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FACULDADE DE DIREITO MILTON CAMPOS
RESPONSABLIDADE DOS SÓCIOS RETIRANTES OU EXCLUÍDOS
APÓS A DESVINCULAÇÃO NOS CASOS DE DISSOLUÇÃO PARCIAL
DE SOCIEDADE LIMITADA
Nova Lima
2009
ROBERTO VENESIA
RESPONSABLIDADE DOS SÓCIOS RETIRANTES OU EXCLUÍDOS
APÓS A DESVINCULAÇÃO NOS CASOS DE DISSOLUÇÃO PARCIAL
DE SOCIEDADE LIMITADA
Dissertação apresentada ao curso de Pós-Graduação
Strictu Sensu da Faculdade de Direito Milton Campos
como requisito parcial para obtenção do título de
Mestre.
Área de concentração: Direito Empresarial
Orientador: Prof. Dr. Jason Soares de Albergaria Neto
Nova Lima
2009
VENESIA, Roberto
V458 r Responsabilidade dos sócios retirantes ou excluídos após a desvinculação nos casos de
dissolução parcial de sociedade limitada./ Roberto Venesia. – Nova Lima: Faculdade de
Direito Milton Campos / FDMC, 2009.
62 f. enc.
Orientador: Prof. Dr. Jason Soares de Albergaria Neto
Dissertação (Mestrado) – Dissertação para obtenção do título de Mestre, área de
concentração Direito empresarial junto a Faculdade de Direito Milton Campos
Bibliografia: f. 59
1. Sociedade Limitada. 2. Dissolução Parcial. 3. Responsabilidade. 4. Sócio
Desvinculado. I. Albergaria Neto, Jason Soares de. II. Faculdade de Direito Milton Campos
III. Título
CDU 347. 724 (043)
Ficha catalográfica elaborada por Emilce Maria Diniz – CRB – 6 / 1206
Faculdade de Direito Milton Campos – Mestrado em Direito Empresarial
Dissertação intitulada “Responsabilidade dos sócios
retirantes ou excluídos após a desvinculação nos
casos de dissolução parcial de sociedade limitada”,
de autoria do Mestrando Roberto Venesia, para exame
da banca constituída pelos seguintes professores:
Prof. Dr. Jason Soares de Albergaria Neto Orientador
Prof. Dr.
Prof. Dr.
Nova Lima, setembro de 2009 Alameda da Serra, 61 – Bairro Vila da Serra – Nova Lima – Cep 34000-000 – Minas Gerais – Brasil. Tel/fax (31) 3289-1900
Dedico o presente trabalho aos meus pais,
que sempre me apoiaram e incentivaram
em todas as etapas que tive que enfrentar
para chegar a esta última que se encerra.
Dedico-o, ainda, à Raquel, que me
incentivou desde o início a ingressar no
Curso e me apoiou incondicionalmente
durante toda a sua duração.
A vocês, muito obrigado.
AGRADECIMENTO
Para a conclusão desta etapa foi indispensável o apoio dos colegas do escritório
Tostes & De Paula, pelos incentivos e sugestões, além de entenderam as dificuldades deste
curso e perdoarem minhas ausências.
Agradeço, ainda, ao Prof. Jason, pela orientação nesta Dissertação e pela paciência com
minha lentidão.
RESUMO
O presente trabalho, tendo como foco a Sociedade Limitada, por ser a forma societária
mais utilizada pelos empreendedores brasileiros, objetiva analisar os desdobramentos da
extinção parcial do vínculo societário que recaem sobre o sócio que se desvincula e que
muitas vezes necessitam de soluções cujas respostas não se encontram de forma adequada na
legislação, doutrina ou jurisprudência. O estudo destacará inicialmente a natureza jurídica dos
contratos societários para possibilitar uma melhor compreensão acerca do nascimento desses
instrumentos e de eventuais vícios deles decorrentes, que podem ser contornados sem que seja
necessário extinguir por completo a sociedade. Por último, serão estudadas as formas de
dissolução de sociedade presentes no Código Civil de 2002, sua aplicação à teoria da
dissolução parcial da sociedade, bem como sua aplicação às Sociedades Limitadas. Nesse
momento nascerá o problema que se buscará resolver na presente dissertação, visto que,
malgrado a expressa intenção do legislador do CC/02 de aplicar dispositivos das Sociedades
Simples às Sociedades Limitadas, não observou serem sociedades de formas e estruturas
incompatíveis e que muitas vezes não admitem a aplicação de um só Direito.
Palavras-chave: Sociedade Limitada. Dissolução parcial. Responsabilidade. Sócio
desvinculado.
SINTESI
Il presente studio, focato sulle società a responsabilita limitata, già che è la forma societária
più utilizzata dagli imprenditori brasiliani, ha l‟ obiettivo di analizzare gli sdoppiamenti della
scissione parziale del vincolo societario che ricadono sol socio che si svincola, ed è ricorrente
la necessità di soluzioni che non trovano risposte adeguate nella legislazione, dotrina o
giurisprudenza. Il presente lavoro evidenzierà inizialmente la natura giuridica dei contratti
societari per cogliere una miglior compreensione circa la formazione di questi stumenti e di
eventuali vizi decorrenti che possono essere risolti senza che sia necessario estinguere la
società per completo. Alla fine, saranno analizzate le specie si estinzione delle società
presente nel Codice Civile del 2002, la sua incidenza sulla teoria della scissione parziale, oltre
alla sua applicazione alle società a responsabilità limitata. A questo punto nasce il problema di
cui si proporrà risolvere in questa dissertazione, visto che, nonostante l‟ espressa intenzione
del Legislatore del CC/02 di far incidere dispositivi delle “sociedades simples” alle società a
responsabilità limitata, non ha osservato il fatto che sono strutture incompatibili e che molte
volte non ammettono l‟ applicazione di un unico diritto.
Parole chiavi: Società Limitata. Scissione Parziale. Responsabilità. Socio svincolato.
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO ........................................................................................................... 8
2 CONTRATO DE SOCIEDADE .............................................................................. 10
2.1 Natureza jurídica ......................................................................................................... 10
2.2 Elementos formais e objetivos essenciais do contrato societário ............................... 17
2.3 Vícios no contrato societário .................................................................................... 211
3 DISSOLUÇÃO DA SOCIEDADE LIMITADA NO CÓDIGO CIVIL
DE 2002……………………………………………………………………………..25
3.1 Previsão legal .............................................................................................................. 27
3.2 Conceitos ..................................................................................................................... 28
3.2.1 Distinção entre dissolução de sociedade e liquidação ................................................ 29
3.3 Causas de dissolução das sociedades .......................................................................... 30
3.3.1 Causas de dissolução de pleno direito......................................................................... 30
3.3.1.1 Término do prazo de duração..................................................................................... 30
3.3.1.2 Deliberação dos sócios ............................................................................................. 322
3.3.1.3 Falta de pluralidade de sócios .................................................................................... 32
3.3.1.4 Extinção da autorização para funcionar ..................................................................... 33
3.3.2 Causas de dissolução judicial ..................................................................................... 34
3.3.2.1 Anulação ou nulidade da constituição ....................................................................... 34
3.3.2.2 Exaurimento do fim social ......................................................................................... 35
3.3.2.3 Inexequibilidade do fim social ................................................................................. 366
3.3.2.4 Falência e liquidação ................................................................................................ 377
3.3.2.5 Outras formas de dissolução judicial ......................................................................... 37
3.4 Da dissolução parcial ............................................................................................... 399
4 DAS CONSEQUÊNCIAS DA EXTINÇÃO DO VÍNCULO DE UM SÓCIO
PARA COM A SOCIEDADE ............................................................................... 422
5 DA RESPONSABILIDADE DOS SÓCIOS RETIRANTES OU EXCLUÍDOS
APÓS A DESVINCULAÇÃO ................................................................................. 50
5.1 Do direito de retirada ............................................................................................... 522
5. Exclusão de sócio por justa causa ............................................................................ 555
5.3 Falecimento de sócio ................................................................................................ 566
6 CONCLUSÃO ......................................................................................................... 577
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ................................................................................ 599
8
INTRODUÇÃO
Em nosso atual ordenamento jurídico, o novo Código Civil, promulgado em 10 de janeiro de
2002, traz dentro de seu sistema, incorporando os dispositivos do antigo Código Comercial, a
legislação basilar regulamentadora da criação, existência e extinção das sociedades, mas
também inclui em seu texto importantes temas que não eram tratados pela legislação anterior,
mas já abordados e enfrentados pela doutrina e jurisprudência.
Entretanto determinadas formas societárias, em função de sua alta complexidade e
dinamicidade, continuam mantendo legislações próprias apartadas do sistema civilista como
exemplam as Sociedades Anônimas e as Cooperativas. Porém, isso não quer dizer que o
Código Civil vigente não cuidou de tratar dessas sociedades empresarias naquilo que lhes era
acessível.
Estão, assim, regulamentados, em grande parte dentro do Código Civil, tantos os dispositivos
pertinentes à forma como as sociedades se constituem e passam a funcionar, como também as
regulamentações para que tais sociedades possam extinguir-se regularmente.
Tão importante quanto os atos destinados à criação e funcionamento de determinada empresa,
é necessária a correta observância de uma série de providências para que ocorra regularmente
a dissolução de determinada sociedade, posto que com a dissolução encerra-se a fase ativa da
sociedade, seguindo-se sua liquidação, que, por sua vez, constitui uma fase de preparação para
seu definitivo encerramento.
Mesmo com consideráveis críticas de renomados doutrinadores acerca de temas não
abordados no Código Civil de 2002, não há dúvidas de que um dos principais temas que
restaram sem previsão expressa neste novo sistema foram aqueles pertinentes à dissolução
parcial das sociedades.
Entretanto, referido diploma, convergindo para a melhor orientação doutrinária e
jurisprudencial, ainda que de forma indireta, admitiu hipóteses de dissolução de sociedades
com relação a apenas um sócio, como naquelas previstas nos artigos 1.028 a 1.032, 1.035,
1.085 e 1.086.
9
Tão importante quanto conhecer os requisitos e desdobramentos da dissolução „total‟ da
sociedade, é entender os efeitos da dissolução „parcial‟ da sociedade, principalmente no que
diz respeito à responsabilidade do sócio retirante ou excluído perante a sociedade, os outros
sócios e terceiros.
Nesta seara, mostram-se extremamente relevantes as novas orientações que permeiam o
Direito Empresarial, cujo principal „expoente‟ é a prevalência do interesse socioeconômico,
representado pela Teoria da Preservação da Empresa, que pode ser resumidamente
classificada como a continuidade da existência da sociedade, mesmo com a retirada ou
exclusão de um dos sócios.
Marcado o fim do vínculo de determinada empresa para com um de seus sócios, através de
dissolução parcial do contrato social, será necessária uma série de procedimentos e atos, como
a apuração dos haveres da sociedade, o pagamento dos credores e a distribuição do saldo aos
sócios, para que a sociedade possa dar como concluída a retirada ou exclusão dos sócios.
Nasce, portanto, um problema de ordem prática, principalmente à luz dos dispositivos legais,
pertinente à responsabilidade dos sócios retirantes ou excluídos, mormente quanto à fixação
dos termos temporais para configuração ou exclusão de responsabilidades para com a
sociedade, ou outros sócios e terceiros.
10
2 CONTRATO DE SOCIEDADE
2.1 Natureza jurídica
“A sociedade se forma pela manifestação de vontade de duas ou mais pessoas, que se
propõem a unir os seus esforços e cabedais para a consecução de um fim comum.”1
Seguramente esta não é a mais completa e precisa definição de sociedade, mas cumpre iniciar
o presente trabalho com a transcrição de um trecho do renomado doutrinador Rubens
Requião, exatamente pela simplicidade e abrangência da conceituação.
O próprio autor reconhece em sua obra a imprecisão da definição, mesmo porque não leva em
consideração a forma “unipessoal” que pode adotar uma sociedade. Mas deixa claro que é a
própria complexidade do instituto em estudo (sociedade) que não permite classificações
definitivas e conclusivas.
Nessa mesma vertente segue o presente estudo, que exigirá uma análise aprofundada, mas não
definitiva, de diversos aspectos e institutos inerentes ao Direito Societário. Seria, talvez,
superficial um trabalho que buscasse analisar alguns dos desdobramentos da dissolução de
uma Sociedade Limitada sem apreender seus elementos constitutivos nem a maneira como a
legislação brasileira estabelece suas formas de dissolução.
Por isso se mostra necessário entender de antemão qual é a natureza jurídica do ato que dá
vida à sociedade limitada, cuja importância muito bem aponta o referido doutrinador:
Muito importa, de outro lado, a conceituação que se der ao ato constitutivo de
sociedade comercial privada, pois de cada teoria defluem soluções diferentes, como,
por exemplo, nos casos de dissolução da sociedade. Se considerarmos a sociedade
como decorrente de contrato bilateral, a morte, renúncia ou exclusão de um sócio,
dissolve todo o vínculo contratual e a sociedade perece, o que não ocorrerá se a
conceituação for desvinculada desse conceito.2
1 REQUIÃO, Rubens. Curso de Direito Comercial. v. 1. 22. ed. São Paulo: Saraiva, 1995. p. 265.
2 Ibidem, p. 267.
11
Apesar de as sociedades comerciais, assim como as conhecemos, serem entidades jurídicas
criadas nos primórdios da Idade Média, sua conceituação somente foi introduzida no
ordenamento jurídico brasileiro pelo Código Civil de 1916, mais precisamente no art. 1.363,
apesar da anterioridade do Código Comercial, que não fornecia um conceito para esta
expressão.
A imprecisão da conceituação estabelecida no referido art. 1.363 do CC/16 permitia uma
aplicação ampla do conceito de sociedade, a ponto de ser empregado igualmente entre pessoas
jurídicas sem fins lucrativos e sociedades comerciais propriamente ditas (ex.: associações e
Limitadas):
Art. 1.363. Celebram contrato de sociedade as pessoas, que mutuamente se obrigam
a combinar seus esforços ou recursos, para lograr fins comuns.3
O legislador do Código Civil de 2002 corrigiu essa imprecisão através do art. 981, com a
simples inclusão no texto legal do conceito de finalidade econômica e partilha de resultados
indispensáveis para a criação de uma sociedade empresarial, como forma de distingui-la de
uma associação, por exemplo:
Art. 981. Celebram contrato de sociedade as pessoas que reciprocamente se obrigam
a contribuir, com bens ou serviços, para o exercício de atividade econômica e a
partilha, entre si, dos resultados.4
Dito isso, indaga-se: qual seria a razão para a criação de uma pessoa jurídica na forma de
sociedade? Interessante esclarecimento a esse respeito é trazido por Alfredo de Assis
Gonçalves Neto:
A sociedade é um negócio jurídico que tem por propósito criar um novo sujeito de
direito, distinto das pessoas (ou da pessoa) que o ajustam, capaz de direito e de
obrigações na ordem civil, para facilitar o intercâmbio no mundo do direito,
interpondo-se entre seus criadores (ou seu criador) e terceiros na realização de
negócios.
