Post on 17-Mar-2020
Universidade Federal do Rio Grande do Norte
Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes
Programa de Pós-Graduação em Psicologia
O ENFRENTAMENTO DA VIOLÊNCIA SEXUAL INTRAFAMILIAR CONTRA CRIANÇAS E
ADOLESCENTES: O TRABALHO EM REDE
Riane Maiara Feitosa Silva
Natal
2019
ii
Riane Maiara Feitosa Silva
O ENFRENTAMENTO DA VIOLÊNCIA SEXUAL INTRAFAMILIAR CONTRA
CRIANÇAS E ADOLESCENTES: O TRABALHO EM REDE
Dissertação elaborada sob orientação da Prof.a Dr.
a
Ilana Lemos de Paiva e apresentada ao Programa de
Pós-graduação em Psicologia da Universidade
Federal do Rio Grande do Norte, como requisito
parcial à obtenção do título de Mestre em Psicologia.
Natal
2019
iii
Universidade Federal do Rio Grande do Norte - UFRN
Sistema de Bibliotecas – SISBI
Catalogação de Publicação na Fonte. UFRN - Biblioteca Setorial do Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes - CCHLA
Catalogação de Publicação na Fonte. UFRN - Biblioteca Setorial do Centro de Ciências Humanas, Letras e
Artes - CCHLA
Silva, Riane Maiara Feitosa.
O enfrentamento da violência sexual intrafamiliar contra
crianças e adolescentes: o trabalho em rede / Riane Maiara Feitosa Silva. - Natal, 2019.
164f.: il. color.
Dissertação (mestrado) - Centro de Ciências Humanas Letras e
Artes, Programa de Pós-Graduação em Psicologia, Universidade Federal do Rio Grande do Norte. 2019.
Orientadora: Profa. Dra. Ilana Lemos de Paiva.
1. Estatuto da Criança e do Adolescente - Dissertação. 2.
Violência na família - Dissertação. 3. Agressões sexuais -
Dissertação. 4. Direitos da criança - Dissertação. I. Paiva,
Ilana Lemos de. II. Título.
RN/UF/BS-CCHLA CDU 159.9:343.62
iv
Universidade Federal do Rio Grande do Norte
Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes
Programa de Pós-Graduação em Psicologia
A dissertação “O enfrentamento da violência sexual intrafamiliar contra crianças e
adolescentes: o trabalho em rede”, elaborada por Riane Maiara Feitosa Silva, foi considerada
aprovada por todos os membros da Banca Examinadora e aceita pelo Programa de Pós-
Graduação em Psicologia, como requisito parcial à obtenção do título de MESTRE EM
PSICOLOGIA.
Natal/RN, 03 de abril de 2019.
_______________________________________________________
Prof.a Dr.
a Ilana Lemos de Paiva (Presidenta)
_______________________________________________________
Prof.a Dr.
a Samara Silva dos Santos (UFSM) (Examinador Externo)
_______________________________________________________
Prof.a Dr.
a Symone Fernandes de Melo (Examinador Interno)
v
Agradecimentos
Por mais clichê que possa parecer, não há outra forma senão começar agradecendo a Deus
pela permissão de concluir este trabalho e me tornar Mestre. Sem sua luz, que sempre me
acompanhou e abriu caminhos, nada seria possível. Essa é mais uma prova da nossa parceria e
amor. Estendo os agradecimentos ao meu Guia espiritual, o conhecido “anjo da guarda”, e fico
feliz por sentir que está sempre ao meu lado.
Gratidão à minha mãe, Senise Doriana, pelo apoio e amor incondicional, pela
compreensão diária, por vibrar comigo a cada conquista, pela sua alegria, por sempre transbordar
pensamento positivo e por ser meu porto seguro todos os dias e eternamente. Meu maior exemplo
de luz na Terra! Obrigada por tudo, mãe! Eu te amo!
Ao meu pai, Joiran Medeiros, pelo carinho, amor e por compartilhar ideais de um mundo
mais justo, por ser exemplo de militância e defesa dos Direitos Humanos, no seu caso
materializado na luta em defesa das pessoas com deficiência. Tenho muito orgulho e gratidão do
ser humano que você é! Filho de peixe, peixinho é! Te amo, painho!
Ao meu irmão Ramon, pelo amor e incentivo desde o primeiro momento até o último, por
sempre demonstrar o quanto acredita em mim, no meu trabalho e por incentivar meu crescimento
profissional e pessoal. Amo você, mano! “Tamo junto”, sempre!
Às minhas amigas, companheiras da vida, Tan, Tha, Mari, Lou, Quel, Dinha, Gabi,
Cinthia, Fê e Temis, pelo amor de sempre, pelo incentivo e por continuarem vibrando comigo a
cada conquista. Amo tanto!
À minha orientadora Ilana, por me acolher tão bem desde o início, pela abertura para as
minhas ideias, por me orientar com liberdade e leveza durante o percurso do meu mestrado e pelo
exemplo de resistência e luta em tempos difíceis.
vi
Ao OBIJUV, grupo que MUITO me ensinou sobre Direitos Humanos, sobre empatia e
sobre a força presente na união de gente que vislumbra um amanhã melhor; especialmente aos
integrantes do PACA – muito além de núcleo de estudo e pesquisa –, grupo em que
compartilhamos experiências, indignações e esperanças, regadas de afeto e produções
(acadêmicas e de vida).
À Malu, Quel e Carol, amigas que tornaram o percurso acadêmico uma verdadeira
parceria. Não sei como seria sem tanto companheirismo e desabafos! Obrigada pelos incontáveis
[Vai dar certo!] “VDC” que tanto nos fortaleceu em cada etapa. Vocês deram sentido à máxima
“Mestrado também é amor!”.
À Tabita, minha coorientadora sem vínculo oficial (risos!), pela paciência em me auxiliar
com o mundo acadêmico, fornecendo dicas valiosas que me ajudaram demasiadamente! Tab,
você é demais! E à Amanda Lima, pela disponibilidade em auxiliar no grupo focal da pesquisa,
pela solicitude e boa vontade! Muita gratidão!
Às professoras leitoras: a Prof.a Dr.
a Samara Silva dos Santos (UFSM) e a Prof.
a Dr.
a
Normanda Araujo de Morais (Unifor), pelas valiosas contribuições e disponibilidade com a
leitura. E à Prof.ª Dr.ª Symone Melo, quem me acompanhou durante a graduação, pela
disponibilidade em compor a banca, pelo carinho e ensinamentos eternos.
À minhas amadas avós, Iracema, meu poço infinito de carinho e aconchego, e Salete, que
mesmo sentindo porque “ela agora só vive estudando e só anda correndo”, continua me
socorrendo diariamente, com sua indescritível “casa de vó”. A vocês, meu afeto infinito!
À Ili, minha cunhada linda a quem tenho muito carinho, gratidão pela torcida e palavras
de incentivo em todos os momentos em que estivemos juntas.
vii
A todos os familiares descendentes de “Cumade Latema e JóFerro” e aos Feitosas; minha
família representa muito em minha vida! É muito bom ter cada um de vocês! Amo demais!
À maravilhosa equipe de trabalho da Média Complexidade, obrigada pela compreensão,
paciência e incentivo; vocês tornam meu dia a dia melhor e têm toda minha consideração, carinho
e respeito!
Riane.
viii
Sumário
Lista de siglas ................................................................................................................................. x
Resumo ........................................................................................................................................ xiv
Abstract ........................................................................................................................................ xv
Introdução .................................................................................................................................... 16
1. Violência sexual intrafamiliar: conceitos e apropriações históricas ................................... 23
1.1. Violência contra crianças e adolescentes ........................................................................ 23
1.1.1. Formas de violência ..................................................................................................... 27
1.2. Violência sexual intrafamiliar contra crianças e adolescentes ..................................... 30
2. Enfrentamento da Violência Sexual no Brasil e o Sistema de Garantia de Direitos ......... 41
2.1. O enfrentamento da violência sexual intrafamiliar no Brasil: marcos legais ............. 41
2.2. O Sistema de Garantia de Direitos da Criança e do Adolescente: o trabalho em rede
................................................................................................................................................... 55
3. Aspectos metodológicos ........................................................................................................... 62
3.1. Referencial teórico ............................................................................................................ 62
3.2. Etapas da pesquisa............................................................................................................ 63
3.3. Participantes...................................................................................................................... 66
3.4. Análise de dados ................................................................................................................ 68
3.5. O território ........................................................................................................................ 69
3.6. Considerações éticas ......................................................................................................... 70
4. Apresentação e discussão dos resultados ............................................................................... 72
4.1. Mapeamento do território................................................................................................ 72
4.2. A rede e seus fluxos ........................................................................................................... 79
4.2.1. Que rede é essa? .......................................................................................................... 79
4.2.2. Caracterização da rede ................................................................................................. 80
ix
4.2.3. Fluxos de atendimento ................................................................................................. 88
4.2.4. Fluxos de encaminhamento ......................................................................................... 92
4.3. Práticas identificadas ....................................................................................................... 96
4.3.1. Eixo defesa .................................................................................................................. 97
4.3.2. Eixo promoção ........................................................................................................... 102
4.3.3. Eixo controle.............................................................................................................. 108
4.4. Potencialidades................................................................................................................. 110
4.4.1. Recursos humanos ...................................................................................................... 111
4.4.2. Ampliação e estruturação de serviços ......................................................................... 114
4.4.3. Instituição como lugar de segurança ......................................................................... 118
4.5. Desafios a serem superados ............................................................................................ 119
4.5.1. Violência institucional e revitimização ...................................................................... 120
4.5.2. Ausência de rede ........................................................................................................ 129
4.5.3. Alta demanda ........................................................................................................... 1332
4.5.4. Morosidade e burocracia ......................................................................................... 1354
4.5.5. Outros desafios ........................................................................................................ 1387
5. Considerações finais .............................................................................................................. 143
6. Referências ........................................................................................................................... 1476
Apêndices .................................................................................................................................. 1554
x
Lista de siglas
ADOTE – Associação de Orientação aos Deficientes
B.O. – Boletim de Ocorrência
CAAE – Certificado de Apresentação para Apreciação Ética
CAOPIJF – Centro de Apoio às Promotorias da Infância e Juventude e Família
CAPS – Centro de Atenção Psicossocial
CEDECA Casa Renascer – Centro de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente Casa
Renascer
CEP – Comitê de Ética em Pesquisa
CF – Constituição Federal de 1988
CFESS – Conselho Federal do Serviço Social
CFP – Conselho Federal de Psicologia
CNAS – Conselho Nacional de Assistência Social
CNS – Conselho Nacional de Saúde
COMDICA – Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente
CONANDA – Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente
CRAS – Centro de Referência de Assistência Social
CREAS – Centro de Referência Especializado de Assistência Social
CT – Conselho Tutelar
DCA – Delegacia Especializada em Defesa da Criança e do Adolescente
DST – Doenças sexualmente transmissíveis
ECA – Estatuto da Criança e do Adolescente
ERCT – Equipe de Referência ao Conselho Tutelar
xi
IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
IDH – Índice de Desenvolvimento Humano
Ipea – Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada
IQV – Índice de Qualidade de Vida
ITEP – Instituto Técnico Científico de Perícia
LBV – Legião da Boa Vontade
LGBT – Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transsexuais ou Transgêneros
LOAS – Lei Orgânica de Assistência Social
MDS – Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome
MP – Ministério Público
MSE – Serviço de Proteção Social a Adolescentes em Cumprimento de Medida Socioeducativa
de Liberdade Assistida e de Prestação de Serviços à Comunidade
NAM – Núcleo de Amparo ao Menor
OBIJUV – Observatório da População Infanto-Juvenil em Contextos de Violência
OMS – Organização Mundial de Saúde
ONG – Organização não Governamental
ONU – Organização das Nações Unidas
PAEFI – Serviço de Proteção e Atendimento Especializado a Famílias e Indivíduos
PAF – Plano de Acompanhamento Familiar
PAIF – Serviço de Proteção e Atendimento Integral a Família
PAIR – Programa de Ações Integradas e Referenciais de Enfrentamento à Violência Sexual,
Infanto-Juvenil no Território Brasileiro
PEC – Proposta de Emenda à Constituição
xii
PNAS – Política Nacional de Assistência Social
PNEVSCA – Programa Nacional de Enfrentamento da Violência Sexual contra Crianças e
Adolescentes
PNH – Política Nacional de Humanização
POL – Planos Operativos Locais
PRAE – Programa de Acessibilidade Especial
PSB – Proteção Social Básica
PSE – Proteção Social Especial
QDA Miner – Qualitative Data Analysis Software
SAMU – Serviço de Atendimento Móvel de Urgência
SCFV – Serviço de Convivência e Fortalecimento de Vínculos
SDH/PR – Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República
SEAS – Serviço Especializado em Abordagem Social
SEMPLA – Secretaria Municipal de Planejamento e Gestão Estratégica
SEMTAS – Secretaria Municipal de Trabalho e Assistência Social
SEMURB – Secretaria Municipal de Meio Ambiente e Urbanismo
SEPA – Serviço de Psicologia Aplicada
SGDCA – Sistema de Garantia dos Direitos da Criança e do Adolescente
Sinam – Sistema de Informações de Agravo de Notificação do Ministério da Saúde
SUAS – Sistema Único de Assistência Social
SUS – Sistema Único de Saúde
TCLE – Termo de Consentimento Livre e Esclarecido
UBS – Unidade Básica de Saúde
xiii
UFRN – Universidade Federal do Rio Grande do Norte
UNICEF – Fundo das Nações Unidas para Infância
UnP – Universidade Potiguar
UPA – Unidade de Pronto Atendimento
xiv
Resumo
Investigou-se como o sistema de garantia de direitos de crianças e adolescentes (SGDCA) tem
enfrentado a violência sexual intrafamiliar contra esse público em Natal/RN. É uma pesquisa
exploratória, qualitativa, baseada no materialismo histórico e dialético, que investigou
instituições dos eixos estratégicos do SGDCA (defesa, promoção e controle). Dividiu-se em duas
etapas: 1) mapeamento da rede, via visita institucional seguida de entrevista semiestruturada com
um profissional, a fim de conhecer o funcionamento do serviço, fluxos e dinâmica de
atendimento e encaminhamento, rotinas técnicas, práticas das equipes, desafios e potencialidades;
2) grupo focal, discutindo a violência sexual contra crianças e adolescentes, seu enfrentamento,
articulação da rede, dificuldades e estratégias de superação. As informações foram submetidas à
análise de conteúdo temática e discutidas em quatro eixos: rede e fluxos, práticas, potencialidades
e desafios. Identificou-se que o SGDCA não tem protegido as vítimas de violência sexual, nem
responsabilizado o agressor; a rede está fragilizada e necessita de maior articulação e
comunicação; os fluxos não estão bem definidos, com encaminhamentos equivocados. Há
revitimização desse público e violência institucional, além de ausência de serviços, alta demanda,
desarticulação da rede, desconhecimento das atribuições das instituições, carência de recursos
humanos e materiais, dificuldade de obtenção de provas, e ausência de capacitação e
investimentos. Suas potencialidades são o comprometimento dos profissionais e a implementação
da política de Assistência Social. Conclui-se que há muitos desafios, exigindo ações mais efetivas
do Estado. A gestão e execução das políticas são supersetorializadas, burocratizadas e morosas;
apesar dos avanços, distam de uma atuação coletiva, holística e protetiva.
Palavras-chave: Estatuto da Criança e do Adolescente; violência na família; agressões sexuais;
direitos da criança.
xv
Abstract
This research investigated how the system of guaranteeing rights of children and adolescents
(SGDCA) has faced sexual violence within the family against this public in Natal/RN. It is an
exploratory, qualitative research, based on historical and dialectical materialism, that investigated
institutions of the strategic axes of the SGDCA (defense, promotion and control). It was divided
into two stages: 1) network mapping, via institutional visit, followed by a semi-structured
interview with a professional of the institution, in order to know the operation of the service,
flows and dynamics of attendance and referral, technical routines, team practices, challenges and
potentialities; 2) a focus group with these professionals, discussing sexual violence against
children and adolescents, their coping, network articulation, difficulties and overcoming
strategies. The information was submitted to the analysis of thematic content and discussed in
four axes: network and flows, practices, potentialities and challenges. It was identified that the
SGDCA has not protected the victims of sexual violence, nor has the aggressor been held
responsible; the network is fragile and needs more articulation and communication; the flows are
not well defined, with erroneous referrals. There is a revival of this public and institutional
violence, in addition to lack of services, high demand, disarticulation of the network, lack of
knowledge of the institutions' attributions, lack of human and material resources, difficulty in
obtaining evidence, and lack of capacity building and investments. Its potential is the
commitment of the professionals and the implementation of the Social Assistance policy. It is
concluded that there are many challenges, demanding more effective actions of the State. The
management and execution of the policies are supersetorialized, bureaucratized and time
consuming; despite advances, are far from collective, holistic and protective action.
Keywords: Children and Adolescent Code; family violence; sex offenses; children rights.
16
Introdução
O presente trabalho se insere na linha de orientação políticas públicas, movimentos
sociais e prática do psicólogo, enfatizando o estudo das políticas sociais voltadas ao atendimento
de crianças e adolescentes em situação de violência sexual intrafamiliar, a partir do Sistema de
Garantia de Direitos da Criança e do Adolescente (SGDCA), instituído pelo Estatuto da Criança e
Adolescente (ECA), em 1990, como mecanismo de enfrentamento dessa problemática.
Segundo nota técnica apresentada pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada – Ipea
(Cerqueira & Coelho, 2014), a qual analisou dados do Sistema de Informações de Agravo de
Notificação do Ministério da Saúde (Sinan), no mínimo, 527 mil pessoas são estupradas, por ano,
no Brasil. Destes casos, 70% são crianças e adolescentes. Em 50% dos incidentes totais
envolvendo esse público, há um histórico de estupros anteriores. Do total, apenas 10% chegam ao
conhecimento da polícia. Em geral, também segundo Cerqueira e Coelho (2014), 70% dos
estupros são cometidos por parentes, namorados ou amigos/conhecidos da vítima, o que indica
que o principal agressor está dentro de casa e que a violência, muitas vezes, ocorre dentro dos
lares. Os autores enfatizam que tais dados são absolutamente alarmantes, em razão das
consequências psicológicas para esses garotos e garotas, interferindo em processos de autoestima,
que se desenvolve exatamente nessa fase, e nos relacionamentos sociais desses indivíduos.
Corroborando os dados trazidos pelo Ipea (Cerqueira & Coelho, 2014), informações
publicadas pela Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República (SDH/PR),
referentes às denúncias de 2011 a 2018 feitas ao Disque Direitos Humanos 1001, demonstram o
quanto é expressivo o número de denúncias referentes à violência sexual cometida contra
crianças e adolescentes no país. Em 2011, foram realizadas 10.699 denúncias; em 2012, o ano em
1 Serviço telefônico de recebimento, encaminhamento e monitoramento de denúncias de violação de direitos.
17
que recebeu maior número de registro, 40.699; em 2013, 35.091; em 2014, 25.595; em 2015,
19.727; por fim, em 2016, 17.523. Destes, o RN recebeu, em 2011, 255 denúncias; em 2012,
1.106; em 2013, 820; em 2014, 726; em 2015, 418; em 2016, 363; em 2017, 420; e, só no
primeiro semestre de 2018, 160. Embora os números possam parecer discretos, quando se trata de
violência sexual, parte significativa dos casos não é identificada, denunciada, nem chega às
autoridades responsáveis, em razão de ameaças dos agressores e sentimentos de vergonha, medo
e sofrimento das vítimas. Além disso, proporcionalmente ao número de denúncias por habitante
(consideradas as violações em geral contra a população de 0 a 17 anos), o RN é o estado que fica
em 1o lugar no ranking em 2011, em 2
o lugar nos anos de 2012, 2013, 2014 e 2015 e em 4
o lugar
em 2016, 2017 e 2018.
Podemos perceber que o fenômeno da violência contra crianças e adolescentes é real,
materializado na sociedade, a qual tem, ainda que minimamente, conseguido identificar e solicitar
auxílio e proteção, por meio das denúncias realizadas, as quais retratam uma súplica, ao poder
público, por proteção e providências. Uma vez existindo a violência, esta necessita ser conhecida,
discutida e estratégias pensadas para sua superação. Assim, minha inquietação o estudo desta
temática surge no cotidiano do meu trabalho na Secretaria Municipal de Trabalho e Assistência
Social (SEMTAS), do município do Natal/RN2. A SEMTAS integra o Sistema Único de
Assistência Social (SUAS), responsável pela execução da Política Nacional de Assistência Social
(PNAS), aprovada pela Resolução do Conselho Nacional de Assistência Social (CNAS) n. 145,
de 15 de outubro de 2004. Integro a equipe da Proteção Social Especial (PSE) de Média
Complexidade, a qual lida com famílias e indivíduos em situação de violação de direitos.
Vejamos sua definição segundo a Lei Orgânica de Assistência Social (LOAS):
2 Na introdução, optei por utilizar a conjugação verbal em primeira pessoa em razão da minha exposição a afetações sobre o tema
da dissertação no campo de trabalho; os demais capítulos seguem na terceira pessoa do singular.
18
Art. 6o-A. A assistência social organiza-se pelos seguintes tipos de proteção: [...] II – proteção
social especial: conjunto de serviços, programas e projetos que tem por objetivo contribuir
para a reconstrução de vínculos familiares e comunitários, a defesa de direito, o fortalecimento
das potencialidades e aquisições e a proteção de famílias e indivíduos para o enfrentamento
das situações de violação de direitos. (Lei Federal n. 8.742, 1993)
Neste contexto, tenho observado que a demanda de crianças e adolescentes em situação de
violência sexual tem chegado com muita frequência à PNAS, solicitando acompanhamento
familiar e encaminhamento aos mais diversos órgãos da rede de proteção à criança e ao
adolescente articulados aos Centros de Referência Especializados de Assistência Social
(CREAS).
Somado ao trabalho na PNAS, participo do Observatório da População Infanto-Juvenil
em Contextos de Violência (OBIJUV/UFRN), que desenvolveu, no ano de 2016, o projeto de
extensão Redes de vida(s) tecendo-se dialogicamente com jovens: ações de enfrentamento à
violência letal, realizado em uma escola pública do nosso município. Na discussão dessa
experiência, identificamos relatos de muitos alunos que vivenciavam situações de abuso sexual
intrafamiliar, o que chamou nossa atenção ao problema.
Há, ainda, uma implicação pessoal pela temática, que surge após eu ouvir os relatos de
violência sexual sofrida por algumas pessoas próximas que, em momentos de desabafos, puderam
compartilhar comigo essa realidade e me fazer refletir o quão frequente são essas situações de
violência, muito além do que se imagina e, sobretudo, que algo precisa ser feito.
Concomitante à minha aproximação ao tema, em abril de 2017, aprova-se a Lei n.
13.431/2017. Esta estabelece o SGDCA vítima ou testemunha de violência, que tem significativa
importância nos casos de crianças e adolescentes vítimas de violência sexual. A lei previa entrar
em vigor um ano após sua publicação e teve uma repercussão polêmica para os trabalhadores da
19
PNAS. Notas do Conselho Federal de Psicologia (CFP, 2018) e do Conselho Federal do Serviço
Social – CFESS (Möller & Diniz, 2018) apresentaram posição contrária a algumas propostas
trazidas na lei. Atualmente, discussões sobre os impactos dessa lei têm acontecido nos espaços
acadêmicos da UFRN, bem como em reuniões das instituições do SGDCA para sua
implementação.
A partir da experiência nesses diversos contextos, me questionei: “como a rede tem
atuado no enfrentamento da violência sexual intrafamiliar contra crianças e adolescentes?”.
Assim, investiguei como o SGDCA tem atuado no enfrentamento da violência sexual
intrafamiliar contra crianças e adolescentes na região administrativa Oeste do Município de
Natal/RN. Meus objetivos neste estudo são: mapear a rede de enfrentamento da violência sexual
intrafamiliar contra crianças e adolescentes dessa região; identificar como se estabelece o fluxo
de atendimento e encaminhamento dos usuários na rede; analisar as práticas das equipes da rede
socioassistencial na execução da política de prevenção, proteção e enfrentamento da violência
sexual intrafamiliar contra crianças e adolescentes; e identificar as potencialidades e os desafios
elencados pelos profissionais dos serviços para a efetivação da política de proteção e garantia dos
direitos das crianças e adolescentes vitimizados. A fim de lançar um olhar qualitativo ao estudo e
sob a perspectiva de que políticas sociais acontecem inseridas nos territórios, optei pela análise da
rede de enfrentamento constituída especificamente na região Oeste, pois acredito que poderá
trazer importantes elementos para a discussão do enfrentamento à violência sexual intrafamiliar
contra crianças e adolescentes de um modo mais amplo.
É necessário buscarmos caminhos para garantir direitos e proteção3, sobretudo quando se
3 A proteção é aqui entendida como respeito ao sujeito de direito que se encontra em condição peculiar de desenvolvimento,
mantendo-o livre de toda e qualquer forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão – o que
difere da representação social da criança ou adolescente como objeto de proteção, controle, disciplinamento ou repressão do
Estado presente na história da proteção social à infância no Brasil (Pinheiro, 2006).
20
refere a um público que, por encontrar-se em fase peculiar de desenvolvimento, algumas vezes
(para não dizer a maioria), não dispõe da capacidade de autoproteção necessária, e pode ou não
compreender a dimensão da violação que ocorre, mas é sempre capaz de sentir e sofrer as
consequências trazidas por essa. Antes, porém, considero necessário elucidar o entendimento de
criança e adolescente adotado neste trabalho. Concordo com a definição abaixo:
No meu campo específico de investigação, tenho em consideração a criança e o adolescente
não apenas como segmentos etários, caracterizados por critérios biológicos, mas como sujeitos
sociais que ocupam ou não determinados lugares na vida social, a partir de significados que
lhes são atribuídos pela teia de relações que se engendram na sociedade brasileira. (Pinheiro,
2006, p. 36)
Acrescenta-se à definição já estabelecida dos segmentos etários a perspectiva do lugar
social ocupado pela criança e adolescente em nossa sociedade e todas as repercussões que esse
lugar ocupado traz para suas vidas. Ao fazer referência a esse conceito, não desejo negar as
definições embasadas pelas concepções biológicas, nem a tornar uma definição concluída por si
só. Almejo frisar que crianças e adolescentes são sujeitos sociais e, como tais, estão imersos em
um universo de significados (socialmente construídos) que permitem a vivência de tais ou quais
experiências – infelizmente, até mesmo as experiências de violações de direitos, considerando
que alguns significados e contextos sociais e políticos tornam crianças e adolescentes mais
vulneráveis às violações. Portanto, no presente estudo, adoto a perspectiva de que crianças e
adolescentes são sujeitos sociais e sujeitos de direitos, e entendo que todos os significados e
simbolismo associados a crianças e adolescentes refletem no modo como eles são tratados;
refletem, sobretudo, no modo como são pensadas, construídas e fortalecidas (ou enfraquecidas) as
políticas sociais destinadas a esse público.
Importante elucidar essa perspectiva quando se vivencia o contexto político do pós-golpe
21
de 2016 no Brasil. Este é caracterizado por uma série de retrocessos no que se refere aos direitos
humanos que já haviam sido garantidos legalmente – ainda que não conquistados efetivamente e
por todos. É um contexto cujo avanço de agendas conservadoras, projetos de leis e promulgação
de leis usurpam direitos fundamentais estabelecidos desde a Constituição Federal de 1988 (CF),
como é o caso das contrarreformas trabalhista e previdenciária; é um contexto em que é cada vez
mais nítido o desmonte das políticas sociais, sobretudo da seguridade social – se é que podemos
eleger uma mais ameaçada –, materializado, por exemplo, por meio da Emenda Constitucional
95/2016, que limita por 20 anos os gastos públicos – conhecida como a “PEC do fim do mundo”.
Tantos retrocessos e ataques aos direitos fundamentais têm ameaçado cotidianamente a cidadania,
a liberdade e os direitos humanos da população brasileira. Por esta razão, julgo fundamental
registrar que este trabalho entende que crianças e adolescentes devem ter seus direitos
fundamentais garantidos, bem como garantidas as políticas sociais a elas destinadas; que eles
sejam atendidos em atenção à doutrina de proteção social integral e da prioridade absoluta
estabelecida com a promulgação do ECA, em 1990, em conformidade com a CF e com a
Convenção Internacional sobre os Direitos da Criança.
Estruturei o presente trabalho com a fundamentação teórica, composta por dois capítulos;
os procedimentos metodológicos; a discussão dos resultados; e as conclusões. Na parte teórica,
faço um resgate histórico das formas de violência cometidas contra crianças e adolescentes, e
caracterizo a violência sexual intrafamiliar, suas nuances e expressões. Posteriormente, apresento
o enfrentamento dessa forma de violência no Brasil, pontuando os marcos legais constituídos.
Então, apresento o SGDCA, seus eixos e princípios. Nos aspectos metodológicos da pesquisa,
pontuo o referencial teórico, as etapas do estudo, detalhando acerca dos participantes, as
estratégias de análise de dados utilizadas e caracterizando o território no qual a pesquisa foi
22
realizada e, por fim, as considerações éticas. Na discussão dos resultados, apresento o
mapeamento da região administrativa Oeste, seguido da análise, estruturada em quatro eixos: I –
a rede e seus fluxos; II – práticas identificadas; III – potencialidades; e IV – desafios a serem
superados. Encerro a dissertação com as considerações finais, em que reflito sobre os desafios
constituídos no enfrentamento da violência sexual intrafamiliar contra crianças e adolescentes e a
necessidade de avanço no que se refere às políticas sociais.
23
1. Violência sexual intrafamiliar: conceitos e apropriações históricas
A primeira seção deste capítulo trata da definição da violência contra crianças e
adolescentes e suas formas, seguido da discussão sobre a especificidade da violência sexual
intrafamiliar.
1.1. Violência contra crianças e adolescentes
A violência é um fenômeno social mundial considerado um problema de saúde pública
que perpassa as diferentes classes sociais, culturais, relações de gênero, raça-etnia, etc. A
Organização Mundial de Saúde (OMS) define a violência como:
o uso intencional da força física ou do poder, real ou por ameaça, contra a própria pessoa,
contra outra pessoa, ou contra um grupo ou comunidade, que possa resultar ou tenha alta
probabilidade de resultar em morte, lesão, dano psicológico, problemas de desenvolvimento
ou privação de direitos. (Krug, Dalberg, Mercy, Zwi, & Lozano, 2002, p. 5)
O estudo e a concepção de violência praticada contra crianças e adolescentes na história
da infância são relativamente recentes. Segundo Guerra (1998), surgem com maior ênfase a partir
das décadas de 1970 e 1980, quando o fenômeno adquire um novo modelo conceitual. Antes
disso, há estudos muito pontuais, especialmente da Medicina, como o do médico Ambroise
Tardieu, em 1860, que publicou um estudo referente a 32 crianças que sofreram violência física
praticada pelos pais, das quais 18 foram mortas; na época, o trabalho não teve grande
repercussão, o que indica que não havia interesse social em discutir o tema. A violência física foi
praticada e aceita em diversos momentos da humanidade. Por muito tempo, crianças foram
equiparadas aos adultos, submetidas a punições corporais e a tratamentos cruéis, sob o argumento
24
de estarem sendo corrigidas e educadas – respaldadas, muitas vezes, pelos textos bíblicos (séc.
XVII) e pelo Estado, que chegou a autorizar que pais aplicassem e, também a aplicar, as mais
diversas penas, até mesmo a pena capital. Mais tarde, no séc. XVIII, a violência física chega a ser
orientação fornecida por educadores e estudiosos. Esses castigos e punições corporais, adotadas
como métodos educativos, levaram à morte muitas crianças (Guerra, 1998). Em consonância com
essa autora, Andrade (2000, p. 2) afirma que os homens praticaram várias formas de violência
contra as crianças ao longo da história da humanidade “desde os egípcios e mesopotâmios,
passando pelos romanos e gregos, até os povos medievais e europeus, não se considerava a
infância como merecedora de proteção especial”. Assim, crianças eram maltratadas com a
aprovação cultural e até mesmo da legislação vigente.
Corroborando os achados sobre violência física, Bass e Thornton (1985) trazem a história
do abuso nos templos bíblicos e como a mulher e a criança foram tratadas como mercadorias
sexuais que pertenciam a um proprietário particular. As autoras afirmam que, nos tempos da lei
talmúdica, era legalmente possível o uso sexual (leia-se abuso) de crianças a partir dos três anos
de idade, sendo permitido vendê-las, alugá-las e emprestá-las, desde que o pai consentisse e fosse
remunerado por isso. Embora o abuso de meninas com menos de três anos de idade não fosse
legalmente regulamentado – porque eram consideradas muito jovens para serem legalmente
virgens –, não havia restrição nem punição para os adultos que abusavam sexualmente delas.
Posteriormente, a lei canônica, católica, aumenta de três anos para sete a idade mínima
legalmente permitida para que crianças iniciassem relações sexuais com adultos; essa lei também
autorizava o estupro como meio para se contrair o matrimônio.
Fay de Amzambuja (2006) também sinaliza distintas civilizações em diferentes momentos
da história em que a violência cometida contra crianças e adolescentes esteve presente. Vejamos:
25
Ao tempo do Código de Hamurábi (1700-1600 a.C.), no Oriente Médio, ao filho que batesse
no pai havia a previsão de cortar a mão, uma vez que a mão era considerada o objeto do mal.
Também o filho adotivo que ousasse dizer ao pai ou à mãe adotivos que eles não eram seus
pais, cortava-se a língua; ao filho adotivo que aspirasse voltar à casa paterna, afastando-se dos
pais adotivos, extraíam-se os olhos. Em Roma (449 a.C.), a Lei das XII Tábuas permitia ao pai
matar o filho que nascesse disforme mediante o julgamento de cinco vizinhos (Tábua Quarta,
no 1), sendo que o pai tinha sobre os filhos nascidos de casamento legítimo o direito de vida e
de morte e o poder de vendê-los (Tábua Quarta, no 2). Na Grécia antiga, as crianças que
nascessem com deficiência eram eliminadas nos Rochedos de Taigeto. Em Roma e na Grécia,
a mulher e os filhos não possuíam qualquer direito. O pai, o chefe de família, podia castigá-
los, condená-los à prisão e até excluí-los da família. (Fay de Amzambuja, 2006, p. 3)
Pode-se perceber, nesse trecho, a presença de autoritarismo, relações familiares extremamente
hierarquizadas e violência praticada de forma naturalizada dentro do ambiente familiar, sobretudo
pela figura do pai, o “chefe da família”, que detinha o controle sobre a vida dos demais membros.
