Post on 27-Nov-2018
CENTRO UNIVERSITRIO UNIVATES
PROGRAMA DE PS-GRADUAO STRICTO SENSU
MESTRADO PROFISSIONAL EM ENSINO DE CINCIAS EXATAS
REGULARIZAO FUNDIRIA E ETNOMATEMTICA: OUTROS
MODOS DE ENSINAR E APRENDER
Adriana Vanessa Fell Mallmann
Lajeado, maro de 2016
Adriana Vanessa Fell Mallmann
REGULARIZAO FUNDIRIA E ETNOMATEMTICA: OUTROS
MODOS DE ENSINAR E APRENDER
Dissertao apresentada ao Programa de
Ps-Graduao, Mestrado Profissional em
Ensino de Cincias Exatas, do Centro
Universitrio UNIVATES, como parte da
exigncia para obteno do grau de Mestre
em Ensino de Cincias Exatas, na linha de
pesquisa Epistemologia da prtica
pedaggica no ensino de Cincias e
Matemtica.
Orientadora: Profa. Dra. Ieda Maria Giongo
Lajeado, maro de 2016
Dedico este trabalho minha filha,
rika Mallmann, e ao meu marido, verton
Luis Mallmann, por fazerem parte de minha
vida e terem contribudo para que este
sonho se tornasse realidade. Peo
desculpas pelos momentos em que estive
ausente, estudando, mas deixo aqui
registrado que, ao lado de vocs, sou uma
pessoa melhor e mais feliz. Amo vocs.
AGRADECIMENTOS
Este o momento de deixar meus sinceros agradecimentos aos que, de
alguma forma, contriburam para o desenvolvimento deste trabalho e a realizao de
meu sonho: ser Mestre em Ensino de Cincias Exatas.
Primeiramente, a Deus, pela vida e sade, que me permitiram desenvolver o
presente estudo.
minha filha, rika Mallmann, e ao meu marido, verton Luis Mallmann, a
quem tanto amo. Ambos sempre estiveram ao meu lado, apoiando-me e
incentivando-me sem medir esforos para que a concluso deste Curso fosse
possvel.
Aos meus familiares, colegas e amigos, que estiveram presentes e apoiaram
minhas ideias tanto nos dias de alegrias quanto nos de angstias.
minha orientadora, Ieda Maria Giongo, a quem admiro e tenho um carinho
especial, pela amizade e profissionalismo.
Aos queridos alunos da turma 101, que, com seu apoio, amizade e dedicao,
tornaram possvel o desenvolvimento do projeto de pesquisa.
direo da escola, que possibilitou a prtica pedaggica e confiou em minha
proposta, disponibilizando o necessrio para seu desenvolvimento.
Aos meus convidados, Sr. Amarildo, Sr. Jovani, Sr. Joo, Sra. Noeli e Sr.
Calvio, que estiveram na escola compartilhando conosco seus conhecimentos.
Ao Prefeito Municipal, Pedro Antonio Dornelles, e equipe de regularizao
fundiria, que nos receberam na Prefeitura, disponibilizando as informaes e o
material necessrio para a compreenso do processo da regularizao fundiria.
Ao Sr. Grecco, que nos atendeu no Cartrio de Bom Retiro do Sul, para
discorrer sobre a regularizao dos terrenos de Fazenda Vilanova.
s pessoas da comunidade e aos pais dos alunos, que contriburam com
suas narrativas, relevantes para nossa pesquisa.
Ao Sr. Fermino e ao Sr. Alzemiro, que me receberam em suas casas,
narraram histrias sobre as medies com o mtodo das correntes e
disponibilizaram os equipamentos.
s professoras da banca examinadora, Dra. Fernanda Wanderer, Dra. Marli
Teresinha Quartieri e Dra. Suzana Feldens Schwertner, por aceitarem o convite e
pelas contribuies pertinentes para aprimorar este trabalho.
Aos professores do Mestrado, pelo trabalho e conhecimento, que contriburam
na minha formao.
Aos leitores e a todas as pessoas que colaboraram durante a pesquisa.
RESUMO
Esta dissertao apresenta os resultados da pesquisa, intitulada Regularizao fundiria e etnomatemtica: outros modos de ensinar e aprender, vinculada ao Mestrado Profissional em Ensino de Cincias Exatas do Centro Universitrio UNIVATES. O problema central consistiu em investigar como uma turma de alunos do primeiro ano do Ensino Mdio Politcnico operava com contedos matemticos quando pesquisava, em seu Municpio, a temtica regularizao fundiria. O objetivo geral examinou, mediante uma prtica pedaggica investigativa, com um grupo de alunos do Ensino Mdio Politcnico, aspectos referentes regularizao fundiria e matemtica no Municpio de Fazenda Vilanova a partir de uma perspectiva etnomatemtica. Especificamente, tencionou-se: a) Realizar uma prtica pedaggica investigativa com uma turma de primeiro ano do Ensino Mdio Politcnico durante as aulas da disciplina de Matemtica e Seminrio Integrado; b) Problematizar a histria e a regularizao fundiria do Municpio de Fazenda Vilanova; c) Problematizar, junto a uma turma de alunos, os jogos de linguagem que emergem das questes relativas regularizao fundiria no Municpio de Fazenda Vilanova, examinando as semelhanas de famlias com a matemtica escolar e d) Analisar as limitaes e potencialidades de uma proposta pedaggica alicerada na perspectiva etnomatemtica. A metodologia, qualitativa, permitiu que a anlise do material de pesquisa gravado, fotografado, escrito, bem como as observaes da pesquisadora apontassem: a) Os jogos de linguagem emergentes da temtica regularizao fundiria evidenciaram semelhanas de famlias com aqueles usualmente presentes na matemtica escolar; b) A histria de Fazenda Vilanova evidencia que as terras eram medidas e negociadas de acordo com suas necessidades e c) A perspectiva etnomatemtica mostrou potencial favorvel na sala de aula, haja vista ser desafiadora e despertar o envolvimento e a curiosidade embora o currculo e o tempo tenham se mostrado fatores de limitao. A prtica pedaggica, alicerada na etnomatemtica, favorece outros modos de ensinar e aprender Matemtica. Palavras-chave: Etnomatemtica. Regularizao Fundiria. Ensino Mdio.
ABSTRACT
This thesis presents the outcomes of a research whose title is Land Regularization and ethnomathematics: other ways to teach and learn, within the Professional Masters Degree in the Teaching of Exact Sciences at Centro Universitrio Univates (UNIVATES University Center). The main topic of investigation was how a group of students of the 1st year of a Polytechnic High School dealt with mathematical contents while researching, within their municipality, the theme of land regularization. The general purpose was examining, by using an investigative pedagogical practice, the aspects concerning land regularization and mathematics in the municipality of Fazenda Vilanova, based on an ethnomathematical perspective. More specific purposes were: a) Carrying out an investigative pedagogical practice with the above mentioned group of students, during the classes of Mathematics and Integrated Seminar; b) Problematizing land history and regularization in this municipality; c) Problematizing, among the students, the language games emerging from the issues related to land regularization in this location, by examining family resemblances to school mathematics, and d) Analyzing the limitations and potentials of a pedagogical proposal based on an ethnomathematical perspective. An analysis through qualitative method of the research material that had been recorded, photographed, written, as well as the researchers observations, showed that: a) The language games emerging from the theme land regularization presented family resemblances with those commonly used in the school themes; b) The history in Fazenda Vilanova shows that land was measured and negotiated according to their needs, and c) The ethnomathematical perspective showed a positive potential in the classroom, for being challenging and promoting engagement and curiosity, although content and time have shown to be limiting factors. A pedagogical practice based on ethnomathematics encourages other forms of teaching and learning mathematics.
Keywords: Ethnomatematics. Land regularization. High School.
LISTA DE FIGURAS
Figura 1 Atividade proposta aos alunos pelo professor Jovani ............................... 52
Figura 2 Foto das fichas ....................................................................................... 71
Figura 3 Foto da bssola com trip ........................................................................ 72
Figura 4 Foto da bssola ........................................................................................ 72
Figura 5 Foto das balizas ....................................................................................... 73
Figura 6 Foto da corrente de agrimensor ............................................................... 73
Figura 7 Foto da corrente de agrimensor e a bssola ............................................ 74
Figura 8 Foto da corrente de agrimensor ............................................................... 74
Figura 9 Recorte do Mapa do terreno da EEEM Fazenda Vilanova ....................... 78
Figura 10 Desenho demonstrativo para o Clculo de Heron .................................. 79
Figura 11 Mapa do terreno da EEEM Fazenda Vilanova, riscado pelo Sr.