[…]
O propósito de criar um novo sujeito de direito é essencial; sem ele não há
sociedade. Como sujeito de direito, dotado ou não de personalidade jurídica, a
3 BRASIL. Código Civil de 1916. Lei nº 3.071, de 1º de janeiro de 1916. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/CCIVIL/leis/L3071.htm>. Acesso em: 12 jul. 2009. 4 BRASIL. Código Civil de 2002. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Disponível
em: < http://www.planalto.gov.br/CCIVIL/leis/2002/L10406.htm>. Acesso em: 12 jul. 2009.
12
sociedade passa a ter em maior ou menor grau, patrimônio e vontade própria distinto
das partes que a constituem.5
É sabido que as sociedades adquirem personalidade jurídica com a inscrição de seus atos
constitutivos nos registros próprios (art. 985, CC/02). Mas sabe-se também que é possível a
existência de sociedade de fato, cujos efeitos e limites estão elencados no art. 986 e seguintes
do CC/02.
Independentemente de se tratar de sociedade de direito ou de fato, tanto em uma como em
outra há um acordo de vontades entre pessoas, ainda que verbal, que é a pedra fundamental
para o surgimento da sociedade. Ou como bem explica Alfredo de Assis Gonçalves Neto:
Por ato constitutivo de sociedade deve-se entender ação humana volitiva, a
manifestação de vontade dirigida à sua criação, manifestada pelo meio legal
admitido, com o preenchimento dos elementos essenciais a sua validade (agente
capaz, forma legal, e objeto lícito).6
Assim, como o presente estudo se propõe a analisar questões inerentes às Sociedades
Limitadas, e também por razões de relevância, será abordada a natureza jurídica de uma
sociedade legalmente constituída e registrada, visto que as peculiaridades das “sociedades de
fato” não têm pertinência no presente trabalho.
Não há dúvidas de que das lições de Tullio Ascarelli se extraem as melhores noções e
classificações acerca da natureza jurídica e elementos desse contrato societário, as quais
serviram de inspiração para o presente trabalho.
Explica o doutrinador italiano que há duas corrente doutrinárias distintas que tentam explicar
a natureza jurídica desse ato jurídico. De uma parte estão aqueles que negam a forma
contratual do ato constitutivo, vendo a existência de um ato complexo, não contratual. De
outro lado, aquela parcela majoritária que entende ser o ato constitutivo da sociedade nada
mais que um contrato.
Mas o doutrinador, imbuído de um espírito crítico, adverte quanto aos equívocos de ambas as
correntes e se propõe a encontrar uma melhor interpretação. Em suas palavras:
5 GONÇALVES NETO, Alfredo de Assis. Direito de empresa: comentários aos artigos 966 a 1.195 do Código
Civil. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2007. p. 110. 6 Ibidem, p. 111.
13
Os estudiosos orientam-se especialmente em duas direções: por um lado, há teorias
modernas que negaram a contratualidade na constituição de uma sociedade (civil e,
mais ainda, comercial) vendo nela, ao contrário, um ato complexo; por outro lado, a
doutrina tradicional viu, na constituição de uma sociedade um contrato. Em face da
primeira dessas duas correntes, era difícil explicar a aplicação de diversas normas
dos contratos na constituição da sociedade; em face da segunda, ao contrário, difícil
era explicar a exclusão no contrato de sociedade de algumas destas com óbvias
exigências práticas.
Creio que a solução do problema possa ser encontrada distinguindo-se na categoria
dos contratos, uma subespécie que poder-se-ia denominar a do contrato plurilateral,
levando em conta suas características formais.
Essa categoria distingue-se, com efeito: a) pela possibilidade da participação de mais
de duas partes; b) pelo fato de que quanto a todas essas partes, decorrem do contrato,
quer obrigações, de um lado, quer direitos, de outro.7
O legislador brasileiro indiscutivelmente optou por adotar a corrente contratualista para nosso
ordenamento jurídico. Como dito anteriormente, o Código Civil de 1916, responsável por
inserir o conceito de sociedade no sistema legislativo empresarial, já previa a forma contratual
do instrumento constitutivo firmado entre pessoas intencionadas em comungar esforços e
capital para um bem e fim comuns.
O legislador do Código Civil vigente manteve a classificação do ato constitutivo de sociedade
como espécie de contrato. É o que se apreende de imediato da leitura do art. 981 do CC/02,
dispensando maiores digressões.
A origem da teoria contratualista remonta aos meados do século XIX, incluindo o ato
constitutivo da sociedade como uma das várias espécies de contratos, como acordos bilaterais
de vontade.
Importante lembrar que, em suas lições, Ascarelli utiliza a expressão “contrato de permuta”
como sinônimo de contrato bilateral. A expressão “permuta” é empregada em sentido amplo,
genérico, indicando situações onde há manifestação de vontade mútua, contraposta e onerosa
de duas partes, que se aperfeiçoa com a troca de coisas (ex.: dinheiro pelo bem).
Os estudos que evoluíram a partir desta doutrina apontam para a inadequação dessa definição
de ato constitutivo de sociedade como espécie de contrato bilateral ou de permuta, porque se
7 ASCARELLI, Tullio. Problemas das Sociedades Anônimas e Direito Comparado. Campinas: Bookseller
Editora, 2001. p. 374.
14
verificou ser impossível aplicar aos contratos de sociedade e aos conflitos deles decorrentes
alguns dos institutos inerentes ao contrato, entendido como gênero.
Por exemplo, entre contratantes para a formação de uma sociedade não há reciprocidade de
contraprestações, ou troca de patrimônio entre eles, visto que cada um destina parcela de seu
patrimônio para a formação do patrimônio de outro ente jurídico.
Nesta esteira, os interesses objetivos dos contratantes não são contrapostos, mas convergentes
ou comuns, já que esses contratantes visam comungar esforços e patrimônio para atingir
maiores resultados e benefícios através de direitos e obrigações, o que não ocorre nos
contratos bilaterais comuns.
Outra crítica que se fez à definição de ato constitutivo de sociedade como contrato bilateral
consistiu nos efeitos decorrentes da falta de manifestação (ou da inadequação ou imperfeição
da manifestação de vontade) de um dos contratantes, que culminava com a dissolução total da
sociedade, o que se demonstrava contrário ao próprio propósito da criação da empresa.
Em contraponto, os críticos da corrente contratualista notavam nas imperfeições acima
apontadas obstáculos intransponíveis, que, segundo eles, impediam a classificação contratual
do ato constitutivo de sociedade, e viam esse instrumento como um “ato complexo”.
Defendiam a tese de que as partes intencionadas na constituição de uma sociedade estariam
do mesmo lado da relação criada pelo ato constitutivo, com a consequente comunhão de
vontades e exteriorização dessas vontades através do ente jurídico criado.
Além disso, segundo Rubens Requião, “[...] no ato complexo todas as vontades individuais
dos declarantes se fundem em uma só, perdendo sua individualidade, formando uma e única
vontade unitária”.8
Tullio Ascarelli justifica que, enquanto na doutrina contratualista as partes intencionadas na
formação de uma sociedade, apesar de disponibilizarem esforços e patrimônios voltados para
um bem comum, têm um objetivo particular algumas vezes contraposto àquele de seu sócio,
8 REQUIÃO, Rubens. Curso de Direito Comercial. v. 1. 22. ed. São Paulo: Saraiva, 1995. p. 267.
15
que se nota, por exemplo, quando da avaliação do patrimônio destinado à integralização do
capital social, enquanto:
[…] no ato complexo, as partes apresentam-se animadas por idêntico interesse;
encontram-se, por assim dizer, do mesmo lado; justamente por isso, o ato complexo
está sujeito a uma disciplina diversa daquela dos contratos.9
O autor aponta erro na teoria dos atos complexos na medida em que eventuais conflitos entre
os sócios, verificados quando da constituição da sociedade, ou mesmo após essa etapa, podem
ser evitados ou adequados através disposições com forma contratual, o que aproxima de
forma indissociável essa teoria da teoria contratualista:
Cada sócio visa tirar da própria contribuição o máximo de lucro, pondo-se, destarte,
em conflito com os demais. No contrato de sociedade o direito é tão consciente
desse contraste que intervém […] para limitar eqüitativamente as possíveis
desproporções entre sócios.10
Conclusão parecida é defendida por Rubens Requião, criticando da mesma forma a adequação
da teoria do ato complexo:
Todos percebem que na formação da sociedade nem sempre as vontades dos
fundadores se harmonizam, de forma a se representarem em linhas harmônicas e
paralelas. Elas se entrecruzam, conflitam-se. Os sócios discutem sua participação, o
valor dos bens quando integralizam em espécie sua cota-capital, a distribuição de
lucros que pode ser díspar, o rateio dos prejuízos, a responsabilidade de cada um, os
deveres e extinção dos poderes nos cargos administrativos. O antagonismo de
interesses é flagrante.
Em segundo lugar, durante toda a vida da sociedade esses antagonismos estão
latentes, aflorando muitas vezes, a ponto de pôr em risco a vida social, quando não
levam a sociedade efetivamente à dissolução, que é a morte do ser coletivo.11
Há de se destacar, ainda, a teoria que conceituava o ato constitutivo de sociedade como o ato
corporativo ou de união. Os defensores dessa doutrina entendiam que as manifestações de
vontade dos futuros sócios não teriam qualquer validade jurídica separadamente antes de
reunidas em uma única manifestação, que seria o ato constitutivo.
9 ASCARELLI, Tullio. Problemas das Sociedades Anônimas e Direito Comparado. Campinas: Bookseller
Editora, 2001. p. 376. 10
Ibidem, p. 377. 11
REQUIÃO, Rubens. Curso de Direito Comercial. v. 1. 22. ed. São Paulo: Saraiva, 1995. p. 267-268.
16
Além disso, para eles, do ato constitutivo formado pela declaração de vontade dos sócios não
haveria o surgimento de um ente jurídico, com personalidade própria, mas apenas obrigações
entre eles.
Mas qual seria, então, a justificativa de se criar uma sociedade sem personalidade jurídica ou
não detentora de direitos e obrigações próprios? Aliás, como muito bem critica Rubens
Requião, “[…] a personalidade jurídica, quando ela é reconhecida pelo direito, decorre não do
contrato, mas da lei”.12
Dentre as teorias que negam a natureza contratual do ato constitutivo da sociedade deve-se
destacar, por fim, a teoria chamada de institucionalista, que se originou entre os
comercialistas alemães, mas se desenvolveu na França.
Referida teoria teve origem nos princípios e institutos de Direito eminentemente Público, os
quais se buscaram transpor e adaptar para a realidade das sociedades anônimas.
O que eminentemente diferenciaria “instituição” de “contrato”, segundo Rubens Requião,
seria que:
[…] na primeira, o consentimento dos membros se restringe à aceitação da
disciplina, sem preocupação imediata dos resultados de sua atividade, no segundo, o
consentimento tem por objeto os atos dos contratantes e implica os resultados. 13
Diante do dinamismo intrínseco à natureza das Sociedades Anônimas, não há dúvidas quanto
à correção deste conceito, entretanto verifica-se que o mesmo regime não é aplicável às outras
formas societárias, já que não haveria livre pactuação entre as partes, mas mera adesão a uma
situação pré-definida, por isso sua inadequação como conceito genérico.
Ascarelli, reafirmando a teoria contratualista, desenvolve a partir dessas críticas a teoria do
ato constitutivo societário como subespécie de contrato, classificado pelo doutrinador como
“plurilateral”.
12
REQUIÃO, Rubens. Curso de Direito Comercial. v. 1. 22. ed. São Paulo: Saraiva, 1995. p. 268. 13
Ibidem, p. 269.
17
Como já dito, e bem ressaltado por este autor, a teoria contratualista original (contrato
societário como contrato bilateral) carregava imperfeições inerentes à própria natureza do
instituto jurídico, impedindo a aplicação de alguns princípios da teoria geral dos contratos.
Podemos, pois, voltar à doutrina tradicional, afirmando ser, a constituição da
sociedade, um contrato.
Alias, é fácil observar ser, essa, a premissa explicita ou implicitamente seguida,
quando a legislação e a jurisprudência disciplinam a sociedade entre os contratos e
lhe aplicam, em princípio, as regras dos contratos.
Essa primeira afirmação é rica de conseqüências: é, por exemplo, à teoria dos
contratos que deveremos, em princípio, atender em matéria de capacidade, vícios, de
momento de perfeição do contrato; é por força dessas regras que, em princípio, isto
é, salvo normas legais especiais, deve ser negada (salvo com o consentimento
unânime das partes) a possibilidade de modificar o que originalmente fora
estabelecido e assim por diante.
Por outro lado, porém, a crítica da tese contratualista parte justamente da existência
de algumas peculiaridades do contrato de sociedade.
O exame dessas peculiaridades […] parece-me demonstrar que, embora elas não
sejam incompatíveis com os princípios fundamentais do contrato, há, no entanto,
uma distinção entre as sociedades e os contratos de permuta; esta distinção permite
identificar, entre os contratos, a subespécie dos “contratos” plurilaterais […]14
2.2 Elementos formais e objetivos essenciais do contrato societário
A teoria contratualista clássica admitia apenas a presença de duas partes na relação contratual,
da qual decorreriam obrigações recíprocas. Nas palavras de Ascarelli “[…] chegou-se mesmo
a afirmar ser a participação de mais de duas partes incompatível com a natureza do
contrato”.15
A nova forma de entender a natureza jurídica do contrato de associação, proposta por
Ascarelli, trouxe inúmeras soluções às falhas observadas nas críticas à doutrina clássica.
