torna extremamente difícil
compreender a produção do espaço urbano e a ocupação do espaço pelas diversas classes
sociais. A partir de alguns depoimentos de agentes que contribuíram para esta organização
espacial notam-se indícios de que as diferenças econômicas foram sendo reproduzidas na
construção do espaço urbano e a relação que o loteador tinha com o poder público foi fator
preponderante para a realização posterior de obras de infraestrutura, tornando a área mais ou
menos densa e mais ou menos valorizada financeiramente.
Todavia, se o baixo valor agregado à terra quando do início da ocupação de Redenção
e sua emancipação, aliado a ausência do Poder Público estadual e federal e suas instituições
na cidade explicam a informalidade inicial da forma como a cidade foi loteada e ocupada,
causa estranheza o fato de como este costume se reproduziu. Chega mesmo a ser inexplicável
como mesmo ante a presença de instituições como o Poder Judiciário e o Ministério Público
Estadual, além das sucessivas alterações na legislação estadual e federal, manteve-se essa
lógica do Poder Público Municipal conceder Título Definitivo apenas mediante estas
autorizações de particulares.
Até o ano de 2012, imediatamente anterior a Lei Municipal 66/2013 que altera o
processo de regularização fundiária urbana no Município de Redenção, os processos de
regularização fundiária foram acompanhados de tais autorizações, ainda que, obviamente,
nenhum dispositivo legal cite e muito menos fundamente tais procedimentos.
81
6 O ADVENTO DA LEI COMPLEMENTAR MUNICIPAL 66/2013 E A NOVA
POLÍTICA MUNICIPAL DE REGULARIZAÇÃO FUNDIÁRIA
Como se viu, a regularização fundiária em Redenção sob a tutela da Lei Municipal
11/83 era mera regularização dominial, não havendo qualquer perspectiva sobre um processo
que viesse a implementar melhorias urbanísticas, de infraestrutura e serviço público.
Além disso, era realizada isolada e individualmente, segundo o requerimento do
interessado, que deveria saber de antemão da possibilidade de regularização, além de ser
possível apenas em áreas da gleba patrimonial, compreendida pelo Título Definitivo de n.º
000949.
Da mesma forma, os instrumentos por ela disponibilizados estavam extremamente
defasados, ignorando o advento de importantes diplomas legislativos, desde a Constituição
Federal de 1988, que cria uma nova ordem constitucional democrática, até a Lei 11.977/2009
que amplia a dimensão e possibilidades de regularização fundiária.
Com base nisso e sob intensa pressão da sociedade civil, o Poder Executivo encaminha
para a Câmara Municipal o Projeto de Lei que dá origem ao “Plano Municipal de
regularização fundiária, Ocupação e Uso da Propriedade Urbana do Município de Redenção”,
publicado em 28 de junho de 2013, como Lei Complementar Municipal 66/2013.
6.1 Principais Disposições da Lei Complementar Municipal 66/2013
A Lei Complementar Municipal 66/2013 é um grande avanço legislativo desde logo
porque demonstra que o Município concebe seu papel como principal ente federado apto a
promover a regularização fundiária e a importância desta não apenas para assegurar o direito à
moradia da população de baixa renda mas para integrar os diversos parcelamentos de solo
existentes na cidade, criando um planejamento urbano onde os bairros e pessoas possam
coexistir. Diz a ementa da Lei:
Cria o Plano Municipal de Regularização Fundiária, Ocupação e Uso da
Propriedade Urbana do Município de Redenção, para fins de Regularização
Fundiária de Interesse Social ou Regularização Fundiária de Interesse Específico e
uso da propriedade urbana em consonância com sua função social.
82
Há que se analisar agora se a Lei 66/2013 foi capaz de dar uma resposta a tradição de
loteamentos informais e no mais das vezes ilegais advindos do processo de urbanização
intensivo e explosivo que foi submetida a cidade de Redenção.
O Plano Municipal de Regularização Fundiária fará uma distinção entre os objetivos
(Art. 2º), princípios (Art. 3º) e diretrizes (Art. 5º). Em uma análise conjunta dos objetivos,
princípios e diretrizes podemos observar que a Lei Complementar Municipal 66/2013, terá
como fundamentos:
I) a já consagrada função social da propriedade, tratada aqui expressamente
tanto nos objetivos (Art. 2º, III), quanto nos princípios (Art. 4º, I), mas além disso,
implicitamente em diversas passagens, como quando por exemplo afirma a
preponderância do direito de moradia sobre o direito de propriedade (Art. 4º, II), ou
quando preocupa-se em “promover a titulação das áreas ocupadas por pessoas de baixa
renda” (Art. 5º, II) e a “fixação de raízes na comunidade e melhor ocupação do espaço
urbano” (Art. 5º, III) ou “inibir a especulação imobiliária em relação às áreas urbanas,
evitando o processo de expulsão dos moradores” (Art. 5º IV);
II) a atribuição de direitos reais seguros e transacionáveis, assim disposto
expressamente nos objetivos (Art. 2º, II e IV), princípios (Art. 4º, VI) e diretrizes (Art.
5º, XI);
III) o desenvolvimento de uma regularização fundiária sustentável, ainda que
não dita expressamente, resta claro quando traz como objetivo, por exemplo, que o
princípio da função social da propriedade seja aliado “ao equilíbrio ambiental, ao
projeto urbanístico municipal, à implantação de políticas públicas de ocupação do
espaço urbano” (Art. 2º, III), ou quando traz como princípios o “controle efetivo da
utilização do solo urbano” (Art. 4º, III) e a “preservação do meio ambiente natural e
construído” (Art. 4º, IV), ou quando coloca como uma de suas diretrizes “articular os
setores de habitação, saneamento ambiental e mobilidade urbana, nos diferentes níveis
de governo” (Art. 5º, V);
IV) o planejamento urbano, expressos nos objetivos quando demonstra
preocupação com o “projeto urbanístico municipal” e “implantação de políticas
públicas de ocupação do espaço urbano” (Art. 2º, III), trazidos também nos princípios,
quando afirma dentre eles “o controle efetivo da utilização do solo urbano” (Art. 4º,
III) e a “a implementação de políticas públicas de ocupação do espaço urbano” (Art.
4º, V), e presente também em algumas diretrizes, como a mobilidade urbana (Art. 5º,
83
V), a “fiscalização para evitar novas ocupações irregulares na área urbana” (Art. 5º,
VI);
V) a democratização da cidade, presente especialmente em determinadas
diretrizes, como quando afirma “a titulação das áreas ocupadas de longa data,
incentivando o assentamento da população no município de Redenção, além da
fixação de raízes na comunidade e melhor ocupação do espaço urbano” (Art. 5º, III),
estimular parcerias entre os setores público e privado para o desenvolvimento
socioeconômico, geração de emprego e renda (Art. 5º, IV), “inibir a especulação
imobiliária em relação às áreas urbanas, evitando o processo de expulsão dos
moradores” (Art. 5º, VII), “incentivar a participação comunitária no processo de
urbanização e regularização fundiária” (Art. 5º, VIII) e “respeitar a tipicidade e
características das áreas quando das intervenções tendentes à urbanização e
regularização fundiária” (Art. 5º, IX).
Considerando o exposto, vamos buscar realizar a análise da Lei sob o prisma destes
fundamentos, para ao cabo identificar se de fato foram perseguidos para a implementação do
Plano Municipal de Regularização Fundiária e se foram dadas condições para que eles fossem
alcançados ou se foi mera técnica legislativa.
A partir da Lei Complementar Municipal 66/2013, conforme disposto no Art. 6º, a
responsabilidade pelos processos de regularização fundiária deixa de ser da Secretaria
Municipal de Obras, Transporte e Urbanismos (SEMOB) e passa a ser do Instituto de
Pesquisa, Planejamento Urbano e Desenvolvimento Sustentável do Município de Redenção
(IPPUR), órgão municipal de natureza autárquica, com personalidade jurídica, autonomia
administrativa, financeira e patrimônio próprio, criado pela Lei Complementar 059/2011.
Ainda, os projetos de regularização fundiária poderão ser propostos por (Art. 6º) I –
organizações sociais e organizações da sociedade civil de interesse público, com titulação
cedida pelo Governo Municipal; II – entidades civis constituídas com a finalidade de
promover atividades ligadas ao desenvolvimento urbano ou à regularização fundiária; III – as
cooperativas habitacionais e associações de moradores; IV – os seus beneficiários,
coletivamente; V – o setor privado, no âmbito das estratégias definidas pela legislação
urbanística municipal; VI – o responsável pela implantação do assentamento informal.
Além disso, a ordem de tramitação dos processos dentro do órgão tramitarão com
prioridade segundo o ente proponente em detrimento da data do protocolo, assim, um
processo protocolado por uma OSCIP teria prioridade em um processo protocolado pelo setor
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privado, o que pode ser uma opção interessante, mas deveriam os beneficiários quando
propusessem o projeto coletivamente gozar de melhor status na prioridade de tramitação.
Ficou a cargo do órgão também indicar “as Áreas de Interesse Social (AIS), Áreas de
Interesse Específico (AIE) e Áreas em Processo de Ocupação (APO).” (Art. 6º, Parágrafo
Quarto).
Manteve-se a ideia da Lei Municipal 11/83 de que ficaria o executivo dispensado de
autorização legislativa para realizar a alienação de áreas ocupadas quando da promulgação da
lei, mas ampliou-se o instituto permitindo expressamente inclusive que o mesmo realize a
desafetação, caso a área já tivesse destinação legal certa (Art. 7º).
Inicialmente, seria competência do IPPUR a criação de um Banco Imobiliário do
Município, onde deveria constar, dentre outros dados, I – a localização e a área; II – a
respectiva matrícula no registro de imóveis competente; III – o tipo de uso; IV – a indicação
da pessoa física ou jurídica à qual, por qualquer instrumento, o imóvel tenha sido destinado;
V – o valor atualizado, se disponível; VI – os dados fiscais constantes no banco de dados da
Fazenda Pública (Art. 11).
Este Banco Imobiliário trata-se assim de uma base de dados muito mais ampla e
completa do que o Cadastro Imobiliário de que dispunha a Lei Municipal 11/83, todavia,
quando da remoção do Banco de Dados da SEMOB houve indisposição entre os órgãos e
promoveu-se alteração legislativa indicando a permanência do Banco de Dados na SEMOB, o
que causa uma certa estranheza.