Calvio..........................................................................................................................80
Figura 12 Mapa do terreno da EEEM Fazenda Vilanova, riscado pelo Sr. Calvio,
durante a terceira entrevista (parte 1) ....................................................................... 84
Figura 13 Mapa do terreno da EEEM Fazenda Vilanova, riscado pelo Sr. Calvio,
durante a terceira entrevista (parte 2) ....................................................................... 85
Figura 14 Mapa do terreno da EEEM Fazenda Vilanova, riscado pelo Sr. Calvio,
durante a terceira entrevista (parte 3) ....................................................................... 86
Figura 15 Mapa do terreno da EEEM Fazenda Vilanova, riscado pelo Sr. Calvio,
durante a terceira entrevista (parte 4) ....................................................................... 86
Figura 16 Mapa do terreno da EEEM Fazenda Vilanova, riscado pelo Sr. Calvio,
durante a terceira entrevista (parte 5) ....................................................................... 87
Figura 17 Recorte da apostila Topografia I e II: anotaes de aula ........................ 88
Figura 18 Mtodo de Gauss ................................................................................... 90
Figura 19 Mapa do terreno da EEEM Fazenda Vilanova, riscado conforme
indicaes do Sr. Joo .............................................................................................. 92
Figura 20 Clculos do Sr. Joo, parte 1 ................................................................. 93
Figura 21 Clculos do Sr. Joo, parte 2 ................................................................. 94
Figura 22 Diviso da rea e clculos do grupo 1 .................................................... 99
Figura 23 Diviso da rea, clculos e explicao da estratgia do aluno A ......... 100
Figura 24 Diviso da rea e clculos do aluno B .................................................. 101
Figura 25 Diviso da rea e clculos do grupo 2 .................................................. 102
Figura 26 Diviso da rea e clculos do grupo 3 .................................................. 102
LISTA DE QUADROS
Quadro 1 Sntese da proposta didtica .................................................................. 47
Quadro 2 Atividades propostas ............................................................................... 64
Quadro 3 Atividades de avaliao do trabalho desenvolvido ................................. 69
Quadro 4 Atividade 2 ............................................................................................ 105
Quadro 5 Atividade 3 ............................................................................................ 105
SUMRIO
1 INTRODUZINDO A TEMTICA: A PROPOSTA ................................................... 12 2 FAZENDA VILANOVA E A REGULARIZAO FUNDIRIA ............................... 18 3 SOBRE OS REFERENCIAIS DA PROPOSTA ...................................................... 24 4 METODOLOGIA DE PESQUISA E INTERVENO PEDAGGICA ................... 42 5 UM OLHAR ACERCA DAS UNIDADES DE ANLISE ......................................... 76 5.1 Outros modos de aprender e ensinar Matemtica ......................................... 77 5.2 Cultura e realidade nas aulas de Matemtica ............................................... 107 5.3 Etnomatemtica ampliando possibilidades de pesquisa em sala de aula.......................................................................................................................... 121 6 PELA NECESSIDADE DE TERMINAR ............................................................... 134 REFERNCIAS ....................................................................................................... 143 APNDICES ........................................................................................................... 149 APNDICE A Termo de Consentimento Livre e Esclarecido .......................... 150
APNDICE B Declarao de Autorizao Diretora .......................................... 151
APNDICE C Declarao de Autorizao do Prefeito Municipal .................... 152
APNDICE D Declarao de Autorizao dos Convidados ............................ 153
APNDICE E Declarao de Autorizao da Diretora citar o nome da escola
................................................................................................................................ 154 APNDICE F Perguntas para as entrevistas elaboradas pelos grupos ......... 155 ANEXOS ................................................................................................................. 157 ANEXO A Notcia: Regularizao Fundiria d mais um passo em Fazenda
Vilanova.................................................................................................................. 158 ANEXO B Notcia: Fazenda Vilanova investe na educao e doa rea para construo de escola estadual ............................................................................ 160 ANEXO C Notcia: Mais 13 famlias de Fazenda Vilanova beneficiadas com
programa do governo municipal .......................................................................... 163 ANEXO D Notcia: Fazenda Vilanova - Famlias assinam documentos para regularizao fundiria ......................................................................................... 165 ANEXO E Notcia: Municpio encaminha regularizao de mais de 200
terrenos .................................................................................................................. 167 ANEXO F Notcia: Fazenda Vilanova regulariza terrenos fundirios ............. 169
12
1 INTRODUZINDO A TEMTICA: A PROPOSTA
A presente pesquisa descreve uma investigao que buscou problematizar, a
partir de uma prtica pedaggica junto a um grupo de alunos do Ensino Mdio
Politcnico, aspectos referentes regularizao fundiria1 do Municpio de Fazenda
Vilanova, tendo como aporte terico o campo da Educao Matemtica denominado
Etnomatemtica. O estudo est vinculado ao Mestrado Profissional em Ensino de
Cincias Exatas, mais especificamente linha de pesquisa Epistemologia da Prtica
Pedaggica no Ensino de Cincias.
Mesmo que de modo sinttico, importante aqui destacar como minhas
trajetrias pessoal e profissional determinaram a escolha da temtica e, sobretudo,
do referencial terico que sustenta a proposta. O apreo pela disciplina Matemtica
que desenvolvi durante o Curso de Graduao, o desejo de realizar um trabalho
docente que repercutisse e tivesse sentido para os estudantes e a valorizao
cultural de minha cidade foram elementos intrinsecamente ligados a essa opo.
Em efeito, moro em Fazenda Vilanova h mais de vinte anos. Em minha
infncia, residia com meus pais em uma casa prxima Rodovia BR 386, poca em
que a contagem de automveis e caminhes, embora estes demorassem a surgir na
via, fazia parte das brincadeiras que realizava com um grupo de amigos. Por ser um
Municpio pequeno, usualmente, as pessoas eram conhecidas uma das outras.
Minha vida de estudante iniciou aos seis anos na Escola Estadual de Ensino
1 Regularizao fundiria consiste em um processo de regularizao dos terrenos do Municpio e visa titulao da rea ao proprietrio. Em outras palavras, as pessoas que possuem apenas um Contrato de Compra ou Doao recebero a Escritura da rea de terra ao final do processo.
13
Fundamental Braslia, Bom Retiro do Sul, onde cursei a pr-escola e a primeira
srie. Em seguida, mudei-me, com minha famlia, para Fazenda Vilanova, local onde
continuei meus estudos. Nas Sries Iniciais, apresentei o que comumente
denominamos dificuldades de aprendizagem na disciplina Matemtica,
principalmente na quarta srie quando fui aprovada somente com a mdia.
J nas Finais, dediquei-me bastante aos estudos, momento em que passei a
entender a matria e, posso afirmar, a gostar da disciplina. Nessa poca, minha
irm ingressou na Escola e brincar de escolinha se tornou minha diverso
preferida. Ela foi minha primeira aluna. Eu pedia s docentes as sobras de giz e com
elas passava muitos contedos nas portas dos guarda-roupas de nosso quarto.
Lembro que os que mais dava nfase como professora se vinculavam
Matemtica. Hoje percebo que, desde ento, considerava-a a Rainha das Cincias,
atribuindo-lhe importncia e maior tempo de aula em detrimento das demais
disciplinas. Nesse perodo, cogitei a hiptese de seguir a carreira docente.
Em 2002, ao concluir o Ensino Fundamental na Escola Municipal de Ensino
Fundamental Edgar da Rosa Cardoso, solicitei aos meus pais que me matriculassem
em um internato, no Municpio de Estrela, para cursar o Magistrio. Por vrias
razes, meu pedido no pde ser atendido e, assim, ingressei no Ensino Mdio
Tcnico em Contabilidade em Bom Retiro do Sul. No trmino do primeiro ano, o
educandrio anunciou que os alunos interessados no referido Curso teriam que
fazer tambm um quarto ano de formao.
Diante disso, optei por me transferir a uma escola pblica prxima, visando
retornar e frequentar somente o quarto ano. Passou-se mais um ano e iniciaram as
atividades na Escola Estadual de Ensino Mdio Fazenda Vilanova quando mudei de
educandrio mais uma vez. Embora fosse considerada uma boa aluna, cursei meu
Ensino Mdio em trs diferentes instituies.
Nesse perodo, transformaes em minha vida pessoal casei e me tornei
me fizeram com que eu tomasse conhecimento, pela primeira vez com
profundidade, de questes relativas regularizao fundiria. Meu marido recebera
de seu av o terreno onde moramos; porm, at ento, possumos apenas um
documento de Contrato de Doao. Embora o doador tivesse a Escritura, no foi
14
possvel regularizarmos o imvel, pois a rea se encontra vinculada a uma maior e
em nome de uma pessoa j falecida. Ademais, ruas foram abertas aps a aquisio
deste terreno, fato que provocou a reduo da referida rea, e a metragem total de
compra no confere mais com o documento original. Esse um caso particular; que
atualmente, est em trmites para desmembramento; porm, outros semelhantes ou
mais complexos necessitam ainda da regularizao fundiria.
Questes como a importncia de obter a documentao necessria e as
implicaes que resultariam de sua falta me fizeram pensar na possibilidade de
trabalhar essa temtica na escola, pois sentia necessidade de compreender como
poderamos resolver tal situao.
Paralelamente s inquietaes e s novas demandas da vida familiar, fui
aprovada no vestibular da Universidade Luterana do Brasil (ULBRA), Canoas, para
Licenciatura em Qumica. Ante as dificuldades cotidianas, a distncia para
deslocamento e a pequena carga horria de perodos da disciplina de Qumica nas
escolas, decidi me transferir ao Centro Universitrio UNIVATES, Lajeado, optando
pelo Curso de Licenciatura em Cincias Exatas Habilitao Integrada em
Matemtica, Qumica e Fsica Licenciatura.
O Curso de Graduao me proporcionou adensamento terico metodolgico
nas trs reas foco, tendo em vista que ocorreram, desde os primeiros semestres,
discusses efetivadas a partir da leitura de textos, dissertaes e problematizaes
de prticas pedaggicas. Em particular, em uma das ltimas disciplinas cursadas,
tomei contato, pela primeira vez, com as teorizaes da perspectiva
etnomatemtica2.
Durante a graduao, participei do concurso para provimento de cargos na
Prefeitura Municipal de Fazenda Vilanova para Agente Administrativo Auxiliar. Nesse
local, trabalhei mais de sete anos, atuando em diferentes setores voltados ao
pblico, o que me permitiu um maior convvio com a Administrao, Educao e
questes vinculadas cultura da populao. Ademais, voltei a ter mais contato com
problemas pertinentes regularizao fundiria, pois, frequentemente, os muncipes
procuravam rgos municipais para obter informaes atualizadas.
2 Etnomatemtica: campo da educao matemtica interessada em problematizar, nos processos de ensino e de aprendizagem, questes vinculadas cultura dos estudantes.
15
Minha motivao pelo Mestrado em Ensino de Cincias Exatas surgiu no
momento em que fui informada de sua existncia pela Dra. Marli T. Quartieri quando
cursava a Graduao. Assim, passei a me dedicar ainda mais aos estudos e a
participar de eventos. Alm disso, ingressei como bolsista no Programa Institucional
de Iniciao Docncia (PIBID) e me interessei por pesquisar temticas que
envolvessem a cultura dos sujeitos investigados. Obtive o ttulo de Licenciada em
Cincias Exatas em janeiro e iniciei o Mestrado em abril de 2014.
O apreo pela pesquisa foi sendo aguado no meu incio de carreira, como
docente de turmas de Ensino Mdio Politcnico, na Escola Estadual de Ensino
Mdio Fazenda Vilanova. Junto aos demais professores, participei de formaes
continuadas; dentre elas, na rea de pesquisa e do Pacto Nacional do Ensino Mdio.
Alm disso, desenvolvemos, em 2014, um Projeto denominado Valorizao da
Escola no Municpio de Fazenda Vilanova, que teve por objetivo a valorizao da
escola como instituio de ensino de qualidade, especialmente pelo fato de
promover atividades que envolvessem as famlias e levassem os alunos a se
interessarem pela Iniciao Cientfica.
No mesmo ano, atuei, como voluntria, no Observatrio da Educao, Edital
049/2012/CAPES/INEP, projeto nmero 15206, intitulado Estratgias metodolgicas
visando inovao e reorganizao curricular no campo da Educao Matemtica
no Ensino Fundamental, que tencionava problematizar tendncias da Educao
Matemtica etnomatemtica, modelagem matemtica e investigao matemtica
, atendendo ao convite de minha orientadora e coordenadora do nomeado projeto.