Ele dispunha de um poder quase que absoluto sobre os corpos dos filhos e da mulher, tendo o
direito de castigá-los, vendê-los e até matá-los, conforme desejasse.
Em seu estudo acerca da história social da criança e das famílias, Ariès (1981) afirma que,
durante toda a Idade Média, a trajetória da criança foi de discriminação, marginalização e
exploração. A compreensão da infância era diferenciada da que se tem atualmente, as crianças
não eram vistas como um ser em desenvolvimento, com características e necessidades próprias,
mas sim “homens de tamanho reduzido” (p. 18). Nessa época, as crianças eram desde muito cedo
inseridas no mundo adulto e era absolutamente comum o hábito de associá-las a “brincadeiras”
indecentes e grosseiras que giravam em torno de temas sexuais. As crianças tinham as genitais
expostas e tocadas, eram informadas, desde muito pequenas, sobre o sexo e a utilidade de seus
órgãos genitais, etc. “Essa prática familiar de associar as crianças às brincadeiras sexuais dos
26
adultos fazia parte do costume da época e não chocava o senso comum” (p. 77).
A história de violência contra crianças no Brasil também não é diferente, uma vez que
está presente desde as embarcações vindas de Portugal:
Contam os historiadores que as primeiras embarcações que Portugal lançou ao mar, mesmo
antes do descobrimento, foram povoadas com as crianças órfãs do rei. Nas embarcações
vinham apenas homens e as crianças recebiam a incumbência de prestar serviços na viagem,
que era longa e trabalhosa, além de se submeter aos abusos sexuais praticados pelos marujos
rudes e violentos. Em caso de tempestade, era a primeira carga a ser lançada ao mar. (Fay de
Azambuja, 2006, p. 4, grifo nosso)
Pode-se perceber, a partir deste trecho, a forma cruel e o tratamento degradante que foi destinado
às crianças e adolescentes, sendo vitimizadas pelas mais diversas atrocidades e violências que,
infelizmente, ainda se fazem presentes nas relações sociais.
Pinheiro (2006), ao elucidar a história da proteção social à infância no Brasil, afirma que
“ao longo de todos os „brasis‟ que forjaram a nação – Brasil-colônia, Brasil-Império e Brasil-
República” (p. 40) construímos um país que traz “os elementos constitutivos da formação de uma
vida social marcada profundamente pela desigualdade, pela exclusão e pela dominação” (p. 40).
A autora pontua como marcas culturais do país o patriarcalismo familiar; o familismo e sua
dimensão despótica e segregadora (e o mito da família como lugar de proteção); a caracterização
da vida social brasileira como adultocêntrica e o lugar de subordinação da criança; a violência e
perversão do regime escravocrata com os negros, sobretudo com as mulheres negras, e sua
repercussão; a hierarquia nas relações sociais; a estratificação social; e, sobretudo, a desigualdade
como princípio fundante da sua matriz cultural, que se contrapõe à ideia de universalidade de
direitos. A autora aponta, ainda, as distintas representações sociais4 de criança e adolescente
4 5As quatro representações sociais apresentadas por Pinheiro (2006) são: crianças e adolescentes como objetos de proteção social;
27
construídas ao longo da história no Brasil, e como essas representações “balizam a construção do
pensamento, atribuindo sentidos orientadores do comportamento social dos indivíduos e, nesses
processos, passam a construir uma dimensão da própria realidade” (Pinheiro, 2006, p. 38). Ou
seja, enfatiza como as representações acerca das crianças e dos adolescentes, presentes na vida
social dos indivíduos, sustentaram (e sustentam) pensamentos e comportamentos, e constroem
algo na própria realidade. Essa reflexão é importante para compreender o histórico das políticas
sociais destinadas a esse público, de como foram/são construídas e pensadas as políticas sociais e
a partir de qual perspectiva.
A concepção de criança e adolescentes como sujeitos de direitos só é instituída no Brasil
com a CF e, sobretudo, com o ECA, de 1990 – mais detalhada no capítulo Enfrentamento da
Violência Sexual no Brasil e o SGDCA.
1.1.1. Formas de violência
Considera-se importante elucidar as diferentes formas de violência praticadas contra
crianças e adolescentes, tanto porque as diferentes formas, frequentemente, encontram-se
associadas, quanto por entender ser indispensável ilustrar, mesmo que de maneira introdutória, a
violência estrutural, simbólica e institucional, quando se pretende discutir o enfrentamento da
violência sexual realizada pela rede de proteção a esse público. Para caracterizar as diferentes
formas de violência das quais crianças e adolescentes são vítimas, Azevedo e Guerra (1989)
referem-se a dois processos de fabricação da violência: a vitimação e a vitimização. O primeiro é
consequente das situações de desigualdades sociais e econômicas, enquanto o segundo das
relações interpessoais abusivas adulto-crianças. Enquanto a vitimação acontece com crianças e
crianças e adolescentes como objetos de controle e disciplinamento; crianças e adolescentes como objetos de repressão social; e,
por fim, crianças e adolescentes como sujeitos de direitos.
28
adolescentes que vivem de forma mais intensa os efeitos das desigualdades socioeconômicas, a
vitimização atinge as vítimas da violência intrafamiliar que podem estar em qualquer das
camadas sociais. Esses processos não são excludentes, ou seja, crianças e adolescentes vitimados
podem também viver processos de vitimização e o contrário.
Neste estudo, será adotada a definição trazida por Faleiros e Faleiros (2008), que
classificam a violência em física, psicológica e sexual; eles afirmam, ainda, a existência da
negligência, da violência estrutural, da simbólica e da institucional. Enfatizam que, nas situações
concretas, as diferentes formas de violência não são excludentes, ao contrário, são cumulativas. A
violência sexual, por exemplo, é também violência física e psicológica e a violência simbólica
estimula todas as formas de violência. Conforme afirmam esses autores, violência física é uma
relação social de poder que apresenta diferentes graus de intensidade, gravidade, sofrimento e
sequelas. Manifesta-se, principalmente, pelas marcas que ficam no corpo, machucados, lesões,
ferimentos, fraturas, queimaduras, traumatismos, hemorragias, escoriações, lacerações, arranhões,
mordidas, equimoses, convulsões, inchaços, hematomas, mutilações, desnutrição e até morte. A
violência psicológica, por sua vez, é também uma relação de poder desigual, exercido por meio
de atitudes arbitrárias, de agressões verbais, chantagens, regras excessivas, ameaças,
humilhações, desvalorização, estigmatização, desqualificação, rejeição, isolamento, exigência de
comportamentos éticos inadequados ou acima das capacidades e de exploração econômica ou
sexual. Embora seja bastante frequente, essa forma de violência é a menos identificada como tal,
em razão do alto grau de tolerância da sociedade. A violência sexual está subdividida em abuso
sexual, que pode ser intrafamiliar ou extrafamiliar, e exploração sexual, expresso por meio da
prostituição, pornografia, turismo sexual e tráfico de pessoas para fins sexuais. “A violência
sexual contra crianças e adolescentes é uma violação de direitos, uma transgressão, uma relação
29
de poder perversa e desestruturante” (Faleiros & Faleiros, 2008, p. 32).
A negligência se expressa em omissão, rejeição, descaso, indiferença, descompromisso,
desinteresse ou negação da existência do outro. A violência estrutural é a expressão das enormes
desigualdades econômicas, sociais e históricas do nosso país, trata-se de uma violência
cumulativa e excludente que se aplica tanto às estruturas familiares “como aos sistemas
econômicos, culturais e políticos que conduzem à opressão de grupos, classes, nações e
indivíduos, aos quais são negadas conquistas da sociedade, tornando-os mais vulneráveis que
outros ao sofrimento e à morte” (Minayo, 1994, p. 7). Em consonância, a violência simbólica
representa o processo no qual a classe dominante economicamente impõe sua cultura aos
dominados. É o exercício e difusão de uma cultura de superioridade fundada em mitos, símbolos,
imagens, mídia e construções sociais que discriminam, humilham e excluem os sujeitos (Faleiros
& Faleiros, 2008). Por fim, a violência institucional está associada às condições específicas dos
locais onde ocorrem, como instituições de saúde, educação e assistência. Manifesta-se por meio
de violência física, psicológica, sexual e pelas condições materiais e de atendimento. São
exemplos: carência de pessoal e de equipamentos, filas de espera, falta de material, ausência de
profissionais, atendimento inadequado, etc. (Faleiros & Faleiros, 2008). Assim, entende-se que
violência está situada no campo das relações sociais com fortes componentes simbólicos,
culturais e estruturais.
Acerca da violência contra crianças e adolescentes:
A violência, que, no cotidiano, é apresentada como abuso sexual, psicológico ou físico de
crianças e adolescentes, é, pois, uma articulação de relações sociais gerais e específicas, ou
seja, de exploração e de forças desiguais nas situações concretas, não podendo, assim, ser vista
como se fosse resultante de forças da natureza humana ou extranaturais – por exemplo, obra
do demônio – ou um mecanismo autônomo e independente de determinadas relações sociais.
30
Esta violência, manifesta, concretamente, uma relação de poder que se exerce pelo adulto ou
mesmo não adulto, porém mais forte, sobre a criança e o adolescente num processo de
apropriação e dominação não só do destino, do discernimento e da decisão livre destes, mas de
sua pessoa enquanto outro. (Faleiros, 1998a, p. 10)
Nesse sentido, a violência se configura como uma ação concreta, real, circunscrita no tempo e
espaço, com determinações sociais, históricas, materiais e políticas, com consequências sobre a
vida da pessoa violada e sobre outras vidas, sejam essas consequências psicológicas/emocionais,
físicas, sociais ou o conjunto delas.
1.2. Violência sexual intrafamiliar contra crianças e adolescentes
A violência sexual se constitui como uma das formas de violência contra crianças e
adolescentes e mantém relações históricas com a prática da violência no contexto da infância. Ela
é definida como todo ato, de qualquer natureza, atentatório ao direito humano ao
desenvolvimento sexual da criança e do adolescente, praticado por agente em situação de poder e
de desenvolvimento sexual desigual em relação à criança e adolescente vítima (Conselho
Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente – CONANDA, 2013). A ênfase aqui dada é na
violência como transgressão aos direitos humanos, bem como na utilização do poder desigual
presente na violação do direito.
Julga-se pertinente explicitar qual o entendimento de poder adotado neste trabalho. Para
tal, recorre-se ao conceito trazido por Faleiros e Faleiros:
Todo poder implica a existência de uma relação, mas nem todo poder está associado à
violência. O poder é violento quando se caracteriza como uma relação de força de alguém que
a tem e que a exerce visando alcançar objetivos e obter vantagens (dominação, prazer sexual,
lucro) previamente definidos. A relação violenta, por ser desigual, estrutura-se num processo
de dominação, através do qual o dominador, utilizando-se de coação e agressões, faz do
31
dominado um objeto para seus “ganhos”. A relação violenta nega os direitos do dominado e
desestrutura sua identidade. O poder violento é arbitrário ao ser “autovalidado” por quem o
detém e se julga no direito de criar suas próprias regras, muitas vezes contrárias às normas
legais. (Faleiros & Faleiros, 2008, p. 29-30)
Ou seja, o poder está relacionado à prática da violência quando, na relação, o violador utiliza-se
de seu poder de forma arbitrária para obter vantagens e satisfação unicamente próprias. A relação
que se estabelece é sempre desigual e sempre se estrutura em um processo de dominação e
opressão, que desconsidera a identidade e direitos do violado, objetificando-o.
Fay de Azambuja e Ferreira (2011) definem a violência sexual como o envolvimento de
crianças e adolescentes, dependentes e imaturos quanto a seu desenvolvimento, em atividades
sexuais que eles não têm condições de compreender plenamente e para os quais são incapazes de
dar consentimento, ou que violam as regras sociais e os papéis familiares. Nesse sentido, é
importante demarcar a fase peculiar de desenvolvimento da criança e do adolescente em relação
aos adultos, que essa diferença se reflete em uma relação de desigualdade que, se não considerada
e, sobretudo, respeitada, viola regras sociais e papéis de proteção que os adultos devem manter
sobre a criança e o adolescente, invertendo a situação e os tornando violadores.
A violência sexual é expressa por meio do abuso e/ou exploração sexual. O primeiro se
refere à utilização sexual da criança ou adolescente em uma relação de poder desigual,
geralmente por pessoas muito próximas, podendo ser ou não da família, e que se aproveitam
dessa relação de poder e de confiança para satisfazer seus desejos sexuais. Pode ocorrer com ou
sem violência física, mas a psicológica está sempre presente. Já a exploração sexual é definida
como a utilização sexual de crianças e adolescentes com fins comerciais e de lucro. Acontece
quando meninos e meninas são induzidos a manter relações sexuais com adultos ou adolescentes
mais velhos, quando são usados para produção de material pornográfico ou levados para outras
32
cidades, estados ou países com propósitos sexuais (Conselho Municipal dos Direitos da Criança e
do Adolescente do município de Natal – COMDICA, 2010). Tanto o abuso como a exploração
sexual são atos de violência contra a criança e adolescente e, portanto, são também atos de
transgressão aos direitos humanos.
O interesse deste trabalho se concentra na situação específica do abuso sexual
intrafamiliar. Entretanto, em conformidade com o que sinaliza Souza (2014), está sendo adotado
o termo “violência sexual intrafamiliar” por concordar que o termo “abuso” pode pressupor que
exista um “uso” possível, quando na verdade a situação não pode ser chamada de outra coisa,
senão de violência5. Souza afirma “adotaremos a expressão „violência sexual intrafamiliar‟, por
acreditar que a expressão „abuso sexual‟ partiria do pressuposto que haveria um „uso‟ possível da
sexualidade de uma pessoa em desenvolvimento o que vai de encontro com nossas concepções”
(Souza, 2014, p. 23).
A violência sexual ocorre por meio de distintas práticas eróticas, impostas à criança ou
adolescente pela violência física, ameaça ou indução de sua vontade, as quais podem variar desde
atos em que não exista contato sexual até os diferentes tipos de atos com contato sexual, havendo
ou não penetração (Santos & Dell‟Aglio, 2010). São formas de violência sexual sem contato
físico: o assédio sexual, que se caracteriza por propostas de relações sexuais, na maioria das
vezes, baseadas na posição de poder do agente sobre a vítima, que é chantageada e ameaçada
pelo autor da agressão; e a violência sexual verbal, definido pelo estabelecimento de conversas
sobre atividades sexuais destinadas a despertar o interesse da criança ou do adolescente, ou a
chocá-los. O telefonema obsceno é uma modalidade dessa violência. Outros exemplos são o
exibicionismo, caracterizado pela exposição dos órgãos genitais ou pela prática da masturbação
5 Importante salientar que quando forem citados trabalhos de outros autores será mantido o termo por eles adotado.
33
diante da criança ou adolescente, ou no campo de visão deles; e o voyeurismo, definido como o
ato de obter satisfação ou gratificação sexual por meio da observação de órgãos sexuais de
crianças e adolescentes ou de sua nudez, quando elas não desejam ser vistas ou não sabem que
estão sendo observadas. Já a violência sexual com contato físico é definido por atos físicos que
incluem carícias nos órgãos genitais, tentativas de relações sexuais, masturbação, sexo oral,
penetração vaginal e anal (Fundo das Nações Unidas para Infância – UNICEF, 2010).
O abuso sexual, segundo Faleiros (2006), pode ser classificado em intrafamiliar ou
extrafamiliar, de acordo com o tipo de relação entre vítima e agressor. Intrafamiliar compreende
relações nas quais o agressor faz parte da família, não sendo necessária a consanguinidade, mas a
participação no contexto familiar, podendo ser praticado por pai, mãe, padrasto, madrasta, tios,
avós, cunhados, famílias adotivas. É também conhecido por: abuso sexual incestuoso, incesto,
abuso sexual doméstico, violência sexual doméstica. Nas situações de abuso sexual extrafamiliar,
o agressor não faz parte do contexto familiar e pode ou não ser conhecido da vítima (Faleiros,
2006). Guerra (1998) traz uma definição bastante difundida e esclarecedora sobre violência
intrafamiliar:
Todo ato ou omissão praticado por pais, parentes ou responsáveis contra crianças e/ou
adolescentes que – sendo capaz de causar dano físico, sexual e/ou psicológico à vítima –
implica de um lado numa transgressão do poder/dever de proteção do adulto e, de outro, numa
coisificação da infância, isto é, uma negação do direito que crianças e adolescentes têm de ser
tratadas como sujeitos de direitos em condição peculiar de desenvolvimento. (Guerra, 1998, p.
32)
É importante salientar, entretanto, que, para Guerra (1998), violência intrafamiliar e
doméstica são sinônimos. Neste trabalho, adota-se o conceito de intrafamiliar quando a violência
é praticada por alguém com quem a criança possui vínculo de parentesco, afinidade ou
34
responsabilidade, independente se a violência acontece na residência da vítima. “A chamada
violência doméstica é equivocadamente definida pelo „lócus‟ onde se realiza: a casa. Em
realidade ela é resultado de relações de poder” (Faleiros, 1998a, p. 15). Assim, a violência não se
resume ao espaço doméstico, embora se reconheça que é nesse espaço que a maior parte da
violência intrafamiliar ocorre.
A escolha pelo estudo da violência intrafamiliar ocorreu em razão do reconhecimento de
sua gravidade. Compartilha-se do posicionamento de Fay de Azambuja (2006), para quem,
embora sejam muitas as formas de maus-tratos e violência cometidas contra crianças e
adolescentes, a violência intrafamiliar é a maior fonte de violência. Quando intrafamiliar, a
violência sexual se configura de forma mais grave porque, como os abusadores são pessoas da
família ou muito próximas das vítimas, as relações se estabelecem de forma muito confusa e
conflituosa para a criança e para o adolescente, em que o papel de proteção dos adultos se inverte
com o de violador.
Faleiros (1998) apresenta características importantes identificadas nesse tipo de violência.
Uma delas é o segredo familiar, no qual a família vivencia relações muito complexas: o abusador
vincula sua ação à ameaça e sedução com a pessoa vitimizada, os outros membros, muitas vezes,
protegem a “honra” do abusador, e/ou preservam esse provedor, tornando-se complacentes com a
violência. Assim, a família guarda esse segredo e funciona como clã, fechada e articulada. Ainda
são características: os traumas (medo, vergonha, terror) das pessoas vitimizadas; a reincidência
dos abusadores, não se restringindo a uma só pessoa; o ciclo de repetição da violência, no qual as
pessoas vitimizadas podem vir a cometer a violência com outras pessoas; a presença da violência
em todas as classes sociais; o fato de que crianças e adolescentes podem ser vitimizadas em
qualquer faixa etária, mas as reações e traumas são diferenciados de acordo com a idade, a qual
35
influencia também na capacidade de reagir, contar, resistir e do apoio que venha a receber; a
impunidade do abusador, o qual é frequentemente “perdoado” pela família; as fugas de casa
motivadas pelas situações de violência; e a necessidade de terapia e acompanhamento de forma
multiprofissional ou interdisciplinar, tendo em vista a complexidade do problema (Faleiros,
1998a).
Acerca do ciclo de repetição da violência, embora seja pontuado por alguns autores como
Faleiros (1998a) e Jesus (2006), os quais retratam o percurso que leva o sujeito do lugar de
ofendido ao lugar de ofensor, é importante elucidar que nem todas as vitimas se tornarão futuros
agressores, não se tratando, portanto, de uma relação de causa e efeito.
Outro aspecto que merece destaque é o processo de sedução presente na violência sexual
intrafamiliar. Esse fenômeno apresenta uma dinâmica de funcionamento gradativa, iniciando-se
sutilmente e, à medida que o abusador conquista a confiança da vítima, os contatos tornam-se
mais íntimos (Santos & Dell‟Aglio, 2010). O processo de dominação é uma construção “paciente
e ritualizada [...] se mantém através da dominação psicológica de longa duração. Começa por um
processo de sedução, que consiste na conquista sutil, que anula a capacidade de decisão da
vítima, e acaba em sua dominação e aprisionamento” (Faleiros, 2008, p. 40).
É importante ressaltar que a concepção aqui adotada acerca da violência não atribui à
figura do abusador um transtorno psicológico ou uma desordem mental que o leve a cometer os
atos de violação. Não que se negue a existência desses casos, como é o caso da pedofilia, mas o
olhar e foco lançados neste trabalho são o de que fenômenos como o abuso e a violência têm
raízes históricas, econômicas e culturais. São resultados do processo civilizatório, estando
profundamente perpassados por elementos da cultura e do imaginário, da concepção de direitos
alcançada e também da concepção de violação desses. Conforme orienta Faleiros (1998b, p. 267)
36
“violência, aqui, não é entendida como ato isolado, psicologizado pelo descontrole, pela doença,
pela patologia, mas como um desencadear de relações que envolvem a cultura, o imaginário, as
normas, o processo civilizatório de um povo”.
Dito isso, outra característica importante presente na violência sexual intrafamiliar refere-
se à dificuldade da revelação, pela criança ou adolescente, da violência sofrida. São muitas as
razões que dificultam e/ou impedem a revelação da violência, ou que a revelação culmine em
notificação (Santos & Dell‟Aglio, 2010). Dentre elas, o trauma da criança ou adolescente
vitimizados que, por sentimentos de vergonha e culpa (Funiss, 1993) podem guardar para si
mesmos a violência sofrida, além do segredo familiar (Faleiros, 1998a) que, em nome da
proteção e manutenção da família, protege o abusador.
Acerca do sentimento de culpa presente nas vítimas, Funiss (1993) faz uma pontuação
importante da participação da criança no abuso e do sentimento de culpa que se instala. O
primeiro se refere ao fato de ela fazer parte da interação abusiva, mesmo não sendo responsável
pela violência, “a vasta maioria das crianças que sofreram abuso sexual não toma nenhum papel
ativo para iniciar o abuso sexual, mas todas as crianças são participantes ativas na interação
abusiva, mesmo se são forçadas contra a sua vontade” (Funiss, 1993, p. 15). Ele afirma que a
participação independe do grau de cooperação ou da vontade de participar do abuso, mas que
frequentemente resulta em fortes sentimentos de culpa e isso se origina de um senso equivocado
de responsabilidade por parte da vítima, derivado do fato de ter participado do abuso. “Essa
confusão muitas vezes é reforçada pelas ameaças da pessoa que cometeu o abuso, de que a
criança será responsável pelas consequências se revelar” (Funiss, 1993, p. 16). Em razão das
ameaças, torna-se ainda mais difícil a criança ou adolescente revelar situações de abuso. Jesus
(2006) traz o relato do violador quando se recorda do tempo em que era o violado, o qual
37
exemplifica bem esse sentimento equivocado de culpa. A autora pontua que esse sentimento era
intenso e precisou ser trabalhado em diversas sessões, com o objetivo de mostrar-lhe que “ele não
era culpado pelo abuso sofrido, uma vez que dizia sentir-se responsável pelo mesmo. Essa culpa
por ter sido vítima fazia-o ficar continuamente preso ao passado, àquilo que não fez, àquilo que
não falou, àquilo que não pensou” (Jesus, 2006, p. 179-180).
É importante não perder de vista os diferentes elementos presentes nas definições e
características trazidas: a desigualdade presente na relação entre o violador e vítima, evidenciada
até mesmo pela diferença de idade e de compreensão do mundo e suas relações; o lugar de objeto
em que a criança ou adolescente é posto para satisfação do desejo sexual exclusivamente do
adulto; bem como a impossibilidade da criança ou adolescente dar consentimento ao ato, em
razão da desigualdade de poder e/ou da capacidade de discernimento do que aquele ato representa
ou significa. A violência sexual intrafamiliar se configura como violação gravíssima aos direitos
humanos de crianças e adolescentes. Dantas (2009) afirma que o abuso sexual infantil, ao violar o
direito ao desenvolvimento sexual adequado, implica na violação de outros três direitos: respeito,
liberdade e dignidade, que juntos formam a trilogia da proteção integral. Além disso, é danoso
para o seu desenvolvimento ético-moral e, em consequência, para a sua constituição como sujeito
autônomo. Miller (1997) afirma que muito provavelmente a criança terá seu desenvolvimento
comprometido quando for tratada como uma propriedade com a qual o adulto atinge algum
objetivo, uma vez que a criança se percebe e se descobre na relação com o outro, sendo o adulto
quem primeiro lhe fornece informações das quais necessita a respeito de si mesma.
A violência sexual intrafamiliar traz inúmeras consequências (físicas, psicológicas e
sociais) que podem variar em intensidade e gravidade. Essas podem resultar em danos físicos,
como dores, infecções, abscessos, lesões físicas gerais, lesões genitais e anais, disfunções
38
sexuais, gestação, doenças sexualmente transmissíveis (DST), outras contaminações, tratamentos
envolvidos na recuperação de doenças, etc. Resultam também em danos psicológicos,
emocionais, sexuais e sociais, os quais envolvem ansiedade, angústia, medo, vergonha,
agressividade, pesadelos, comportamentos regressivos, baixa autoestima, problemas escolares,
hiperatividade, sensação de estar sujo, alterações no desenvolvimento cognitivo, isolamento e
estigmatização, dificuldades de relacionamento, fobias, queixas somáticas (dores, alteração de
apetite, sono, problemas gastrointestinais e mudança na aparência), fugas, comportamento sexual
inapropriado (evitação do sexo ou desejo compulsivo por sexo), anorexia, envolvimento em atos
ilegais, uso abusivo de álcool e/ou de substancias ilícitas, transtorno de estresse pós-traumático,
depressão, comportamentos autodestrutivos, pensamentos suicidas e suicídio (Amazarray &
Koller, 1998; Faleiros, 1998b; Souza, 2014). Vale pontuar que esses danos não aparecem de
forma cumulativa, nem são iguais para todos, são exemplos de sintomas e consequências que
podem ser identificadas nas pessoas vitimizadas. Ainda acerca do trauma da pessoa vitimizada:
O trauma tem, assim, várias dimensões que podem perdurar mais ou menos profundamente
durante o resto da vida da vitimizada ou do vitimizado, por ter havido, de fato, o abuso de uma
expectativa de proteção e de respeito, o abuso de um corpo, numa relação forçada pelo mais
forte, na violação de um tabu social, do direito, das leis, da proteção e do respeito e que se
traduz em raiva, nojo, sofrimento, depressão e comportamentos marcados por desleixo,
evasão, agressão, ansiedade, medo, iniciativas sexuais frente a outras crianças. (Faleiros, 2003,
p. 71)
Segundo Funiss (1993), as consequências psicológicas se relacionam diretamente com
fatores como: a idade da criança no início do abuso; sua duração; o grau de violência ou ameaça
de violência; a diferença de idade entre a pessoa que cometeu o abuso e a criança que o sofreu; o
grau de relacionamento entre a criança e o abusador; a ausência de figuras parentais protetoras; e
39
o grau de segredo. O autor afirma ainda que violência sexual intrafamiliar é um problema
complexo que envolve ações ligadas à proteção da criança e punição do agressor (questões
legais), e também ações terapêuticas de atenção à saúde física e mental da criança, tendo em vista
as consequências decorrentes da situação de violência.
É importante atentar ao fato de que a violência sexual contra crianças e adolescentes está
inserida em um cenário maior, que é o próprio contexto social. O Brasil, um país com enormes
desigualdades econômicas e sociais, resultado do modo de exploração capitalista, essencialmente
machista, classista, patriarcal (Faleiros & Faleiros, 2008), carregado pela cultura do
adultocentrismo (Faria & Santiago, 2016; Pinheiro, 2006), marcado por profundo autoritarismo
sob as crianças (Pinheiro, 2006), produz violências. “O abuso sexual é uma violência que envolve
duas desigualdades básicas: de gênero e geração” (Araújo, 2002, p. 5). Segundo Faleiros (2005,
p. 71) “o autoritarismo e o machismo são os fundamentos dessa violência”. Assim, entende-se
que a violência sexual intrafamiliar está relacionada a outras formas de violência, como a
simbólica e a estrutural. Essa sociedade acaba reproduzindo valores de dominação do homem
sobre a mulher; do mais “forte” sobre o mais “frágil”, do adulto sobre a criança, estabelecendo
relações hierárquicas nas quais a violência é legitimada e direitos humanos são desrespeitados.
Diversos trabalhos afirmam que a violência intrafamiliar cometida contra mulheres, crianças e
adolescentes no país ainda é um fenômeno social grave que merece atenção (Araújo, 2002;
Azevedo & Guerra, 1989; Faleiros & Faleiros, 2008; Saffioti, 1997).
Sobre esse aspecto, o fenômeno da naturalização da violência, reforçado pela forma
distorcida e amena com a qual violências contra a criança e adolescentes são veiculadas e tratadas
nos meios de comunicação é elemento importante a ser considerado e pode criar uma cultura de
permissividade perigosa. Bass e Thornton (1985) afirmam que a mídia costuma ser apelativa e
40
permissiva no uso de imagens de crianças em comportamentos sexualizados e provocativos.
Propagandas e anúncios confundem a imagem da mulher com a da criança e criam a imagem da
menina-mulher, desvalorizando-as e transmitindo a mensagem de que as meninas estão
disponíveis para o sexo. Alguns abusos apresentam-se numa roupagem aparentemente inofensiva,
mas podem vir a reforçar a prática da pedofilia. Essa cultura da permissividade, ainda que de
forma velada, também contribui para a naturalização e/ou manutenção de situações de violência
sexual contra crianças e adolescentes.
A partir dos elementos trazidos nesta seção, é possível dimensionar o quão complexa é
essa realidade, um fenômeno com características muito peculiares, as quais refletem uma situação
de significativa desproteção e vulnerabilidade das crianças e dos adolescentes vitimizados. Por
esta razão, requer o envolvimento de toda uma rede (Faleiros, 1998b) de prevenção, promoção e
proteção dos direitos fundamentais das crianças e dos adolescentes.
41
2. Enfrentamento da Violência Sexual no Brasil e o Sistema de Garantia de
Direitos
O capítulo 2 é composto de duas seções, sendo a primeira sobre os marcos legais do
enfrentamento à violência sexual intrafamiliar no Brasil e a segunda sobre o trabalho em rede
desenvolvido pelo SGDCA.
2.1. O enfrentamento da violência sexual intrafamiliar no Brasil: marcos legais
As situações de violência, muitas vezes, só são apresentadas a partir de
seu ângulo traumático de dano ou prejuízo à vítima, ou como de
denúncia, sem que se considerem seu desmonte, sua reparação ou sua
prevenção. Para realizar esse triplo movimento têm papel fundamental
tanto a família, como o Estado e a sociedade. (Faleiros, 2003, p. 65)
No Brasil, a concepção de proteção aos direitos fundamentais das crianças e adolescentes
surge com a promulgação da CF, também conhecida como “Constituição cidadã”, que dá ênfase à
responsabilização da sociedade e do Estado em zelar pela proteção e garantia dos direitos desse
público. Conforme o seu Artigo 227:
É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com
absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à
profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e
comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação,
exploração, violência, crueldade e opressão. §4º: a Lei punirá severamente o abuso, a violência
e a exploração da criança e do adolescente. (CF)
A referida CF atende ao clamor e pressão social que antecederam sua promulgação pela
42
responsabilização do Estado na proteção de crianças e adolescentes. “Era claramente uma
resposta ao clamor de vários movimentos sociais que solicitavam uma ação formal do Estado
brasileiro à violência sexual contra crianças e adolescentes, que se configurava como uma
violência velada, pouco discutida e pouco assumida pelas políticas públicas” (CONANDA, 2013,
p. 7).
No ano seguinte (1989), a Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas (ONU)
aprova a Convenção Internacional sobre os Direitos da Criança, que se tornou um dos principais
tratados de proteção dos direitos humanos de crianças e de adolescentes. A proposta inicial foi
formalmente apresentada no começo de 1978 pelo governo polonês e foi se modificando até
chegar a sua versão final. “A Convenção é a principal fonte legitimadora da proteção da infância.
É o instrumento político e jurídico mais importante que supostamente regula o campo da infância
e da adolescência” (Ungaretti, 2010, p. 102). O Brasil ratificou a convenção em 1990, por meio
do Decreto n. 99.710, de 21 de novembro de 1990. Sobre essa, Rosemberg e Mariano (2010, p.
709) afirmam que “193 países ratificaram a Convenção. Além de ser o instrumento de direitos
humanos mais ratificado em escala mundial, a grande maioria das ratificações ocorreu nos
primeiros 10 anos após sua aprovação, o que não acontecera com outros tratados internacionais”,
demonstrando a significativa repercussão dessa convenção no mundo inteiro.
Acerca do tema da violência sexual, destacam-se os Artigos 19 e 34 da convenção. O
primeiro refere-se à proteção de todas as formas de violência contra a criança, o que inclui a
sexual, e prevê que existam programas sociais que proporcionem uma assistência adequada às
crianças. Segue a íntegra do Artigo 19:
1. Os Estados Partes adotarão todas as medidas legislativas, administrativas, sociais e
educacionais apropriadas para proteger a criança contra todas as formas de violência física ou
mental, abuso ou tratamento negligente, maus-tratos ou exploração, inclusive abuso sexual,
43
enquanto a criança estiver sob a custódia dos pais, do representante legal ou de qualquer outra
pessoa responsável por ela. 2. Essas medidas de proteção deveriam incluir, conforme
apropriado, procedimentos eficazes para a elaboração de programas sociais capazes de
proporcionar uma assistência adequada à criança e às pessoas encarregadas de seu cuidado,
bem como para outras formas de prevenção, para a identificação, notificação, transferência a
uma instituição, investigação, tratamento e acompanhamento posterior dos casos acima
mencionados de maus-tratos à criança e, conforme o caso, para a intervenção judiciária.
(Decreto n. 99.710/1990, grifo nosso)
O Artigo 34 trata especificamente do comprometimento dos Estados Partes na proteção
contra todas as formas de abuso e exploração sexual:
Os Estados Partes se comprometem a proteger a criança contra todas as formas de exploração
e abuso sexual. Nesse sentido, os Estados Partes tomarão, em especial, todas as medidas de
caráter nacional, bilateral e multilateral que sejam necessárias para impedir: a) o incentivo ou
a coação para que uma criança se dedique a qualquer atividade sexual ilegal; b) a exploração
da criança na prostituição ou outras práticas sexuais ilegais; c) a exploração da criança em
espetáculos ou materiais pornográficos. (Decreto n. 99.710/1990)
Observa-se a atenção dedicada ao tema da violência sexual contra crianças e adolescentes, por
meio da previsão de que os Estados Partes tomem medidas de combate, proteção, prevenção e
assistenciais, nos casos em que a violência já tenha ocorrido, prevendo, até mesmo instituições
para tratamento e acompanhamento.