Sobrepesa o fato que desde a edição da Lei até a presente data não houve a
implantação do Banco Imobiliário, não tendo o Poder Público Municipal, como já afirmado,
dados precisos acerca da ocupação da gleba patrimonial e do espaço urbano do Município. O
mais próximo que se chega a isso é o cadastro do Departamento de Tributos que é, entretanto,
auto declaratório, não contendo o registro de dezenas de imóveis.
A declaração da espécie da Área, tendo sua divisão tripartite indicada já no Art. 2º,
inciso I, entre Áreas de Interesse Social (AIS), Áreas em Processo de Ocupação (APO) ou
Áreas de Interesse Específico (AIE), “tem como finalidade principal indicar quais são os
instrumentos preferenciais para a atribuição do título de direitos reais aos seus ocupantes”,
segundo o disposto no Art. 13. Ainda, esta classificação tomaria por base a ocupação
preponderante, “entretanto, não fica impedido que o ocupante de determinada parcela do
território urbano que não atenda os requisitos para enquadrar-se na área declarada pelo poder
público busque a regularização fundiária através de instrumento diverso constante nesta
mesma lei”, ainda segundo o caput do Art. 13.
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Segundo esta divisão “as Áreas de Interesse Social (AIS) terão como principal
instrumento para a atribuição de títulos de direitos reais a Doação” (Art. 13, Parágrafo
Primeiro); “as Áreas de Interesse Específico (AIE) terão como principais instrumentos a
Venda” ou a Concessão de Direito Real de Uso (Art. 13, Parágrafo Segundo) e “as Áreas em
Processo de Ocupação (APO) terão como principal instrumento a Concessão de Uso Especial
para Fins de Moradia” (Art. 13, Parágrafo Terceiro).
O processo de regularização fundiária agora deverá ser instruído de maneira muito
mais completa do que quando da tutela da Lei Municipal 11/83, segundo o Art. 14 da nova
lei, além do auto de demarcação, o levantamento da da área e cadastro dos ocupantes, deverá
ser instruído, no mínimo, com:
I – levantamento topográfico georreferenciado das áreas e lotes
enquadrados, contendo:
a) implantação de marco geodésico em local estratégico;
b) planta geral em modo digital e impresso em escala compatível com a
perfeita compreensão de lotes e quadras do micro parcelamento a ser regularizado;
c) confrontantes;
d) memorial descritivo da área a ser micro parcelada;
e) memorial descritivo de quadras e lotes individualizados;
f) croqui individualizado de quadras e lotes;
II – vias de circulação;
III – medidas para promoção de sustentabilidade urbanística, social e
ambiental;
IV – estudo de impacto ambiental (EIA) elaborado por engenheiro
ambiental regularmente credenciado;
V – segurança da população em situação de risco;
VI – adequação da infraestrutura urbana.
VII – cadastro dos ocupantes, do qual conste a natureza, qualidade e tempo
da posse exercida, acrescida das dos antecessores, se for o caso, contendo perfil
socioeconômico.
VIII – planta de sobreposição do imóvel demarcado com a situação da área
constante do registro de imóveis, quando identificada transcrição ou matrícula do
imóvel objeto de regularização fundiária;
IX – certidão da matrícula ou transcrição relativa à área a ser regularizada,
emitida pelo registro de imóveis competente e das circunscrições imobiliárias
anteriormente competentes, quando houver;
X – certidão passada pelo ente municipal competente de que a área pertence
ao patrimônio do Município, se for o caso;
Se por um lado as medidas são relevantes para atingir o que a lei se propõe, por outro
o detalhamento do projeto torna quase impossível que o projeto de regularização fundiária
seja proposto sem contar com o apoio do Poder Público, especialmente nos assentamentos
ocupados predominantemente por famílias de baixa renda.
A grande inovação, todavia, ficará por conta da nova lei tratar a regularização
fundiária de maneira mais ampla e geral, não mais apenas como fazia a lei anterior, que
cuidava apenas da regularização fundiária na gleba patrimonial. Ainda que nesta ânsia a Lei
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Complementar Municipal possivelmente tenha incorrido em inconstitucionalidade formal,
quando legisla acerca de direito notarial e registrário, nos artigos 15 à 19 da lei, já que o Art.
22, XXV da Constituição Federal determina que é competência privativa da União legislar
sobre registros públicos. Todavia, esta possível inconstitucionalidade formal não traz maiores
prejuízos ao escopo da lei e ao Plano Municipal de Regularização Fundiária, pois a Lei
Municipal 66/2013 se limitou a repetir o disposto na Lei Federal 11.977/2009.
Em relação a regularização urbanística da área, dispõe a Lei Complementar Municipal
66/2013 em seu artigo 20 que a partir do registro do auto de demarcação, o Poder Público
deve elaborar Projeto de regularização fundiária com viés urbanístico. Entretanto, não vai
muito além disso, de maneira que acerca da regularização urbanística propriamente dita a Lei
Municipal praticamente não inovou em relação a Lei Federal, limitando-se a
procedimentalizar o trâmite que o projeto urbanístico terá na esfera municipal.
Quanto a divisão tripartite anteriormente apresentada entre Áreas de Interesse Social
(AIS), Áreas de Interesse Específico (AIE) e Áreas em Processo de Ocupação (APO), a Lei
tratará nos capítulos II, III e IV do Título III.
Segundo as características fundamentais de cada área, para ser considerada Área de
Interesse Social, a ocupação predominantemente deverá: I) ter mais de cinco anos
considerando como termo final para contagem do prazo o dia 01 de julho de 2013; II) os
beneficiários possuírem renda familiar mensal inferior a 5 (cinco) salários mínimos; III) os
beneficiários não devem ser possuidores, concessionários, superficiários ou proprietários de
outro imóvel urbano ou rural, exceto os proprietários de pequena propriedade rural; IV) não
devem colocar em risco a integridade de áreas de uso comum, relacionadas à segurança
pública ou nacional, de preservação ambiental, reservas indígenas, comunidades
remanescentes de quilombos, das vias de comunicação e das áreas reservadas para construção
de hidrelétricas ou congêneres.
As Áreas de Interesse Específico (AIE), prevista no Capítulo IV, são aquelas que
basicamente não se enquadram como Área de Interesse Social (AIS) nem como Área em
Processo de Ocupação (APO), todavia importam ao Poder Público Municipal, com fins
habitacionais, visando “melhora na condição de vida da população” ou com fins empresariais,
no intuito de “gerar emprego e renda, buscando a inserção de todos no sistema
socioeconômico”. Devem para tanto ter: I) planejamento da ocupação de maneira a proteger o
meio ambiente natural e construído; II) Plano de densificação e verticalização das
propriedades urbanas; III – Promover o uso adequado da propriedade urbana; IV – Incentivar
a utilização de imóveis não utilizados ou subutilizados para programas habitacionais; V –
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Incentivar a ocupação e densificação do espaço urbano com o intuito de gerar emprego e
renda; VI – Garantir a função social da cidade e da propriedade imobiliária urbana, visando
diminuir a exclusão territorial e ampliar o acesso a bens e serviços do município.
A regularização fundiária no que a Lei Municipal chama de Áreas em Processo de
Ocupação (APO) é que se trata da grande inovação legislativa municipal e se refere na
verdade “aquelas ocupações consolidadas há mais de 01 (um) ano e menos de 05 (cinco)
anos”. Nota-se assim que a Legislação Municipal de fato buscou dar preponderância ao
direito à moradia em detrimento ao direito de propriedade, como referenciou dentre os seus
objetivos, de tal forma, que a princípio só será possível esta regularização em áreas da gleba
patrimonial, todavia, se cuidar de área particular, é possível ainda que o Poder Público desde
logo grave o imóvel para posterior desapropriação. Além disso, permite ao Poder Público
Municipal uma interferência de maneira a ordenar e urbanizar a ocupação já em seu início,
inclusive tornando menos traumática eventual remoção que se mostre necessária.
6.2 Instrumentos para Regularização Dominial Segundo a Lei Complementar
Municipal 66/2013
Ante as considerações apresentadas acerca da Lei Complementar Municipal 66/2013,
nos debrucemos agora sobre os instrumentos jurídicos destinados a regularizar a situação
dominial da posse das áreas ocupadas irregularmente.
Não serão analisados exaustivamente os instrumentos, nem almeja-se uma análise
hermenêutica ou conceitual sobre os mesmos. O intuito é, antes de mais nada, apresentá-los e
contrapor aos trazidos pela lei anterior, a Lei Municipal 11/83, buscando a compreensão
destes instrumentos no processo de regularização fundiária urbano de Redenção, tentando
avaliar a possibilidade ou dificuldade de sua utilização.
Ao contrário da Lei Municipal 11/83, a Lei Complementar Municipal 66/2013 não
trará disposto em um único artigo a forma de transferência de domínio dos bens objeto de
regularização fundiária, entretanto, segundo o Título IV da referida lei, a regularização
jurídica dominial pode se dar pelos seguintes instrumentos: Concessão de Direito Real de Uso
(Capítulo II); Venda (Capítulo III); Doação (Capítulo IV); Superfície (Capítulo V); Concessão
de Uso Especial para Fins de Moradia (Capítulo VI).
Observa-se assim que tem-se como inovação em relação à lei anterior a Concessão de
Uso Especial Para Fins de Moradia e a Superfície, extinguindo-se a permuta e o aforamento –
88
destacando que este último já havia se tornado incabível com o advento do Código Civil de
2002. Além disso, a doação perde agora seu status de doação onerosa.
Em uma análise preliminar já percebemos que os instrumentos presentes na Lei
Complementar Municipal 66/2013 podem se destinar a formalizar o exercício da posse ou a
transferência da propriedade do bem.
A Lei Federal 11.977/2009 e grande parte da doutrina tem uma preferência pela
formalização da posse, com o reconhecimento e atribuição de direitos reais, mas sem a
transferência de propriedade do bem, especialmente quando se trata de áreas públicas. Na Lei
Municipal, todavia, parece preponderar o intuito de transferir a propriedade do bem, conforme
vamos notar na leitura conjunta da lei com os instrumentos de regularização jurídica dominial
por ela estabelecidos.
6.2.1 Concessão de Direito Real de Uso
A Concessão de Direito Real de Uso (CDRU), disposta no Art. 30 da Lei
Complementar Municipal, é o primeiro dos instrumentos trazidos e ao contrário da Lei
anterior, agora a CDRU não é mais necessariamente onerosa.