Este desenvolvido no Centro Universitrio UNIVATES, em parceria com a CAPES.
Acredito que esse envolvimento contribuiu fortemente para a aquisio de novos
conhecimentos e minha formao enquanto mestranda, alm da oportunidade de
integrao em um grupo de pesquisadores do Vale do Taquari.
No segundo semestre de 2014, fui convidada a atuar, como juza de arena,
voluntria, nos Torneios de Robtica da FIRST, mantida pelo SESI. Dessa forma,
tive a chance de participar dos Torneios Regionais de Goinia-GO, Minas Gerais-
BH, Salvador - BA, Porto Alegre - RS, Manaus - AM e Braslia - DF. O contato com
diferentes culturas me propiciou refletir sobre a relevncia da pesquisa, reiterando a
importncia da cultura em diferentes grupos e regies, sendo esta uma oportunidade
16
para ensinar Matemtica.
No ano de 2015, solicitei minha exonerao da Prefeitura Municipal de
Fazenda Vilanova da qual estava em Licena Interesse desde 2013, pois assumi a
nomeao do concurso para professora da disciplina de Matemtica no Municpio de
Bom Retiro do Sul, Ensino Fundamental, Anos Finais. O fato me levou a desistir
tambm dos trabalhos de Assessoria de Robtica na rede particular. Contudo,
permaneci com o Contrato Emergencial que j exercia como professora do Estado
do Rio Grande do Sul. As experincias com a etnomatemtica e o sonho de cursar o
Doutorado me instigaram a frequentar o Curso Interlnguas em Ingls proposto pelo
Centro Universitrio UNIVATES.
Espero que este breve histrico de minhas trajetrias profissional e pessoal
tenham mostrado, como, num determinado perodo, fui sendo conduzida a essa
investigao. Embora a escrita desses acontecimentos tenha sido linear,
interessante destacar que ela foi se constituindo de forma irregular, ora se
intensificando, como no perodo de meu ingresso no Mestrado, ora diminuindo, na
ocasio em que interrompi meus estudos.
Sendo assim, ouso afirmar que acredito na relevncia de minha proposta,
haja vista o seu projeto ter sido convergente com o da escola e meu interesse
pessoal como pesquisadora. A isso, somam-se as transformaes que o Municpio
vem experimentando tanto na questo da regularizao fundiria quanto na
duplicao da BR 386.
Neste contexto, o problema de pesquisa pode ser descrito da seguinte
maneira: Como uma turma de alunos do primeiro ano do Ensino Mdio Politcnico
opera com contedos matemticos quando pesquisam, em seu Municpio, a
temtica regularizao fundiria?
O objetivo geral consiste em examinar, mediante uma prtica pedaggica
investigativa, junto a um grupo de alunos do Ensino Mdio Politcnico, aspectos
referentes regularizao fundiria e matemtica no Municpio de Fazenda
Vilanova a partir de uma perspectiva etnomatemtica.
Quanto aos objetivos especficos, estes se resumem em: 1) Realizar uma
17
prtica pedaggica investigativa com uma turma de primeiro ano do Ensino Mdio
Politcnico durante as aulas das disciplinas de Matemtica e Seminrio Integrado; 2)
Problematizar a histria e a regularizao fundiria do Municpio de Fazenda
Vilanova; 3) Problematizar, junto a uma turma de alunos, os jogos de linguagem3
que emergem das questes relativas regularizao fundiria no Municpio de
Fazenda Vilanova, examinando as semelhanas de famlias4 com a matemtica
escolar; 4) Analisar as limitaes e potencialidades de uma proposta pedaggica
alicerada na perspectiva da etnomatemtica.
Aps esta breve introduo, nos prximos captulos, procuro explicitar as
caractersticas do Municpio de Fazenda Vilanova, o referencial terico, os aportes
metodolgicos sobre a prtica pedaggica, a anlise dos resultados e as
consideraes finais. Por fim, aps as referncias bibliogrficas, apresento os
apndices e anexos.
3 Jogos de linguagem: [...] matemticas produzidas nas diferentes culturas (WANDERER, 2007, p. 165). 4 Semelhanas de famlia: as semelhanas entre aspectos pertencentes aos diversos elementos que esto sendo comparados (COND, 2004, p. 53).
18
2 FAZENDA VILANOVA E A REGULARIZAO FUNDIRIA
Fazenda Vilanova, por muitos anos, cultivou e preservou seu aspecto colonial. Ainda hoje, metade de seus habitantes vive na rea rural, exercendo atividades na agropecuria. A sede do municpio teve seu incio com a vinda de pessoas atradas pelas construes da BR 386 e do Posto de Combustveis guia Azul, os quais aproximaram mais a produo, tanto agrcola, quanto industrial, devido comercializao e transporte (FARIAS, 2012, p. 143).
O excerto acima mostra como o pequeno Municpio onde resido tem estado
diretamente vinculado, entre outros aspectos, rodovia BR 386 e produo
agropecuria. Penso que mencionar alguns deles importante, pois, atualmente,
conforme mostram os Anexos A ao F, vem sendo corrente a discusso, entre os
habitantes e a Administrao Municipal, sobre questes relativas regularizao
fundiria. Mesmo que de modo sinttico, descrevo, a seguir, como alguns fatos
foram centrais para que a situao emergisse e, sobretudo, fizesse parte da vida dos
vilanovenses.
Conforme os dados histricos do IBGE, o Municpio de Fazenda Vilanova foi
criado pela Lei n 10.643 de 28 de dezembro de 1995, possuindo, portanto, vinte
anos de emancipao, sendo, anteriormente, distrito de Bom Retiro do Sul. Segundo
Farias, um Municpio brasileiro, da Mesorregio Centro Oriental Rio-Grandense,
do Vale do Taquari. Localiza-se a uma latitude 293522 e a uma longitude
514930 oeste, estado a uma altitude de 145m (FARIAS, 2012, p. 9). De acordo
com os dados do IBGE, antigamente, ele era dividido em fazendas, pertencentes s
famlias Azambuja e Vilanova, surgindo desta o nome. Ainda de acordo com as
informaes do citado Instituto, as etnias predominantes no local tm sido a luso-
brasileira e a alem, com menor nmero de italianos. A populao estimada, em
19
2015, era de, aproximadamente, quatro mil e noventa e nove habitantes. Com
extenso territorial de 84,79km2, possui suas divisas com os Municpios de Estrela e
Teutnia, Taquari, Paverama e Bom Retiro do Sul e se distancia cerca de cem
quilmetros da capital.
Com base no trabalho de pesquisa realizado por Farias, destaco o seguinte
excerto que, possivelmente, vem ao encontro da origem do complexo processo de
regularizao fundiria:
A base da colonizao sul-rio-grandense foi do sistema de apossamento, pois houve elevado nmero de posseiros destitudos de documentao, expulso de suas terras pelos estancieiros mais ricos, que mandavam os posseiros, (pees privados de conhecimento de seus direitos e recursos para provar suas posses e requerer seus ttulos), ir para o campo tropear o gado, enquanto isso, os estancieiros compravam, por testemunho recompensado, o uso da terra com ttulo legal e armas, depois, os expulsava de suas terras ou os incorporava nas suas tropas de pees... imperou a lei do mais forte! (FARIAS, 2012, p. 95) [grifos meus].
Ainda segundo Farias (Ibidem, p. 95-96), Em 18 de setembro de 1850, o
Governo Imperial promulgou a Lei n 601, Lei das Terras, a qual proibia a aquisio
de terras que no fosse por compra, uma tentativa de solucionar os problemas
fundirios. O autor acrescenta que, naquela poca, j havia necessidade de
ordenao jurdica e, embora fosse significativa, neste sentido, tambm contribuiu
para que a terra passasse a ser considerada uma mercadoria capaz de gerar lucros.
De acordo com os dados histricos disponibilizados pelo IBGE, o crescimento
se intensificou no Municpio com a obra da BR 386 na dcada de 1960, pois
proporcionou a existncia de empregos no local e, consequentemente, um
crescimento no nmero de moradores, principalmente s margens dessa via. Muitos
muncipes que conviveram com a estrada de cho acompanharam a construo da
rodovia, cuja duplicao vem mudando completamente a fisionomia da cidade. Em
seu livro, Farias relata tal fato que transformou a vida de muitas pessoas:
De 1964 a 1967, o pacato povoado de Fazenda Vilanova foi sendo perturbado pelo barulho dos motores das mquinas que arranhariam o cho Vilanovense para a construo da BR 386 ou Estrada da Produo. Assim designada aps sua concluso, tornou-se o caminho que mudou e transformou a vida de muitos Vilanovenses (FARIAS, 2012, p. 146).
Ao definir a temtica de pesquisa, iniciei, informalmente, a investigao,
conversando com colegas de escola, familiares, moradores que h tempos viviam na
20
cidade e a quem eu conhecia; alm de realizar visitas a profissionais da Prefeitura
Municipal com os quais havia trabalhado antes de ser professora. Dessa forma,
descobri que o crescimento do vilarejo impactou a comercializao de reas de
terras; porm, realizavam-se os negcios por meio de contratos escritos ou somente
verbais. Neste sentido, observa-se que, na poca, no se respeitava a Legislao
vigente. Em casos raros, o Documento de Escritura era devidamente registrado e
reconhecido.
Devido a essas dificuldades enfrentadas pela populao e Administrao
Municipal, esta, amparada pela Lei N 983 de 30 de julho de 2009, vem
disponibilizando uma equipe para atuar na regularizao fundiria, autorizando o
Poder Executivo a custear despesas nesse processo de imveis particulares. Em
meados de 1960, famlias foram indenizadas ou doaram suas terras para essa obra
e, novamente, situaes semelhantes puderam ser verificadas. Segundo uma
conversa informal que tive com uma professora, seus pais cederam,
aproximadamente, cinco quilmetros de extenso de suas terras para a abertura da
BR 386 na localidade de Concrdia. Em troca, o governo se comprometeu a
construir um cercado s margens da estrada, padro obrigatrio na poca. Poucos
anos depois, o cercado estragou e nunca foi consertado.
Segundo a populao e tambm o Prefeito Municipal, o valor das terras
comercializadas estava defasado, sendo trocadas por bois e carros velhos.
Entretanto, hoje, seus preos so bastante altos. Era comum, no passado, a
permuta ou a aquisio no ocorrer mediante o documento de Escritura da rea
devidamente registrada e reconhecida em Cartrios, mas sim pela honra ao fio do
bigode, que consistia em um negcio realizado de forma somente verbal. Senhores
de palavras, honestos e de boa ndole realizavam negcios e no viam
necessidade de registrar por escrito, pois honravam suas decises e seu nome.