No mesmo ano em que ratifica a convenção, o Brasil promulga o ECA – Lei n. 8.069, de
13 de julho de 1990 –, maior marco na defesa e proteção dos direitos das crianças e adolescentes
no país. O Brasil é o país pioneiro na promulgação de um marco legal em consonância com a
Convenção sobre os Direitos da Criança de 1989, trazendo uma legislação ainda mais completa e
detalhada. Essa legislação se configurou em uma mudança de paradigma das leis anteriormente
vigentes: os Códigos de menores de 1927 e de 1979. Após embate social dos que ficaram
44
conhecidos como menoristas, os quais defendiam as concepções do código de menores, versus
estatutários, que defendiam o que se tornaria o Estatuto (CFP, 2016), surge, por meio do ECA,
uma nova concepção de crianças e adolescentes, os quais deixam de ser vistos como objetos de
tutela e submissão e passam a ser considerados sujeitos de direitos. É a partir dessa concepção
que se estabelece uma nova doutrina: a da proteção integral.
Art. 3o – A criança e o adolescente gozam de todos os direitos fundamentais inerentes à pessoa
humana, sem prejuízo da proteção integral de que trata esta Lei, assegurando-se-lhes, por lei
ou por outros meios, todas as oportunidades e facilidades, a fim de lhes facultar o
desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social, em condições de liberdade e de
dignidade. (ECA, 1990)
O ECA instaura o SGDCA, lançando os princípios da proteção integral, do respeito à
peculiar condição de pessoa em desenvolvimento, da prioridade absoluta no atendimento e da
participação popular. A partir da aprovação do Estatuto, o Brasil passa a ter uma legislação
específica e moderna que reconhece o dever da família, da sociedade e do Estado de proteger a
criança e o adolescente. A violação dos direitos estabelecidos no referido Estatuto constitui-se,
então, em violência delituosa, definida no Código Penal. Em seu Artigo 5o, o ECA determina que:
“Nenhuma criança ou adolescente será sujeito de qualquer forma de negligência, discriminação,
exploração, violência, crueldade e opressão, punido na forma da lei qualquer atentado, por ação
ou omissão, aos seus direitos fundamentais” (ECA, 1990). No que se refere especificamente ao
“abuso sexual”, o Código Penal brasileiro, em seu Título VI “dos crimes contra a dignidade
sexual”, tipifica como crime (na Lei n. 12.015/2009): o estupro (Art. 213); o estupro de
vulnerável (Art. 217 – A), quando o indivíduo tem menos de 14 anos de idade; a violação sexual
mediante fraude (Art. 215); a corrupção de menores (Art. 218); e a satisfação da lascívia
mediante presença de criança ou adolescente (Art. 218 A).
45
Dentre tantos avanços trazidos pelo ECA, importante salientar que ele inaugura um
sistema de justiça voltado exclusivamente para as crianças e os adolescentes, com a previsão de
serviços que oferecem atendimento especializado:
A partir do ECA, foi implementado um sistema de justiça e de segurança específico para
crianças e adolescentes, com a criação de Juizados da Infância e Juventude, bem como
Núcleos Especializados no Ministério Público e Defensoria, além de delegacias
especializadas, tanto para atendimento de crianças e adolescentes vítimas quanto autores da
violência. As delegacias especializadas foram determinantes no processo de visibilidade da
violência sexual contra crianças e adolescentes. (CONANDA, 2013, p. 7)
Caminhando na direção dos avanços nos marcos legais e nas instâncias e organizações
responsáveis pela defesa da infância e juventude, em 1991, pela Lei n. 8.242, de 12 de outubro de
1991, é criado o CONANDA, instância máxima de formulação, deliberação e controle das
políticas públicas para a infância e a adolescência na esfera federal. O CONANDA é o órgão
responsável por tornar efetivo os direitos, princípios e diretrizes contidos no ECA.
Em 1996, foi realizado o I Congresso Mundial contra a Exploração Sexual de Crianças,
em Estocolmo, Suécia. Segundo Ungaretti (2010), o Brasil teve papel de destaque no evento, em
razão de sua participação efetiva na fase pré-congresso, na qual realizou a Consulta das
Américas, em 1995, e aprovou a Carta de Brasília como documento oficial da posição das
Américas no Congresso Mundial. Embora o Congresso tratasse da exploração sexual – tema não
abordado neste trabalho –, merece destaque em virtude de sua magnitude e porque, a partir da
Declaração e Agenda para Ação aprovada no Congresso, o mundo propugnava pela criação de
planos para o enfrentamento da violência sexual.
É nesse contexto que, em junho de 2000, na cidade de Natal/RN, 160 representantes de
organizações governamentais, não governamentais e internacionais reúnem-se a fim de elaborar o
46
Plano Nacional de Enfrentamento da Violência Sexual InfantoJuvenil6, o qual foi aprovado pelo
CONANDA na reunião ordinária de 12 de julho do mesmo ano. O plano definiu diretrizes gerais
para políticas públicas nos níveis federal, estadual e municipal e, após sua instituição, “o país
vivencia uma série de avanços na área do reconhecimento e enfrentamento da violência sexual”
(CONANDA, 2013, p. 8), configurando-se como instrumento legal importantíssimo para a defesa
dos direitos das crianças e dos adolescentes. Ele foi organizado em seis eixos: análise da situação;
mobilização e articulação; defesa e responsabilização; atendimento; prevenção; e protagonismo
infanto-juvenil.
Na perspectiva da implementação do plano, particularmente do seu eixo estratégico de
atendimento, em 03 de dezembro de 2001, é publicada a Portaria n. 878, do Ministério da
Previdência e Assistência Social, que institui o Programa Sentinela. Este tinha como proposta
coordenar o processo de atendimento das crianças, dos adolescentes e das famílias envolvidas em
situações de violência sexual, no âmbito da Assistência Social. “O Programa Sentinela pode ser
considerado a primeira ação pública de proteção social especializada dirigida à proteção de
crianças e adolescentes violados em seus direitos sexuais” (CFP, 2009, p. 22).
Em 2006, o programa foi reordenado e passou a se chamar Serviço de Enfrentamento à
Violência, Abuso e Exploração Sexual contra Crianças e Adolescentes. “Com a implantação do
Sistema Único de Assistência Social (SUAS), o Sentinela se insere como serviço do Centro de
Referência Especializado de Assistência Social, obedecendo às Normas Operacionais Básicas da
Política Pública de Assistência Social” (CFP, 2009, p. 23). Atualmente, de acordo com a
Tipificação Nacional de Serviços Socioassistenciais (CNAS, 2009), o acompanhamento às
6 “Após o processo de revisão 2012/2013 o Plano tem novo nome e novos eixos prioritários. Foi entregue para a
sociedade na semana do dia 18 de maio de 2013 com o nome: Plano Nacional de Enfrentamento da Violência Sexual
contra Crianças e Adolescentes” – para mais informações, consultar a página do MP do Paraná:
http://www.crianca.mppr.mp.br/pagina-1632.html
47
famílias que vivenciam situações de violações de direitos, incluindo casos de violência sexual, é
realizado pelo Serviço de Proteção e Atendimento Especializado a Famílias e Indivíduos
(PAEFI), nos CREAS – o que será detalhado mais adiante.
Segundo a SDH/PR7, em 2003, a partir das diretrizes trazidas pelo Plano Nacional de
Enfrentamento da Violência Sexual InfantoJuvenil, essa Secretaria passou a contar com uma área
específica para tratar da prática da violência sexual cometida contra crianças e adolescentes, por
meio do Programa Nacional de Enfrentamento da Violência Sexual contra Crianças e
Adolescentes (PNEVSCA). Desde então, iniciativas importantes foram implementadas, como o
Disque Direitos Humanos 100 e o Programa de Ações Integradas e Referenciais de
Enfrentamento à Violência Sexual, Infanto-Juvenil no Território Brasileiro (PAIR). Até 2018, o
PNEVSCA investiu em projetos que apresentaram alguma inovação para o atendimento
humanizado às vítimas de violência sexual e ofereceu apoio à Comissão Intersetorial de
Enfrentamento ao Abuso e à Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes, instituída em 11 de
outubro de 2007 por Decreto presidencial, e que se configurou como uma das estratégias do
Governo Federal para construção de ações integradas para o enfrentamento da violência sexual.
O Disque 100 é um serviço telefônico de recebimento, encaminhamento e monitoramento
de denúncias de violações de Direitos Humanos, em especial as que atingem populações com
vulnerabilidade acrescida, como: crianças e adolescentes, pessoas idosas, pessoas com
deficiência, lésbicas, gays, bissexuais, travestis, transexuais ou transgêneros (LGBT), pessoas em
situação de rua e outros, como quilombolas, ciganos, índios, pessoas em privação de liberdade. O
PAIR propõe uma metodologia de fortalecimento de redes municipais de enfrentamento da
7 Informações recuperadas de http://www.sdh.gov.br/assuntos/criancas-e-adolescentes/programas/enfrentamento-a-violencia-
sexual/programa-de-acoes-integradas-e-referenciais-de-enfrentamento-a-violencia-sexual-infanto-juvenil-no-territorio-brasileiro-
pair
48
violência sexual, por meio de estabelecimento de objetivos estratégicos compartilhados entre
Estado, sociedade civil e organismos internacionais, visando à proteção de crianças e
adolescentes e ao protagonismo juvenil. Inicialmente, foi implementado em poucos municípios e
foi ganhando maior adesão com o passar dos anos. Segundo a SDH/PR, até 2018, o programa
esteve presente em mais de 500 municípios e estabeleceu uma série de etapas para a formulação
das políticas públicas: articulação político-institucional; elaboração de diagnósticos locais;
constituição da Comissão Local do PAIR; seminário para a construção de Planos Operativos
Locais (POL), com planejamento de ações integradas; capacitação de profissionais do SGDCA
para a atuação qualificada dentro dos eixos de prevenção, atendimento, defesa e
responsabilização; e monitoramento das ações e avaliação do POL.
Ainda em 2003, inicia-se um processo de atualização do Plano Nacional que, após um
amplo processo de mobilização e debates8, culminou, em maio de 2013, na publicação do Plano
Nacional de Enfrentamento da Violência Sexual contra Crianças e Adolescentes. Esse tem
interface direta com o as diretrizes do Plano Decenal dos Direitos de Crianças e Adolescentes
(CONANDA, 2011) e, por isso, acompanha a sua vigência, tendo previsão de que suas ações
sejam implementadas até 2020. O Plano Nacional de Enfrentamento da Violência Sexual contra
Crianças e Adolescentes apresenta seis eixos indicadores de monitoramento e avaliação que,
segundo o próprio plano, “podem ser elementos relevantes para a orientação das políticas
públicas” (CONANDA, 2013, p. 23), quais sejam: prevenção; atenção; defesa e
responsabilização; comunicação e mobilização social; participação e protagonismo e estudos e
pesquisas. Ele traz como pressuposto, para efetivação das ações de prevenção, promoção, defesa
8 Para mais informações sobre o processo e as etapas de revisão do plano, acessar:
http://www.sdh.gov.br/assuntos/bibliotecavirtual/criancas-e-adolescentes/publicacoes-2013/pdfs/plano-nacional-de-
enfrentamento-da-violencia-sexual-contra-crianca-e-adolescentes
49
e responsabilização, a articulação entre os distintos setores das diversas políticas públicas, os
quais devem atuar de forma conjunta para superação da situação de violação de direito em
questão.
Dentre as distintas políticas públicas responsáveis pela efetivação do Plano Nacional de
Enfrentamento da Violência Sexual Contra Crianças e Adolescentes, destaca-se a PNAS, a qual
tem por funções a proteção social, a vigilância socioassistencial e a defesa de direitos. É
organizada sob a forma de sistema público não contributivo, descentralizado e participativo,
denominado SUAS. A Assistência Social é prevista na CF, regulamentada pela LOAS – Lei
Federal n. 8.742, de 7 de dezembro de 1993 –, sendo o SUAS implementado oficialmente em
2005, por meio da Resolução CNAS n. 130, de 15 de julho de 2005. Essa política está estruturada
em Proteção Social Básica (PSB) e PSE, que por sua vez é dividia em média e alta complexidade
(Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome – MDS, 2005). Na PSE de Média
Complexidade, oferta-se o PAEFI, o qual, em articulação com a rede, realiza o acompanhamento
familiar. Tem como descrição a:
Oferta de apoio, orientação e acompanhamento a famílias com um ou mais de seus membros
em situação de ameaça ou violação de direitos. Compreende atenções e orientações
direcionadas para a promoção de direitos, a preservação e o fortalecimento de vínculos
familiares, comunitários e sociais e para o fortalecimento da função protetiva das famílias
diante de um conjunto de condições que as vulnerabilizam e/ou submetem a situações de risco
pessoal e social. (CNAS, 2009)
O PAEFI é, no SUAS, o serviço destinado a ofertar atendimento de referência e
especializado às crianças e aos adolescentes vítimas de violência sexual e suas famílias.
“Serviços especializados e continuados devem ser ofertados para crianças, adolescentes e
famílias em situação de violência sexual que estão com os direitos violados” (CFP, 2009, p. 15).
50
É executado e ofertado no CREAS, unidade que opera como polo articulador de referência e
contrarreferência com a rede de serviços socioassistenciais, demais políticas públicas, instituições
que compõe o SGDCA e com os movimentos sociais.
Além da PNAS, outras políticas, como a Política Nacional de Saúde – executada pelo
Sistema Único de Saúde (SUS) – e a Política Nacional de Educação, têm sua função na proteção
e defesa das crianças e adolescentes vítimas de violência sexual. Assim, integram o SGDCA e,
em consonância, possuem ações e metas previstas pelo Plano Nacional de Enfrentamento à
Violência Sexual de Crianças e Adolescentes – entretanto, suas ações e regulamentações não são
expostas aqui por não serem o foco deste trabalho.
Em abril de 2017, foi promulgada a Lei n. 13.431/2017 – que entrou em vigor um ano
após sua publicação; essa estabelece o SGDCA vítima ou testemunha de violência e altera o
ECA. Em seu artigo primeiro, normatiza e organiza o SGDCA vítima ou testemunha de violência
e, para tal, considera, em seu artigo quarto, a definição de quatro formas de violência: física,
psicológica, sexual e institucional. A violência sexual está definida como “qualquer conduta que
constranja a criança ou o adolescente a praticar ou presenciar conjunção carnal ou qualquer outro
ato libidinoso, inclusive exposição do corpo em foto ou vídeo por meio eletrônico ou não”, e
compreende “a) abuso sexual, b) exploração sexual comercial e c) tráfico de pessoas”. O “abuso
sexual” – objeto de discussão neste trabalho – está definido como “toda ação que se utiliza da
criança ou do adolescente para fins sexuais, seja conjunção carnal ou outro ato libidinoso,
realizado de modo presencial ou por meio eletrônico, para estimulação sexual do agente ou de
terceiro”. Embora as definições de violência sexual estejam em consonância com o trazido pela
literatura, há muita discussão acerca da repercussão das propostas trazidas pela lei para crianças e
adolescentes.
51
A lei prevê que a criança ou o adolescente será ouvido sobre a situação de violência por
meio de escuta especializada e depoimento especial. O primeiro está definido como o
procedimento de entrevista sobre situação de violência com criança ou adolescente perante órgão
da rede de proteção, limitado o relato estritamente ao necessário para o cumprimento de sua
finalidade. A escuta especializada é citada em quatro itens. O depoimento especial está definido
como o procedimento de oitiva de criança ou adolescente vítima ou testemunha de violência
perante autoridade policial ou judiciária. Já este está referido na lei em dezenove itens. O
depoimento especial – produção de provas – é priorizado em detrimento da escuta especializada –
acolhimento (CFP, 2018). Embora, em seu artigo primeiro, a lei crie mecanismos para prevenir e
coibir a violência, essas duas são as únicas ações propostas, não sendo citada qualquer estratégia
de prevenção, ainda que “toda criança e adolescente tem o direito de não ser vítima e para isso
são necessárias ações de prevenção” (CPF, 2018, n.p.).
Um grande debate nacional promovido pelo CFP e seus Conselhos Regionais discutiu a
referida lei, que “foi aprovada sem que se realizasse ampla discussão sobre o tema com
profissionais ou com sociedade civil” (CFP, 2018, n.p.) e culminou na publicação da Nota
Técnica n. 01/2018/GTEC/CG do CFP sobre os impactos da Lei n. 13.431/2017 na atuação das
psicólogas e dos psicólogos. O CFESS também realizou discussão com a categoria profissional e
afirmou seu posicionamento contrário ao depoimento especial. Embora trate da implementação
do SGDCA vítima ou testemunha de violência, a lei não deixa evidente como esse sistema
funcionará; não afirma como ele se relacionará com o SGDCA; e, corroborando o
posicionamento do CFP, desconsidera os marcos legais já existentes. Por exemplo, “não há
menção a Resolução CONANDA n. 113/2006 que dispõe sobre os parâmetros para
institucionalização e fortalecimento do sistema de garantias de direitos da criança e do
52
adolescente” (CFP, 2018, n.p.).
A Lei n. 13.431/2017, em seu Art. 12, o qual trata do procedimento de coleta do
depoimento especial, determina que: “III – no curso do processo judicial, o depoimento especial
será transmitido em tempo real para a sala de audiência, preservado o sigilo; VI – o depoimento
especial será gravado em áudio e vídeo”. Observa-se, neste trecho, a exposição das informações
fornecidas pelas crianças e adolescentes, uma vez que são transmitidas em tempo real para a sala
de audiência; além de permitir o acesso do suposto agressor e seu advogado às gravações do
depoimento especial das crianças e adolescentes. Esses procedimentos ferem fundamentalmente o
direito ao sigilo das informações prestadas e, não somente, mas ainda põe a criança ou
adolescente em situação de revitimização frete ao suporto agressor, podendo ainda as expor a
maiores riscos posteriormente. Nos §3 e §4 ainda do Art. 12, observa-se:
§ 3o O profissional especializado comunicará ao juiz se verificar que a presença, na sala de
audiência, do autor da violência pode prejudicar o depoimento especial ou colocar o depoente
em situação de risco, caso em que, fazendo constar em termo, será autorizado o afastamento
do imputado. § 4o Nas hipóteses em que houver risco à vida ou à integridade física da vítima
ou testemunha, o juiz tomará as medidas de proteção cabíveis, inclusive a restrição do disposto
nos incisos III e VI deste artigo. (Lei n. 13.431/2017, grifo nosso)
Embora este trecho se configure como preservação de direitos, se analisadas as legislações e
normativas existentes acerca dos direitos humanos e fundamentais desses sujeitos, tem-se que a
proteção da criança ou adolescente e o sigilo de suas informações devem ser garantidos e não
tratados como possibilidade caso seja identificado risco por profissional especializado. Nessa
perspectiva, inverte-se a lógica da doutrina da proteção integral, quando se estabelece como
regra: a exposição e, como possibilidade a ser considerada: as medidas de proteção e garantia do
sigilo.
53
Santos e Coimbra (2017) informam como ocorrem as práticas de depoimento judicial de
crianças e adolescentes nos tribunais de São Paulo e Rio de Janeiro. Acerca das novas práticas,
afirmam:
Na escuta especial existe uma sala própria, onde há equipamentos de vídeo e áudio que captam
o que a criança e o psicólogo estão conversando. O juiz, o promotor de justiça e o defensor
público ou advogado de defesa assistem a tudo através de circuito fechado de TV. (Santos &
Coimbra, 2017, p. 600)
Neste trecho, observa-se que, da forma como o procedimento acontece, a criança e/ou o
adolescente tem seu relato exposto ao advogado de defesa em tempo real.
Conforme consta na Convenção sobre os Direitos da Criança, em seu Art. 12:
Os Estados Partes devem assegurar à criança que é capaz de formular seus próprios pontos de
vista o direito de expressar suas opiniões livremente sobre todos os assuntos relacionados a
ela, e tais opiniões devem ser consideradas, em função da idade e da maturidade da criança. 2
– Com tal propósito, proporcionar-se-á à criança, em particular, a oportunidade de ser ouvida
em todo processo judicial ou administrativo que afete a mesma, quer diretamente quer por
intermédio de um representante ou órgão apropriado, em conformidade com as regras
processuais de legislação nacional. (Decreto n. 99.710/1990, grifo nosso)
A Convenção afirma o direito de crianças e adolescentes expressarem suas opiniões livremente,
mas não os obriga a depor. Ainda, considera a sua condição peculiar de desenvolvimento. Embora
a Lei n. 13.431 também afirme considerar essa condição, o depoimento especial viola o direito de
crianças e adolescentes porque os tornam objetos de provas preponderantes no processo penal
(CFP, 2018). É importante atentar que o direito de ser ouvida é distinto da obrigação de ser
inquirida. Nesse sentido, a lei também desconsidera a Resolução CONANDA n. 169/2014, que,
em conformidade com a referida Convenção e com o ECA: prioriza o atendimento para
acolhimento da criança ou do adolescente, promovendo a atenção e o suporte às suas
54
necessidades e peculiaridades; resguarda o direito à privacidade e sigilo; e, sobretudo, trata a
possibilidade de manifestação da criança e do adolescente como escolha, conforme observado em
sua redação “quando manifestarem o desejo de serem ouvidos em procedimento judicial”
(CONANDA, 2014, n.p.). “Não se tratando, portanto, de uma obrigação” (CFP, 2018, n.p.).
§2º O atendimento deverá ser uma prática ética e profissional, de acordo com a
regulamentação dos respectivos órgãos profissionais, não podendo agravar o sofrimento
psíquico de crianças e adolescentes vítimas ou testemunhas de crimes, devendo-se respeitar o
tempo e o silêncio de quem é ouvido, prevalecendo-se as medidas emergenciais de proteção.
(CONANDA, 2014, n.p., grifo nosso)
O CFP se posiciona de forma crítica à implementação dessa lei e de forma contrária ao
depoimento especial, por ferir questões éticas, ferir direitos das crianças e adolescentes, bem
como desconsiderar o sigilo e autonomia profissional do psicólogo. Santos e Coimbra (2017), no
estudo realizado nos tribunais do Rio de Janeiro e São Paulo, concluíram que o papel do
psicólogo no depoimento de crianças e adolescentes era também o de intermediário entre a
criança e o juiz. Outra crítica importante à lei é que ela silencia em relação a alguns tipos de
violência contra criança e adolescentes e prioriza casos de “abuso sexual”, o que, na prática, pode
ter um alcance muito restrito no que se refere à responsabilização penal dos autores de violência
de modo geral. Ainda, que existe um risco de disseminação da prática do depoimento especial,
estendendo esse procedimento para além dos processos que tratam de violência sexual, utilizando
essa prática como recurso rápido e superficial, em detrimento do estudo psicossocial, previsto e
determinado no ECA (CFP, 2018)9.
Julga-se fundamental trazer a discussão que tem sido realizada acerca dessa lei, uma vez
que ela repercute diretamente no SGDCA – objeto deste trabalho –, e em razão de suas
9 Outras reflexões e críticas podem ser consultadas na Nota Técnica n. 01/2018 do CFP.
55
especificidades, despertou um significativo debate acerca da proteção de crianças vítimas ou
testemunhas de violência (sobretudo às vítimas de violência sexual). Assim, faz-se necessário
considerar, e até refletir, que o estabelecimento de procedimentos é insuficiente, sem que se
demonstrem como eles serão implementados e executados na prática, sem uma ampla discussão
com os profissionais que atuam no SGDCA. Ainda, refletir acerca da violação que se produz
quando se constroem ações que priorizam a produção de provas em detrimento da proteção e
acolhimento de crianças e adolescentes e da preservação do sigilo de seus relatos.
2.2. O Sistema de Garantia de Direitos da Criança e do Adolescente: o trabalho em rede
Compete ao Sistema de Garantia dos Direitos da Criança e do
Adolescente promover, defender e controlar a efetivação dos direitos
civis, políticos, econômicos, sociais, culturais, coletivos e difusos, em sua
integralidade, em favor de todas as crianças e adolescentes, de modo que
sejam reconhecidos e respeitados como sujeitos de direitos e pessoas em
condição peculiar de desenvolvimento; colocando-os a salvo de ameaças
e violações a quaisquer de seus direitos, além de garantir a apuração e
reparação dessas ameaças e violações. (Resolução CONANDA n.
113/2006)
Atendendo ao modelo de proteção social instituído no Brasil pela CF e demais normativas
legais que sucederam em conformidade com essa perspectiva, há o SGDCA, instituído pelo ECA
em 1990. Antes da discussão acerca da constituição do SGDCA em si, julga-se importante
recorrer à definição de proteção social trazida por Sposati (2009, p. 6):
O sentido de proteção (protectione, do latim) supõe, antes de tudo, tomar a defesa de algo,
impedir sua destruição, sua alteração. A ideia de proteção contém um caráter preservacionista
56
– não da precariedade, mas da vida –, supõe apoio, guarda, socorro e amparo. Esse sentido
preservacionista é que exige tanto a noção de segurança social como a de direitos sociais.
Nesta definição, pode-se identificar o viés de preservação da vida sendo anterior ao agravo. Ela
só é possível a partir da adoção da perspectiva de segurança social e de direitos sociais. A
proteção não faz referência somente a situações de risco instaladas, como traz Sposati (2009), a
noção de proteção é vigilante. Ela é proativa e indica o impedimento de que ocorra a
“desproteção”. Em conformidade, a LOAS define que a proteção social “visa à garantia da vida, à
redução de danos e à prevenção da incidência de riscos” (Lei n. 8.742/1993). Assim, o SGDCA se
organiza de modo a ofertar a proteção social a crianças e adolescentes.
Seguindo para a caracterização desse Sistema, de acordo com a SDH/PR, o SGDCA pode
ser definido como sendo o conjunto articulado e integrado das instâncias públicas
governamentais e da sociedade civil que atuam com o objetivo de aplicar instrumentos
normativos e promoverem o funcionamento dos mecanismos de promoção, defesa e controle para
que os direitos das crianças e adolescentes sejam efetivados em todos os níveis, federal, estadual
e municipal. Segundo o CONANDA, por meio da Resolução n. 113, de 19 de abril de 2006, os
órgãos públicos e as organizações da sociedade civil que integram esse Sistema devem exercer
suas funções, em rede, a partir de três eixos estratégicos de ação: defesa dos direitos humanos;
promoção dos direitos humanos; e controle da efetivação dos direitos humanos. O primeiro eixo
caracteriza-se pela garantia do acesso à justiça e é composto por: órgãos públicos judiciais;
Ministério Público (MP), especialmente as promotorias de justiça e as procuradorias gerais de
justiça; defensorias públicas; advocacia geral da união e procuradorias gerais dos estados;
polícias; conselhos tutelares; ouvidorias e entidades de defesa de direitos humanos incumbidas de
prestar proteção jurídico-social.
57
Art. 6o – O eixo da defesa dos direitos humanos de crianças e adolescentes caracteriza-se pela
garantia do acesso à justiça, ou seja, pelo recurso às instâncias públicas e mecanismos
jurídicos de proteção legal dos direitos humanos, gerais e especiais, da infância e da
adolescência, para assegurar a impositividade deles e sua exigibilidade, em concreto.
(Resolução CONANDA n. 113, de 19 de abril de 2006)
O segundo eixo, da promoção dos direitos humanos, contempla toda a política de atendimento
dos direitos da criança e do adolescente, prevista no Artigo 86 do ECA. Operacionaliza-se a partir
de três tipos de programas, serviços e ações públicas: os serviços e programas das políticas
públicas, especialmente das políticas sociais, afetos aos fins da política de atendimento dos
direitos humanos de crianças e adolescentes; serviços e programas de execução de medidas de
proteção de direitos humanos; e serviços e programas de execução de medidas socioeducativas e
assemelhadas (Resolução CONANDA n. 113, de 19 de abril de 2006). Escolas, creches, unidades
de saúde, unidades socioassistenciais de acolhimento institucional, de atendimento
socioeducativos, etc. fazem parte desse eixo. O eixo do controle e efetivação, por sua vez, é
realizado por meio de instâncias públicas colegiadas próprias e, de forma soberana, pelas
organizações e articulações representativas da sociedade civil. Nas instâncias públicas colegiadas
deve ser assegurada a paridade da participação de órgãos governamentais e de entidades sociais.
São constituídas pelos conselhos dos direitos de crianças e adolescentes; pelos conselhos setoriais
de formulação e controle de políticas públicas; e pelos órgãos e poderes de controle interno e
externo definidos na CF (Resolução CONANDA n. 113, de 19 de abril de 2006).
A execução no SGDCA prevê, sobretudo, o trabalho em rede, articulado, de modo que
todos os eixos são entendidos na perspectiva da horizontalidade, com o mesmo nível de
importância no Sistema, e na perspectiva da intersetorialidade, exigindo das instituições e dos
atores que atuem articuladamente com o objetivo comum, que é o de assegurar a proteção da
58
infância e adolescência. Essa concepção permite e favorece a materialização de políticas públicas
pautadas nos direitos fundamentais historicamente conquistados. Nos casos de violência sexual
contra crianças e adolescentes, a rede pode ser acionada após o complexo processo de notificação
(Santos & Dell‟Aglio, 2010), o qual convoca o SGDCA a operar com medidas de proteção,
acompanhamento e garantias de direitos da pessoa vitimizada.
A perspectiva de se trabalhar em rede, segundo Faleiros (1998b), é recente; foi discutida
pelo psicólogo Speck nos anos 1970, pelos assistentes sociais Rousseau e Brodeur nos anos 1980
e pela Escola de Serviço Social de Parma, na Itália, nos anos 1990. Após a década de 1990, essa
proposta tem sido bastante debatida, tendo as políticas sociais no Brasil, especialmente o SUAS,
se fundamentado sob essa lógica.
As redes não são invenções abstratas, mas partem da articulação de atores/organizações-forças
existentes no território para uma ação conjunta multidimensional com responsabilidade
compartilhada (parcerias) e negociada. Esta definição de redes pressupõe uma visão relacional
dos atores/forças numa correlação de poder onde a perspectiva da totalidade predomina sobre
a da fragmentação. Supõe também que as redes são processos dinâmicos e não organismos
burocráticos formais, mas onde se cruzam (como numa rede) organizações do Estado e da
sociedade. (Faleiros, 1998b, p. 267)
Esse conceito de rede trazido por Faleiros (1998b) pressupõe, sobretudo, articulação,
responsabilidade compartilhada e troca. As redes de proteção e enfretamento da violência sexual
intrafamiliar não são diferentes; constituem-se na articulação dos diferentes atores envolvidos,
vão se tecendo de forma dinâmica no território onde estão instaladas. Como em um jogo de
forças, estão sempre em movimento e em conflito, sendo tensionadas pelas dificuldades
cotidianas do próprio trabalho em rede e fortalecidas pelo empenho e trabalho de todos.
Necessariamente, só se tornam eficientes quando acontecem de forma coletiva. Portanto, a rede é
59
uma aliança de forças políticas e operacionais, na qual predomina a perspectiva da totalidade, o
alcance de um objetivo comum.
A intersetorialidade ganha destaque quando se trata do funcionamento do SGDCA.
Pereira (2008) afirma a imprecisão terminológica que tem acompanhado este termo, o qual tem
sido utilizado de modo frequente e sem sentido unívoco. É entendido como um “rompimento da
tradição fragmentada da política social” (p. 4), o que significa uma mudança profunda de
conceitos, ações, culturas e valores. Seria – ou pelo menos deveria ser –, mais que uma
articulação entre setores, mas a própria superação da lógica setorial e a compreensão das distintas
políticas como um todo indivisível. Entretanto, a autora afirma que o convencionalismo setorial
foi construído para facilitar a gestão de demandas, financiamento e organização nas políticas
sociais, o que acabou por particularizar as áreas da Saúde, Educação, Assistência Social, etc.
Assim, o termo setor não corresponderia à realidade, mas seria um “arranjo técnico ou
burocrático” para dar conta do complexo universo da política social.
A compreensão da política social como processo interna e estruturalmente contraditório
(Pereira, 2008) é de fundamental importância neste trabalho. Conforme afirmam Behring e
Boschetti (2010), a existência das políticas sociais é um fenômeno associado ao modo de
produção capitalista, que se configura como uma ferramenta estratégica para minimizar os efeitos
da “Questão Social” no capitalismo. A formação de padrões de proteção social surge como
resposta e tentativa de minimizar as mazelas produzidas pela exploração do capital sobre o
trabalho. Nesse sentido, a política social assume um caráter ambíguo e contraditório, por um lado
busca atender, de forma ínfima, as necessidades sociais, sem deixar de reproduzir condições para
manutenção do sistema capitalista, ou seja, continua reproduzindo exploração, desigualdades e as
muitas expressões da “Questão Social”.
60
É nesse contexto que se instaura o SGDCA, entendido como ferramenta primordial para
efetivação do ECA. É importante salientar que apesar dos significativos avanços percebidos após
a CF, o ECA e a ratificação da Convenção no Brasil, “inúmeros direitos não integram o conjunto
de regras do contrato social vigente, o que leva a caracterizar a sociedade brasileira como
bastante excludente” (Ungaretti, 2010, p. 105). Essa autora pontua que mesmo a CF consagrando
“direitos humanos, civis, políticos, econômicos, sociais e culturais, a efetivação da cidadania e da
democracia permanece restrita. Por consequência sua sociedade ainda é constituída por uma
mescla de cidadãos (integrais), cidadãos incompletos (vulneráveis) e não cidadãos (excluídos)”
(p. 105). Em conformidade com essa lógica de pensamento, Sposati (2009) traz uma importante
reflexão acerca do modelo de proteção social vigente no Brasil, que, por si só, não altera o real,
não significa ou quer dizer o efetivo alcance de mudanças e resultados esperados. O modelo de
proteção social não está pronto, mas é uma construção que exige muitos esforços de mudanças.
Essa reflexão é fundamental para o SGDCA que, embora preveja um complexo e fundamentado
sistema de proteção social, ainda deve aprimorá-lo, tornando seu alcance real tão efetivo quanto o
previsto pela sua normativa legal.