A CDRU guarda aqui algumas semelhanças com o instituto originário criado pelo
Decreto-Lei 271/1967, especialmente o fato de ser reconhecida como direito real resolúvel e
poder ser por tempo certo ou indeterminado. Por outro lado, se o Decreto-Lei 271/1967
determina que a CDRU pode ser “remunerada ou gratuita”, a Lei Municipal vai afirmar que a
mesma pode ser gratuita ou ter “condições especiais”, o que nos parece melhor técnica
legislativa, já que permite assim ao Poder Público gravar o imóvel com determinadas
condições, sem que isso implique necessariamente em uma remuneração mas sim a imposição
de determinadas condições de uso.
O fato é que ao cabo a CDRU é verdadeiro contrato entre o Poder Público e
particulares, como reconhece o Art. 31 da Lei Municipal e o Art. 7º, § 1º da Lei Federal,
ambos dispondo que a CDRU poderá ser contratada “por instrumento público ou particular. A
Lei Federal, todavia, permite ainda que a CDRU seja contratada “por simples termo
administrativo”, previsão não encontrada na Lei Municipal, que determina ainda que a CDRU
seja “registrada e cancelada no Registro de Imóveis”, diferentemente da Lei Federal que
afirma apenas que a mesma será “inscrita e cancelada em livro especial”, de maneira que
pressupõe-se que este livro especial possa mesmo ficar em poder apenas da Administração
Pública e não necessariamente do Registro de Imóveis.
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O parágrafo primeiro do Art. 31 da Lei Municipal, que trata da fruição do bem e dos
encargos que venham a incidir sobre os imóveis, tem redação idêntica ao parágrafo segundo
do Art. 7º da Lei Federal, assim como o parágrafo terceiro desta, que cuida da resolução do
contrato em caso de destinação diversa pelo particular da que lhe foi dada pelo poder público,
possui redação idêntica ao parágrafo segundo do Art. 31 da Lei Municipal. Da mesma, é
idêntica a redação da possibilidade de transferência do bem por ato inter vivos ou por
sucessão, Art. 31, parágrafo terceiro da Lei Municipal e Art. 7º, parágrafo quarto da Lei
Federal.
Finalmente, parágrafo quarto do Art. 31 determinará que a CDRU terá “caráter de
escritura pública” e será “título de aceitação obrigatória para financiamentos habitacionais”, o
que nos parece indicar mais uma vez que o legislador municipal legislou além de sua
competência, pois ambos os temas são de competência privativa da União. Todavia, mais uma
vez, tal inconstitucionalidade não impediria o intento do legislador, que estaria respaldado
pelo Art. 48 do Estatuto da Cidade que, ainda que com redação diversa, garante o mesmo
escopo.
6.2.2 Venda
A venda vem exposta no Capítulo III do Título IV e diferentemente da CDRU
caracteriza-se por realizar a transferência da propriedade. Diz o Artigo 32 da referida lei:
Art. 32 - Os imóveis dos entes públicos municipais poderão ser alienados
aos próprios ocupantes, mediante autorização expressa do Prefeito, após ação de
identificação, demarcação, cadastramento, registro e fiscalização pelo IPPUR.
Todavia, o referido artigo traz em seus parágrafos uma distinção inconcebível. Afirma
o Parágrafo Primeiro que “habitualmente a venda do domínio pleno ou útil observará” dentre
uma série de requisitos o pagamento do valor de mercado do imóvel, após “avaliação prévia
do imóvel, com três cotações de corretores de imóveis devidamente registrados no órgão
competente”, não podendo o valor das cotações ser inferior ao valor venal do imóvel. Já o
Parágrafo Segundo afirma que caso o imóvel esteja localizado em Área de Interesse Social
(AIS) ou Área de Interesse Específico (AIE) a “venda do domínio pleno ou útil observará” o
valor venal do imóvel e não seu valor de mercado, além do ocupante pagar o valor
correspondente a 30% do valor venal do imóvel para ocupações entre cinco e dez anos e 10%
para ocupações consolidas há mais de dez anos.
90
Questiona-se: a que se destina o parágrafo primeiro? Não sendo a área de interesse
social (AIS) ou específico (AIE) resta unicamente as em processo de ocupação (APO), que
são aquelas que contam com uma ocupação superior a um ano e inferior a cinco quando da
publicação da Lei. Assim, a venda seria instrumento de regularização do domínio também
para áreas recém ocupadas? Não nos parece aqui que o legislador tenha utilizado a melhor
técnica legislativa.
Além disso, há que se lembrar que a Lei de Licitações 8.666/93 autoriza a alienação
onerosa sem o procedimento de concorrência apenas de bens imóveis “destinados ou
efetivamente utilizados no âmbito de programas habitacionais ou de regularização fundiária
de interesse social” (Art. 17, I, f) ou de uso comercial no âmbito local com área de até 250m²
igualmente “inseridos no âmbito de programas de regularização fundiária” (Art. 17, I, h).
6.2.3 Doação
A doação vem disposta no Capítulo IV é voltada eminentemente para a Regularização
Fundiária de Interesse Social. Dispõe o Art. 34 da Lei Complementar Municipal 66/2013:
Art. 34 – Para os fins perseguidos por esta lei, os bens imóveis dos entes
públicos municipais poderão ser doados a:
I – União, Distrito Federal, Estados, fundações públicas, organizações
sociais, organizações da sociedade civil de interesse público e autarquias públicas
federais, estaduais ou municipais;
II – empresas públicas federais, distritais e municipais;
III – fundos públicos nas transferências destinadas à realização de
programas de provisão habitacional ou de regularização fundiária de interesse social;
IV – sociedades de economia mista voltadas à execução de programas de
provisão habitacional ou de regularização fundiária de interesse social; ou
V – beneficiários, pessoas físicas ou jurídicas sem finalidade lucrativa, de
programas de provisão habitacional ou de regularização fundiária de interesse social
desenvolvidos por órgãos ou entidades da Administração Pública, para cuja
execução seja efetivada a doação.
O parágrafo primeiro do Art. 34 autoriza que a doação tenha encargos, inclusive com
prazo para sua realização e desde logo lhe atribui efeito resolutivo, revertendo o imóvel desde
logo para Administração Pública em caso de descumprimento, conforme exposto no parágrafo
segundo do mesmo artigo.
No caso da doação ter sido realizada para o Poder Público, fundações, autarquias,
empresas públicas, fundos públicos e sociedades de economia mista voltadas à execução de
programas de provisão habitacional ou de regularização fundiária de interesse social, fica
vedado “ao beneficiário a possibilidade de alienar o imóvel recebido em doação” salvo se o
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intuito for projeto de assentamento de famílias carentes ou de baixa renda, além disso, caso a
alienação seja onerosa, os valores obtidos com a alienação devem ser revertidos “à instalação
de infraestrutura, equipamentos básicos ou de outras melhorias necessárias ao
desenvolvimento do projeto.”
Finalmente, a doação não é admitida para imóveis com caráter não residencial.
6.2.4 Superfície
O direito de superfície encontra previsão no capítulo V e segundo o Art. 35 poderá ser
instituído de maneira “gratuita ou em condições especiais” e poderá ter “prazo determinado
ou indeterminado”, em flagrante inconstitucionalidade já que ao instituir o direito de
superfície o Código Civil afirma em seu Art. 1.369 que ele terá prazo determinado.
O direito de superfície só é admitido caso haja edificação no imóvel e deverá ser
instituído mediante escritura pública devidamente registrada no Registro de Imóveis,
permitindo a “execução de obras no subsolo, e a ocupação do respectivo espaço aéreo, na
medida necessária à construção das edificações”.
Caso seja instituído de maneira gratuita, deve-se observar o disposto em relação à
doação, respondendo o superficiário pelos encargos e tributos que incidirem sobre o imóvel.
Além disso pode ser transferido por ato inter vivos e sucessório.
Ante os demais institutos e os objetivos traçados pelo legislador o direito de superfície
nos parece um instrumento de uso muito remoto.
6.2.5 Concessão de Uso Especial para Fins de Moradia
A concessão de uso especial para fins de moradia (CUEM) está prevista no Capítulo
VI e trata-se de instituto muito semelhante à CDRU, já que ambas tratam-se de contratos que
formalizam a posse, reconhecendo-a como direito real resolúvel. Assim dispõe a Lei
Complementar Municipal 66/2013:
Art. 41 – A concessão de uso especial para fins de moradia aplica-se aos
terrenos dominicais não-edificados dos entes públicos municipais, e poderá ser
conferida aos possuidores ou ocupantes que, até o dia 01 de julho de 2013, estejam
possuindo como seu, por 12 meses, ininterruptamente e sem oposição, até duzentos
e cinquenta metros quadrados de terreno em área urbana, utilizando-o para sua
moradia, subsistência ou de sua família, desde que não seja proprietário,
superficiário, ou concessionário, a qualquer título, de outro imóvel urbano ou rural.
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A primeira coisa que causa estranheza é a afirmação de que a CUEM aplicar-se-á a
terrenos “não edificados” desde que estejam ocupados há mais de um ano ininterruptamente.
Ora, como é possível se pensar uma ocupação sem edificação? Provavelmente, o que o
legislador quis fazer referência foi a ocupação de terrenos não edificados pelo poder público e
sim pelo próprio ocupante, pois outra interpretação não é possível.
Além disso, a CUEM traz como metragem máxima para concessão a do usucapião
especial, de 250m² e não será reconhecido ao mesmo concessionário mais de uma vez. O
direito é transferido por ato inter vivos ou sucessório, mas caso o herdeiro já resida no imóvel
continuará na posse de seu antecessor.
O título será passível de registro em cartório e extingue-se caso o concessionário dê ao
imóvel destinação diversa da moradia (Art. 44, I) ou adquira a propriedade, superfície ou
concessão de uso de outro imóvel urbano ou rural. (Art. 44, II)
O fato é que a CUEM está de tal forma desfigurada na Lei Municipal que seu uso é
praticamente inconcebível perante os demais institutos por ela disponibilizados. Pode ser
lançada ante as ocupações recentes, tratadas como Áreas em processo de ocupação, mas por
mera discricionariedade do Administrador Público, pois nada o impede que faça uso de outro
instituto, como a própria CDRU.
6.3 Análise Crítica da Lei Complementar Municipal 66/2013 que Instituiu a Nova
Política Municipal de Regularização Fundiária
A regularização fundiária em Redenção antes do advento da Lei Complementar
Municipal 66/2013 era mera regularização jurídica dominial, de maneira que as demais
dimensões da regularização fundiária eram não só ignoradas mas mesmo desconhecidas, além
do fato do processo ser realizado individualmente e não coletivamente.