Seguindo suas orientações, tem-se como um dos principais aspectos de sua teoria
contratualista a possibilidade de participação simultânea de duas ou mais partes na relação
14
ASCARELLI, Tullio. Problemas das Sociedades Anônimas e Direito Comparado. Campinas: Bookseller
Editora, 2001. p. 386. 15
Ibidem, p. 388.
18
contratual, através da qual todas essas partes assumiriam parcelas proporcionais de direitos e
obrigações.
Como já dito, nos contratos de sociedade, as partes não têm interesses antagônicos, mas sua
relação possui como princípio a comunhão de esforços e colaboração recíproca na busca de
um bem comum, que seria um maior proveito econômico para todos. Melhor explicado nas
palavras de Modesto Carvalhosa:
No contrato plurilateral de sociedade, as partes não têm interesses contrastantes, mas
o interesse comum de exercer uma determinada atividade econômica, e contratam
justamente para atingi-lo por um meio da colaboração recíproca, contribuído cada
uma para o fundo comum (capital social), e partilhando entre si os resultados.16
Ascarelli, entretanto, ressalta e afasta o entendimento de comunhão ou convergência de
vontades absoluta entre as partes que pretendem instituir uma sociedade – crítica à teoria do
ato complexo.
Esclarece o doutrinador italiano que os interesses contrapostos podem surgir tanto quando da
criação da sociedade, no momento de serem avaliados os bens ou patrimônios destinados à
integralização ou subscrição, bem como pelo legítimo interesse de cada sócio em obter maior
vantagem possível da sociedade da qual participa, quando já constituída.
Outro aspecto importante da orientação doutrinária apontada por Ascarelli é a titularidade de
direitos e obrigações intrínseca à qualidade de sócio. Direito de participar da distribuição de
lucros e dividendos (além de direitos inerentes à gestão dos negócios sociais e administração
da sociedade) e obrigação de compartilhar esforços e disponibilizar capital e/ou patrimônio
para constituição do novo ente jurídico (além das obrigações de suportar perdas e prejuízos):
Todas as partes de um contrato plurilateral são titulares de direitos e obrigações. […]
Cada parte, pois, tem obrigações, não para com “uma” outra, mas para com “todas”
as outras; adquire direitos, não para com “uma” outra, mas para com “todas” as
outras. 17
16
CARVALHOSA, Modesto. Comentários ao Código Civil: parte especial: do direito de empresa (artigos 1.052
a 1.195). vol. 13. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2005. p. 55. 17
ASCARELLI, Tullio. Problemas das Sociedades Anônimas e Direito Comparado. Campinas: Bookseller
Editora, 2001. p. 389.
19
Assim, se cada parte na relação social é detentora de direitos e obrigações mútuas (que não
podem ser distinguidas de forma qualitativa, mas apenas quantitativa), a finalidade do
contrato social é harmonizar as relações entre sócios e entre sócios e a sociedade.
Esclarece Ascarelli que esta função não se encerra com a conclusão do contrato, mas “[...]
constitui a premissa para uma atividade ulterior; a realização desta constitui a finalidade do
contrato; este consiste, em substância, na organização de várias partes em relação ao
desenvolvimento de uma atividade ulterior”.18
Desta forma, ainda dentro das múltiplas relações inseridas no contrato de sociedade, terá este
ato jurídico de estabelecer não só condições de constituição da sociedade em si, ingresso em
seus quadros, mas também deliberações acerca da vida da organização, permitindo uma
melhor interpretação dos efeitos decorrentes das relações entre sócios e entre a sociedade e
terceiros:
Os atos que, na hipótese da propriedade individual, constituem apenas manifestações
de lícito jurídico, passam, ao contrário, a ser, objeto de disciplina jurídica
pormenorizada, dada a necessidade de delimitar de um lado os direitos de cada parte
no contrato e de outro lado, os direitos individuais de cada parte e os coletivos de
todas.
Portanto nos contratos plurilaterais é mister distinguir entre o que respeita à
formação do contrato e o que respeita ao preenchimento da função instrumental
dele: os requisitos exigidos a este último respeito não visam apenas ao momento da
conclusão do contrato, mas, também à vida da organização e devem, por isso,
continuamente subsistir; podem, apesar de existirem no momento da conclusão do
contrato, às vezes faltar, durante a duração do contrato, acarretando a dissolução
dele.19
Portanto, se o contrato societário permite a fixação de regras inerentes aos direitos e deveres
dos sócios para com a sociedade, este também deve permitir que se estabeleçam regramentos
destinados a regular os efeitos das atividades comerciais da sociedade.
Outra peculiaridade inerente à estrutura plurilateral do contrato societário proposta por
Ascarelli reside na possibilidade de se alterarem condições do referido contrato ao longo de
sua existência, sem que haja necessariamente extinção da sociedade, na eventualidade de uma
das partes não anuir com essas alterações.
18
Ibidem, p. 396. 19
ASCARELLI, Tullio. Problemas das Sociedades Anônimas e Direito Comparado. Campinas: Bookseller
Editora, 2001. p. 397-398.
20
Como se sabe, aos sócios é dada a responsabilidade pela gestão econômica e/ou comercial da
sociedade, como também a gestão das atividades internas da empresa. Entre esses poderes
inclui-se aquele que permite ao gestor alterar a estrutura do contrato, obviamente respeitando
as condições (quorum) de deliberação.
Nesse sentido, estas são as palavras de Ascarelli:
Na gestão da organização achamos, muitas vezes, a possibilidade – naturalmente em
limites diversos nos vários casos – de uma deliberação por maioria. Esta
possibilidade corresponde justamente à existência de uma organização que visa uma
finalidade comum a todos os participantes: nesta comunhão de escopo, assenta,
afinal, o poder da maioria. Essa possibilidade é, por isso, tanto maior quanto mais
nítida é, nos vários tipos de contratos plurilaterais, a distinção entre os interesses
“comuns” e aqueles “particulares” de cada participante.
Os contratos plurilaterais se prendem, assim, à constituição de uma organização, em
que há a possibilidade de deliberar por maioria, o que, ao contrário, é inadmissível
nos demais contratos.20
No mesmo sentido se posiciona Modesto Carvalhosa, inclusive citando o exemplo da
Sociedade Limitada:
Na sociedade limitada não apenas a constituição da sociedade é regulada pelo
contrato plurilateral, mas também a forma como se darão as relações jurídicas entre
os contratantes é regida por ele.
Isso porque o Código Civil de 2002, apesar de mais conciso que o diploma de 1919,
manteve apenas as disposições essenciais ao funcionamento da sociedade e à
disciplina das relações entre os sócios destes para com a sociedade, deixando à
autonomia das partes a regulação detalhada dos seus interesses.21
Diante de sua nova teoria, Ascarelli imagina uma formatação geométrica da relação entre
sócios e sociedade, para melhor ilustrar seus fundamentos. Para isso equipara o contrato
societário plurilateral a um círculo, em contraponto à teoria clássica onde a relação contratual
seria simplesmente uma linha, e as partes estariam em suas extremidades.
Sem a pretensão de melhorar a teoria de Ascarelli, mas para melhor enxergar sua geometria
exemplificativa, talvez uma roda representaria melhor esta relação contratual de uma
20
ASCARELLI, Tullio. Problemas das Sociedades Anônimas e Direito Comparado. Campinas: Bookseller
Editora, 2001. p. 422-423. 21
CARVALHOSA, Modesto. Comentários ao Código Civil: Parte especial: do direito de empresa (artigos 1.052
a 1.195). vol. 13. 2. ed. São Paulo: Saraiva. 2005. p. 55-56.
21
sociedade onde os sócios estariam localizados na circunferência, ligados um ao outro, a
pessoa jurídica estaria no centro da roda, sendo os raios a representação dos vínculos entre
sócios e sociedade.
2.3 Vícios no contrato societário
Talvez o aspecto mais relevante da teoria plurilateralista de Ascarelli resida na maleabilidade
da resolução de conflitos e vícios que se apresentam nas adesões ao ato constitutivo da
sociedade.
Para a teoria bilateral clássica, qualquer vício na manifestação de vontade na formação do
contrato por qualquer uma das partes viciaria necessariamente toda a relação contratual.
Não é possível a subsistência do contrato quando seja nula ou anulada a
manifestação de vontade de uma das partes que concorreram para a sua formação.
O mesmo não se verifica nos contratos plurilaterais.
O vício de uma das manifestações que concorreram para a formação do contrato,
importa nulidade ou anulabilidade dessa manifestação; não importa, porém, nulidade
ou anulabilidade do contrato.22
A estruturação defendida por Ascarelli permite que cada vício na manifestação de vontade de
aderir a uma sociedade seja abordado e enfrentado singularmente, preservando o restante do
conjunto contratual, desde que continue possível a consecução do fim social, em homenagem
à Teoria da Preservação da Empresa:
Essa regra corresponde, em substância, ao que se costuma chamar de “princípio de
conservação” dos contratos e à oportunidade de não estender, além do necessário, as
conseqüências da nulidade ou da anulação de uma das manifestações de vontade.
A regra acha-se expressa, corretamente, no direito francês; é adotada na doutrina
italiana; é expressa como pacífica no direito brasileiro, em virtude do art. 153 do
Código Civil, e, no direito alemão, em virtude do § 139 daquele código.
É evidente que essa regra assenta justamente na pluralidade dos contraentes; tal
pluralidade torna possível a permanência do contrato, não obstante a anulação ou
22
ASCARELLI, Tullio. Problemas das Sociedades Anônimas e Direito Comparado. Campinas: Bookseller
Editora, 2001. p. 413.
22
nulidade de uma das adesões, desde que seja possível a consecução do objetivo
contratual.23
Nessas situações é importante perquirir a natureza do vício verificado na relação societária,
tendo em vista que, caso essa falha na manifestação pela adesão implique vício no contrato
em si, este sofrerá diretamente os resultados, podendo ser resolvido.
No mesmo sentido, mas não menos importante, é o posicionamento de Celso Barbi Filho
quanto às inovações proporcionadas pela teoria plurilateralista de Ascarelli:
No campo dogmático, o grande avanço para o trabalho construtor da dissolução
parcial verificou-se com as teorias do ato jurídico complexo e do contrato
associativo plurilateral, que evidenciaram a natureza do vínculo criado pelo pacto
constitutivo das sociedades. Por essas teorias mostrou-se justificável a limitação dos
efeitos da rescisão do contrato social a apenas um dos sócios, quando a causa do
rompimento somente a ele se referir, havendo a possibilidade e disposição dos
demais em continuar o empreendimento.
O caráter complexo, associativo e plurilateral do contrato de sociedade demonstra
que ele, além de catalisar os contratantes a objetivos comuns e não concorrentes,
constitui uma avença aberta à constante adesão e saída de partes, sem
comprometimento da permanência do ajuste volitivo e, por conseqüência, da pessoa
jurídica constituída.24
(grifo nosso)
Há que se ressaltar, ainda, a importante lição da professora Priscila M. P. Correa da Fonseca:
Assim, o contrato de sociedade, como avença plurilateral que é, pode abranger um
número superior a duas, mas sempre incerto, de partes, possibilitando, destarte, que
outras avenças a ele venham a aderir. E, ao contrário do que sucedo nos contratos
bilaterais – nos quais os direitos e obrigações são exercidos diretamente em relação
ao outro contratante -, nos contratos plurilaterais as partes são titulares de direitos e
obrigações para com todas as outras, já que o exercício desses direitos e obrigações
destina-se à satisfação do interesse comum.25
Outra situação relevante apontada por Ascarelli no que diz respeito aos vícios de
consentimento na constituição de uma sociedade reside em eventual inexecução de obrigação
de um contratante.
Pela teoria contratual clássica, a impossibilidade de executar uma obrigação inadimplida por
uma das partes importa em nulidade ou resolução do contrato. De outro lado, novamente a
23
Ibidem, p. 414-415. 24
BARBI FILHO, Celso. Dissolução parcial de sociedades limitadas. Belo Horizonte: Mandamentos, 2004. p.
147. 25
FONSECA, Priscila M. P. Corrêa da. Dissolução parcial, retirada e exclusão de sócio no novo Código Civil.
3. ed. São Paulo: Atlas, 2005. p. 17.
23
teoria plurilateral avança e permite a manutenção do contrato, afastando apenas a adesão da
parte não cumpridora de suas obrigações desde que o objetivo principal continue alcançável.
Verifica-se ser inaplicável, portanto, aos contratos societários, se entendidos como
plurilaterais, a teoria do exceptio inadimpleti contractus, visto que o inadimplemento de um
aderente, dentre vários participantes, não autoriza os outros sócios a não adimplirem suas
respectivas obrigações. Por outro lado, todos os inadimplentes devem ser executados
simultaneamente, em obediência à isonomia contratual.
Consolidando este entendimento, no mesmo sentido se posiciona Modesto Carvalhosa, que
também defende a manutenção da sociedade e do vínculo societário para com os demais
sócios, na eventualidade do liame de um deles estar viciado ao ponto de não permitir sua
entrada ou permanência na sociedade. Vejamos:
Aos contratos plurilaterais não se aplica a exceção de não cumprimento do contrato
e a sua resolução, em conseqüência disso. A nulidade de contrato com relação a uma
das partes não afeta o vínculo das demais partes no mesmo, a não ser que a parte
com relação à qual o contrato se desfez lhe seja essencial. Da mesma forma, o
rompimento do contrato com relação a uma das partes não prejudica a sua
continuidade com relação às demais. Outrossim, faculta-se o ingresso de novas
partes a qualquer tempo, as quais ficarão vinculadas ao contrato social desde que
expressem o seu consentimento com relação às suas disposições organizativas.
[…]
É claro que, tratando-se de negócio jurídico, está o contrato de sociedade sujeito aos
requisitos gerais de sua validade em geral (art. 104 do Código Civil de 2002), bem
como às limitações fixadas quanto ao conteúdo do contrato social e quanto às
pessoas que podem ser admitidas como sócios. Observando-se esses limites, é livre
o conteúdo do contrato, que deverá trazer minimamente os elementos indicados no
art. 997 do Código Civil de 2002.26
Feitas essas considerações, pode-se concluir que o ato jurídico de constituição de sociedade
(quanto mais de Sociedades Limitadas) possui natureza jurídica de contrato, em primeiro
lugar por definição legal (art. 981, CC/02), mas também por construção doutrinária.
Percebeu-se que, apesar de ser classificado como contrato, ao ato constitutivo de sociedade
não era possível aplicar inúmeros dos institutos e princípios da Teoria Geral dos Contratos,
26
CARVALHOSA, Modesto. Comentários ao Código Civil: Parte especial: do direito de empresa (artigos 1.052
a 1.195). vol. 13. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2005. p. 55-56.
