Post on 01-Feb-2020
Redutos e refúgios bioculturais em zonas de contato: trajetória sociobioterritorial Macro-Jê no centro-leste do Brasil
Rodrigo Martins dos Santos1
Resumo São apresentados resultados parciais de pesquisa de doutorado que busca analisar o processo de formação de redutos e refúgios bioculturais no centro-leste do Brasil. Mais especificamente no que diz respeito à desterritorialização dos povos originários. Nesta etapa preliminar da investigação, serão apresentados alguns produtos cartográficos que servirão de base para as análises. O objetivo final da pesquisa será identificar se existe uma relação entre a localização e distribuição das comunidades indígenas/locais e as ilhas de biodiversidade espalhadas pela área de estudo. A pesquisa visa contribuir no entendimento de problemas relacionados à diminuição da diversidade biocultural. A globalização está amplificando diversos fenômenos homogeneizantes, eliminando culturas indígenas e tradicionais e espécies endêmicas em favor de uma cosmologia calcada por padrões consumistas. Palavras chave: Antropogeografia; Geografia Socioambiental; Diversidade Biocultural; Cartografia Etnolinguística; Biogeografia Humana.
Abstract It is presented partial results of doctoral research which seeks to analyze the formation process of biocultural strongholds and refuges in the east-central part of Brazil. More specifically, as regards the deterritorialization of native peoples. In this preliminary stage of the investigation, some of the cartographic products that will serve as the basis for the analyzes will be presented. The final objective of the research will be to identify if there is a relation between the location and distribution of the indigenous/local communities and the islands of biodiversity scattered around the study area. The research aims to contribute to the understanding of problems related to the reduction of biocultural diversity. Globalization is amplifying several homogenizing phenomena, eliminating indigenous and traditional cultures and endemic species in favor of a cosmology based on consumerist patterns. Key-words: Anthropogeography; Socio-environmental Geography; Biocultural Diversity; Ethnolinguistic Cartography; Human Biogeography.
1 - Introdução
A expansão do capitalismo mundial consolidou-se como um dos mais fortes
modificadores de paisagens, territórios e regiões geográficas, expansão essa que
tem promovido a diminuição da diversidade biocultural (ou sociobiodiversidade) no
planeta (MAFFI, 2001). A globalização (SANTOS, M., 2000) ou mundialização
(RAFFESTIN, 1993) vem amplificando diversos fenômenos homogeneizantes,
através dos quais estão sendo eliminadas culturas, línguas, espécies e identidades
ancestrais em favor de uma cosmologia (ou racionalidade) homogênea.
1 Doutorando em Geografia (USP); Mestre em Desenvolvimento Sustentável, ênfase em povos e territórios indígenas (UnB, 2013); Especialista em Geoprocessamento (SENAC, 2007). Bacharel em Geografia (USP, 2003). E-mail: rm.santos@usp.br; website: http://popygua.blogspot.com.
É propagada uma imagem idílica da globalização como fomentadora de um
mundo sem fronteiras, que torna todos "cidadãos do mundo". Entremente, na
realidade ocorre o contrário, estando ela eliminando a diversidade biológica e
cultural existente. Sobre isso, Clark (2004) comenta que a cada mês duas línguas
desaparecem no planeta. Foi isso que levou a Organização das Nações Unidas
(ONU) a declarar 2019 como o ano internacional das línguas indígenas. A
resistência indígena e de outras culturas locais ou marginalizadas não corresponde
apenas a uma reação visando a sobrevivência de um grupo étnico específico, mas
uma resistência contra a força de homogeneização provomida pela globalização.
Assim, apoiando-se nas constatações de Posey (1999) e Maffi (2001) de que
as diminuições da diversidade cultural e da biodiversidade estão relacionadas, uma
questão é levantada: é possível identificar e mapear a diminuição dessa diversidade
biocultural? Na tentativa de se responder a esta pergunta, Maffi & Woodley (2014)
sugerem duas etapas preliminares, sendo uma o entendimento da espacialização da
biodiversidade e outra o da diversidade cultural (etno-linguística). O presente texto
apresenta uma aproximação dessa última para a porção centro-leste do Brasil.
2 - Metodologias
Estudos sobre diversidade biocultural buscam apreender as interrelações
entre diversidade linguística, cultural e biológica no planeta. Maffi & Woodley (op. cit)
entendem que essas contribuições se dão desde discussões teóricas e conceituais
transdisciplinares até o mapeamento da superposição de diversidades biológicas e
culturais.