Conhecer o trabalho realizado pelo SGDCA é de suma importância para o enfrentamento
da violência sexual intrafamiliar, que se configura como um fenômeno social complexo e que
requer uma abordagem instruída e qualificada para melhor atendimento e atenção à pessoa
vitimizada, bem como para ações de prevenção das violações. Entende-se que somente ações
articuladas em rede podem construir uma cultura de proteção e enfrentamento, na qual crianças e
adolescentes tenham garantidos seus direitos e sua cidadania. A fim de lançar um olhar
qualitativo ao estudo desse tema e sob a perspectiva de que políticas sociais acontecem inseridas
nos territórios, optou-se pela análise da rede de enfrentamento constituída na região
61
administrativa Oeste do município de Natal/RN. Nessa região, identificam-se processos de
desigualdades, vulnerabilidades e riscos sociais atingindo a população. Acredita-se que a
experiência da região Oeste poderá trazer importantes elementos para a discussão do
enfrentamento à violência sexual intrafamiliar contra crianças e adolescentes de um modo mais
amplo.
62
3. Aspectos metodológicos
Este capítulo é composto por informações relativas aos aspectos teórico-metodológicos
desta pesquisa: referencial teórico, etapas da pesquisa, participantes, análise de dados, território e
considerações éticas.
3.1. Referencial teórico
Trata-se de uma pesquisa de abordagem qualitativa, cuja lente teórica é o materialismo
histórico e dialético, com um olhar crítico acerca das políticas públicas destinadas à prevenção e
ao enfrentamento da violência sexual intrafamiliar contra crianças e adolescentes e à proteção dos
direitos dessa população. “O materialismo dialético pode ser definido como a filosofia do
materialismo histórico, ou o corpo teórico que pensa a ciência da história” (Alves, 2010, p. 1);
constitui-se em um método de análise crítico da realidade, em oposição ao idealismo, entendendo
que todo fenômeno deve ser analisado em seu contexto histórico, social, político e econômico:
Com a dialética os elementos cotidianos deixam de ser naturalizados e eternizados, passando a
ser encarados como sujeitos da práxis social da humanidade. Neste sentido, a dialética é um
esforço para perceber as relações reais (sociais e históricas) por entre as formas estranhadas
com que se apresentam os fenômenos. (Zago, 2013, p. 113-114)
É sob esse olhar não naturalizante da realidade, mas entendendo ela e seus fenômenos
como resultados de processos sociais, históricos e políticos, que se realizou este trabalho. Esta
compreensão é fundamental para a concepção de que a realidade não está estabelecida, estática,
dada, e sim é construída a partir das nossas ações, no cotidiano. Assim, também é entendida a
sociedade e seus fenômenos complexos: sob uma perspectiva histórica e dialética. A perspectiva
63
histórica entende a realidade como processo, a qual tem sua temporalidade e opera promovendo
mudanças de forma constante, tendo algum fundamento transformador. Assim, é transformada a
partir da ação de cada um e de cada coletividade que busque construir a sociedade que deseja. É
por isso que ela é, também, tensão, eterno jogo de forças, disputa. A perspectiva deste trabalho se
pauta na construção de uma sociedade garantidora de direitos, uma sociedade mais justa e
igualitária; no que se refere à questão específica desta pesquisa: a luta por uma sociedade na qual
crianças e adolescentes estejam livres de todas as formas de violência. Sob estes princípios a
pesquisa é pensada e problematizada.
3.2. Etapas da pesquisa
A presente pesquisa iniciou-se com a realização de um estudo exploratório sobre a rede de
enfrentamento da violência sexual intrafamiliar contra crianças e adolescentes na região
administrativa Oeste do município de Natal/RN. Realizaram-se consultas ao site oficial da
Prefeitura do Natal para acesso a informações acerca dos serviços instalados naquele território,
bem como consultas a documentos oficiais, como o Anuário 2016 de Natal. Assim, iniciou-se o
mapeamento do território, aprimorado durante as fases seguintes da pesquisa.
Na aproximação com o campo, realizou-se um contato inicial com o Conselho Tutelar
(CT) da região, com o CREAS Oeste e com a Delegacia Especializada em Defesa da Criança e
do Adolescente (DCA), que confirmaram a alta demanda no atendimento de famílias em razão de
violência sexual intrafamiliar. A partir disso, a pesquisa foi estruturada de modo que tivesse
representação das instituições e serviços dos três eixos estratégicos do SGDCA: defesa;
promoção e controle/efetivação. Representando o eixo defesa participou o MP, especificamente a
Promotoria da Infância e Juventude competente para matéria referente à violência sexual contra
64
crianças e adolescentes; a DCA; o Instituto Técnico Científico de Perícia (ITEP/RN); o CT da
região administrativa Oeste; e o Centro de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente
(CEDECA Casa Renascer). Representando o eixo promoção, participou o CREAS Oeste, o
Centro de Referência de Assistência Social (CRAS) Felipe Camarão e a Escola Municipal
Ferreira Itajubá. Representando o eixo controle e efetivação, participou o COMDICA do
Município do Natal.
Realizaram-se visitas institucionais nesses serviços e entrevista individual com roteiro
semiestruturad (Apêndice A) com profissional representante de cada instituição com vistas a
conhecer de forma mais qualitativa o funcionamento institucional, as práticas das equipes, os
desafios e potencialidades da execução da política no território, os fluxos e a dinâmica de
atendimento e de encaminhamento dos usuários. Para registro das informações, utilizou-se
gravador de voz. Os profissionais entrevistados não foram definidos a priori; o campo apresentou
o profissional disponível para participação. Vale salientar que as falas apresentadas no presente
trabalho são das entrevistas realizadas nesta etapa.
Posteriormente, realizou-se grupo focal com profissional representante da DCA, do
ITEP/RN, do CEDECA Casa Renascer e do CREAS Oeste. Embora todas as instituições
representadas na primeira etapa tenham sido convidadas a participar, não houve adesão da
maioria dos participantes, principalmente em razão de imprevistos, ausência que prejudicou a
atividade de construção coletiva do fluxo do território. Nesse sentido, o grupo focal se configurou
apenas para complementação de informações da etapa anterior.
De acordo com Barbour (2009), o grupo focal ainda apresenta uma confusa definição, em
razão de seu uso frequente em diferentes contextos com fins diversos. Apesar disso, a autora
defende que o grupo focal tem servido imensamente à abordagem qualitativa consistindo em um
65
método de pesquisa cujo objetivo é gerar e analisar um processo interativo entre os participantes
do grupo, a partir de questões lançadas pelo facilitador. Essas questões promovem e estimulam a
discussão acerca de determinada temática, não em busca de um consenso (que pode nem existir),
mas de maneira que o facilitador, ativamente atento, possa analisar as interações existentes e o
discurso gerado durante o processo de debate. Barbour ainda pontua que para realizar o grupo
focal é de fundamental importância não apenas a habilidade de condução do facilitador, mas
objetivos nítidos, planejamento, roteiro estruturado com material de estímulo, existência de algo
comum entre os participantes que os aproxime e, ao mesmo tempo, determinada perspectiva ou
experiência que os diferencie para que exista, também, divergência de opinião. Assim, o foco do
grupo é no processo de discussão, diferenciando-se, por exemplo, de entrevistas grupais, nas
quais o foco é a obtenção de respostas às perguntas (Barbour, 2009).
O objetivo do referido grupo focal foi promover uma discussão sobre o enfrentamento da
violência sexual intrafamiliar na perspectiva de articulação da rede, a partir dos entraves
existentes nos fluxos, e quais formas de aprimorar processos e construir estratégias de superação
de forma coletiva. Para disparar a discussão, apresentou-se uma matéria acerca do aumento no
número de denúncias de casos de abuso sexual no RN (Apêndice B). A pesquisadora contou com
o auxílio de uma observadora que elaborou um diário de campo da atividade. Para registro e
apreensão das informações, também se utilizou gravação em vídeo. O grupo ocorreu em um
auditório da UFRN.
Considerando que possa interessar ao leitor compreender como ocorreu o contato com os
participantes, informa-se que as instituições foram inicialmente contatadas via telefone, sendo
apresentada a intenção do estudo, sugerida uma reunião presencial para apresentação do projeto
de pesquisa – disponibilizado em versão impressa –, e solicitada autorização para realização da
66
coleta de informações. Após anuência formal da instituição, agendou-se visita institucional ao
serviço para apresentação da pesquisa e convite ao profissional que se disponibilizasse a
participar. Após concordância e atendido todo o protocolo ético, realizou-se a entrevista, seguida
de apresentação do serviço à pesquisadora.
3.3. Participantes
Nove profissionais10
, cada um de um serviço do SGDCA que atende a região Oeste de
Natal/RN, participaram da pesquisa (Tabela 1). Os participantes são entendidos como sujeitos
ativos no processo de construção do conhecimento, de fundamental importância na pesquisa, por
estarem inseridos cotidianamente nos serviços e instituições destinadas à proteção de crianças e
adolescentes que vivenciaram situação de violência sexual intrafamiliar. Assim, o espaço da
pesquisa foi construído a partir do diálogo entre participante e pesquisadora e entre os
participantes (no caso do grupo focal).
10
Os cargos exercidos pelos profissionais não são apresentados neste trabalho para evitar sua identificação.
67
Tabela 1
Dados dos participantes da pesquisa
Instituição Sexo Formação Tempo no serviço
(em anos)
MP M Direito e Psicologia com mestrado e especializações 20
DCA F Direito com especialização 7
ITEP/RN F Psicologia com três especializações 21
CT M Ensino Médio 8
CEDECA F Serviço Social com especializações 7
CREAS F Serviço Social e História com especialização 8
CRAS F Serviço Social 3
Escola M História e Letras com especialização 18
COMDICA F Serviço Social com duas especializações 19
Observa-se que a maioria dos participantes da pesquisa são do sexo feminino (seis)
enquanto três pessoas entrevistadas são do sexo masculino; há, também, predominância de
profissionais com relativa experiência na área socioassistencial, possuindo, no mínimo, sete anos
de prática profissional, com exceção do CRAS. Identificam-se profissionais com 21, 20, 19 e 18
anos de atuação na área. Acerca da formação, todos os profissionais possuem nível superior
completo, com exceção do Conselheiro Tutelar, que afirmou estar em formação e em seu terceiro
mandato no mesmo território. Ainda, a maioria dos entrevistados possui pós-graduação, com
exceção do Conselheiro e do profissional do CRAS, que afirmou estar concluindo uma
especialização.
68
3.4. Análise de dados
Como já informado, para melhor apreensão dos dados, realizou-se gravação dos áudios
das entrevistas e gravação em vídeo do grupo focal, as quais foram integralmente transcritas.
Após essas etapas, com base na análise de conteúdo temática, os áudios foram ouvidos
exaustivamente, acompanhados da leitura das transcrições. Essa etapa permitiu o acesso ao
conteúdo emergente nas entrevistas, sua incidência e qualidade de cada informação, bem como
um aprofundamento gradativo desse conteúdo e consequente construção das categorias de
análise. Estas foram identificadas com o auxílio do software Qualitative Data Analysis Software
(QDA Miner), o qual consiste em ferramenta de organização e análise de dados qualitativos. A
referida ferramenta possibilitou uma melhor visualização da estrutura de investigação, bem como
facilitou o processo de codificação e categorização das informações obtidas. Considera-se
importante pontuar que todo o trabalho de categorização, interpretação e discussão dos dados
pertence à pesquisadora, apenas potencializado pelo uso do software.
Os dados foram submetidos à análise de conteúdo temática, sob a luz dos aspectos
teóricos do materialismo histórico e dialético. “O método dialético busca, justamente, entender o
real da melhor maneira possível (visto que ele só pode ser aprendido parcialmente) e buscar as
conexões, as categorias que articulam a realidade” (Paiva, 2008, p. 24). Assim, a discussão dos
dados foi estruturada em quatro eixos de análise: I – rede e seus fluxos; II – práticas identificadas;
III – potencialidades; e IV – desafios a serem superados, construídos em atenção aos objetivos
propostos nesse trabalho. Já as categorias presentes em cada eixo, surgiram a partir do conteúdo
emergente nas entrevistas e grupo focal, que embasou toda a análise de resultados e sua
discussão. A literatura já produzida acerca da temática da violência sexual intrafamiliar e as
normativas legais são utilizadas para fundamentar a discussão dos resultados, a partir de uma
69
perspectiva crítica da práxis em políticas públicas, entendendo que todo fenômeno social é
dialético, é resultado de processos históricos, sociais, culturais e políticos. Vale salientar que no
relato dos resultados desta pesquisa, trechos das transcrições das falas dos profissionais são
apresentados, considerando a importância de dar voz aos participantes, aproximando-os do leitor.
3.5. O território
A fim de lançar um olhar mais qualitativo ao fenômeno em questão e atender aos
objetivos do trabalho, optou-se por realizar a pesquisa focalizando uma região administrativa do
município. O destaque para um território ocorreu em razão da previsão de que a política
socioassistencial aconteça considerando as características mais peculiares dos territórios, a forma
de organização de sua população e suas especificidades, as demandas e violações mais incidentes,
suas potencialidades e a forma de organização social característica. A territorialidade é um dos
eixos estruturantes estabelecidos no SUAS (PNAS, 2004), que define o território como:
Espaços de vida, de relações, de trocas, de construção e desconstrução de vínculos, de disputas
e contradições e também de expectativas revelados pelos diferentes sujeitos sociais que ali
vivem; o território não representa apenas um espaço geográfico, mas significa as relações ali
constituídas. (Negri, Lajus, & Neckel, 2011, n.p.)
A escolha da região administrativa Oeste justifica-se pelo cotidiano do trabalho da
pesquisadora na SEMTAS, que observa as solicitações de acompanhamento familiar em razão
das situações de violência sexual intrafamiliar contra crianças e adolescentes advindas dos mais
diversos órgãos da rede, sobretudo do MP e do CT, destinadas às equipes do PAEFI do CREAS
Oeste. Soma-se a isto o fato de, em agosto de 2017, uma escola pública localizada em um bairro
da região administrativa Oeste ter se articulado à rede socioassistencial, sobretudo com o
CEDECA Casa Renascer, após uma atividade educativa desenvolvida na escola, cujo tema era a
70
violência sexual, ter culminado no relato de 25 crianças e adolescentes que sofreram ou sofriam
esse tipo de violência no ambiente familiar. Este fato é recorrente no território, uma vez que, no
ano anterior (2016), o projeto de extensão Redes de vida(s) tecendo-se dialogicamente com
jovens: ações de enfrentamento à violência letal, desenvolvido pelo OBIJUV/UFRN em uma
escola pública localizada na região Oeste, identificou muitos alunos que vivenciavam situações
de violência sexual intrafamiliar. Ademais, dados disponibilizados pela DCA informam que, em
2016, foram contabilizadas 187 ocorrências de estupro e estupro de vulnerável (quando a criança
tem menos de 14 anos), em Natal, sendo 30% delas da região administrativa Oeste. Os bairros de
Felipe Camarão e Pajuçara empataram na primeira colocação em número de ocorrências
recebidas, quando comparado com todos os outros bairros do município, ficando o Planalto na
quarta colocação. Em 2015, a DCA recebeu 182 ocorrências, 34% da região Oeste, sendo Felipe
Camarão o segundo bairro com maior número de ocorrências e o Planalto o terceiro colocado,
junto com Pajuçara, dentre todos os bairros do município. Importante considerar que, segundo
estudo do Ipea (Cerqueira & Coelho, 2014) – já citado anteriormente –, apenas 10% dos casos
chegam à polícia; muitos deles são camuflados por outras denúncias, como maus-tratos, e não
entram nos índices da violência sexual.
3.6. Considerações éticas
No que se refere às questões éticas da pesquisa, é importante enfatizar o profundo respeito
e sigilo às histórias de vidas de crianças e adolescentes vitimizados pela violência sexual;
sobretudo as histórias que poderiam surgir durante o desenvolvimento da pesquisa e dos estudos
de casos nela propostos; do absoluto respeito ao trabalho desenvolvido pelos profissionais da rede
que têm em seu cotidiano a árdua tarefa de enfrentamento desse fenômeno tão complexo e
71
delicado; do cuidado para não identificação dos participantes da pesquisa; e da condução de todo
o trabalho em consonância com o que determina o Código de Ética Profissional do Psicólogo
(CFP, 2005).
A presente pesquisa foi submetida à apreciação pelo Comitê de Ética em Pesquisa (CEP)
da UFRN, sendo aprovada pelo parecer n. 2.942.154, sob o Certificado de Apresentação para
Apreciação Ética (CAAE) 96602518.0.0000.5537. Nesse sentido, solicitou-se às instituições
Carta de Anuência para realização da pesquisa (Apêndice C), no qual a pesquisadora é autorizada
a realizá-la; aos participantes apresentou-se o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido –
TCLE (Apêndice D), no qual foram expostos os objetivos da pesquisa e garantida a participação
consciente e voluntária; também apresentou-se o Termo de Autorização para Gravação de Voz
(Apêndice E), que foi assinado pelos participantes, após concordarem com tal método. No grupo
focal, apresentou-se o Termo de Autorização para Gravação em Vídeo (Apêndice F), também
assinado após concordância.
72
4. Apresentação e discussão dos resultados
A discussão dos resultados foi realizada com base nos objetivos propostos na pesquisa.
Por meio da imersão nas informações obtidas, definiram-se quatro eixos de análise: a rede e seus
fluxos; práticas identificadas; potencialidades; e desafios a serem superados. Antes da análise do
enfrentamento da violência sexual intrafamiliar contra crianças e adolescentes pelo SGDCA,
apresenta-se o mapeamento do território, no qual há um panorama geral da região administrativa
Oeste e os serviços relacionados a esse enfrentamento.
4.1. Mapeamento do território
De acordo com a estimativa do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) para
o ano de 2017, o Município do Natal/RN tem uma população estimada em 885.180 habitantes11
.
A região administrativa Oeste é uma dentre as quatro zonas administrativas da cidade (Figura 1),
estabelecida pela Lei Ordinária n. 3.878/89 (SEMURB, 2017). É composta por dez bairros, são
eles: Nordeste, Quintas, Bom Pastor, Dix-Sept Rosado, Nossa Senhora de Nazaré, Cidade da
Esperança, Felipe Camarão, Guarapes, Cidade Nova e Planalto (Figura 2). Destaca-se nesta
região a forte presença de conjuntos habitacionais e comunidades como Leningrado, Novo
Horizonte, Comunidade do Mosquito, Conjunto Praia Mar, entre outras. Em levantamento
disponibilizado no site oficial da Prefeitura do Natal/RN acerca do número de favelas existentes
no município, são registradas 24 na região Oeste.
11
Informações do IBGE recuperadas de https://cidades.ibge.gov.br/brasil/rn/natal/panorama
73
Figura 1. Mapa da Região Administrativa Oeste da Cidade do Natal/RN.
Fonte: Prefeitura do Natal, Bairros, Região Administrativa Oeste, recuperado
de http://www.natal.rn.gov.br/semurb/paginas/ctd-106.html
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Figura 2. Mapa do Município do Natal por regiões administrativas. Fonte:
Prefeitura do Natal, Natal, Divisão Administrativa, recuperado de
http://www.natal.rn.gov.br/semurb/paginas/ctd-106.html
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Segundo dados do Anuário de Natal 2016, elaborado pela Secretaria Municipal de Meio
Ambiente e Urbanismo (SEMURB), a região Oeste possui uma área de 3.575,89 ha, com uma
densidade demográfica de 65,31 habitantes por ha. De acordo com o censo 2010 do IBGE, a
região possui 218.405 habitantes, correspondendo a 27,17% da população de Natal, que ocupam
62.897 domicílios e cujo valor do rendimento médio mensal é de 0,99 salários mínimos.
É necessário reconhecer, para além da dinâmica demográfica e socioeconômica, os
processos de desigualdades, vulnerabilidades e riscos sociais presentes nos territórios, espaços
privilegiados de intervenção das políticas sociais. Na região Oeste estão algumas das
comunidades que mais sentem os reflexos da desigualdade social, como é o caso de Felipe
Camarão, Guarapes e Cidade Nova. Segundo o estudo Mapeando a qualidade de vida em Natal,
da Secretaria Municipal de Planejamento e Gestão Estratégica (SEMPLA), referente a 2003, cujo
Índice de Qualidade de Vida (IQV) variou de 0 a 1, Guarapes foi o bairro com menor IQV, com
índice 0,0; Cidade Nova e Felipe Camarão com 0,27; Planalto com 0,32; Bom Pastor com 0,36; e
Nordeste com 0,47 – todos esses inseridos no grupo considerado com IQV baixo. Quintas e Dix-
Sept Rosado, considerados com IQV médio, tiveram índice de 0,52; além desses, Nossa Senhora
de Nazaré ficou com 0,59; e Cidade da Esperança, 0,62. Em suma, nenhum bairro da região
Oeste teve IQV alto (Barroso, 2003). É importante pontuar que o fenômeno da violência sexual
intrafamiliar não tem origem na pobreza ou miséria – visto ser um fenômeno complexo e
multifacetado; esses dados explanam a dimensão social, econômica e estrutural da região onde o
estudo é realizado, considerando que são informações importantes a considerar, sobretudo em um
estudo cuja perspectiva é o materialismo histórico e dialético.
Os seguintes serviços do SGDCA foram identificados nesse território: um CREAS, que
referencia todos os bairros dessa região; o CT da Criança e do Adolescente da região
76
administrativa Oeste, que também é responsável por toda região; três unidades de CRAS, um
instalado no bairro Guarapes, outro em Felipe Camarão e o último no Planalto; e, ainda, um
Serviço de Convivência e Fortalecimento de Vínculos (SCFV) para criança e adolescente, em
Cidade Nova. O SCFV é um “serviço realizado em grupos, organizado a partir de percursos, de
modo a garantir aquisições progressivas aos seus usuários, de acordo com o seu ciclo de vida, a
fim de complementar o trabalho social com famílias e prevenir a ocorrência de situações de risco
social” (CNAS, 2009, p. 16). O SCFV e os demais projetos e programas da PSB do SUAS, que
são desenvolvidos no território de abrangência do CRAS, devem ser a ele referenciados e devem
manter articulação com o Serviço de Proteção e Atendimento Integral a Família (PAIF), ou com o
PAEFI, quando necessário (MDS, 2017). Ainda que haja três unidades de CRAS na região
administrativa Oeste, apenas um SCFV atende todas as crianças e adolescentes do território. Esta
relação desproporcional é percebida no município como um todo, o qual dispõe de doze unidades
de CRAS e apenas cinco SCFV. Importante ressaltar que a Vara e a Promotoria da Infância e
Juventude competentes para matérias relacionadas à violência sexual contra crianças e
adolescentes de Natal, que não tem previsão de estarem instaladas nos territórios, localizam-se na
região administrativa Sul; a DCA, oficialmente responsável por receber e investigar casos de
atendimento especializado de todo o estado do RN, localiza-se na região Leste do município; e o
ITEP/RN, responsável pela atividade de perícia oficial, realizando avaliação psicológica, exame
de corpo de delito e outros exames periciais, também está localizado na região Leste do
município.
De acordo com dados da Prefeitura do Natal/RN, a região Oeste conta com,
aproximadamente, 45 escolas e creches municipais, 20 equipamentos da saúde, cerca de seis
instituições da Assistência Social – já citadas acima –, além da incidência de organizações não
77
governamentais (ONG). No que se refere aos serviços de saúde, segundo dados do Anuário 2016
de Natal12
, estão instaladas 14 Unidades Básicas de Saúde (UBS), um hospital, uma policlínica,
uma Unidade Mista e duas Clinicas Especializadas. Segundo o site oficial do Município, têm-se
ainda uma Unidade de Pronto Atendimento (UPA), dois Centros de Atenção Psicossocial (CAPS),
sendo um infantil; uma unidade do Serviço Atendimento Móvel de Urgência (SAMU); e um
Programa de Acessibilidade Especial (PRAE). No que se refere à política de educação, segundo
dados do Anuário 2016 de Natal, estão presentes no território 21 escolas municipais, 25 estaduais
e 24 creches. No que se refere aos serviços de segurança estão instaladas três delegacias distritais,
uma delegacia de plantão, quatro delegacias especializadas, 16 bases comunitárias, duas unidades
penais e uma unidade da polícia militar. Por fim, no que se refere aos equipamentos de esporte e
lazer, constam 12 quadras, nove campos e minicampos, um estádio e um ginásio.
Acerca da incidência das ONG, não foram identificadas no território ONG cuja atuação
seja exclusivamente vinculada ao acompanhamento de crianças e adolescentes vítimas de
violência sexual, embora tenham sido identificadas ONG “generalistas” que realizam
atendimento a crianças e adolescentes nas mais diversas situações de violações de direitos –
sendo uma delas discutida neste trabalho. Vale pontuar que o CEDECA Casa Renascer, centro de
defesa de referência na área, localiza-se na região administrativa Leste do município. Em resumo,
identificaram-se as seguintes ONG cujo público-alvo são crianças e adolescentes: Fundação
Bradesco, localizada no bairro de Felipe Camarão, cuja área de atuação é educação, esporte e
lazer; Atitude Cooperação, localizada no Bom Pastor; Núcleo de Amparo ao Menor (NAM),
localizada no bairro de Felipe Camarão; Conexão Felipe Camarão, também instalada nesse
bairro; Lar Fabiano de Cristo, em Felipe Camarão, cujo público-alvo são famílias em situação de
12
Vale salientar que são dados colhidos em 2015.
78
vulnerabilidade social; Legião da Boa Vontade (LBV), que atende famílias dos bairros Bom
Pastor, Cidade da Esperança, Dix-Sept Rosado, Nazaré, Planalto, Quintas, entre outras; e
Associação de Orientação aos Deficientes (ADOTE), cujo público-alvo são pessoas com
deficiência – vale lembrar que crianças e adolescentes com deficiência são vítimas de violência
sexual. A maior concentração de ONG da região se localiza no bairro de Felipe Camarão. Por
fim, vinculado ao Governo do estado do RN, o Centro Integrado de Esporte e Cultura RN Vida –
apresentado pelo CREAS Oeste como parceiro importante –, embora não seja uma ONG e não
esteja instalado diretamente no território, mas próximo dele, atende crianças e adolescentes dessa
região, oferecendo aulas de natação, judô, futsal, vôlei, jiu-jítsu, caratê, ginástica rítmica,
ginástica aeróbica, capoeira, dança, música e artes plásticas para alunos de escolas públicas e que
tenham entre 7 e 16 anos.
79
4.2. A rede e seus fluxos
Esta seção é composta por quatro itens: que rede é essa?; caracterização; fluxos de
atendimento e fluxos de encaminhamento.
4.2.1. Que rede é essa?
Inicialmente, é importante descrever a composição das equipes nas instituições visitadas,
para que o leitor visualize melhor a realidade dos serviços. Assim, a 65a Promotoria da Infância e
Juventude dispõe de um Promotor de Justiça, um assessor jurídico e um assessor na área de
Assistência Social, além da equipe do Centro de Apoio às Promotorias da Infância e Juventude e
Família (CAOPIJF), formada por assistentes sociais e psicólogos que realizam avaliação
psicossocial e atendimentos em caso de solicitação das Promotorias. A DCA, por sua vez, dispõe
de oito agentes, uma delegada e uma estagiária de Psicologia. O ITEP/RN possui diferentes
profissionais, como médicos, assistentes sociais, psicólogos, realizando atividades com fins
diversos – na data de realização da entrevista, havia três psicólogos atuando na avaliação
psicológica em Natal. O CT é formado por cinco conselheiros e um assistente administrativo. A
equipe do CEDECA Casa Renascer é constituída por dois coordenadores (sendo um pedagógico e
um administrativo), um assistente social, um psicólogo, um advogado, seis estagiários e equipe
administrativa. Compõe a equipe do PAEFI, no CREAS, um coordenador, assistentes sociais,
psicólogos, pedagogo, educador social e equipe administrativa. O CREAS possui outras equipes,
como a do Serviço de Proteção Social a Adolescentes em Cumprimento de Medida
Socioeducativa de Liberdade Assistida e de Prestação de Serviços à Comunidade (MSE) e a do
Serviço Especializado em Abordagem Social (SEAS), que não estão diretamente vinculadas ao
acompanhamento das famílias vítimas de violência sexual, mas que podem identificá-las e
80
encaminhá-las para o PAEFI. A equipe do PAIF, no CRAS, é constituída de coordenador,
assistentes sociais, psicólogos e um assistente administrativo. No CRAS Felipe Camarão está
instalada uma equipe do Cadastro Único para Programas Sociais, composta por três estagiários. A
escola participante desta pesquisa dispõe de diretor, coordenador pedagógico, equipe de
professores e equipe de suporte às atividades gerais. O COMDICA é formado por sete
Conselheiros representantes da sociedade civil, sete Conselheiros representantes do governo
municipal, os quatorzes respectivos suplentes, e mais três assistentes administrativos.
4.2.2. Caracterização da rede
Apresenta-se aqui a definição e caracterização trazida pelos profissionais acerca da rede
de enfrentamento e proteção da qual fazem parte. Em todas as instituições perguntou-se como
eles enxergam essa rede. Todos responderam que ela não consegue atender de maneira a causar o
resultado esperado; a maioria enfatizou a necessidade de maior articulação e comunicação entre
os serviços, e informou as inúmeras dificuldades que atravessam o trabalho nas políticas sociais.
Os profissionais percebem a rede como bastante fragilizada e ainda cheia de desafios a serem
superados. Palavras como “falha” (CT), “desconectada” (DCA), “furada” (CEDECA) e
“fragilizada” (CREAS) foram utilizadas para defini-la.
Ela vem sendo e precisa ser cada vez mais trabalhada, articulada, tecida. Acho que a gente
ainda tem uma certa, uma... Muitas fragilidades, com muitas fragilidades ainda. (MP)
Olhe! Eu acho que deixa muito a desejar, viu? Eu sou muito sincera! Eu acho que podia ser...
Ter um... Eu acho que ainda podia ser mais integrada. Eu acho que existe pouca integração.
(ITEP/RN)
81
Existe o papel de cada um, cada um tenta exercer dentro de suas limitações, mas eu acho que
falta articulação. Eu acho que é muito desconectado, né? A gente poderia estar mais unido pra
que funcione melhor sabe? (DCA)
Falha. Eu estou dizendo isso porque já discuti isso. [...] É assim: realmente eu acho um pouco
falho, muito quebrado isso, não tem [articulação]. (CT)
Eu acho ela muito frágil, sabe? [...] a rede que, de uma forma geral, não dá suporte pra gente.
(Escola)
Que ainda precisa melhorar. Que a gente tem que ter uma união maior. Que a gente tem que se
dar as mãos mais, procurar trabalhar mais em conjunto, porque, com essa união, é que a gente
vai conseguir ter uma resposta mais rápida para as demandas, né? Que infelizmente ainda está
um pouco fraca, fragilizada. [...] Precisa ser fortalecido! Existe... Mas tem que ter, tem que ser
bem fortalecido, ainda. Está bem fragilizado. (CRAS)
Eu acho que a rede existe, o sistema tá inerente a essa rede, mas a questão são os fluxos, né?
Muita demanda dos processos... A gente compreende que essa rede existe, mas ela não
consegue abarcar essa demanda, e, por isso – como a gente fala – ela é furada, né? (CEDECA)
Observa-se em comum nas falas acima o reconhecimento de que existe uma rede que não tem
conseguido atingir seus objetivos, com pouca integração e desconectada. A percepção dos
profissionais é de que a rede ainda tem atuado de forma muito isolada, sendo esse distanciamento
percebido como uma fragilidade. Ao mesmo tempo, reconhece-se e afirma-se a necessidade de
aproximação dos serviços, talvez como superação da dificuldade em questão e consequente
fortalecimento da rede. Essa aproximação aparece como algo que nitidamente deveria existir para
um alcance maior dos objetivos. O que surge como questão para a pesquisadora é que a rede está
(ou deveria estar) ao alcance de todos, mas o discurso reflete algo que não consegue ser
82
materializado na prática, no dia a dia, como se estivesse inacessível para eles13
. Identifica-se na
fala do MP o reconhecimento de que a rede precisa ser aprimorada; na fala do ITEP/RN, a
necessidade de integração; do CRAS e DCA, de união. Não seria de todos – e de cada um – a
iniciativa para essa aproximação?
É evidente que as dificuldades da rede não se resumem exclusivamente a uma questão de
articulação. O contexto das políticas sociais é amplo e permeado por conflitos e contradições.
Uma análise mais ampla do próprio contexto econômico, social e político em que essas políticas
estão inseridas permite resgatar a reflexão trazida por Pereira (2008) sobre como a visão de
mundo positivista está presente nos espaços. Segundo a autora, defender a perspectiva da
interdisciplinaridade seria romper com essa visão de mundo cuja fragmentação é ponto de
partida, no qual há o domínio da disciplinaridade, o distanciamento nas relações, a verticalização
das especialidades, o raciocínio dicotômico, a perda de contato com a realidade; e a linguagem
incomunicável entre diferentes áreas. Durante a produção deste trabalho, em distintos momentos,
os profissionais questionaram esse distanciamento na rede e refletiram sobre as práticas
acontecerem de modo fragmentado. Esses processos estão atravessados por questões da própria
sociedade, cujo contexto social, profissional, acadêmico e político é influenciado pelo modo de
produção econômico vigente, o capitalismo, que produz distanciamento, relações superficiais,
individualismos e, sob influência também do positivismo, produz especialismos que não
dialogam.
Em contrapartida, o CREAS afirmou possuir uma articulação bastante satisfatória com os
serviços do SGDCA:
13
Outras questões acerca das dificuldades existentes na rede foram levantadas e estão discutidas no eixo Desafios a serem
superados.
83
A gente tem uma relação muito grande com o Sistema de Garantias de Direitos, devido a
questão da violação, né? Então, o Ministério Público, o Judiciário, o Conselho Tutelar, as
Unidades de Acolhimento, a Defensoria Pública, os CRAS, a gente tem uma relação muito
boa! (CREAS)
Apesar disso, em vários momentos, o CREAS também reconheceu a necessidade de maior
aproximação. Quando questionado acerca de como enxerga a rede, respondeu: “Olhe! Eu acho
muito fragilizada, porque a gente procura serviços, muitas vezes, e não encontra; e fica frustrado
enquanto profissional, porque quer que aquela família acesse serviços e não tem disponível, né?”