24
principalmente pelo contexto no qual estão inseridos, onde as relações sociais extremamente
complexas e dinâmicas não admitem um engessamento criado pela doutrina bilateral clássica.
Assim, após algumas teorias de menor expressão que tentaram desclassificar o ato
constitutivo da qualidade de contrato, surgiu a teoria plurilateralista de Ascarelli, que passou a
classificar esse ato jurídico como uma espécie do gênero contrato, permitindo que inúmeros
obstáculos da teoria bilateral fossem superados.
Percebe-se que a maior preocupação dessa nova teoria era permitir que a sociedade – e seu
contrato constitutivo e gerencial – permanecessem válidos e eficazes mesmo diante de vícios
e outros obstáculos jurídicos que poderiam levar à extinção do vínculo societário, sempre em
obediência à Teoria da Preservação da Empresa.27
Estando clara a natureza jurídica do contrato social, mantendo o foco sobre as Sociedades por
Cotas de Responsabilidade Limitada, passa-se ao estudo das formas legais de dissolução, total
e parcial dessa espécie societária.
27
Cumpre notar, apesar de não ser objeto deste estudo, que esta teoria desenvolvida por Ascarelli, mesmo com
todos os avanços e soluções trazidos pelo conceito plurilateral que carrega, já vem sofrendo críticas quanto a sua
adequação absoluta a todas as formas societárias. Alfredo de Assis Gonçalves Neto, apesar de reconhecer ser a
mais válida atualmente, aponta que a configuração sugerida por Ascarelli, e amplamente aceita em todo o Direito
Societário moderno, não pode nem consegue ser aplicada às sociedades chamadas unipessoais (ex.: subsidiárias
integrais), como também não se presta a compreender a sociedade, no exercício de suas atividades,
completamente desvinculada da personalidade e vontade de seus sócios.
25
3 DISSOLUÇÃO DA SOCIEDADE LIMITADA NO CÓDIGO CIVIL DE 2002
A existência das sociedades civis ou empresariais se justifica pela necessidade do ser humano
em agregar força, capital, trabalho e conhecimento destinados a atingir objetivos específicos,
que seriam inalcançáveis para um único indivíduo.
Assim, criou-se o entendimento de que toda sociedade, legalmente constituída ou informal,
possui um assim chamado objeto social, que é exatamente a conjunção de força, capital,
trabalho e conhecimento necessários para atingir aos fins para os quais foi criada.
Em nosso atual ordenamento jurídico, o Código Civil de 2002 traz dentro de seu sistema,
incorporando os dispositivos do antigo Código Comercial, a legislação basilar
regulamentadora da criação, existência e extinção das sociedades, incluindo em seu texto,
ademais, importantes temas que não eram tratados pela legislação anterior, mas já abordados e
enfrentados pela doutrina e jurisprudência.
Ressalte-se que determinadas formas societárias, em função de sua alta complexidade e
dinamismo, continuam mantendo legislações próprias apartadas do sistema civilista, como
exemplo as Sociedades Anônimas e as Cooperativas. Porém, isso não quer dizer que o Código
Civil vigente não cuidou de tratar destas sociedades empresárias naquilo que lhe era acessível.
Encontram-se regulamentados, em grande parte dentro do Código Civil, tanto os dispositivos
pertinentes às formas como as sociedades se constituem e passam a funcionar, como também
as regulamentações para que essas sociedades possam extinguir-se regularmente.
Assim, tão importante quanto os atos destinados à criação e funcionamento de determinada
empresa, é necessária a correta observância de uma série de providências para que ocorra
regularmente a dissolução de determinada sociedade, posto que com essa dissolução encerra-
se a fase ativa da sociedade, seguindo-se sua liquidação, que, por sua vez, constitui uma fase
de preparação para seu definitivo encerramento.
Marcado o fim de determinada empresa com a dissolução legal, serão necessários vários
procedimentos e atos, como a apuração dos haveres da sociedade, o pagamento dos credores e
26
a distribuição do saldo aos sócios, para que a sociedade possa ser dada como legal e
corretamente extinta.
Celso Barbi Filho adverte que dentro do Direito Societário a expressão dissolução comporta
dois significados distintos e que devem ser corretamente diferenciados quando o tema
envolvido discorre acerca da desvinculação societária por parte de um sócio, já que esses
significados podem confundir-se entre si:
No primeiro senso, amplo, dissolução denomina genericamente todo o grupo de
causas, conseqüências e procedimentos relacionados ao fim da sociedade. Exprime a
desintegração do vínculo jurídico e da comunhão patrimonial coexistentes na
empresa coletiva, assim como o fim de sua personalidade jurídica. Considerando-se
que a sociedade pode designar tanto o contrato quanto a pessoa jurídica, e, para
alguns até a própria empresa, sua dissolução resume o epílogo desse conjunto.
Assim, dissolução é todo um processo que passa pela liquidação e chega finalmente
à extinção da sociedade. Esse é o significado do termo dissolução que predomina na
doutrina brasileira e estrangeira, havendo, contudo, quem já tenha proposto
substituí-lo por dissociação, que seria o posto de constituição ou associação.
Há um sentido especifico, ou estrito, para a palavra dissolução, que é o marco, o
ato/fato previsto, na lei ou no contrato, deflagrador do processo que, passando pela
liquidação, levará à extinção da sociedade. Nessa segunda acepção, a dissolução é
como o golpe de morte, ato único, inconfundível com o processo que se lhe segue.
[…]
Em suma, dissolução de uma sociedade tanto pode significar o conjunto de atos que
levam à sua extinção como o primeiro desses atos, que é aquele previsto em lei ou
no ato constitutivo da pessoa jurídica como causa de seu fim.
Aqui cabe lembrar que, conforme pacificado na doutrina brasileira e na estrangeira,
além de previsto na própria legislação […], a dissolução stricto sensu não ocasiona,
por si só, o fim da personalidade jurídica da sociedade.1 (grifos nossos)
Assim, mantendo o foco do presente trabalho, serão analisadas as causas de dissolução de
Sociedade Limitada, distinguindo os dispositivos legais que tratam da dissolução de “pleno
direito” ou “judicial”, passando-se a verificar quais são os principais dispositivos legais
relativos a estes atos, existentes tanto no Código Civil como nas legislações específicas.
1 BARBI FILHO, Celso. Dissolução parcial de sociedades limitadas. Belo Horizonte: Mandamentos, 2004. p.
111-113.
27
3.1 Previsão legal
Como dito, o Código Civil de 2002 incluiu dentro de seu texto legal, mas não com
exclusividade, as normatizações relativas à criação, regulamentação, funcionamento e
extinção das Sociedades Empresárias e Civis.
Como o presente estudo focaliza alguns dos efeitos decorrentes da dissolução parcial de
sociedades, o limite do trabalho será analisar as causas de dissolução parcial da Sociedade
Limitada, que não implique a extinção da sociedade.
Inicialmente, estão presentes entre os arts 1.028 a 1.038 do CC/02 tanto as causas de formas
de dissolução de Sociedades Simples, quanto as regras gerais para a dissolução das
Sociedades por Cotas de Responsabilidade Limitada, que são o foco do presente estudo, bem
como para as outras formas societárias, empresárias ou não.
Assim, o legislador, utilizando de regra de reenvio, estabelece no art. 1.044 do CC/02 que as
Sociedades em Nome Coletivo terão sua dissolução regulamentada pelos arts. 1.033 a 1.038
do mesmo diploma, incluindo-se somente a falência como causa e forma de dissolução, já que
tal ocorrência é legalmente vedada para as Sociedades Simples.
Para as Sociedades em Comandita Simples, o legislador novamente faz uso da regra de
reenvio para estabelecer suas causas e formas de dissolução. O art. 1.051 remete, em seu
inciso I, para o art. 1.044, que, como dito, por sua vez, remete aos arts. 1.033 a 1.038, todos
do CC/02.
O referido art. 1.051, em seu inciso II, inova frente às já mencionadas normas, quando
estabelece como causa de dissolução a falta de pluralidade de sócios por mais de 180 dias.
Para a Sociedade Limitada, novamente o legislador utilizou da regra de reenvio para
normatizar as causas de dissolução dessa forma de sociedade, fazendo-o, entretanto, de
maneira pouco prática, e não muito feliz.
28
Os arts. 1.085 a 1.087 estabelecem que as Limitadas serão dissolvidas pelas causas e formas
estabelecidas nos arts. 1.030 a 1.032 e art. 1.044. Mas, como dito, referido dispositivo
somente remete aos arts. 1.033 a 1.038, incluindo apenas, como mencionado, a falência como
forma e causa de dissolução.
Algumas formas societárias, por sua complexidade e dinamismo, necessitaram de legislação
regulamentadora específica, fora do sistema do CC/02. Assim, para as Sociedades Anônimas,
as causas e formas de dissolução estão inseridas nos arts. 206 e 207 da Lei nº 6.404/76.
Também estão fora do „corpo‟ do CC/02 as causas e formas de dissolução das Cooperativas,
que, também possuindo legislação regulamentadora específica, têm as causas e formas de
dissolução fixadas nos arts. 63 a 78 da Lei nº 5.764/71.
Deve-se destacar que, não obstante existirem causas e formas de dissolução de sociedade fora
do rol estabelecido no CC//02 – Lei das S/A e Lei das Cooperativas – a estrutura desta
legislação específica no que é pertinente à extinção das empresas é inteiramente compatível,
se não idêntica, às formas estabelecidas na regra geral do art. 1.033 a 1.038 do CC/02.
3.2 Conceitos
Genericamente a doutrina classifica a dissolução de sociedades abrangendo não somente
eventos pontuais, condições legais e/ou contratuais que colocam fim à sociedade (objeto
social existente), mas também todos os atos que decorrem desse fato, direcionados à extinção
da sociedade, incluindo a fase e atos de liquidação e a extinção em si.
Em sentido estrito, a dissolução de sociedades deve ser considerada como evento que
modifica a situação jurídica de determinada sociedade, para colocá-la em liquidação,
destinando-a à extinção.
29
Verifica-se, portanto, que a dissolução não somente possui o atributo de desmanchar ou
romper todo vínculo jurídico que unia anteriormente as coisas ou pessoas, como também
libera, pela extinção, todas as pessoas envolvidas no ato ou no contrato constitutivo.
Não obstante a palavra dissolução ensejar a ideia de ruptura, cessão ou rompimento; em uma
linguagem jurídica mais técnica pode também imprimir a ideia de procedimento, série de atos
necessários que promoverão a extinção ou o desaparecimento do vínculo jurídico.
Mantendo-se adstrita à tecnicidade do instituto, a definição oferecida por Alfredo de Assis
Gonçalves Neto parece ser aquela que melhor explica o sentido e a objetividade do fenômeno
ora em estudo:
Dissolução, assim, é um acontecimento que a lei reputa determinante da extinção da
sociedade. Mas, para que a sociedade seja extinta, desapareça do mundo jurídico, é
preciso, normalmente, que ela entre em liquidação – fase ou período em que são
concluídos os negócios pendentes, convertidos em dinheiro os bens que compõem o
patrimônio social, pagas as dívidas e divididas as sobras entre os sócios ou
acionistas.2
Ocorrendo a dissolução por qualquer das causas que a originam, a sociedade deveria deixar de
praticar todos e quaisquer atos específicos de seu objeto social – salvo contratos e
negociações pendentes ou em andamento. A partir da dissolução, todos os atos devem ser
praticados objetivando a liquidação da sociedade, que se encerra com a satisfação dos
credores, distribuição do ativo remanescente aos sócios, se for o caso, e a extinção ao final.
3.2.1 Distinção entre dissolução de sociedade e liquidação
Sucintamente, diferencia-se a dissolução da liquidação na medida em que a primeira é o
momento ou fato jurídico que determina o fim do desenvolvimento e persecução do objeto
social; sendo a segunda o processo de apuração dos direitos e deveres da sociedade e dos
sócios.
2 GONÇALVES NETO, Alfredo de Assis. Direito de empresa: comentários aos artigos 966 a 1.195 do Código
Civil. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2007. p. 259.
30
Nessa fase, a sociedade mantém sua personalidade face à necessidade de promover sua
extinção. Ocorre mudança do objeto social, que deixa de ser o lucro, passando a ser a própria
extinção.
Durante a liquidação, mantém a sociedade a personalidade jurídica, não podendo realizar
novos negócios.
3.3 Causas de dissolução das sociedades
Como já dito, as causas de dissolução de sociedades, em linhas gerais, são as mesmas, tanto
para Sociedades Simples como para Sociedades Empresárias ou Cooperativas.
A maior distinção que se destaca entre elas é a falência, cuja incidência é vedada às
Sociedades Simples, pela exclusão do art. 1.044, CC/02, e às Cooperativas de Crédito, pela
exclusão do art. 2º, inc. II, da Lei nº 11.101/05. Nesses casos, devem ser observados os
dispositivos relativos à liquidação das sociedades previstos no CC/02.
A dissolução pode-se dar de pleno direito (amigável ou instantânea), que se opera
instantaneamente, pela simples ocorrência de um fato reputado pela lei ou contrato com
suficiente para caracterizar o fim da sociedade. Pode, ainda, ser judicial (contenciosa), que se
verifica quando há necessidade de o sócio ou interessado buscar o Poder Judiciário para a
declaração de ocorrência da dissolução da sociedade.
3.3.1 Causas de dissolução de pleno direito
3.3.1.1 Término do prazo de duração
31
A primeira das causas de dissolução de sociedade, definida como sendo de pleno direito,
encontra-se inserida no inciso I do art. 1.033 do CC/02.
Art. 1.033. Dissolve-se a sociedade quando ocorrer:
I - o vencimento do prazo de duração, salvo se, vencido este e sem oposição de
sócio, não entrar a sociedade em liquidação, caso em que se prorrogará por tempo
indeterminado; 3
Deve-se destacar inicialmente que as causas de dissolução das sociedades ‘de prazo
determinado’ não são as mesmas das sociedades ‘de prazo indeterminado’. Será por prazo
determinado a sociedade que estabelecer em seu contrato um período determinado para sua
existência, ou um termo final (data ou evento pré-determinado).