Sob este prisma, o advento da Lei 66/2013 representou um grande avanço, pois além
de aparentemente conceber a regularização fundiária em todas as suas dimensões, tratará a
regularização como um processo coletivo. Ainda, mesmo acerca da regularização jurídica
dominial a nova lei trará inovações, pois a Lei Municipal 11/83 cuidava da regularização
dominial estritamente dos imóveis do ente público municipal, diversamente a Lei
Complementar Municipal 66/2013 trará modelos normativos compartilhados que permitirão a
regularização jurídica dominial plena, inclusive em áreas particulares.
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Aquele que poderia ser um dos maiores avanços legislativos da Lei Complementar
Municipal 66/2013, a criação da demarcação de áreas denominadas “Área em Processo de
Ocupação - APO”, em contraposição a “Área de Interesse Social – AIS” e “Área de Interesse
Específico -AIE”, acabou se tornando instrumento um tanto estéril, pois a possibilidade de
demarcação de área em processo de ocupação, que seriam aquelas com ocupação recente –
inferior a cinco anos e superior a um ano – acabou limitando-se a um apanhado de
possibilidades que a lei federal já previu para as áreas de interesse social. Parece-nos que a
preocupação maior do legislador municipal aqui foi a regularização jurídica dominial das
ocupações anteriores a ela que ainda não tenham alcançado determinado tempo de ocupação,
o que era um óbice a legislações mais antigas.
É fato que as legislações anteriores, inclusive o Estatuto da Cidade, ao se ater ao
tempo de ocupação trazido pelo usucapião especial urbano, cinco anos, para que a área fosse
passível de regularização, silenciava sobre o que ocorreria com as ocupações que tinham
menos tempo quando da entrada em vigor da lei, criando assim uma dicotomia típica da
realidade legislativa brasileira: em pouco tempo haveriam novas áreas de irregularidade
fundiária que não estariam passível de regularização pela lei em vigor. Todavia, tal questão
começou a ser solucionada já com a Lei Federal 11.952/2009, que trata da regularização
fundiária em áreas compreendidas na Amazônia Legal, contemplando assim o município, e
que permite a regularização fundiária de imóveis com área de até 1.000m² e com um ano de
ocupação. Além disso a Lei Federal 11.977/2009 trouxe a figura da Legitimação da Posse,
que permite a regularização jurídica dominial de imóveis com até 250m² e qualquer tempo de
ocupação, convertendo-se em registro de propriedade após decorridos cinco anos de seu
registro.
A nova lei municipal tem cinco pilares de sustentação que permeiam todo o texto: I) a
função social da propriedade; II) a atribuição de direitos reais seguros e transacionáveis; III) a
regularização fundiária urbana sustentável; IV) o planejamento urbano; V) a democratização
da cidade. Todavia, faltou a lei dialogar com o ordenamento jurídico municipal, não se faz
referência, por exemplo, ao plano diretor municipal, importante instrumento para o
planejamento urbano.
Ao cabo, podemos concluir que a Lei Municipal é importante porque
procedimentalizou a regularização fundiária no âmbito municipal, indicando os órgãos sob os
quais tramitarão os processos e a forma de participação da sociedade civil. Todavia, perdeu
grande oportunidade de adequar o plano de regularização fundiária com o desenvolvimento e
94
planejamento da cidade, pouco tratando das especificidades municipais nas dimensões
urbanísticas e ambiental.
Concluímos com o encaminhamento das seguintes sugestões ao Poder Público
Municipal na adequação da Lei Complementar Municipal 66/2013 para buscar uma
regularização fundiária plena e sustentável.
6.3.1 Frear a Produção Irregular da Cidade: o Urbanizador Social
É preciso frear a produção irregular da cidade. A regularização fundiária não deve ser
pensada em se perpetuar como um remédio às irregularidades advindas da ocupação do
espaço urbano. Voltar os olhos ao passado e buscar regularizar esta ocupação desordenada é
tão relevante quanto voltar os olhos para o futuro e garantir que as irregularidades não
continuem se reproduzindo.
Alfonsin (2006, p. 85-86) destaca o risco que a regularização fundiária pode
representar para a propagação das irregularidades fundiárias, na medida em que “no
imaginário da população de baixa renda, a ideia de que ‘sempre haverá a regularização, por
isso não há problema em ocupar irregularmente.'”
Interessante instrumento para tanto é a figura do urbanizador social, presente no Plano
Diretor do Município de Porto Alegre. Segundo Alfonsin (2003, p. 252), a ideia é simplificar
a legislação, “flexibilizando padrões e agilizando a tramitação dos projetos” para que os
loteadores que costumam atuar de forma clandestina sejam tratados como este ator, o
urbanizador social, produzindo seus empreendimentos legalmente, como contrapartida,
“ofereceria lotes a preços compatíveis com a produção de Habitação de Interesse Social ou
doaria parte dos lotes ao Governo.”
Além do loteador clandestino em áreas públicas do início da Ocupação de Redenção,
as ocupações ilegais continuam existindo. Em consulta ao IPPUR, obtivemos a informação
que após o advento da Lei Complementar Municipal 66/2013 um loteador clandestino foi
notificado tão logo começaram atividades de supressão vegetal que indicavam abertura de
loteamento ilegal.
Ainda assim, grande parcela da área foi ocupada após a notificação supostamente por
pessoas que haviam comprado os lotes antes mesmo da abertura do loteamento. Segundo o
órgão estima-se que em torno de noventa famílias residam no loteamento ilegal, tendo as
próprias famílias terminado de abrir as ruas, de maneira extremamente precária. O grande
95
estímulo parece ser o baixo valor cobrado pelo lote em comparação aos loteamentos
regulares.
Assim, a figura do urbanizador social poderia ser uma forma do município estabelecer
uma relação com estes empreendedores privados que hoje agem na irregularidade e só obtêm
êxito em razão do preço acessível que oferecem, especialmente, à população de baixa renda.
Extremamente relevante que o processo de loteamento neste caso conte com uma
ampla participação da sociedade civil, pois do contrário incorre-se no risco de flexibilizar
normas meramente para aumentar o lucro e os interesses do mercado.
6.3.2 Gestão Pública Participativa
Buscar a participação conjunta dos poderes públicos e da sociedade civil organizada.
Mais do que admitir a participação da sociedade civil é preciso que o poder público municipal
pense instrumentos para que isso ocorra, bem como formas de se articular para atuar
conjuntamente com o Poder Público Estadual e Federal.
Neste momento fica claro que, ao longo da década de 90, pelo menos duas
lições foram aprendidas: 1) A política de regularização fundiária não tem impacto
sobre a produção irregular da cidade se descolada da política urbana: é tempo de sair
do gueto e associar as políticas de regularização fundiária a políticas urbanas mais
compreensivas. 2) É preciso um bom processo de governança urbana - democrático,
transparente, amplo e pluralista para coroar de êxito as intervenções de regularização
fundiária. (ALFONSIN, 2003, p. 253)
Para destacar a importância desta atuação conjunta rememoremos aqui que quando do
fenômeno descrito por Silva (2008, p.6) como “transformação da fronteira camponesa pastoril
de subsistência, parcialmente mercantil, em fronteira capitalista” e expulsão dos posseiros dos
Campos do Pau D’Arco pelos fazendeiros da frente pioneira, agraciados pelo Estado do Pará
com títulos definitivos de propriedade, houve uma tentativa de reivindicar os direitos dos
camponeses posseiros e dos ‘chegantes’, expulsos por fenômeno idêntico de outros Estados
da Federação.
Os vereadores de Conceição aprovaram, por unanimidade, dois
requerimentos que solicitavam o envio de ofícios ao Governador do Estado
propondo medidas acauteladoras dos interêsses dos habitantes. Note-se, no primeiro
dos requerimentos, a solicitação de proibição terminante de venda definitiva de
terras dentro da légua patrimonial do município, área que, aliás, pretendem ampliar.
Na segunda proposição as reivindicações são de maior monta. Vão desde a tentativa
de estabelecer um regime de prioridade para aquisição de terras para os ‘nativos
deste município’, à solicitação de reconhecimento das posses dos ‘locatários
antigos’. Os termos pelos quais são designados os agentes das companhias
96
imobiliárias revelam até certo ponto o grau de exacerbação da luta. (MOREIRA
NETO, 1960, p. 84)
Desta forma, ainda que o Poder Público Municipal seja o principal responsável pela
produção do espaço urbano, a Cidade é o local onde se acessa uma infinidade de serviços
públicos e se exerce uma série de direitos, pelo que a Municipalidade deve buscar a
participação dos demais atores.
6.3.3 Qualificação da Gestão
A procedimentalização da regularização fundiária em âmbito municipal é um dos
maiores avanços da Lei Complementar Municipal 66/2013, mas é indispensável que a gestão
municipal e seus servidores estejam qualificados para atuar no âmbito desta nova realidade
fática, mesmo porque a adequação a uma nova lei, a um “dever ser”, esbarra sempre no “ser”,
no deixar guiar-se pelos costumes.
Vale ressaltar que em Redenção os costumes foram preponderantes não apenas para
que loteamentos ilegais fossem realizados em áreas públicas mas o respeito a esta ilegalidade
durou até o ano de 2012.
6.3.4 Usucapião Urbana e Áreas Privadas
Existem na cidade de Redenção diversas invasões em áreas privadas. Duas delas com
mais de dez anos de ocupação, abrigando centenas de famílias, e com processos de
reintegração de posse intentados em âmbito judicial.
Ainda que, obviamente, o Poder Público Municipal não possa simplesmente criar
instrumentos para resolver a questão dominial em áreas particulares, perdeu a oportunidade de
prever e procedimentalizar o apoio a processos de usucapião urbana, especialmente a
modalidade coletiva do Usucapião Especial Urbano.
Trata-se de instrumento que encontra previsão legal bem trabalhada já no Estatuto da
Cidade, Lei Federal 10.251/2001, e o legislador municipal silenciou completamente sobre
referido instituto, inexistindo em âmbito municipal mecanismos para que o Poder Público
empreenda e reforce o caráter social da propriedade nestes casos.
97
6.3.5 Políticas de Compensação Ambiental
Além de prever a necessidade de licença ambiental para o projeto de regularização
fundiária, exigência já da legislação federal, a lei municipal praticamente nada tratou acerca
da questão ambiental.