(CREAS). A fragilidade, nesse caso, não esteve relacionada a uma articulação que deveria existir,
mas que não acontece, ou acontece aquém do esperado. A profissional se refere à própria
indisponibilidade de serviços na rede, seja por inexistência ou por impossibilidade de acesso.
Essa problemática foi trazida de modo bem enfático pelos serviços, sobretudo os instalados no
território, como CREAS, CRAS, Escola e CT – questão mais profundamente discutida no eixo
Desafios a serem superados.
Ainda sobre a caracterização dessa rede:
Eu enxergo uma rede querendo, mas ainda não podendo realizar tudo o que gostaria. Porque
ainda é uma rede fragilizada, né? Tentando ainda trabalhar de forma integrada e em rede, pela
própria dificuldade operacional; porque, se você não tem a sua infraestrutura em condições
adequadas de funcionamento, como você se articula também com os outros? Apesar de que,
nos últimos tempos, a gente percebe que, mesmo diante das fragilidades, cada um fica
apoiando um ao outro para tentar realmente fazer alguma coisa. (COMDICA)
Um aspecto interessante trazido pelo COMDICA é a percepção de que os profissionais dos
serviços desejam atender de forma mais efetiva, mas que, diante das “dificuldades operacionais”,
não têm conseguido. Essa fala reflete a percepção de que os empecilhos para o funcionamento
adequado da rede encontram-se nas barreiras externas (infraestrutura, condições de trabalho,
84
condições materiais e estruturais); em contraponto a isso, enfatiza-se a intenção e tentativa de se
trabalhar de forma mais integrada. Além disso, destaca-se o apoio que, nos “últimos tempos”,
cada instituição tem oferecido às outras, de forma a atingir, por meio da união de esforços, algum
objetivo comum. Acerca disso, Pereira (2008) constata a inoperância do saber e das ações
fragmentadas nas políticas públicas. Na visão da autora, a intersetorialidade é entendida como
uma otimização de saberes, competências e relações, que requer práticas sociais compartilhadas
em prol de um objetivo comum. Uma das críticas mais trazidas acerca da rede pelos profissionais
é, exatamente, a inexistência da intersetorialidade – talvez ainda não seja possível identificá-la
nos setores da política social brasileira –, embora tenham reconhecido algum nível de articulação;
muitas vezes, as falas deles refletem uma concepção de que, embora a rede ainda não trabalhe de
forma intersetorial, já é possível identificar alguns poucos avanços nessa direção:
Existe cooperação e diálogo. Intersetorialidade, não. Eu acho que nem institucionalmente
ainda é uma prática que não se tem essa compreensão do que é, né? Do que é um trabalho
intersetorial. Eu acho que ele tá pra um trabalho mais pra multidisciplinar, né? O que a gente
percebe é que há esse diálogo, mas cada um no seu quadrado, ainda. Então, existe um... É
multidisciplinar, você consegue saber que é Saúde, a Educação, ela pode dialogar, mas esse
inter – falando comumente uma linguagem na rede como um todo – não se tem. (CEDECA)
A profissional relata que não há compreensão da perspectiva intersetorial nem
internamente, dentro do serviço, quiçá identificá-la na rede. Ela pontua a existência de diálogo e
cooperação, também identificados por outros profissionais (CREAS, COMDICA, MP, CRAS,
DCA, CT), o que significa que existe algum nível de proximidade entre os serviços para que esse
diálogo e cooperação possa se materializar nas ações cotidianas. Contudo, ela enfatiza o
distanciamento de um trabalho intersetorial e identifica a existência de uma atuação
multidisciplinar. Segundo Japiassu (1997), o trabalho multidisciplinar é meramente uma
85
justaposição de disciplinas, sem implicar, necessariamente, um trabalho coordenado. A solução
de um problema, nesse caso, exige informações de diferentes especialidades, mas sem relação
entre elas. As diferentes áreas não são modificadas ou enriquecidas. Observa-se apenas um
agrupamento de setores de conhecimento. Já no nível da interdisciplinaridade, a colaboração
entre as diversas disciplinas conduz a interações propriamente ditas; há certa reciprocidade nos
intercâmbios, de tal forma que, ao final do processo interativo, cada disciplina sai enriquecida.
A articulação em rede ocorre, dentre outras formas, por meio da abertura nos canais de
comunicação entre os serviços, da prática de referência e contrarreferência, da realização de
estudo de casos em acompanhamento, do planejamento e execução de ações coletivas de
prevenção e proteção, e do apoio e suporte entre os diferentes órgãos do SGDCA. Entretanto, foi
possível identificar que, embora exista um diálogo, os serviços ainda não se encontram
integrados, necessitando de maior articulação. Acerca das reuniões para estudos de casos – as
quais permitem a tomada de decisão coletiva visando a estratégias para superação dos desafios
encontrados –, observa-se que eles não são realizados por todos os serviços; a DCA e o CT
afirmaram enfaticamente que não participam de estudos de casos de criança e adolescentes
vitimizados pela violência sexual intrafamiliar. “Não. Para a questão de abuso, não. Como é que a
rede se reúne para estudo de caso: uma criança ou adolescente acolhido, nas Casas de Passagem,
acontece. [...] Mas em relação à questão do abuso sexual, não existe” (CT). Corroborando, a
DCA:
Não. Não existe uma prática de se reunir para discutir caso. Agora, a rede até tem tentado se
articular mais, principalmente depois da lei, né? Que mudou o depoimento, mudou não,
disciplinou. E aí, a gente tem se preocupado e tem tido reuniões até para saber uma forma de
efetivar, né? Dentro das possibilidades da polícia, do judiciário, do Ministério Público”.
(DCA)
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A profissional da DCA se refere à Lei n. 13.431/2017 – que estabelece o SGDCA vítima ou
testemunha de violência – como elemento disparador para realização de encontro da rede,
exclusivamente a fim de discutir sua operacionalização. Entretanto, afirma que a DCA não realiza
estudos de caso de criança ou adolescentes acompanhados pela rede. O CEDECA afirma que os
estudos de que participam acontecem com mais frequência quando a iniciativa parte da própria
instituição. Contudo, em relação ao SGDCA como um todo, principalmente no que se refere às
políticas de Educação e Saúde, os profissionais afirmam a dificuldade de compreensão sobre a
realização dos estudos de caso e até sobre o papel do CEDECA Casa Renascer na rede.
Identificou-se que o estudo de caso é uma prática mais presente nos serviços da PNAS,
especialmente no CREAS, mas também nos CRAS e Unidades de Acolhimento, e no MP. Em
relação ao CREAS, o profissional pontua que estudos de caso são realizados frequentemente:
Os técnicos, aqui, têm essa prática de realizar o estudo de caso de maneira frequente. A gente
tem uma relação muito boa com o próprio Ministério Público, de fazer estudo de caso
frequentemente. Tem dificuldade com o Conselho Tutelar, mas eles encaminham muito pra
gente e a gente encaminha muitos para eles – enquanto Sistema. [...] Quando o
acompanhamento está acontecendo aqui (CREAS), a gente senta e vai buscar outras opiniões,
e o que cada instituição pode fazer. Geralmente, a gente trabalha nessa pactuação de “O
conselho ficou de fazer isso e isso; O Ministério Público fechou que vai fazer isso; e o CREAS
vai articular a família assim, assim e assim”. (CREAS)
Identifica-se, nesse caso, a referência a uma necessidade de “buscar outras opiniões”, bem como
de buscar o “que cada instituição pode fazer”, o que talvez impulsione a realização de estudos de
caso que, por sua vez, culminam na realização de pactuação entre distintas instituições, na qual
cada serviço assume uma dada responsabilidade com a família.
A pactuação também foi identificada no relato trazido pelo MP:
87
Tem uma prática que está se sedimentando cada vez mais aqui na Promotoria, de a gente fazer
estudo de caso. Então, ontem, teve um estudo de caso envolvendo uma situação pra que a
gente compreenda o fenômeno de uma maneira muito mais contextualizada. Então, é chamado
o Conselho Tutelar, CREAS, escolas, serviço de saúde, né? No último mês, por exemplo, a
gente deve ter feito uns seis desses estudos e tentando dimensionar essa complexidade. Nos
estudos, a gente tem encaminhamentos, que é gerado uma ata, e esses encaminhamentos são
retomados num momento posterior, pra poder fazer uma avaliação. (MP)
A Promotoria informou, ainda, que os estudos de casos são produtivos e têm adesão
bastante significativa das outras instituições. Essa adesão pode estar relacionada ao fato de o MP
não solicitar, mas requisitar a presença dos convidados. Nessa instituição, o estudo de caso foi
trazido como atividade que permite compreender a complexidade das situações de violação
sexual intrafamiliar de modo mais completo e contextualizado. Como resultado, produz-se uma
ata – documento que indica os direcionamentos que devem ser tomados por cada instituição
participante do estudo – e, posteriormente, há uma nova reunião para avaliação do que foi
realizado e estabelecidos novos encaminhamentos. Embora haja mérito na pactuação citada pelo
CREAS e pelo MP, é importante atentar que ainda se identifica uma cisão de responsabilidades
muito grosseira, na qual cada ente assume seu encargo e segue para realizar um trabalho isolado
no seu lócus de atuação. Posteriormente, os representantes se encontram para avaliar se
conseguiram ou não atingir seus objetivos. Talvez, exatamente por isso, muitos dos objetivos não
sejam alcançados – como relatado pelos entrevistados. Certamente, os profissionais esbarram em
muitos desafios e isso precisa ser considerado, mas se percebe que ainda é necessário discutir e
defender a importância de um trabalho coletivo nas políticas sociais, para que se possa um dia
alcançá-lo. A superação da lógica da fragmentação ainda está muito distante da realidade dos
serviços, quiçá pensar na realização de um trabalho verdadeiramente compartilhado. Pereira
88
(2008) reflete a importância da superação da setorialidade nas políticas sociais. Ela afirma que a
intersetorialidade, muitas vezes, é referida como sinônimo de mera articulação e soma, o que
reforça a permanência dos setores. Para a autora, o que deve existir é a superação da lógica
fragmentada. A perspectiva da intersetorialidade significa, assim, uma abordagem analítica,
dialética, complexa e relacional.
Em suma, observou-se, nas falas dos profissionais, uma referência intensa à articulação,
seja quando ela minimamente acontece ou para dizer da necessidade de seu fortalecimento. O
relato dos profissionais sustenta que essa atitude se faz necessária porque os serviços ainda se
encontram distantes, divididos e em consequente insulamento. Parece que a principal razão disso
é a própria concepção de rede e de como ela deve se organizar. A rede atua e se estrutura de
forma fragmentada, isolada, mesmo em se tratando de determinado território específico, o que
reafirma a fragilidade desse modelo vigente, demasiadamente segregado, repartido, capaz de
atuar na sua única especialidade (Saúde, Educação, Assistência Social, Judiciário, Policial, etc.).
Muito embora, ao atentar para as demandas das pessoas e famílias, lida-se com algo que não é e
não se encontra repartido: são necessidades globais que envolvem todas as áreas da vida em uma
só vida. Em suma, “ao mesmo tempo em que articula, fragmenta” (Pereira, 2008, p. 9). O
discurso identificado no relato dos profissionais parece depositar na logística da articulação a
esperança para “salvação” das dificuldades existentes da rede.
4.2.3. Fluxos de atendimento
Todas as instituições apresentaram um fluxo de atendimento muito semelhante. A forma
de acesso da população aos serviços ocorre tanto por demanda espontânea, como por
encaminhamento da rede – por meio de documentos oficiais que requisitam ou solicitam atuação
89
do serviço, seja MP, DCA, CT, CREAS e CRAS. No caso dos CREAS e CRAS, o
acompanhamento familiar é iniciado por meio de visita domiciliar por equipe socioassistencial ou
por meio de agendamento, via telefone, de atendimento à família no serviço; nos demais, solicita-
se que a família compareça à instituição.
As pessoas que chegam diretamente ao serviço são recebidas com uma triagem,
geralmente realizada pelo assistente administrativo, na qual identifica-se se a família já é
acompanhada no serviço ou se é a primeira vez e, em se tratando de primeira vez, se realmente
são pessoas daquele território; não sendo, a família é encaminhada para o serviço de referência
correto. No CREAS, também se preenche uma ficha com dados essenciais, como endereço e
telefone. Em seguida, a família é encaminhada para atendimento com equipe técnica –
profissionais de nível superior ou, no caso do CT, para um Conselheiro Tutelar. No CREAS e no
CRAS, esse atendimento (escuta qualificada) é realizado prioritariamente por uma dupla de
profissionais, que pode ser assistente social, psicólogo ou pedagogo, de acordo com a
disponibilidade. A equipe técnica avalia se o caso é perfil para acompanhamento no serviço; caso
a pessoa/família não esteja na instituição adequada, ela é encaminhada para o serviço que possa
atender suas necessidades. No CREAS, em se tratando de violência sexual contra crianças e
adolescentes, o caso imediatamente torna-se prioridade. Se não houver equipe disponível para o
acompanhamento, a família recebe os encaminhamentos iniciais e aguarda inserção no
acompanhamento do CREAS, com a sinalização de urgência do caso; quando uma equipe do
PAEFI desliga ou conclui um caso, aquele que está aguardando é iniciado, sendo priorizadas as
urgências.
No CT, após a triagem, o Conselheiro procede à escuta com quem está realizando a
notificação, que pode ser a própria criança ou adolescente vitimizado. Então, escreve-se o Termo
90
de Declaração, o qual relata a situação de violência. Abre-se a medida de proteção, documento
físico no qual estarão as informações da criança/adolescente e sua família. Avalia-se se a criança
convive com o agressor e outras necessidades para serem aplicadas medidas protetivas. Em
seguida, a família é encaminhada para a DCA; a depender do Conselheiro e da disponibilidade de
veículo, a família é acompanhada até a DCA. No caso da Promotoria de Justiça, o fluxo é muito
semelhante, com a diferença da triagem, cujo acolhimento inicial é realizado por uma assistente
social ou pela equipe da secretaria. Posteriormente, a família segue para o Promotor de Justiça
realizar a escuta e aplicar medidas jurídicas necessárias. Todos os casos geram abertura de um
procedimento, independentemente de se conhecer a veracidade ou não da denúncia.
O fluxo de atendimento da DCA e do ITEP/RN apesar da característica específica da
polícia, não se diferenciam tanto, com exceção do ITEP/RN não receber demanda espontânea,
atende apenas sob requisição policial, judicial e do MP. Na DCA, a pessoa denunciante é recebida
por um agente que, já na recepção, pergunta qual a denúncia a ser realizada. Se for caso de
competência de delegacia comum, explica-se imediatamente que o atendimento deve ser
realizado em outra delegacia. Ressalva-se que esse tipo de abordagem na recepção, em meio a
outras pessoas, pode expor os denunciantes e/ou vítimas, uma vez que não há segurança do sigilo;
outras pessoas que também aguardam atendimento podem tomar conhecimento da violação
alheia, o que pode causar constrangimento e revitimização das crianças, adolescentes e suas
famílias.
A segurança de acolhida, garantida aos usuários das políticas sociais, trazida, por
exemplo, pela PNAS, define como uma das aquisições do usuário o direito de “ser acolhido em
condições de dignidade em ambiente favorecedor da expressão e do diálogo” (CNAS, 2009, p.
30). O cuidado em ouvir as pessoas de modo sigiloso é parte do processo de garantia da
91
confidencialidade das informações, o qual deve estar presente desde a entrada do usuário na
instituição. Também se trata de um cuidado ético e do próprio processo de acolhimento, frente à
violação encontrada. Melo (2014) afirma que o atendimento à criança e ao adolescente vítimas de
violência sexual nos órgãos de investigação policial demanda sensibilidade dos profissionais
envolvidos, e que um atendimento diferenciado “decorre muito mais da postura do profissional
do que do ambiente em si” (Melo, 2014, p. 216).
Se o caso for de responsabilidade e/ou competência da DCA é, então, realizado o Boletim
de Ocorrência (B.O.), no qual a denúncia é registrada. Em se tratando de casos de violência
sexual, são expedidas guias de solicitação de exames ao ITEP/RN e entregues ao denunciante.
Agenda-se o depoimento especial com a criança ou adolescente vitimizado na delegacia. Depois
que a criança é ouvida, instala-se o inquérito policial, no qual são ouvidas outras testemunhas:
familiares, pessoas da escola e amigos da criança. Podem ser realizadas outras diligências
investigativas, como ida a campo. Por fim, a delegada elabora o relatório conclusivo do inquérito,
o qual é encaminhado à justiça e, posteriormente ao MP, que decide se vai realizar a denúncia ao
judiciário ou arquivar o caso.
O ITEP/RN, por sua vez, recebe requisições via ofício do MP, do Judiciário ou, na maior
parte das vezes, os casos são encaminhados diretamente da DCA. Ao receber documentos oficiais
contendo essas requisições, a equipe agenda o atendimento com os usuários. Quando o usuário se
dirige diretamente ao ITEP/RN, ele procura na recepção quem o encaminhe para o setor
responsável por realizar os exames solicitados. Segundo relato do profissional, nem sempre o
recepcionista está na instituição. O atendimento se inicia pelos exames médicos requisitados e,
posteriormente, os usuários são encaminhados para o agendamento da avaliação psicológica.
Como há uma intensa demanda de avaliação psicológica, os agendamentos são marcados para
92
alguns meses à frente. Algumas vezes, os usuários também passam pelo atendimento com o
Serviço Social, mas nem sempre. Não se identificou um protocolo que justifique essa diferença.
Por fim, vale salientar que o COMDICA não realiza atendimento ao público. Em casos
excepcionais, realizam-se atendimentos e encaminhamentos necessários. A escola, em razão de
sua função institucional, não possui esse fluxo de atendimento estabelecido.
4.2.4. Fluxos de encaminhamento
Todas as instituições informaram que os casos acompanhados são encaminhados dos mais
diversos órgãos da rede. O recebimento de denúncias foi relatado pelo MP, CT e DCA; nos dois
últimos, até mesmo do Disque 100. O CREAS afirma que recebe casos somente quando a
violação de direitos já foi constatada, uma vez que não é seu papel averiguar as situações. Isto
porque o CREAS não é órgão da Segurança Pública, não tem função e poder investigativo, nem
de polícia. Também não é responsável por aplicar medidas protetivas, o que exige atuação dos
órgãos de defesa e responsabilização – em articulação, sim, com o CREAS. É fundamental
“clarificar o papel do CREAS e fortalecer sua identidade na rede” (MDS, 2011, p. 25), evitando
situação de “sobreposição de ações entre serviços de naturezas e até mesmo áreas distintas da
rede que, evidentemente, devem se complementar no intuito de proporcionar atenção integral às
famílias e aos indivíduos” (MDS, 2011, p. 25). Além de que o trabalho investigativo com as
famílias vai de encontro à perspectiva do acompanhamento familiar, tarefa prioritária do CREAS,
na qual é necessário confiança, colaboração e vinculação da família com a equipe. Sendo tais
atribuições incompatíveis, não à toa, as instituições de Segurança Pública e o CREAS são de
eixos distintos do SGDCA. Nesse sentido, o MDS orienta que não cabe ao CREAS “ter seu papel
institucional confundido com de outras políticas ou órgãos, e por conseguinte, as funções de sua
93
equipe com as de equipes interprofissionais de outros atores da rede, como, por exemplo, da
segurança pública, órgão de defesa e responsabilização” (MDS, 2011, p. 25). Assim, ao CREAS
compete prestar atenção e orientação direcionadas à promoção de direitos, preservação e
fortalecimento de vínculos familiares, comunitários e sociais e ao fortalecimento da função
protetiva das famílias, que vivenciam situações de risco e violação de direitos (CNAS, 2009).
Além disso, algumas denúncias são falsas, o que gera desprendimento de trabalho desnecessário.
Apesar disso, os profissionais relataram que a rede ainda encaminha, de forma equivocada,
muitas denúncias ao CREAS Oeste.
Tanto o MP, como o CREAS, o CEDECA e o CRAS informaram o recebimento de casos
de todas as instituições do SGDCA, e que esse recebimento tem ocorrido por meio de
documentação impressa – guia de encaminhamento, no caso do CEDECA, e ofício, nos casos do
MP, CREAS e CRAS –, preferencialmente com informações acerca do caso. A escola informou
que, eventualmente, recebe agentes da DCA, em situação de diligência em campo, visando a
colher informações sobre algum aluno, na ocasião de investigação de situações de violência. A
escola informou ainda que se articula com o CT quando ciente de situação de violência sexual
intrafamiliar, realizando contato prévio e encaminhando relatório situacional ao órgão.
A DCA informou as denúncias como a forma mais frequente de abertura de novos casos e,
em se tratando das instituições, o MP como instituição que mais tem encaminhado casos, bem
como com quem a DCA mais se articula, pela característica do serviço. Também informou
receber encaminhamento do CT, Disque 100 e, na menor parte das vezes, do CREAS e serviços
do sistema de saúde.
O CT informa que existe uma “cultura do Conselho Tutelar”, e que seu papel de serviço
porta de entrada é bem disseminado na rede de enfrentamento e na população, embora acredite
94
que todos os serviços também devam ser porta de entrada, conforme relato:
Geralmente, o que se sempre é dito é que a porta de entrada é o Conselho Tutelar... Apesar de
que eu discordo um pouco em relação a isso! Eu digo que a porta de entrada é toda a rede de
atendimento. Não somente o Conselho Tutelar! Mas o pessoal já tem uma cultura em questão
ao Conselho Tutelar. Quando uma criança ou adolescente é vítima de abuso ou exploração
sexual, não cabe somente ao Conselho Tutelar. Pode ser através das unidades de saúde, das
escolas, a própria Delegacia, Promotoria da Infância, né? Que podem receber esses casos.
Mas, geralmente, vem pra cá. Então, há essa importância maior porque, culturalmente, o
pessoal entente que o Conselho Tutelar é a porta de entrada. O primeiro procedimento, né?
Então, assim, é importantíssimo! É tanto que se observa: de cada dez casos, nós recebemos, no
mínimo, seis! (CT)
Concorda-se que é função de toda a rede a atuação em situações de criança e adolescente
vítimas de violência sexual intrafamiliar, embora chame a atenção o Conselheiro expor com certa
indignação o fato de o CT ser porta de entrada na rede e discordar “um pouco” dessa função,
justificando que seria uma função de todos. Defende-se, na verdade, que uma coisa não anularia a
outra, o que torna esse argumento impreciso. Chama atenção também o Conselheiro explanar
com certo demérito o reconhecimento dessa função pela comunidade, de existir o que ele chamou
de “cultura do CT”, na qual as pessoas, sabendo de uma situação de violação, logo procuram esse
serviço. Considerando o fato de que o CT é o órgão instalado no território, “encarregado pela
sociedade de zelar pelo cumprimento dos direitos da criança e do adolescente” (Art. 131, ECA,
1990), aplicando as medidas protetivas necessárias, sempre que uma criança ou adolescente tiver
seus direitos ameaçados ou violados (ECA, 1990), seria esperado que os profissionais desse
órgão reconhecessem o mérito da comunidade realizar as denúncias e de se dirigir ao órgão
competente que deve fornecer auxílio às famílias em situação de violência. Na rede de defesa,
conforme afirma Faleiros (2003, p. 77), “os conselhos tutelares são instrumentos fundamentais
95
para se poder zelar pelos direitos da criança. São os olhos e a potencialização da voz das próprias
crianças e das denúncias para enfrentamento da trama, do drama e do trauma”.
Todas as instituições entrevistadas afirmam que existe uma articulação com os serviços da
rede no que se refere ao recebimento e atendimento dos usuários encaminhados por outros
serviços, embora reconheçam que há muitos desafios a serem superados, sobretudo em relação à
contrarreferência. O CT considera incipiente a contrarreferência recebida, em razão da demora
(algumas vezes meses ou ano), principalmente dos CREAS, apesar de compreender que se trata
da intensa demanda de trabalho de cada instituição. Também pontuou a inexistência de
contrarreferência da DCA nos casos de violência sexual intrafamiliar, embora tenha afirmado que
compreende que são processos sigilosos. Já o CREAS enfatiza a perspectiva de trabalho
articulado com a rede de enfrentamento: “A gente trabalha prioritariamente na questão da
articulação em áreas que nós consideramos muito importantes. Articular com a Saúde, com a
Educação, com a Segurança Pública, para acompanhamento terapêutico. Então, a gente trabalha
nessa perspectiva” (CREAS).
O CT citou a DCA como principal instituição para onde as famílias são encaminhadas quando se
trata de casos de violência sexual intrafamiliar. A DCA identificou o ITEP/RN, onde são
realizados os exames de corpo de delito e avaliação psicológica, além do MP, instituição para
onde é encaminhado o relatório conclusivo produzido pela Delegacia após a finalização da
investigação; também citou como parceiros o CEDECA Casa Renascer e o Departamento de
Psicologia na Universidade Potiguar (UnP) – que tem oferecido apoio à DCA, por meio da
estagiária de Psicologia e o trabalho que ela tem desenvolvido na instituição. O CREAS e o
CEDECA Casa Renascer não elegeram uma instituição específica para a qual realize
encaminhamentos de forma mais intensa, informando a necessidade de envolvimento de todo o
96
SGDCA e citando esses atores.
O fluxo dentro da rede também foi um assunto bastante discutido no grupo focal, no qual
os participantes puderam concluir que o desconhecimento do papel institucional de outros
serviços e de suas formas de acesso gera encaminhamentos equivocados e, por consequência,
entraves no fluxo, além de desgaste dos usuários. Citou-se o encaminhamento equivocado para a
DCA, a qual recebe muitos casos de competência das delegacias comuns, além da confusão em
relação a maus-tratos e negligência. O profissional explicou que apenas no primeiro caso a
competência é da DCA, mas que tem recebido muitos casos de negligência contra criança e
adolescente e isso produz um volume grande de processos na DCA. Também citou o
encaminhamento de usuários diretamente ao ITEP/RN e a necessidade de toda a rede conhecer
que o fluxo não acontece dessa forma. O CEDECA pontuou que há uma confusão em relação ao
seu papel e explicou que atende apenas casos emblemáticos, que são os mais complexos, quando
a rede já não consegue mais dar conta. Apesar disso, informou o corrente encaminhamento pelo
CT de casos que não são demandas do CEDECA.
Os participantes do grupo também pontuaram a necessidade de mapeamento da rede e de
esse mapeamento ser de conhecimento de todas as instituições, visando a facilitar a visualização
das instituições, a própria comunicação entre serviços, e efetivar o fluxo da rede de
enfrentamento. Vale salientar que a proposta inicial do grupo foi a construção coletiva do fluxo
do território e, embora tenha sido pensada, a ausência de representantes prejudicou a sua
conclusão.
4.3. Práticas identificadas
Apresentam-se neste tópico as práticas identificadas na execução da política de
97
enfrentamento da violência sexual intrafamiliar contra crianças e adolescentes, que estão
organizadas nos três eixos do SGDCA. No Apêndice G, há a tabela de práticas realizadas nas
instituições investigadas.
4.3.1. Eixo defesa
Neste eixo, destaca-se a responsabilização do agressor e a aplicação de medidas protetivas
para as crianças e os adolescentes vitimizados. Essas duas ações foram bastante relatadas, tanto
entre as instituições que compõem a defesa, como pelos serviços dos outros eixos do SGDCA. O
MP e a DCA afirmam que a responsabilização do agressor e encaminhamentos da vítima para a
rede de proteção são suas principais atribuições no enfrentamento do abuso sexual contra crianças
e adolescentes. Ao ITEP/RN, a responsabilidade é acerca do processo de investigação, com os
exames periciais. Segundo Faleiros (2003, p. 76), “a responsabilização é o processo legal de
notificação, de investigação, de denúncia pública, de processo jurídico, de sanção e de
penalização (condenação) do abusador. Ela se focaliza no abusador e na sua responsabilização
social e legal pela transgressão efetivada”.
A responsabilização está fundamentada na CF, a qual determina, em seu Artigo 227, § 4o
que “a lei punirá severamente o abuso, a violência e a exploração sexual da criança e do
adolescente”. Entretanto, observa-se que essa responsabilização não tem sido um processo fácil.
Inúmeros são os desafios existentes para conclusão deste processo, dos quais podem-se destacar a
obtenção de provas, considerando que muitas vezes a situação de violência sexual intrafamiliar
não deixa marcas e dificilmente envolve um flagrante, e a morosidade do sistema policial e
judiciário. Nesse sentido, o MP afirma que a o afastamento do agressor, por exemplo, é uma
medida muito complexa, que necessita de indícios de autoria e materialidade, mas que esbarra
98
nas dificuldades de obtenção de prova, sendo possível aplicá-la: “Quando a gente tem indicio de
autoria e materialidade, elementos de autoria e materialidade bastante fortes, que indicam a
necessidade desse afastamento [do agressor] como elemento de proteção a família e a vítima
principalmente” (MP). Assim, o afastamento do lar ou uma prisão preventiva do agressor é algo
que na maioria das vezes não é realizado de imediato, a não ser que esteja diante de um flagrante
ou com provas evidentes. A discussão do tempo para o afastamento do agressor é importante, pois
sem o afastamento imediato, quem acaba sendo afastada é a criança – o que incorre em uma
revitimização. Sobre esse afastamento:
É raro, porque há casos também de denúncia de abuso sexual e que não procede. Eles [polícia]
têm que fazer toda a investigação. Quando é um caso escabroso, de flagrante, como foi o
segundo caso – que eu não sei como foi se filmaram, se bateram foto, alguma coisa assim –,
que, quando chegou lá, aí, realmente viram que contra fatos não existe argumentos, né?
Entendeu? Então, foi retirado ele de imediato, foi preso e tudo por causa do abuso, porque foi
um flagrante. Mas quando não sai o flagrante, não tem como. Aí, é aberto um inquérito; aí, é
encaminhado para investigação, para a Vara da Infância, tudo isso. E enquanto isso, a vítima
não pode ficar em casa, não pode ficar no mesmo teto do agressor. (CT)
O que se observa no presente relato é certa inversão em relação à pessoa afastada do ambiente
familiar: a criança ou adolescente vitimizado recebe como “medida de proteção” o acolhimento
institucional ou em família extensa, enquanto o agressor não é retirado do ambiente até que se
tenham elementos para que ele seja acusado. Isto reforça o histórico de como o acolhimento de
crianças e adolescentes no país esteve relacionado à culpabilização e revitimização das crianças e
suas famílias (Pinheiro, 2006). Além da sobreposição do direito do adulto em detrimento do da
criança, contrariando o princípio do melhor interesse da criança e da prioridade absoluta,
determinado pelo Estatuto da Criança e Adolescente.
Apesar das dificuldades, reconhece-se que a responsabilização do agressor é fundamental
99
para a vítima, no sentido de ela saber que sua denúncia e todo processo ao qual foi submetida não
foi em vão e que o violador foi penalizado. Quando isso não acontece, a rede identifica o
sentimento, pelas pessoas vitimizadas, de impunidade em relação ao agressor. “Porque não é um
crime qualquer. É um crime que a responsabilização do agressor faz parte do processo de
recuperação da vítima, ela saber que de alguma forma ele será punido” (DCA).
Melo (2014) afirma que a responsabilização é imprescindível, pois tem esse caráter
retributivo. Além disso, a responsabilização do agressor não se trata meramente de sua
penalização, mas também do seu tratamento, assumindo caráter também preventivo. Por isso, é
importante o acompanhamento não só da vítima e família, mas também do violador. Infelizmente,
nesta pesquisa, não foi possível identificar qualquer atividade nas instituições investigadas,
destinada a esse fim; ao contrário, durante toda a pesquisa a responsabilização do agressor foi
mencionada pelos atores da rede como sinônimo de sua penalização. É necessário superar a
perspectiva de responsabilização como mera penalização, tal atitude ampliaria o trabalho
preventivo realizado na rede a partir do alcance junto aos agressores. Faleiros (2003) afirma que é
praticamente inexistente no país o atendimento e o tratamento do abusador. Muitos, na prisão, são
submetidos a sevícias e ao sair voltam a cometer os mesmos crimes.
A responsabilização do agressor também aparece nos discursos dos entrevistados no
sentido de proteção da criança vitimizada e de outras crianças que por ventura viessem a se tornar
vítimas, além de estar associada à expectativa do retorno da vítima para casa, nas situações em
que a mãe ou responsável foi conivente com o agressor ou, por outras razões, afirmou não
acreditar na vítima e, então, a criança quem foi afastada do ambiente familiar, retornando
somente após a condenação do agressor – como pode ser visto na fala abaixo:
100
Então, como é um caso de crime, a gente também não precisa tá chamando, nós não vamos
chamar a mãe: “Ei! Receba sua filha!”, por quê? Porque ela mesma disse que não aceitava. O
que cabe é a justiça condenar o agressor, e de imediato! Pela criança estar na casa de um outro
familiar, ela poder voltar ao convívio familiar. (CT)
O que se observa é uma inversão de valores e de proteção. A rede não consegue ofertar à pessoa
vitimizada proteção adequada de forma ágil e efetiva, quiçá responsabilizar o agressor, tanto no
que se refere às questões legais, quanto na promoção de um tratamento adequado.
No que se refere às medidas protetivas, o CT pontua sua aplicação sempre que identifica
violação de direitos contra criança ou adolescente. Informa como procedimento do serviço a
produção do Termo de Declaração, que consiste na formalização do relato trazido pelo
denunciante quando chega ao CT – Termo que, nos casos de violência sexual intrafamiliar, é
encaminhado à DCA para providências. Indica como outras ações: a abertura da medida de
proteção; a requisição de acompanhamento psicológico para criança e adolescente e seus
familiares; a requisição de matrícula em novo estabelecimento de ensino quando, em razão da
mudança de domicílio, a criança e o adolescente necessita mudar também de escola; e a
necessidade de saber se a vítima permanece convivendo com o agressor: “Primeiro, se foi dentro
de casa... não é? Foi o abuso em casa... Se o agressor permanece ou não, nós temos que saber.
[...] O que nós temos que saber é se a vítima está ou não no mesmo local do agressor” (CT).
Nesse sentido, o CT procura pela família extensa e requisita o acolhimento institucional para
criança e adolescente, e relata algumas complicações quando o abusador é o provedor da família.
“O Conselho Tutelar vai entrar em contato com alguém da família, tenta localizar alguém da
família, se tem alguém que pode recebê-la, entendeu? Se não tiver, em último caso, o
acolhimento” (CT).
Pode-se observar a partir dos relatos a aplicação de distintas medidas de proteção (Art.