Hoje, muitos lindeiros, como so chamados os donos de lotes de terras de divisas,
possuem apenas Contratos de Vendas ou Doao. Uma minoria conta com o
documento de Escritura; outros, ainda, possuem documento parcial da rea,
situaes que implicam prejuzos tanto populao quanto Administrao.
O fato que as pessoas, sem o documento de Escritura, no conseguem
pleitear um financiamento para construir uma casa, como o do Projeto Minha Casa
21
Minha Vida oferecido pelo Governo Federal, o que j possvel nos novos
loteamentos construdos no Municpio. Os casos de reas de terras sem
documentao tm fomentado longos processos, principalmente quando envolvem
heranas. A professora que mencionei anteriormente participara de um inventrio
cuja propriedade pertencera a seu sogro, que, h muitos anos, adquirira de um
conhecido, e somente parte dela estava escriturada. Com o seu falecimento e a falta
de documentao comprovando que o imvel realmente lhe pertencia, o processo
levou anos e no foi concludo. Recentemente, o Cartrio sugeriu aos herdeiros
registrar a parte cabvel a cada um. relevante destacar que, devido ao tempo e a
todo o processo percorrido sem resultados, as terras sem documentao so
denominadas Cavalos Velhos.
Outrossim, a falta da regularizao fundiria implica prejuzos financeiros ao
Poder Pblico, que no consegue cobrar os impostos corretamente, deixando de
arrecadar verbas que se reverteriam em benefcios ao Municpio. A fiscalizao
ambiental e de novas obras tambm fica comprometida, alm da situao irregular
no que se refere s reas de terras da cidade. Tentativas j foram feitas tanto por
parte da Administrao quanto de muncipes; entretanto, a complexidade enorme,
j que acordos precisam ser realizados em alguns processos e acabam ficando sem
finalizao.
Pelo registro da Prefeitura, as terras pertencem a poucas pessoas, inclusive a
algumas j falecidas, caso do terreno onde moro. Nesses contratos, h poucas
informaes, como as da rea total, por exemplo. A regularizao fundiria visa
regularizar assentamentos irregulares e o documento de titulao, o que permitiria
aos moradores pleitearem financiamentos subsidiados pelo Governo Federal, alm
de organizar o crescimento da cidade e a preservao das reas ambientais
conforme previsto no Artigo 46 da Lei Federal n. 11.977/2009:
Art. 46. A regularizao fundiria consiste no conjunto de medidas jurdicas, urbansticas, ambientais e sociais que visam regularizao de assentamentos irregulares e titulao de seus ocupantes, de modo a garantir o direito social moradia, o pleno desenvolvimento das funes sociais da propriedade urbana e o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado.
Segundo o coordenador da regularizao fundiria, em 2015, foi aprovado o
Plano Diretor, que, no ano de 2013, foi encaminhado ao Poder Legislativo como
22
Projeto de Lei Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano do Municpio de Fazenda
Vilanova elaborado pela Administrao Municipal. Previamente, realizou-se
Audincia Pblica para a populao e interessados. Com essa aprovao, novas
normas devero ser cumpridas na cidade, o que favorecer o processo da
regularizao fundiria.
O Plano Diretor implica o zoneamento de ocupao do solo urbano na
localizao para o comrcio, residncias, indstrias, reas de preservao
ambiental, elaborao de novos loteamentos, obras e abertura de ruas. Nele, so
estipuladas e regulamentadas normas para as obras executadas no mbito dos
limites municipais com localizaes estratgicas, organizando o crescimento do
Municpio. A Lei Federal n 10.257/2001, denominada Estatuto da Cidade, prev, no
Art. 40, que o Plano Diretor, aprovado por Lei Municipal, um instrumento bsico da
poltica de desenvolvimento e expanso urbana, e o Art. 41, 1 menciona ser
obrigatrio para cidades com mais de vinte mil habitantes.
A regularizao fundiria iniciou em 2013 de forma efetiva, uma meta da
Administrao Municipal atual, no centro do Municpio. A Legislao Municipal, Lei
N. 983 de 30 de junho de 2009, e a Legislao Federal, Lei N 11.977/2009, servem
de amparo legal para o trabalho realizado. Esse processo de regularizao fundiria
em andamento designado de interesse social, conforme prev a Lei Federal n
11.977/2009, Art. 47, inciso VII, pois se refere a assentamentos irregulares ocupados
por populao de baixa renda, de forma pacfica, h pelo menos cinco anos. Para as
reas que no se enquadram nessas condies e no podem usufruir das condies
especiais, aplica-se a regularizao fundiria de interesse especfico conforme
previsto no inciso VIII da Lei n 11.977/2009.
Quanto aos envolvidos no processo de regularizao fundiria, pode-se citar
o Municpio, que a promove; o Ministrio Pblico, podendo investigar irregularidades;
o Registro de Imveis, que confere a titulao de posse; o Poder Judicirio, em caso
de conflitos; o Poder Legislativo, quando solicitada a aprovao de leis relacionadas
ao zoneamento, bem como o proprietrio da rea.
Mediante este relato, espero ter conseguido evidenciar que, de forma direta
ou indireta, muitos vilanovenses esto envolvidos com a temtica em estudo, porque
23
a rea onde residem necessita ser regularizada, j que implica pagamento de novos
impostos ou normas a serem implantadas com o Plano Diretor. O assunto emergiu
fortemente na cidade e acredito que foi importante os alunos pesquisarem sobre
uma questo social que envolve a Histria do Municpio e a de seus antepassados.
Tal ideia tambm est sustentada nas reportagens e entrevista quando apresento os
Anexos A ao F.
Por fim, expresso que esta uma oportunidade de construo de
conhecimentos a partir de um questionamento nas aulas de Matemtica que abriu
espao para discusses, abordando a cultura de nossos discentes. Segundo
Chassot (2014, p. 119), Fazer alunos preocupados implica na busca de saberes
populares, que correm o risco de extino, e em traz-los para a sala de aula. Tal
ideia vai ao encontro da proposta desta problematizao sobre a etnomatemtica e
a regularizao fundiria de Fazenda Vilanova na busca dos saberes populares e a
valorizao do conhecimento das pessoas mais idosas de nosso Municpio,
conhecedoras de muitas histrias. Alis, para Chassot, A escola, no obstante,
precisa aprender a valorizar os mais velhos e os no letrados como fonte de
conhecimentos que podem ser levados a sala de aula [...] Quando um velho morre,
como uma biblioteca que queima (Ibidem, p. 122).
No prximo captulo, descrevo algumas concepes sobre a etnomatemtica,
perspectiva da educao matemtica que sustenta teoricamente este projeto.
24
3 SOBRE OS REFERENCIAIS DA PROPOSTA
[...] Etnomatemtica a matemtica praticada por grupos culturais, tais como comunidades urbanas e rurais, grupos de trabalhadores, classes profissionais, crianas de uma certa faixa etria, sociedades indgenas, e tantos outros grupos que se identificam por objetivos e tradies comuns aos grupos. Alm desse carter antropolgico, a etnomatemtica tem um indiscutvel foco poltico. A etnomatemtica embebida de tica, focalizada na recuperao da dignidade cultural do ser humano (DAMBRSIO, 2002, p. 9).
No excerto acima, DAmbrsio define a Etnomatemtica como as
matemticas praticadas pelos diferentes grupos culturais. Por ter sido o pioneiro
nessa perspectiva, chamado de o pai da etnomatemtica. A esse respeito,
Gerdes (2010, p. 17) salienta que DAmbrsio pode ser considerado o mentor da
reflexo sobre as razes socioculturais da arte ou da tcnica de explicar e conhecer
a Matemtica. Em efeito, o referido pesquisador, em meados de 1970, iniciou os
estudos relacionados a essa vertente da educao matemtica que, centralmente,
como ele prprio afirma, est interessada em examinar os modos como distintos
grupos culturais operam com a matemtica. Ressalto que, usualmente, grafamos
Matemtica (em maisculo) quando nos referimos escolar e, poucas vezes, damos
visibilidade a outras praticadas por grupos especficos.
Ainda segundo DAmbrsio (2002, p. 22), O cotidiano est impregnado dos
saberes e fazeres prprios da cultura, expressando que esta, a histria e a
educao matemtica fazem parte de um conjunto a ser estudado, mantendo entre
si muitas relaes. Ademais, evidencia que Etnomatemtica um programa de
pesquisa em histria e filosofia da matemtica, com bvias implicaes
pedaggicas (Ibidem, p. 27), possibilitando metodologias para a sala de aula e
25
valorizao do conhecimento que o aluno carrega sobre sua cultura, tendo em vista
que a busca natural de uma explicao para a realidade na qual o indivduo est
inserido leva-o a essa compulso para saber [...] (Ibidem, 1998, p. 39).
Cabe, neste momento, tecer trs comentrios. O primeiro deles diz respeito
ao fato de que, neste registro terico, h um distanciamento da ideia de buscar o
que h de Matemtica nas distintas culturas para, a seguir, ensinar regras e
conceitos vinculados matemtica escolar. Em sua dissertao, Giongo (2001), ao
analisar os saberes da matemtica escolar e os da gestada no mundo do trabalho,
especificamente em um contexto fabril caladista do Vale do Taquari, expressou:
A perspectiva que assumi, ao realizar a pesquisa, no se assumiu a buscar identificar o que havia de matemtico no mundo do calado, para, seguir meramente a transpor estes conhecimentos para a sala de aula. Trata-se, sim de uma perspectiva mais ampla que busca problematizar questes referentes ao mundo do trabalho entre elas, as conectadas Matemtica e suas implicaes pedaggicas no currculo escolar permitindo que tais questes no sejam interditadas na escola formal (GIONGO, 2001, p. 203).
O segundo comentrio, decorrente do primeiro, evidencia que a matemtica
escolar tambm uma etnomatemtica, pois praticada na escola, possuindo
regras e simbolismos prprios. No se trata, portanto, de excluir conhecimentos a
ela vinculados, mas problematizar. A esse respeito, Knijnik et al. (2012, p. 13)
destacam que a Etnomatemtica [...] segue interessada em discutir a poltica do
conhecimento dominante praticada na escola, mesmo passados mais de quarenta
anos de sua emergncia. Alis, para as autoras, O pensamento etnomatemtico
est centralmente interessado em examinar as prticas fora da escola, associadas a
racionalidades que no so idnticas racionalidade que impera na Matemtica
Escolar [...] (Ibidem, p.18).