Será de ‘prazo determinável’ se houver previsão de duração certa, com indeterminação do
momento, como, por exemplo, o que ocorre nas sociedades rurais criadas para o cultivo e
colheita de determinada safra. Enquanto a cultura não estiver pronta para colheita, tais
sociedades, de ‘prazo determinável’, poderão praticar outros atos compatíveis com seu objeto
social.
É importante esclarecer, em relação à sociedade por prazo determinado, que, ao operar-se o
termo, não se confunde sua causa de dissolução com as causas de exaurimento do objeto
social, como no caso de sociedade de advogados criada para gerir determinada falência.
No regime anterior, advindo o termo previsto no contrato, considerava-se imediatamente
dissolvida a sociedade, mas era admitida sua continuidade caso os sócios deliberassem nesse
sentido, procedendo-se à devida alteração no contrato social.
Consagrando a Teoria da Preservação da Empresa, no atual regime a regra foi invertida.
Advindo o termo, a sociedade somente se dissolve se houver oposição expressa dos sócios
pela continuidade da sociedade.
3 BRASIL. Código Civil de 2002. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Disponível
em: <http://www.planalto.gov.br/CCIVIL/leis/2002/L10406.htm>. Acesso em: 12 jul. 2009.
32
3.3.1.2 Deliberação dos sócios
Os incisos II e III do art. 1.033 do CC/02 apresentam a deliberação dos sócios como causa de
dissolução de sociedade, a depender de dois requisitos: quorum de deliberação e prazo de
duração da sociedade.
Art. 1.033. Dissolve-se a sociedade quando ocorrer:
II - o consenso unânime dos sócios;
III - a deliberação dos sócios, por maioria absoluta, na sociedade de prazo
indeterminado;4
Na sociedade por prazo determinado dissolve-se a sociedade por deliberação com aprovação
unânime dos sócios. Na sociedade por prazo indeterminado há possibilidade de dissolução
mediante a deliberação dos sócios quando ocorrer maioria absoluta.
3.3.1.3 Falta de pluralidade de sócios
Apesar da tendência da doutrina e das legislações estrangeiras em admitir a existência de
sociedades unipessoais, que não devem ser confundidas com a „nossa‟ firma individual, o
legislador do CC/02 preferiu manter o histórico entendimento de que toda sociedade deve ser
composta por pluralidade de sócios.
Neste sentido, o inciso IV do art. 1.033 do CC/02 considera dissolvida a sociedade quando a
pluralidade de sócios não for reconstituída no prazo de 180 dias.
Art. 1.033. Dissolve-se a sociedade quando ocorrer: [...]
IV - a falta de pluralidade de sócios, não reconstituída no prazo de cento e oitenta
dias;5
4 BRASIL. Código Civil de 2002. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Disponível
em: <http://www.planalto.gov.br/CCIVIL/leis/2002/L10406.htm>. Acesso em: 12 jul. 2009. 5 BRASIL. Código Civil de 2002. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Disponível
em: <http://www.planalto.gov.br/CCIVIL/leis/2002/L10406.htm>. Acesso em: 12 jul. 2009.
33
Caso haja retirada, exclusão ou morte de sócio que implique a falta de pluralidade de sócios, o
quadro societário deverá ser recomposto no prazo de 180 dias sob pena de dissolução da
sociedade. Passado esse prazo, o sócio remanescente será considerado empresário individual,
devendo o patrimônio da empresa ser utilizado para pagamento dos haveres do retirante, do
excluído ou aos herdeiros do sócio falecido.
Decorridos 180 dias, a rigor, havendo possibilidade de recomposição de quadro societário
com pluralidade de sócios, deverá ser utilizado o patrimônio daquela sociedade dissolvida,
para nova consolidação.
Novamente consagrando a Teoria da Preservação da Empresa, criou-se o entendimento
doutrinário e jurisprudencial que admite a recomposição do quadro societário da empresa que
deveria ser dissolvida, com reaproveitamento de patrimônio, mesmo decorrido o prazo legal
em comento.
3.3.1.4 Extinção da autorização para funcionar
Há determinadas atividades empresariais que necessitam de autorização ou regulamentação
pelo Poder Público para sua persecução. Neste sentido, o legislador cuidou de estabelecer
como causa de dissolução de sociedade a extinção dessa autorização governamental, quando a
empresa é criada com um único objeto cuja autorização cessou de existir.
Art. 1.033. Dissolve-se a sociedade quando ocorrer: [...]
V - a extinção, na forma da lei, de autorização para funcionar.6
Essa causa de dissolução está relacionada às exigências legais indispensáveis em função da
nacionalidade ou do objeto social da empresa, tendo em vista critérios específicos de
fiscalização governamental.
6 BRASIL. Código Civil de 2002. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Disponível
em: <http://www.planalto.gov.br/CCIVIL/leis/2002/L10406.htm>. Acesso em: 12 jul. 2009.
34
Pode ocorrer dissolução da sociedade com o fim do prazo concedido pela autorização inicial
concedida pelo Poder Público, se condicionado a prazo determinado ou determinável. Pode-se
dar, ainda, pela cassação em virtude de infrações a disposições de ordem pública, ou atos
contrários aos fins previstos nos atos constitutivos, ou pela inobservância de condicionantes
exigidas.
Cumpre ressaltar que essa forma de dissolução é passível de reversão. Como exemplos citam-
se a suspensão de alvará de funcionamento e a suspensão de autorização de funcionamento
por questão sanitária ou de segurança. Uma vez cumpridas as exigências do Poder Público
relativas às questões da vigilância sanitária, essas empresas podem voltar a funcionar sem que
haja a completa extinção.
3.3.2 Causas de dissolução judicial
3.3.2.1 Anulação ou nulidade da constituição
A partir do art. 1.034 do CC/02, estão elencados os dispositivos pertinentes às causas e formas
de dissolução de sociedades declaradas através de provimento jurisdicional.
A primeira delas diz respeito a nulidades e vícios que podem macular o ato constitutivo de
sociedade. Como todo e qualquer outro contrato, os estatutos ou contratos sociais podem
padecer de qualquer vício de validade, que pode atingir qualquer outro ato jurídico.
Pode ocorrer a anulação, que se verifica quando o ato constitutivo possui em seus elementos
essenciais imperfeições que impedem o normal funcionamento da sociedade.
O ato constitutivo pode ainda padecer de nulidade, que se verifica quando o instrumento
social não está completo, ou seja, quando se verifica a ausência de um ou mais elementos
essenciais de constituição ou validade.
35
Em ambos os casos, a dissolução da sociedade por nulidade somente pode ser obtida por
declaração judicial, requerida por sócio ou interessado. Assim estabelece o inciso I do art.
1.034.
Art. 1.034. A sociedade pode ser dissolvida judicialmente, a requerimento de
qualquer dos sócios, quando:
I - anulada a sua constituição;7
Sendo verificado vício insanável no ato constitutivo de sociedade, os efeitos decorrentes da
declaração judicial de dissolução da empresa poderão ser ex nunc e inter partes ou ex tunc e
erga omnes.
Verificando a existência de vícios que levem à anulação do ato constitutivo, a declaração
judicial terá efeitos ex nunc e inter partes.
Por outro lado, em havendo a declaração de nulidade do ato constitutivo, os efeitos da decisão
judicial poderão ser (i) ex nunc e inter partes, para aqueles atos relativos às atividades
comerciais desenvolvidas pela sociedade; e (ii) ex tunc e erga omnes, se relativos ao regime
jurídico da sociedade e sua administração.
3.3.2.2 Exaurimento do fim social
O inciso II do art. 1.034 do CC/02 determina duas causas distintas de dissolução judicial da
sociedade.
A primeira estabelece que pode ser obtida a declaração judicial de dissolução de sociedade
quando esta atingir o fim para a qual foi constituída, como, por exemplo, consórcios criados
para construção de obra, ou sociedade de advogados criada para administrar determinada
falência.
7 BRASIL. Código Civil de 2002. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Disponível
em: <http://www.planalto.gov.br/CCIVIL/leis/2002/L10406.htm>. Acesso em: 12 jul. 2009.
36
Art. 1.034. A sociedade pode ser dissolvida judicialmente, a requerimento de
qualquer dos sócios, quando: [...]
II - exaurido o fim social,8
3.3.2.3 Inexequibilidade do fim social
A segunda causa de dissolução judicial de sociedade fixada no inciso II do art. 1.034, do
CC/02, engloba a impossibilidade ou manifesta dificuldade de cumprimento do fim social
(lucro).
Saliente-se que, para que possa ser requerida, bem como declarada judicialmente a dissolução
de determinada sociedade em virtude de impossibilidade de obtenção de lucro, é necessário
que essa dificuldade seja observada durante um prazo considerável.
É normal dentro da atividade empresária que determinada sociedade passe por períodos de
dificuldades financeiras. Entretanto é necessário, para declaração de dissolução de sociedade
através dessa modalidade, que a dificuldade financeira e/ou administrativa da empresa seja
verificada ininterruptamente por um prazo considerável, bem como que essas dificuldades
sejam intransponíveis.
Art. 1.034. A sociedade pode ser dissolvida judicialmente, a requerimento de
qualquer dos sócios, quando: [...]
II - […] ou verificada a sua inexeqüibilidade.9
Deve-se destacar que o simples desaparecimento do patrimônio de determinada empresa,
como ocorre em casos de incêndios ou inundações, não configura, por si só, causa de
dissolução de pleno direito, mas depende de constatação judicial de impedimento ou
dificuldade intransponível para que seja possível dar continuidade às atividades da empresa.
8 BRASIL. Código Civil de 2002. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Disponível
em: <http://www.planalto.gov.br/CCIVIL/leis/2002/L10406.htm>. Acesso em: 12 jul. 2009. 9 BRASIL. Código Civil de 2002. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Disponível
em: <http://www.planalto.gov.br/CCIVIL/leis/2002/L10406.htm>. Acesso em: 12 jul. 2009.
37
3.3.2.4 Falência e liquidação
O CC/02 incluiu a falência, através da parte final do art. 1.044, como causa de dissolução por
declaração judicial da Sociedade Limitada. Entretanto, por única e exclusiva política
legislativa, o legislador determinou a falência como sendo causa de dissolução de sociedade
empresária, deixando as Sociedades Simples sob o regime da liquidação, ainda que estas
adotem a forma de Sociedades Empresárias.
Assim, ainda que a Sociedade Simples tenha sido constituída sob a forma de Sociedade
Empresária, esta sofrerá os efeitos da liquidação prevista no art. 748 e seguintes do CC/02,
como sendo causa de dissolução judicial da sociedade.
3.3.2.5 Outras formas de dissolução judicial
O novo regime previsto no CC/02, através do art. 1.035, admite serem estabelecidas em
contrato ou estatuto outras causas de dissolução de sociedade, verificáveis mediante ação
judicial de conhecimento.
Art. 1.035. O contrato pode prever outras causas de dissolução, a serem verificadas
judicialmente quando contestadas.10
Morte e retirada
Além das causas de dissolução de sociedades supra apontadas, o melhor entendimento
doutrinário tende a admitir sejam entendidas também como outras causas aquelas previstas
em contrato ou estatuto social, desde que pertinentes somente à resolução de sociedade com
relação a um dos sócios, conforme previsto nos arts. 1.028 (morte, exclusão, retirada ou
incapacidade) e 1.029 do CC/02.
Liquidação
10
BRASIL. Código Civil de 2002. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Disponível
em: <http://www.planalto.gov.br/CCIVIL/leis/2002/L10406.htm>. Acesso em: 12 jul. 2009.
38
Tão logo ocorra a dissolução da sociedade, quer por causa amigável, quer por declaração
judicial de dissolução, determina o art. 1.036 do CC/02 que as sociedades (i) restrinjam sua
gestão aos negócios inadiáveis, (ii) não prossigam com novas operações e (iii) providenciem a
investidura do liquidante.
Art. 1.036. Ocorrida a dissolução, cumpre aos administradores providenciar
imediatamente a investidura do liquidante, e restringir a gestão própria aos negócios
inadiáveis, vedadas novas operações, pelas quais responderão solidária e
ilimitadamente.11
Dita regra impõe aos administradores, quando da investidura de liquidante, a perda de toda e
qualquer representação na sociedade, não podendo mais praticar qualquer ato em nome dela,
sob pena de responderem ilimitadamente e pessoalmente, sem vincular a sociedade. É
necessária averbação da nomeação e\ou investidura do liquidante.
É inovação introduzida pelo CC/02 a norma que determina que, nas dissoluções de pleno
direito, se os administradores ou os sócios por maioria retardarem ou criarem obstáculos para
o início da liquidação, qualquer sócio poderá pleitear diretamente ao Poder Judiciário a
liquidação da sociedade. Não é mais necessária, portanto, a propositura de ação de dissolução
de sociedade fundada em causa de dissolução de pleno direito.
Como já mencionado, consiste a liquidação na apuração do ativo da sociedade e no
pagamento de seu passivo, podendo ser extrajudicial ou judicial, sem relação direta com a
forma em que se deu a dissolução da sociedade.
Deve-se frisar que a liquidação é instituída no interesse dos sócios, não podendo os credores
intervir nela, já que têm à disposição ações judiciais pertinentes e o pedido de falência.
Durante a fase de liquidação, a sociedade não perde sua personalidade jurídica e muito menos
pode ser designada como uma convergência de interesses, sendo que o liquidante a
representará fazendo uso da firma ou razão social acrescida da expressão "em liquidação" e
praticando atos tendentes à solução das pendências da sociedade.
11
BRASIL. Código Civil de 2002. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Disponível
em: <http://www.planalto.gov.br/CCIVIL/leis/2002/L10406.htm>. Acesso em: 12 jul. 2009.
39
Poderá ser liquidante o sócio-gerente, qualquer outro sócio ou terceiro estranho, por
convenção dos integrantes da sociedade, ou por decisão judicial em caso de empate ou
discórdia entre os sócios ou, ainda, em caso de ter sido escolhida pessoa inidônea para o
cargo.
3.4 Da dissolução parcial
Frente aos avanços fornecidos pela teoria contratualista de Ascarelli, como explicitado
anteriormente, baseada no entendimento de uma forma plurilateral do contrato de sociedade,
os doutrinadores e tribunais pátrios puderam identificar bases legais e jurídicas para permitir a
preservação de uma empresa, mesmo ocorrendo o rompimento do vínculo societário de um
sócio, objetivando a proteção dos interesses dos sócios remanescentes, por assim dizer, bem
como de terceiros interessados na vida da sociedade a qualquer título.