101
101, ECA, 1990), incluindo o acolhimento institucional, em situações nas quais a família extensa
é inexistente ou não pode receber a criança e o adolescente e se faz necessário afastá-la do
agressor. Entretanto, é importante problematizar a aplicação dessa medida de proteção em casos
de violência sexual intrafamiliar. Veja-se o que afirma o ECA, em seu Art. 130:
Verificada a hipótese de maus-tratos, opressão ou abuso sexual impostos pelos pais ou
responsável, a autoridade judiciária poderá determinar, como medida cautelar, o afastamento
do agressor da moradia comum. Parágrafo único. Da medida cautelar constará, ainda, a
fixação provisória dos alimentos de que necessitem a criança ou o adolescente dependentes do
agressor. (Art. 130, ECA, 1990, grifo nosso)
De acordo com as determinações trazidas no referido Estatuto, o afastamento previsto
deverá ser do agressor, e não da criança. O acolhimento da criança ou adolescente vítima de
violência sexual pode se configurar como uma revitimização da violência anterior. A Política
Nacional de Convivência Familiar e Comunitária enfatiza a necessidade de superar a cultura de
institucionalização de crianças e adolescentes, orientando a manutenção delas em ambiente
familiar e comunitário, visando à manutenção de vínculos e garantia de seus direitos. O que é
previsto de forma prioritária é a inclusão da família em programas de auxílio e proteção em casos
de violação de direitos (CONANDA/CNAS, 2006).
Em contrapartida e, corroborando o que foi trazido pelo Conselheiro Tutelar em seu
relato, Nery (2010) ressalta a difícil aplicação do que determina o Art. 130 do ECA: afastar o
agressor quando este convive com a criança sob o mesmo teto e, sobretudo, quando estes são os
provedores das famílias. A autora traz uma série de desafios que também foram identificados na
narrativa do Conselheiro: a violência nem sempre é relatada pela vítima ou pela mãe quando a
agressão parte do provedor do lar, seja o pai, padrasto ou outro companheiro, devido à
dependência financeira, afetiva ou até o medo. Por essa razão, reafirma-se a necessidade de
102
serviços que realizem o apoio social à família vitimizada, “pois é preciso diminuir riscos que
implicam a ausência ou distância do abusador” (Faleiros, 2003, p. 75), que realizem orientação e
acompanhamento em detrimento do acolhimento institucional da criança ou adolescente
vitimizados.
Já o CEDECA Casa Renascer afirma o amplo papel que tem exercido no SGDCA,
enfatizando sua prática em três grandes blocos: a defesa, a qual oferta defesa jurídico-social e
atendimento social, psicológico e educativo a crianças e adolescentes em situação de violência
sexual; a política, na qual realizam a ampliação e o fortalecimento do controle social sobre as
políticas públicas, ações de incidência política, mobilização social, formação sócio-política de
adolescentes e jovens, capacitações; e, por fim, ações de cunho preventivo. Além disso, realiza
atividades vinculadas ao Selo UNICEF, o qual torna a instituição responsável por prestar
assessoria e capacitação aos municípios do estado do RN acerca do enfrentamento à violência
sexual contra crianças e adolescentes. O acompanhamento sociojurídico e psicológico é ofertado
às famílias na condição de “casos emblemáticos”, os quais são representativos de uma tendência
social dominante de negação de direitos, cujo grau de complexidade é mais expressivo e exige
uma intervenção muito mais complexa e em rede. A partir desses casos, são realizados estudos
que culminam em processos de incidência política. Um exemplo é a incidência realizada na
DCA, visando à celeridade no tempo do inquérito policial nos processos que envolvem situações
de violência sexual contra criança e adolescente, após o acompanhamento de um caso no qual
essa situação pôde ser identificada.
4.3.2. Eixo promoção
Neste eixo, destaca-se o acompanhamento familiar de crianças e adolescentes em situação
103
de violência sexual intrafamiliar realizado pelo PAEFI – executado no CREAS, unidade da PSE
de Média Complexidade da PNAS. Ao PAEFI compete realizar, em articulação com toda a rede:
Apoio, orientação e acompanhamento a famílias com um ou mais de seus membros em
situação de ameaça ou violação de direitos. Compreende atenções e orientações direcionadas
para a promoção de direitos, a preservação e o fortalecimento de vínculos familiares,
comunitários e sociais e para o fortalecimento da função protetiva das famílias diante do
conjunto de condições que as vulnerabilizam e/ou as submetem a situações de risco pessoal e
social. (CNAS, 2009).
O acompanhamento familiar compreende uma série de ações que se somam para alcance
dos objetivos citados acima. São atendimentos continuados e executados a partir de uma gama de
possibilidades, de acordo com as demandas e especificidades de cada situação. Contemplam os
atendimentos individuais, familiares, coletivos ou em grupo, as orientações jurídico-sociais, as
visitas domiciliares, dentre outras atividades. Essa prática proporciona suporte social, emocional
e jurídico-social aos acompanhados; e espaço de escuta qualificada e reflexão, visando ao
empoderamento, enfrentamento e construção de novas possibilidades de interação familiar e com
o contexto social (MDS, 2011).
O CREAS Oeste faz o seguinte relato acerca das práticas realizadas:
O CREAS, ele atua, né? Na perspectiva de fazer um acompanhamento familiar às famílias que
estão em situação de violação de direitos, né? Então, a maioria dos casos, nós atendemos
diretamente as famílias que passaram por essa situação, as crianças e adolescentes, mas a
gente também tem um viés é... preventivo! Porque, às vezes, a gente associa muito a
prevenção à proteção social básica, mas o CREAS vem desenvolvendo muitas ações no
âmbito da prevenção quando se trata de questões de violação de direitos. E isso tem trazido...
Tem levado orientações e trazido as famílias a procurarem os serviços, né? O papel do
CREAS, realmente, é atender essa família, a gente faz um plano de acompanhamento com
essa família e tenta articular as políticas públicas, os serviços existentes para a gente
104
conseguir, né? Proteger essa criança ou esse adolescente, né? A gente trabalha prioritariamente
na questão da articulação. (CREAS)
Observa-se, a partir do relato trazido pela profissional, a execução do acompanhamento familiar
com ações de cunho protetivo e preventivo, destacando, sobretudo, a importância da articulação
no território – práticas em conformidade com o que é previsto pela PNAS (2004).
A profissional do CREAS cita, ainda, como prática do serviço, a construção do Plano de
Acompanhamento Familiar (PAF) – instrumento fundamental no acompanhamento às famílias,
conforme orientação para o trabalho social nesse estabelecimento: “a elaboração do Plano de
Acompanhamento junto com as famílias e indivíduos é essencial para guiar o trabalho social no
CREAS, bem como para delinear, junto aos usuários, a construção de novas perspectivas de vida”
(MDS, 2011, p. 58). O PAF deve ser construído de forma conjunta com a família. Deve delinear
as estratégias que serão adotadas no decorrer do acompanhamento especializado, e deve
estabelecer os compromissos de cada parte (técnicos e família), em conformidade com as
especificidades das situações atendidas (MDS, 2011). O CREAS informa que, no atendimento de
criança e adolescente vítimas de violência sexual, o PAF tem sido construído com as famílias.
Entretanto, muitas das metas estabelecidas não conseguem ser alcançadas em função das
dificuldades na rede e com a própria família: morosidade no processo policial e judicial; ausência
de serviços ou dificuldade de acesso, com destaque ao acompanhamento psicológico; alta
demanda na rede; não adesão da família ao acompanhamento; esgotamento de possibilidades de
ações; etc.
O CREAS traz a proteção da criança como a primeira medida a ser tomada no
acompanhamento familiar, ao identificar a situação de violência sexual contra criança e
adolescente. “Primeiro saber onde essa criança está; se o agressor ainda tem algum contato com a
105
família. Então, o primeiro passo é saber se essa criança tá protegida” (CREAS). A partir dessa
informação, outras medidas são tomadas, como o encaminhamento à DCA para realização de
denúncia; notificação ao CT, em conformidade com o que determina o Artigo 13 do ECA, para
aplicação de medidas de proteção; e articulação com o MP. Outras articulações são citadas, como
encaminhamento para acompanhamento psicológico, articulação com a rede de Educação, Saúde,
defensorias públicas quando necessário, etc. Apesar de pontuar que possui boa articulação com o
SGDCA como um todo, o CREAS ainda afirma certa dificuldade de diálogo e articulação com o
CT e a necessidade de capacitação dos Conselheiros.
O discurso do CREAS também enfatiza que as práticas de cunho preventivo na PSE têm
levado conhecimento aos usuários e promovido aproximação das famílias com o serviço. Acerca
disso, Sposati (2009) elucida que a ideia de proteção social necessita de forte mudança na
organização das atenções, pois “implica em superar a concepção de que se atua nas situações só
após instaladas, isto é, depois que ocorre uma „desproteção‟. Ela exige que se desenvolvam ações
preventivas” (p. 7). À luz dessa perspectiva, atuar na PSE é também promover práticas
preventivas, avançando no entendimento da própria prevenção. Sobre essas práticas, são citadas
ações de mobilização no CREAS e também em espaços coletivos, nas quais são realizadas
orientações à população, esclarecimento sobre a violência sexual contra crianças e adolescentes,
distribuídos panfletos informativos e apresentados os serviços.
A gente realiza as ações no CREAS e ações fora do CREAS, mas realizadas pelos
profissionais do CREAS, dentro do território, né? Acho que o período mais forte de ações em
relação a abuso e exploração é abril e maio – por conta da alusão ao 18 de maio –, mas
também outros períodos... Porque, às vezes, uma escola identifica um aumento no número de
casos – alguma situação assim –, às vezes nós somos mobilizados. Mas, prioritariamente,
nesse período, nós realizamos muitas ações, principalmente nas instituições parceiras.
(CREAS)
106
Complementou informando que foram organizadas, pelas coordenações dos CREAS e
coordenação do setor de média complexidade da SEMTAS, capacitações sobre violência sexual
contra crianças e adolescentes, cujo objetivo foi multiplicar o conhecimento para técnicos da
PSB: dos serviços de PAIF e SCFV, e também para o CT – este último com pouca adesão; e a
participação no Seminário em alusão ao 18 de maio, promovido pela SEMTAS. Além disso,
realizaram ações de mobilização em espaços de grande circulação no território, como na
rodoviária, por exemplo; e blitz nas avenidas mais movimentadas, em parceria com a equipe do
SEAS, para informar sobre violência sexual contra crianças e adolescentes, formas de
identificação e prevenção, e serviços disponíveis caso alguma situação seja identificada. O CRAS
também informou a realização de discussões sobre a temática nos grupos de convivência do
PAIF, como ação preventiva da PSB.
Vale salientar que ações de mobilização foram trazidas também por outros serviços do
SGDCA, especialmente pelo CEDECA Casa Renascer, que promove espaços de discussão sobre
direitos humanos com adolescentes e jovens em suas formações políticas e também com a
comunidade. O CT realiza ações nas escolas, em formato de palestras para crianças e
profissionais, quando solicitado, mas informa que essas ações são sempre pontuais, próximas ao
18 de maio, e enfatiza a necessidade de que se estendam durante todo o ano. A DCA relata que já
existiu um projeto – realizado há cerca de dois anos –, no qual a delegada da instituição visitava
escolas estaduais para discutir violência sexual, com o público de crianças, adolescentes,
profissionais da escola e pais; esse projeto não é mais realizado em função das demandas da
instituição. Atualmente, a DCA participa de eventos alusivos ao 18 de maio – cujo tema é o
combate à violência sexual contra crianças e adolescentes – e de ações como “operação carnaval”
e “operação veraneio”, nas quais ocorrem panfletagens que esclarecem, dentre outras coisas,
107
acerca da violência sexual contra crianças e adolescentes. Assim, identificaram-se ações de
mobilização preventivas com a comunidade pelo CREAS e pelo CEDECA Casa Renascer e,
muito incipiente, pelo CT. Embora todas realizadas de modo isolado. Não se observaram, nos
relatos trazidos, articulações de modo que essas ações pudessem ser realizadas em conjunto pelos
distintos serviços. Todas as instituições pontuaram de forma enfática que uma maneira de
aprimorar a rede e fortalecer o enfrentamento seria investir em ações de caráter preventivo e de
esclarecimento à população, levando informação e falando sobre o assunto. Apesar disso, quando
perguntado acerca das ações de mobilização, a maioria não percebia estas como uma prática
frequente das instituições.
Outro ponto que merece destaque é a ênfase dada pelo CREAS, CT e DCA à necessidade
de acompanhamento psicológico pelas crianças e adolescentes e suas famílias. Assim, a
realização de encaminhamento para psicoterapia é relatada como indispensável ao conjunto de
ações e medidas realizadas por cada um desses serviços no acompanhamento a crianças e
adolescentes em situação de violência sexual. Veja-se:
Acompanhamento terapêutico. Assim... A terapia, a gente identifica que em todos os casos são
necessários, inclusive com alguns familiares... A gente já pegou caso de parentes estarem
muito abalados! E identificar também como é que essa família tá lidando... [...] Então, a gente
trabalha também nessa perspectiva de acompanhamento terapêutico. (CREAS)
Agora, a gente está com os encaminhamentos de Psicologia aqui! A gente tem uma estagiária!
[...] No momento em que a vítima está sendo ouvida aqui, eu sempre pergunto se ela já está
tendo acompanhamento psicológico, porque, às vezes, ela já vem com o acompanhamento
psicológico. Aí, quando não tem, eu pergunto se ela tem interesse de conversar com a
psicóloga. [...] Aí, ela conversa com a estagiária e a estagiária faz o encaminhamento. [...] Tem
sido bem positivo isso, sabe? Eu sentia essa lacuna do acompanhamento psicológico que é...
Eu acho que é o principal, talvez, nesse contexto, né? (DCA, 2018)
108
Entretanto, o CREAS, CRAS, CT, COMDICA e outros serviços afirmam que o território (região
administrativa Oeste) dispõe desse serviço de maneira muito incipiente, o que se configura como
um grande entrave na rede – discutido no tópico de Desafios a serem superados.
4.3.3. Eixo controle
Neste eixo, apresentam-se as práticas de monitoramento e avaliação das políticas públicas
destinadas ao enfrentamento da violência sexual contra crianças e adolescentes, a partir do
trabalho do COMDICA do Município de Natal. Veja-se o que relata o próprio Conselho:
O COMDICA, o Conselho, ele tem a intenção de monitoramento. Uma das principais
atribuições é o monitoramento das políticas públicas voltadas para crianças e adolescentes; e,
pelo que se observa nos dados, nos levantamentos de demandas na questão da violação dos
direitos, a questão do abuso sexual tem um índice bem significativo diante da rede de
atendimento. (COMDICA)
Os Conselhos de Direitos são previstos pela CF, a qual adotou o princípio de participação
popular na elaboração e formulação das políticas públicas (Vilela, 2005). Os COMDICA devem
“acompanhar, avaliar e monitorar as ações públicas de promoção e defesa de direitos de crianças
e adolescentes, deliberando previamente a respeito, através de normas, recomendações,
orientações” (CONANDA, 2006). O Conselho afirma que o levantamento das demandas de
violação no município indica um índice significativo dessa violação na rede de atendimento.
Identificou-se que o COMDICA estabelece uma intensa articulação com o SGDCA,
especialmente com a PNAS. O COMDICA tem participado e colaborado com reuniões
intersetoriais, eventos da rede, seminários e outras atividades, inserindo-se nos espaços a fim de
explicar o trabalho e a função do Conselho e fortalecer suas ações. Além disso, realiza as
reuniões de deliberação relacionadas às suas competências. Entretanto, algumas dificuldades
109
puderam ser identificadas; a mais mencionada pelo Conselho foi a ausência de financiamento
adequado para fortalecimento de ações destinadas à infância e adolescência – como pode-se
observar no relato:
Seria interesse político e público a destinação de orçamento pra que a gente pudesse priorizar
ou fazer valer o que prevê o Estatuto da Criança e do Adolescente. A gente ainda não consegue
ver efetivamente nos investimentos públicos a priorização em ações voltadas ao atendimento à
criança, às situações que remetem a criança e ao adolescente. Então, isso tem sido uma grande
luta, né? Porque, em todas as áreas [da infância], você percebe ainda que não existe essa
priorização de investimento. Quando, se não tem recurso, a primeira oportunidade em campo
de retirada de recurso é justamente nessa área de criança e adolescente, de Assistência Social,
de Saúde. Então, realmente falta... Eu diria, nacionalmente, um interesse realmente político de
investimento na área. (COMDICA)
As políticas sociais públicas para a infância e juventude têm sua atividade prejudicada em
função da destinação insuficiente de orçamento. Essa é uma realidade não apenas do município
de Natal, mas um reflexo do desmonte nacional das políticas sociais observado nos últimos anos.
De acordo com o estabelecido no Artigo 227 da CF e no ECA, é dever da família, da sociedade e
do Estado assegurar a efetivação dos direitos das crianças e adolescentes com absoluta
prioridade. Essa garantia compreende a preferência na formulação e execução das políticas
sociais públicas da infância e adolescência com destinação privilegiada de orçamento, o que,
infelizmente, vai de encontro ao relatado pelo COMDICA de Natal. Essa é uma questão
importante, uma vez que políticas sociais não se efetivam sem financiamento. Em conformidade
com o que se observa historicamente no país, identificam-se políticas sociais precarizadas. Como
muito bem citou Souza (2012, p. 193), há “uma política pobre, para os pobres”. Trata-se da lógica
de um Estado mínimo, que nunca deixou de ser mínimo, cuja “destinação orçamentária para a
área social se dá no limite mínimo de intervenção estatal, e não visa o fim das mazelas sociais,
110
mas apenas o controle dos altos indicadores nacionais de pobreza, fome, violência, etc.” (p. 193-
194). Assim, há a necessidade de maior financiamento para políticas que fortaleçam a defesa de
direitos de crianças e adolescentes.
Outro desafio mencionado pelo COMDICA se refere ao monitoramento e avaliação das
políticas públicas, uma vez que os índices de violações e atendimentos realizados pelo CT não
são enviados ao Conselho com a frequência adequada ou não contêm qualidade de informações
necessárias, existindo uma série de subnotificações. O próprio CT afirma ser difícil contabilizar
esses dados na íntegra.
A gente atua no levantamento dos índices de violação. Então, os equipamentos, no caso mais
diretamente os conselhos tutelares, eles nos remetem, ou deveria remeter, dados, né?
Periodicamente, na realidade trimestralmente, relatórios com os índices de violação
apresentados nos atendimentos. (COMDICA, grifo nosso)
Assim, o monitoramento está aquém do esperado, com dados que não refletem a realidade das
ações, atividades e atendimentos realizados nos serviços. Por fim, é interessante pontuar que a
prática de fiscalização e controle das políticas sociais não foi muito citada pelo referido
Conselho, inexistindo a informação de como tem se operacionalizado essa fiscalização das
políticas públicas.
4.4. Potencialidades
Questionaram-se quais potencialidades os profissionais identificavam no serviço, no
trabalho realizado e no território que contribuem para o enfrentamento da violência sexual
intrafamiliar. A partir disso e da discussão no grupo focal, identificaram-se quatro
potencialidades: recursos humanos; ampliação e estruturação de serviços; cumprimento do papel
institucional, e instituição como lugar de segurança. Em algumas entrevistas, foi possível
111
reconhecer certa hesitação no momento de apresentar potencialidades. Alguns entrevistados só
responderam após certo momento de reflexão. O CT afirma não identificar potencialidades,
embora, em outro momento da entrevista, tenha reconhecido avanços – que serão expostos
posteriormente. Apesar de pontuar que não há potencialidades, o CT não se fez presente na
discussão do grupo focal, o qual poderia se constituir como espaço de construção de novas
possibilidades de fortalecimento da rede.
4.4.1. Recursos humanos
Os profissionais apresentaram como potencialidade mais significativa os recursos
humanos presentes nos serviços, seja em razão da capacidade técnica dos profissionais ou pelo
comprometimento com o trabalho. O MP afirma que há uma grande abertura dos profissionais e
das instituições e que essa é uma potencialidade importante para que o trabalho em rede possa
acontecer. A DCA, o CREAS e o CEDECA enfatizaram a “a equipe”: “A equipe! A gente tem
uma equipe boa, apesar de pequena, a equipe é boa, tem uns aqui que trabalham há muitos anos
com a matéria” (DCA).
A DCA afirma que, apesar de dispor de uma equipe pequena, esta é comprometida, e a
experiência de alguns profissionais na área torna-se um diferencial na execução do trabalho. Vale
relembrar que a DCA conta com oito agentes para atender o município de Natal e Região
Metropolitana de Natal, e que a carência de recursos humanos é apresentada durante toda a
entrevista como principal entrave na execução da política nessa instituição. O CEDECA fala da
qualificação dos profissionais, da atuação horizontalizada e da implicação com as temáticas
relacionadas aos direitos humanos como um diferencial para o trabalho. Além de esclarecer que a
qualificação é uma atividade presente na práxis da própria instituição.
112
Enquanto instituição, a gente tem várias potencialidades, eu acho que começa pela equipe.
Essa equipe é voltada nessa perspectiva de direitos humanos, né? É uma equipe qualificada –
qualificada, que eu digo, que ela não veio com qualificação, mas o processo da casa faz que
essa equipe se qualifique, né? (CEDECA)
O CREAS enfatiza a diferença que profissionais implicados com o trabalho representam para a
execução da política socioassistencial.
Olha! Eu acho que a maior potencialidade é a equipe estar comprometida, né? [...] No
trabalho, em casa, sabe? Nós temos profissionais, tem uma profissional aqui com afinidade
com esse tema que estuda. Inclusive, nós estávamos acompanhando um caso de abuso, ela
comprou alguns livros da temática pra poder se aprofundar sobre o atendimento psicossocial à
criança que foi vítima de abuso. Então, a gente vê que os profissionais estão comprometidos,
né? [...] Os nossos recursos humanos fazem milagres. (CREAS)
A palavra “milagre” remete à ideia de realização de algo com certo grau de dificuldade ou até
improvável, considerando todas as dificuldades que pululam o universo das políticas sociais,
ainda mais se tratando da violência sexual intrafamiliar de crianças e adolescentes que apresenta
tantas especificidades. O comprometimento da equipe é ilustrado pelo movimento da profissional
do CREAS de se debruçar sobre a temática da violência sexual, até mesmo fora do seu ambiente
de trabalho, para ampliar a compreensão acerca do atendimento à criança vítima de violência
sexual. Isto contribui para o aprimoramento do próprio serviço, pois as informações adquiridas
pela profissional são compartilhadas com outros colegas. O COMDICA também destaca o
comprometimento das instituições vinculadas ao Conselho e dos próprios Conselheiros: “No
conselho existe muito comprometimento das pessoas e das instituições envolvidas, né? Isso com
relação ao próprio COMDICA” (COMDICA).
Há, ainda, relatos de situações observadas em profissionais de outras políticas, como
exemplo de comprometimento identificado na rede.
113
Uma professora de um caso que a gente estava acompanhando que, todo dia após a aula, no
dia da terapia da menina, ela saia da escola, pegava a mãe e a menina, levava para a terapia e
trazia de volta. Então, assim, existe aquela vontade de fazer até quando extrapola os recursos
que nossas instituições têm. (CREAS)
Essa história se refere ao caso de uma criança que foi vítima de violência sexual e, após a
situação ser descoberta, a aluna só estava em acompanhamento psicológico porque uma
professora se disponibilizou a levá-la à terapia, uma vez que os responsáveis pela criança não
dispunham de recurso para custear o deslocamento. Embora seja um nítido exemplo de
implicação e até empatia da profissional com a criança, é fundamental pontuar que essa situação
resulta da ausência do Estado na garantia dos direitos sociais dessa família à saúde, ao transporte
e, talvez, ao trabalho. Em uma análise ainda mais ampla, a necessidade de acompanhamento
psicológico só surgiu após a falência de outro direito da criança: o de proteção, de se manter a
salvo de qualquer forma de violência, crueldade e opressão. Veja-se o artigo 6o da CF: “Art. 6
o –
São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o transporte, o
lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos
desamparados, na forma desta Constituição”. Nesse sentido, não compete aos profissionais – por
mais bem-intencionados que estejam – suprir as consequências advindas da desresponsabilização
estatal, mas, pressionar esse Estado – até mesmo como parte do seu trabalho –, para que se criem
condições de prover e atender as demandas sociais, garantindo aos cidadãos os direitos
estabelecidos constitucionalmente. Essa reflexão é importante, muito embora compreenda-se que
as ações pessoais (ou coletivas) que “extrapolam os recursos que nossas instituições têm” muitas
vezes fazem referência ao que está presente nas relações interpessoais, no contato com as
famílias, com as políticas sociais, com suas instituições, e até pela própria compreensão de
sociedade e de homem no mundo. Ainda assim, reitera-se que o Estado não pode permanecer
114
omisso ou acomodado diante das violências e desigualdades existentes. Cabe a todos o papel de
cobrá-lo de suas obrigações para com a sociedade brasileira.
4.4.2. Ampliação e estruturação de serviços
A segunda potencialidade mais referida nas entrevistas e no grupo focal é a ampliação
e/ou estruturação de serviços, tanto por meio da publicação de regulamentações nas políticas
sociais e de avanços nas pautas e discussões do SGDCA, como pela ampliação de recursos
humanos na PNAS do município do Natal – ocorrida após o concurso público da SEMTAS,
realizado no ano de 2016. O CEDECA Casa Renascer enfatizou a continuidade dos profissionais
nos serviços após a realização do concurso e a consequente ampliação do diálogo na rede: “Aqui
em Natal, o que é que eu percebi? A questão do concurso público, a continuidade dos
profissionais após concurso público... A gente tá conseguindo dialogar” (CEDECA). A
representante do COMDICA fez referência à estruturação dos CRAS e CREAS: “Hoje, o que a
gente vem percebendo, um aumento, uma melhoria – digamos assim – seria no âmbito da
Assistência pela constituição dos CREAS, dos CRAS. A gente consegue ver, mas, mesmo assim,
ainda não exatamente na potencialidade devida, né?” (COMDICA).
É preciso ressaltar que, antes do concurso específico para a SEMTAS em 2016, o último
concurso municipal havia acontecido em 2006. Então, as unidades de CRAS e CREAS (e demais
unidades das SEMTAS) eram constituídas por equipes com poucos profissionais. A grande
maioria dos trabalhadores não era servidora, possuía vínculos precarizados, e havia certa
rotatividade de profissionais. Houve um longo período de intervenção do MP e, após decisão
judicial, o último concurso da SEMTAS foi realizado. Para o MP, a convocação de novos
profissionais para compor as equipes dos serviços do SUAS significou uma renovação na rede e
115
seus serviços, uma ampliação nas interações institucionais e um consequente avanço na
compreensão dos fenômenos trabalhados. Veja-se: “Acho que outro fator é uma renovação do
serviço ocorrido recentemente; e essa renovação trouxe uma lufada, uma compreensão do
fenômeno, trouxe uma interação muito melhor e maior” (MP). Corroborando a fala acima, o CT
compara o momento atual da política ao anterior:
Porque o pessoal na época não era concursado, que agora são, né? Que realmente agora
melhorou, não vou também ser só crítico, também tem que elogiar! [...] Aí, o que foi criado
agora? Uma Equipe de Referência dos Conselhos Tutelares [ERCT]. A ser algo mais
emergencial, aciona. Realmente, eles fazem a visita, acompanhado conosco. Realmente,
melhorou mais o fluxo em relação a isso. (CT)
A ERCT foi criada por meio de um Termo de Compromisso Operacional, assinado em 27
de novembro de 2014, para estabelecimento do fluxo de atendimento das denúncias do Disque
100, referente a crianças e adolescentes no município do Natal, no qual participou o MP do
estado do RN, o MP do Trabalho da 21ª Região, o Município do Natal, a Polícia Civil do RN e o
COMDICA. O CT participou da discussão, no entanto, discordou do documento e não o assinou.
O Termo define as obrigações de cada instituição participante. Dentre as obrigações da SEMTAS,
na cláusula 3.5.4, compete: “Disponibilizar equipe técnica, composta no mínimo de dois
assistentes sociais e um psicólogo, na sede da SEMTAS, para prestar apoio técnico à atuação dos
Conselheiros Tutelares de Natal”. Embora o Termo de Compromisso não tenha sido assinado por
todos, a ERCT foi constituída em 2014 e tem funcionado desde então. Atualmente instalada na
SEMTAS, a equipe é composta por uma assistente social e uma psicóloga, que dão suporte aos
cinco CT. O objetivo principal da equipe é auxiliar nos procedimentos relativos à averiguação
preliminar das denúncias que chegam ao CT. Assim, quando solicitadas, elas realizam
atendimentos psicossociais com o CT nas sedes do serviço, visitas domiciliares e elaboração de
116
relatórios para fins de encaminhamento.
A estrutura do próprio serviço foi outro aspecto destacado como potencialidade. O
CEDECA Casa Renascer pontua a importância de ter uma sede própria com endereço fixo há 27
anos. A DCA, além da estrutura física da instituição, afirma o avanço na coleta das oitivas, uma
vez que tem sido realizada gravação em vídeo, o que permite uma maior aproximação do
Promotor de Justiça ao processo de investigação ocorrido.
A estrutura também é boa! A gente, por exemplo, as oitivas em vítimas investigadas são feitas
em vídeos. Isso auxilia muito o promotor, porque ele não recebe só o papel frio, né? Ele recebe
o depoimento da criança, filmado, do investigado também. (DCA)
O CRAS pontua o número de serviços disponíveis e a proximidade com os serviços
dispostos no território como potencialidades:
O número de mecanismos que a gente tem aqui nessa rede, porque aqui em Felipe Camarão a
gente tem o NAM, que é o Núcleo de [Amparo] Apoio ao Menor, trabalha o Conselho Tutelar
que está aqui... Oeste, está dentro do território da gente – de Felipe Camarão. Então, eu acho
que isso contribui porque tem mais facilidade da gente correr atrás, né? Está mais próximo.
(CRAS)
Como a região administrativa Oeste possui grande extensão, a profissional valoriza o fato de
haver serviços instalados no mesmo bairro ou nos territórios mais próximos, o que contribui para
a execução das ações, uma vez que essa proximidade tem facilitado os fluxos no território.
O CEDECA pontua como potencialidade a publicação de regulamentações nas políticas
sociais e os avanços nas pautas e discussões no SGDCA:
Enquanto Sistema de Garantia, eu acho que as instituições – da forma como elas estão postas e
depois dos processos de tipificação da Assistência, da humanização do SUS, da temática dos
direitos humanos da criança e adolescentes serem pautadas e trabalhadas, seja pelos
117
movimentos sociais... – elas estão conversando e dialogando nos diferentes espaços. Eu acho
que isso é uma potencialidade, né? (CEDECA)
A profissional faz referência à Tipificação Nacional de Serviços Socioassistenciais, publicada
pelo CNAS (2009), a qual descreve todos os serviços do SUAS, quem são os usuários, os
objetivos, provisões, condições e formas de acesso, aquisições dos usuários, período de
funcionamento, unidade de realização, abrangência, impacto social esperado, articulações e suas
regulamentações, contemplando a PSB e PSE de Média e Alta Complexidade (CNAS, 2009).
Também destaca a Política Nacional de Humanização (PNH) do SUS, criada em 2003, para
efetivar os princípios do SUS no cotidiano das práticas de atenção e gestão, qualificando a saúde
pública no país e incentivando trocas solidárias entre gestores, trabalhadores e usuários. A PNH
traz seu marco teórico-político, princípios, diretrizes, dispositivos, estratégias e parâmetros para
adoção de ações que devem estar inseridas em todos os serviços e programas do SUS. Esta
apresenta cinco diretrizes centrais para orientar a ação das equipes: o acolhimento, orientação
ética de produção de cuidado compartilhado; a gestão democrática das organizações de saúde,
dos processos de trabalho e de formação, da clínica e da saúde coletiva; a clínica ampliada; a
valorização do trabalho dos trabalhadores da saúde; e a garantia dos direitos dos usuários
(Ministério da Saúde, 2010). A profissional informa, ainda, a ampliação e disseminação da
temática dos direitos humanos de crianças e adolescentes nos espaços onde o tema está sendo
discutido e pautado, seja pelos movimentos sociais ou por outros – o que tem se configurado
como uma grande potencialidade.
O reconhecimento da existência do SGDCA e a compreensão de que existem serviços
disponíveis para lidar com os direitos de crianças e adolescentes pelos usuários, famílias e
comunidade em geral é outro ponto destacado pelo CEDECA:
118
De território, eu acho que uma das potencialidades é que se passou a compreender de algum
pouco tempo pra cá que existe um Sistema de Garantias de Direitos de Crianças e
Adolescentes, né? Falando em relação à comunidade em geral. Ele pode não entender esse
sistema, mas existem instituições que atendem essas crianças, seja o Conselho Tutelar, seja
escola, enfim, que existe esse sistema. Eu acho que isso é uma potencialidade! (CEDECA)
Essa compreensão se materializa no próprio acesso ao serviço, quando um usuário procura por
orientação, acompanhamento, apoio ou informação. Ainda que não tenha dimensão da
complexidade do SGDCA, já se sabe que existem serviços que realizam atendimento em situação
de violação desse público. Pode parece algo simples, mas só até considerar-se que o
desconhecimento dos serviços, por vezes, é causa da ausência de acesso aos direitos sociais.
4.4.3. Instituição como lugar de segurança
A última subcategoria referente às potencialidades que chamou bastante atenção é o fato
de a instituição ser lida como lugar de segurança para as vítimas. Esse aspecto é trazido pelo
profissional da escola, que identificou na instituição a oferta de acolhimento e segurança aos
alunos, um cuidado para além do trabalho pedagógico formativo das crianças e adolescentes.
Eu acho que o nosso ponto forte... Eu ainda acredito nessa escola como algo positivo dentro da
rede. [...] Então, eu acho que um ponto forte da gente, que a gente tem, é principalmente para
o enfrentamento dessas questões [de violência]. [...] Acho que esse é um ponto forte pra gente
e é também um lugar onde os alunos gostam de estar, eles se sentem seguros aqui. No passado,
as coordenadoras... Eles fizeram... Participaram de um curso que era contra drogas e a
violência – que foi desenvolvido inclusive em parceria com a UFRN. Existia umas espécies de
termômetros, onde iriam pontuando 1,2,3,4... E aí, eles iam pontuando qual o lugar que eles se
sentiam mais seguros no bairro; e a escola era o lugar onde eles se sentiam mais seguros, mais
acolhidos. Exatamente porque a gente lida muito com o aspecto humanitário da coisa, de
procurar ver o outro não como um problema, mas como um ser humano que está ali e que
119
precisa ser ajudado e que a gente procura realmente “linkar” com eles e estabelecer uma
parceria de confiança com os alunos. Acho que esse é um ponto forte que a gente tem.