Para as citadas pesquisadoras, tais ideias se desdobram em duas dimenses,
sendo que a primeira se refere organizao do currculo escolar por disciplinas,
indagando se esta seria a nica forma de organizao; a segunda sugere uma
reflexo sobre os contedos ensinados e a forma de formatao pela qual todos
ns passamos. Considera-se a esse respeito os assim chamados conhecimentos
acumulados pela humanidade embora representem uma pequena parcela
produzida ao longo de muitos anos de histria. Portanto, para os estudiosos dessa
perspectiva,
26
[...] etno hoje aceito como algo muito amplo, referente ao contexto cultural, e, portanto inclui consideraes como linguagem, jargo, cdigos de comportamento, mitos e smbolos; matema uma raiz difcil, que vai na direo de explicar, de conhecer, de entender; e tica vem sem dvida de techne, que a mesma raiz de arte e tcnica. Assim poderamos dizer que etnomatemtica a arte ou tcnica de explicar, de conhecer, de entender nos diversos contextos culturais (DAMBRSIO, 1998, p. 5-6).
Em sntese, para a etnomatemtica, em cada grupo cultural, so
desenvolvidas formas para facilitar as atividades dirias, desencadeando o
surgimento de conhecimentos distintos, pois h diversidade entre as necessidades,
costumes e percepes de mundo. Entretanto, h que se considerar que,
Para a Etnomatemtica, a cultura passa a ser compreendida no como algo pronto, fixo e homogneo, mas como uma produo, tensa e instvel. As prticas matemticas so entendidas no como um conjunto de conhecimentos que seria transmitido como uma bagagem, mas que esto constantemente reatualizando-se e adquirindo novos significados, ou seja, so produtos e produtores da cultura (KNIJNIK et al., 2012, p. 26).
Por fim, no terceiro comentrio, enfatizo que, embora palavras e expresses,
como cultura, linguagens, prticas matemticas, cdigos e comportamentos, estejam
em consonncia com este referencial, no h uma definio nica para o citado
campo. Assim, a questo o que etnomatemtica? no central e tampouco
poderia ser adequadamente respondida. A esse respeito, Knijnik (2004) expressa
que, mesmo com as limitaes decorrentes de toda classificao, tem sido possvel
mapear as pesquisas nesse campo por meio de cinco temticas, a saber:
Etnomatemtica e Educao indgena; Etnomatemtica e Educao urbana;
Etnomatemtica e Educao rural; Etnomatemtica, epistemologia e histria da
Matemtica, Etnomatemtica e formao de professores (Ibidem, p. 19-20).
Ademais, entendem que essas temticas no esto constitudas de modo isolado
(Ibidem, p. 20), apresentando mltiplas interseces.
interessante notarmos que os Parmetros Curriculares Nacionais, cuja
primeira edio se deu em 1997, em seu caderno referente Matemtica, menciona,
mesmo que de modo superficial, essa perspectiva da educao matemtica:
Dentre os trabalhos que ganharam expresso nesta ltima dcada, destaca-se o Programa Etnomatemtica, com suas propostas alternativas para a ao pedaggica. Tal programa contrape-se s orientaes que desconsideram qualquer relacionamento mais ntimo da Matemtica com aspectos socioculturais e polticos o que a mantm intocvel por fatores outros a no ser sua prpria dinmica interna. Do ponto de vista educacional, procura entender os processos de pensamento, os modos de explicar, de entender e de atuar na realidade, dentro do contexto cultural do
27
prprio indivduo. A Etnomatemtica procura partir da realidade e chegar ao pedaggica de maneira natural, mediante um enfoque cognitivo com forte fundamentao cultural (BRASIL, 1997, p. 17).
Ao mencionar que a proposta dos pesquisadores de etnomatemtica est na
contramo daqueles que desconsideram a cultura dos estudantes, os Parmetros
evidenciam uma das ideias centrais do pai da etnomatemtica. Alis, as ideias
dambrosianas inspiraram outros estudiosos que iniciaram investigaes aliceradas
nesse referencial.
Ademais, realizei um estudo sobre as edies do Encontro Nacional de
Educao Matemtica (ENEM), considerado o evento mais importante da rea, visto
que congrega professores da Escola Bsica, do Ensino Superior, licenciandos, ps-
graduandos e pesquisadores. Tais edies ocorreram no perodo de 1987 a 2013
em diferentes estados brasileiros e buscavam aprimorar e discutir inovaes e
mtodos para a educao matemtica, procurando alternativas que superassem as
dificuldades de aprendizagem em Matemtica (XI ENEM Encontro Nacional de
Educao Matemtica, 2014, texto digital).
A perspectiva etnomatemtica foi abordada nos anais das onze edies do
ENEM (SOCIEDADE BRASILEIRA DE EDUCAO MATEMTICA, 2014, texto
digital). Os resultados apontam que pesquisadores iniciaram estudos sobre o tema a
partir da iniciativa de Ubiratan DAmbrsio, corroborando resultados positivos nas
prticas realizadas que desafiavam novas investigaes.
Nas primeiras edies do ENEM, houve poucos trabalhos publicados nos
anais sobre a etnomatemtica, ou seja, no mximo, trs por evento. Percebe-se um
avano nas pesquisas sobre essa tendncia a partir da sexta edio, ano de 1998,
quando o nmero passou para sete e oito na oitava, embora a expanso tenha
ocorrido no dcimo e no dcimo primeiro eventos, contando com vinte e dois e
dezenove publicaes, respectivamente. Esses dados sugerem um interesse
crescente por essa perspectiva mesmo passados vrios anos de sua emergncia.
Problematizaes presentes nos anais evidenciam que elas tm despertado a
curiosidade e o interesse dos discentes, haja vista envolverem sua cultura, alm de
destacarem a relevncia do estudo da Matemtica para a vida.
Ainda considerando a anlise do ENEM, diversos grupos j foram
28
investigados, principalmente nas reas agrcola, indgena e africana, sendo que
muitos desses conhecimentos foram levados s salas de aula. Entre as prticas
pedaggicas, ressalta-se o Ensino Fundamental, sendo pouco ainda direcionadas ao
Ensino Mdio. A formao de professores tambm se intensificou, porm no tanto
quanto as prticas.
Inicialmente, os trabalhos eram bastante tericos e buscavam conceituar a
etnomatemtica; porm, com o passar do tempo, as investigaes aliaram a teoria
s pesquisas de campo em diferentes grupos sociais. Os estudos, nesses grupos,
visavam identificar as matemticas que emergiam das prticas cotidianas.
Questionamentos surgiram, ento, sobre a possibilidade de levar as descobertas
sala de aula, relacionando-as aos contedos escolares. Embora as pesquisas
bibliogrficas, as de campo com grupos e a formao de professores permaneam
em todas as edies do ENEM, as prticas pedaggicas, embasadas pela
etnomatemtica, com o passar dos anos, ganharam espao de forma significativa.
Atualmente, dentre os vrios grupos de pesquisa que vm investigando a
temtica, destaco o Grupo Interinstitucional de Pesquisa em Educao Matemtica e
Sociedade (GIPEMS), coordenado por Knijnik (KNIJNIK et al., 2012, p. 28). Tais
pesquisadores descrevem a etnomatemtica
[...] como uma caixa de ferramentas que possibilita analisar os discursos que instituem as Matemticas Acadmica e Escolar e seus efeitos de verdade e examinar os jogos de linguagem que constituem cada uma das diferentes Matemticas, analisando suas semelhanas de famlia.
Tal conceito se sustenta nas ideias de filsofos, como Foucault, Deleuze e
Wittgenstein. A caixa de ferramentas, segundo o grupo, refere-se sua
funcionalidade e utilidade. Dessa forma, [...] temos buscado faz-las funcionar, para
pensar sobre a escola, o currculo e, de modo especial, sobre a Educao
Matemtica (Ibidem, p. 28). Em especial expressam que Wittgenstein,
[] concebe a linguagem no mais com as marcas da universalidade, perfeio e ordem, como se preexistisse s aes humanas. Assim como contesta a existncia de uma linguagem universal, o filsofo problematiza a noo de uma racionalidade total e a priori, apostando na constituio de diversos critrios de racionalidade [] Assume que a linguagem tem um carter contingente e particular, adquirindo sentido mediante seus diversos usos [] Dessa forma, sendo a significao de uma palavra gerada pelo seu uso, a possibilidade de essncias ou garantias fixas para a linguagem posta sob suspeio, levando-nos tambm a questionar a existncia de uma
29
linguagem matemtica nica e com significados fixos (KNIJNIK et al., 2012, p. 29).
O grupo de pesquisa GIPEMS tem investigado as noes de jogos de
linguagem, formas de vida e semelhana de famlia, possibilitando pensar que no
existe uma nica Matemtica (KNIJNIK et al., 2012, p. 28). As ideias relacionadas
aos jogos de linguagem, inspiradas em Wittgenstein (2004), para o GIPEMS,
abrangem processos que podem ser compreendidos como descrever objetos,
relatar acontecimentos, construir hipteses e analis-las, contar histrias, resolver
tarefas de clculo aplicado, entre outros (Ibidem, p. 30). Em outras palavras, o
grupo entende que [...] dar visibilidade s matemticas geradas em atividades
especficas tambm um processo que pode ser significado como uma rede de
jogos de linguagem [...] (Ibidem, p. 30).
A respeito dos jogos de linguagem, Cond, ao se referir a Wittgenstein (2004),
discorre que Ele no define rigorosamente o que sejam jogos de linguagem, porque
isso no algo rigorosamente definvel, embora sejam regidos por regras (COND,
2004, p. 53). Entretanto, aponta que,
Neste carter mltiplo e variado dos jogos de linguagem, as nicas conexes que esses possuem, segundo Wittgenstein, so como as semelhanas existentes entre os membros de uma famlia. Os jogos de linguagem esto aparentados uns com os outros de diversas formas, e devido a esse parentesco ou a essas semelhanas de famlia que so denominados jogos de linguagem (Ibidem, p. 53).
A etnomatemtica, de acordo com Knijnik et al., apoiadas pela teoria de
Wittgenstein, [...] permite que se compreendam as Matemticas produzidas por
diferentes formas de vida como conjuntos de jogos de linguagem que possuem
semelhanas entre si (2012, p. 31). Neste contexto, [...] podem se considerar as
Matemticas produzidas nas diferentes culturas como conjuntos de jogos de
linguagem que se constituem por meio de mltiplos usos (Ibidem, p. 31). As
autoras, ainda, por meio de um exemplo, explicitam o entendimento de jogos de
linguagem:
Consideremos a prtica de arredondar nmeros que ensinada na escola. Como os materiais didticos que circulam no currculo escolar ensinam, para arredondar um nmero de dois algarismos, se a unidade tiver um valor acima de 5, indicado que se faa o arredondamento para dezena imediatamente superior; no entanto, se o valor unidade for inferior a 5, a orientao de que o arredondamento seja feito para a dezena imediatamente inferior. Esse jogo de linguagem de arredondar, praticado na instituio escolar, parte de sua gramtica especfica, com suas marcas
30
de abstrao, de transcendncia. Tais regras valem sempre (KNIJNIK et al., 2012, p. 17).