Assim, como leciona Alfredo de Assis Gonçalves Neto:
Graças a essa criação doutrinária e jurisprudencial […] foi possível, então, dar
cumprimento à regra que determinada a dissolução e, ao mesmo tempo, permitir,
com a supressão da fase de liquidação, a preservação da empresa.
Tal construção jurídica nasceu graças à percepção de que o ajusto ou pacto
societário, além de criar um ente (pessoa jurídica) distinto da pessoa dos seus sócios,
[…] não era um contrato bilateral com vínculos sinalagmáticos e comutativos, como
o enxergavam os juristas da época, mas – visto sob o prisma negocial – um contrato
plurilateral, caracterizado por conter relações jurídicas distintas, unindo cada sócio
isoladamente considerado com o ente (sociedade) por ele criado para se interpor nas
suas relações com os demais sócios […]12
(grifos nossos)
No mesmo sentido, importante lição de Celso Barbi Filho acerca da possibilidade do
desfazimento apenas parcial do vínculo societário na limitada:
A cogitação parece incoerente à primeira vista, pois toda dissolução é total.
Entretanto, diversos fatores, inclusive socioeconômicos, de conciliação entre o
interesse de preservação das empresas exploradas por sociedades e o direito de saída
dos sócios insatisfeitos, fizeram com que, pelas mãos da doutrina e da
jurisprudência, a dissolução apenas parcial das sociedades por quotas de
12
GONÇALVES NETO, Alfredo de Assis. Direito de empresa: comentários aos artigos 966 a 1.195 do Código
Civil. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2007. p. 260.
40
responsabilidade limitada se tornasse uma realidade no direito brasileiro, […]13
(grifos nossos)
O referido autor, mais adiante, justifica a importância social do fenômeno jurídico em estudo:
O que há de se buscar, como interesse orientador da dissolução societária, é uma
tutela pública de direitos privados, dando-se a melhor solução, voluntária ou
judicial, a cada caso, de acordo com o direito aplicável, sem desconsideraram-se as
necessidades sociais e econômicas da coletividade. E isso tanto pode significar a
preservação da empresa socialmente útil, por meio da dissolução parcial, quanto a
liquidação daquela que, pela discórdia dos sócios ou outro motivo, não pode mais
sobreviver.14
Acrescentem-se, quanto ao tema, as sábias palavras da professora Priscila M. P. Corrêa da
Fonseca:
Essa ruptura limitada do contrato social, também designada genericamente como
dissolução parcial, compreende diversas modalidades ensejadoras desse peculiar
modo de rompimento, tais como: o direito de recesso, previsto nos arts. 1.029 e
1.077 do novo Código Civil; a exclusão do sócio, regrada pelos arts. 1.004, 1.030 e
1.085 do Novo Código Civil, a convencionada no contrato social ou mesmo aquela
judicialmente decretada; a falência do sócio ([…], art. 1.030, parágrafo único do
novo Código Civil); a possibilidade de retirada do sócio contemplada pelo contrato
social e, por fim a morte do sócio (art. 1.028 do novo Código Civil).15
Dito isso, temos inequivocamente, na atual fase do Direito Societário, que todas as causas de
dissolução total de sociedade podem acolher a teoria da dissolução parcial para garantir a
preservação da empresa, bem como permitir que sócios remanescentes permaneçam
vinculados ao ente societário na busca de melhores proveitos e resultados econômicos.
Isso, obviamente, desde que a desvinculação de determinado sócio não importe em
impossibilidade operacional e econômica da própria sociedade, em virtude do obrigatório
pagamento dos haveres e redução do capital social.
Em suma, a dissolução parcial terá cabimento diante de qualquer das causas de
dissolução (total) que com ela se revelem compatíveis, ou seja, qualquer das causas
quem por não conduzirem a sociedade inexoravelmente à extinção […], permita o
rompimento de vínculos sociais em relação a um sócio ou a um grupo de sócios sem
13
BARBI FILHO, Celso. Dissolução parcial de sociedades limitadas. Belo Horizonte: Mandamentos, 2004. p.
114. 14
BARBI FILHO, Celso. Loc. cit. 15
FONSECA, Priscila M. P. Corrêa da. Dissolução parcial, retirada e exclusão de sócio no novo Código Civil.
3. ed. São Paulo: Atlas, 2005. p. 19.
41
afetar as demais relações jurídicas sociais existentes entre os outros sócios que
pretendam prosseguir na sociedade entre si.16
Portanto, uma vez abordada, no presente estudo, a natureza do contrato social de uma
Sociedade Limitada, bem como vistas as causas de dissolução de vínculos societários e a
implicação da teoria plurilateralista e do princípio da preservação da empresa sobre esses
rompimentos; passar-se-á a verificar, nessas situações, quais as responsabilidades dos sócios
que se retiram da sociedade, bem como os termos temporais desse ônus legal.
16
GONÇALVES NETO, Alfredo de Assis. Direito de empresa: Comentários aos artigos 966 a 1.195 do Código
Civil. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2007. p. 261.
42
4 DAS CONSEQUÊNCIAS DA EXTINÇÃO DO VÍNCULO DE UM SÓCIO PARA
COM A SOCIEDADE
Antes de serem analisados os aspectos mais relevantes da responsabilidade dos sócios no
momento em que se desligam da relação societária, é necessário pelo menos apontar
rapidamente quais são essas responsabilidades no momento do ingresso, visto ser uma das
principais características da Sociedade Limitada, como forma societária.
Como já assinalado, as Sociedades Limitadas passaram a ter seu regime legal integralmente
estabelecido dentro do Código Civil de 2002, entre os arts. 1.052 e 1.087, mas com a
possibilidade, de certa forma contraditória, de assumir formas ou regramentos de Sociedades
Simples em casos de omissões, como dispõe o art. 1.053, ou até mesmo por expressa
disposição legal (ex.: arts. 1.086 e 1.087).
Apontam os mais renomados doutrinadores que, talvez, o principal fundamento dessa espécie
societária – seguramente aquele que mais interessa neste trabalho – é a possibilidade de se
separarem de forma absoluta o patrimônio e a personalidade de seus sócios, para com a
sociedade, de forma que a responsabilidade deles pelas dívidas da empresa fique limitada ao
capital representativo de sua participação.
Antes de adentrar a discussão propriamente dita, é importante deixar claro que o momento
preciso em que a limitação da responsabilidade do sócio da Sociedade Limitada nasce dá-se
com o registro do ato constitutivo no órgão competente e após a total integralização das cotas,
in verbis:
Art. 985. A sociedade adquire personalidade jurídica com a inscrição, no registro
próprio e na forma da lei, dos seus atos constitutivos (arts. 45 e 1.150).1
Art. 1.052. Na sociedade limitada, a responsabilidade de cada sócio é restrita ao
valor de suas quotas, mas todos respondem solidariamente pela integralização do
capital social.2
1 BRASIL. Código Civil de 2002. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Disponível
em: <http://www.planalto.gov.br/CCIVIL/leis/2002/L10406.htm>. Acesso em: 12 jul. 2009. 2 Ibidem.
43
Esse registro publiciza as relações internas das sociedades, fixa limites de responsabilidade
dos sócios – que podem ser oponíveis contra terceiros – além de atribuir personalidade
jurídica à sociedade, totalmente desvinculada daquela dos sócios. Observe-se que, antes desse
registro, os sócios adquirem responsabilidade a partir da conclusão do pacto social – ainda
que apenas verbal – de forma ilimitada para com terceiros credores da empresa.
Art. 986. Enquanto não inscritos os atos constitutivos, reger-se-á a sociedade, exceto
por ações em organização, pelo disposto neste Capítulo, observadas,
subsidiariamente e no que com ele forem compatíveis, as normas da sociedade
simples.3
Art. 990. Todos os sócios respondem solidária e ilimitadamente pelas obrigações
sociais, excluído do benefício de ordem, previsto no art. 1.024, aquele que contratou
pela sociedade.4
De qualquer forma, devidamente registrado o contrato social e integralizado todo o capital, a
responsabilidade dos sócios na Limitada não tem vínculo algum com as obrigações assumidas
pela sociedade, mas somente, em tese, pela formação do capital do novo ente jurídico, além
das responsabilidades objetivas dos sócios gerentes e administradores, nos termos dos arts.
1.011 e 1.016 do Código Civil de 2002:
Art. 1011. O administrador da sociedade deverá ter, no exercício de suas funções, o
cuidado e a diligência que todo homem ativo e probo costuma empregar na
administração de seus próprios negócios.5
Art. 1016. Os administradores respondem solidariamente perante a sociedade e os
terceiros prejudicados, por culpa no desempenho de suas funções.6
Portanto, verifica-se da leitura dos referidos dispositivos, bem como do art. 1.052,7 que a
obrigação precípua dos sócios na Limitada é contribuir com capital próprio para a realização
das respectivas cotas-partes na sociedade, bem como garantir de forma solidária a
integralização das cotas dos demais sócios.
3 BRASIL. Código Civil de 2002. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Disponível
em: <http://www.planalto.gov.br/CCIVIL/leis/2002/L10406.htm>. Acesso em: 12 jul. 2009. 4 Ibidem.
5 Ibidem.
6 Ibidem.
7 –“Art. 1052. Na sociedade limitada, a responsabilidade de cada sócio é restrita ao valor de suas quotas, mas
todos respondem solidariamente pela integralização do capital social.” (BRASIL. Código Civil de 2002. Lei nº
10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/CCIVIL/leis/2002/L10406.htm>. Acesso em: 12 jul. 2009.)
44
Nesse sentido, novamente importante lição de Alfredo Assis Gonçalves Neto:
Na análise do art. 1.052 percebe-se que o sócio ali tem, em verdade, duas ordens de
obrigação, quais sejam, (i) a de realizar o valor da respectiva quota e (ii) a de
garantir a integralização das quotas dos demais sócios. Ou seja, o sócio é
responsável pelo pagamento da contribuição que se obrigou a prestar para a
formação do patrimônio da sociedade, retratada em valor pela sua quota de
participação no capital social. No entanto, todos os sócios são garantidores do
ingresso efetivo dos recursos que em conjunto prometeram para atingir o valor do
capital social, em razão do que todos respondem solidariamente pela integralização
desse capital. Se algum deles não pagar sua parte, os outros têm in solidum a
obrigação de honrá-la.8
Assim, tendo sido completamente integralizado o capital social por cada um dos sócios da
Limitada, estes não podem mais ser demandados por qualquer outra obrigação, quer para com
a sociedade, quer para com terceiros, visto não ser o sócio responsável pelas dívidas sociais.
Entretanto, como se verá mais adiante, essa característica da Limitada vem sendo mitigada
por decisões judiciais que consideram quase irrelevante essa completa separação de
personalidades.
Há ainda responsabilidades e obrigações secundárias dos sócios, mas sempre relacionadas à
integralização do capital social, ou seja: (i) pela exata estimação de bens conferidos ao capital
social (art. 1.055, § 1º); (ii) pela distribuição indevida de lucros com prejuízo do capital (art.
1.059) e (iii) por deliberação ilegal (art. 1.080).
Na mesma linha, deve-se destacar também que, havendo cessão de cotas de Limitada já
existente, o cessionário torna-se solidariamente responsável como cedente pelas obrigações
assumidas por este ou ainda pendentes, dentre as relações internas da sociedade, nos termos
do art. 1.057, parágrafo único, combinado com art. 1.003, todos do Código Civil de 2002.
Feitas as necessárias considerações acerca da forma como o sócio adquire obrigações e
responsabilidades, passar-se-á a estudar como se dá a extinção dessas obrigações,
Como explicitado nos capítulos anteriores, em função da forma plurilateral do contrato social,
é admissível nas Limitadas a exclusão ou retirada de um sócio sem que seja necessário
extinguir a inteira sociedade.
8 GONÇALVES NETO, Alfredo de Assis. Direito de empresa: Comentários aos artigos 966 a 1.195 do Código
Civil. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2007. p. 302.
45
Expressamente, o Código Civil de 2002 prevê a figura da resolução do vínculo societário de
uma Limitada apenas quando ocorrer a retirada por discordância de deliberação ou por
exclusão por falta grave que poderia colocar em risco a existência da própria sociedade, como
consignado nos arts. 1.077 e 1.085:
Art. 1077. Quando houver modificação do contrato, fusão da sociedade,
incorporação de outra, ou dela por outra, terá o sócio que dissentiu o direito de
retirar-se da sociedade, nos trinta dias subseqüentes à reunião, aplicando-se, no
silêncio do contrato social antes vigente, o disposto no art. 1.031.9
Art. 1085. Ressalvado o disposto no art. 1.030, quando a maioria dos sócios,
representativa de mais da metade do capital social, entender que um ou mais sócios
estão pondo em risco a continuidade da empresa, em virtude de atos de inegável
gravidade, poderá excluí-los da sociedade, mediante alteração do contrato social,
desde que prevista neste a exclusão por justa causa.10
Entretanto, como já esclarecido, tendo em vista o já estudado caráter plurilateral do contrato
social da Limitada, é pacífico que todas as situações que importam a extinção da sociedade
como um todo podem ser empregadas para solucionar os conflitos individuais de um
determinado sócio, e cuja exclusão ou retirada permitiria a manutenção da sociedade.
Assim, o legislador entendeu serem aplicáveis os dispositivos das Sociedades Simples às
Limitadas no que diz respeito à desvinculação de um sócio e suas consequentes
responsabilidades.
Desta forma passa-se a verificar quais seriam as responsabilidades dos sócios de uma
Limitada frente a cada forma de desvinculação prevista no Código Civil de 2002.
Cumpre destacar, primeiramente, que parcela considerável da doutrina pátria não admite a
aplicação das regras do art. 1.032 do Código Civil de 2002 às Limitadas em situações que não
sejam aquelas previstas no art. 1.086 do mesmo diploma. Pode-se citar, nesse sentido, o
posicionamento de Modesto Carvalhosa, que assim se manifesta:
Causa estranheza à primeira vista a determinação do art. 1.086 de aplicação do art.
1.032 aos casos de exclusão de sócio das sociedades limitadas, uma vez que este
último, originariamente aplicável às sociedades simples, dispõe sobre a
9 BRASIL. Código Civil de 2002. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Disponível
em: <http://www.planalto.gov.br/CCIVIL/leis/2002/L10406.htm>. Acesso em: 12 jul. 2009. 10
Ibidem.