Em Geografia, a busca pela compreensão das relações intrínsecas entre
natureza e sociedade não é um tema novo, pelo contrário, ganhou força
principalmente a partir do final do século XIX, com a obra Antropogeografía de
Ratzel (1909 [1882, 1891]). Autores contemporâneos a ele como Élisée Reclus
(1905) e Vidal de La Blache (1954 [1922]), procuraram fazer uma Geografia nesse
sentido. O primeiro com um olhar crítico em relação aos problemas sociais e
políticos, e o segundo mais preocupado em explicar as diferenciações regionais,
buscando estabelecer critérios para a definição de áreas histórico-geográficas
homogêneas, as chamadas regiões.
Maffi & Woodley (2014) sugerem que para a elaboração de um mapeamento
biocultural seja necessária, pelo menos, a superposição de mapas das áreas
culturais (linguística e etnográfica) com os da biodiversidade (ecossistemas ou
ecorregiões). Assim sendo, indubitavelmente será necessário atentar às
metodologias da Geografia Cultural e da Biogeografia. Portanto, o mapeamento da
diversidade biocultural parte de uma geografia da diversidade biocultural, que deverá
abarcar a convergência entre a geografia das culturas com a da biodiversidade.
Uma das áreas a que a geografia das culturas se atém é o mapeamento da
diversidade cultural, também conhecido como áreas culturais ou regiões culturais. A
definição desses conjuntos é baseada em elementos culturais definidos que
participam da construção da identidade dos grupos sociais (CLAVAL, 2007), tais
como idioma, religião e uso da terra.
Para Verdier (2009) o conceito de identidade substitui o de modo-de-vida. Ele
argumenta que é impossível entender a ideia de identidade sem recorrer à
interdisciplinaridade, e que o mapa seria um instrumento eficaz nesse trabalho, uma
vez que permite a comparação entre identidade e território.
De acordo com as diretrizes de Lacoste (1988), análises espaciais
cartográficas devem ser realizadas a partir da superposição de mapas de conjuntos
espaciais homogêneos. Neste sentido, a partir de cartografia já produzida por
diversos pesquisadores, serão elaborados mapas específicos que poderão contribuir
para a compreensão da dinâmica territorial etno-linguística na porção centro-leste do
Brasil, culminando na formação de áreas culturais. Assim, foram consultados
mapeamentos da diversidade étnica e lingüística, como os elaborados por Galvão
(1960), Nimuendaju (2002 [1944]) e Loukotka (1967).
A partir da fusão desses mapas mais o georreferenciamento dos grupos
étnicos constantes no banco de dados IBGE Cidades (2019), Wikipedia (2019) e
Campbell (2012) foi possível produzir uma proposta de mapa etno-linguístico.
3 - Resultados
No mapa 1 é possível observar a diversidade lingüística que existia na porção
centro-oriental do Brasil na época das invasões européias no século XVI. As famílias
linguísticas que dominaram essa parte da América do Sul (ou Abya Ayala, como
preferem os povos originários), segundo as fontes pesquisadas, foram
principalmente Tupi, Jê, Kaingang, Puri, Botocudo (Krenak), Maxakali (Pataxó),
Kamakán e Kariri. No entanto houve vários outros que não puderam ser identificados
pela presente investigação, devido à falta de estudos aprofundados sobre eles.
Entre as famílias menos conhecidas estão os Araxá, Cataguá e Tremembé, que
possivelmente se comunicavam com uma língua semelhante.
Mapa 1 - Mapa etno-linguístico do centro-leste do Brasil por volta de 1500 dC.
Legenda: As cores correspondem às famílias linguísticas. Fontes: Nimuendaju (2002 [1944]),
Loukotka (1967; 1968), Galvão (1960), Campbell (2012), IBGE (2019), Wikipedia (2019)
Quase metade da área mapeada foi território de povos de língua Jê (central),
como os Xakriabá, os Cayapó do Sul (ou Meridionais) e os Akroá. Uma variedade de
povos identificados como de língua Jê por Loukotka (1968) habitavam as cabeceiras
do alto-Grande, Pardo e Mogi-Guaçu, nos atuais estados de São Paulo e Minas
Gerais. No entanto, não há informações confiáveis que corroborem essa tese.