(Escola)
No presente relato, identifica-se a escola como lugar de enfrentamento das questões de violência
presentes no território e desse enfrentamento sob a perspectiva de vinculação e aproximação com
os alunos, construindo um ambiente de confiança, no qual o apoio é ofertado. Ter a instituição
como lugar de segurança para as próprias crianças e adolescentes é muito potente, considerando
que é na escola, muitas vezes, que a situação de violência sexual intrafamiliar é revelada ou
identificada (Inoue & Ristum, 2008; Ippolito & Wille 2014).
Inoue e Ristum (2008) afirmam que, depois do cuidador responsável pela criança, o
educador é a figura que mais tempo permanece com a criança e que a escola pode ser um local
ideal para detecção, intervenção e promoção de fatores de proteção que diminuam a violência e
seu impacto sobre o desenvolvimento. Nesse sentido, a escola pode se configurar como atenuante
ou agravante dos danos da violência sexual. Assim, torná-la esse lugar de segurança e ter a
perspectiva acolhedora dos profissionais são fundamentais para a proteção e garantia dos direitos
das crianças e adolescentes.
4.5. Desafios a serem superados
Os desafios são apresentados em forma de tópicos, embora no discurso dos profissionais
tenham aparecido de forma muito concatenada, sobreposta, relacionada. Entende-se que uma
dificuldade acaba gerando outras e intensificando algumas já existentes e, nesse sentido, vai se
construído um cenário, que é o da rede de enfrentamento, contextual, atravessado por muitos
desafios e constantes tensões. Na Tabela 2, há a frequência dos códigos identificados na categoria
120
desafios.
Tabela 2
Desafios da atuação do SGDCA
Desafios n
Violência institucional/revitimização 24
Ausência de rede 19
Alta demanda 17
Morosidade/burocracia 17
Recursos humanos 16
Desconhecimento de atribuições 15
Desarticulação 13
Conselho Tutelar 12
Afetação dos profissionais 10
Capacitação/formação 8
Estrutura e recursos materiais 8
Ausência de investimento 7
Agressor provedor 7
Falsas denúncias 6
Prioridade absoluta 5
Obtenção de provas 4
Avaliação do trabalho 1
4.5.1. Violência institucional e revitimização
O desafio mais apresentado pelos entrevistados é a violência institucional e/ou
revitimização da criança e do adolescente. As situações, muitas vezes, não são nomeadas dessa
forma, mas são apresentadas como uma preocupação dos entrevistados com a sua ocorrência e a
necessidade em pensar formas de superá-las: “Oferecer um serviço de qualidade, né? Que
preserve... Que pense na questão da revitimização, na violência institucional também, né? Que
121
acontece!” (DCA). Esse tema foi bastante discutido também no grupo focal, ocasião em que os
profissionais elencaram, com compartilhada indignação, situações que ocorrem na rede, e traziam
a necessidade de encontrar estratégias que as superem, embora não tenham apresentado o que
efetivamente pode ser feito. As falas se resumem a: “Gente! Isso não pode mais acontecer!” ou
“É um absurdo que isso ainda aconteça!”. Algumas situações apresentam de forma mais
contextualizada a complexidade da violação em questão:
Eu noto assim que, no depoimento das crianças e adolescentes, o sofrimento maior acaba nem
sendo a violência sexual em si, mas o abalo trazido na estrutura familiar. Ela fica tão abalada
com aquilo de ver a mãe sofrendo ou uma tia sofrendo – porque é marido da tia, né? – ou
então um amigo muito próximo da família. Então, toda essa assistência, tanto à vítima quanto
às pessoas próximas desse ambiente familiar, precisa desse acompanhamento [psicológico].
Pra entender que a aceitação nesses casos é muito difícil, de que a violência ocorreu, sabe? E,
às vezes, a criança acaba isolada. Ela acaba isolada, e isso faz muito com que ela mude as
versões dos fatos. Ela vê como se fosse uma causadora de uma grande confusão, e ela quer pôr
um fim naquilo, porque, além do sofrimento da violência sexual, ela está sendo, também,
como se fosse o motivo da discórdia – pra ela, né? Ela se sente assim! (DCA)
A profissional afirmou que ocorrem mudanças na família após a revelação ou descoberta da
violência e que é difícil para as crianças e adolescentes vitimizados compreenderem que não são
as responsáveis por todas essas transformações, e sim o violador. Faleiros (1998b) afirma que as
pessoas vitimizadas são traumatizadas pelo medo, pela vergonha, pelo terror. Entretanto, no
decorrer desse processo, é a criança que, muitas vezes, é isolada ou afastada do ambiente familiar
em processos de acolhimento institucional ou mesmo no próprio ambiente doméstico. Isso a faz
sofrer duplamente; primeiro, em razão da violência sexual, segundo, quando ela acredita ser a
causadora de todo o sofrimento que surge após a revelação.
Processos de revitimização podem ocorrer tanto no espaço familiar como nas instituições
122
da rede. No primeiro caso, quando se referem ao isolamento que, por ventura, a criança ou
adolescente possam ser submetidos no ambiente familiar. Muitas vezes, pelo despreparo dos
familiares no trato com a pessoa vitimizada. Em razão da situação atípica, provavelmente nunca
ocorrida antes, que pode deixar os membros da família sem saber como agir e/ou o que dizer a
criança ou adolescente e, assim, permitir que situações de revitimização aconteçam. No segundo
caso, pela responsabilidade institucional de prestar à vítima e aos familiares o acolhimento,
orientações e informações que visem à compreensão do caso, à responsabilização do agressor –
principalmente para que a criança não se sinta nem seja culpabilizada –, à rede de apoio existente,
às fases dos processos, aos sentimentos comuns das vítimas e as formas de compreendê-los, e
demais informações que se fizerem necessárias. Faleiros (1998b, n.p.) afirma que “a pessoa
vitimizada é que é punida e revitimizada. Esse processo de revitimização é, muitas vezes,
repetido, no processo de atendimento”. Nesse sentido, a rede deve estar preparada para atender as
mais diversas necessidades das famílias.
A profissional da DCA também pontua que, em razão dessa situação, o depoimento da
criança pode modificar-se, possivelmente na tentativa de superar o isolamento, o sentimento de
culpa ou visando a não desagradar (mais) alguém. A criança quer ver esse processo se encerrar
para sanar os problemas. Contudo, a mudança do depoimento pode trazer consequências ruins na
investigação e, posteriormente, no julgamento do processo, pois, muitas vezes, a inconsistência
do depoimento da vítima é usada como argumento de defesa do réu, podendo até inocentá-lo.
Melo (2014) afirma que o trabalho policial de atendimento a crianças vítimas de violência sexual
demanda habilidade, sensibilidade e compromisso dos profissionais envolvidos. Ela traz algumas
especificidades referentes a esse tipo de crime: a vítima, diferente de outros crimes,
possivelmente, ainda terá contato com o agressor; a ausência de uma cultura de educação sexual,
123
o tabu relacionado ao tema e em razão disso os sentimentos de medo, culpa e dúvida presente nas
vítimas; a incompreensão do caráter reprovador das ações que as vitimizam faz as vítimas não se
verem como destinatárias do direito de não serem molestadas; o envolvimento de demais
membros da família, além da vítima e agressor – acrescento, os demais vínculos existentes; a
forma de expressão peculiar das crianças e adolescentes que nem sempre é o discurso linguístico
comum que a sociedade está habituada e o consequente despreparo para lidar com outras formas
de expressão. Todas essas peculiaridades exigem dos profissionais da rede e, neste ponto
especificamente da DCA, uma atenção e cuidado redobrado, na tentativa de evitar que processos
de revitimização aconteçam. Compreender as características peculiares do crime e das vítimas é,
também, permitir que eles se sintam protegidos, acolhidos e compreendidos diante das tantas
situações novas e, muitas vezes complexas, que surgem no processo investigativo.
Além das vivências relatadas pela DCA, alguns desafios relacionados ao ITEP/RN
merecem atenção. Abaixo, apresenta-se um relato de quando famílias são encaminhadas à
instituição após a ocorrência de denúncias anônimas: “As pessoas chegam aqui sem saber
exatamente o que aconteceu, né? O porquê, o porquê de estarem aqui. Quando se trata de
denúncia anônima, né?” (ITEP/RN). As famílias são encaminhadas ao ITEP/RN para que as
crianças ou adolescentes realizem os exames periciais e, muitas vezes, chegam à instituição sem
saber o motivo e o objetivo de terem sido encaminhadas. Melo (2014) reflete que os serviços
policiais especializados – até mesmo os Institutos de Medicina Legal – foram criados em razão
do reconhecimento de que determinados crimes têm suas especificidades, “não apenas em razão
do fato em si, mas, principalmente, pela atenção diferenciada que certas vítimas demandam”
(Melo, 2014, p. 214). Crianças e adolescentes estão em fase peculiar de desenvolvimento e
necessitam de maior suporte e apoio e informação na condução das ações relacionadas a esse tipo
124
de crime.
Nos deparamos com algumas complexidades que não estão presentes em outros crimes. Por
exemplo, em um crime de roubo, a vítima dificilmente se sentirá em dúvida quanto a registrar
a ocorrência e a fornecer a maior quantidade de informações que levem à responsabilização do
autor. Mesmo nos casos de traumas, a responsabilização do autor será motivo de conforto e de
tranquilidade para a vítima. Em caso de violência contra a criança e o adolescente, a realidade
é outra: primeiramente, estamos diante de pessoas ainda em formação e que, por isso,
convivem com uma série de incertezas, desconhecimentos e, ainda, com a dificuldade, muitas
vezes, de se fazerem compreender e de serem plenamente acreditadas. Somado a isso, há que
se considerar que grande parte da violência praticada contra a criança e o adolescente é
perpetrada por familiares ou por pessoas próximas que, a rigor, deveriam cuidar-lhes e
proteger-lhes. Disso decorre mais um conflito: o reconhecimento de que seu algoz é alguém
que deveria lhes amar e proteger. Diante disso, não há como não reconhecer que esses crimes
não podem ser tratados como os demais. (Melo, 2014, p. 215)
Nesse sentido, o atendimento à criança e ao adolescente vitimizados exige um acolhimento, que
envolve explicação acerca das razões pelas quais ele está ali, o motivo pelo qual ele será
encaminhado a outro serviço, a retirada de qualquer dúvida que, por ventura, ainda esteja
presente e se algo ainda está confuso. São ações “simples” que fazem toda a diferença para quem
recebe o atendimento. As situações, por vezes, já são tão constrangedoras e emocionalmente
desgastantes para os usuários, que se torna fundamental a presença de humanização no
atendimento.
Identificou-se como desafio, ainda, a ausência de um espaço adequado para crianças e
adolescentes que aguardam atendimento no ITEP/RN. Elas dividem espaço com pessoas que
vivenciam outras situações de violação de direitos: mulheres vítimas de violência, sujeitos
condenados à privação de liberdade que aguardam exame de corpo de delito ou avaliação
psiquiátrica em razão de transtorno mental, etc. A fala da profissional permite materializar o
125
cenário com o qual crianças e adolescentes se deparam ao se dirigirem ao serviço.
O contexto ITEP, porque você vivencia – desde o momento da entrada – situações muito fortes
pra você; não sou eu que estou acostumada, nem [aponta pras outras salas]... Mas se a gente
entrar tendo um outro olhar, você se depara com gente chorando, você se depara com preso,
você se depara com pessoas supermachucadas, com cara quebrada, né? Muita coisa forte pra
quem não está [acostumada]. (ITEP/RN)
Estruturalmente, não há um espaço físico destinado às crianças e aos adolescentes que
aguardam atendimento no ITEP/RN. O usuário encontra as mais diversas situações nessa
instituição: pessoas machucadas, feridas, presos algemados escoltados por policiais, familiares
chorando aguardando liberação do corpo de entes queridos, entre outros. Há um corredor disposto
com cadeiras e um sofá para duas ou três pessoas, improvisando uma sala de espera na qual todos
aguardam conjuntamente. É nesse corredor que se localiza a Sala Lilás, utilizada pela equipe de
Serviço Social e da Psicologia (esta, em desvio de função), destinada ao atendimento de mulheres
vítimas de violência. Esta equipe realiza outros atendimentos, o que inclui o acolhimento de
famílias, crianças e adolescentes vítimas de violência sexual14
. Há, ainda, uma pequena recepção
na entrada da instituição que também acomoda as pessoas que estão aguardando. Como o fluxo
de pessoas para realização das perícias é alto, o corredor improvisado é um espaço um pouco
menos tumultuado em comparação com a recepção. Segue o relato:
Quando tem esse monte de preso, a gente já evita que a criança circule naquele ambiente. Já é
uma forma de ela não passar pra Sala Lilás. Você ver que a Sala Lilás fica do lado de cá. Isso é
um problema! Esses presos nunca que deviam estar ali. [...] Eles deviam ficar na frente da sala
do médico e não na frente da sala do lado de cá. Então, isso tudo é coisa que a gente fica
“estrebuchando” – no popular –, querendo modificar, explicando o óbvio, porque eu digo:
“Gente! A gente trabalha com criança!” toda hora. “Eu tenho gente pra atender aqui o dia
14
Uma mostra da gravidade da situação ocorreu durante a coleta de informações: uma mulher vítima de violência
estava em atendimento enquanto seu agressor aguardava no corredor a realização de exames.
126
inteiro!” – quando não sou eu, é o outro. Toda hora tem criança chegando aqui pra ser
atendida. (ITEP/RN)
A profissional pontua a inadequação da formação de um corredor de espera tão próximo à sala de
atendimento do Serviço Social e da Psicologia. Ela sugere que o ambiente seja mudado de modo
que as pessoas que aguardam atendimento médico fiquem próximas à sala desse profissional, se
distanciado das crianças e adolescentes que aguardam avaliação psicológica e atendimento do
Serviço Social – outra medida que, se adotada, fará demasiada diferença na proteção e qualidade
do serviço ofertado. Ela também informa, com um tom bastante desgastado, que essa solicitação
já foi apresentada diversas vezes, tendo a profissional que “explicar o óbvio”, sem que isso tenha
sido modificado até o momento.
Acerca da exposição das crianças e adolescentes, observa-se:
Chegava atendimento pra Psiquiatria, quem é esse atendimento para Psiquiatria? Era o pessoal
que vem da Custódia. Ou seja, preso com transtorno (...) Todos algemados com escolta
armada pra ficar junto de criança? O que eu tive de mãe e de criança desmaiando – Ai! Você
não tem noção! Dizendo que o culpado eram eles! Que quem tinha feito aquilo com ele era
aquele ali – sem ter sido. Mas eu digo: criava uma situação! Quer dizer, é muito forte isso aí!
Então, muita criança; muitas vezes, eu estou atendendo – eu quando estou atendendo mesmo
aqui –, que vou sair com a criança, eu tenho que sair acompanhando, sair muitas vezes
abraçadas com crianças daqui, pra passar no meio desse corredor de preso aqui. Fato que eu
já tive, muitas vezes, que falar com a direção: “Gente, não pode continuar isso aqui!”.
(ITEP/RN, grifo nosso)
Apesar de alguns estigmas em sua elucidação, a profissional fala da exposição nas quais crianças
são submetidas no serviço. Após a conclusão da avaliação psicológica, a profissional relata ter
necessitado, por diversas vezes, sair com a criança no colo até superar o cenário que a assustava,
causava medo e constrangimento. São relatadas situações de desmaios dos usuários pelas mesmas
127
razões. A profissional do ITEP/RN também relata o caso de uma família que chegou em situação
de violação extrema e, em razão da ausência de documentação, não pôde ser atendida no serviço
– mesmo após afirmarem não ter tido tempo hábil para resgatar a documentação, em virtude da
situação de perigo.
Chegaram aqui praticamente sem roupa; que tinham sido expostos, tinham sido colocados pra
fora de casa e levado uma grande surra do pai, entendeu? E estavam sem... Chegaram aqui
superespancados, sem um documento, e estavam sem registro de nada, sabe? Violentada. A
mãe violentada por ele – pelo pai – e não poderia ser feito registro nenhum porque [eles]
estavam sem documento. O ITEP não aceita fazer registro sem documento. Quer dizer... Sem
documento? Sem, não aceita! Vieram da delegacia e aqui no ITEP não aceitava nada sem os
documentos de identificação. Eu digo: “Gente!”. (ITEP/RN)
O referido serviço é destinado (dentre outros) ao atendimento de crianças e adolescentes
violados. São pessoas que já trazem na bagagem uma – geralmente mais – violação e se dirigem
ao serviço em busca de apoio, orientação e cuidado. Segundo os relatos, algumas vezes, estando
na instituição, as vítimas visualizam outras formas de violência, sejam em razão do não
atendimento – como no exemplo acima –, sejam em razão do contato com pessoas que têm as
marcas da agressão materializada em seus corpos. De acordo com a profissional, houve
momentos em que os usuários reviveram situações traumáticas no contato com as pessoas
machucadas, até mesmo mães que apontaram aleatoriamente para presos alegando serem esses
agressores de seus filhos. A realização de exames periciais, por si só, já é constrangedora e causa
certo incômodo e/ou ansiedade. Diante disso, construir um ambiente seguro no qual as pessoas
vitimizadas, especialmente os que se encontram em fase peculiar de desenvolvimento, sintam-se
acolhidos é uma questão basilar para a assistência ofertada. “O ideal é que as vítimas se sintam
confortáveis em unidades policiais que foram especialmente pensadas e criadas para protegê-las e
128
não para submetê-las a mais angústias, medos, dúvidas, sofrimentos e constrangimentos, ou seja,
à revitimização” (Melo, 2014, p. 220).
Em razão desses constrangimentos a profissional do ITEP/RN relata que tenta realizar a
avaliação psicológica no menor número de encontros possível para que a criança e o adolescente
não tenham de voltar ao serviço. Ela informa que já recebeu críticas em razão das avaliações que
foram realizadas em apenas um encontro. Apesar de reconhecer que esse não é o procedimento
ideal, ela justifica que o ambiente é inadequado para crianças.
Quer dizer, fazer aquela criança, aquela pessoa olhar pra aquilo novamente é muito, sabe? Eu,
sinceramente, tenho dó! Fazer aquela pessoa ter que voltar a enfrentar aquilo é muito... Aí, eu
digo até que se pudesse trazer aquela pessoa, botar dentro da minha sala de novo. [...] Mas
passar por aquela situação pesada, porque eu digo que até o clima, o ar daqui ele é meio
pesado. (ITEP/RN)
É fundamental problematizar que a realização da avaliação psicológica em um único
encontro, ainda que tenha por objetivo proteger a criança, encerra riscos, dada a complexidade
das demandas relacionadas à violência sexual. É importante pensar alternativas para a superação
da situação de violência institucional e não permitir que ela enseje a prática de atividades
equivocadas na tentativa de “amenizar” suas consequências.
Em contraponto, também há situações que representam estratégias de cuidado, a fim de
evitar a revitimização do usuário. Exemplo disto está na fala da profissional da DCA acerca do
cuidado em não submeter crianças e adolescentes a exames periciais desnecessários:
Quando a gente vê pela narrativa que não tem possibilidade de ter havido, né? Por exemplo,
uma conjunção carnal ou outro ato libidinoso que deixe vestígio, a gente até não expede a
guia, pra evitar também algum constrangimento, porque, queria ou não, né? A criança é
examinada e tal, então, a gente tenta evitar solicitar esse exame de forma desnecessária.
(DCA)
129
Foi apresentado ainda o cuidado de não fazer a criança repetir a história para mais de um
profissional dentro da instituição, evitando atendimentos e perguntas repetitivas e desnecessárias.
Esse cuidado também foi relatado pelo CREAS e ITEP/RN.
Por fim, o CT e o CREAS exemplificam como revitimização a culpabilização das pessoas
vitimizadas e como violência institucional a morosidade no andamento dos processos
investigativos e judiciais na rede – o que será discutido no tópico Morosidade e burocracia. O
CEDECA identifica na rede a cultura da punição da pessoa responsável/cuidadora da criança
violada:
O processo de punição da família, dessa mãe, dessa tia, dessa avó, enfim, de quem está
cuidando. Teve a questão da proteção quando soube do abuso, mas ela é punida por ter – entre
aspas e muitas aspas – deixado acontecer esse abuso. (CEDECA)
Assim, é necessário um conhecimento aprofundado dos profissionais da rede sobre os aspectos e
as nuances das situações de violação, para a oferta de cuidado e atendimento adequado.
4.5.2. Ausência de rede
A indisponibilidade de serviços no território foi bastante citada, com destaque para a
ausência de oferta de psicoterapia. MP, DCA, CT, CREAS, CRAS, ESCOLA e COMDICA
identificam a necessidade de acompanhamento psicológico para crianças e adolescentes e suas
famílias em casos de violência sexual intrafamiliar, muito embora profissionais e usuários
esbarrem na ausência deste serviço e/ou na indisponibilidade de vaga nos poucos existentes.
Algumas falas ilustram esta queixa:
Fragilidades, por exemplo, no suporte à vítima, o atendimento psicoterápico. […] Existia um,
uma situação muito forte na família em relação ao fato que essa criança, e a própria família
precisavam de um apoio. Então, a gente teve um momento com a Saúde Mental do município,
130
pra poder buscar naquela rede daquele, daquela unidade lá, daquele território, qual seria o
profissional que ia e tal. E aí, no percurso, a gente se dá conta, por exemplo, que não tinha esse
profissional lá. Então, como isso vai ser feito, né? De que maneira? Vai ser disponibilizado
esse profissional? Vai ser disponibilizado um cartão pra o usuário chegar até esse outro
profissional? A gente já teve um problema de que foi disponibilizado só pra a vítima, mas e aí,
quem acompanha? [...] Inclusive, já teve caso da gente não ter o equipamento e ter que entrar
com ação contra o município pra poder viabilizar o equipamento, viabilizar o serviço, digamos
assim. (MP)
É uma violência que tá muito relacionado à questão da Psicologia, dos acompanhamentos, né?
E que eu acho que a rede tem que funcionar melhor nesse sentido, tanto na rede de Assistência
Social como também de Psicologia. (DCA)
A gente procura serviços, muitas vezes, e não encontra; e fica frustrado enquanto profissional,
porque quer que aquela família acesse serviços e não tem disponível, né? Eu vou dar o
exemplo do acompanhamento psicológico, que na região Oeste a gente não tem, né? As
unidades de saúde, né? Que deveriam oferecer, não têm profissionais disponíveis. A maioria
deles, das unidades que têm profissionais lotados, os profissionais estão em licença médica.
[...] Então, a Saúde não alcança direito; a própria Assistência também não; às vezes, a escola
não tem outra turma, ou está em péssimas condições, ou a gente consegue um serviço e a
família não tem como se deslocar. Então, a gente falha nas políticas de Educação, de Saúde, de
Transporte, de Alimentação. Uma série de serviços que poderiam dar uma cobertura maior a
essa família acaba não dando. (CREAS)
Você pega um caso de abuso e, às vezes, a unidade de saúde não tá funcionando como deveria,
enfim, né? Pra onde eu vou encaminhar? (CREAS)
Encaminhamos também pra questão psicológica. Geralmente, a gente pede também que
procure as unidades, né? Da rede, que seriam as universidades federais, as universidades
particulares que tenham o curso de Psicologia, pra ver se essa criança vai pra fazer uma
análise. [...] A unidade básica de saúde também não tem – também eles dizem que não tem; e
131
tem o atendimento, mas é muito difícil, porque é uma demanda muito grande e eles não têm.
Se eu não me engano, é uma psicóloga! (CRAS)
Quando você vai também para o âmbito do apoio – o apoio no sentido apoio psicológico,
apoio social também –, ainda não disponibiliza de uma infraestrutura ampla e capaz de atender
toda a demanda. [...] A rede de atendimento, especificamente no território Oeste, a gente ainda
sente, como Natal não tem equipamentos de serviços regionalizados, então, a gente depende,
às vezes, de um equipamento público pra toda a cidade. (COMDICA)
Identifica-se nas falas acima uma intensa associação da violência sexual à necessidade de
psicoterapia. Embora se reconheça a legitimidade desse acompanhamento para muitos casos, por
outro lado, questiona-se: até que ponto esse não é um sintoma da própria rede, que não tem
conseguido dar conta das demandas com as quais se depara, e pode estar transferindo apenas para
o plano ideal de psicoterapia tradicional as necessidades que poderiam ser atendidas por meio do
acompanhamento especializado?
Se o SGDCA conseguisse responder, com maior qualidade e resolubilidade, às demandas
existentes nos seus três eixos (proteção, promoção e controle), talvez a necessidade de
acompanhamento psicológico individualizado não aparecesse de modo tão intenso. Na realidade,
há famílias frustradas com as investigações que “não dão em nada”; que não recebem orientação,
acompanhamento e apoio adequado; em situação de insegurança material após o afastamento do
agressor, antes provedor; e expostas a situações de violência institucional e revitimização. Ou
seja, vivenciando a ausência do Estado quando este deveria ofertá-las condições de manter-se
dignamente, garantindo seus direitos sociais.
Ainda há alta demanda por acompanhamento psicológico e imensa dificuldade de
encaminhar usuários na região administrativa Oeste, em razão da oferta insatisfatória desse
serviço. Como alternativa, as equipes do CREAS, do CRAS, da DCA e outros serviços têm
132
encaminhado os usuários para as clínicas-escola de Psicologia das Instituições de Ensino
Superior. Entretanto, nenhuma delas se localiza na zona Oeste, o que exige dos usuários que se
desloquem até outras regiões do município. Todavia, na maioria das vezes, os usuários não
dispõem de recursos financeiros para custear esse deslocamento e declinam do encaminhamento.
Sobre isto, o MP informa que, em uma situação como essa, disponibiliza um cartão de passagens
para a criança – não para seu acompanhante, o que pode trazer dificuldades para execução dessa
ação. Apesar de ser solução pontual para casos específicos, essa alternativa não resolve a
problemática em questão, cuja solução requer o aprimoramento do atendimento e
acompanhamento na própria rede e, também, a organização da Saúde Mental infantil no
território.
O CAPS infantil do município está situado na região administrativa Oeste. Os CAPS “são
instituições destinadas a acolher pessoas com sofrimento psíquico grave e persistente,
estimulando sua integração social e familiar” (CFP, 2013, p. 28). Assim, oferta um serviço
voltado para criança e adolescente com transtornos mentais graves, o que, em regra, não atende à
necessidade apresentada pelos profissionais. Além do CAPS Infantil, a política de saúde da região
dispõe apenas da Policlínica Oeste, de uma UBS e da UPA Esperança com profissional de
Psicologia. Isto evidencia que a rede tem sentido a necessidade de mais psicólogos inseridos no
SUS naquele território.
Também há necessidade de profissionais de Psicologia, Serviço Social e Saúde no
ambiente escolar, formando uma equipe multidisciplinar, que oferte suporte à equipe pedagógica.
O profissional da escola entende que, sem essa equipe multidisciplinar, essa instituição encontra-
se despreparada para lidar com questões relacionadas às violações de direitos vivenciadas pelos
alunos, até mesmo a violência sexual. Ainda que a gestão escolar não disponha de uma equipe
133
multidisciplinar de forma efetiva, o entrevistado sugere equipes itinerantes para aprimoramento
dos trabalhos, bem como capacitações e formações destinadas aos profissionais da política de
Educação.
Seria a gente ter uma equipe multidisciplinar dentro da escola, que a gente infelizmente não
tem. A gente deveria ter psicólogos, né? [...] A gente deveria ter assistente social, que a gente
não tem. [...] Eu acho que pra escola isso seria fundamental, porque, muitas vezes, a gente
consegue acessar essas informações, mas partindo de uma sensibilidade que você constrói no
dia a dia; porque a gente não é formado, não tem uma formação específica pra fazer esse tipo
de interação com o aluno, e até você ganhar confiança, e até você fazer todo, né? Pra chegar,
acessar todas essas informações, às vezes, algumas vão passar desapercebidos, enquanto um
profissional da área talvez pudesse acessar isso com bem mais rapidez do que a gente. (Escola,
grifo nosso)
4.5.3. Alta demanda
Outro aspecto que reflete profundamente na qualidade do serviço ofertado e no
funcionamento das instituições é a intensa demanda por atendimento/acompanhamento. Esse
desafio está muito relacionado à própria região administrativa Oeste, na qual se identificam
processos de vulnerabilidade, risco e situações de violações diversas. Das quatro regiões, a zona
Oeste possui bairros com os menores Índices de Desenvolvimento Humano (IDH) e o menor
valor de rendimento médio mensal, que é de 0,99 salários mínimos, além de ser uma região que
possui grande extensão territorial com bairros que acumulam as mais diversas consequências da
“Questão Social”, extrema pobreza e miséria, e outras mazelas trazidas pelo capitalismo.
Os CT e os CREAS – duas instituições de extrema importância para o enfrentamento da
violência sexual intrafamiliar contra crianças e adolescentes – têm a territorialização dividida
pelas quatro regiões administrativas do Município do Natal. Isto deixa o CT e CREAS Oeste
134
responsáveis por uma área geográfica extensa e de alta demanda por acompanhamento. Em
consequência disso, as equipes não conseguem abarcar todas as solicitações que recebem.
É humanamente impossível nós acompanhar cada caso; que não é só o caso de abuso, tem
caso de agressões de todas as formas, e são muitos casos. Então, se o familiar retornar,
maravilha... A gente tem como ter um acompanhamento melhor. (CT)
A garantia do acompanhamento do CT fica condicionada ao retorno da família ao serviço,
ainda que já tenha realizado a notificação. Esse fato vai de encontro à responsabilidade dos
próprios atores da rede de proteção, os quais devem tomar providências sempre que verificar
situação de ameaça ou violação de direitos contra criança e adolescente (ECA, 1990). A
justificativa dada é o elevado número de casos, sendo “humanamente impossível” o
acompanhamento de todos eles. Corroborando a fala do CT, o CREAS afirma que:
A região Oeste tem uma quantidade de família em situação violação de direitos muito alta, e
aí, a equipe acaba não dando conta, né? Dessa quantidade de pessoas, né? Se tivessem cinco
CREAS ou dez CREAS, a gente ia continuar sem dar. Que a gente está vivendo um reflexo do
sistema que a gente vive, e aí, a exploração e a violação de direitos é consequência pra manter
esse sistema funcionando. (CREAS)
A alta incidência de violações de direitos existente nessa região pode estar relacionada às
consequências da “Questão Social”. Grande parte da população desse território vivencia o reflexo
das desigualdades existes no país. O significado da “Questão Social” é indissociável do processo
de acumulação de capital e dos efeitos que produz sobre o conjunto das classes trabalhadoras
(Iamamoto, 2013). Como bem traz a profissional do CREAS, a ampliação da PSE de Média
Complexidade nunca será suficiente enquanto a lógica do capital continuar imperando. São
profundas “as desigualdades produzidas por um modo de produção que se alimenta e se reproduz
material e socialmente à custa da exploração, dominação e alienação da força de trabalho da
135
maioria da população” (Guimarães, 2018, p. 608). As consequências dessa profunda desigualdade
desembocam nas políticas sociais, sobretudo nos CREAS, pelo seu papel central na rede de
proteção.
São reflexos dessa sociedade produtora de desigualdades, que tem deixado as instituições
abarrotadas de demandas, algumas fragilidades importantes, como a suspensão do agendamento
das avaliações psicológicas do ITEP/RN – uma vez que, em setembro de 2018, os profissionais já
tinham a agenda preenchida até janeiro de 2019; também no CREAS, usuários da demanda
espontânea que recebem o primeiro atendimento do PAEFI podem aguardar meses para iniciar o
acompanhamento. Diante desse cenário, os profissionais têm a difícil tarefa de selecionar a
prioridade dentro das prioridades para atender os casos considerados mais urgentes. Por fim,
projetos de prevenção e esclarecimentos acerca da violência sexual contra crianças e adolescentes
realizados pela DCA nas escolas foram interrompidos sem previsão de retorno.
4.5.4. Morosidade e burocracia
A burocracia é uma dificuldade bastante pontuada nas entrevistas, por atrapalhar o
desenvolvimento das atividades. A fim de atender às suas exigências, os processos tornam-se
morosos, empancando ações da rede. Os participantes se referiram tanto às burocracias nos
próprios serviços onde atuam, quanto àquela exigida por outros serviços da rede. Brandão (2007),
em estudo que relacionou a burocracia e o trabalho de assistentes sociais, identificou bloqueios
institucionais em confronto com as práticas ético-políticas desses profissionais; concluiu que para
a organização burocrática estatal, interessa profissionais conformados com os objetivos
institucionais, independente da orientação ou do projeto político profissional.
A morosidade também está muito relacionada ao judiciário, no sentido do grande lapso de
136
tempo despendido até o julgamento dos acusados e a consequente finalização do processo.
Percebeu-se relativo cansaço e até mesmo descrença na fala dos profissionais quanto à
expectativa de que esses processos judiciais sejam finalizados em tempo considerado adequado.
Habigzang, Azevedo, Koller e Machado (2006) também identificaram o elevado tempo de
duração dos casos de violência sexual contra criança e adolescente nas diferentes instituições da
rede; eles acreditam que esse fato pode estar relacionado à morosidade das instituições
envolvidas, tendo em vista que em diversos casos se identificou tempo excessivo entre uma
intervenção e outra dirigida às vítimas e famílias. Silva, Ferriani, Beserra, Roque e Carlos (2013)
também identificaram morosidade nos trâmites dos processos judiciais, o que expõe a criança ou
o adolescente e seus familiares aos procedimentos judiciais por longo período, dificultando a
retomada da vida pelos envolvidos. O transcorrer do processo, em muitos casos, mantém a pessoa
vitimizada em contato com o agressor. Além disso, a morosidade pode resultar em arquivamento
de processos ou declaração de inocência do autor da violência por falta de provas, indicando
graves falhas do Poder Judiciário.