Perdeu a oportunidade de mitigar as consequências negativas da ocupação e uso do
solo quando da apresentação do projeto de regularização fundiária, para tanto, poderia tratar:
I) saneamento ambiental, adequando a questão da coleta de esgoto e indicando possíveis
melhorias no sistema existente; II) adequação e controle ambiental do sistema de lixo; III)
recuperação ambiental com uma política de repovoamento das margens de rios e faixas de
domínio público, arborização urbana e áreas institucionais para implantação de parques como
forma de compensar o impacto do meio ambiente artificial, sempre maior quando realizado de
maneira desordenada, caso das ocupações irregulares.
98
7 CONCLUSÃO
Feita a escolha do tema, mais do que a ineficácia normativa ou a ineficiência de
políticas públicas, deparou-se com um intrincado problema que possui três vértices, de
maneira que a figura geométrica do triângulo é a que melhor permite ilustrar estes pontos: a
regularização fundiária traz como premissa a complexa relação entre Estado – Sociedade –
Indivíduo.
Os anseios destes atores onipresentes na regularização fundiária serão responsáveis
historicamente pela inefetividade das políticas públicas de regularização fundiária, pois em
grande parte das vezes estes anseios são antagônicos e não comuns como se espera.
O indivíduo quer que o Estado assegure, antes de mais nada, o direito à moradia, o seu
direito à moradia, pessoal. A sociedade pode ter um sentimento mais altruísta e desejar um
meio ambiente protegido ao invés da efetividade do direito à moradia, ou mesmo um
sentimento mais despretensioso e desejar investimentos em outras políticas públicas, dado os
altos custos de um processo de regularização fundiária. O Estado, por sua vez, deve ser capaz
de alinhar estes anseios em conflito, dando a máxima proteção aos direitos fundamentais
envolvidos, bem como ser capaz de criar políticas públicas de estado, e não de gestão, que se
consolide em diferentes governos.
A relação com a lei parece ser o primeiro problema para que o cenário de
irregularidade fundiária seja mais comum no Brasil do que o de regularidade, já que segundo
estimativas do próprio Ministério das Cidades dois terços dos imóveis urbanos estão em
situação de irregularidade contra um terço que se encontram regulares.
Tal constatação poderia ser explicitada da seguinte forma: ou criam-se leis que não
possuem nenhum amparo na realidade, desconsiderando por completo os fatos sociais, ou
elaboram-se leis que dependem de uma fiscalização rigorosa que não é realizada, ou as duas
coisas.
Apesar da irregularidade fundiária ser uma constante na história brasileira, somente
em 2009, com a Lei Federal 11.977/2009 é que obteve-se uma norma geral com o escopo de
permitir a regularização fundiária urbana se atendo à função social da propriedade, função
social da cidade, direito à moradia e direito ao meio ambiente equilibrado, e não meramente a
titularidade do domínio da área, alçando assim o instituto da regularização fundiária ao status
de instrumento essencial para efetivar uma série de direitos constitucionais.
99
Esta compreensão trazida pela Lei Federal 11.977/2009 é essencial para contemporizar
os demais problemas advindos da irregularidade fundiária. A inefetividade de políticas
públicas relacionadas ao planejamento do espaço urbano, ocupação e uso do solo reproduzem
as relações sociais excludentes.
Quem está em uma situação de irregularidade fundiária em uma mansão em Angra dos
Reis em nada se assemelha àquele que está em uma situação de irregularidade fundiária em
uma favela em área de manancial na mesma Angra dos Reis. Todas as representações sociais
serão reproduzidas na ocupação do espaço urbano, de forma que para além de uma
regularização jurídica, a regularização fundiária em sua maior amplitude (dimensões social,
urbanística, ambiental, social e jurídica) trata-se de uma concretização da democracia real,
que pleiteia a igualdade e a dignidade da pessoa humana.
“Todas as famílias felizes são iguais. As infelizes o são cada uma à sua maneira” uma
das mais célebres passagens da literatura universal, o início do romance Anna Karenina, de
Tolstói, possui um espectro do processo político atinente à regularização fundiária. Os
loteamentos regulares são todos eles muito semelhantes, até em razão da regulação minuciosa
– indevida e maléfica – da Lei 6.766/79, as ocupações irregulares, todavia, possuem
especificidades não apenas nos diferentes municípios, mas no espaço urbano de um mesmo
município. Ora, uma ocupação em área de mangue é muito distinta de uma ocupação em um
morro que por sua vez é muito distante de uma ocupação em área institucional.
Não se olvide que Redenção reproduziu todos signos macros da ocupação desordenada
das cidades brasileiras: exclusão social, reprodução de formas de poder, acesso restrito a
serviços públicos, articulação de uma elite dominante, estratégias populistas de um poder
público preocupando em manter o status quo; porém, fez tudo isso a sua maneira.
Redenção não apenas cresce em pouco tempo, ela nasce em pouco tempo, de tal modo
que se a mão de obra era recém chegada à cidade, a elite dominante também o era e precisou
se articular rapidamente para transformar a terra em um instrumento de dominação
patrimonial, e fez isso de maneira sui generis, o poder público se articulou com o poder
econômico privatizando de maneira caótica a ocupação do espaço urbano.
Tal fato se deu tanto através do Governo do Estado, que titulou grandes glebas com
ocupação já consolidada ou expansão urbana latente para um único particular, seja através do
governo municipal, que permitiu que particulares realizassem loteamentos em áreas públicas e
depois realizava a transferência dominial de suas próprias áreas somente mediante autorização
expressa do particular, documentos que inclusive compõe os processos de regularização
fundiária.
100
A Lei Complementar Municipal 66/2013, por fim, representa um avanço mais por
romper com essa visão deturpada e reconhecer o domínio das áreas públicas do que pelos
instrumentos ou pela regulação das especificidades municipais. Quase tudo já estava
compreendido na legislação federal que cuida de regularização fundiária.
É bem verdade que há uma ou outra adaptação a realidade municipal e,
principalmente, a procedimentalização da regularização fundiária em âmbito municipal: quais
órgãos que participam e qual a forma que se dará a regularização fundiária. Todavia, perdeu a
Lei Municipal a oportunidade de pensar de forma profunda a constituição do espaço público a
partir do processo de regularização fundiária.
Não há uma referência sequer ao Plano Diretor, importante instrumento de ordenação
territorial e produção do espaço urbano. A lei municipal poderia ter ampliado as
possibilidades sociais e urbanísticas, além de ter conformado a dimensão ambiental segundo o
meio ambiente local. A decisão de regularização fundiária parece basear-se em si própria,
acontece sem programação, sem estudo prévio e sem um maior diálogo com a sociedade.
Reconhece-se as dificuldades para a implantação de um programa de regularização
fundiária que tenha o maior alcance e plenitude possível. Se essa dificuldade é enfrentada por
municípios maiores, que contam com corpo técnico qualificado e dispõe de maiores recursos
financeiros, será ainda mais drástica em municípios menores e recentes, como Redenção.2
O fato é que ainda que seja louvável o intuito do Poder Público Municipal de
promover a regularização fundiária urbana, há que se ter cuidado com as implicações que esta
política significa, além do respeito a todas as dimensões que compõe a regularização fundiária
plena e sustentável, pois como destaca Chaer (2007, p. 24) acerca da dimensão urbanística, “a
distribuição de títulos, desarticulada das intervenções físicas na área, contribui para a
perpetuação da condição de precariedade dos assentamentos informais”.
Da mesma maneira, ignorar a dimensão ambiental pode comprometer de maneira
irreversível o meio ambiente, em prejuízo não só dos ocupantes da área mas de toda a cidade,
enquanto concluía-se este trabalho acompanhou-se o efeito devastador que a ocupação
2 Os obstáculos (jurídicos, técnicos, registrários) enfrentados pelo Programa de Regularização Fundiária
de Porto Alegre fizeram com que embora tivesse muita vontade política, a Prefeitura só obtivesse resultados
medíocres na implementação do Programa. Em 1996 a Prefeitura de Porto Alegre atuava há seis anos com
regularização fundiária. 65 assentamentos tinham sido indicados pelo Orçamento Participativo (e assumidos)
para serem regularizados. No entanto, de 20.500 lotes em processo de regularização apenas 605 tinham sido
regularizados... Neste cenário, algumas Constatações mostraram-se evidentes: era preciso melhorar a
performance da regularização fundiária e, mais do que isso, não adiantava atuar apenas na ponta da
regularização: era preciso frear a produção da irregularidade! (ALFONSIN, 2003, p. 251)
101
desordenada e a destruição das matas ciliares trazem a cidade de São Paulo, colocando em
risco o abastecimento de água na cidade em uma crise sem precedentes.
Não agir com o devido respeito à dimensão social pode transformar o plano de
regularização fundiária em mera política clientelista ou causar disparidades na forma de
garantia dos direitos, ferindo a busca da democracia real, igualitária.
As críticas à Lei Complementar Municipal 66/2013, antes de um esvaziamento da lei,
reconhecem o relevante passo que esta deu rumo a uma política satisfatória de regularização
fundiária. Todavia, ainda que ciente das dificuldades práticas impostas a quem deseja
concretizar um plano de regularização fundiária sustentável e pleno, tem-se que quem se
ocupa da Administração Pública deve ter em mente que suas ações devem estar submetidas a
uma contínua redefinição de padrões.
102
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106
APÊNDICES
APÊNDICE I
Estudo de caso de processos de regularização fundiária realizados em Redenção/PA
sob a égide da Lei Municipal 11/83
1 Processo 358/83 – Jardim Cumaru
Trata-se de requerimento realizado por pessoa física. O processo é composto por: a)
capa; b) edital de concorrência pública datado de 26 de dezembro de 1983; c) requerimento
datado de 25 de novembro de 1983; d) ordem de demarcação de terreno datada de 28 de
novembro de 1983; e) folha de vistoria da mesma data; f) aprovação e homologação de
demarcação datada de 29 de novembro de 1983; g) folha de cálculo em papel timbrado do
poder público; h) folha de pagamento do cálculo apurado; i) folha de remessa dos autos pelo
Chefe do órgão para o Chefe do Executivo para assinatura do Título Definitivo de n. 258/83,
com ordem de posterior arquivamento; j) folha de vistoria do lote objeto do requerimento; l)
Autorização datada de 02 de setembro de 1983; m) Decreto de adjudicação de venda assinado
pelo Prefeito Municipal em prol do Requerente. As páginas não são numeradas e não há cópia
do título.