Mais ao norte, uma vasta área nas cabeceiras do São Francisco, Paranaíba e
Grande foi o lar de nações com poucas informações lingüísticas registradas, a
saber, os povos Araxá, Cataguá e Tremembé. Eles podem ser da mesma família
dos Tremembé da costa cearense (SENNA, 1908: 68; RIBEIRO, R., 2005: 113).
Desde o sul do mapa até o vale do rio Tietê, os Kaingang dominaram o
território. Mas eles compartilhavam alguns trechos com povos Guarani (Tupi) e Otí
(Isolado). A costa desde o sul do atual estado de São Paulo até a região dos lagos
fluminenses era território dos Tupiniquim e Tupinambá, que formaram a
Confederação dos Tamoios. Seu território avançava na Serra do Mar, alcançando o
vale do Tietê e Paraíba do Sul. Eles também compartilharam a costa leste do Brasil,
do atual estado do Espírito Santo até além da foz do rio São Francisco ao norte.
Seus principais vizinhos foram Puris como Goitacazes e Muramomis
(Guarulhos). A nação Botocudo (Krenak) dominava a bacia do rio Doce e as
imediações do Recôncavo Baiano (Gueren-Aimoré). Eles também dominaram partes
do sertão da Bahia, nas cabeceiras do rio de Contas (Maracá) e perto dos limites
com o atual estado do Piauí (Gueren).
O Maxakali dominou o alto Jequitinhonha, e os Pataxó e Menién,
pertencentes à mesma família linguística, dominaram os pequenos riachos da bacia
hidrográfica marítima entre o rio de Contas e o Itaúnas, atual costa sul-baiana. O
Baenán, de língua isolada, também coexistiu com os Pataxó.
A bacia do rio Pardo foi dominada pelo Kamakán. Os Payayá, que
compartilhavam a mesma língua, viviam no alto Paraguaçu e aproximavam-se dos
Kariri-Kipéa e Kamuru-Sapuyá, habitantes das Caatingas. Povos de línguas isoladas
como Proká-Tuxá e Pankararu dominavam porções do médio São Francisco,
juntamente com a nação Canindé, provável falante de língua Tariariú (LOUKOTKA,
1968), e as nações Kariri e Tupi (Tobajaras, Amoipira-Tupina e Abaeté).
Já no atual Triângulo Mineiro, Bororó e Pareci viviam aldeados, trazidos do
Mato Grosso pelo traficante de escravos Antonio Pires de Campos, para lutar contra
os Caiapó, que resistiam à invasão européia na região (SAINT-HILAIRE, 1848).
Infelizmente, as fontes de dados utilizadas não apresentaram informações
suficientes para localizar as famílias lingüísticas que dominavam uma porção
localizada a leste do São Francisco, no centro do atual estado da Bahia. Por outro
lado, alguns povos foram citados pelas fontes, sem, no entanto, apresentarem suas
características lingüísticas. É o caso dos Galache, Orobó, Topim, Katicá, Biritinga,
Tukanó, Marago e Tapajó, no atual território baiano; dos Jamela, Coronado, Anais,
Boachá, Acajaba, Carajá e Goianá no atual território de Minas Gerais; dos Kiri-kurê e
Papaná, entre o atual Espírito Santo e o sul da Bahia; dos Timbira e Jaguaramenon,
no atual Rio de Janeiro; dos Abatinguera e Couvade, no estado atual de São Paulo;
e dos Curuxá, Naudez, Assú e Anicum, no Planalto Central Brasileiro.
Mapa 2 - Territórios indígenas e primeiras invasões européias nas bacias hidrográficas do litoral sudeste do Brasil, primeira metade do séc. XVI.
Fontes: Idem mapa 1.
O mapa 1 revela, ainda, sobreposição territorial em vários pontos. A principal
delas ocorre na atual Bahia. Os baixos cursos dos rios de Contas, Pardo,
Jequitinhonha e Doce são compartilhados por diferentes nações de línguas distintas.
Podemos dizer que era uma região como hoje vemos no alto curso do rio Xingu,
com povos de diferentes línguas compartilhando o mesmo território, formando um
tipo de hotspot linguístico2.
Outros pontos também merecem destaque, como a região entre o alto Tietê e
o Paraíba do Sul, que era um lugar de encontro de nações Puri, Tupi, Jê (Kaingang
e Central) e, possivelmente, povos Tremembé.