O exemplo mencionado mostra que as regras da matemtica escolar so
sempre as mesmas, independente das situaes nas quais so aplicadas; porm,
nas formas de vida no escolares, estas mudam de acordo com as prioridades de
cada grupo cultural. Neste sentido, os jogos de linguagem que emergem de
diferentes contextos no escolares atendem s necessidades dos indivduos,
especialmente em suas prticas laborais.
Outro exemplo dado pelas pesquisadoras foi o de um campons sem-terra,
que, [...] ao estimar o valor total do que seria gasto por ele na compra de insumos
para a produo, fazia arredondamentos para cima nos valores inteiros, ignorando
os centavos, uma vez que no desejava passar vergonha e faltar dinheiro na hora
de pagar (KNIJNIK et al., 2012, p. 17). Usualmente, na escola, essas regras no
so aceitas, mas, nas atividades do citado campons, eram importantes, haja vista
serem parte de sua forma de vida e atenderem s suas necessidades. Enquanto na
matemtica escolar se prioriza o formalismo, nessas atividades investigadas, as
regras aludem ao arredondamento, usualmente no praticado na escola. Tais formas
de vida se relacionam [...] significao das palavras, dos gestos e, pode-se dizer,
das linguagens matemticas e dos critrios de racionalidade nelas presentes so
produzidas no contexto de uma dada forma de vida (Ibidem, p. 30). As autoras
expressam ainda que
A Matemtica Acadmica, a Matemtica Escolar, as Matemticas Camponesas, as Matemticas Indgenas, em suma, as Matemticas geradas por grupos culturais especficos podem ser entendidas como conjuntos de jogos de linguagem engendrados em diferentes formas de vida, agregando critrios de racionalidade especficos. Porm, esses diferentes jogos no possuem uma essncia invarivel que os mantenha incomunicveis uns dos outros, nem uma propriedade comum a todos eles, mas algumas analogias com os parentescos (KNIJNIK et al., 2012, p. 31).
Desse modo, as analogias entre diferentes matemticas presentes nas
culturas de grupos e os conjuntos de jogos de linguagem emergentes desses
contextos so identificados como semelhanas de famlia. Segundo Cond,
A noo de semelhanas de famlia, enquanto possibilidades de analogias, mostram que no h necessariamente algo comum a todos os jogos de linguagem. A partir dessa noo pode-se entender que os jogos de linguagem no guardam em si uma unicidade invarivel (essncia), mas que um jogo de linguagem possui analogias ou diferenas com outros, havendo, assim, possibilidades de conexes ou contraposio entre eles. Com efeito,
31
em um jogo de linguagem deve existir pelo menos uma caracterstica comum com outros jogos, isto , pelo menos uma semelhana para que se possa consider-lo um jogo, ainda que essa caracterstica ou semelhana no seja a mesma em todos os jogos. Entretanto, uma caracterstica ou caractersticas em comum por si s no definem propriamente o que seja um jogo, so igualmente importantes as analogias ou possibilidades de compartilhar igualdades e diferenas (COND, 2004, p. 54-55).
Nessa tica, dentre os trabalhos oriundos da etnomatemtica orientados por
Knijnik, aliados a essa perspectiva, destaco a tese de Giongo (2008). Sobre a
anlise realizada, por meio de lentes tericas dessa tendncia, a autora examinou a
matemtica praticada em uma escola agrcola do interior do Rio Grande do Sul e
relatou que a pesquisa a fez compreender que,
[] ao problematizar as diferentes formas de racionalidade e o aspecto pragmtico presente no uso que fazemos das expresses nas diferentes situaes onde as empregamos, apresentei evidncias da existncia de duas matemticas praticadas na Escola estudada: a matemtica da disciplina Matemtica e a matemtica das disciplinas tcnicas, ambas vinculadas forma de vida escolar e engendrando jogos de linguagem que eram constitudos por regras que conformavam gramticas especficas (GIONGO, 2008, p. 197).
Ademais, segundo a autora,
Uma anlise mais apurada do material de pesquisa tambm me permitiu evidenciar que, ao resolverem situaes vinculadas lida no campo tais como calcular a rea de um avirio ou a quantidade de rao e comedouros a serem disponibilizados os professores e alunos operavam com uma matemtica que aludia s estimativas, s aproximaes e aos arredondamentos. Em efeito, mesmo que tomassem como referncia as pesquisas de empresas da regio para resolverem as situaes acima elencadas, ao destacarem que mas eu coloquei um a mais, trabalhamos como se fosse um retngulo ou uma coisa a conta, outra a prtica os professores expressavam que tais regras estavam fortemente amalgamadas s suas prticas cotidianas (Ibidem, p. 196 - 197).
Mesmo que as prticas desenvolvidas pelos professores e alunos da escola
tcnica estudada por Giongo envolvessem jogos de linguagem cujas regras eram
distintas daquelas utilizadas na matemtica escolar, possvel evidenciar
semelhanas entre tais jogos. Com relao expresso semelhana de famlia,
importante ressaltar as palavras de Cond (1998, p. 92):
Entretanto, semelhana ou parentesco no identidade. A semelhana no envolve uma propriedade comum invarivel. Ao dizer que alguma coisa semelhante a outra coisa, no estou de forma alguma postulando a identidade entre ambas. As semelhanas podem variar dentro de um determinado jogo de linguagem ou ainda de um jogo de linguagem para outro, isto , essas semelhanas podem aparecer ou desaparecer completamente dentro de um jogo de linguagem, ou ainda aparecer ou desaparecer na passagem de um jogo de linguagem para outro.
32
possvel pensar que os jogos de linguagem esto presentes nos discursos
e nas prticas de um determinado grupo e que remetem ideia das diversas formas
de vida, pois so as particularidades de cada grupo, simbolismos e regras que
atendem s suas necessidades. Porm, em diferentes contextos, pode haver
semelhanas de famlia presentes nas suas prticas cotidianas ou ento
diferenas. Neste sentido, busquei conhecer sobre as problematizaes
desenvolvidas nos trabalhos relacionados etnomatemtica e prticas pedaggicas
no site e na biblioteca da UNIVATES. Pude constatar o interesse pelas
problematizaes oriundas dessa perspectiva tanto do ponto de vista da definio
dambrosiana quanto do explicitado por Knijnik.
A monografia de Benini (2005) problematiza o ensino da Matemtica com
uma turma de alunos da cidade de Relvado com o propsito de examinar a presena
dessa disciplina nas culturas camponesas e suas implicaes curriculares. A autora
relata que [...] senti necessidade de realizar uma prtica pedaggica que
incorporasse os modos no hegemnicos de lidar matematicamente com o mundo.
Uma prtica que valorizasse a cultura e os saberes daquele grupo de alunos
(BENINI, 2005, p. 62). Seu foco foram as estiagens e os financiamentos rurais
relacionados aos contedos da Matemtica financeira e porcentagem. Os
referenciais da perspectiva etnomatemtica lhe permitiram analisar os materiais de
pesquisa, concluindo que os resultados apontam para a necessidade de
problematizar questes envolvendo a Matemtica Camponesa e suas implicaes
curriculares para a educao matemtica em particular e para a educao em geral
(BENINI, 2005, p. 4). Segundo ela, os alunos demonstraram, durante a prtica
pedaggica, receptividade e motivao para aprender Matemtica.
J o trabalho de Kerber (2005) foi desenvolvido com uma turma de oitava
srie, do Municpio de Poo das Antas, cujas atividades envolveram unidades de
medidas, rea, permetro e a histria desses conceitos. A professora pesquisadora
buscou valorizar os saberes gestados na comunidade e suas relaes com aqueles
ensinados na escola:
[...] posso concluir que de fato os alunos se sentiram instigados para a resoluo. Alm disso, na busca da soluo, estabeleceram relao entre vrios conceitos da Geometria que foram discutidos durante o processo pedaggico. Pude constatar no incio da prtica pedaggica que os alunos pensavam que o processo educativo estava diretamente relacionado
33
minha eficcia docente, achando que seriam expectadores da atuao da professora. Mas logo cedo se deram conta de que eles eram os sujeitos da ao, sendo assim, eles foram se engajando de forma autnoma. Sentiram a importncia dada s relaes e conexes estabelecidas e que estava sendo bem mais valorizada a estratgia de resoluo do que a aplicao de uma frmula (KERBER, 2005, p. 66).
Por sua vez, Silva (2005) elaborou uma problematizao na rea dos
impostos, mais especificamente Imposto sobre Circulao de Mercadorias e
Servios (ICMS), com uma turma de stima srie, no Municpio de Fazenda
Vilanova. Segundo a pesquisadora, os resultados de sua prtica pedaggica
investigativa apontam trs pontos relevantes: 1) Participao dos pais e
comunidade; 2) A percepo dos alunos sobre a origem dos recursos financeiros
dos servios pblicos prestados; 3) Uma nova viso da professora sobre o ensino de
Matemtica valorizando a realidade dos discentes.
No mbito do Mestrado Profissional em Ensino de Cincias Exatas, do Centro
Universitrio UNIVATES, tambm destaco trabalhos de prticas pedaggicas
relacionados ao campo da educao matemtica, especialmente etnomatemtica:
Peransoni (2015); Nicaretta (2013); Zanon (2013); Bortoli (2012); Grasseli (2012);
Strapasson (2012); Picoli (2010) e Rodrigues (2010). Em todas essas pesquisas, o
referencial terico est ligado aos conceitos de jogos de linguagem, formas de vida e
semelhanas de famlia.
Peransoni (2015) investigou as implicaes pedaggicas de um grupo de
professores em diferentes escolas no Ensino Fundamental Sries Iniciais ,
alicerado pelo campo etnomatemtico. Dentre as atividades desenvolvidas em uma
escola, foram abordados conhecimentos de um pintor e, em outra, de um pedreiro. O
autor, nesse estudo, discorre que O fato que existe o receio de se aventurarem
por outros caminhos que no aqueles com os quais se sentem seguros e capazes
(PERANSONI, 2015, p. 114). Nesse cenrio, ele realizou trs unidades de anlises
(Ibidem, p. 98):
a) Apego ao Formalismo Matemtico por parte dos professores integrantes do grupo de estudos; b) Reconhecimento, desses docentes, dos jogos de linguagem matemticos no escolares e c) Reconhecimento, por parte dos professores e alunos, da forma de vida na emergncia dos jogos de linguagem.