O requerimento indica o endereço do lote a ser titulado, bem como numero de quadra
e lote, além da finalidade de moradia, sendo datado de 25 de novembro de 1983. O edital
curiosamente convoca os interessados para concorrência pública na mesma data, 25 de
novembro de 1983, apesar de ser ele com data posterior, 26 de dezembro de 1983.
O documento denominado “Autorização”, trata-se de documento onde consta digitado
“Autorizo o Setor de Obras, Urbanismo e Terras Patrimoniais (SOUTEP), da Prefeitura
Municipal de Redenção, a titular em nome do Sr. _______” e mais adiante “O lote urbano de
n. _____ Quadra n. _____ Zona ______ No loteamento denominado _______”. De maneira
que todas as informações são preenchidas a mão, sendo a autorização datada de 02 de
setembro de 1983. Todavia, a autorização não possui nenhuma informação acerca de quem a
emitiu, apenas uma rubrica onde não é possível identificar sequer o nome do emitente.
O Decreto 257-D, de 27 de dezembro de 1983, adjudica em favor do Requerente “a
venda de lote do Patrimônio Municipal objeto da Concorrência n.º 358/83” (Art. 1º), com a
descrição do terreno no parágrafo único do mesmo artigo.
107
Finalmente, se consultarmos o livro onde são cadastradas as emissões de títulos, o lote
pleiteado consta em nome do Requerente, com o n.º do processo de origem estudado e
número do título indicado no processo.
2 Processo 2018/85 – Vila Gravataí
Trata-se de requerimento realizado por Pessoa Jurídica. O processo é composto por a)
capa; b) requerimento; c) cópia dos atos constitutivos da Requerente; d) autorização e e) folha
de andamento do processo. As páginas não são numeradas e não há cópia do título.
O requerimento não indica o endereço do lote a ser titulado, bem como qualquer
numero de quadra e lote. O que só será feito no documento denominado “Autorização”. Esta,
trata-se de documento assinado por Alexandre Markowski onde consta digitado “Autorizo o
Setor de Obras, Urbanismo e Terras Patrimoniais (SOUTEP), da Prefeitura Municipal de
Redenção, a titular em nome do Sr. _______” e mais adiante “O lote urbano de n. _____
Quadra n. _____ Zona ______ No loteamento denominado _______”. De maneira que todas
as informações são preenchidas a mão, sendo a autorização datada de 12 de setembro de 1984,
estando o “4” do ano sobrescrito a mão em cima do ano digitado como 1983. Todavia, a
autorização não possui nenhuma informação acerca de quem a emitiu, apenas o local de
assinatura do emitente onde se lê Alexandre Markowski.
Ainda, a autorização não está em nome do Requerente, mas em nome de terceiro que
de forma manuscrita escreve ao rodapé “Transfiro todos os direitos deste lote” e indica a
Requerente. Não há, todavia, qualquer documento do terceiro em cujo nome está preenchida a
autorização.
Finalmente, se consultarmos o livro onde são cadastradas as emissões de títulos, o lote
pleiteado consta como já titulado sob o n.º 1.388/83, anteriormente, portanto, à autorização
(1984), bem como ao processo em comento (1985). Todavia, não há no livro o indicativo do
processo que teria dado origem ao título 1.388/83.
3 Processo 705/87 – Ademar Guimarães
Trata-se de requerimento realizado por pessoa física. O processo é composto por: a)
capa; b) edital de concorrência pública datado de 06 de agosto de 1987; c) requerimento
datado de 06 de agosto de 1987; d) ordem de demarcação de terreno datada de 07 de agosto
de 1987; e) folha de vistoria datada de 07 de agosto de 1987; f) aprovação e homologação de
demarcação; g) folha de cálculo em papel timbrado do poder público; h) folha de pagamento
108
do cálculo apurado; i) folha de remessa dos autos pelo Chefe do órgão para o Chefe do
Executivo para assinatura do Título Definitivo, com ordem de posterior arquivamento; j)
croqui do imóvel; l) Decreto Municipal 3.974/87 de adjudicação de venda assinado pelo
Prefeito Municipal em prol da Requerente; m) Autorização datada de 24 de dezembro de
1984; n) folha de andamento processual. As páginas não são numeradas e não há cópia do
título.
O requerimento indica o endereço do lote a ser titulado, bem como numero de quadra
e lote, além da finalidade de moradia, sendo datado de 06 de agosto de 1987. O edital de
mesma data convoca os interessados para concorrência pública a ocorrer na data de 06 de
setembro de 1987.
A ordem demarcação também é de 07 de agosto de 1987, com demarcação aprovada
em 15 de agosto de 1987.
O Decreto Municipal 3.974/87, de 11 de setembro de 1987, adjudica em favor do
Requerente “a venda de lote do Patrimônio Municipal objeto da Concorrência n.º 705/87”
(Art. 1º), com a descrição do terreno no parágrafo único do mesmo artigo.
O documento denominado “Autorização”, trata-se de documento onde consta digitado
“Autorizo ao Setor de Obras, Urbanismo e Terras Patrimoniais (SOUTEP), da Prefeitura
Municipal de Redenção, a titular em nome do Sr. _______” e mais adiante “O lote urbano de
n. _____ Quadra n. _____ Zona ______ No loteamento denominado _______”. De maneira
que todas as informações são preenchidas a mão, sendo a autorização datada de 24 de
setembro de 1984, estando o “4” do ano sobrescrito a mão em cima do ano digitado como
1983. Todavia, a autorização não possui nenhuma informação acerca de quem a emitiu,
apenas o local de assinatura do emitente onde se lê Ademar Guimarães, indicado como
proprietário.
Finalmente, se consultarmos o livro onde são cadastradas as emissões de títulos, o lote
pleiteado consta como titulado em nome do Requerente na data de 11 de setembro de 1987,
com o título de número 2982/87.
4 Processo 319/88 – Jardim Ariane
Trata-se de requerimento realizado por pessoa física. O processo é composto por: a)
capa; b) edital de concorrência pública datado de 17 de maio de 1988; c) requerimento datado
de 17 de junho de 1988; d) ordem de demarcação de terreno datada de 18 de junho de 1988; e)
aprovação e homologação de demarcação datada de 17 de junho de 1988; f) folha de vistoria
109
datada de 17 de junho de 1988; g) folha de cálculo em papel timbrado do poder público; h)
folha de pagamento do cálculo apurado; i) folha de remessa dos autos pelo Chefe do órgão
para o Chefe do Executivo para assinatura do Título Definitivo, com ordem de posterior
arquivamento; j) croqui do imóvel; l) Decreto Municipal 4.412/88 de adjudicação de venda
assinado pelo Prefeito Municipal em prol da Requerente; m) Autorização datada de 21 de
dezembro de 1984; n) folha de andamento processual. As páginas não são numeradas e não há
cópia do título.
O requerimento indica o endereço do lote a ser titulado, bem como numero de quadra
e lote, além da finalidade de moradia, sendo datado de 17 de junho de 1988. O edital datado
de 17 de maio de 1988 convoca os interessados para concorrência pública a ocorrer na data de
17 de junho de 1988.
A ordem demarcação também é de 18 de junho de 1988, apesar da aprovação
demarcação constar como sendo 17 de junho de 1988, um dia antes, portanto da ordem para
que fosse realizada.
O Decreto Municipal 4.412/88, de 21 de junho de 1988, adjudica em favor do
Requerente “a venda de lote do Patrimônio Municipal objeto da Concorrência n.º 319/88”
(Art. 1º), com a descrição do terreno no parágrafo único do mesmo artigo.
O documento denominado “Autorização”, trata-se de documento onde consta digitado
“Autorizo ao Setor de Obras, Urbanismo e Terras Patrimoniais (SOUTEP), da Prefeitura
Municipal de Redenção, a titular em nome do Sr. _______” e mais adiante “O lote urbano de
n. _____ Quadra n. _____ Zona ______ No loteamento denominado _______”. De maneira
que todas as informações são preenchidas a mão, sendo a autorização datada de 21 de
dezembro de 1984. Todavia, a autorização não possui nenhuma informação acerca de quem a
emitiu, apenas uma rubrica em linha onde se lê “Proprietário”.
Ainda, a autorização não está em nome do Requerente, mas em nome de terceiro que
de forma manuscrita escreve ao rodapé “Transfiro esta autorização para o Sr.” e indica o
Requerente, assinando em 06 de outubro de 1987. Não há, todavia, qualquer documento do
terceiro em cujo nome está preenchida a autorização.
Finalmente, se consultarmos o livro onde são cadastradas as emissões de títulos, o lote
pleiteado consta como titulado em nome do Requerente na data de 21 de junho de 1988, com
o título de número 3406/88.
5 Processo 140/90 – Jardim Cumaru
110
Trata-se de requerimento realizado por pessoa física. O processo é composto por: a)
capa; b) comprovante de pagamento de taxa; c) edital de concorrência pública datado de 24 de
janeiro de 1990; d) certidão de inexistência de débitos com o fisco municipal; e) requerimento
datado de 26 de novembro de 1990; f) ordem de demarcação de terreno datada de 26 de
novembro de 1990; g) folha de vistoria datada de 14 de janeiro de 1991; h) aprovação e
homologação de demarcação datada de 26 de novembro de 1990; i) folha de cálculo em papel
timbrado do poder público; j) folha de pagamento do cálculo apurado; l) folha de remessa dos
autos pelo Chefe do órgão para o Chefe do Executivo para assinatura do Título Definitivo,
com ordem de posterior arquivamento; m) folha de vistoria do lote objeto do requerimento,
com croqui a mão; n) Autorização datada de 22 de novembro de 1990, o) folha de andamento
processual. As páginas não são numeradas e não há cópia do título.
O requerimento indica o endereço do lote a ser titulado, bem como numero de quadra
e lote, além da finalidade de moradia, sendo datado de 26 de novembro de 1990. O edital
datado de 24 de janeiro de 1990 convoca os interessados para concorrência pública a ocorrer
na data de 26 de novembro de 1990.
O documento denominado “Autorização”, trata-se de documento onde consta digitado
“Autorizo ao Setor de Obras, Urbanismo e Terras Patrimoniais (SOUTEP), da Prefeitura
Municipal de Redenção, a titular em nome do Sr. _______” e mais adiante “O lote urbano de
n. _____ Quadra n. _____ Zona ______ No loteamento denominado _______”. De maneira
que todas as informações são preenchidas a mão, sendo a autorização datada de 22 de
novembro de 1990. Todavia, a autorização não possui nenhuma informação acerca de quem a
emitiu, apenas o local próprio para assinatura do emitente onde se lê Mariosval Dueti Resende
Silva; indicado como proprietário.