O rio São Francisco foi igualmente um ponto com grande diversidade
linguística, onde havia povos de língua Tremembé, Jê, Tupi, Maxakali, Kamakán,
Kariri e isolada, como Proka-Tuxá e Pankararu.
Observando o mapa 2, que corresponde um aprofundamento escalar da área
estudada, e acompanhando as propostas metodológicas da antropogeografia de
Ratzel (1909), podemos inferir que certos grupos étnicos dominavam algumas
bacias hidrográficas. A nação Puri, por exemplo, dominava: o alto Rio Grande, o
médio e o baixo Paraíba do Sul, e pequenos riachos de vertende atlântica ao norte
da foz desse rio, região fronteiriça com o território das nações Botocudo (Krenak ou
Aimoré), estes que dominavam quase toda a bacia do rio Doce e seus arredores.
No Mapa 3, por sua vez, vemos que a nação Kariri (Kiriri) possui um vasto
território nas bacias de Contas, Paraguaçu, Itapicuru e Vaza Barris, com exceção do
litoral, que é dominado pela nação Tupinambá, e as cabeceiras dos rios, habitadas
pelos povos Kamakã (Payayá) e Botocudo (Maracás), entre outras.
As cabeceiras do Pardo eram dominadas por grupos étnicos Kamakán, mas
seu baixo curso, bem como a maior parte dessa região costeira, abrigava uma
miscelânea de povos.
Ao analisar a espacialização dos invasores não-indígenas, vemos que ambos
os mapas mostram que as empresas europeias, especialmente a lusitana, mas
2 Sobre isso, sugiro a leitura de Gorenflo et. al. (2012) que apresentam elementos que indicam uma forte correlação entre áreas com alta diversidade linguística e os hotspots globais de biodiversidade.
também um pouco da francesa (como no caso da França Antártica na baía de
Guanabara) se limitavam a pontos isolados na costa durante a primeira metade do
século XVI, especialmente na foz de cursos de água ou baías. No entanto, dois
pontos do sertão aparecem com um início de invasão: o Planalto Paulista, no
reverso da escarpa da Serra do Mar (atual região metropolitana de São Paulo), e o
médio curso do rio São Francisco.
A partir disso, algumas questões merecem aprofundamento: como foi a
dinâmica de (des)territorialização em tempos posteriores? Quais foram os caminhos
escolhidos para o avanço das invasões ocidentais nos territórios indígenas? Quais
foram os povos indígenas que primeiro perderam seus territórios para os invasores?
Essas são as principais questões tratadas no mapa 4.
Mapa 3 - Territórios indígenas e primeiras invasões européias nas bacias hidrográficas da costa leste do Brasil, primeira metade do s. XVI.
Fontes: Idem mapa 1.
Observando o mapa 4, pode-se ver em destaque as dez cidades fundadas
pelo invasor português ainda no século XVI. Nota-se a cidade de Salvador, e o
conglomerado de vilas paulistas (São Vicente, Santos, Piratininga e Itanhaém), em
torno das quais surgiram várias outras durante o século XVII.
Esse mapa demonstra que até o final do século XVI a recente vila de não-
índios e aldeamento de São Paulo de Piratininga já funcionava como quartel general
para ações ofensivas sobre os povos nativos do sertão, promovendo a tomada de
vários territórios indígenas na região do alto Tietê, sobretudo as terras dos Guayaná.
Mapa 4 - Invasões européias em territórios indígenas,
Região centro-oriental do Brasil, de 1500 a 1700 dC
Fontes: Idem mapa 1.
A França Antártica, então recentemente tomada dos franceses pelos
portugueses, fora rebatizada de São Sebastião do Rio de Janeiro, e serviu como
centro de irradiação lusitana para a tomada das terras dos Tupinambá e Puri.
Por outro lado, ao redor das vilas (velha e nova) do Espírito Santo, a
resistência dos Botocudo (Aimoré), impediu o surgimento de colônias ocidentais,
exceto na foz de alguns riachos ao norte da bacia do Doce e ao sul dessas vilas.