Esse desafio também merece atenção especial quanto ao ITEP/RN. A morosidade não se
relaciona apenas à burocracia, mas, sobretudo, à escassez de recursos humanos, o que tem
atrasado vários processos internos, mais significativamente a avaliação psicológica. Como já foi
dito, esse procedimento está suspenso temporariamente enquanto se aguarda a convocação de
novos profissionais para poder reabrir as marcações. Essa dificuldade é destacada não apenas
pelo representante do próprio serviço, mas por outras instituições (DCA e MP), como um entrave
bastante preocupante na rede. A morosidade para a realização da avaliação psicológica, nesse
caso, tem consequências importantes, tendo em vista que depois de certo tempo, algumas
informações da violência se perdem ou ficam confusas, principalmente eventos ligados a
137
situações traumáticas: “Essas informações que a gente trabalha ficam muito vulneráveis depois
de um tempo, sabe? Se perde com memória, se perde com alteração, com sugestão, com
influência, com alienação, com muitas outras coisas, sabe?” (ITEP/RN).
Outro desafio que compete à avaliação psicológica diz respeito ao alto número de faltas
dos usuários agendados, o que pode estar relacionado ao lapso de tempo decorrido desde o dia em
que a avaliação é marcada.
E quando eles não comparecem... Porque é um número de faltas muito grande, é muito
grande! E isso é preocupante! Então, o que é que acontece? Quando eles faltam, esse inquérito
corre, esse inquérito anda... Não param por conta disso! Algumas vezes, a delegada pede pra
que isso se repita. Aí, é da vez que eles mandam um ofício pedindo pra que isso seja
reagendado. Algumas vezes, isso acontece. E outras vezes, ele encaminha o inquérito sem o
laudo. Ai, quando bate na mão do juiz, ele pede. (ITEP/RN)
A partir dessa fala, pode-se perceber que a falta do usuário na avaliação altera o fluxo esperado
na rede de proteção, o que pode acarretar ainda mais morosidade. Apesar da ausência na
avaliação não interromper o andamento do inquérito pela DCA, em alguns casos, o pedido para
avaliação é refeito, o que gera um novo agendamento, que também levará tempo e ainda corre o
risco de ter o usuário ausente novamente. Em algumas situações, o inquérito é concluído sem o
laudo psicológico e encaminhado ao MP e ao judiciário, que podem solicitar novo agendamento
da avaliação. “Os profissionais precisam olhar a questão da violência sexual, essa trama, esse
drama, esse trauma enquanto fluxo e enquanto rede e não enquanto normas burocráticas, para se
trabalhar além da interdisciplinaridade, ou seja, em rede e processualmente” (Faleiros, 2003, p.
77). Ou seja, as instituições devem ter um fluxo a fim de atender as demandas de seus usuários,
que facilitem seu atendimento e acolhimento e não o contrário, evitando situações nas quais as
normas burocráticas e os processos se configurem como um entrave na rede.
138
Também foram pontuadas ações na tentativa de minimizar danos da rede, como a
construção de um grupo virtual no aplicativo WhatsApp, constituído por profissionais do
SGDCA, no qual são transmitidas as situações mais urgentes, no sentido de dar celeridade às
solicitações de auxílio a outras instituições. Essa medida se configura como uma estratégia
adotada pelos serviços para agilizar a comunicação na rede, dispensando (apenas de imediato)
processos mais burocráticos, os quais demandariam um desprendimento de tempo maior (como a
produção de Ofícios, encaminhamentos e outros documentos), somente no momento da urgência.
Segundo o relato, essa estratégia tem funcionado e aproximado os profissionais.
Se a situação é bastante urgente, a gente faz contatos imediatos através de telefone, através do
WhatsApp. Existe, inclusive, um grupo de proteção, um grupo de profissionais da rede que
lidam com essa temática da proteção, exatamente pra trazer mais celeridade, etc. (MP)
Por fim, o CT trouxe o relato de um caso no qual a morosidade causou falha na rede de
proteção: o caso chegou ao CT por volta de 2004 e 2005, a adolescente relatava situação de
violência sexual sofrida pelo padrasto. A mãe não acreditava que a violência estava acontecendo e
a adolescente foi acolhida na residência da tia. O caso foi encaminhado para investigação. O
processo – não fica evidente se inquérito policial ou processo judicial – demorou tanto tempo
que, em 2009/2010, o agressor violentou outra vítima (a filha), ocasião em que foi condenado ao
cumprimento de privação de liberdade. Considera-se que, se o SGDCA tivesse atendido a
contento o primeiro caso, provavelmente não haveria uma segunda criança vitimizada, uma vez
que a denúncia e investigação contra esse agressor já havia sido realizada.
4.5.5. Outros desafios
A carência de recursos humanos é outro obstáculo relatado no enfrentamento da violência
139
sexual contra crianças e adolescentes. A DCA, por exemplo, dispõe de oito agentes para atender o
Município de Natal e região metropolitana. Essa carência é considerada o principal entrave na
execução da política nessa instituição. Este desafio também foi destacado por outras instituições
(MP, ITEP/RN, CT, CEDECA, CREAS e COMDICA), além de ter sido objeto de discussão e
compartilhada insatisfação no grupo focal.
Outra crítica produzida por todos os profissionais é o desconhecimento das atribuições
dos outros serviços e do quanto isso tem causado encaminhamentos equivocados que prejudicam
os fluxos da rede e sua credibilidade para com os usuários. Além disso, a atuação da rede muito
desconectada, ausência de contrarreferência e – embora haja comunicação – cada serviço ainda
desempenhar seu papel de modo isolado são queixas frequentes. A profissional do ITEP/RN, por
exemplo, enfatizou que essa instituição não é convidada para discussões de caso e muito pouco
convidada para eventos da rede. Enfatiza o quanto sente esse distanciamento e a importância de
aproximação com os demais serviços do SGDCA. “É preciso romper com a ruptura dos dois
circuitos, o do atendimento e o da responsabilização que, em geral, funcionam separadamente,
em corredores paralelos” (Faleiros, 2003, p. 77). Assim como sinaliza Faleiros, identifica-se que
a rede se encontra dividida entre o eixo de defesa e o eixo de promoção. Um dos aspectos
relacionado à desarticulação da rede é a descrença dos profissionais nas iniciativas para organizá-
la. Alguns desacreditam das iniciativas de diálogos e Grupos de Trabalho como tentativas
frustradas desde seu nascimento. São relatos de que essas propostas “Não vão pra frente!”,
“Morrem ali!”, e que não produzem resultados esperados ou que essas ações nunca são
concluídas.
Outro aspecto exemplificado são as dificuldades com o CT. Muito embora tenha sido
identificada uma postura de compreensão em relação à grande demanda do território a ser
140
atendida por apenas cinco conselheiros, os demais profissionais relatam dificuldades para
articulação com esse órgão, e observam a necessidade de sua atuação de modo mais efetivo,
como na aplicação das medidas de proteção e participação em atividades da rede, por exemplo.
Observou-se certa insatisfação da rede com o CT também no grupo focal, em que os diálogos
demonstravam pouca expectativa na atuação dessa instituição. “Os conselhos tutelares são
instrumentos fundamentais para se poder zelar pelos direitos da criança. São os olhos e a
potencialização da voz das próprias crianças e das denúncias” (Faleiros, 2003, p. 77). Nesse
sentido, a rede necessita de uma atuação fortalecida desse órgão; não à toa, ele está inserido no
território, com a comunidade, para oferecer-lhe suporte, encaminhamento e auxílio, devendo,
para além da atuação técnica, ter uma implicação política e ética de proteção e compromisso com
as crianças e os adolescentes em situação de risco e violação de direitos.
Também há necessidade de formação e capacitação profissional, diante de uma temática
tão específica que é a violência sexual contra crianças e adolescentes, cujas nuances são bem
particulares. Os serviços afirmam não só a necessidade de capacitação dos próprios serviços,
como de toda a rede. Nesse sentido, os profissionais cobram a promoção de capacitação
promovida pelos gestores das instituições as quais fazem parte. Ainda relativo aos profissionais,
há afetação quanto à violação em questão, causadora de certa sensibilização, comiseração, sendo,
algumas vezes até difícil realizar o acompanhamento dada a mobilização que provoca. A temática
provoca, ainda, anseio em auxiliar a família, ao mesmo tempo em que se esbarra nos desafios da
rede.
Quando chega um caso de abuso, mexe muito, né? Por que é uma coisa que machuca tanto,
né? E que você tira a criança da situação de violação, mas a dor continua nela. [...] Muitas
vezes, a gente se sente um pouco limitado, né? Até onde a gente consegue ir, porque, quando
141
chega um caso de abuso, é um caso que mexe muito com toda a equipe, né? E a gente quer
abraçar aquela família, acolher e buscar resolutividade. (CREAS)
É uma situação chocante pra gente, mas é uma situação que a gente também sabe que precisa
enfrentar da melhor forma possível pra garantir que seja o menos sofrível para a criança.
(Escola)
Todo mundo é muito sensibilizado com a causa, né? Que envolve vulnerável e tal. (DCA)
A afetação dos profissionais, ora é apresentada como algo mobilizante, que os fazem buscar
resolutividade e os impulsiona para a ação, ora é apresentada como algo paralisante, sofrido,
doído, que machuca e angustia. É preciso que os profissionais se sintam preparados para lidar
com as situações encontradas, e também tenham seus momentos de acolhimento e cuidado.
Outro item que desafia a garantia de direitos de crianças e adolescentes vítimas de
violência sexual intrafamiliar é a carência de recursos materiais e estruturais e a limitação que
isso tem causado para a execução do trabalho, seja porque a instituição não é adaptada para
receber crianças e adolescentes (como a DCA) ou porque tem espaço muito reduzido que não
atende a necessidade do serviço, e até pela ausência de materiais de escritório e divulgação, como
banners e panfletos. A ausência de investimentos nas políticas sociais é especialmente destacada
pelo COMDICA, que pontua a necessidade de destinar orçamento para execução das políticas
sociais, uma vez que sem financiamento não há como garantir as ações e produzir proteção e
atenção. Os profissionais refletiram acerca do desmonte da PNAS nos últimos anos e outros
cortes que interferem diretamente nas políticas sociais e na oferta de serviços.
A dificuldade de trabalhar com famílias nas quais o agressor é provedor, uma vez que a
rede ainda não se encontra verdadeiramente preparada para atender às necessidades dessa família,
oferecendo efetivo suporte após seu afastamento e/ou responsabilização é um desafio da rede. A
142
DCA afirma a necessidade de acompanhamento social exatamente em razão da dependência
financeira da família em relação ao agressor: “Normalmente, desestrutura muito a família, porque
o agressor é alguém que, às vezes, é até o arrimo da família, né? E, queira ou não, para se
desvincular dessa situação, essa questão financeira influencia também!” (DCA).
Além desses desafios, também foram citados: as falsas denúncias que chegam à rede,
principalmente em razão de alienação parental; a dificuldade de garantir atendimento prioritário
às crianças e aos adolescentes; as dificuldades em obtenção de provas em razão da especificidade
da violência; e a falta de avaliação do trabalho realizado pelas equipes das instituições ou
serviços. Em suma, muitos foram os desafios apresentados pelos profissionais, que pululam o
universo das políticas sociais na tarefa cotidiana de enfrentamento da violência sexual
intrafamiliar contra crianças e adolescentes e que carecem de iniciativas para sua superação.
143
5. Considerações finais
A presente pesquisa investigou o enfrentamento da violência sexual intrafamiliar contra
crianças e adolescentes na região administrativa Oeste do município de Natal/RN, a partir do
SGDCA, estabelecido pelo ECA, para promoção e defesa de seus direitos. Historicamente, as
políticas sociais são ofertadas de forma precarizada em nosso país, reflexo de um Estado mínimo
desinteressado em garantir diretos, proteção, assistência e segurança, ainda que isso seja
estabelecido em sua CF e outras normativas legais. Estado este disposto, na realidade, a ofertar
apenas o suficiente para evitar um colapso e manter certa anestesia social. Disso resulta a própria
contradição e ambivalência que nasce e sustenta as políticas sociais. Dito isto, o que se observa
deste Estado mínimo, capitalista e desinteressado da classe trabalhadora é a oferta de políticas
públicas sucateadas, que se sustentam à beira do precipício, tapando um buraco aqui para
descobrir outro ali. Os resultados encontrados na região lócus desta pesquisa não foram diferentes
da realidade nacional. O Estado não tem conseguido ofertar proteção às crianças e adolescentes
vitimizados pela violência sexual intrafamiliar e, muitas das vezes, tem produzido revitimização
nas instituições de atendimento, as quais deveriam ofertar acolhimento e segurança, além de nem
sempre conseguir responsabilizar os agressores, autores da violência. Não se trata da mera
necessidade de aprimorar o trabalho da rede, mas sim da incapacidade de garantir direitos às
crianças e adolescentes, revitimizando-as ao submetê-las ao constrangimento e à violação em
ambientes que deveriam ofertar-lhes proteção.
O tão caro SGDCA, com todo o avanço que representa na defesa de crianças e
adolescentes no Brasil e com tudo o que tem conseguido produzir de positivo após sua criação,
apresenta muitos desafios a superar para estruturar-se e atuar da forma como foi idealizado. A
144
crítica aqui construída não está direcionada ao próprio SGDCA, mas à ausência de condições
para que ele opere como desejado. Há necessidade de maiores investimentos nas políticas sociais,
visto que a carência de recursos humanos e materiais se somam às dificuldades já existentes
relativas a essa forma de violência tão complexa. Há também necessidade de capacitação e
formação dos técnicos, de uma rede mais fortalecida e integrada, e de maiores condições de
acesso aos serviços, os quais recebem uma alta demanda da qual não conseguem dar conta tendo
profissionais, por sua vez, sobrecarregados. Além disso, há necessidade de maior conhecimento
das equipes acerca dos fluxos e competências de outros serviços instalados na rede.
Algumas potencialidades puderam ser identificadas, como as ações e práticas preventivas
de instrução à população e divulgação de informações relativas a essa forma de violência; o
comprometimento e a competência das equipes; a estruturação de recursos humanos e materiais
na PNAS, a partir do ano de 2016; e o movimento dos profissionais de buscarem aproximação,
diálogo e apoio entre as instituições por meio, por exemplo, da prática de estudos de caso, os
quais já podem ser identificados na rede, sobretudo nos serviços da política de assistência social.
Além disso, algumas entrevistas permitiram observar a perspectiva crítica de alguns profissionais,
o posicionamento ético-político em suas atuações e também o grau de conhecimento acerca da
violência sexual intrafamiliar contra crianças e adolescentes. A despeito dessas potencialidades, a
gestão e execução das políticas são supersetorializadas, burocratizadas e morosas e, mesmo com
os avanços, ainda estão distantes de um modelo de atuação coletivo, que pense o ser humano e
suas demandas como ser integral, considerando que o atendimento, sobretudo em situações de
violência, requer uma atuação analítica, dialética, complexa e relacional. Quando uma demanda
inicial chega ao serviço, não chega sozinha; vem carregada de outras demandas que dizem
respeito à condição global da vida de alguém, o que exige construções coletivas: diálogo,
145
planejamento e ações compartilhadas.
Na contramão da perspectiva holística e coletiva está a lógica neoliberal do modelo
econômico vigente. O capitalismo – principal razão da “Questão Social” – o qual influencia
diretamente a vida das pessoas: produz e fortalece distintas formas de desigualdades e exclusão,
produz adoecimento, sofrimento e aumenta as demandas das políticas sociais públicas.
Evidenciam violações e violências através de um ciclo vicioso. Nesse sentido, reafirma-se a
defesa dos direitos humanos, a exigência por um real Estado Democrático de Direito, que possa
garantir direitos sociais, que busque o fortalecimento das políticas públicas, a partir de uma
mudança estrutural. Um cenário no qual crianças e adolescentes tenham realmente direto à vida, à
saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao
respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de estarem a salvo de toda
forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.
Por fim, vale salientar que os resultados aqui expostos não intencionam encerrar a
discussão, nem chegar a uma conclusão acerca do enfrentamento da violência sexual intrafamiliar
contra crianças e adolescentes. A proposta é fomentar a reflexão, apresentando problemáticas
ainda não solucionadas, a fim de dar continuidade a uma discussão já iniciada. Portanto,
reconhece-se a necessidade de pesquisas posteriores que aprofundem as questões trazidas, como
por exemplo, a investigação dos impactos da Lei n. 13.431/2017 para crianças e adolescentes
vitimizados. Assim, o presente trabalho apresenta apenas um recorte de como o enfrentamento
dessa forma de violência tem se operacionalizado pelo tão caro SGDCA, em um território cuja
demanda por atendimento é expressiva, reconhecendo alguns avanços e desafios para as políticas
sociais públicas. Visa, também, ao fortalecimento do compromisso social e político da Psicologia,
sobretudo em tempos nos quais os Direitos Humanos encontram-se ameaçados. São tempos
146
difíceis, de luta e resistência.
147
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proteção dos direitos de crianças e adolescentes em atendimento por órgãos e entidades do
153
Sistema de Garantia de Direitos, em conformidade com a política nacional de atendimento da
criança e do adolescente prevista nos Arts. 86, 87, incisos I, III, V e VI e 88, da Lei n. 8.069, de
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155
Apêndices
156
Apêndice A. Roteiro de pesquisa de campo
IDENTIFICAÇÃO
Formação:
Instituição:
Cargo:
Tempo de Trabalho na área socioassistencial:
1. O que você entende por abuso sexual intrafamiliar de crianças e adolescentes?
2. Que papel você acredita que a instituição na qual trabalha desempenha no enfrentamento do
abuso sexual contra crianças e adolescentes?
3. Existem casos, relatos de situações de abuso sexual intrafamiliar que chegam diretamente até
esta instituição em forma de denúncia ou para acompanhamento?
4. Uma vez que vocês tenham recebido um caso de criança ou adolescente em situação de
violência sexual intrafamiliar, quais são as ações desenvolvidas? Algum encaminhamento é
realizado? Qual(is)?
5. Como se dá o fluxo de atendimento e encaminhamento no serviço?
6. Como se dá o fluxo de atendimento e encaminhamento no SGDCA? A rede se reúne para
realização de estudo de caso?
7. Ocorrem ações de enfrentamento ao abuso sexual intrafamiliar nessa instituição? Que ações
são essas?
8. Nesse enfrentamento, existem parceiros que auxiliam sua instituição no combate ao abuso
sexual intrafamiliar? Quem são?
9. Como você, como profissional, enxerga a rede de enfrentamento e proteção da qual faz parte?
10. Que mecanismos, ações ou políticas poderiam ser utilizados para promover um
enfrentamento cada vez mais amplo do abuso sexual intrafamiliar, tanto por parte desta
instituição, quanto por parte do SGDCA como um todo?
11. Os profissionais aqui reúnem-se para discutir temas e propostas relativos ao abuso sexual
intrafamiliar, violação e garantia de direitos, por exemplo, diante das demandas de trabalho?
157
12. Quais os principais entraves que essa instituição, como rede, enfrenta para desenvolver seu
trabalho? Nessas circunstâncias, quando nos referimos ao abuso sexual intrafamiliar, você
acredita que o enfrentamento do problema ocorre de forma eficaz?
13. Quais potencialidades você identifica no serviço, no trabalho realizado e no território no qual
está inserido seu serviço que contribuem para o enfrentamento da violência sexual intrafamiliar?
14. Na sua opinião, existe intersetorialidade entre as instituições que compõem o SGDCA? Existe
cooperação, diálogo e ações em conjunto?
15. Uma vez que a violência sexual intrafamiliar acontece em ambiente onde a identificação e
proteção fica mais difícil pelas políticas públicas, quais estratégias podemos pensar, que
aprimorariam o trabalho das equipes do SGDCA? De identificação e de proteção? Como a rede
poderia chegar de forma mais exitosa às famílias?
158
Apêndice B. Roteiro do grupo focal
Guia de Tópicos do Grupo Focal (roteiro)
Pesquisadora: Riane Feitosa
Orientadora: Prof.a Dr.
a Ilana Lemos de Paiva
Colaboradora: Amanda de Medeiros Lima
Observatório da População Infanto-Juvenil em Contextos de Violência
Núcleo: Políticas de Atendimento à Criança e Adolescente (PACA)
Público-alvo: profissionais que trabalham nas instituições do Sistema de Garantia de Direitos da Criança e do
Adolescente (SGDCA).
Duração: um encontro.
Apresentação
- Iniciar retomando brevemente a apresentação da pesquisa e o objetivo do grupo focal.
- Todas as instituições que vocês representam foram entrevistadas acerca do seu papel e trabalho no enfrentamento
da violência sexual contra crianças e adolescentes em momento anterior. Todos vocês apresentaram potencialidades
nesse enfrentamento, mas muitas dificuldades, dentre elas a articulação com a rede. Agora, estamos aqui para
discutirmos um pouco sobre como tem se dado o fluxo entre às instituições e como podemos aprimorá-lo, a partir de
melhores estratégias de articulação e encaminhamento dos usuários na rede para o enfrentamento da violência sexual
na região administrativa Oeste de Natal, a partir da construção de um fluxo de encaminhamento no território.
- Solicitar uma rápida apresentação de cada um, com nome e instituição a qual faz parte, seguida de uma palavra que
defina o seu trabalho na instituição.
Material de estímulo (recorte de reportagem)
RN tem mais de 4 mil denúncias de violência sexual contra crianças e adolescente
“O Rio Grande do Norte contabilizou um total de 4.108 denúncias de violência sexual contra crianças e adolescentes
ao serviço Disque 100 entre 2011 e 2017. A média de denúncias por ano no estado é 587 nos últimos sete anos. Os
dados foram divulgados neste mês de maio pelo Ministério dos Direitos Humanos, órgão responsável pela gestão do
serviço nacional de denúncias de violações de direitos no país. Entre 2011 a 2017, o abuso sexual lidera as
denúncias, seguido pela exploração sexual. Em 2017, por exemplo, foram 312 denúncias de casos de abuso sexual no
Rio Grande do Norte. O número corresponde a 74,2% do total. Já os casos de denúncia de exploração sexual foram
registrados 88 vezes, ou seja, quase 21%. As estatísticas ainda trazem denúncias relacionadas a estupro, grooming,
pornografia infantil e sexting. O estado contabiliza em números absolutos, uma redução nas denúncias se forem
levados em consideração os resultados do início da década. Contudo, no último ano, o estado viu um novo aumento
do registro do número de denúncias de violência sexual contra crianças e adolescentes. Ou seja, em 2017, foram
realizadas 14,6% denúncias a mais do que o total de registros no Disque 100 para esses casos do que no ano anterior.
Os números saíram de 363 para 420”. Agora RN, 15 de maio de 2018. Recuperado de
http://agorarn.com.br/cidades/rn-tem-mais-de-4-mil-denuncias-de-violencia-sexual-contra-criancas-e-adolescentes/
Tópicos para nortear a discussão
1 – Como a instituição na qual você trabalha tem recebido e realizado os encaminhamentos dos usuários dentro da
rede?
2 – Como vocês acreditam que é a melhor forma de encaminhar um usuário para outra instituição?
- É preciso entrar em contato com essa instituição? (contato prévio?)
3 – O que poderia ser feito para aprimorar esse fluxo?
- Retorno às instituições que encaminharam (contrarreferência)?
4 – Existem estratégias que poderiam ser usadas para evitar a revitimização nesse processo de articulação? Quais
são?
159
Apêndice C. Carta de anuência
Por ter sido informado verbalmente e por escrito sobre os objetivos e metodologia da
pesquisa intitulada O enfrentamento da violência sexual intrafamiliar contra crianças e
adolescentes: o trabalho em rede, coordenada pela pesquisadora Riane Maiara Feitosa Silva, sob
orientação da Prof.a Dr.
a Ilana Lemos de Paiva, do Programa de Pós-graduação em Psicologia
(PPgPsi) da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), concordo em autorizar a
realização das etapas: visita institucional ao ___________________________, realização de
entrevista semiestrutura com um técnico da instituição e posterior participação do técnico em
grupo focal com profissionais de diferentes serviços do Sistema de Garantia de Direitos de da
Criança e do Adolescente (SGDCA), para discussão do enfrentamento da violência sexual contra
este público.
Esta instituição está ciente de suas corresponsabilidades como instituição coparticipante
do presente projeto de pesquisa, e de seu compromisso no resguardo da segurança e bem-estar
dos sujeitos de pesquisa nela recrutados, dispondo de infraestrutura necessária para a garantia de
tal segurança e bem-estar.
Esta autorização está condicionada à aprovação prévia da pesquisa acima citada por um
Comitê de Ética em Pesquisa e ao cumprimento das determinações éticas propostas na Resolução
n. 466/12 do Conselho Nacional de Saúde (CNS) e suas complementares. O descumprimento
desses condicionamentos assegura-me o direito de retirar minha anuência a qualquer momento da
pesquisa.
Natal, ____/____/______.
_____________________________________
Assinatura do Diretor(a) da Instituição e carimbo
160
Apêndice D. Termo de Consentimento Livre e Esclarecido – TCLE
Esclarecimentos. Este é um convite para você participar da pesquisa O enfrentamento da violência sexual
intrafamiliar: o trabalho em rede, que tem como pesquisadora responsável Riane Maiara Feitosa Silva.
Esta pesquisa pretende investigar como o Sistema de Garantia de Direitos (SGDCA) tem atuado no
enfrentamento da violência sexual intrafamiliar contra crianças e adolescentes na região administrativa Oeste do
Município de Natal/RN.
O motivo que nos leva a fazer este estudo é a demanda de casos de crianças e adolescentes vítimas de
violência sexual intrafamiliar nessa região e a necessidade de aprimoramento das políticas de enfrentamento pelo
SGDCA.
Caso você decida participar, você participará de uma entrevista acerca de como o serviço/instituição que
você faz parte tem atuado no enfrentamento da violência sexual intrafamiliar contra crianças e adolescentes. Solicito
autorização para gravação de voz na referida entrevista. Posteriormente, você participará de um grupo com diferentes
profissionais do SGDCA, para estudo de caso e discussão do fluxo de atendimento e encaminhamento no território.
Solicito autorização para gravação em vídeo do grupo. As gravações produzidas não serão divulgadas de nenhuma
forma. Servem somente para a coleta de dados da pesquisa.
Durante a realização da pesquisa, a previsão de riscos é mínima, ou seja, o risco que você corre é
semelhante àquele sentido em um exame físico ou psicológico de rotina que dizem respeito a possível desconforto
por relembrar algumas complexidades de suas ações e atividades de trabalho, das histórias de vidas de crianças e
adolescentes vitimizados pela violência sexual, tendo como benefício maiores reflexões sobre o dilema do
enfrentamento de tais fenômenos, possibilitando pensar transformações que o superem. Caso o tema venha a
mobilizá-lo, você deverá informar ao pesquisador. Se necessário, você será encaminhado para acompanhamento
psicológico no Serviço de Psicologia Aplicada (SEPA) da UFRN.
Durante todo o período da pesquisa você poderá tirar suas dúvidas ligando para Riane Feitosa, (84) 99677-
8868, ou pelo e-mail rianefeitosa@gmail.com.
Você tem o direito de se recusar a participar ou retirar seu consentimento, em qualquer fase da pesquisa, sem
nenhum prejuízo para você.
Os dados que você irá nos fornecer serão confidenciais e serão divulgados apenas em congressos ou
publicações científicas, sempre de forma anônima, não havendo divulgação de nenhum dado que possa lhe
identificar.
Esses dados serão guardados pela pesquisadora responsável por essa pesquisa em local seguro e por um
período de 5 anos. Se você tiver algum gasto pela sua participação nessa pesquisa, ele será assumido pela
pesquisadora e reembolsado para você. Se você sofrer qualquer dano decorrente desta pesquisa, sendo ele imediato
ou tardio, previsto ou não, você será indenizado.
__________________ (rubrica do Participante/Responsável legal) ___________________ (rubrica do
Pesquisador)
161
Qualquer dúvida sobre a ética desta pesquisa você deverá ligar para o Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) –
instituição que avalia a ética das pesquisas antes que elas comecem e fornece proteção aos participantes das mesmas
– da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, nos telefones (84) 3215-3135 / (84) 9.9193.6266, pelo e-mail
cepufrn@reitoria.ufrn.br ou pelo formulário de contato do site <www.cep.propesq.ufrn.br>. Você ainda pode ir
pessoalmente à sede do CEP, de segunda a sexta, das 08 h às 12 h e das 14 h às 18 h, na Universidade Federal do Rio
Grande do Norte, Campus Central, Lagoa Nova, Natal/RN, CEP 59078-970.
Este documento foi impresso em duas vias. Uma ficará com você e a outra com a pesquisadora responsável
Riane Maiara Feitosa Silva.
Consentimento Livre e Esclarecido
Após ter sido esclarecido sobre os objetivos, importância e o modo como os dados serão coletados nesta
pesquisa, além de conhecer os riscos, desconfortos e benefícios que ela trará para mim e ter ficado ciente de todos os
meus direitos, concordo em participar da pesquisa O enfrentamento da violência sexual intrafamiliar: o trabalho em
rede, e autorizo a divulgação das informações por mim fornecidas em congressos e/ou publicações científicas desde
que nenhum dado possa me identificar.
Natal, ___/___/______.
___________________________________________
Assinatura do participante da pesquisa
Declaração do pesquisador responsável
Como pesquisadora responsável pelo estudo O enfrentamento da violência sexual intrafamiliar: o trabalho
em rede, declaro que assumo a inteira responsabilidade de cumprir fielmente os procedimentos metodologicamente e
direitos que foram esclarecidos e assegurados ao participante deste estudo, assim como manter sigilo e
confidencialidade sobre a identidade dele. Declaro ainda estar ciente que na inobservância do compromisso ora
assumido estarei infringindo as normas e diretrizes propostas pela Resolução n. 466/12 do Conselho Nacional de
Saúde (CNS), que regulamenta as pesquisas envolvendo o ser humano.
Natal, ___/___/______. _____________________________________
Assinatura do pesquisador responsável
Impressão datiloscópica do participante
162
Apêndice E. Termo de autorização para gravação de voz
Eu, ____________________________________________________________, depois de
entender os riscos e benefícios que a pesquisa intitulada O enfrentamento da violência sexual
intrafamiliar contra crianças e adolescentes: o trabalho em rede poderá trazer, e entender
especialmente os métodos que serão usados para a coleta de dados, assim como, estar ciente da
necessidade da gravação de minha entrevista, AUTORIZO, por meio deste termo, a
pesquisadora Riane Maiara Feitosa Silva a realizar a gravação de minha entrevista sem custos
financeiros a nenhuma parte.
Esta AUTORIZAÇÃO foi concedida mediante o compromisso da pesquisadora acima
citada em garantir-me os seguintes direitos:
1. poderei ler a transcrição de minha gravação;
2. os dados coletados serão usados exclusivamente para gerar informações para a pesquisa
aqui relatada e outras publicações dela decorrentes, quais sejam: revistas científicas, congressos e
jornais;
3. minha identificação não será revelada em nenhuma das vias de publicação das
informações geradas;
4. qualquer outra forma de utilização dessas informações somente poderá ser feita
mediante minha autorização;
5. os dados coletados serão guardados por 5 anos, sob a responsabilidade da pesquisadora
coordenadora da pesquisa, Riane Maiara Feitosa Silva, e após esse período, serão destruídos; e
6. serei livre para interromper minha participação na pesquisa a qualquer momento e/ou
solicitar a posse da gravação e transcrição de minha entrevista.
Natal, _____/____/________.
_________________________________________________________________
Assinatura do participante da pesquisa
________________________________________________________________
Assinatura e carimbo do pesquisador responsável
163
Apêndice F. Termo de autorização para gravação em vídeo
Eu, _____________________________________________________________,
AUTORIZO a pesquisadora Riane Maiara Feitosa Silva, coordenadora da pesquisa intitulada O
enfrentamento da violência sexual intrafamiliar contra criança e adolescente: o trabalho em
rede, a fixar, armazenar e exibir a minha imagem por meio de vídeo com o fim específico de
inseri-la nas informações que serão geradas na pesquisa, aqui citada, e em outras publicações dela
decorrentes, quais sejam: revistas científicas, congressos e jornais.
A presente autorização abrange, exclusivamente, o uso de minha imagem para os fins aqui
estabelecidos e deverá sempre preservar o meu anonimato. Qualquer outra forma de utilização
e/ou reprodução deverá ser por mim autorizada.
A pesquisadora responsável, Riane Maiara Feitosa Silva, assegurou-me que os dados
serão armazenados em CD, sob sua responsabilidade, por 5 anos, e após esse período, serão
destruídos.
Assegurou-me, também, que serei livre para interromper minha participação na pesquisa a
qualquer momento e/ou solicitar a posse de minhas imagens.
Natal _____/_____/_______.
__________________________________________________________
Assinatura do participante da pesquisa
____________________________________________________________
Assinatura e carimbo do pesquisador responsável
164
Apêndice G. Práticas identificadas nas entrevistas
Tabela A1
Práticas identificadas nas entrevistas com atores do SGDCA
Práticas/ Instituições MP DCA ITEP/RN CT CEDECA CREAS CRAS Escola COMDICA
Acolhimento
Inicial/Escuta
X X X X X X
Atendimento X X X X X X
Recebimento de
Denúncia
X X X
Encaminhamento
para Rede
X X X X X X X
Notificação ao CT X X X
Acompanhamento
familiar
X X X X X
Ações de
mobilização
X X X X X
Orientação
(população/usuários)
X X X X X X
Visita Domiciliar X X X
Visita Institucional X X X X X
Trabalho com
Grupos
X X X
Elaboração de
PIA/PAF
X X
Estudo de caso
interno
X X X X
Estudo de caso com
a rede
X X X
Medidas Protetivas
(Vitima)
X X
(continua)
165
Práticas/
Instituições
MP DCA ITEP/RN CT CEDECA CREAS CRAS Escola COMDICA
Responsabilização
do agressor
X X
Apoio à família X X X X X X X
Investigação
(Interrogação;
Oitivas;
Diligências)
X X
Realização
exames periciais
X
Avaliação
psicológica
X
Reuniões X X X X X X X
Registros X X X X X X X X X
Elaboração de
Relatórios
X X X X X X
Realização de
palestras
X X X
Formações e
capacitações
X X X
Assessoria a
outros municípios
X
Participação em
audiências
públicas
X X
Monitoramento e
proposição de
políticas públicas
X
Levantamento de
índices e dados
X X
(continua)
166
Práticas/
Instituições
MP DCA ITEP/RN CT CEDECA CREAS CRAS Escola COMDICA
Metodologia da
autoproteção
X
Formação
Sociopolítica de
adolescentes e
jovens
X
Incidência politica X
Avaliação das
práticas
X X