46
responsabilidade do sócio após seu desligamento, o que, em regra não se coadunaria
com específico sistema de responsabilidade das sociedades limitadas.11
Partindo dessa constatação, Modesto Carvalhosa aponta a impertinência da remissão inserida
no regime das Sociedades Limitadas, já que não haveria motivos para estender a
responsabilidade do sócio desvinculado, por dois anos após sua saída da empresa, somente
como forma de garantia de credores, pelo fato de que nas Limitadas os sócios responderiam
unicamente pela integralização do capital social da empresa.
Também discordante da regra inserida pelo legislador do Código de 2002, acerca do tema e da
extensão da responsabilização do sócio desvinculado, o entendimento da professora Priscila
M. P. Correa da Fonseca, que lembra, ainda, a vedação do Código de Processo Civil no que
diz respeito à impossibilidade da constrição do patrimônio pessoal do sócio, por dívidas da
sociedade:
Nas sociedades limitadas, o sócio só responde pelas dívidas sociais quando o capital
social não se encontre totalmente integralizado. Deriva daí a impossibilidade de se
lhe atribuir a responsabilidade pelos débitos contraídos pela sociedade durante o
período em que ainda detinha aquele status. Por essa razão, dispõem o art. 596 do
Código de Processo Civil que “os bens particulares dos sócios não respondem pelas
dívidas da sociedade senão nos casos previstos em lei” e, ainda nesses casos, se
“demandado pelo pagamento da dívida, tem direito a exigir que sejam primeiro
excutidos os bens da sociedade”.
No entanto, e fazendo, à primeira vista, tabula rasa de tal comando legal, o novo
Código Civil, no art. 1.032 prescreve a responsabilidade dos sócios retirantes,
excluídos e herdeiros do sócio pré-morto, pelas “obrigações sociais anteriores, até 2
(dois) (sic) anos após averbada a resolução da sociedade”, sendo certo que a retira
ou exclusão não exime o ex-sócio de tais deveres, inclusive aqueles posteriormente
assumidos, “em igual prazo, enquanto não se requerer a averbação”.
O supracitado mandamento, malgrado inserido no capítulo relativo as sociedades
simples, aplica-se às sociedades limitadas, por foca da previsão do art. 1.086 do
novo Código […]12
Fazendo esforço de interpretação e com tom irônico, busca Modesto Carvalhosa encontrar um
sentido à referida regra, senão vejamos suas palavras:
Mas, pressupondo que a lei não contenha palavras ou disposições inúteis, é preciso
tentar encontrar algum sentido que permita a aplicação do art. 1.032 às sociedades
limitadas.
11
CARVALHOSA, Modesto. Comentários ao Código Civil: Parte especial: do direito de empresa (artigos 1.052
a 1.195). vol. 13. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2005. p. 326. 12
FONSECA, Priscila M. P. Corrêa da. Dissolução parcial, retirada e exclusão de sócio no novo Código Civil.
3. ed. São Paulo: Atlas, 2005. p. 254.
47
Primeiro, é necessário lembrar os termos da disposição contida no art. 1.032. Ela
estabelece que o sócio excluído e seus herdeiros continuam responsáveis pelas
obrigações sociais anteriores a seu desligamento da sociedade por um período de
dois anos após a averbação da alteração do contrato social que determinar a
exclusão. Estabelece, ainda, que essa responsabilidade se estenderá também às
obrigações contraídas posteriormente a seu desligamento, pelo mesmo prazo,
enquanto não for requerida a averbação da referida alteração contratual.
Em segundo lugar, é preciso ter em conta que nas limitadas os sócios em princípio
respondem apenas pela integralização de suas quotas no capital social, havendo,
contudo, uma exceção, qual seja, a de que, não estando totalmente integralizado o
capital social, todos se tornam solidariamente responsáveis pelo valor total que faltar
para completar esse capital. E, nessa hipótese excepcional, o credor da sociedade,
não encontrando bens, sociais suficientes para a satisfação de seu crédito, poderá
promover execução contra qualquer dos sócios, pleiteando o valor total de sua
dívida. […]
Assim, se o sócio for excluído da sociedade e o capital social desta estiver ainda a
descoberto no momento de sua exclusão, o fato de ele ter sido excluído da sociedade
não o eximirá dessa responsabilidade solidária, limitada ao montante que faltar à
integralização do capital social, pelo período de dois anos após a averbação no
registro competente da alteração do contrato social que determinar sua exclusão.13
Importante ressaltar, ainda, que sócios que exerçam função de administrador ou gerente na
sociedade possuem outras responsabilidades além daquelas consignadas aos sócios de uma
forma comum.
Em tese, o sócio-administrador possui os mesmos limites de responsabilização que os outros
sócios, inclusive por débitos de natureza tributária ou trabalhista. Ainda em tese, não responde
com seu patrimônio pessoal pela falta de pagamento de tributos, salários ou encargos da
sociedade, se assim operou para garantir a continuidade da empresa, da produção e mantendo-
se em dia com os fornecedores em clientes.
Ele somente irá responder perante a sociedade, ou terceiros – inclusive Fisco – se seus atos
forem praticados com excesso de poder, por violação da lei ou do contrato social, ou por
encerramento irregular da sociedade, mas sempre após competentes ações judiciais
específicas para essa finalidade.
Quanto ao tema, assim se posiciona a professora Priscila M. P. Corrêa da Fonseca:
Por outro lado, no que diz respeito às dívidas tributárias, em princípio, por elas
também não responderá o ex-sócio. O art. 135, III, do Código Tributário Nacional,
prescreve serem “pessoalmente responsáveis pelos créditos correspondentes a
13
CARVALHOSA, Modesto. Comentários ao Código Civil: Parte especial: do direito de empresa (artigos 1.052
a 1.195). vol. 13. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2005. p. 327-328.
48
obrigações tributárias resultantes de atos praticados com excesso de poderes ou
infração de lei, contrato social ou estatutos: […] III - os diretores, gerentes ou
representantes de pessoas jurídicas de direito privado.” […]
Fica claro assim que, pelo simples inadimplemento das dívidas tributárias, não
respondem os sócios que não disporiam da condição de gestores ou representantes
da sociedade e que não obraram com excesso de poder, infração à lei ou ao contrato
social. O simples inadimplemento, por conseguinte, não caracteriza a infração
contemplada pelo referido comando legal. […]
A responsabilidade dos sócios gerentes fica, assim, restrita àquelas dívidas
constituídas durante a respectiva gestão ou créditos tributários que tiveram origem
no período em que estiveram elas no comando da sociedade.14
Entretanto essa não é a realidade da prática processual relativa à matéria. Detentores de
créditos trabalhistas e tributários encontram grande facilidade em obter judicialmente a
desconsideração da personalidade jurídica das Sociedades Limitadas, para constringir
patrimônio particular dos sócios, sejam eles administradores ou não.
Na atual prática jurídica, basta o não pagamento de salários, encargos ou tributos para obter
pronunciamento judicial, autorizando a desconsideração da personalidade jurídica da
sociedade, permitindo que esses credores se voltem contra o patrimônio dos sócios, ainda que
esses créditos sejam maiores que a própria participação societária do cotista.
Em resumo tem-se que, via de regra, os cotistas de uma Sociedade Limitada adquirem
responsabilidade na qualidade de sócios, a partir do momento em que se reúnem para obter
maiores resultados econômicos e financeiros, comungando esforços através de um novo ente
jurídico. Somente há delimitação e fixação de responsabilidades com o registro do contrato
social nos órgãos governamentais e com a total integralização do capital social pela
coletividade dos sócios.
Assim, estando a sociedade legal e formalmente constituída, os sócios da Sociedade Limitada
respondem, em tese, unicamente com a parcela de seu capital destinado à formação e
constituição da sociedade.
Como já dito, a regulamentação das Sociedades Limitadas no Código Civil de 2002 prevê
expressamente apenas duas formas de dissolução parcial de vínculos societários de um sócio
para com a sociedade: através do exercício do direito de retirada (art. 1.077) ou pela exclusão
14
FONSECA, Priscila M. P. Corrêa da. Dissolução parcial, retirada e exclusão de sócio no novo Código Civil.
3. ed. São Paulo: Atlas, 2005. p. 257-258.
49
por justa causa (art. 1.085). Porém é possível utilizar as formas de dissolução da sociedade de
forma individualizada pelos sócios sem que haja a extinção da sociedade, em homenagem à
Teoria da Preservação da Empresa, como permite a forma plurilateral do contrato.
Apesar das severas críticas doutrinárias, os sócios desvinculados, mesmo em dia com suas
obrigações societárias, podem responder, pelo prazo de dois anos, por débitos trabalhistas,
tributários ou para com terceiros, caso venha a ser declarada a desconsideração da
personalidade jurídica.
50
5 DA RESPONSABILIDADE DOS SÓCIOS RETIRANTES OU EXCLUÍDOS APÓS A
DESVINCULAÇÃO
Estudada a natureza jurídica do contrato social de uma Sociedade Limitada, analisadas as
formas de rompimento parcial dos vínculos societários com a preservação da empresa, e
determinados os limites de responsabilidade dos sócios quando de sua desvinculação da
sociedade, passa-se a analisar os limites temporais dessa responsabilização, mormente seu
marco inicial, já que constitui tema de extrema relevância no mundo jurídico atual
comportando muitas discussões acerca de sua fixação precisa:
A fixação de tal momento é de extrema relevância, pois que estabelece um marco
divisor da responsabilidade do sócio por certas dívidas contraídas pela sociedade,
[…]1
Como visto, o regramento das Sociedades Limitadas no ordenamento jurídico utiliza-se, por
expressa remissão legal, de inúmeros dispositivos das Sociedades Simples, dentre eles aqueles
relativos aos aspectos temporais dos limites da responsabilidade dos sócios.
Como muito bem aponta a maioria dos doutrinadores estudados, essa escolha do legislador
não se mostrou muito correta, já que as Sociedades Simples e as Sociedades Limitadas são
formas societárias muito distintas, bastando, para isso, recordar que nas primeiras a
responsabilidade dos sócios é ilimitada e subsidiária àquela da sociedade, enquanto nas
segundas a responsabilidade, em tese, seria apenas limitada aos valores das cotas sociais
integralizadas.
Como bem apontado por Modesto Carvalhosa, Rubens Requião, Alfredo de Assis Gonçalves
Neto e Priscila M. P. Corrêa da Fonseca, estando um sócio de Sociedade Limitada em dia com
suas obrigações sociais e não tendo operado ilegalmente seu administrador; suas obrigações
para com a sociedade e terceiros deveria cessar imediatamente, após o registro de sua
desvinculação, quer por retirada, exclusão ou comunicação de afastamento.
1 FONSECA, Priscila M. P. Corrêa da. Dissolução parcial, retirada e exclusão de sócio no novo Código Civil. 3.
ed. São Paulo: Atlas, 2005. p. 250.
51
Entretanto o legislador previu expressamente que, ocorrendo a exclusão ou retirada de um
sócio de uma Limitada, este responderá, pelo prazo de dois anos após a formalização de sua
desvinculação, pelas obrigações sociais enquanto era sócio efetivamente – inteligência dos
arts. 1.085, 1.086, 1.003 e 1.032 do Código Civil de 2002.
Como repetido inúmeras vezes, o presente trabalho não visa estudar a pertinência ou
adequação da regra de responsabilização e reenvio, mas apenas analisar precisamente o termo
inicial deste prazo imposto ao sócio que se desvincula, já que o tema tende a extrapolar os
limites quantitativos da responsabilidade pessoal dos sócios nas Sociedades Limitadas,
mesmo sendo somente a sociedade, em tese, responsável pelo adimplemento de suas
obrigações. Isso tudo imaginando, obviamente, uma situação ideal, em que os sócios estejam
em dia com suas obrigações sociais e os administradores cumpram fielmente suas funções
gerenciais.
Desta forma, tem-se que, qualquer que seja a forma de desvinculação de um sócio da
Limitada da qual participa – com exceção de seu falecimento – o legislador fixou-lhe o prazo
de dois anos após a formalização de seu desligamento para que continue respondendo pelos
atos da sociedade no período em que compunha o quadro social, como determinam os
seguintes artigos:
Art. 1.085. Ressalvado o disposto no art. 1.030, quando a maioria dos sócios,
representativa de mais da metade do capital social, entender que um ou mais sócios
estão pondo em risco a continuidade da empresa, em virtude de atos de inegável
gravidade, poderá excluí-los da sociedade, mediante alteração do contrato social,
desde que prevista neste a exclusão por justa causa.
Art. 1.086. Efetuado o registro da alteração contratual, aplicar-se-á o disposto nos
arts. 1.031 e 1.032.
Art. 1.032. A retirada, exclusão ou morte do sócio, não o exime, ou a seus herdeiros,
da responsabilidade pelas obrigações sociais anteriores, até dois anos após averbada
a resolução da sociedade; nem nos dois primeiros casos, pelas posteriores e em igual
prazo, enquanto não se requerer a averbação.
Dos referidos dispositivos se extrai que, além do prazo de dois anos de manutenção de
responsabilidade, comum a todas as formas de desvinculação, esse prazo somente passa a
vigorar efetivamente e gerar efeitos dentro e fora da sociedade a partir do registro ou
averbação, nos órgãos de registro estatais, da alteração contratual onde consta a deliberação
de dissolução parcial.
52
Ou seja, a responsabilidade dele [do sócio que se desvincula da sociedade] pelas
obrigações sociais mantém-se até que seja dada a necessária publicidade, pela via
própria, do seu desligamento e assegura ao credor o direito de haver dele o quantum
que o patrimônio social não cobrir durante os dois anos que se seguirem a essa
solenidade.
[…]
A alteração contratual ou a ata de reunião que delibera excluir um sócio, enquanto
não averbada, produz, desde logo, seus efeitos em relação aos participantes do ato e
ao sócio excluído, a partir do momento que dele seja cientificado.2
Mas há situações em que se admite que o prazo inicial para contagem do biênio previsto nos
arts. 1.003 e 1.032 do Código Civil de 2002 se inicie antes mesmo do registro da deliberação
ou comunicação da desvinculação de determinado sócio.
No próximo item, ver-se-á pontualmente cada uma destas situações e o efetivo momento de
desvinculação.3
5.1 Do direito de retirada
Em se tratando de desvinculação de cotista através da modalidade preconizada no art. 1.029
do CC/02, o marco inicial para a contagem do prazo de dois anos de corresponsabilização
pelas obrigações sociais ocorre de duas maneiras distintas, tendo o legislador previsto
distinção para os casos de retirada de sociedades por prazo determinado e por prazo
indeterminado.