Quanto às invasões/ofensivas de não-índios, vemos que no século XVI o foco
paulista na área mapeada se limitava à bacia do alto rio Grande. São as chamadas
"entradas", cujo objetivo era a escravização de povos indígenas para o trabalho
forçado nos aldeamentos e engenhos do litoral, bem como o fornecimento de
ventres para a procriação e almas para a conversão cristã (RIBEIRO, D., 2009).
Já a frente baiana, no mesmo período, se restringiu à região costeira entre
Ilhéus e a foz do rio São Francisco. Mas também subiu o curso deste e do próprio
Paraguaçu (que desemboca na baía de Todos os Santos).
No século seguinte, vemos que esse avanço ofensivo dos ocidentais
acompanhou as serras da Mantiqueira e do Espinhaço a partir de São Paulo,
evitando o curso médio dos rios. É bem verdade que essas áreas, especialmente as
cabeceiras do São Francisco e Doce, estavam repletas de ouro e pedras preciosas.
Mas também pode ter sido devido ao fato delas serem áreas povoadas por grupos
indígenas menos numerosos, pois são terrenos muito acidentados e com poucos
cursos de água, portanto menos propícios para a existência de pesca abundante e
caça bem como terras férteis para a agricultura nativa.
É míster notar o surgimento de várias vilas de não-indígenas até o século XVII
na região do Alto-Tietê, cotovelo do Paraíba do Sul e litoral desde Cananéia até a
baía de Angra dos Reis.
Mais numerosos ainda foram os territórios tomados pelos europeus dos
indígenas para a implantação de povoados/colônias. Além das bacias do alto Tietê e
Paraíba do Sul, todo o litoral norte do Rio de Janeiro até o Espírito Santo tem
alguma ação desse tipo. A região mineira também recebeu essas ocupações até o
final século XVII. Ao norte, teremos invasões e ofensivas de não-índios na Chapada
Diamantina (porção norte da Serra do Espinhaço) e alto curso do São Francisco e
Jequitinhonha, já havendo conexão com a frente invasora que partira de São Paulo.
Visualizando o fluxo de expansão das invasões não-indígenas sobre os
territórios dos povos nativos, vemos que há uma direção sul-norte a partir de São
Paulo com destino à serra do Espinhaço, e outra norte-sul, desde o Recôncavo
Baiano e Sergipe, acompanhando o São Francisco e a ponta norte da Chapada
Diamantina. A expansão invasora na costa também é notável.
No entanto, há um "vazio" de frente invasora nas bacias localizadas desde o
médio Paraíba do Sul até o rio de Contas, com exceção das áreas costeiras e
cabeceiras. Essa região, que era na sua maioria densamente florestada pela Mata
Atlântica, foi o enorme país dos Botocudo (Aimoré), Goitacá (Sul), Maxacali (no
Jequitinhonha), Pataxó e Mongoió (Jequitinhonha e Pardo), Kamakán (Pardo) entre
outros povos não falantes do Tupi, chamados de Tapuio pelo invasor português,
protetores das voluptuosas florestas atlânticas do leste do Brasil, que resistiram às
invasões do Ocidente, especialmente até o início do século XX.
4 - Conclusões
Os mapas aqui apresentados são apenas esboços preliminares, e serão mais
bem elaborados no decorrer de minha pesquisa doutoral. Entrementes, após essa
análise inicial, é possível afirmar que a diversidade étnica e lingüística foi uma das
principais características do centro-leste do atual Brasil. Investigações em
andamento buscarão identificar e mapear os redutos dessas culturas, respondendo
algumas questões, tais como: qual o paradeiro dessas línguas? Onde a resistência
se refugiou? É possível encontrar comunidades descendentes desses povos, mas
que ainda não foram reconhecidas pelo Estado como povos indígenas ou
tradicionais? É possível relacionar essa diversidade cultural à biodiversidade? Essas
questões são balizas para a pesquisa de doutorado que busca discutir a presença
de redutos e refúgios bioculturais em áreas não atingidas em sua plenitude pelas
frentes invasoras não-indígenas.
Os principais fatores que serão analisados em relação à dinâmica desses
redutos e refúgios estão vinculados à topografia, economia, política e territorialidade.
A pesquisa partirá de uma reflexão conceitual sobre o que seria a diversidade
biocultural, e se voltará às possibilidades de sua identificação e mapeamento. O
estudo em campo ocorrerá junto às comunidades remanescentes de povos Macro-
Jê, no centro-leste do Brasil.
5 - Referências Bibliográficas
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