Em seu trabalho de pesquisa, Nicaretta (2013) abordou a plantao de fumo e
a seca, buscando aliar as tecnologias ao ensino da Matemtica com o objetivo de
34
problematizar a temtica agricultura familiar. A prtica pedaggica foi desenvolvida
com uma turma de Anos Finais em uma escola municipal. Para o desenvolvimento
da proposta, utilizou recursos tecnolgicos, tais como a calculadora e o computador,
explorando o software BrOffice Calc, realizando anlises, construo de grficos e
clculos de juros. A professora pesquisadora descreve que
A anlise efetivada sobre o material de pesquisa apontou que: a) os alunos, ao se reportarem Matemtica, declararam que a disciplina difcil e expressa por regras com formalismo, linearidade e abstrao, bem como a supremacia da escrita em detrimento da oralidade, e b) estes atriburam importncia diversidade de culturas para o municpio, entretanto argumentaram que o cultivo do fumo deve permanecer, por ser mais rentvel (Ibidem, p.7).
Zanon (2013), em sua dissertao intitulada Educao Matemtica, formas de
vida e alunos investigadores: um estudo na perspectiva da etnomatemtica,
investigou os jogos de linguagem matemticos presentes nas formas de vida de
trabalhadores do campo do Municpio de Doutor Ricardo e suas semelhanas de
famlia com a matemtica escolar. A pesquisa buscou valorizar os trabalhadores das
reas rural e leiteira. A prtica investigativa foi desenvolvida com uma turma do
Ensino Mdio Politcnico, abordando a produo de queijos caseiros, alm da
realizao de uma visita a uma Empresa de Laticnios da cidade. Em sntese, para a
autora,
A anlise efetivada sobre o material de pesquisa permitiu a elaborao de trs unidades de anlise: a) por um lado, os alunos aludem que necessitam buscar oportunidades de trabalho e sobrevivncia em ambientes externos s atividades agrcolas; por outro, os agricultores entrevistados apontam que h inmeras exigncias para que os produtores possam fazer parte de mercado e vender seus produtos agrcolas; b) os jogos de linguagem matemticos presentes na forma de vida camponesa da comunidade examinada apresentam regras como aproximao e arredondamentos, mas fazem uso de clculos usualmente presentes nas escolas c) as fronteiras que delimitam as formas de vida urbana e rural se apresentaram muito tnues na comunidade em questo (ZANON, 2013, p. 7).
Bortoli (2012) efetivou seu trabalho de pesquisa problematizando, junto a uma
turma de alunos de Ensino Mdio, questes vinculadas trigonometria no tringulo
retngulo. Mais do que simplesmente abordar problemas vinculados ao referido
contedo alicerada na abordagem da etnomatemtica, a pesquisadora
desenvolveu, com os estudantes, prticas, como o astrolbio e a participao de
profissionais da rea da construo civil, incluindo pedreiros e engenheiros.
Segundo a autora, foi possvel perceber os processos de ensino e aprendizagem de
35
forma mais interativa e construtiva com a participao efetiva dos discentes. Nesse
contexto, eles conseguiram estabelecer relaes com os contedos aprendidos na
escola e os saberes matemticos gestados na cultura dos pedreiros. Por sua vez, a
professora passou a assumir o papel de orientadora e pesquisadora. Para ela,
A prtica pedaggica tambm resgatou nas famlias envolvidas alguns valores, como foi declarado pela me de uma aluna: Minha filha no conversava com o av, pois tinha vergonha dele ser um pedreiro, ser uma pessoa simples e no falar direito. Com este trabalho ela se aproximou dele e percebeu que a profisso tambm importante. Nestas palavras acredito que minha pesquisa ultrapassou o mbito escolar, provocando uma educao que humaniza e personaliza a pessoa, produzindo cultura (BORTOLI, 2012, p. 121).
J Grasseli (2012), em sua dissertao, abordou questes vinculadas
vitivinicultura, ou seja, prticas laborais que iniciam com o plantio de uva at a venda
do vinho. O trabalho foi realizado com uma turma de terceiro ano do Ensino Mdio,
na cidade de Monte Belo do Sul, RS, com o intuito de, por um lado, desmitificar a
ideia de que a Matemtica era difcil e desvinculada da realidade dos alunos e, por
outro, fomentar, junto a estes, a discusso sobre prticas matemticas no
escolares vinculadas cultura dos seus familiares. Por conta disso, a turma de
estudantes visitou propriedades rurais e uma pequena empresa, cuja atividade
principal residia na fabricao e venda de pipas de vinho, ocasio em que
entrevistaram os agricultores e o dono da referida empresa. Os contedos
matemticos que emergiram diziam respeito capacidade de armazenamento,
estimativas e arredondamentos com regras vinculadas, concomitantemente
matemtica escolar e no escolar. O pesquisador concluiu que
Essa prtica investigativa resultou em trs unidades de anlise: a) as regras matemticas que emergiam das prticas laborais dos entrevistados aludem s estimativas e a arredondamentos; b) na anlise das prticas matemticas no escolares, os alunos, durante as apresentaes dos trabalhos, estabeleciam relaes por meio de regras presentes na matemtica escolar e c) o professor e os alunos tornaram-se pesquisadores durante o processo investigativo (GRASSELI, 2012, p. 7).
A dissertao de Strapasson (2012) versou sobre a cultura camponesa com
nfase no clculo de reas para plantao de fumo e criao de frangos em avirios.
A partir da anlise dos jogos de linguagem matemticos que emergiram das
atividades laborais dos agricultores por ela entrevistados, optou por problematiz-las
em sala de aula com uma turma de stima srie. A professora pesquisadora
expressou que, cotidianamente, os alunos utilizavam mtodos de clculos da cultura
36
camponesa, mas na escola usavam os conceitos e as regras geralmente presentes
na matemtica escolar. Em efeito, [...] quando resolvem questes vinculadas
forma de vida camponesa se expressam por meio de regras prprias daquela
cultura. Porm, ao resolverem as mesmas questes no ambiente escolar, valem-se
de regras usualmente presentes na matemtica escolar (STRAPASSON, 2012, p.
7).
Picoli (2010), em sua dissertao, props que se (re) pensassem questes
vinculadas aprendizagem matemtica de alunos surdos. Para tanto, efetivou, junto
a um grupo de quatro discentes, em turno inverso s aulas regulares, numa sala de
recursos, atividades que potencializassem a emergncia de saberes matemticos
no necessariamente escolares. Nas atividades, buscou inserir o uso da calculadora
como apoio ao ensino de Matemtica. Em decorrncia, concluiu:
A anlise do material de pesquisa aponta que se, por um lado, os/as alunos/as utilizavam a calculadora cotidianamente na sala de aula regular; por outro, na Sala de Recursos, no demonstravam reconhecer as funes e operacionalidade deste artefato. Ademais, estes/as mesmos/as alunos/as explicitaram, quando confrontados com situaes problemas, estratgias distintas daquelas usualmente explorada na sala de aula. Tais anlises permitem mostrar a produtividade dos estudos do campo da Etnomatemtica para a relao tica com a diferena (PICOLI, 2010, p. 5).
Rodrigues (2010) realizou sua pesquisa interveno em uma turma de
Educao Infantil, com crianas entre cinco e seis anos, utilizando relaes de
medidas com o corpo humano. Para problematizar, criou tarefas; dentre elas, a
construo de uma fita mtrica, a utilizao de balanas e uma visita ao Laboratrio
de Anatomia da UNIVATES para a visualizao dos rgos humanos internos de
silicone, aliadas a muitas discusses e curiosidades. Na pesquisa, foi-lhe possvel
verificar que os discentes estabeleciam relaes matemticas e faziam diferentes
tipos de clculos orais. A anlise do material de pesquisa evidenciou que as
crianas: a) utilizam estimativas e comparaes; b) expressam quantidades com
nmeros superiores a uma centena e utilizam clculo oral nas operaes
elementares (RODRIGUES, 2010, p. 8).
Alm disso, pesquisei, no Portal da Capes, trabalhos oriundos da perspectiva
etnomatemtica, com nfase no Ensino Mdio, com o propsito de analisar os
conhecimentos cientficos j publicados. Inicialmente, investiguei, no Banco de
37
Teses5, utilizando os descritores: Etnomatemtica, onde encontrei sessenta e dois
trabalhos, por sua vez, em Etnomatemtica no Ensino Mdio, localizei sete estudos,
os quais realo por consider-los o foco desta dissertao.
Essa anlise evidenciou que nem todos os trabalhos selecionados pelo
descritor Etnomatemtica de fato eram resumos dessa perspectiva. Sua busca
ocorreu por meio de palavras e uma das linhas de pesquisa encontradas de uma
universidade foi Etnomatemtica, Linguagem, Cultura e Modelagem Matemtica.
Neste sentido, encontrei treze que no discorriam sobre a perspectiva desejada.
Os resumos dos trabalhos lidos envolvem dissertaes e teses, sendo que
apenas sete so de doutorado. Uma das pesquisas buscou entrevistar autores
significativos da etnomatemtica. Na formao de professores, o nmero maior,
com oito textos, que descrevem sobre a utilizao dessa perspectiva nas formaes
de docentes, suas contribuies, investigao acerca das formaes, propostas para
levar o conhecimento da comunidade escola, seus processos cognitivos, como os
professores se apropriavam de prticas discursivas de numeramento escolar e a
utilizao da Histria da Matemtica como um recurso mediador didtico e
conceitual.
Por outro lado, encontram-se estudos acerca das relaes entre a matemtica
escolar e os das comunidades com propostas didticas dos quais obtive seis
trabalhos. Estes ponderam as culturas do Movimento Sem-Terra (MTS), indgena e
comunidades. Em um caso semelhante, consegui vinte e um trabalhos que tratam de
pesquisas bibliogrficas com ida a campo; porm, sem o interesse de levar as
descobertas escola. As temticas so bastante diversificadas: comunidades
Quilombolas; consideraes e recomendaes sobre a educao por meio de
modelagem e etnomatemtica; Comunidade Indgena; Trabalhadores da pesca
artesanal; Sociedade contempornea e como se manifestavam as relaes de
poder; Agricultores; Cooperativas do Rio Grande do Sul; Fabricao de sabo;
5 Cabe citar que o Banco de Teses um site que oferece informaes dos trabalhos de ps-graduao defendidos em territrio nacional e mantido pela Capes (Coordenao de Aperfeioamento de Pessoal de Nvel Superior), disponvel no link . Atualmente, concede as pesquisas defendidas em 2011 e 2012; as demais esto sendo abastecidas aos poucos. Ele permite o acesso de toda a comunidade cientfica aos resumos dos trabalhos publicados; porm, h os que no fornecem o endereo eletrnico para a obteno do texto completo.
http://bancodeteses.capes.gov.br/
38
Centros familiares; Ribeirinhos e seus artefatos tranados; Existncia de
comunicao nas imagens contidas no Complexo de Stios Rupestres; Artesanato;
Classes regulares inclusivas; Alfabetizao matemtica nas discusses sobre a
linguagem; Tendncias metodolgicas da Educao Matemtica; Crimes ambientais;
Prticas da Arquitetura; Arte e Design.