2 GONÇALVES NETO, Alfredo de Assis. Direito de empresa: comentários aos artigos 966 a 1.195 do Código
Civil. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2007. p. 257. 3 Apesar de a retirada de um sócio de uma Limitada pela modalidade da cessão de cotas prevista no art. 1.003 do
Código Civil de 2002 não ser uma das formas estudadas neste trabalho, já que restrita aos casos em que ocorre
dissolução parcial do vínculo societário para com um „retirante‟, com redução de cotas. Nos casos de cessão de
cotas ocorre a saída de um sócio para a entrada de outro em seu lugar, mantendo-se, em princípio, a distribuição
das cotas sociais. Entretanto, assim como nos casos de rompimento de vínculo societário estudados neste
trabalho, o sócio que se retira da sociedade por cessão onerosa se mantém corresponsável pelas obrigações
sociais existente até a data de seu desvinculamento, pelo prazo de dois anos. Da mesma forma, o marco inicial
para a contagem do prazo deste biênio é determinado pela data em que efetivamente se operou o registro ou a
averbação da competente alteração contratual nos órgão estaduais de registro de sociedades empresárias. Até a
conclusão desta pendência, o cedente continua obrigado para com terceiros, ainda que não mais exerça qualquer
função na empresa da qual se retirou.
53
Quando o sócio decide retirar-se de uma sociedade por prazo determinado, deve
necessariamente, antes deste marco, buscar a via judicial para provar a justa causa impeditiva
da manutenção do vínculo societário. Portanto, deve ser considerado como sendo o momento
do exercício do direito de retirada o momento da propositura da ação, mas seus efeitos –
inclusive o termo inicial para contagem do prazo de dois anos de manutenção da
responsabilização – somente ocorrem a partir do trânsito em julgado da sentença que julga
procedente o pedido.
Entretanto, conhecendo a morosidade de nosso Poder Judiciário, ainda mais em se tratando de
ações desta complexidade, que demandam uma ampla e extensa dilação probatória; o trânsito
em julgado da decisão que julga procedente o pedido de retirada pode demorar muitos anos.
Consequentemente, durante todo o período em que o sócio busca se desvincular, permanecerá
corresponsável pelas obrigações sociais, mesmo estando ele, de fato, longe do dia a dia da
empresa.
Os prejuízos que pode sofrer o sócio com essa demora podem ser não somente desastrosos
com relação a seu patrimônio pessoal, mas também, e principalmente, irreversíveis, já que a
empresa pode ter seu patrimônio propositalmente dilapidado ou poderá ser extremamente mal
gerenciada.
Como solução para esta situação, interessante posicionamento adotado por Alfredo de Assis
Gonçalves Neto:
Essa sentença é de natureza constitutiva e, por tanto, para que seus efeitos se
produzam desde logo, isto é, a partir do exercício do direito, é necessário que o
retirante busque uma antecipação de tutela para se afastar de imediato da sociedade,
atendidos os pressupostos processuais para tanto. A conveniência desta medida está
em que a demora na solução do processo pode alterar profundamente a situação
econômico-financeira da sociedade e, mais que isso, manter o retirante vinculado ao
cumprimento das obrigações sociais, pois responsável subsidiário ele o é, até dois
anos após a averbação da retirada junta a inscrição da sociedade no registro próprio
(CC, art. 1.032).4
Essa solução não é tão produtiva e simples como parece. Primeiramente porque, como é
notório para quem possui prática jurídica contenciosa, não se podem garantir decisões
favoráveis a pedidos de antecipação de tutela, visto demandarem uma complexa e preliminar
4 GONÇALVES NETO, Alfredo de Assis. Direito de empresa: comentários aos artigos 966 a 1.195 do Código
Civil. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2007. p. 244.
54
comprovação. Além disso, são, por natureza, decisões que podem ser reformadas ou
revogadas a qualquer tempo.
Uma solução alternativa para tentar agilizar completamente a desvinculação do sócio retirante
com pendência judicial seria através de cumprimento provisório de sentença, se pendente de
julgamento recurso sem efeito suspensivo, nos termos do art. 471-O do CPC.
Entretanto, pela exigência do inciso III desse mesmo artigo, pode ser necessário ao sócio
retirante dispor de considerável patrimônio pessoal, para garantia do juízo, em caso de decisão
que venha a modificar o julgado de procedência do pedido.
Assim, pela atual sistemática legal e processual, o sócio que se desvincula de Sociedade
Limitada por prazo determinado está necessariamente obrigado a suportar um moroso e
dispendioso processo judicial.
A realidade é outra quando se pede a retirada de Sociedade Limitada por prazo indeterminado.
Nestas situações, o sócio que se desvincula deve notificar a sociedade de suas intenções,
estipulado o prazo de sessenta dias para as devidas adequações contratuais e providências que
necessitam ser tomadas para a manutenção efetiva da empresa.
Mais uma distinção deve ser feita a esta altura. As obrigações do sócio retirante para com os
outros sócios e com a própria sociedade terminam após transcorrido o prazo de 60 dias,
estipulados no caput do art. 1.029 do CC/02, enquanto somente há completa desvinculação
para com terceiros após devidamente averbado o pedido de retirada e transcorrido o prazo de
dois anos estabelecido no art. 1.032. Neste sentido:
[…] nas sociedades com prazo indeterminado, o direito de retirada considera-se
exercido tão logo seja comunicada a intenção do retirante aos demais sócios […]
tornando-se esse direito efetivo, porém, somente após o decurso de 60 dias da data
dessa comunicação. […]
Já os efeitos da retirada em relação a terceiros contam-se sempre a partir da
averbação da comunicação da retirada no Registro Civil de Pessoas Jurídicas, […].
Assim, o prazo de dois anos conta-se dessa averbação, independentemente daquele
de 60 dias que é previsto para produção de efeitos exclusivamente interna corporis.5
(grifos nossos)
5 GONÇALVES NETO, Alfredo de Assis. Direito de empresa: comentários aos artigos 966 a 1.195 do Código
Civil. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2007. p. 244.
55
5.2 Exclusão de sócio por justa causa
Como visto, o sócio pode ser excluído de uma Sociedade Limitada por justa causa, quer por
decisão dos sócios em assembleia específica – caso exista previsão contratual – quer por
decisão judicial.
No primeiro caso, como resulta claro pela simples leitura do art. 1.032 do CC/02, o momento
da exclusão de sócio ocorre e se torna eficaz perante terceiros, a sociedade e os sócios
somente com o arquivamento na Junta Comercial da deliberação que decidiu por essa
exclusão, sendo que o prazo de dois anos para contagem da manutenção da
corresponsabilização do sócio excluído se dá a partir desta data:
O ato de exclusão resultante de deliberação social torna-se eficaz perante o excluído,
a sociedade, seus sócios e terceiros com o arquivamento, na Junta Comercial, da
alteração contratual em que se materializa tal deliberação e se reduz o capital com a
eliminação do nome e do quinhão do sócio excluído.6 (grifo nosso)
É interessante o posicionamento de Alfredo de Assis Gonçalves Neto no que toca à exclusão
do sócio através de ação judicial. Esse autor distingue o momento dos efeitos da exclusão, o
que pode gerar solução mais célere a essas controvérsias, sempre muito complexas,
beneficiando todos os envolvidos: sociedade, sócios e excluído.
Para ele, deverá ser considerado o momento da exclusão como aquele em que se dá o
arquivamento na Junta Comercial da deliberação que optou pela exclusão do sócio, mesmo se
pendente decisão judicial que confirmaria a validade desta decisão. Isso porque a sentença
que julgar ações desta natureza terá caráter declaratório, confirmando ou negando a vontade
da sociedade já tomada em assembleia anterior à própria propositura da ação, sendo
necessário aguardar o trânsito em julgado da sentença, apenas nos casos em que foi declarada
nula a deliberação que excluiu o sócio, por falta de motivos de exclusão. Veja-se sua
explanação:
6 GONÇALVES NETO, Alfredo de Assis. Direito de empresa: comentários aos artigos 966 a 1.195 do Código
Civil. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2007. p. 398.
56
Em se tratando de exclusão que demande processo judicial com sua decretação por
sentença, “pode-se sustentar que o momento da exclusão deve coincidir com aquele
em que for publicada. Entretanto, pensamos que tal sentença também é de cunho
declaratório, por dar validade ou não a uma decisão da sociedade tomada
anteriormente sobre o assunto e, portanto, o momento da exclusão dever ser
considerado aquele em que se dá o arquivamento na Junta Comercial da deliberação
da exclusão ou não do sócio […]”.
[…] a data base apenas será a do trânsito em julgado quando a deliberação revelar-se
nula por falta de justificativa do motivo da exclusão.7
Ressalte-se que podem ser feitas as mesmas considerações acerca do marco inicial da
contagem de prazo de dois anos do art. 1.032 nestes casos, relativas ao trânsito em julgado de
sentença, antecipação de tutela ou cumprimento provisório de sentença.
5.3 Falecimento de sócio
Tratamento diferenciado deve ser dado nos casos em que há dissolução parcial de sociedade
por morte de um sócio.
Se esse sócio possuía obrigações pendentes para com a sociedade, ou exercia funções de
gerência na empresa, os herdeiros e o espólio somente poderão ser obrigados ao pagamento
dessas obrigações até o limite do monte mor e por aquelas existentes até o momento do
falecimento, inclusive perante terceiros, sendo irrelevante, nestas situações, a data da
averbação da notícia do falecimento do sócio, na respectiva Junta Comercial. Assim entende
Alfredo de Assis Gonçalves Neto: “No entanto, com sua morte, essa responsabilidade cessa
imediatamente e nenhuma nova obrigação que a sociedade vier a assumir pode ser a ele
imputada”.8
7 GONÇALVES NETO, Alfredo de Assis. Direito de empresa: comentários aos artigos 966 a 1.195 do Código
Civil. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2007. p. 249-251. 8 Ibidem, p. 258.
57
6 CONCLUSÃO
Da análise da doutrina pesquisada para a elaboração do presente estudo, verificou-se que o ato
jurídico de constituição de Sociedade por Cotas de Responsabilidade Limitada (natureza
empresarial objeto deste trabalho) tem natureza jurídica de contrato, tanto por definição legal
- art. 981, CC/02 – como também por construção doutrinária, sendo que sua maior inovação
quanto às interpretações anteriores foi permitir que a sociedade – e seu contrato constitutivo e
gerencial – permanecessem existentes, válidos e eficazes, mesmo diante de vícios e outros
obstáculos jurídicos que poderiam levar à extinção de todo o vínculo societário, sempre em
homenagem à Teoria da Preservação da Empresa.
Foi demonstrado, ainda, que na atual fase do Direito Societário todas as causas de dissolução
total de sociedade podem ser aplicadas às Sociedades de Responsabilidade Limitada, como
também podem acolher a teoria da dissolução parcial, para garantir a preservação da empresa,
bem como permitir que sócios remanescentes permaneçam vinculados ao ente societário na
busca de melhores proveitos e resultados econômicos.
Restou evidenciado, também, no presente estudo, que somente há delimitação e fixação de
responsabilidades quer no momento da constituição da empresa, quer no momento da
dissolução, parcial ou não, dos vínculos societários, a partir do registro do contrato social, nas
Juntas Comerciais e com a total integralização do capital social pela coletividade dos sócios,
com algumas exceções.
Entretanto, talvez com o nobre, mas equivocado intuito de proteger o Fisco e os trabalhadores,
restou consagrado no CC/02 que os sócios desvinculados, ainda que em dia com suas
obrigações societárias em uma Limitada, podem responder, pelo prazo de dois anos, por
débitos trabalhistas, tributários ou para com terceiros, caso venha a ser declarada a
desconsideração da personalidade jurídica da sociedade da qual participam.
A opção utilizada pelo legislador do Estatuto Civil vigente, ao empregar as regras e realidades
das Sociedades Simples às Sociedades Limitadas, desconsiderando as peculiaridades dessas
formas societárias, mostrou-se um equívoco, que em situações reais e práticas pode provocar
58
severos prejuízos tanto à sociedade, quanto aos sócios desvinculados, além de desvirtuar a
objetividade e natureza da própria Sociedade Limitada.
Assim, pela atual sistemática legal e processual, dependendo da situação em que se encontrar,
o sócio que se desvincula de Sociedade Limitada está obrigado a suportar um moroso e
dispendioso processo judicial para poder averbar na Junta Comercial sua saída da empresa e,
somente a partir daí, esperar dois anos para se desvincular completamente, sem que existam
alternativas efetivamente eficazes e céleres.
Por tudo o que foi visto no presente trabalho e pelas conclusões que se podem retirar, percebe-
se que a regra de extensão de responsabilidade do sócio que se desvincula de uma Limitada,
como previsto nos arts. 1.086 e 1.032 do CC/02, acaba por desvirtuar em algumas situações a
própria natureza desta forma societária, obrigando esse sócio além dos limites, tanto
temporais como econômicos, pactuados originalmente.
Além de eventualmente impor a esse sócio graves prejuízos pela falta de uma solução célere
para as pendências sociais desta natureza, esta extensão temporal da responsabilidade do sócio
chega ao ponto de, muitas vezes, desestimular o empreendedorismo, indispensável para a
evolução e crescimento da sociedade brasileira, já que é mais um obstáculo não previsto em
lei.
O presente estudo buscou apontar alternativas às regras estabelecidas no CC/02 quanto à
aplicação, de forma ampla, mas incompatível, dos dispositivos pertinentes às Sociedades
Simples e às Sociedades Limitadas no que diz respeito à dissolução parcial da sociedade, e
contribuir com algumas soluções dos problemas aqui apontados e que atormentam os
operadores do Direito.
Entretanto, respostas ou soluções adequadas à forma societária da Limitada e seus aspectos
particulares somente poderão ser fornecidas quando houver a correta aplicação do Direito
pelos magistrados, evitando interpretações duvidosas e discutíveis de textos legais na busca de
uma justiça social muitas vezes contraditória, bastando, para tanto, respeitar os princípios e
institutos que já foram desenvolvidos pela doutrina de Direito Comercial e Empresarial ao
longo dos anos, adaptando os preceitos legais ao tema posto em estudo.
59
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