Finalmente, se consultarmos o livro onde são cadastradas as emissões de títulos, o lote
pleiteado consta como titulado em nome da Requerente na data de 16 de janeiro de 1990,
indicando o respectivo número do processo e título como sendo o 132/1990.
6 Processo 090/90 – Santos Dumont II
Trata-se de requerimento realizado por pessoa física. O processo é composto por: a)
capa; b) comprovante de pagamento de taxa; c) edital de concorrência pública datado de 01 de
setembro de 1990; d) requerimento datado de 29 de agosto de 1990; e) ordem de demarcação
de terreno datada de 03 de setembro de 1990; f) folha de vistoria datada de 17 de outubro de
1990; g) aprovação e homologação de demarcação datada de 03 de setembro de 1990; h) folha
111
de cálculo em papel timbrado do poder público; i) folha de pagamento do cálculo apurado; j)
folha de remessa dos autos pelo Chefe do órgão para o Chefe do Executivo para assinatura do
Título Definitivo, com ordem de posterior arquivamento; l) folha de vistoria do lote objeto do
requerimento; m) declaração de terceiro informando o poder público municipal que vendeu e
transferiu todos os direitos sobre o terreno objeto do requerimento ao Requerente, datada de
29 de agosto de 1990; n) Autorização datada de 29 de agosto de 1990 em nome da declarante
do item anterior; o) folha de andamento processual. As páginas não são numeradas e não há
cópia do título.
O requerimento indica o endereço do lote a ser titulado, bem como numero de quadra
e lote, além da finalidade de moradia, sendo datado de 29 de agosto de 1990. O edital datado
de 01 de setembro de 1990 convoca os interessados para concorrência pública a ocorrer na
data de 03 de setembro de 1990.
A aprovação da demarcação também é de 03 de setembro de 1990, apesar da
demarcação constar com data de 17 de outubro de 1990, ou seja, posterior.
O documento denominado “Autorização”, trata-se de documento onde consta digitado
“Autorizamos ao Serviço de Obras, Urbanismo e Terras Patrimoniais (SOUTEP), Prefeitura
Municipal de Redenção, a titular em nome do Sr. _______” e mais adiante “O lote urbano de
n. _____ Quadra n. _____ Zona ______ No loteamento denominado _______”. De maneira
que todas as informações são preenchidas a mão, sendo a autorização datada de 29 de agosto
de 1990. Todavia, a autorização não possui nenhuma informação acerca de quem a emitiu,
apenas o local de assinatura do emitente onde se lê João Tomé de Souza.
Finalmente, se consultarmos o livro onde são cadastradas as emissões de títulos, o lote
pleiteado consta como já titulado sob o processo de n.º 3161/89, anteriormente, portanto, à
autorização (1990), bem como ao processo em comento (1990). Todavia, não há no livro o
indicativo do número do título. Ainda, percebe-se que o terreno está titulado em nome da
declarante que afirma ter vendido e transferido todos os direitos do terreno ao ora Requerente.
Assim, há o indicativo de que um novo título foi emitido em nome do Requerente, mas não se
faz menção nenhuma a anulação do título anterior.
7 Processo 130/93 – Jardim Ariane
Trata-se de requerimento realizado por pessoa física. O processo é composto por: a)
capa; b) comprovante de pagamento de taxa; c) comprovante de pagamento de tributos; d)
112
croqui com quadra e lote; e) requerimento de título definitivo datado de 25 de maio de 1993.
As páginas não são numeradas e não há cópia do título.
O requerimento indica o numero de quadra e lote bem como a finalidade de moradia.
Não há qualquer espécie de “Autorização”.
Finalmente, se consultarmos o livro onde são cadastradas as emissões de títulos, o lote
pleiteado consta em nome do Requerente, não constando número de processo nem número de
título, apenas a data de 25 de maio de 1993.
8 Processo 30/96 – Planalto II
Trata-se de requerimento realizado por pessoa física. O processo é composto por: a)
capa; b) comprovante de pagamento de taxa; c) requerimento datado de 16 de abril de 1996;
d) autorização datada de 15 de abril de 1996; e) edital de concorrência pública datado de 16
de abril de 1996; f) ordem de demarcação de terreno datada de 16 de abril de 1996; g) folha
de remessa dos autos pelo Chefe do órgão para o Chefe do Executivo para assinatura do
Título Definitivo, com ordem de posterior arquivamento; h) aprovação e homologação de
demarcação datada de 16 de abril de 1996; i) folha de pagamento de cálculo apurado; j) folha
de cálculo em papel timbrado do poder público; l) folha de vistoria do lote objeto do
requerimento. As páginas não são numeradas e não há cópia do título.
O requerimento indica o endereço do lote a ser titulado, bem como numero de quadra
e lote, além da finalidade de moradia, sendo datado de 16 de abril de 1996. O edital de mesma
data convoca os interessados para concorrência pública sem especificar, todavia data e hora
da mesma.
O documento denominado “Autorização”, trata-se de documento onde consta digitado
“Autorizo ao Serviço de Obras, Urbanismo e Terras Patrimoniais (SOUTEP), desta Prefeitura
Municipal de Redenção, a titular em nome do Sr.”, de maneira que o documento e todas as
informações que o compõe são datilografadas, sendo a autorização datada de 15 de abril de
1996. Todavia, a autorização não possui nenhuma informação acerca de quem a emitiu,
apenas o local próprio para assinatura do emitente onde se lê Proprietário e assina José
Tenório de Lima.
Finalmente, se consultarmos o livro onde são cadastradas as emissões de títulos, o lote
pleiteado consta como titulado em nome do Requerente na data de 16 de abril de 1996,
indicando o respectivo número do processo e título como sendo o 221/96.
113
9 Processo 124/98 – Santos Dumont II
Trata-se de requerimento realizado por pessoa física. O processo é composto por: a)
capa; b) comprovante de pagamento de taxa; c) folha de vistoria datada de 24 de agosto de
1998; d) requerimento datado de 24 de agosto de 1998; e) autorização datada de 24 de agosto
de 1998. As páginas não são numeradas e não há cópia do título.
O requerimento indica o endereço do lote a ser titulado, bem como numero de quadra
e lote, sendo datado de 24 de agosto de 1998.
O documento denominado “Autorização”, trata-se de documento onde consta digitado
“Autorizo ao Setor de Terras Patrimoniais documentar (Titular) em nome de...” preenchendo
todas as informações digitadas, inclusive quadra e lote, sendo datada de 24 de agosto de 1998.
Todavia, a autorização não possui nenhuma informação acerca de quem a emitiu, apenas o
local de assinatura do emitente onde se lê João Tomé de Souza.
Finalmente, se consultarmos o livro onde são cadastradas as emissões de títulos, o lote
pleiteado consta em nome do Requerente, com o n.º do processo de origem estudado, porém a
data no livro é anterior ao Requerimento, constando 11/08/98.
10 Processo 270/2003 – Jardim Cumaru
Trata-se de requerimento realizado por particular. O processo é composto por: a) capa;
b) Título Definitivo n.º 233/2003 tendo como beneficiário o Requerente; c) contrato de
compra e venda onde consta como outorgante vendedor o Poder Público Municipal e como
outorgado comprador o Requerente, datado de 08 de outubro de 2003; d) aprovação e
homologação de demarcação datada de 08 de setembro de 2013; e) contrato de cessão de
direitos do imóvel requerido, assinado entre terceiro e o requerente; f) requerimento de
anulação de título emitido anteriormente pelo poder público, datado de 21 de agosto de 2003;
g) termo de ratificação de mesma data pleiteando pela anulação de título anterior; h)
comprovante de pagamento de taxas. As páginas não são numeradas.
O requerimento indica o numero de quadra e lote do imóvel a ser titulado, não sendo
datado.
Não há nenhum documento denominado “Autorização”, todavia os seguintes
documentos: contrato de cessão de direitos; requerimento de anulação de título e termo de
ratificação indicam que houve a emissão de um título anterior pelo Poder Público Municipal,
inclusive citado nos dois últimos documentos como sendo o Título Definitivo de n.º 1044
emitido pelo Poder Público Municipal em 25 de fevereiro de 1985. Ocorre que a beneficiária
114
daquele título requer ao Poder Público municipal que o mesmo seja revertido ao Poder
Público Municipal e o titulo definitivo tornado sem efeito.
Há posteriormente a ratificação do disposto no requerimento por servidor público
municipal, devidamente lavrado em papel timbrado e assinado. Tendo ao cabo a emissão do
título em favor do requerente, conforme cópia do título constante no processo.
Finalmente, se consultarmos o livro onde são cadastradas as emissões de títulos, o lote
pleiteado consta ainda em nome de terceiro, que vendeu os direitos do mesmo através de
contrato de cessão, apesar do Requerimento para sua anulação e termo de ratificação lavrado
pelo Poder Público, constando que o título originário foi lavrado em 25 de fevereiro de 1985.
11 Processo 78/2004 – Santos Dumont II
Trata-se de requerimento realizado por entidade religiosa. O processo é composto por:
a) capa; b) folha de cálculo em papel timbrado do poder público; c) edital de concorrência
pública datado de 07 de setembro de 2004; d) ordem de demarcação de terreno datada de 07
de setembro de 2004; e) Decreto Municipal 6360/2004 de adjudicação de venda assinado pelo
Prefeito Municipal em prol da Requerente; f) folha de remessa dos autos pelo Chefe do órgão
para o Chefe do Executivo para assinatura do Título Definitivo de n. 183, com ordem de
posterior arquivamento; g) contrato de compra e venda onde consta como outorgante
vendedor o Poder Público Municipal e como outorgado comprador o Requerente, datado de
07 de outubro de 2004; h) folha de pagamento do cálculo apurado; i) requerimento datado de
24 de março de 2004; j) autorização datada de 04 de dezembro de 2003; l) Título Definitivo
n.º 3205/88 tendo como beneficiário a Requerente; m) Decreto Municipal 4.208/88 de
adjudicação de venda assinado pelo Prefeito Municipal em prol da Requerente; n)
comprovante de pagamento de taxas no exercício de 2004. As páginas não são numeradas.