Alm desses, encontrei pesquisas bibliogrficas, porm em nmero reduzido,
tais como: Os motivos e os fins da atividade educativa estabelecidos pelas
proposies em educao matemtica, Etnomatemtica e modelagem matemtica.
Quanto s prticas pedaggicas, consegui onze trabalhos. Nessa seleo, assegurei
diversos focos de estudos, como Figuras geomtricas com a utilizao do geogebra;
Resoluo de problemas; Plantao de hortalias; Gros e frutas at a exposio
desses produtos nas barracas das feiras; Produo de vinho; Agricultura; Cultura
alem; Construo civil e trigonometria; Moedas dos diferentes pases; Processo de
ensino-aprendizagem de alunos da educao de jovens e adultos em nmeros e
operaes; Rendas de bilro; O ver de alunos no aprendizado sobre a Geometria,
ambas as pesquisas amparadas por teorizaes etnomatemticas.
possvel observar que, embora ainda sejam poucas as prticas
pedaggicas aliceradas na perspectiva etnomatemtica, o nmero de trabalhos tem
aumentado nas salas de aula, o que positivo, pois tem apresentado bons
resultados conforme mencionam seus autores. Nessa tendncia, h pesquisas
tericas e de campo realizadas, mas pouco desse conhecimento tem sido proposto
aos alunos nas escolas.
Considerando que os resumos disponveis sobre o descritor Etnomatemtica
e Ensino Mdio no me apresentaram informaes suficientes, fiz uma nova busca,
na internet, utilizando o ttulo dos trabalhos, que me encaminharam s pginas das
Universidades onde se realizaram as pesquisas e, assim, encontrar os trabalhos
completos. Nessa busca, verifiquei que dois no abordam prticas pedaggicas no
Ensino Mdio como eu considerava. So eles: Sistema de numerao dos guaranis:
caminhos para a prtica pedaggica e Genealogia e etnomatemtica: por uma
insurreio dos saberes sujeitados. Ambos se referem ao Ensino apenas; portanto,
no os analisei.
39
Quanto aos demais, cito Bortoli (2012) e Grasseli (2012), que foram alunas da
UNIVATES e mencionei anteriormente. Por sua vez, Godinho (2011), em As
diferenas culturais dos alunos da educao de jovens e adultos do ensino mdio:
uma viso etnomatemtica, analisou como os alunos da EJA resolviam situaes
propostas na sala de aula de Matemtica. Em sua investigao, identificou as
expectativas relativas aprendizagem dos citados estudantes, destacando as
questes que lhes eram significativas nos processos de ensino e aprendizagem
dessa disciplina. Para isso, contemplou as produes, em sala de aula, do grupo
durante as trs etapas do Ensino Mdio da EJA da Escola Estadual Laurinda Vieira
Pinto, na cidade de Ibina, So Paulo, nos anos de 2009 e 2010.
Como referencial terico, Godinho utilizou DAmbrsio, Freire, Scandiuzzi,
Knijnik, Moreira, Fantinato, Fonseca, entre outros. Quanto ao procedimento
metodolgico, alm de observaes, valeu-se de questionrios, exposies orais e
escritas. Buscou entender os discentes verificando a maneira como produziam seus
conhecimentos, considerando-os protagonistas de sua prpria aprendizagem. Dessa
forma, percebeu que a autoestima do grupo havia melhorado se comparada do
incio da pesquisa.
Constatei a importncia que deve ser dada aos relacionamentos humanos e o grande desafio que temos enquanto educadores matemticos adeptos do Programa Etnomatemtica. Nossos posicionamentos e vises de mundo necessitam estar em constante vigilncia e ateno convivncia, para, posteriormente, alcanarmos nossos objetivos, que devem ser coerentes com o compromisso social que assumimos, a Educao (GODINHO, 2011, p. 110).
Ao analisar a dissertao As transformaes isomtricas no geogebra com a
motivao etnomatemtica, de Evbangelista (2012), constatei que o intuito do autor
era possibilitar que alunos de Ensino Mdio de uma escola pblica estadual da
Regio Metropolitana de So Paulo aplicassem e desenvolvessem o conhecimento
do objeto matemtico Transformaes Isomtricas por meio da Rotao, Translao
e Reflexo. Entre os referencias tericos utilizados nesse trabalho, esto
DAmbrsio, Gerdes, Piaget e outros. Segundo o pesquisador, a proposta evidenciou
que a etnomatemtica, com a utilizao do software geogebra, favoreceu a
aprendizagem das Transformaes Isomtricas. Ressalto que a pesquisa completa
no foi encontrada online, mas apenas artigos referentes, motivo pelo qual as
informaes encontradas so limitadas.
40
O mesmo ocorreu com a dissertao de mestrado de Oliveira (2013),
intitulada Ver como: uma vivncia do olhar para aprendizagem de geometria. O
estudo visava compreender qual (ais) a (s) possvel (eis) forma (s) assumida (s) pelo
ver de alunos do Ensino Mdio e como ela (s) podia (m) influenciar seu
aprendizado de geometria. A pesquisa contou com a participao de uma turma do
terceiro ano do Ensino Mdio, utilizando conhecimentos de geometria. O referencial
terico esteve embasado nas ideias do filsofo Wittgenstein sobre concepes do
ver, dos jogos de linguagem, das formas de vida, de regras e contextos.
A pesquisa teve carter qualitativo com uma parte composta de levantamento
bibliogrfico e outra de campo. A investigao envolveu o ver na Matemtica e o
aprendizado de alunos do terceiro ano do Ensino Mdio, como se posicionavam em
relao imagem matemtica e suas caractersticas na geometria. Segundo o autor,
as anlises revelaram formas distintas de ver dos alunos, a saber: o ver sinptico e
o ver como, apontando tambm que essas formas influenciavam de uma maneira
ou de outra o aprendizado do objeto visto. Logo, os modos de ver definiam a
interpretao em funo do contexto em que estava ocorrendo a aprendizagem da
geometria.
A anlise realizada aponta que a perspectiva da etnomatemtica nessas
investigaes do Ensino Mdio ocorreu de forma satisfatria, alcanando bons
resultados. Contudo, ainda no tm sido realizados muitos estudos com nfase na
teoria ou pesquisas de campo. Considero que esse conhecimento, se desenvolvido
com alunos, favorece sua aprendizagem, haja vista o envolvimento com o assunto e
a relao com signos, conforme as ideias de Deleuze. Neste contexto, evidencia-se
a perspectiva etnomatemtica como algo vivel e relevante de ser utilizado na
disciplina de Matemtica, valorizando a cultura dos discentes durante o
planejamento de aula.
Em nenhum dos trabalhos que analisei, deparei-me com as limitaes ou
possveis dificuldades na prtica investigativa de perspectiva etnomatemtica no
Ensino Mdio. Outro aspecto que ressalto o cuidado que se faz necessrio para
com os descritores utilizados no Portal de Teses da Capes, pois em alguns casos,
simplesmente palavras no possibilitam o acesso leitura dos textos almejados.
Cabe destacar que, em um dos estudos, o resumo no estava disponvel, e a busca
41
por pesquisas completas difcil, pois procurei na internet e no consegui encontr-
las.
Os estudos e as leituras destes trabalhos me proporcionaram maior
conhecimento sobre o campo da etnomatemtica e seus principais temas
abordados. Ademais favoreceu minha prtica pedaggica, pois me sentia amparada
teoricamente e motivada para desenvolver a proposta desta dissertao.
Os resultados indicam um aumento numrico nas pesquisas sobre a
etnomatemtica aliada a prticas pedaggicas com temas variados e relacionados a
diferentes culturas. Neste sentido, minha pesquisa se props a uma prtica
pedaggica investigativa, no Ensino Mdio Politcnico, onde ainda havia poucos
trabalhos realizados. Segundo Knijnik et al. (2012, p. 27-28), possvel dizer que a
expanso da Etnomatemtica se materializou no somente do ponto de vista
numrico, mas principalmente em um aprofundamento de questes tericas
pertinentes a esse campo de conhecimento [...].
Acredito na importncia deste trabalho tendo em vista que, na anlise
realizada sobre as investigaes oriundas da citada tendncia e do Ensino Mdio
Politcnico, no Banco de Teses e Dissertaes da CAPES, localizei apenas a
pesquisa desenvolvida por Zanon (2013). Quanto ao descritor Etnomatemtica e ao
tema regularizao fundiria, no havia nenhum registro.
No prximo captulo, exponho o desenvolvimento da proposta metodolgica
com os discentes.
42
4 METODOLOGIA DE PESQUISA E INTERVENO PEDAGGICA
Pesquisa uma atividade que exige reflexo, rigor, mtodo e ousadia. Lembre sempre que nem toda a atividade intelectual cientfica. O trabalho cientfico um entre outros e tem peculiaridades. H muitas atividades intelectuais que requerem habilidades complexas e sofisticadas, mas no se encaixam em parmetros de cientificidade. Embora estes parmetros sejam cada vez mais amplos e flexveis, eles existem e so distintos desta atividade. O fato de no existir o mtodo distinto da cincia, no significa que se possa fazer pesquisa sem mtodo. O trabalho de investigao no pode prescindir de rigor e mtodo, mas voc pode inventar seu prprio caminho. Muita dedicao as leituras, muita persistncia e domnio de habilidades para expressar-se, acuidade e curiosidade esto entre os requisitos de quem se dedica pesquisa (COSTA, 2002, p. 150).
O excerto se refere aos caminhos que busquei percorrer durante este trabalho
de dissertao respeitando os mtodos. Alm do mais, inspirei-me nessa autora
para inventar minha prpria vereda com dedicao, persistncia e curiosidade.
Entretanto, [...] tudo aquilo que pensamos sobre nossas aes e tudo aquilo que
faze