O requerimento indica o numero de quadra e lote do imóvel a ser titulado, sendo
datado de 24 de março de 2004. O edital convoca os interessados para concorrência pública
na mesma data de sua publicação, 07 de setembro de 2004.
O documento denominado “Autorização”, trata-se de documento onde consta digitado
“Autorizamos aos Serviços de Obras e Urbanismo e Terras Patrimoniais (SOUTEP) Prefeitura
Municipal de Redenção, a titular em nome...” preenchendo todas as informações digitadas,
inclusive quadra e lote, sendo datada de 04 de dezembro de 2003. Todavia, a autorização não
possui nenhuma informação acerca de quem a emitiu, apenas o local de assinatura do emitente
onde se lê João Tomé de Souza.
115
O Decreto 6360/2004, de 07 de outubro de 2004, adjudica em favor da Requerente “a
venda de lote do Patrimônio Municipal, conforme Lei Municipal 11/83”, (Art. 1º), com a
descrição do terreno no parágrafo único do mesmo artigo.
O Título Definitivo 3205/88 concede a Requerente dois lotes idênticos ao Requerido,
apenas com nome do Bairro, Lote e Quadra distintos. Da mesma maneira o Decreto 4208/88,
que dá origem ao título retro.
Finalmente, se consultarmos o livro onde são cadastradas as emissões de títulos, o lote
pleiteado consta em nome da Requerente, com o n.º do processo de origem estudado e número
do título indicado no processo. O fato de haverem dois títulos parece indicar apenas que o
anterior encontrava-se no Planalto III, ou 3º Setor, que posteriormente divide-se em diversos
bairros e dentre eles dá origem ao Santos Dumont II, onde encontram-se os terrenos do
segundo título.
12 Processo 033/2007 – Planalto II
Trata-se de requerimento realizado por pessoa física. O processo é composto por: a)
capa; b) comprovante de pagamento de taxa; c) comprovante de pagamento de tributos; d)
requerimento de vistoria técnica datado de 23 de abril de 2007; e) requerimento de título
definitivo datado de 23 de abril de 2007; f) laudo de vistoria técnica datado de 23 de fevereiro
de 2007; g) autorização datada de 09 de julho de 1998; h) documentos pessoais do requerente;
i) requerimento de título definitivo datado de 23 de março de 2007. As páginas não são
numeradas e não há cópia do título.
Os requerimentos indicam o endereço do lote a ser titulado, bem como numero de
quadra e lote. A vistoria técnica tem data anterior ao requerimento, inclusive o que requer
vistoria técnica.
O documento denominado “Autorização”, trata-se de documento onde consta digitado
“Autorizo ao Serviço de Obras, Urbanismo e Terras Patrimoniais (SOUTEP), desta Prefeitura
Municipal de Redenção – PA, a titular em nome de...” preenchendo todas as informações
digitadas, inclusive quadra e lote, sendo datada de 09 de julho de 1998. Todavia, a autorização
não possui nenhuma informação acerca de quem a emitiu, apenas o local de assinatura do
emitente onde se lê José Tenório de Lima.
Finalmente, se consultarmos o livro onde são cadastradas as emissões de títulos, o lote
pleiteado consta em nome do Requerente, com o número do processo estudado como
indicando ser o número do título.
116
13 Processo 060/2008 – Jardim Cumaru
Trata-se de requerimento realizado por pessoa física. O processo é composto por: a)
capa; b) certidão negativa da dívida ativa com fisco municipal; c) ficha do cadastro fiscal do
imóvel; d) requerimento de vistoria técnica datado de 07 de agosto de 2008; e) requerimento
de título definitivo de mesma data; f) laudo de vistoria técnica datado de 03 de julho de 2008;
g) documentos pessoais do requerente; h) croqui do lote; i) contrato do Requerente de compra
e venda do lote requerido com “Loteamento Jardim Cumaru”. j) autorização datada de 25 de
fevereiro de 2008; l) comprovante de pagamento de taxa. As páginas não são numeradas e não
há cópia do título.
Os requerimentos indicam o endereço do lote a ser titulado, bem como numero de
quadra e lote. A vistoria técnica tem data anterior ao requerimento, inclusive o que requer
vistoria técnica.
O documento denominado “Autorização”, trata-se de documento onde consta digitado
“Autorizo ao Setor de Obras, Urbanismo e Terras Patrimoniais (SOUTEP), da Prefeitura
Municipal de Redenção, a titular em nome do Sr. _______” e mais adiante “O lote urbano de
n. _____ Quadra n. _____ Zona ______ No loteamento denominado _______”. De maneira
que todas as informações são preenchidas a mão, sendo a autorização datada de 25 de
fevereiro de 2008. Todavia, a autorização não possui nenhuma informação acerca de quem a
emitiu, apenas o local próprio para assinatura do emitente onde se lê Mariosval Dueti Resende
Silva; indicado como proprietário.
Finalmente, se consultarmos o livro onde são cadastradas as emissões de títulos, o lote
pleiteado consta como titulado em nome do Requerente na data de 07 de agosto de 2008, com
o título de número 063/2008, número idêntico ao do processo.
14 Processo 469/2012 – Jardim Ariane
Trata-se de requerimento realizado por pessoa física. O processo é composto por: a)
capa; b) comprovante de pagamento de taxa; c) requerimento datado de 16 de maio de 2012;
d) declaração de residência com prova testemunhal; e) levantamento topográfico realizado
pelo poder público descrevendo o lote 21, quadra 05, setor Jardim Ariane; f) vistoria do
imóvel realizada pelo Poder Público Municipal; g) memorial de cálculo em papel timbrado do
poder público para “cobrança de taxas públicas de processos diversos”; h) certidão negativa
de registro do imóvel objeto do Requerimento no Cartório de Conceição do Araguaia e
117
Cartório de Redenção; i) autorização datada de 08 de janeiro de 1988; j) documentos pessoais
do requerente. As páginas não são numeradas e não há cópia do título.
O requerimento não indica o endereço do lote a ser titulado, bem como qualquer
numero de quadra e lote. O que só será feito em documento denominado “Declaração”, onde
o requerente alega que adquiriu o imóvel objeto do processo desde 2005, bem como no
documento denominado “Autorização”, que está, todavia, em nome de terceiro.
O documento denominado “Autorização”, trata-se de documento onde consta digitado
“Autorizo ao Setor de Obras, Urbanismo e Terras Patrimoniais (SOUTEP), da Prefeitura
Municipal de Redenção, a titular em nome do Sr. _______” e mais adiante “O lote urbano de
n. _____ Quadra n. _____ Zona ______ No loteamento denominado _______”. De maneira
que todas as informações são preenchidas a mão, sendo a autorização datada de 08 de janeiro
de 1988. Todavia, a autorização não possui nenhuma informação acerca de quem a emitiu,
apenas o local de assinatura do emitente, que consta uma rubrica, indicado como proprietário.
Finalmente, se consultarmos o livro onde são cadastradas as emissões de títulos, o lote
pleiteado consta como titulado em nome do Requerente na data de 16 de maio de 2012,
indicando o respectivo número do processo e título como sendo o 307/2012.
15 Processo 925/2012 – Alto Paraná
Trata-se de requerimento realizado por duas pessoas físicas. O processo é composto
por: a) capa; b) comprovante de pagamento de taxa; c) requerimento datado de 21 de agosto
de 2012; d) levantamento topográfico realizado pelo poder público descrevendo o lote 04,
quadra 44, setor Alto Paraná; e) autorização datada de 08 de agosto de 2012; f) contrato de
compromisso de compra e venda datado de 03 de novembro de 1982; g) memorial de cálculo
em papel timbrado do poder público para “cobrança de taxas públicas de processos diversos”;
h) croqui realizado a mão aparentando ser o esboço do levantamento topográfico realizado
pelo poder público; i) croqui aparentando acompanhar o contrato de compra e venda datado
de 1982; j) cópia da página do livro onde são cadastradas as emissões de títulos da quadra
requerida; l) cópia dos documentos pessoais dos Requerentes. As páginas não são numeradas
e não há cópia do título.
O requerimento não indica o endereço do lote a ser titulado, bem como qualquer
numero de quadra e lote. O que só será feito no documento denominado “Autorização”. Esta,
trata-se de documento assinado por Arcelide Veronese (primeiro prefeito de Redenção e autor
da Lei Municipal 11/83, sob estudo) e Ezides Capelesso Veronese, onde constam todos os
118
dados digitados e direciona-se da seguinte forma “Autorizamos o Serviço Notarial do Único
Ofício de Redenção/PA, a lavrar escritura definitiva de venda e compra com Cessão de
Direito...” e segue com dados do terreno, constando ainda como cedente terceiro e como
cessionários os Requerentes da Regularização ante o Poder Público Municipal.
Há ainda um contrato de compra e venda impresso em gráfica em nome de
“Loteamento Alto Paraná”, preenchido por datilografia e datado de 03 de novembro de 1982,
onde o promissário comprador é o terceiro que aparece como cedente na descrição retro.
Na cópia do livro onde são cadastradas as emissões de títulos e anexada ao próprio
processo consta que o lote ora pleiteado na data de 09/04/84, oriundo do processo 384/84, não
constando todavia o número do título. Requisitado o processo de n.º 384/84 o servidor público
municipal informou não ser possível localizá-lo tendo em conta o número de processos e a
inexistência de uma organização cronológica.
119
APÊNDICE II
Compilação dos dados coletados a partir do estudo de caso.
PR
OC
ES
SO
RE
QU
ER
IME
NT
O
DO
CU
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O
AU
TO
RIZ
AÇ
ÃO
PA
RT
ICU
LA
R
CÓ
PIA
DO
TÍT
UL
O
358/83 x - - - x x x -
2018/85 x - - - - - x -
705/87 x - - x x X x -
319/88 x - - x x X x -
140/90 x - - x x X x -
090/90 x - - x x X x -
130/93 x - - x - - - -
30/96 x - - - x X x -
124/98 x - - - - - x -
270/2003 x - - - - - - x
78/2004 x - - - x X x x
33/2007 x x - - - X x -
60/2008 x x - - - X x -
469/2012 x x - x - X x -
925/2012 x x - x - X x -
TOTAL
SIM
NÃ
O
SIM
NÃ
O
SIM
NÃ
O
SIM
NÃ
O
SIM
NÃ
O
SIM
NÃ
O
SIM
NÃ
O
SIM
NÃ
O
15 0 4 11 0 15 7 8 6 9 11 4 13 2 2 13